Almanaque Brasil 112 - Agosto de 2008

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Herdeiros do meu futuro

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odos os dias são de martírio e prazer para quem escolheu criar como profissão. Com o passar do tempo, a experiência e o prestígio tornam cada nova encomenda um baita sofrimento. Há sempre a expectativa de que surgirá algo melhor do que já foi feito, e isso é assustador para quem não se acomodou na cama que lhe deu fama. Jamais aceitei o prestígio da obra realizada a custo de muito sofrimento – porque dói criar – como justificativa para fazer uso apenas da assinatura. Ainda hoje trato cada novo trabalho como se fosse o primeiro. E, ao apresentar a quem o encomendou, sofro das mesmas inseguranças do início da carreira. Seja qual for sua natureza, o trabalho está sujeito a interpretações. A aprovação ou aceitação invariavelmente não depende de uma só pessoa. Portanto, é vital que o criador da obra encomendada tenha pleno conhecimento de sua pesquisa e segurança quanto a sua realização para defendê-la com argumentos convincentes. Afinal, os donos das encomendas têm sempre sugestões a fazer. Passados tantos anos de carreira, ainda vivo esses conflitos diariamente. Mas hoje tenho comigo uma jovem equipe que aprende a lidar com esses conflitos e dificuldades e me ajuda a superar meus medos e inseguranças. Além disso, essa turma me aconselha com sabedoria quando perco o juízo diante de ofensas e desrespeitos. A prova da competência desses meninos e meninas – cujos nomes vocês podem ver no expediente deste A LMANAQUE – é a exposição Bossa’50, aberta ao público até 24 de agosto no Parque Ibirapuera. Imagine minha alegria ao ser cumprimentado por centenas de pessoas na inauguração. Os cumprimentos, no entanto, eram endereçados a estes meus fi lhos legítimos e fi lhos de criação, que ergueram essa grande e importante exposição com muito suor e algo do que lhes ensinei. O talento e dedicação de cada um me fazem ainda mais realizado, por saber que são eles os herdeiros do meu futuro. Elifas Andreato

A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.” Luis Fernando Verissimo

A R M A Z É M DA M E M Ó R I A N AC I O N A L Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann, Clara Caldeira e Nara Soares Revisor Lucas Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP) Impressão Posigraf

Presidente Cmte. David Barioni Neto Diretora de Marketing Manoela Amaro Mugnaini Diretor de Assuntos Corporativos Marcelo Xavier de

Mendonça

O ALMANAQUE é uma publicação da Andreato Comunicação & Cultura, distribuída nos vôos da TAM e por assinatura.

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Capa: Reprodução de desenho de Nássara, publicado

na capa do disco Polêmica, com músicas de Noel Rosa e Wilson Batista. Agradecemos a Oscar Barbosa, neto de Nássara, e aos colecionadores Zero Freitas e Eric.

Aumente seu nível de brasilidade E ainda ganhe pontos para viajar Quem assina o Almanaque acumula pontos no Programa TAM Fidelidade. Pagamento por cartão de crédito ou boleto bancário. Central de atendimento ao assinante: (11) 3512-9481 • (21) 4063-4320 • (51) 4063-6058 • (61) 4063-8823 Ou pela internet: www.almanaquebrasil.com.br


ILUSTRAÇÕES PAULA CHIURATTO

SOLUÇÃO NA P. 32

Em 1951, o magnata das comunicações Assis Chateaubriand promoveu na revista O Cruzeiro o casamento da índia calapalo Diacuí com Ayres Câmara da Cunha, funcionário do Serviço de Proteção ao Índio. Desconsiderando o alerta de sertanistas, o empresário resolveu levar Diacuí para o Rio e realizar o casamento sob os holofotes da imprensa na igreja da Candelária, onde os pombinhos chegaram a bordo de um carro conversível. O padrinho, evidentemente, era Chatô. Meses depois, o destino provou que os sertanistas tinham razão. Diacuí morreu durante o parto em uma maternidade carioca.

te, em O Coronel e o Lobisomem. A última participação foi no filme Irma Vap – O retorno, lançado logo após sua morte. No entanto, foi na televisão que se consagrou. Fez parte do elenco de várias novelas, entre elas, Selva de Pedra (1972), Elas por Elas (1982) e Vamp (1991). Na década de 1980 descobriu a veia cômica, ao encenar o intolerante chefe na série Armação Ilimitada. Participou de importantes programas humorísticos e dirigiu o Viva o Gordo, estrelado por Jô Soares. Na Escolinha do Professor Raimundo, interpretou Pedro Pedreira. Morreu no Rio, em 13 de agosto de 2005. Seu corpo foi cremado e as cinzas jogadas ao mar. Quem é a nossa figura enigmática? “Pergunta idiota, tolerância zero!”, poderia responder um de seus mais famosos personagens. (CC)

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A justiça de Brasília é engraçada. Queimar índio Pataxó, pode; queimar um fumo, não pode.” Essa foi uma das muitas críticas repletas de humor ácido e sarcasmo que se tornaram marcas registradas dessa figura enigmática. O que muitos não sabem é que ele dedicou parte significativa da vida à política. Foi até vereador do Rio pelo Partido Comunista Brasileiro. Começou a carreira artística aos 13 anos numa rádio do interior de São Paulo. Em 1959, participou da TV de Vanguarda e da TV de Comédia, na extinta Tupi. Perseguido pela ditadura militar, teve que abandonar as telas e deixar São Paulo. Virou caminhoneiro e mudou para o Rio, onde, oito anos depois, retomou a carreira artística. NA década de 1960, atuou no clássico Terra em Transe, de Glauber Rocha, e, recentemen-

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FUNDAÇÃO DE SÃO LUÍS, NOME QUE HOMENAGEIA LUÍS XIII, REI DA FRANÇA, PÁTRIA DOS FUNDADORES DA CIDADE.

