Por quatro décadas de estrelas
A
Elifas Andreato
Pinta-se com o coração e a cabeça mais do que com as mãos.
ARMAZÉM DA M E MÓRIA NAC IONAL Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisor Lucas Puntel Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP) Impressão Gráfica Oceano PUBLICIDADE Belo Horizonte: (31) 3281-0283 Marco Aurélio Maia • mam@alol.com.br Brasília: (61) 3321-0305 Charles Marar • cmarar@uol.com.br Charles Marar Filho • chmfilho@uol.com.br Rio de Janeiro: (21) 2245-8660 Fernando Silva • fernando@gestaodenegocios.com.br Enio Santiago • enio@gestaodenegocios.com.br Vitória: (27) 3389.3452 Flávio Castro • flavio@gestaodenegocios.com.br São Paulo: (11) 3873-9115 Maria Fernanda Santos • comercial@almanaquebrasil.com.br Distribuição em voos nacionais e internacionais:
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Théophile Gautier (1811-1872), escritor francês
nossa capa
Aumente seu nível de brasilidade E ainda ganhe pontos para viajar
Gringo Cardia
DIVULGAÇÃO
editora J. J. Carol lançará, em novembro, uma edição da coleção Portfólio Brasil dedicada à minha obra gráfica. A linha editorial da publicação exige comentários contextualizados, explicações sobre o processo criativo, técnicas e suportes de cada trabalho. Ao começar a preparar isso, contudo, me dei conta de que não lembrava mais dos primeiros desenhos que publiquei na imprensa. Surpreso, descobri que eles são de 1969. Com cuidado, coloquei os velhos jornais sobre a prancheta e os folheei. Estava ansioso, mas também aflito por não saber que reação teria ao ver desenhos feitos 40 anos atrás. Dediquei bom tempo observando os defeitos de cada um. Porém, amparado pelas lembranças da época, senti orgulho deles. Para fazê-los, foi necessário superar o medo e as precárias condições que o regime militar nos “concedia”. Apesar das imperfeições, eles são testemunhas de um tempo em que predominava no País a mais estúpida ignorância. A informação, as artes e a própria cultura precisavam de autorização para ganhar o mundo. Um legado de barbárie e atraso cujo preço continuamos pagando, já que muitos daqueles que apoiavam o regime da época ainda estão, para nossa desgraça, vivos e no poder. Sou, por natureza e necessidade, um combatente. Sigo fazendo a pequena parte que me cabe, e me sinto vitorioso. Pertenço a uma geração de bons brasileiros que nunca desistiram de lutar contra a injustiça e outros males. Graças a essa obstinação e persistência, conquistamos avanços sociais notáveis nos últimos 40 anos. Se ainda não temos o país desejado, a plena democracia é a mais poderosa arma para realizar a nação que sonhamos. Utopia? Talvez. Mas não posso viver nem trabalhar sem esperança. Esperança representada, em quatro décadas, por estrelas nos céus dos meus desenhos. Fiz do papel meu confidente. Nele, contei os dias e as noites do País. As vitórias e derrotas do povo, minha admiração pela infância. E é sempre bom lembrar: não há desgraça maior para uma nação do que matar os sonhos de suas crianças. Agora, insisto e persisto. Pois nunca mais terei 40 anos.
O capista desta edição do Almanaque já atuou como arquiteto, artista plástico, designer, diretor de arte e diretor de videoclipes, desfiles de moda, ópera e teatro. Entre os destaques de sua carreira, estão projetos cenográficos de cerca de 100 peças teatrais, nas quais trabalhou com os mais reconhecidos diretores brasileiros. Em música, fez a programação visual de mais de 150 shows. Como designer gráfico, assinou capas de artistas como Tom Jobim, Chico Buarque e Marisa Monte. Também ganhou reconhecimento como diretor de videoclipes. Atualmente, trabalha com produções visuais para o Afroreggae, Cufa (Central Única das Favelas) e Hutúz, prêmio de hip hop. A partir dessas atividades, projetou a exposição Estética da Periferia, que roda o País desde 2005. Ao lado da irmã, Gringa Cardia, comanda a Mesosfera Design. A arte que Gringo preparou para a capa desta edição do Almanaque é livremente inspirada em Mulher com Braçada de Flores, de Di Cavalcanti.
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Ilustrações: GUILHERME RESENDE
Solução na p. 26
tem o Riso, Planeta do Homens, Chico Anísio Show. Também aparecia em comerciais da Loteria dirigidos por Cacá Diegues. “Proibida a execução em lugares públicos e a venda para menores de 21 anos”, informava uma tarja em todos os discos do comediante, sucessos de vendagem. Na capa do primeiro volume, aparecia nu, atrás de uma mesa. Na altura das partes íntimas, sobre a mesa, um peru. Não media termos de baixo calão. E era o rei das caretas. Entre as palavras, comprimia os lábios, colocava a língua pra fora. Seu forte eram as piadas. “Aí a bichinha...”, começava. Gostava também das de português. Morreu aos 72 anos, em 15 de setembro de 1995. O último papel foi no programa Escolinha do Professor Raimundo, uma homenagem a Mazzaropi e Oscarito. (NP)
Tempos de ditadura, alta tensão política. Sob essa atmosfera, Sérgio Ricardo subiu ao palco do 2º Festival da Record, em 1968, para defender a música Beto Bom de Bola. O público o recebeu com a maior vaia da história dos festivais. A canção não era considerada politizada. Sérgio conclamou que prestassem atenção na letra, e começou a cantar. Mas mal ouvia a própria voz. Irritado, calou o violão e vociferou: “Vocês ganharam!”. Quebrou o instrumento e arremessou-o contra o público. O clima ficaria tenso de fato na hora da saída. Parte da plateia o esperava na rua, e não era pra pedir autógrafo. Precisou ser escoltado pela polícia.
ARQUIVO/AE
o filho do palhaço, o que é? Desde que o pai e ídolo deixou a família, ele foi contínuo, engraxate, garçom, apontador do jogo do bicho. Lírio tinha 13 anos quando começou a trabalhar e 19 quando entrou na Rádio Tamoio como faxineiro, em 1942. Lá garantiu sua vaga de radioator. Logo participaria do teatro de revista, com seu estilo desbocado. Estreou no cinema com muita polêmica, em Anjo do Lodo. Em prol dos bons costumes, o então vereador paulistano Jânio Quadros tentou proibir a película, que mostrava o meretrício e a atriz Virgínia Lane no papel de prostituta. Fez ainda pontas em chanchadas e uma série de impagáveis paródias de longas famosos. Contracenou com Grande Otelo em As Aventuras de Robinson Crusoé. A partir dos anos 1960, participou de diversos humorísticos na tevê: Apertura, Aper-
Setembro 2009
15/9/1956
15/9/1982
S E T E M B R O
REI É REI
20/9
Aos 21 anos,
dia do radialista
Pelé já tinha feito
500 gols
Domício Pinheiro/AE
C
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m 1969, o Brasil parou para ver Pelé fazer o milésimo gol, contra o Vasco, no Maracanã. Mas sete anos antes o Rei chegava a uma marca tão impressionante quanto, mas muito menos comemorada. Em 2 de setembro de 1962, Pelé fazia o gol de número 500 numa partida contra o São Paulo, válida pelo Campeonato Paulista. Tinha apenas 21 anos. Para chegar até aí, o jogador bateu recordes atrás de recordes. Em 1957 tornou-se o mais jovem artilheiro do Campeonato Paulista. No ano seguinte, marcou 58 tentos pelo mesmo campeonato, número inalcançado até hoje. Em 1959, balançou as redes 127 vezes. O Rei foi ainda o artilheiro do Paulistão por nove temporadas seguidas, de 1957 a 1965. Para efeito de comparação, outro brasileiro que fez mil gols, Romário, alcançou a metade dessa marca aos 29 anos. O corintiano Ronaldo, aos 32, espera chegar aos 500 apenas em 2010. (BH) Veja gols de Pelé no site do A lmanaque .
MICROFONE A POSTOS
Papas e presidentes renderam-se ao Tico-Tico
om um fio e latas de tomate, Tico-Tico já brincava de rádio desde garotinho. Começou como repórter tapando buraco, em 1947, quando Ademar de Barros tomava posse no governo de São Paulo. Um radialista presente pediu para o estudante de Direito, que cantava emboladas e trabalhava como jornalista, ficar “falando alguma coisa” na transmissão ao vivo. Ágil e agitado, como sugere o apelido, José Carlos Morais fez uma entrevista atrás da outra. Pouco depois, Ademar comprou a Rádio Bandeirantes e ele foi chamado para ser repórter. Continuou tico-tico. Entrevistou presidentes – de Trumann a Fidel Castro –, além de personalidades internacionais e todos os papas de sua época. Tudo sem saber falar qualquer língua além do português. Certa vez, cobria o encontro dos presidentes João Goulart e Kennedy nos Estados Unidos. Partiu com o microfone na direção do americano: “Mister President, mister President”, ignorando os seguranças. Jango viu um deles sacar a arma e interferiu: “No, no. It’s my report, Taico-Taico!”. Enquanto tratavam de explicar sobre o repórter
Tico-Tico e o astro mirim italiano de Marcelino Pão e Vinho (1955).
meio louco, Tico-Tico conseguiu mais uma entrevista exclusiva. Na visita do presidente Eisenhower ao Brasil, alguns anos antes, o jornal The Washington Post registrou: “A pessoa mais interessante de São Paulo é Tico-Tico, famoso repórter de rádio. Durante a visita de cinco horas, não parou de falar, o tempo inteirinho, com exceção de um intervalo, breve, em que brigou com a polícia”. (NP)
No site do Almanaque, ouça momentos importantes do radiojornalismo brasileiro.
de quem são estes olhos?
O dono destes olhos nasceu em 10 de setembro de 1952 no interior de São Paulo. Pai lavrador, mãe doméstica. Fez colégio industrial e faculdade de Artes Cênicas. Ator e diretor, tem vasto currículo em peças, séries e novelas. Em Tieta, consagrou personagem que dizia “di jeito ninhum” e “Sum Paulo”. No cinema, coleciona papeis históricos: Visconde de Mauá, Getúlio Vargas, Lamarca. Confira a resposta na página 26.
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O RIO PARANÁ INUNDA O SALTO DE SETE QUEDAS PARA DAR INÍCIO AO FUNCIONAMENTO DE ITAIPU, A MAIOR HIDRELÉTRICA DO MUNDO.
Arquivo/AE
COMEÇAM AS OBRAS DA HIDRELÉTRICA DE TRÊS MARIAS, NO RIO SÃO FRANCISCO, QUE TERIA A MAIOR BARRAGEM DE TERRA DO MUNDO.
CONTRA A CORRENTE
ÂNgelo Agostini/Reprodução/AB
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José do Patrocínio
efender Isabel, a Princesa Regente, acima de todas as coisas. Era esse o objetivo da Guarda Negra da Redentora, organizada em 22 de setembro de 1888 por abolicionistas e ex-escravos. Cada novo membro jurava: “Pelo sangue de minhas veias, pela felicidade de meus filhos, pela honra de minha mãe e a pureza de minhas irmãs, e, sobretudo, por este Cristo”, defender “o trono de Isabel, a Redentora”. Gratos pela assinatura da Lei Áurea, e contrariando a ideologia da maioria dos ex-escravos, republicanos, a Guarda Negra empenhava-se pela monarquia. O próprio abolicionista José do Patrocínio, à frente do grupo, havia sido republicano ferrenho. A oposição o chamava de “vendido”. As seções da Guarda eram secretas e a quebra do sigilo podia acabar em morte. Entre outras ações, o grupo armava-se de cassetetes para dissipar ouvintes em comícios favoráveis à República. (NP)
No site do Almanaque, acesse a monografia Ação Multifacetada: As ações da Guarda Negra da Redemptora no ocaso do Império, de Augusto Oliveira Mattos (2006).
