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EDITORIAL
APESAR DAS INCERTEZAS E DIFICULDADES, DESISTIR NÃO É OPÇÃO
Cristina de Sousa Diretora da IACA
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Convidou-me o Jaime Piçarra para assinar este Editorial a partir da minha experiência na Indústria e na Fileira, num ano em que a empresa que represento, a Raporal, comemora o seu 50º Aniversário. A partir daqui, com base no passado e no presente, difícil e incerto, seria possível projetar o futuro de todo um Setor que já mostrou uma notável capacidade de resiliência e de adaptação em contextos de grandes dificuldades, mas que enfrenta um futuro sombrio, pela evolução recente e os ataques, quase diários, à atividade pecuária, a que acresce a “tempestade perfeita”, se conjugarmos os custos da alimentação com a baixa de preços dos produtos de origem animal.
No início, o sonho era construir uma fábrica de rações que produzisse alimentos compostos de qualidade para alimentação dos seus animais. Concretizada a construção da unidade, outros sonhos se seguiram como a integração, desde a produção até à transformação de carnes. A Indústria tem hoje empresas integradas, outras no mercado livre, que são muito mais do que empresas de rações, mas parceiros de negócio dos produtores pecuários e preocupados em fornecer as melhores soluções nutricionais para que todos possamos ser viáveis, competitivos e sustentáveis.
No decorrer destas cinco décadas houve vários momentos marcantes, uns positivos e outros nem tanto, mas o Setor é essencial para o desenvolvimento dos territórios em que se inserem e, direta ou indiretamente, contribuímos para alimentar Portugal, com uma componente de exportação que não é negligenciável, reduzindo o nosso déficit comercial.
Se no início as dificuldades se prendiam com o desafio de construir uma empresa de raiz, ao longo dos anos outras foram ultrapassadas. Dificuldades que se prendem com a incerteza do abastecimento, assim como com a colocação do nosso produto final no mercado.
Um fenómeno que é crónico e para o qual temos de dar uma resposta enquanto Fileira.
Hoje a menor produção de cereais em Portugal (situação que já se verifica há muitos anos) assim como o grande interesse que os fundos de investimento têm revelado pelas matérias-primas criaram incerteza, volatilidade, e têm dificultado a previsão de compra pelas fábricas de rações.
Por outro lado, as dificuldades sentidas nos últimos anos e sobretudo em 2021, com a colocação e valorização dos produtos finais no mercado (nacional e externo) leva-nos a questionar o futuro do setor. É nestes momentos de reflexão que me questiono: a fome é um fenómeno em expansão, há que alimentar uma população crescente no mercado mundial; porquê tanta dificuldade em tornar esta atividade atrativa?
No entanto, faz todo o sentido continuar a produzir carne para alimentar essa população, participar ativamente no desenvolvimento e ser parte importante na economia do nosso País.
Mas há também outros receios … a redução do consumo de carne é uma realidade, assim como a imagem da produção animal, nomeadamente a relativa ao bem-estar animal ou a utilização dos antibióticos, a desflorestação, têm grande impacto junto do consumidor e, infelizmente, na maior parte das vezes a “história não é toda contada”.
As “fake news”, o apetite voraz dos media pela desgraça, os grupos antiglobalização e ambientalistas, algumas práticas no setor que devem ser fiscalizadas e exemplarmente punidas têm conduzido a um ambiente desfavorável e não temos conseguido fazer passar a mensagem das transformações notáveis que toda a Fileira tem desenvolvido nos últimos anos em prol da qualidade, indo ao encontro da satisfação dos consumidores e adaptando-se constantemente às exigências legislativas.
Factos como os avultados investimentos realizados nas instalações, garantindo conforto e bem-estar aos animais, nomeadamente o controlo da temperatura, da humidade, ventilação, … não são devidamente divulgados junto da população. Nesta área há muito ainda a fazer! A nossa mensagem (a da produção) não vende jornais, nem cativa audiências e nós, por muito que queiramos, não conseguimos fazer valer as nossas mensagens, nomeadamente que somos uma atividade que recicla, reutiliza, cria riqueza e se preocupa com os consumidores, com as alterações climáticas, com os desafios societais.
Como vai ser o futuro? Não sei e é difícil prever ou antever!
Talvez consigamos recuperar o consumo da carne, talvez os nossos clientes não promovam a venda da carne cada vez mais barata, talvez as grandes preocupações com a pegada de carbono, legítimas, favoreçam o consumo local em detrimento do consumo mais barato.
Talvez se promova o aumento da produção de matérias-primas, leia-se cereais, oleaginosas e proteaginosas em Portugal que nos permita a utilização de recursos locais naturalmente menos onerosos. É com as muitas dúvidas identificadas neste texto que termino.
Não pretendo transmitir uma mensagem de desânimo, mas se não fizermos nada para alterar a situação atual, todos perdemos, nomeadamente Portugal!
As dificuldades trazem sempre oportunidades, mas todos, empresas do Setor e Administração Pública, nacional e comunitária, temos de ser cúmplices, para que a mudança de paradigma reconheça a importância da atividade pecuária, nas dietas, no território, no ambiente e nos ecossistemas, em que o papel da alimentação animal é e será determinante.
Nos trabalhadores da minha empresa e de todos os que a serviram desde há 50 anos, homenageio todas as empresas e trabalhadores que nos fazem sentir um enorme orgulho no Setor da Alimentação Animal e da Fileira Pecuária.
Com o mesmo espírito lutador e de abnegação, saberemos ultrapassar as adversidades e preparar os desafios de 2030.
Porque desistir não é opção.