FUNDAÇÃO DE NOSSA SENHORA DAS NEVES, MAIS TARDE CONHECIDA COMO JOÃO PESSOA, HOJE CAPITAL DA PARAÍBA.

Nascido em 20 de agosto de 1947, o dono deste par de olhos comandou a errática Caravana Rolidei no filme Bye Bye Brasil. Teve papel de destaque na novela Roque Santeiro e dirigiu boa parte dos episódios de Sai de Baixo. São características marcantes a voz possante e a paixão pelo cinema, que lhe renderam uma coluna no Jornal do Brasil e o título de comentarista oficial da transmissão do Oscar pela Rede Globo. (CC) Confira a resposta na página 32.

FÊNIX DAS LETRAS

Nossa primeira biblioteca renasceu das cinzas duas vezes

TIRA-TEIMA

Santos precisou de três finais

para levar a Libertadores

ACERVO FPC

ASSECOM/SANTOS F.C.

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PRIMEIRA SEDE PRÓPRIA DA BIBLIOTECA PÚBLICA DA BAHIA.

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om João faria aniversário: 44 anos. Para comemorar, resolveram levantar uma biblioteca pública, a primeira do Brasil e da América Latina. Bancada pelo dinheiro angariado por uma loteria criada exclusivamente para este fim, a Livraria Pública da Bahia foi inaugurada em Salvador a 4 de agosto de 1811. No começo tinha apenas seis funcionários e modesto acervo, mas esbanjava qualidade. Atraía pesquisadores europeus e até o imperador Pedro II. Em pouco mais de 50 anos, ardeu em chamas duas vezes: a primeira, em 1912, reduziu o acervo a 300 livros; a segunda, em 1961. Depois de reformada, foi rebatizada como Biblioteca Pública do Estado da Bahia, hoje um dos principais pontos de cultura do Estado. Um público de 12 mil pessoas desfruta mensalmente de seus livros, sejam infantis, do século 16 ou em braile. Uma das preciosidades é um curioso dicionário inglês/francês de 2,5 centí(Danilo Ribeiro Gallucci) metros de altura por 2 de largura. SAIBA MAIS Site da Biblioteca: www.fpc.ba.gov.br/biblioteca_bpeba.asp

EM 1962, O PRIMEIRO ÊXITO BRASILEIRO NA LIBERTADORES.

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m 1962, Santos e Peñarol se enfrentaram pela segunda partida das finais da Libertadores da América, na Vila Belmiro. O time brasileiro, que vencera o jogo de ida, precisava apenas de um empate. Ia perdendo por 3 a 1 quando iniciou a reação. No apito final, 3 a 3. Os santistas deram até a volta olímpica, mas o juiz chileno Carlos Robles contrariou o que todo o estádio assistira. Para ele, o jogo tinha terminado aos sete minutos do segundo tempo, quando o placar ainda estava 3 a 1. Só levou a partida até o fim por medo da “exaltada torcida santista”. Para tirar a teima, marcou-se um terceiro jogo. O palco escolhido foi neutro: o Monumental de Nuñez, em Buenos Aires. Lá, em 30 de agosto de 1962, a melhor linha de ataque que um clube brasileiro já formou (Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe) não deixou espaço para dúvidas. Meteu 3 a 0 e tornou-se o primeiro time do País a ser campeão da Libertadores. (BH) SAIBA MAIS Assista no Youtube (www.youtube.com) a lances dos três jogos das finais. Busque pelas palavras “Santos” e “Penarol”.

“PODEMOS NOS DEFENDER DE UM ATAQUE, MAS SOMOS INDEFESOS A UM ELOGIO.”

Freud


BRIGA DE CACHORRO GRANDE

Duelo de jornais acaba em atentado e suicídio 1954,

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Rio de Janeiro. O clima estava tenna primeira página do jornal a conclusão so para Getúlio Vargas. Acusado bombástica: “Somos um povo honrado gode fraudes e corrupção, o presidente sofria vernado por ladrões”. forte pressão dos militares e da imprensa No mesmo dia, o Última Hora, jornal para deixar o cargo. Inimigo número um criado por Wainer e bancado desde a funde Getúlio, Carlos Lacerda não poupava dação por Getúlio, desconversava: “Esta esforços, nem as primeiras páginas de sua semana o aumento para servidores do EsTribuna da Imprensa, para denunciar os tado”. A briga que teve início nas páginas O ATAQUE DE LACERDA A GETÚLIO. acordos secretos do governo. Como troco, dos jornais logo culminaria no atentado recebeu a alcunha de “o corvo”, dada pelo jornalista Samuel frustrado a Carlos Lacerda em 5 de agosto. E, 19 dias deWainer. No dia 2 de agosto de 1954, a Tribuna estampou pois, no suicídio de Getúlio Vargas. (NS) SAIBA MAIS Getúlio Vargas e sua Época, de Antonio Augusto da Costa Faria e Edgard Luiz de Barros (Global, 1997).