MIRAGEM?
30/9
dia mundia navega l da ção
Divulgação
Festas, desfiles de moda e peças de teatro em pleno Tietê
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Almirante do Lago: passeios solitários nas águas turvas.
m 2005, quem se metia no habitual trânsito da marginal Tietê, em São Paulo, deve ter tomado um susto ao olhar para o leito sujo e semimorto do rio que divide as duas vias expressas. Em volta de pneus velhos e detrimentos de toda natureza havia uma embarcação de médio porte. No Tietê? Sim, e o responsável pela miragem é o empresário Andrelino Novazzi Neto, que teve a ideia de trazer um barco para realizar passeios por baixo das pontes sempre cheias de carros e motoristas aborrecidos. Para isso, comprou o Almirante do Lago, um
barco de dois andares, com capacidade para 200 pessoas. Desde então, em parceria com o Instituto Navega São Paulo, mais de 20 mil alunos de escolas públicas e particulares já realizaram um passeio de uma hora e meia pelo rio. Durante o período, aprendem sobre o Tietê e conscientizam-se sobre a importância da preservação do meio-ambiente. Em 2006, o barco foi palco de uma temporada do grupo Teatro da Vertigem, com um público total de 1.700 pessoas. No início de 2008 foi a vez do estilista Marcelo Sommer encher o barco de belas modelos para realizar um desfile-manifesto pela Cavalera. Mas o acontecimento mais inusitado ocorreu quando Andrelino sugeriu a um amigo que realizasse sua festa de aniversário no Almirante do Lago. O sujeito topou, e durante uma noite mais de 200 pessoas usufruiram de serviço de bar, pista de dança e três DJs. A diversão só terminou ao amanhecer, quando os motoristas aborrecidos se surpreenderam novamente com a (BH) miragem em pleno Tietê.
Saiba Mais Site do Instituto Navega São Paulo: www.navegasp.org.br
Manuel de Souza/Folha Imagem
Grata à Isabel, Guarda Negra deu sangue por monarquia
Ada Rogato: aviadora pioneira.
GAIVOTA SOLITÁRIA
Brasileira cruza os Andes pelos ares e entra para a história
A
paulistana Ada Rogato foi a primeira mulher sul-americana a saltar de para-quedas e a primeira brasileira a pilotar planadores. Foi precursora também ao tirar o brevê – carteira de habilitação dos aviadores. Mas um fato ocorrido em 12 de setembro de 1950 a colocou definitivamente na história da aviação esportiva. Nessa data, tornou-se a primeira mulher a cruzar a Cordilheira dos Andes num voo solitário. No comando do avião Paulistinha CAP-4, cobriu 11.200 quilômetros ao visitar Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, ocasião na qual cruzou as grandes cordilheiras, numa viagem que durou 116 horas. Nos anos subsequentes visitou ainda 28 países num único projeto; sobrevoou a floresta amazônica; pousou no aeroporto mais alto do mundo, na Bolívia; chegou à Terra do Fogo, no extremo sul do continente; e ao Alasca, no extremo norte. Sempre sozinha. Sua obsessão por voar só, mesmo em aeronaves com recursos limitados, lhe rendeu um apelido: Gaivota Solitária. (BH) No site do A lmanaque , veja fotos das aventuras de Ada Rogato.
estação colheita O que se colhe em SETEMBRO
Jaboticaba, mamão, manga, caju, kiwi, uva itália, uva rubi, mexerica. Setembro 2009
23/9
Novos Baianos viveram paz e amor no Cantinho do Vovô Reprodução/AB
dia da dade comuni
AO SOM DE PANDEIROS E GUITARRAS
Novos Baianos e família em foto para a capa de Acabou Chorare.
L
ia-se “Cantinho do Vovô” em vez de “ordem e progresso” na bandeira pintada no portão. Era o portal para a comunidade dos Novos Baianos entre 1971 e 1975, um sítio em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro. Em plena ditadura militar, os músicos de Acabou Chorare e Preta Pretinha viviam lá seu “neo-socialismo”. Na casa armavam-se cabanas, as moradias próprias de cada um. Já era assim no apartamento, em Copacabana, onde não tinham tanta liberdade e natureza, além de terem sido despejados por falta de pagamento. Viviam juntos os Novos Baianos Moraes Moreira, Luiz Galvão, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor e Pepeu Gomes, mais a banda A Cor do Som. Sem contar motorista, empresário, esposas, as crianças e agregados, como um argentino de dupla personalidade e um índio boliviano que conheceram na Bahia. A ideia, segundo Galvão, autor de Anos 70: Novos e Baianos (34, 1997), era “manter as pessoas juntas, sem que elas se sentissem agredidas por normas, proibições e ordens”. Havia os administradores dos assuntos gerais: cozinha e lavanderia. Uma dupla se responsabilizava pelos instrumentos, outros cuidavam dos gastos com futebol, e assim por diante. Na porta da cozinha ficava o “mocó”, um saco com o dinheiro que tinham, de uso comunitário. “Somos www.almanaquebrasil.com.br
crianças brincando de casinha”, dizia Baby, que depois viraria do Brasil. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé eram visitas constantes, além de curiosos em geral. Certa vez apareceu um ex-presidiário, que, saindo da prisão, não tinha para onde ir. Foi recebido. Excursões escolares chegaram a visitar o sítio para conhecer o sistema. Vira e mexe os moradores tinham problemas com a polícia. Ou por porte de drogas, das quais eram adeptos para “se livrar das ideias opressoras”, ou, simplesmente, por serem cabeludos. Todos picando quiabos, uma enorme panela na fogueira e crianças tomando banho no quintal eram cenas comuns no sítio. Os dias corriam com rodas de música, ensaios, composições e peladas (ou babas, na gíria baiana), muitas vezes levadas a sério em torneios. O principal adversário era o time de Ipanema, com Evandro Mesquita e Vinícius Cantuária no meio de campo. O pessoal do Cantinho do Vovô achava que o futebol não merecia ser coisa de “alienado”, como pensava a juventude de esquerda na época. Criaram o Novos Baianos Futebol Clube. O nome virou também título do terceiro álbum deles, de 1973. A alegria era uma arma contra os anos de chumbo. Galvão avalia que “o grupo enfrentou o tempo Médici como numa partida de futebol, dando sangue, suor, inteligência, calma, juventude, alma e todas as virtudes para vencer e, na pior das hipóteses, empatar”. Acabou Chorare, lp de 1972 que condensa o espírito da turma, é constante nas listas dos melhores discos da música brasileira. (NP) No site do A lmanaque , veja trechos do documentário Novos Baianos Futebol Clube (1973), de Solano Ribeiro, sobre a comunidade alternativa do grupo.
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Tereza Guilherme Gregório Magno Rosália Bertino Eleutério Clodoaldo Adriano de Nicomédia Pedro Claver Nicolau de Tolentino João Gabriel Guido Crisóstomo Materno Catarina de Gênova Ludmila Sócrates José de Copertino Januário Estáquio Mateus Evangelista Maurício Lino Geraldo de Csanad Sérgio de Radonej Cosme e Damião Vicente de Paulo Venceslau Rafael Sofia
São Cosme e São Damião Irmãos gêmeos e médicos, viveram na Ásia entre os séculos 3 e 4. Possuem poucos registros e sua história é envolvida em crenças populares. Exerciam a profissão gratuitamente e morreram martirizados por serem cristãos. Teriam se materializado para curar crianças. São padroeiros das profissões ligadas à medicina.
Central teve duas
inaugurações, 600 despejos
Marc Ferrez. 1910/Reprodução
TUDO PELA MODERNIDADE
e um descarrilhamento
A
ansiedade pela abertura da avenida Central, no Rio de Janeiro, era tanta, que a obra teve duas inaugurações. Ambas em datas patriotas: 7 de setembro de 1904 e 15 de novembro do ano seguinte. A obra fazia parte de um grande projeto do presidente Rodrigues Alves e do prefeito Pereira Passos para modernizar a capital do País, assolada por sujeira e doenças. Inspirada nos boulevards franceses, a Central – hoje Rio Branco – teria o tamanho da Champs Elisées, atravessando o centro da cidade. Um “grande Sabá arquitetônico de dois quilômetros”, definiu o cronista João do Rio. Para calçar, instalar esgoto, luz, eletricidade e bonde, mutirões demoliram os cortiços e casas da região. A obra ficou conhecida como “bota-abaixo”. Em menos de dois anos, tudo estaria pronto, com novos e modernos edifícios à margem da via. Antes ainda, com sete meses de reformas, foi celebrada a inauguração do primeiro
trecho, sinalizando o final das demolições. Ou teórico final. No evento, o presidente percorreria o trecho de bonde. Mas uma construção não demolida fez o veículo descarrilhar. O passeio ficou pela metade. Todas as outras 600 casas já não estavam mais lá para contar história. Os antigos moradores, sem opção, começavam a se aglomerar nos morros, dando origem às favelas. Por outro lado, a via traria ares de cidade moderna ao Rio, tirando a “morrinha imperial”, disse Drummond. No ano seguinte, o jornal A Tribuna comemorava: “A avenida surgiu diante dessa terra como uma maravilha, como a aurora luminosa de um (NP) futuro grandioso”.
Avenida Central, em 1910: inspirada na parisiense Champs Elisées.
A partir do site do Almanaque, acesse uma exposição virtual com fotos antigas da avenida Central.
o dia d istrador admin
Rasgar Seda
a, autor Numa comédia de Martins Pen ntecia teatral brasileiro do século 19, aco visita uma a seguinte cena: um vendedor preende moça oferecendo tecidos. Ela com o para text pre que trata-se apenas de um ue rasg o cortejá-la e consagra a fala: “Nã então, a a seda que ela se esfiapa”. Desde ém exagera expressão é usada quando algu em cortesias ou elogios.
MINISTRO DAS DIVERSÕES
Italiano era o dono do pedaço no entretenimento carioca
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Reprodução/AB
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pressão
Origem da ex
italiano Paschoal Segreto desembarcou no Rio de Janeiro em 1883, em busca de uma vida melhor no Novo Mundo. Os primeiros anos, porém, foram difíceis. Sem dinheiro, chegou a ser preso 13 vezes por motivos diversos. Mas ele tinha bom tino comercial, além de saber se envolver com os poderosos da cidade. Ao lado do influente José Roberto da Cunha Salles, inaugurou em 1897 a primeira sala de cinema fixa do Brasil: o Salão de Novidades Paris. E, à frente do empreendimento, produziu mais de 60 filmes – entre os quais o que é considerado o primeiro registro cinematográfico do País, quando seu irmão Afonso filmou a Baía da Guanabara. Segreto era um empreendedor compulsivo. Abriu
cabarés, cafés e casas de diversão para a elite carioca, como o Maison Moderno, um verdadeiro império do entretenimento. Lá tudo cabia: tiro-ao-alvo, montanha russa, luta greco-romana, dançarinas e qualquer coisa que lhe desse na cabeça. O italiano foi também um nome importante do teatro. Era dono de salas de apresentações e financiava peças, boa parte comédias de costume. Para ter preços atraentes, promovia três sessões diárias. Cobrando pouco, juntava gente de todas as classes. O empresário morreu em 1920, aos 51 anos. Mas viveu o suficiente para dar nova cara à produção artística e de entretenimento do Rio. De tão importante, era chamado pelos jornais cariocas (BH) de Ministro das Diversões.