EXPOSIÇÃO NACIONAL

Arroubo perdulário deixou apenas duas testemunhas de pé

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ias depois da chegada da de hoje parte o bondinho em direção ao corte portuguesa ao Brasil, Pão de Açúcar. Uma série de reformas Dom João VI decretou o esurbanísticas modificou por completo a tabelecimento de uma nova estrutura região, que recebeu imponentes consalfandegária. Na teoria, era a abertura truções para abrigar os estandes que dos portos brasileiros. Na prática, uma representavam a produção econômica forma de agradar a Inglaterra – potência nacional. Cafés, restaurantes e até uma econômica e militar que garantia costasvia férrea para transportar os visitantes quentes aos portugueses. Além disso, foram livremente inspirados na vanguarera uma maneira de salvaguardar as da arquitetônica européia. fronteiras marítimas da Colônia contra No entanto, pouco sobrou do arroubo OS PAVILHÕES DA EXPOSIÇÃO, EM 1908. o Império de Napoleão. perdulário. A maioria dos 20 pavilhões Para comemorar os 100 anos da entrada do Brasil no circuito coconstruídos para a exposição foi demolida logo nos anos seguinmercial do planeta e da vinda da corte portuguesa, foi inaugurada, tes. De muitos dos ostensivos edifícios se têm notícias só em relatos em 11 de agosto de 1908, a Exposição Nacional. Concebida nos e registros iconográficos. Apenas duas construções estão de pé e moldes das exposições universais que marcaram o avanço tecnomantêm as características originais. A mais importantE é o Palácio lógico e urbanístico dos grandes centros europeus, o evento serviu dos Estados, projetado para ser o pavilhão principal. Hoje ele abride pretexto para apresentar ao mundo a modernidade da recémga o Departamento Nacional de Produção Mineral. Outro prédio fundada República. que resistiu a esses 100 anos foi o Pavilhão das Máquinas, hoje A exposição aconteceu na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, de onocupado pela Escola de Teatro da UniRio. (Maria Fernanda dos Santos) SAIBA MAIS Entre Palácios e Pavilhões: A arquitetura efêmera da Exposição Nacional de 1908, de Ruth Levy (EBA Publicações, 2008).

O R I G E M DA E X P R E S S ÃO

Cuspido e escarrado Para alguns, trata-se de uma modificação de “esculpido em carrara”, tipo de mármore utilizado por Michelangelo. Numa alusão à perfeição das peças do artista italiano, o termo passou a designar coisas ou pessoas semelhantes. Mas há quem defenda que a expressão teria vindo de “esculpido e encarnado”, em referência a imagens de santos.

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A G O S TO 5 dia da fármacia SEU AMBROZIO DESAFIA

Quem provar todos os remédios das prateleiras leva a farmácia

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CIDA MARCONCINE

or-de-dente, gripe, reumatismo, vada com ervas e raízes, utilizando também males da coluna. Diante de aflifrutas típicas. A experiência virou especiações como estas, qualquer um lidade e uma febre na região. A preferida é procuraria uma farmácia de plantão. Mas na a Leite de Onça, uma mistura de pinga com pequena cidade de Imperatriz, no Maranhão, coco. A com boldo, segundo seu Ambrozio, a comunidade tem à disposição métodos alserve para enfermidades do trato digestivo. ternativos de tratamento. E não é homeopaA Sete Ervas combate sinusite, dor-de-cabetia, acupuntura ou medicina ortomolecular. ça e resfriado. Quando fica doente – padecendo de males do Apesar de nem sequer ter teLefone, a farmáAS ESPECIALIDADES DE AMBROZIO. corpo, da alma, ou de cara-de-pau mesmo – o cia congrega clientes, não só da região, mas caboclo procura logo um estabelecimento de de todo o Brasil. Uma comunidade na internet prestígio na região, com mais de 20 anos no mercado: a Farmácia do garante a divulgação de novidades e informações do empreendimento. Seu Ambrozio. Lá pode encontrar alento para todas as aflições. Nada Lá, por exemplo, o interessado fica sabendo que pode até adquirir o de remédios convencionais. Para aplacar qualquer reclamação, seu boteco. Quem lançou o desafio foi o próprio Ambrozio: basta que o Ambrozio oferece mais de 300 tipos de pinga. candidato tome, num mesmo dia, uma simples dose de todas as pingas A história começou quando o comerciante resolveu misturar a marque ele coloca à disposição da clientela. (NS) SAIBA MAIS Conheça a comunidade da farmácia no Orkut. Busque por “Farmácia do seu Ambrozio”.

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dia do padre NÃO É O PADRE DOS SERMÕES

Antônio Vieira garantia: o jumento é nosso irmão

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Gonzagão gravou até música: É verdade, meu le nunca foi o grande malandro da prasenhor / Essa estória do sertão / Padre Vieira ça. Trabalha, trabalha de graça. Ou trafalou / Que o jumento é nosso irmão. balhava. Ao contrário do saltimbanco O padre ministrava cursos em que ensinava criado por Chico Buarque, que largou a lida para ser músico, o jumento nordestino foi como tratar o animal. No final, entregava dimesmo é para a panela. ploma: “Até ontem você foi um burro, mas a Padre Antônio Vieira – não o dos Sermões, partir de hoje será um jumento”. mas o homônimo do interior cearense, esA campanha deu resultado. A população de critor nascido em Várzea Alegre –, denunjumentos aumentou, foram criadas festas e ciou o descaso em seu livro O Jumento, até legislação específica. Mas o tratamento Nosso Irmão, de 1964. Segundo Vieira, os privilegiado não durou muito. Em 2003, ano animais estavam sendo substituídos por da morte do padre, jumentos recolhidos nas ESTÁTUA DE VIEIRA, EM VÁRZEA ALEGRE, CEARÁ. bicicletas, motos e carros. Abandonados, estradas de Quixeramobim, no Ceará, foram eram mortos e sua carne, servida em açougues. enterrados vivos. Um ano depois, outros viraram mortadela em um friComeçou ali uma campanha que envolveu intelectuais, artistas e augorífico financiado pelo Estado. toridades, e culminou com a fundação do Clube Mundial do Jumento. Hoje quase não há mais jumentos no sertão. Em seu lugar, uma infinidade Zé Clementino, Patativa do Assaré e Luiz Gonzaga adotaram a causa. de motos, compradas em até 72 parcelas por consórcio. (Mariana Albanese) TALITA ROCHA/O POVO

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SAIBA MAIS O Jumento, Nosso Irmão, de Padre Antônio Viera (Freitas Bastos, 1964).