Leia no site do Almanaque um texto da Prefeitura do Rio sobre Paschoal Segreto. Setembro 2009
Fases da Lua
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MUITO ANTES DO DIPLOMA
dia da juventude
Alunos do Pedro II criaram escolinha de
Pequenos jornaleiros já não existem, mas têm casa
30/9
dia al do nacion eiro jornal
jornalismo
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eninos curiosos, um editor dinâmico e um mercado em expansão: roteiro perfeito para a criação, em 1934, de uma das primeiras escolas de jornalismo do País, quase 10 anos antes da instituição do curso universitário na área. Em tempos de ascensão e queda do diploma, difícil imaginar meninos de 12 anos colaborando para uma editora. Nova empreitada do empresário e pioneiro em edição de gibis no Brasil, Adolfo Aizen, o Grande Consórcio de Suplementos Nacionais – na realidade, ainda uma pequena editora – acabara de lançar seu Suplemento Juvenil, e atingira na mosca o público desejado: adolescentes. Um grupo deles, do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, se aproximou. Primeiro, pedindo a colaboração para uma campanha pela paz. Em seguida, com a criação de um fã-clube, o Clube dos Juvenilistas. Com presença efetiva no dia a dia da editora, discutiam roteiros e propunham novos títulos. Os mais dedicados foram convidados a escrever. Estava instituída a Escolinha do Suplemento Juvenil. Entre as jovens promessas, estava o articulado Alfredo Machado, logo efetivado como repórter mirim. Ficou com Aizen dos 12 aos 17 anos, quando teve um aumento negado. Acabou batendo à porta da concorrente, a Editora Globo, para ganhar três vezes mais. Aizen e Machado só voltariam a se falar nove anos depois, em uma viagem para a Europa. Atento, Machado havia percebido uma lacuna no mercado de distribuição de revistas. A esta altura, já era o respeitado dono da Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, (Mariana Albanese) que mais adiante se tornaria a editora Record. Saiba mais A Guerra dos Gibis, de Gonçalo Junior (Companhia das Letras, 2004). www.almanaquebrasil.com.br
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Reprodução/AB
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Atividades da Casa do Pequeno Jornaleiro.
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xtra! Extra! Quem ouve o grito logo associa a notícias bombásticas nos jornais. E vem à cabeça o dedicado jornalista investigativo, escrevendo e suando em bicas com o bafo do editor no cangote. Mas o que pouca gente sabe é que esse grito nasceu nas mãos (ou melhor, nas goelas) dos pequenos jornaleiros. Eles é que liam em alto e bom tom as manchetes do dia, na esperança de que os passantes comprassem aquela edição. A Casa do Pequeno Jornaleiro foi criada em 1940 como o principal projeto da Fundação Darcy Vargas, entidade filantrópica criada pela então primeira-dama, dona Darcy Vargas, e que, após a morte de Getúlio, ganhou dela sua dedicação exclusiva. Os vendedores de jornais estavam se tornando um problema social no Rio de Janeiro. Na esperança de obter mais exemplares das publicações diretamente das distribuidoras, eles perambulavam pelo centro da capital federal e dormiam nas ruas. A ideia de dona Darcy era oferecer um abrigo para os jovens, e não só tirá-los das ruas, como também dar-lhes uma ocupação no restante do dia, como aulas e cursos profissionalizantes que não conflitassem com os horários da profissão. Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Casa do Pequeno Jornaleiro teve suas atividades reformuladas. O objetivo hoje é garantir reforço escolar e atividades complementares para crianças e jovens da região central carioca. Além de disciplinas como português e matemática, há aulas de informática, corte e costura, jardinagem, dança e até um coral. A Casa do Pequeno Jornaleiro é a grande obra social da categoria, como lembra Edith Vargas, atual presidente da fundação e neta de Getúlio e Darcy. Mesmo lembrando em pouco o nome da casa, o lugar respira memória. E dá pra ficar pensando como foi para um pequeno jornaleiro gritar nas ruas a manchete do fatídico dia 24 de agosto de 1954, dia da morte de Getúlio. (Viktor Chagas, do Rio de Janeiro-RJ - OVERMUNDO) Saiba mais Confira outros conteúdos e mais informações sobre o assunto em www.overmundo.com.br
libra
(23-9 a 22-10)
6/9 dia do alfaiate
se te m b r o ta m b é m te m
O libriano valoriza a vida social. É uma fonte de energia, faz questão de ser agradável e carismático. Às vezes, prefere manter a elegância a seguir um instinto. Costuma organizar as atividades e proporcionar equilíbrio ao grupo. O nativo do signo da balança deve tomar cuidado, contudo, para não perder sua própria identidade enquanto agrada a todos.
Ocasião exigia esporte fino, Suassuna foi de Sport Fino
Saiba Mais Ariano Suassuna – Um perfil biográfico, de Adriana Victor e Juliana Lins (Zahar, 2007).
enigma figurado
ACERVO PESSOAL
Na infância em Taubaté, onde nasceu em 29 de setembro de 1927, era o Caolho e vendia uma espécie de gel caseiro para fixar cabelos. Adolescente, formou-se em Contabilidade, mas, no palco da festa de um amigo, pronunciou um sonoro “boa noite” que lhe rendeu um emprego como locutor na Rádio Difusora. Depois, pela televisão, o cumprimento noturno passou 27 anos chegando quase diariamente a milhares de lares do Brasil.
R.: Confira a resposta na página 26.
Alexandre Auler/JC Imagem
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ntre a vegetação seca, o céu azul, o sol forte e muitas pedras, na vila de Taperoá, Sertão dos Cariris Velhos da Paraíba, nasceu Ariano Suassuna, nos idos de 1930. Deitado na cama, o menino desde pequeno devorava livros. Literalmente. A cada página lida, arrancava um pedacinho de papel e comia, viajando com as palavras. E assim cresceu mergulhado em uma paixão: a literatura. Tornou-se o portavoz das histórias do agreste nordestino. Seus livros ganharam o mundo. Inspirado pela terra seca, Suassuna Ariano é recebido com festa, e traje apropriado, no estádio do Sport. escreveu Uma Mulher Vestida de Sol, O vestimentas para tamanha honraria, criou Auto da Compadecida, O Romance d’A o traje Sport Fino. A roupa é constituída Pedra do Reino, entre tantos outros. Anos por calça e casaco pretos de linho, feitos atrás, soube que seria homenageado com sob medida pelas costureiras e alfaiates do uma comenda do Governo de Portugal sertão; camisa e meias vermelhas e sapato pelo conjunto da obra. O convite para o preto. Elegante que só! É vestido assim evento pedia em letras destacadas: traje que, desde então, Ariano passou a esporte fino. comparecer a todas as solenidades. Suassuna, além de amante das letras, é um Trajando o Sport Fino, ele recebeu a torcedor fervoroso do Sport Club do Recife, Comenda da Ordem do Mérito Cultural e time que considera “o primeiro sem desfilou na Marquês de Sapucaí, em pleno segundo”. Quando viu a exigência, nem carnaval carioca de 2002, na maior e mais precisou pensar muito. Para prestigiar as rubro-negra elegância. cores do clube e solucionar o dilema das (Laís Duarte)
1 Dia do Caixeiro Viajante 2 Dia do Florista 3 Dia Nacional do Biólogo 4 Dia do Serventuário 5 Dia da Defesa da Amazônia 6 Dia do Cabeleireiro 7 Dia da Independência do Brasil 8 Dia Internacional da Alfabetização 9 Dia do Seminarista 10 Dia Nacional do Jornalismo 11 Dia do Árbitro Esportivo 12 Dia Nacional da Recreação 13 Dia Mundial do Agrônomo 14 Dia da Comunidade Muçulmana 15 Dia do Musicoterapeuta 16 Dia da Embratel 17 Dia da Compreensão Mundial 18 Dia do Perdão 19 Dia do Adolescente 20 Dia do Coletor de Lixo 21 Dia do Fazendeiro 22 Dia da Banana 23 Dia da Internet 24 Dia do Soldador 25 Dia do Rádio 26 Dia do Policial 27 Dia do Cantor 28 Dia do Lavrador 29 Dia do Anunciante 30 Dia da Secretária
o baú do Barão
Quando chove sopa, o pobre está de garfo. Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
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RODRIGO PEDERNEIRAS
A criação do Corpo foi um exercício profissional e de vida
José Luiz Pederneiras
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O mais recente espetáculo do Grupo Corpo, Ímã, com coreografia de Rodrigo Pederneiras e músicas de Moreno Veloso, Domenico Lancelotti e Kassin.
Quando eles se envolveram com arte, nos anos 1970, a dança contemporânea brasileira apenas ensaiava os primeiros passos. Na casa da família Pederneiras, em Belo Horizonte, seis irmãos e alguns agregados perceberam que não teriam futuro se não criassem a própria companhia. No ano seguinte, rodavam mundo. Ficaram um mês em cartaz no Théâtre de la Ville, em Paris, um dos principais palcos de dança da Europa. “Nenhuma companhia do mundo fez isso até hoje”, diz Rodrigo, o coreógrafo do grupo. Três décadas depois, a companhia continua a todo o vapor. Tornou-se o mais importante grupo do Brasil. Um dos mais respeitados do mundo. Por onde passa, arranca aplausos entusiasmados. “Fundar o Corpo foi uma maneira de criar o nosso próprio campo de trabalho”, explica Rodrigo. E que trabalho. www.almanaquebrasil.com.br
Você considera o Corpo um grupo familiar? Quantos Pederneiras há atualmente na companhia? Há quatro, além do José Luiz, que é o fotógrafo do grupo. Porém, não é por isso que nos consideramos uma família. Falar somente dos Pederneiras é algo meio chato. Há um monte de gente que está conosco desde o início e não é da família, porém é tão importante quanto cada um dos Pederneiras. Hoje há 34 pessoas trabalhando juntas, pensando na vida e na arte de forma parecida. Todos têm suas funções, sabem o que fazer, mas não é como em uma empresa qualquer. Há companheirismo. Em vez de falar da família Pederneiras, prefiro falar da família Corpo. Como surgiu a companhia? Ela nasceu em 1975, na mesma casa
teiro. Eles todos já eram grandes nomes, enquanto nós não éramos ninguém. Foram muito generosos ao embarcar nesse projeto.