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dia da pintura

dia do hoteleiro HARMONIA COM A FERA

Taunay reclamava do verde excessivo de nossas matas

Pra não matar onça-pintada, Roberto transformou fazenda em hotel

DIVULGAÇÃO

Por Lilia Moritz Schwarcz

CAROL COELHO

NATUREZA EXULCERANTE

LARGO DA CARIOCA (1816), POR TAUNAY.

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icolas-Antoine Taunay desembarcou no Brasil em 1816, junto com os colegas da colônia de artistas franceses. Era considerado o mais importante pintor do grupo. Membro do círculo íntimo de Napoleão Bonaparte, trazia na bagagem a intenção de transformar-se em pintor do rei português. No entanto, nada seria como planejado: homem da Ilustração, Taunay não encontrou lugar para os escravos em suas pinturas. Assim, se a natureza surgia imensa, os escravos pareciam cada vez mais diminutos. Por outro lado, como a idéia de fundar uma academia não saía do papel, Taunay se converteria num tradutor da natureza – pintando paisagens mais parecidas com as vilas romanas do que com as vistas tropicais, que se diga. É essa espécie de “drama melancólico” que se destaca na exposição Nicolas-Antoine Taunay no Brasil: Uma leitura dos trópicos, em cartaz na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. Nicolas sempre reclamou da luz brilhante demais da América, dos verdes “excessivos” das florestas e do céu do Rio de Janeiro, que considerava “exagerado”. O pintor que nascera em Paris e freqüentara os ateliês da cidade antes de entrar na Academia Francesa; o artista que visitara Roma e ficara contaminado pelo classicismo; que conhecera de perto a Revolução, não teria “tempo fácil” no Brasil. E os problemas aumentavam com a intriga entre os colegas e a falta de condições para pintar. No começo de 1821, retornou à França. Faleceria poucos meses depois, com os pincéis na mão. Lilia Moritz Schwarcz é professora titular no departamento de antropologia da USP, autora de As Barbas do Imperador (Companhia das Letras, 2002), entre outros. É curadora da exposição Nicolas-Antoine Taunay no Brasil, em cartaz na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, até 7 de setembro.

FERNANDO, ROBERTO, SUA ESPOSA, BETH, E A ONÇA DORA.

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dmirar o vai-e-vem das águas a encharcar terras pantaneiras é um velho prazer de seu Roberto Coelho. Na maior planície alagável do planeta, ele cria gado há décadas e perdeu a conta de quantos bois premiados viraram comida de onça-pintada. Por ali, quando o felino aparece, a solução mais comum é eliminá-lo, mas caçar bicho ameaçado de extinção não estava nos planos do pecuarista. Na Fazenda San Francisco, em Miranda, Mato Grosso do Sul, seu Roberto aceitou de bom grado a ajuda do biólogo Fernando Azevedo, da ONG Pró-Carnívoros, e assim nasceu o projeto Gadonça. Eles capturam a onça, põem um radiotransmissor no pescoço e passam a monitorar o bicho. Desde então, começaram a chover interessados em ver o maior felino das Américas. Para atendê-los, a fazenda modelo de produtividade se transformou em hotel. As caminhonetes, antes usadas para vistoriar a propriedade, agora são carros de safári. Ao cair da noite, turistas de todos os cantos do mundo cortam as estradas para observar jaguatiricas, capivaras, jacarés e, claro, onças. O projeto conta com uma grande variedade de fauna e flora e apresenta aos visitantes o funcionamento de uma típica fazenda pantaneira. O cultivo e a criaCão convivem em equilíbrio com a preservação do meio ambiente. Com a pesquisa, o gado pasta longe das áreas de mata e os ataques diminuíram. Seu Roberto é hoje fazendeiro de sucesso, hoteleiro orgulhoso e parceiro da natureza. A terra preservada e o amanhecer dourado do Pantanal são as heranças que ele quer deixar para as fi lhas, os netos e para a humanidade. (Lais Mota) SAIBA MAIS Fazenda San Francisco. Tel.: (67) 3325-6606. www.fazendasanfrancisco.tur.br. Agosto 2008


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dia nacional das artes TIPOGRAFIA URBANA

As letras das pinturas de rua de São Gonçalo foram parar na internet

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MARIA HELENA GUIMARÃES

ficionado por futebol, rock’n’roll e tidois metros de altura era feita à mão. pografia, o designer Vinicius GuimaBaseando-se no material encontrado, Vinirães fez da última de suas paixões a cius criou várias fontes artesanais para uso conclusão do curso na Universidade Federal em computadores. E tratou de batizá-las Fluminense: um trabalho sobre letras artesacom as gírias locais. A Cabeça tem a parte nais urbanas. Admirado com a abundância superior exagerada. Na X-tudo cabem desede placas e muros pintados com letras feinhos sem nenhuma relação entre si. Já a Fitas à mão em sua cidade, São Gonçalo, no lezin (que vem de “filezinho”, forma de se reRio, Vinicius passou a fotografá-los. Pouco a ferir a mulheres bonitas) é cheia de curvas. pouco foi consolidando um extenso e criativo Essas e outras fontes estAo disponíveis, de repertório de fontes. graça, no site Tipografia Artesanal Urbana, VINICIUS: INVENTÁRIO TIPOGRÁFICO. Em suas andanças, encontrou profissionais criado pelo designer. inventivos e cheios de soluções para enfrentar as adversidades. Aprovado no trabalho de conclusão de curso, Vinicius segue pro“Quando conheci a oficina de um deles, esperava encontrá-la cheia duzindo fontes digitais e fotografando pinturas interessantes de tintas e pincéis, mas além disso havia um computador – muito que encontra pelas ruas. E alimenta a idéia de se juntar a outros antigo, é verdade. Isso porque o método dele consistia em começar profi ssionais para fazer um inventário da tipografia urbana de o trabalho no computador”, conta. A ampliação em muros de até todo o País. (Danilo Ribeiro Gallucci) SAIBA MAIS Tipografia Artesanal Urbana: www.viniguimaraes.com

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dia dos solteiros HA JA FÉ

Solteironas de Barbalha apelam até para chá de lasca de pau

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ALEX COSTA/O POVO

costumado a ser intimidado com de cerca de cinco quilômetros. seqüestros, afogamentos e a ser Então é a hora das solteironas. Para espendurado pelos pés em troca de pantar a maldição da solteirice, elas um bom casamento, Santo Antônio deavançam rapidamente em direção ao ve ficar aliviado quando a cidade de tronco, tocando, esfregando e até se esBarbalha, no sul do Ceará, se enfeita tofregando nele. da para homenageá-lo. A festa, conheQuem prefere evitar a multidão tem a cida também como Pau da Bandeira, opção de comprar produtos que posacontece no mês de junho, com algumas suem as propriedades do pau. Na querFESTA DO PAU DA BANDEIRA, EM BARBALHA. particularidades. messe, as solteironas oficiais lideradas Tudo começa no sábado anterior ao primeiro domingo do mês, pela advogada Socorro Luna faturam – se não um marido, ao mequando saem às ruas as mulheres casadoiras com mais de 30 nos algum dinheiro. Chá de lasca do pau, a 10 reais, e terço com peanos, conhecidas como as Solteironas de Barbalha. São elas as daços do tronco, por cinco, são opções. Este último vem com a seprincipais interessadas no festejo que tem seu ápice no hasteaguinte oração: “Santo Antônio, meu Santo Antônio, meu amado pamento do tronco de até duas toneladas. Missas, apresentações droeiro, arranjai-me um bom marido, e eu o louvarei o ano inteiro”. folclóricas e shows profanos preparam o povo para o grande moAcompanha indicação: “Reze este terço durante 13 dias e aguarde o mento da chegada do “pau”, carregado pelos homens num trajeto milagre!”. E observa: “Tudo depende da sua FÉ”. (MA) SAIBA MAIS Santo Antônio, de Carolina Chagas (Publifolha, 2007)


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dia mundial do pensamento DE DANTAS A ONÉSIMOS

Guru de Bandeira dividia a humanidade em cinco categorias

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ACERVO MARIANA OVALLE/DIVULGAÇÃO

entado à mesa de um café carioca, o poeta Manuel BanMozarlescos Tipo de gente que dá aos observadores “uma impressão deira ouviu: “Seu Schimidt, vá por mim! Aquele sujeito é do de coisas consideráveis, o que, no entanto, não corresponde o conteúexército do Pará”. A afirmação vinha de Jayme Ovalle, que, do das suas palavras ou das suas ações”. dirigindo-se ao poeta Augusto Frederico Onésimos Quando um deles aparece, Schimidt, tecia uma complexa teoria, a duvida, sorri, desaponta. Sofrem de um Nova Gnomonia. drama íntimo: não encontrar nunca uma Conhecido por passar graxa no cabelo finalidade na vida. e ter conversas com o anjo da guarda Da Nova Gnomonia, Vinicius de Moares no meio da rua, o compositor paraen– que herdou do amigo Ovalle o costume se influenciou gerações de intelectuais, de falar no diminutivo – escreveu: Consa começar pelo próprio Bandeira, que titui a grande contribuição do Brasil à mais tarde lhe dedicaria o Poema Só filosofia do conhecimento do universo. para Jayme Ovalle. Instado a dizer se pertencia ao ExérciNaquela tarde, Bandeira acompanhou to do Pará, o escritor Graciliano Ramos o desenrolar da teoria que o composidesconversou: “Está claro que existe um tor expunha no bar. E tratou de regis‘Exército do Pará’. Na maioria dos casos, trá-la em uma crônica que movimentou porém, os seus milicianos já chegam a intelectualidade brasileira dos anos feitos do Norte. E, no Rio, em geral de1930. Nela, relata a classificação dos finham, tornam-se mofinos. Ignoro se tipos humanos em cinco categorias, de também sou ‘Pará’. Nunca fiz coisa que acordo com Ovalle: prestasse, mas ainda assim o pouco que Exército do Pará Formado por “esses fiz foi lá e não aqui”. homenzinhos terríveis que vêm do Mais do que contribuições como a teoria Norte para vencer na capital da Reda Nova Gnomonia, 33 músicas (entre pública”. Hábeis, buscam o “sucesso elas Azulão, com Manuel Bandeira) e JAYME OVALLE: “CONTRIBUIÇÃO À FILOSOFIA DO UNIVERSO”. material, ou a glória literária, ou o dopoemas em inglês – idioma que não domínio político”. minava –, a grande criação de Ovalle foi a própria vida, contada no Dantas “São homens de ânimo puro, nobres e desprendidos, indifelivro O Santo Sujo – A vida de Jayme Ovalle, de Humberto Werneck. rentes ao sucesso da vida. TOda gente quer ser Dantas.” Entre a paixão (e a traição) por uma pomba, as discussões com Deus Kernianos “Impulsivos por excelência. Apesar de terem bom coração, e o trabalho como funcionário público exemplar, lia a Bíblia fazendo (MA) se deixam arrastar à prática dos atos mais condenáveis.” anotações. Pretendia reescrevê-la. SAIBA MAIS Crônicas da Província do Brasil, de Manuel Bandeira (Cosac Naify, 2006).

agosto também tem 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Dia Nacional do Selo Dia Universal do Folclore Dia do Tintureiro Dia do Padre Dia Nacional da Saúde Dia do Ar Dia da Saúde Mental Dia Estadual do Sindicalista Dia da Criação da FEB Dia da Enfermeira