LAURA HUZAK ANDREATO
em que nasci. Na epoca, morávamos nossos pais e seis irmãos, todos envolvidos de alguma forma com as artes e com a dança. Uma começou a fazer dança; eu, ao assistir a um espetáculo, fiquei fascinado e comecei a estudar também; outro fez a mesma coisa na sequência; outro enveredou pelo teatro. As namoradas e namorados também começaram a se envolver. E, claro, esse pessoal todo foi se agrupando. Uma característica da casa dos meus pais é que ela sempre foi muito agregadora. Nos jantares havia umas 15 pessoas a mais quase todo dia. Quando vimos que todos queriam fazer dança, percebemos que o único jeito era criar uma companhia. Não havia companhias profissionais. Fundar o Corpo foi uma maneira de criar o nosso próprio campo de trabalho.
Como foram os primeiros passos da companhia? Meu irmão Paulo foi o mentor, o arquiteto dessa coisa toda, apesar de nunca ter feito dança. Começamos a fazer um monte de coisas em Belo Horizonte. Alugávamos um espaço, chamávamos gente pra dar aula, oferecíamos os cursos e aproveitávamos para aprender – o objetivo era sempre esse. Até o momento em que decidimos, efetivamente, formar a nossa própria companhia. O interessante é que, desde o início, acreditávamos que deveria ser uma companhia profissional. Eu já tinha certa experiência, coreografava para grupos amadores, mas decidimos chamar o Oscar Araiz para a primeira montagem, Maria, Maria. Chamamos também o Milton Nascimento e o Fernando Brant para fazer as músicas e o ro-
Qual era a referência artística do grupo? No Brasil não havia muita referência. Tínhamos contato com um pessoal de Buenos Aires, o Oscar Araiz, que foi meu mestre. Antes de criarmos o Corpo, dancei na companhia dele. Foi lá que dancei profissionalmente pela primeira vez, em 1974. A companhia vinha sempre para os festivais de inverno de Ouro Preto. Nós éramos fãs, os meninos iniciantes diante daqueles profissionais.
Hoje no Corpo há 34 pessoas trabalhando juntas, pensando na vida e na arte de forma parecida.
Maria, Maria, de 1976, foi um marco do grupo no Brasil. E no exterior, quando esse reconhecimento se deu? Foi também com Maria, Maria. Com o espetáculo, fizemos nossa primeira turnê pelo mundo. Ficamos seis meses viajando. Foi uma verdadeira explosão. Só em Paris ficamos um mês inteiro em cartaz no Théâtre de la Ville. Nenhuma companhia do mundo fez isso até hoje. Era, ao mesmo tempo, uma sensação maravilhosa e um terror. Só sabíamos fazer aquilo. Quando começamos a montar outros trabalhos, percebemos que não tínhamos público para as novidades. Todos queriam Maria, Maria. Não éramos conhecidos como Corpo, mas como a companhia de Maria, Maria. Uma coisa maluca. Então combinávamos com os empresários: “Ok, vamos apresentar Maria, Maria. Mas também este outro projeto”. Queríamos mostrar coisas novas. E a verdade é que só conseguimos atingir novamente um grande sucesso em 1985, com Prelúdios, uma leitura cênica dos prelúdios de Chopin, interpretados pelo pianista Nelson Freire. Setembro 2009
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O sucesso repentino não abalou o grupo? Era fácil descambar. Viajávamos muito pela Europa, ganhávamos muito dinheiro. Bastava dividir a grana e acabar com a companhia. Mas sempre tivemos uma grande preocupação em buscar novas informações. Nas viagens, pesquisávamos os equipamentos que eram usados lá fora, quais eram os melhores professores. Visitávamos todos os teatros, sempre na busca de fazer o melhor. Todo o dinheiro era aplicado na própria companhia. Tínhamos 20 anos, éramos muito jovens. Eu era o único a ter dançado profissionalmente, e mesmo assim bem poucas vezes. A criação da companhia foi um exercício profissional e de vida. Quando começou a busca por uma linguagem própria, singular? Esse caminho foi sendo traçado aos poucos. No início, fazíamos um trabalho mais narrativo, com história, per-
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sonagens. Como ouvi música clássica por toda a vida, quando assumi as coreografias do grupo, passei a usar compositores eruditos brasileiros: Carlos Gomes, Villa-Lobos, Henrique Oswald. Aos poucos comecei a abrir o leque: Chopin, Strauss, Bach – um período meio neoclássico. E fomos abandonando esse caráter narrativo. Começamos a usar uma linguagem mais nossa, ter um domínio maior, em meados dos anos 1980. A companhia já começava a ser reconhecida, fazendo grandes temporadas nos teatros municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Até que, em 1988, com o espetáculo Uakti, com música do grupo homônimo, pudemos falar de uma linguagem inteiramente nossa.
Há algum estrangeiro no Corpo? Há um cubano. E um alemão que trabalha na parte técnica, que já foi bailarino. O cubano é muito bom. Mas ser cubano é quase igual a ser brasileiro, né? Qual é o papel das trilhas originais nos espetáculos?
Era fácil descambar. Viajávamos muito, ganhávamos dinheiro. Bastava dividir a grana e acabar com a companhia.
Quando começaram a explorar mais os elementos brasileiros? Nos anos 1980, falava-se muito de dança brasileira. As companhias pegavam um tema nacional, um personagem, uma história, mas na dança em si havia pouca coisa de brasileiro. Diadorim, de Grande Sertão: Veredas, correu a rodo por aí, coitado... No fundo, as técnicas usadas eram as clássicas, apenas com temas brasileiros. Isso começou a me incomodar. Passei a correr atrás do que seria a dança brasileira, buscando o que havia nas danças populares, no que se dançava nas ruas. Percebi que tudo tinha a ver com uma parte do nosso corpo, a bacia. Boa parte do que chamamos de “nossa sensualidade”, de “nossa ginga” tem a ver com a bacia. Foi daí que surgiu o espetáculo 21, depois Nazareth. No fim dos anos 1990, essa preocupação por buscar uma linguagem brasileira tinha ido embora. Mas muita coisa já havia sido incorporada. www.almanaquebrasil.com.br
O corpo do bailarino brasileiro é diferente? Há algumas diferenças, mas não sei bem a que atribuir. Talvez seja a mistura racial. Quando trabalho no exterior, percebo que é difícil para as companhias estrangeiras usarem determinadas solturas no corpo, determinadas dinâmicas no movimento que eu proponho. Os bailarinos são um pouco mais duros. Às vezes exageramos ao exaltar o suingue brasileiro. Mas há, sim, diferenças perceptíveis.
São fundamentais. O fato de termos criado uma linguagem própria tem tudo a ver com as músicas especialmente compostas por grandes artistas brasileiros. Quando chamamos alguém, nunca pedimos algo específico. Falamos para o cara fazer o que quer fazer, o que sabe fazer, o que gosta de fazer. Esse é o barato. Uma vez chamamos o João Bosco. Como ele pensou em dança, balé, fez uma trilha mais puxada para o clássico. Falamos pra ele: “Pô, não queremos clássicos. Nós queremos João Bosco. Nós queremos você”. Aí ele pegou o violão, foi pra Belo Horizonte e passou uns três dias na cozinha da companhia, que é o centro de tudo. Depois voltou para o Rio e concluiu aquela maravilha que é Benguelê.
O que costuma vir antes? A trilha ou a coreografia? Tanto o nome do espetáculo quanto a coreografia sempre surgem depois. Eu só trabalho a partir da música. Portanto, para nós, convidar músicos para nossas trilhas é um processo de soma de ideias. Eles acrescentam muito ao trabalho. O cara traz contribuições. Às vezes dá a ideia, às vezes a ideia parte de nós. Para o espetáculo em que Lenine trabalhou, não havia ideia inicial alguma. Falei pra ele: “Tem alguma coisa que você tenha vontade de fazer e ainda não fez?”. Ele, então, pensou em fazer algo a partir dos brinquedos sonoros dos filhos. Quando me mostrou a música, percebi que ela tinha muito peso. Decidimos então falar de violência, e ele continuou a compor sob esse tema. Não tinha pensando nisso originalmente. A música é que sugeriu o tema, e nasceu Breu. Com Zé Miguel Wisnik, Caetano Veloso e muitos outros aconteceu mais ou menos o
mesmo. Cada um chega com uma ideia diferente, todas fundamentais. São parceiros, dão palpites nos ensaios e ficam amigos. Eles se metem também nos movimentos? Quando trabalhamos com Tom Zé pela primeira vez, em Parabelo, ele estava sofrendo com um problema meio grave no estômago. Enquanto a gente almoçava, ele tomava um iogurte – demorava uma hora e meia pra tomar um potinho. O negócio estava feio. Consultava gente, fazia taichi-chuan, e nada de melhorar. No estúdio, durante os intervalos de gravação, ele fazia uns exercícios no chão. Certa vez, o Wisnik, que dividiu a trilha com ele, começou a me contar dos
No começo, quando íamos para a Europa, o público esperava uma companhia brasileira exótica. Quebramos esse estereótipo.
movimentos. E imitou o que Tom Zé fazia. Achei fantástico. Resultado: acabamos incorporando aquilo na coreografia. O início do espetáculo, que é todo no chão, é esse exercício.
LAURA HUZAK ANDREATO
O que faz desses discos tão bons e, ao mesmo tempo, tão diferentes da discografia desses artistas? Da primeira vez em que convidamos Tom Zé para a trilha, ele disse: “Não tem nada mais difícil nessa vida que a tal da liberdade”. Esse é o barato. Quando o artista vai fazer um disco, sabe que tem que ter uma música mais lenta aqui, outra mais rápida ali. Há certas regras. Há o seu estilo, um caminho que foi sendo construído. Entrar no estúdio para fazer o que quiser é muito mais difícil. Ao mesmo tempo é muito mais instigante. Como o Corpo Cidadão se liga aos caminhos do grupo? Minha irmã Miriam, a Mirinha, que era bailarina do Corpo, foi quem abraçou o projeto. Durante um tempo ela foi assistente de coreografia. Quando começamos com o Corpo Cidadão, em 1998, ela mergulhou de cabeça. Largou tudo o que fazia para se dedicar exclusivamente ao projeto. No começo, atendíamos 60 crianças em situação de risco. Hoje são 800. Eu trabalho com eles uma vez por ano, durante uns três meses, na sede do Corpo. A intenção não é necessariamente formar grandes bailarinos ou músicos. A ideia é educá-los por meio da arte, promover inserção social. É a possibilidade transformadora da arte em ação.
Como definir a importância do Corpo? Acho que, como ele foi uma escola para nós, também foi uma escola para a dança em âmbito nacional. Apresentamos uma forma diferente de administrar uma companhia de dança. Antes havia aquele rígido modelo europeu. Aos poucos – e apanhando pra caramba – fizemos coisas diferentes, à nossa maneira. Arrumamos fórmulas muito particulares. E, evidentemente, isso se reflete no trabalho. Você considera que abriram portas? Quando começamos, não havia referências de dança para os jovens. Hoje somos uma dessas referências. Também escuto que somos uma es-
pécie de embaixadores da cultura brasileira. A cada dois anos, em média, vamos a teatros importantes do exterior, com público cativo em lugares como Nova Iorque, Paris e Lyon, na França, que é considerado o centro da dança na Europa. Lá há o Maison de la Danse. Todas as companhias do mundo se apresentam lá por, no máximo, uma semana. A gente fica em cartaz por três. No começo, quando íamos para a Europa, o público esperava uma companhia brasileira exótica, associada aos símbolos do País. Nós quebramos esse estereótipo. Qual é o significado de permanecer em Belo Horizonte, ainda que o Corpo seja uma companhia tão internacional? No começo, isso não era uma questão. Nem considerávamos ir para o Rio ou São Paulo. Depois de um tempo, começou a ficar claro que, se tivéssemos criado a companhia numa dessas cidades, talvez o Corpo não teria dado tão certo. Em Belo Horizonte, ainda há a possibilidade de fazer as coisas de uma forma mais caseira – claro que, agora, um pouco menos que nos anos 1970. Todos moram perto, dá pra sair do ensaio pra almoçar em casa e voltar. Estar em Belo Horizonte nos possibilitou se dedicar mais à companhia. E a ela ser o que ela é. Veja no site do Almanaque trechos de alguns espetáculos citados na entrevista.