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

Dia da Televisão Dia Nacional das Artes Dia do Economista Dia do Protesto Dia da Informática Dia do Filósofo Dia do Porco Dia da Revolução Cultural Dia do Artista de Teatro Dia dos Maçons

21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

Dia da Habitação Dia do Excepcional Dia da Injustiça Dia da Infância Dia do Feirante Dia da Igualdade da Mulher Dia do Corretor de Imóveis Dia da Avicultura Dia do Vaqueiro Dia do Vendedor Lojista Dia do Nutricionista

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Marcos Campos

Um incentivo ao comércio justo e solidário

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emuneração justa para o produtor, respeito ao meio ambiente, defesa dos direitos das crianças, igualdade entre os sexos e valorização dos indivíduos. Todos estes princípios devem ser seguidos para uma cadeia produtiva fazer parte do Programa Comércio Justo e Solidário, iniciativa de duas instituições: Ética Comércio Solidário e ONG Visão Mundial. Em parceria inédita com as duas entidades, O Boticário comercializa as Bonequinhas Solidárias, produzidas por artesãs pernambucanas, em 378 lojas de oito capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Belém, João Pessoa e Salvador. A comercialização das bonequinhas não está vinculada à venda de cosméticos e perfumaria e não tem a intenção de gerar lucro para O Boticário. O Comércio Solidário promove o desenvolvimento de pequenos produtores e a geração de emprego e renda em comunidades economicamente menos Saiba mais Acesse www.bonequinhasolidaria.com.br e www.boticario.com

favorecidas. Os princípios estão alinhados aos indicadores sociais adotados pelo Boticário em sua rede de franquias. “Nosso objetivo com a participação no programa é a criação de uma tecnologia social, uma metodologia que irá promover, além da geração de renda, o repasse de conhecimento para a evolução do negócio das comunidades envolvidas”, explica Márcia Vaz, gerente de Responsabilidade Social do Boticário. “Apostar numa parceria com uma empresa como O Boticário, consagrada no segmento em que atua, só contribui para a difusão do conceito do Comércio Justo”, comemora Edson Marinho, gerente de negócios da Ética Comércio Solidário. “É uma ótima oportunidade para que essas trabalhadoras ganhem visibilidade e agreguem valor aos seus produtos e negócios. A iniciativa do Boticário já é um incentivo para os empresários brasileiros, um modelo com grande potencial para ser replicado por outras empresas”, conclui.


JOSÉ SIMÃO RONALDO FRAGA

O esculhambador-geral da República

FOTOS: EDI PEREIRA

Enquanto tira dos ouvidos os fones do Ipod, ele aponta para uma enorme tevê de 52 polegadas

Como é a sua rotina? Acordo às sete da manhã. Gosto mais de acordar do que de dormir! Já levanto com a adrenalina a mil. Vou direto ao laptop pra saber o que está acontecendo. Primeiro leio todos os sites de notícia. Depois preparo o roteiro para minha entrada na BandNews, que gravo pelo celular. Em seguida preparo minha coluna para o caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo. Escrevo como se ainda estivesse falando na rádio. É sempre em voz alta. Digito no teclado como se tocasse um instrumento: papapapá. É fundamental para ter ritmo, que é tão importante quanto o conteúdo. Os leitores têm um controle remoto na cabeça. Se não tiver ritmo, viram a página. À tarde, três vezes por semana, produzo e apresento o Monkey News, no UOL, com o Rodrigo Flores. É um telejornal com humor. É a CNN do escracho!

na sala de estar: “Só está desligada porque estou sendo entrevistado. Se deixar, assisto tevê 24 horas por dia”. É uma figura cibernética e multimídia. Colunista da Folha de S.Paulo desde 1987, José Simão se considera precursor do humor jornalístico com linguagem rápida e visual. A coluna é uma das mais comentadas do País, sempre com tiradas inusitadas, e às vezes cruéis, sobre os acontecimentos e personalidades da hora. Recebe cerca de 300 emails por dia, muitos deles incorporados a seu humor escrachado. “Minha coluna é a gandaia nacional. Todo mundo dá palpite”, define, entre gargalhadas.

O ritmo é tão importante quanto o conteúdo. Os leitores têm um controle remoto na cabeça. Se não tiver ritmo, viram a página.

Você prefere apresentar-se com um interlocutor? Adoro fazer humor em dupla. Tenho fascínio. O humor é algo difícil de fazer sozinho. É bem mais interessante quando é bate-bola. Eu falo pi, o outro fala pó, eu falo ti, o outro fala tó, e assim se ganha ritmo. Aliás, quase tudo na vida gosto de fazer em dupla... E quando você acorda de mau humor? É muito difícil eu estar de mau humor, ou mesmo triste. São momentos muito rápidos. É como sempre falo: o fundo do poço tem mola. Caio lá e poing, já subo. O meu humor na vida profissional é o mesmo da vida pessoal. A diferença é que ganho pra isso! Como é a relação com os leitores? Os internautas são fundamentais para o meu traBalho. Novamente é uma “dupla”, eu e eles. A coluna é totalmente interativa. Há todo tipo de colaboração e

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de idéias de tudo que é canto. É a verdadeira gandaia nacional. Todo mundo dá palpite! Recebo cerca de 300 emails por dia. Leio tudinho, tenho imenso prazer. Ninguém vai me tirar esse privilégio. E as mensagens vêm até de outros países. Outro dia chegou um email de um leitor da Islândia. O nome do cara era Miko! Rarará! É incrível. Também devem chegar críticas ferozes... Principalmente de dois grupos: corintianos e evangélicos. Quando brinco com corintiano, os emails são revoltados. Me chamam de “bambi” e de coisas bem piores. Não entendem que futebol é pra se levar na esportiva. Sou são-paulino e também esculhambo meu próprio time. Quando escrevi que a bispa Sônia ia “ver o sol renascer quadrado”, apareceu uma enxurrada de emails de várias correntes evangélicas. Recebi um, hoje, muito nonsense. Um rapaz me xingou de tudo o que é nome porque falei que o ator que fez o Batman bateu na mãe. Era um fã do Batman revoltado! Rarará!

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Eu não suporto quando falam que faço piada. Não sou piadista. O que faço é humor jornalístico.

O surgimento da internet deve ter te favorecido... Não apenas favoreceu, virou outra coluna. Como sou acelerado, me adaptei rapidamente à internet. É algo muito eficiente para o que faço. E o que você faz: jornalismo ou humor? Eu faço humor colado na notícia. É sempre quente. Portanto, é humor jornalístico. É um sucesso há tanto tempo justamente por estar sempre relacionado a fatos. Não suporto quando falam que faço piada. Não sou piadista. Faço humor social, político, nonsense. Fazer piada é outra históRia, é aquela coisa da loira, do português, do Joãozinho... Vale a máxima: o humor é a melhor maneira de falar sério? É a única maneira que eu sei. Humor não se explica. Se entende instantaneamente. Às vezes, uma tirada de humor equivale a uma tese. Como você entrou na Folha? Eu trabalhava numa editora e fazia algumas coisas para a Bienal. Surgiu uma vaga na Folha e, como tinha amigos lá, me chamaram. Passei por todas as etapas do teste, muito difíceis e rigorosas. Parecia que estava pleiteando uma cadeira na Academia Brasileira de Letras! Comecei num caderno de variedades em que trabalhavam três pessoas: eu, a Lilian Pacce [atualmente no GNT] e o Zeca Camargo [apresentador do Fantástico]. Num determinado dia, precisavam de um colunista de tevê que não fosse nem clássico, nem fofoqueiro... E fui chamado. Você já foi processado por seus “homenageados”? Apenas duas vezes. Pelo Enéas, que chamei de louco, e pela empre-

sária Yara Baumgart, que chamei de perua. Ganhei o primeiro e perdi o segundo. As pessoas normalmente levam numa boa. Meu humor às vezes é cruel, mas nunca baixo-astral, nem rancoroso. É preciso ver as coisas com humor, senão vamos nos tornar um país de rancorosos. Há outro Simão na história da imprensa brasileira? Acredito que eu seja precursor deste humor jornalístico com texto oral, rápido, visual. Há, sim, muitos José Simão depois de mim. E é pra ter mesmo! Às vezes me falam que tem alguém me copiando. Eu respondo: Deixa! Trabalho pra isso. Espero que haja um monte de Simão por aí mesmo. Você não se inspirou em ninguém? Diretamente, pra criar a cara da minha coluna, não. Claro que há inspirações indiretas. Leio muito, desde Oswald de Andrade e Guimarães Rosa a pichações na rua. Além de observar intensamente o comportamento humano.

Como, então, surgiu seu estilo de escrever? Não consigo explicar. Escrevo por instinto. Leio muito, vejo muita tevê. Ela, aliás, fica ligada 24 horas por dia. Assisto de tudo: tevê aberta, a cabo; programas de notícia, populares. Muito da minha forma de escrever está baseada em imagem. E o uso de onomatopéias? A Folha aceitou desde o começo? Eu explodi o manual de redação da Folha! Rarará! O importante é que tenho afinidade editorial com o jornal. Tudo que sempre quis fazer, desde o começo, foi aceito. Não há interferência sequer sobre os temas abordados. Eles sabem que sou responsável. Sei o que ponho e por que ponho. Você cursou Direito. Por que largou a faculdade? Você me imagina sendo advogado? Nem do diabo! Rarará! Então decidi ir pra Londres. A cidade era o centro das coisas bacanas. Assisti ao show dos Rolling Stones no Hyde Park, a shows do Bob Dylan. Escrevi algumas coisas pra BBC. Estava louco pra deixar a faculdade. A única coisa que me preocupa é que agora não tenho direito a cela especial. Na volta você morou no Rio, certo? Sim, fui para o Rio no tempo da contracultura. Batia palma pra pôr-do-sol, assistia a shows da Gal todo dia. Na época da ditadura a praia era o lugar mais importante de vida cultural do Rio. Lá estava a efervescência intelectual e artística. Um foro de debate. A praia era um vulcão de idéias. Mas já morei no Brasil inteiro, fato fundamental para a minha profissão. Tenho esse humor judaico-cristão


paulistano meio Woody Allen, mas também tenho humor do CentroOeste e do Nordeste, mais escrachado, mais explosivo.

sas. Quando nada ocorre, o que é péssimo pra quem trabalha com notícia, cai o dente da Heloísa Helena!

Qual o seu alvo preferido? Não tenho simpatias ou antipatias eternas. É a figura do momento. Tem gente que diz: “Ah, você não gosta do Galvão”. Não existe isso. Claro que alguns se destacaram em todo esse tempo. Fernando Henrique, Heloísa Helena, Severino Cavalcanti, Galvão, Rubinho, Ronaldo Fofômeno... Tem internacionais também, como o Bill Clinton, na época da estagiária. Mas nunca com antipatia. Sou o oposto do Garfield: gosto de tudo. Esculhambo democraticamente. Há uma frase do Oswald de Andrade que levo para a minha vida, algo assim: não se pode esculhambar os outros se não souber esculhambar a si mesmo.

Quais são os seus temas preferidos? Sexo, futebol e política. Futebol porque é uma paixão nacional. Política pela força que ela exerce na vida das pessoas. Em outros países, mais estabilizados, a política fica de um lado e o cotidiano das pessoas, do outro. Aqui a gente é muito dependente da vida política. E sexo porque todo mundo gosta de falar putaria. Gosta mais de falar do que de fazer, inclusive.