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Texto: Natália Pesciotta
ESPECIAL
Arte: Guilherme Resende
o fio da meada A história dos tecidos rendeu nosso nome, brigas e honras. Além de beleza e identidade. Por tramas artesanais ou industrializadas, cantamos, criamos estampas e vilas. Saiba por que até café, música e futebol têm a ver com os panos dessa terra.
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em querer rasgar seda, somos Brasil por causa dos tecidos. Mal chegaram a estas bandas, os portugueses só queriam saber da árvore do tronco vermelho – o pigmento para dar cor aos panos era caríssimo na Europa. Os nativos também usavam o tingimento. Sabiam fiar e tecer com instrumentos feitos de galhos. Apesar de fazer redes de dormir e faixas, nunca pensaram em cobrir o corpo. Logo vieram os jesuítas e, para vesti-los como exigia a catequese, foram os primeiros costureiros a trabalhar em Teares horizontais por aqui. Ficamos bons nisso. As capitanias hereditárias investiram em plantações de algodão, principalmente no interior do Nordeste, região que pôde ser habitada graças às condições favoráveis para a cultura. Até para a Inglaterra, mestre no assunto, o Grão-Pará e o Maranhão começaram a exportar – tanto a manufatura quanto a matéria-prima. Pouco depois, contudo, Portugal cortou nossas asas. Em 1785 a rainha dona Maria manda ordem expressa: todos os teares deveriam ser desmontados e mandados para a Metrópole. Dizem que alguns foram para a fogueira. Ficava per-
mitida apenas a fabricação de panos grossos de algodão para “uso e vestuário dos negros ou para enfardar e empacotar fazendas”. Os senhores de engenho já faziam questão de vestir-se com tecidos europeus. A região de Minas Gerais, porém, bateu o pé contra a proibição porque a população, distante dos portos, havia desenvolvido sua produção. Com a Conjuração Mineira em ebulição, a ordem parecia uma afronta. Patriotas vestiam a camisa de tecido brasileiro como ato de rebeldia. Não estavam sozinhos. A Revolta dos Alfaiates na Bahia, mais popular, inspirava a fazer o mesmo. O líder Cipriano Barata andava com casaca preta de algodão da terra. Só quando a Família Real mudou-se para cá o alvará foi revogado. Hoje somos a sexta maior indústria têxtil do mundo, o segundo maior produtor de denim – matéria-prima de algodão para a fabricação do universal jeans – e o terceiro na produção de malhas, ao mesmo tempo que esbanjamos riquezas na produção artesanal. No meio disso, muitas histórias foram tramadas. E ainda não perdemos o fio da meada.
Chita pra que te quero
Chita
Chitinha
no manto do boi-bumbá. Mas no passado também era roupa do dia a dia de escravos, gente da roça, de criança brincar. Até hoje forra mesas e colchões no interior.
(SC).
Festa de Nossa Senho ra do Rosár io, em Chapa da do Norte (MG) .
Chitão
As estampas variam de acordo com o tamanho do padrão do motivo. Embora tenhamos importado os primeiros padrões de chita e chitinha, o chitão florido é invenção nossa. Começou a ser confeccionado nos anos 1950.
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Saindo do armário Nos anos 1960, o “flower power” do movimento hippie e o Tropicalismo colocaram a chita no auge. Na tevê, até Chacrinha vestiu-se de chitão. As estampas miúdas ganharam o apelido “chitinha-mamãe-dolores”, por causa de uma personagem da novela Direito de Nascer. Zuzu Angel despiu a chita dos preconceitos e levou-a para as passarelas. Foi estilista pioneira em resgatar brasilidade e voltar-se para o que as mulheres usavam nas ruas.
NOS ANOS 1950, CLARA NUNES era funcionária da tecelagem Cedro, em Caetanópolis, Minas Gerais. A fábrica foi a primeira do Brasil a fazer chita em escala industrial. O museu mantido pela empresa ainda guarda o cartão de ponto da sambista.
Cravo, canela e chita
Jorge Amado compôs o figurino de uma de suas personagens mais famosas, Gabriela Cravo e Canela (1958), de chita. No romance, quando a cozinheira chega fugida da seca e toma um banho, o patrão Nacib vê sua beleza. “No dia seguinte compraria um vestido para ela, de chita, umas chinelas também. Sem descontar do ordenado.” Depois de casados, ele lhe dá roupas e colares como os das senho-
ras chiques. Sem sucesso: “Vestidos pendurados no armário, em casa ela andava de chita, em chinelas ou descalça”. Depois que Sônia Braga viveu a personagem na versão televisiva do livro, em 1975, o tubinho do tecido virou mania pelo Brasil.
ACERVO TV GLO BO
REPRODU
ÇÃO
REPRODUÇÃO
Santo Antônio de Lisboa
IOLANDA HUZAK
Dança do Laço de Fita , em
IOLANDA HUZAK
Difícil um figurinista ou estilista discordar: o pano que mais tem a cara do Brasil é a chita. Verdade que ela deu lugar a tecidos mais modernos e talvez você nem a conheça pelo nome, mas a modalidade barata de fazenda de algodão marcou nosso imaginário. Primeiro, chita – que veio de “pinta”, em hindi – significava algodão estampado. Era um dos produtos desejados da Índia porque os europeus ainda não dominavam as técnicas de estamparia. Hoje quase sempre a base da chita é mesclada com poliester ou outros fios sintéticos. O nome costuma referir-se à sua estampa mais marcante, a florida bem tropical. Ela está nas roupas de São João, nas saias de dançar coco, nas camisas de congadas,
tramar
tramar
Tramar
A trama é o conjunto de fios colocados no sentido transversal de um tear. Os fios que vão passar por eles, paralelos ao tear, são a urdidura. A combinação dos elementos cria a variedade de tecidos.
urdir urdir urdir
DENIM Algodão tingido de índigo apenas na urdidura.
SARJA Trama e urdidura cruzam-se em sentido diagonal.
FELTRO Tecido sem trama e urdidura. Os fios são prensados.
Pra não perder o fio da meada
A avó ensinou para a mãe, que ensinou para a menina moça. O tear manual em muitas cidadezinhas tece também a vida do lugar. Vai aglomerando mulheres em associações e resistindo à industrialização. É bem comum no Vale do Jequitinhonha, interior de Minas. Desde a colheita do algodão, tudo é feito manualmente. Descaroçam, batem, desembaraçam e cardam a fibra, numa rústica linha de produção. Dobram os fios em meadas para enfim serem tecidos. As músicas de trabalho das fiandeiras, bem pontuadas, dão força e ritmo ao trabalho.
Tecido social
A roda qu’eu fio nela Ô baiana, oi ai ai Sabe lê, sabe escrever Ô baiana, oi ai ai Também sabe me contar Ô baiana, oi ai ai Quanto custa um bem querer Ô baiana, oi ai ai. Trecho de Ai, Baiana, das fiandeiras de Sagarana, Minas Gerais.
s do Brasil e or
Casas, escolas, campos de futebol, armazéns, capelas, ambulatórios. As antigas tecelagens criavam Fo sil lha bra verdadeiros povoados, com níveis de de ua P an violência e criminalidade baixíssimos. ile e de Jenipa ira emenrut cum S p o Tudo mantido pelas fábricas, que u Serragem de ta va empregavam todos os habitantes. ou jaquiú Picão (erva) eira A primeira vila operária brasileira foi a Maria Zélia, fabricante paulista de juta. O empresário Jorge Street chegou a defender o direito de greve dos trabalhadores. Bangu era outra dessas vilas que virou bairro, com a fábrica hoje transformada em shopping center. A fluminense América Fabril, em Pau Grande, ficou conhecida por ser onde Garrincha trabalhava e morava. Bastava haver uma tecelagem, aliás, para ter pelada. Assim nasceram Bangu, Íbis, Juventus e outros times conhecidos do futebol brasileiro. a
alv
M
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FUSTÃO Urdidura de linho, trama de algodão.
CETIM Cinco ou mais fios da urdidura para cada fio da trama.
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IOLANDA
HUZAK
MORIN O mais simples possível: fios de algodão na trama e urdidura cruzam-se na proporção de um para um. Era a base da chita.
Vila da tecelagem Bangu.
Me ensina a fazer renda No século 16 os holandeses invadiram o Nordeste brasileiro, não por coincidência onde se concentravam as plantações de algodão. Na época, as mulheres daqui perceberam que as roupas das mulheres de lá pareciam com as redes de pesca de seus maridos. Dizem que foi aí que começaram a rendar. A prática de entrelaçar fios para formar desenhos é muito presente, principalmente no Nordeste e Sul do País. A criatividade brasileira misturou e criou pontos originais, baseados nos tipos de renda que vieram de fora.
Celulose dissolvida em soda cáustica
Linho
Caule da planta de mesmo nome
Algodão
Espécie de pelo na semente do algodoeiro
Poliéster
Material petroquímico
Lã Pelo de ovelhas
Seda
Muito antes de existir
a São Paulo Fashion Week, os primeiros palcos para a moda brasileira foram mobilizados pelo setor de tecidos, como o concurso Miss Elegante Bangu, nos anos 1950. Durante toda a década de 1960, a Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit) agitou a cena cultural do País. Além de desfiles, promoveu grandes shows em São Paulo, reunindo estilistas, músicos, intelectuais e gente de teatro.
Casulo do bicho-da-seda
Juta
Caule da planta de mesmo nome
FILÉ Feita com agulha e linha na mão, é a versão feminina das redes de pesca. O/AB
Viscose
BILRO Os movimentos da linha seguem um desenho fixado numa espécie de almofada. A origem é ibérica. Para pregar a guia, aqui usam-se espinhos de mandacaru.
REPRODUÇÃ
De onde vem?
RENASCENÇA De origem italiana, disseminou-se no Sul brasileiro. Por aqui ganhou pontos com novos nomes: aranha, abacaxi, traça, cocada, xerém, amor seguro, laço.
Mi ss ele ga nte Ba
ng u
A tecnologia
pode fazer coisas incríveis com os tecidos. Já produzimos roupas capazes de eliminar odores da transpiração, secar a umidade corporal ou resistir a manchas. Para isso, as fibras são recobertas com nanocompostos, minúsculas partículas com propriedades especiais.
E o que tem o café com isso? Em 1889, 60% do nosso capital industrial ia para o setor têxtil. Grande parte dos investimentos servia para atender a demanda dos produtores de café, que precisavam de sacos de juta para transportar o produto. A juta, planta de onde vem a fibra, se dá muito bem no Norte do Brasil. Temos uma semelhante nativa da AmaZônia, a malva. Hoje, o mercado nacional demanda 20 mil toneladas delas, sobretudo para sacaria biodegradável de grãos. Com o declínio do uso de saquinhos plásticos, elas estão ganhando ainda mais espaço.
SAIBA MAIS • Que Chita Bacana, de Renata Mellão e Renato Imbroisi (A Casa, 2005). • Corantes Naturais da Flora Brasileira, de Eber Lopes Ferreira (Optagraf, 1998).
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Um v ulcão chamado Ti m a Tim Mai
Por Bruno Hoffmann
Capaz de gestos nobres e brigas homéricas, Tim Maia não era um sujeito fácil de lidar. Pai da soul music brasileira, apresentou ao País uma sonoridade jamais ouvida por estas terras. Era perfeccionista, levava à loucura os músicos e técnicos de som.
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Faltava a shows, xingava a plateia, entrava Reproducão/AB
em seitas malucas. O Brasil, em resposta,
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le mesmo se definia: “Sou o gordinho mais simpático da Tijuca”. E, para muitos, se tornaria o gordinho mais simpático do Brasil. Ia além: o mais talentoso, o mais generoso, e também o mais briguento, o mais explosivo, o mais corrosivo, o mais autodestrutivo. O senso comum não seria capaz de compreender o vulcão Tim Maia. Ele nasceu em 28 de setembro de 1942, numa família religiosa de 12 filhos do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. A contragosto, chegou a ser coroinha da paróquia local. Caçula, era o mais paparicado de todos. Foi o único a ganhar uma bicicleta, quando completou 12 anos. Mas o que lhe interessava mesmo era a música. Em 1957 formou Os Sputniks, inspirado no satélite lançado aos céus pelos soviéticos. Chamou dois amigos próximos e, para completar, um capixaba de nome Roberto Carlos. O grupo conseguiu se apresentar no programa Clube do Rock, da TV Tupi, comandado por Carlos Imperial. Não passaria daí.
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só conseguiu amá-lo.
Nos bastidores, Roberto convenceu Imperial de que deveria se apresentar sozinho, imitando Elvis. Tim não gostou nada daquilo. E Os Sputniks foram para o espaço.
O pai do soul brasileiro
Em 1959, com 12 dólares no bolso, Tim decidiu se mandar para os Estados Unidos. Lá ganhou intimidade com a música negra americana, formou a banda The Ideals, trabalhou até como babá. Também foi preso por roubar um carro para viajar pelo país. Voltou ao Rio em 1964, já com ideias musicais bem definidas. Conseguiu gravar um compacto com músicas em inglês, e a repercussão foi parecida com o nada. Tim sofria com sua aparência. Em 1968 hospedou-se na casa de dois amigos, um músico, outro empresário. Eles eram boa-pinta, e os brotos não saiam de lá. Todas para eles, nenhuma para Tim, que ouvia, triste, a diversão alheia através da parede. Numa ocasião, quase chorando, compôs: Na vida a gente / Tem que
Temperamental, reforçava a fama de faltar a shows, brigar com gravadoras, músicos, empresários e técnicos de som. Não poupava nem a plateia. entender / Que um nasce pra sofrer / Enquanto o outro ri. “Mermão! Tu acabou de fazer a música da tua vida”, comemorou um dos amigos. As coisas começariam a mudar quando Roberto lhe encomendou uma música meio cafajeste, mais soul, sem se assemelhar às baladinhas da Jovem Guarda. Nasceu Não Vou Ficar: Há muito tempo eu vivi calado / Mas agora resolvi falar / Não tem mais jeito, tudo está desfeito / E com você não posso mais ficar. Também entrou em estúdios com Elis Regina e, em 1970, lançou o primeiro lp solo. A música João Coragem entrou na novela homônima, da TV Globo. E o soul começava a cair no gosto popular. Na esteira vieram mais três discos, com sucessos como Não Quero Dinheiro e Gostava Tanto de Você. Até que uma seita cruzou seu caminho.
Universo em desencanto
Em 1975 Tim folheou, à toa, um livro que estava sobre a mesa de um amigo. Ficou maluco com o que leu. Anunciou que tinha descoberto toda a verdade sobre a existência. “Nós somos originários de um planeta distante e perfeito, e estamos na Terra exilados.” Era parte da doutrina do Universo em Desencanto. A seita pregava que os adeptos não podiam beber, usar drogas, comer carne vermelha ou fazer sexo sem o intuito de procriar. Também tinham que se vestir apenas de branco. Em certa ocasião, Tim mandou que até os instrumentos da banda fossem pintados de branco. Só se salvaram as teclas pretas do piano. Nessa viagem, surgiram dois discos que propagavam o ideal racional. E dá-lhe exortar os ouvintes a ler o tal livro da seita. Na música Bom Senso, explica: Já fiz muita coisa errada / Já dormi na rua / Já pedi ajuda / Mas lendo atingi o bom sen-
so / A imunização racional. Numa certa manhã, cansou-se de tudo aquilo e espalhou para todos que o líder da seita era um picareta. Tim voltava ao normal. A seu normal.
Amável encrenqueiro
Durante os anos 1980 e 1990, lançou vários sucessos: Descobridor dos Sete Mares, Me Dê Motivos, Do Leme ao Pontal. Ao mesmo tempo, reforçava a fama de temperamental, de faltar a shows, de brigar com gravadoras, músicos, empresários, técnicos de som. Não poupava nem a plateia. Vez ou outra soltava impropérios aos fãs que o vaiavam por demorar a começar algum show. Nada que o fizesse ser menos admirado. Era respeitado por craques da música. Só de Caetano Veloso há três canções que fazem referência a ele: Podres Poderes, Pra Ninguém e Eclipse Oculto: Quero que tudo saia / Como som de Tim Maia, sem grilos de mim / Sem desespero, sem tédio, sem fim. Já para Jorge Ben, era o síndico, evocado num dos maiores sucessos dos anos 1990: W/Brasil (Chama o Síndico). Em março de 1998 subiu ao palco do Teatro Municipal de Niterói para mais uma apresentação. Tentou cantar, mas não conseguiu ultrapassar os primeiros versos de Não Quero Dinheiro, e se retirou do palco. O público achou que era mais uma malcriação, e começou a vair. Não era. Minutos depois correu a notícia de que ele tinha sofrido uma crise de hipertensão, uma embolia pulmonar e uma parada cardiorrespiratória. Foi internado no Hospital Antônio Pedro. Não resistiu. Dias depois, o pulsante coração de Tim parou de pulsar. SAIBA MAIS Vale Tudo: O som e a fúria de Tim Maia, de Nelson Motta (Objetiva, 2007). No site do Almanaque, assista a uma seleção de entrevistas e músicas de Tim Maia.
O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO
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Com disco e livro, Paulo Freire dá vida aos mitos brasileiros Paulo Freire é violeiro, compositor e escritor. Já lançou sete discos, criou trilhas sonoras para a tevê e publicou biografias de compositores de música caipira. Em 1977, após ler Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, decidiu passar uma temporada em Urucuia, sertão de Minas Gerais. Lá começou a se encantar pelas lendas e mitos brasileiros. Com cada pessoa que conversava, uma história incrível a mais ia sendo catalogada. Agora elas estão compiladas no livro/CD Nuá – A história dos mitos brasileiros. São 12 músicas instrumentais. Com belos arranjos, o violeiro passeia pelas criatu-
Alma Cabocla
Em homenagem aos 40 anos da morte do alagoano Hekel Tavares, a cantora Ana Salvagni mostra seu repertório, de forte identificação com o homem do sertão.
ras que povoam o imaginário popular. Os nomes são sugestivos: Cabeça Voadora, A Dança dos Tangarás, Cunhado de Lobisomem. Dá a sensação de estar no meio da mata, do sertão, prestes a topar com um desses seres fantásticos. Todas as músicas ganham textos do próprio Paulo, intrigantes, bem-humorados, longe da carga meramente didática. Para melhorar a história, conta com ilustrações de Kiko Farkas e comentários da antropóloga Betty Mindlin. Para ela, os futuros estudiosos sentenciarão: “Essa história é assim mesmo, porque o vio(BH) leiro Paulo Freire já dizia”.
Yamandu + Dominguinhos
O violão do gaúcho Yamandu Costa se soma à sanfona pernambucana de Dominguinhos, numa harmoniosa mescla de sons do País.
A Memória das Naus A banda Roque Malasartes lança um disco surpreendente, em que folk-rocks, temas folclóricos e ritmos regionais misturam-se com naturalidade.
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Jornalista revela prazeres à luz do abajur Ruy Castro é capaz de elaborar artigos sobre escritores sem se aproximar de críticas literárias. “A literatura como uma unha encravada”, por exemplo, é título de um artigo a respeito de Carlos Heitor Cony. E o que dizer de “A camisa engomada mal disfarçava o furinho na axila”, texto que fala do educador Paulo Freire? A matéria-prima de Ruy é o lado humano dos personagens. São conhecidos seus trabalhos com essa característica relacionados à música, ao cinema e ao futebol – como os livros sobre Carmen Miranda, Garrincha e a Bossa Nova. Mas o jornalista é também um aficionado por literatura. www.almanaquebrasil.com.br
O Leitor Apaixonado reúne artigos originalmente escritos para a imprensa. Completa a série que já reuniu pequenos textos sobre cinema (Um Filme É Para Sempre) e música (Tempestade de Ritmos). A obra recém-lançada mescla autores muito conhecidos com outros anônimos para o grande público. Oswald de Andrade divide espaço com João de Minas. Também entram estrangeiros, como Oscar Wilde e Herman Melville, além de outros temas, como o embate entre livros e a internet e o primeiro (NP) livro que o autor leu. Companhia das Letras, 33p., R$ 49
Olhos Secos
Bernardo Ajzenberg No sexto romance do escritor e jornalista paulistano, a narração de um homem frustrado encontra os pensamentos de seus tempos de juventude. Rocco, 184 p., R$ 28
Som Imaginário
Bruno Viveiros Martins A cidade é retratada como espaço de encontro e cultura na Belo Horizonte dos anos 1970, sob o som do grupo Clube da Esquina. UFMG, 223 p., R$ 29
De Passagem mas Não a Passeio Dinha
Moradora da periferia paulistana, a educadora reuniu poemas publicados em fanzines independentes desde os 12 anos. Global, 144 p., R$ 25
O Calculista das Arábias
ligue os pontos
Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan
a A cor de brasa no tronco originou a palavra pau-brasil. Para os índios, era ibira pitanga. A flor é amarela; a folha, verde-brilhante.
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a seringueira foi o motor do desenvolvimento da região Norte. É símbolo da luta de Chico Mendes.
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c O pinheiro-do-paraná é uma das árvores mais antigas do mundo. Hoje está em extinção. A gralha azul espalha o pinhão, sua semente.
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d O auge da floração do juazeiro é em dezembro, quando outras plantas do sertão estão sem folhas. A árvore empresta o nome a mais de 20 localidades.
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acervo da família
b Por produzir látex, matéria-prima da borracha,
Um dervixe enfileirou seu harém de cinco mulheres, todas vendadas, e desafiou o sábio Beremiz Samir a dizer a cor dos olhos de cada uma. Afirmou que duas tinham os olhos pretos e diziam sempre a verdade. As outras, de olhos azuis, mentiam sempre. Beremiz podia apenas questionar uma vez três delas. À primeira da fileira, indagou: “Qual é a cor de seus olhos?”. A moça respondeu em dialeto desconhecido pelo calculista, que dirigiu-se à segunda: “O que acabou de proferir sua companheira?”. “Ela disse: ‘Meus olhos são azuis’.” Beremiz perguntou então à moça no centro da fila quais eram as cores dos olhos das duas anteriores. “A primeira tem os olhos negros e a segunda, olhos azuis”, disse ela. Antes que tirassem a venda, o calculista revelou as cores de seus olhos. Quais são? Adaptado de O Homem que Calculava (Record, 2001).
teste o nível de sua brasilidade
Palavras Cruzadas
Falsa conspiração comunista divulgada em 30/9/1937: (a) Plano de Metas (b) Operação Riocentro (c) Plano Cohen (d) Operação Lamarca Cenário da obra-prima de Euclides da Cunha, onde o jornalista chegou em 16/9/1897: (a) Juazeiro (b) Sagarana (c) Canudos (d) Caetés Álvares Azevedo, nascido em 12/9/1831, foi poeta: (a) Romântico (b) Neo-barroco (c) Renascentista (d) Concreto Primeiro brasileiro a vencer a F1, em 10/9/1972: (a) Chico Landi (b) Senna (c) Piquet (d) Fittipaldi O Forte de Copacabana, inaugurado em 28/9/1914, foi palco para: (a) Tenentismo (b) Guerra dos Farrapos (c) Comício de Brizola (d) Show do Roberto A letra do nosso hino nacional, oficializada em 7/9/1922, é de: (a) Pedro II (b) Osório Duque Estrada (c) Duque de Caxias (d) Francisco Manuel da Silva
Respostas Paulo Betti
Jornal Nacional estreia em 1/9/1969 com apresentação de: (a) Hélio Costa (b) Armando Nogueira (c) Cid Moreira (d) Hebe
valiação
BRASILIÔMETRO 1b; 2c; 3c; 4a; 5d; 6a; 7b; 8c. SE LIGA NA HISTÓRIA 1c ; 2d; 3b; 4a. ENIGMA FIGURADO Cid Moreira. O QUE É O QUE É? Onça pintada. CARTA ENIGMÁTICA Filho de palhaço, começou a trabalhar com 13 anos. Com 19, já como radioator, deu início a sua carreira de comediante.
DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?
Paulo de Tarso/ Divulgação
O CALCULISTA DAS ARÁBIAS A primeira e a terceira moça têm olhos negros. A segunda e as duas últimas, azuis. A primeira responderia inevitavelmente ter olhos negros – se realmente tivesse, diria a verdade; se não, mentiria. Logo, a segunda havia mentido e possuía olhos azuis. Sabendo disso, foi possível verificar que a terceira dizia a verdade, e assim revelara a cor de seus olhos e a da primeira. As duas últimas só poderiam ter olhos azuis, por eliminação.
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Leônidas da Silva, nascido em 6/9/1913, era chamado de: (a) Pérola Negra (b) Diamante Negro (c) Sonho de Valsa (d) Pé de Valsa
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A imensidão verde do Brasil A Suas matas cobrem oito países sul-americanos,
Amazônia é a maior floresta tropical do mundo.
mas a maior parte fica em território brasileiro. E, apesar da constante devastação, ainda possui mais da metade das florestas tropicais do planeta. O nome surgiu de uma tribo só de mulheres, as valentes índias amazonas. Elas eram guerreiras e craques no arco e flecha. E não estavam nem aí para os homens. Dizem que só os viam uma vez por ano para gerar filhos. Se nascesse menino, ficava com os pais; se fosse menina, seria mais uma guerreira para a tribo. Os números da floresta são impressionantes. A área total corresponde a 45% do território brasileiro e reúne 25% das espécies do planeta. A qualquer
Guardiões da floresta
JÁ PENSOU NISSO?
Se corresse em linha reta, o rio Amazonas poderia sair da nascente no Peru, atravessar a América do Sul e chegar ao ponto do continente mais próximo da Antártica. A extensão do rio é de 6.992 quilômetros, o suficiente para desaguar nas águas geladas do extremo sul do continente. Se em vez do sul fosse pro norte, e pudesse atravessar o mar (deixemos a imaginação rolar), ele iria parar em Montreal, no Canadá. Ou ainda em Senegal, na longínqua África, caso rumasse para o leste. Mas como ele é todo cheio de curvas, fica só no Peru, Colômbia e Brasil mesmo.
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Qual animal amazOnico sO existe no papel?
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Você sabia que no Brasil não se fala apenas português? Somente na Amazônia há 170 línguas indígenas. E esse número pode ser maior, já que existem cerca de 45 tribos que nunca tiveram contato com a civilização. A Amazônia tem cerca de 6 milhões de habitantes. Boa parte vive da pesca, da caça e da coleta de produtos da floresta. Eles sabem desfrutar de todo o potencial sem destruir a mata. A presença dessa população é uma forma de conter atividades como a agricultura em larga escala e as queimadas para criação de gado. São verdadeiros guardiões da floresta.
momento, o visitante pode topar com uma onça pintada, um colorido tucano ou alguma espécie exótica de macaco. E olha isso: há mais espécies vegetais em apenas um hectare de determinadas regiões amazônicas do que em toda a Europa. O rio Amazonas é o maior do mundo. Desde a nascente, no Peru, até desaguar no oceano, são 6.992 quilômetros. É também o que possui o maior volume d’água. E ainda conta com sete mil afluentes. Um espetáculo ocorre quando o Amazonas – que até então se chama Solimões – encontra o rio Negro, em Manaus. Suas águas não se misturam, como água e azeite, e os rios caminham lado a lado – um lado negro, outro bem clarinho. Os caboclos da região explicam o mistério: os dois rios não se misturam porque são orgulhosos demais.
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SoluçÕES na p. 26
mãos das mães caíram no Solimões. w w w. Lu c i a n oTa s s o. b lo g s p ot.co m
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BENJAMIM GUIMAR ÃES
Um cruzeiro caboclo Esqueça qualquer lembrança de um cruzeiro convencional, com seus luxos e extravagâncias. Quem embarca no Benjamim Guimarães opta pela simplicidade. Em troca, o último vapor do mundo oferece histórias, imaginação, descobertas. Aqui, como diria Riobaldo, o objetivo não é a saída nem a chegada, mas a travessia. Texto: João Rocha Rodrigues
F
Fotos e ilustrações: Laura Huzak Andreato
oi em 1913, no rio Mississipi – cenário de histórias de Mark Twain e Herman Melville, e também de músicas de Johnny Cash e Led Zeppelin, além da inesquecível Moon River – que o Benjamim Guimarães fez suas primeiras viagens. Tido como a mais antiga embarcação a vapor do mundo em funcionamento, em 1922 foi parar no meio da floresta amazônica. De lá, despontou no São Francisco, cenário do amor de Riobaldo e Diadorim, em Grande Sertão: Veredas. Como se não bastasse, em meio à Segunda Guerra, lá estava a gaiola levando tropas do sertão para o mar. Mas logo retomou a
vida civil, e assim seguiu por décadas, varando léguas com seu andar lento. Nos tempos áureos da navegação no São Francisco, 30 outros vapores como ele cumpriam a rota até Juazeiro, na Bahia. Outros tempos, novas tecnologias, e os vapores foram ficando para trás. Em 1985, a caldeira pifou. Por anos, o Benjamim aguardou um novo destino, talvez seguindo a sina de se perder em ruínas ou receber um motor a diesel. Até que, 20 anos depois, ele pôde retomar seu curso, deslizando pelo São Francisco com uma nova caldeira e sua velha roda d’água. É aí que começa essa viagem.
Preste atenção
Bordados da família Dumont: O São Francisco em pontos e linhas.
Outros tempos O embarque é em Pirapora. Um dos polos da indústria mineira, a cidade já teve dias melhores. Prova disso é a ponte Marechal Hermes, projetada para transpor o São Francisco e possibilitar o avanço dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil. A construção foi inaugurada em 1922, toda em estrutura metálica vinda da Bélgica, mas o sonho de ligar o Rio de Janeiro a Belém ficou só no papel. Pirapora também abriga a sede do Matizes Dumont, grupo de bordadeiras que ganhou mundo com seus trabalhos, estampados em livros de Thiago de Mello e Manoel de Barros, discos de Maria Bethânia e nas páginas do Almanaque. Além de retratar em pontos e linhas o São Francisco, dona Zulma e seus filhos registraram em palavras a riqueza da região. Já lançaram seis livros.
Lendas e visões Diz a lenda que, além de pacus e dourados, povoam o São Francisco habitantes menos pacíficos: Serpente de Asas, Mãe d’Água, Surubim Barbado. Por isso, antes de seguir, convém dar uma passada na associação dos carranqueiros. É lá que artesãos talham figuras assustadoras, colocadas estrategicamente na proa dos barcos para alertar sobre os perigos. O Benjamim chega tranquilo à Barra do Guaicuí. Os olhos precisam de tempo para se acostumar à imagem de uma árvore crescendo a partir da parede de uma igreja em ruínas. A construção teria começado em 1755, sem chegar ao fim. Até que um passarinho arteiro resolveu terminar a obra a seu modo, fazendo crescer da parede uma majestosa gameleira. A igreja de Bom Jesus de Matozinhos nunca recebeu missa, mas seus santos vieram de Portugal. Abrigados hoje numa sala improvisada de uma escola pública, constituem outra visão extraordinária.
As refeições servidas a bordo do vapor são um capítulo à parte. Peixes do rio, leitões, moquecas e sobremesas. Aqui não é o comandante Cassiano quem dá as ordens, mas o chef Fernando de Paula. À frente de uma tripulação bem afinada, ele faz maravilhas numa cozinha que não passa de cinco metros quadrados. As ruínas de Bom Jesus de Matozinhos e a frondosa gameleira que cresceu sobre a parede.
Pastorinhas e fanfarras Depois de três dias de viagem, a gaiola encosta em São Romão. Ou Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão, como um dia foi conhecida. Palco de violentas batalhas, hoje o que predomina por aqui é a tranquilidade e o clima de festa, desencadeado pela chegada do Benjamim – com direito a fanfarra e pastorinhas. Dos tempos de desarmonia, resta apenas a cadeia que hoje abriga a Casa da Cultura. Com o cair da noite, ao som de serestas, velhas histórias de amor voltam à tona – ao menos na imaginação dos viajantes. Quantas mulheres não se debruçaram no São Francisco à espera de alguém que partiu num vapor e não pôde voltar? O dia amanhece e é hora de ir. Navegar mais dois dias rio acima, serpenteando bancos de areia rumo a Pirapora. São caminhos que o comandante Cassiano, aos 80 anos, sabe de cor. Desde 1946 ele desliza por estas águas. Tinha até largado o batente, mas quando recebeu o chamado para comandar o barco recém-reformado, em 2007, não resistiu. Reformou também o traje castigado pelas traças e retomou o posto no Benjamim. Dois anos depois, com o vapor singrando novamente as águas do Velho Chico, foi a vez de o velho capitão descansar o casco e pendurar de vez o uniforme. Esta foi a última viagem de Cassiano no comando.
Não deixe de se estirar
última viagem: depois de 63 anos, COMANDANTE CASSIANO pendurou de vez o uniforme.
A tripulação É evidente o orgulho da tripulação por trabalhar no Benjamim. Eles bem sabem que os olhares lançados a cada parada sobre o ilustre visitante a vapor são também direcionados a eles. Com seus causos e histórias de vida, essa gente faz parte do patrimônio cultural do São Francisco.
Pequenas preciosidades Não foram muitos os detalhes do barco que resistiram ao tempo. Mas, olhando com atenção, vão surgindo pequenas preciosidades, como os adornos dourados colocados nos degraus das escadas, indicando o nome da embarcação. Se espreguiçar nas redes e poltronas do último andar do vapor é programa obrigatório, especialmente nos fins de tarde, antes do frio do inverno apertar. O pôr do sol no São Francisco é lindo. Ainda mais quando incrementado pelas faíscas que escapam pela chaminé da caldeira, espocando o começo de noite.
Como chegar A TAM oferece voos diários para Confins, saindo das principais cidades brasileiras. Confira em www.tam.com.br.
Onde ficar
Hotel Canoeiros À beira do São Francisco, no centro de Pirapora. Tel.: (38) 3749-6610. www.hotelcanoeiros.com.br
Onde comer
Kaká’s Bar A especialidade da casa é a saborosa peixada de surubim, pescado ali mesmo no São Francisco. Tel.:(38) 3741-3338.
Conforto na simplicidade As cabines são pequenas, não têm banheiros exclusivos e não há ar-condicionado. Driblar as limitações do barco, tombado como patrimônio histórico, é um dos desafios dos anfitriões. E eles compensam as ausências oferecendo todo o conforto possível, além de muita simpatia e atenção.
Como navegar A prefeitura de Pirapora, proprietária do Benjamim Guimarães, oferece dois tipos de passeio. Aos domingos, o vapor faz viagens de curta duração, com direito a música, contação de histórias e oficinas. Reservas: (38) 9967-9302. Há também viagens de cinco dias, de Pirapora a São Romão, que incluem alimentação, hospedagem e traslado de Confins a Pirapora. As próximas viagens estão agendadas para 20 de outubro e 27 de dezembro. Mais informações: Paradiso Viagens e Turismo. Tel.: (11) 3258-4722. Ou pelo site www.paradiso.com.br
ALGODÃO Gossypium hirsutum
Branco de todos os tons Nós o conhecemos desde o fim da última era glacial, há mais de 10 mil anos. É a planta de aproveitamento mais completo. Oferece inúmeros produtos, entre eles a fibra têxtil mais usada no mundo. Já pensou no que seria a vida sem algodão?
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homem teria de provar que é mesmo o “rei da criação” para inventar uma fibra de mil usos, boa e barata, se a natureza não o tivesse presenteado com o algodoeiro. O arbusto de até um metro de altura pertence à família das malváceas, que se caracteriza por troncos lenhosos e flores vistosas – no algodoeiro, amarelas com desenhos avermelhados. É parente do ornamental hibisco, do alimentício quiabo e do robusto louro-branco, árvore de madeira pesada. Muitos acreditam que surgiu na Índia. Seja. Mas as sementes, envolvidas por felpudos pelos, foram longe, levadas pelo vento. Assim, e pela ação humana, ele acabou se espalhando por todo o planeta. Arqueólogos encontraram no Paquistão telas de algodão com 7 mil anos. Nos Andes, amostras igualmente milenares, deixadas pelos incas, fascinam pela qualidade e beleza na combinação de cores. No século 4 a. C., o rei macedônio Alexandre, o Grande, levou o algodão para a Grécia, e a nobreza o adotou. No século 4 de nossa era, os andejos árabes encantaram-se na Índia com a textura do tecido dessa fibra vegetal. Aprenderam a extrair a fibra, fiar e tecer. Chamaram à planta
al kutum – que deu algodão em português, em espanhol algodón, inglês cotton, francês coton, italiano cotone. Os árabes ocuparam a península ibérica no século 9, mas quem conquistou a Europa foi o algodão que eles levaram. Quando o espanhol Hernán Cortez chegou em 1517 à costa mexicana, deslumbrou-se ao dar com uma cidade de pedra onde os nativos usavam joias de ouro e prata e roupas de algodão, branco ou colorido. Eram os míticos maias. N’Os Lusíadas, o quinhentista Camões descreve como Vasco da Gama, ao passar pela costa etíope, alegra-se com guerreiros que o vêm saudar em seus batéis, e verseja: De panos de algodão vinham vestidos / De várias cores, brancos e listrados. Em Pindorama, os portugueses encontraram uma espécie nativa que os índios chamavam de amaniú (aman: enrolar; yú, objeto pontiagudo). Com a fibra, teciam redes; do caroço, esmagado e cozido, faziam mingau; das folhas, com o sumo, curavam feridas e, com a infusão, dor de ouvido. No início da colonização, narra o historiador Ronaldo Vainfas, estava o algodão “tanto na roupa de livres como na dos escravos”. Em certas épocas ele teve o status da seda. Hoje serve a todos. Não conhecemos branco mais popular, com toda cor se dá bem.
REPRODUÇÃO/AB
Macio, confortável. Durável. Fácil de lavar, rápido de secar. Não causa alergia. Pode-se misturar a outras fibras, tingir. Versátil, está em tudo: fralda de bebê, roupa de cama, mesa, banho, de baixo, de cima; calçado, bolsa, cinto; cortina, tapete, panos. Da semente, extrai-se óleo comestível. Das hastes, papel. Da casca, ração animal. Da penugem grudada às sementes, algodão absorvente, cirúrgico; enchimento de colchões, travesseiros e almofadas; verniz; e até pólvora – que preferimos em fogos de artifício.
Seringueira tem mártir, Chico Mendes; nosso algodão também
Iolanda Huzak
Existe algum lugar em que ele não esteja presente?
D
elmiro Gouveia, cearense, enricou vendendo pele. Fixou-se em Pedra, Alagoas. Construiu hidrelétrica no São Francisco e montou a fábrica de linha Estrela. Dotou Pedra de água encanada, luz elétrica, escolas, vila operária, médico, cinema, banda de música. Dizem que o truste inglês Machine Cotton, que dominava esse mercado no Brasil, incomodado com a concorrência, foi o mandante: em 10 de outubro de 1917, dois tiros mataram o pioneiro que, com o fio do algodão, levou o progresso aos cafundós do sertão.
Oscar de coadjuvante
N
um filme sobre a saga humana, o algodão mereceria lugar de honra. Com ele o homem fabricou um dos utensílios mais antigos, a corda, com que os egípcios arrastaram aquelas pedras imensas para construir as pirâmides. No século 18, esteve por trás da Revolução Industrial, desencadeada com a invenção de James Watt – a máquina a vapor – que acelerou vertiginosamente a produção das tecelagens. O algodão vira a principal fibra têxtil do mundo e o mais importante produto das Américas.
E é uma fazenda de algodão nos Estados Unidos o cenário em que se desenrola o drama de Scarlett O’Hara, num filme de 1939, o mais cultuado da história do cinema: E o Vento Levou, que levou nove Oscars. Mas, revolução mesmo, ele provocou na maneira da humanidade se vestir. Falamos da roupa que você que nos lê ou está usando ou tem no guarda-roupa: o jeans. Símbolo da liberdade. Da democracia. Usa velho, moça, rico, pobre; no futebol, na missa, na festa, na escola, em casa, no campo, na cidade. Caso único na história da vestimenta.
Saiba maIS Dicionário do Brasil Colonial, de Ronaldo Vainfas (Objetiva, 2000). Memória Trançada, de Berenice Gorini e Semiramis Veiga (Edeme, 2001).
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Um gatuno em casa A central de polícia recebe um telefonema: – Por favor, mande alguém urgente! Entrou um gato em casa! – Mas como assim? Um gato? – Sim, um gato! Ele invadiu a casa e está vindo na minha direção! – Calma. O senhor está disfarçando, querendo dizer que entrou um ladrão aí? – Não! Um gato mesmo, desses que fazem miau, miau. Ele vai me matar, e a culpa será de vocês. Venham agora! – Mas qual é o problema de um mero gatinho ter entrado na sua casa? Quem está falando? – O papagaio, caramba!
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Jantar romântico Um casal janta à luz de velas num restaurante de luxo. De repente, o garçom nota que o homem começa a escorregar lentamente para debaixo da mesa. Sutilmente, ele repreende a mulher: – Perdão, senhora, mas acho que seu marido está debaixo da mesa. E ela, quase cochichando: – Não está, não... Meu marido acabou de entrar no restaurante.
Causos de
Rolando Boldrin
O (não) pagador de promessas Depois de uns dois anos de eleito, o governador se encontra, nas escadarias do palácio, com um capiau. Sem reconhecer o dito cujo, o roceiro pergunta: Capiau – Ó moço! É aqui que a gente cunversa com o governadô? É aqui que ele mora? Governador (disfarçando) – É sim, meu bom roceiro. Mas posso saber o que o senhor tem a lhe falar? Capiau – Pode, sim. Num sô como esses político sem vergonha e inroladô. Vim falá umas verdade. Governador – E o senhor veio falar com o governador sobre o quê? Alguma promessa que ele não cumpriu? Capiau – Acertô na mosca. Eu moro na cidade de Pau Furado. Ele teve lá, prometeu fazê uma ponte em cima do córrego e num fez foi nada. Governador – E como o senhor irá se dirigir a ele? Capiau (cuspindo fogo) – Se ele falá que num vai fazê a tar ponte, vou mandá ele pros quinto dos inferno. Vô xingá a famía dele de tudo que é nome. Eles se despedem. Coincidentemente, era dia de o governador atender as reinvindicações do povo. E para começar seu dia com humor, manda que o secretário chame o capiau metido a valente. Ao entrar, nosso cumpadi toma um susto. Governador – Pois bem. Qual é a reclamação? Capiau (rodando o chapéu, de cabeça baixa) – Eu vim... cobrá... a promessa... da ponte. Governador (fingindo aspereza) – Olha aqui, meu amigo. O governo tem mais o que fazer. Não vou fazer ponte nenhuma. E daí? O que é que há? Capiau – O que que há? O que que há é que a coisa é daquele jeito que nóis dois cunversamo lá fora! E sai pisando duro, rumo a Pau Furado. Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).
ponto final
Traição por amor O casal de velhinhos está há 60 anos junto. A mulher resolve confessar que traiu o marido três vezes. Mas salienta que todas foram por amor a ele. – Como assim? –, pergunta o velhinho. – Lembra quando você estava desempregado? Saí com o dono da fábrica e o convenci a te oferecer um emprego. – Nossa... Não sei o que falar. E a segunda? – Lembra quando você estava doente? Conheci aquele médico que te operou, e também tive que passar uma noite com ele. – E a terceira? – Bem... Lembra quando você foi candidato a vereador e precisava de três mil votos pra se eleger?
Cuidado com o cão Na porta da loja há um enorme cartaz: “Cuidado com o cão”. O sujeito entra com medo. Mas depara-se com um pequeno poodle, com a maior cara de bonzinho, deitado no chão ao lado do caixa. – Ei, é esse o cachorro que eu tenho que tomar cuidado? – É esse mesmo –, responde a atendente. – Mas ele não me parece nem um pouco perigoso. Por que a senhora colocou o cartaz? – É que antes todo mundo pisava nele.