Você tem contato com os políticos ou artistas que cita? Não gosto de ter contato. Com político, nenhum. Não voto há 20 anos. Justifico pelos Correios. Claro que vou à urna eletrônica pra ver a cara de todos. Parece o tremfantasma. Aliás, qual o nome certo daquilo mesmo? Microondas! Rarará! Vou lá, aperto pipoca e saio fora.

Você costuma dizer que o brasileiro é alfabetizado pela tevê... Essa é a razão dela ser tão didática. As novelas da Globo, por exemplo. Nossa tevê é uma das melhores do mundo. Na França só tem mesaredonda. As pessoas falam, falam, falam... Uma chatice! Como tenho cabeça pop, prefiro a daqui. E adoro telejornal. Os personagens reais são muito mais incríveis que os de ficção. São inesperados, muito mais loucos, muito mais livres.

Tem preferências políticas? Fiz questão de não ter, pela profissão. Antes eu era brizolista. Tinha essa simpatia por causa dos CIEPs [Centros Integrados de Educação Pública, criados por Leonel Brizola quando governador do Rio]. Foi um grande projeto para as crianças pobres. Como nasceram seus bordões? O “Buemba! Buemba!” foi inspirado no jornalista Ibrahim Sued. Quando ele queria ser sensacionalista, escrevia: Bomba! Bomba! Então adotei o “Buemba! Buemba!” como uma caricatura do sensacionalismo. Só mudei para ficar algo mais cucaracha, mais latino, mais salsa. O “esculhambador-geral da República” foi pra me dar um cargo de respeito. O “País da Piada Pronta” veio por motivos óbvios. Já o “Vou pingar meu colírio alucinógeno” não me lembro direito. Acredito que tenha sido sugestão de leitor. E, enfim, o “Nóis sofre, mas nóis goza” é o nome de um bloco de Olinda. Me apropriei do bordão profissionalmente e como fi losofia de vida. O Brasil continua farto em piadas prontas? Sim, sim! Apesar de eu achar que conseguiria fazer humor até na Suécia. Mas como o Brasil não há. É um país especialíssimo, com muito bom humor. Há coisas surreais. Veja só o caso Satiagraha. O nome da operação é em sânscrito; o nome do delegado, em grego: Protógenes... Parece que vivemos numa chanchada. Rarará! Sempre acontecem mil coi-

Os personagens reais são muito mais incríveis que os de ficção. São inesperados, muito mais loucos, muito mais livres.

E música, o que você costuma ouvir? Gosto de tudo. Música sertaneja, negra americana, latina... Meu Ipod é inseparável, mudou minha vida. Toda tecnologia nova que surge me faz pensar: “Como consegui viver sem isso?”. A única coisa chata do Ipod é que você canta junto e não percebe. Acaba dando show sem cobrar couvert artístico... Outro dia estava no aeroporto de Salvador e, de repente, todos estavam olhando pra minha cara. Abri um karaokê no aeroporto de Salvador! Rarará! Gosta do cinema brasileiro? Essencialmente, gosto de fi lme americano e europeu. Dos brasileiros alguns me atraem. O que não gosto muito é que sempre tem gente se agarrando no cinema nacional. Como adoram se agarrar! E boa parte parece novela. E, pra ver novela, fico em casa. Mas alguns me agradaram muito, como Cidade de Deus, Cinema, Aspirinas e Urubus, Madame Satã, Cidade Baixa. Achei boa essa leva recente de fi lmes pernambucanos e baianos. Mas como vou assistir a um fi lme chamado Saneamento Básico? Rarará! Dizem que é bom, mas não consegui ver. E fi lmes da Mostra, então? Fica-se duas horas em pé na fi la esperando o fi lme começar e mais duas sentado esperando terminar. Rarará! Este ano tem eleições. É melhor para escrever? É ótimo. Ainda mais por ter vereador. Há uma fauna absurda. Apelidei eles de “a galera medonha”. Recebo sugestões do Brasil inteiro. Tem o John Lennon, o Toninho Caga-Fogo, uma candidata baiana que tem o slogan “Você me ajeita que eu te ajeito”. Que sinceridade! Rarará!

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Enigma Figurado

LIGUE OS PONTOS

ascido em 28 de agosto de 1930, este filósofo é um dos grandes atores do teatro brasileiro. Casou-se com Cacilda Becker e com ela fundou, em 1958, no Rio de Janeiro, o Teatro Cacilda Becker. Estreou no cinema em 1965, em São Paulo S.A., filme que lhe rendeu elogios do espanhol Luis Buñuel. Na tevê, recentemente fez uma participação especial na novela A Favorita, onde viveu o médico Salvatore. (NS)

R.:

(primeiro nome)

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b Começou a carreira aos 11 anos, no Rio Grande do Sul. De personalidade apimentada, tornou-se tradução da MPB.

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c Apesar de não ter nascido no Brasil, foi a brasileira mais conhecida no exterior até o surgimento de Pelé.

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d Pela afinidade com o samba, há quem pense que era carioca da gema. Viveu no Rio, mas nasceu no interior de Minas.

ARQUIVO/AE

N

a É a cantora-símbolo da Bossa Nova. Os mais atentos, porém, defendem que gravou mais sambas do que bossas.

O Calculista das Arábias

ACERVO DA FAMÍLIA

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

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Em viagem pelo deserto, Beremiz Samir avistou três homens discutindo e perguntou o que se passava. “Recebemos como herança estes 35 camelos. Pela vontade de meu pai, como mais velho, devo receber a metade deles; Hamed, uma terça parte; e o caçula Harim, a nona parte. Como não queremos abater Camelo algum, a cada proposta de divisão, um de nós sai descontente.” O sábio Homem que Calculava, então, dispôs-se a resolver a questão. Juntou à herança o camelo que conduzia, fez a divisão conforme o desejo do falecido, garantiu que todos saíssem lucrando e ainda ficou com dois camelos. Você é capaz de explicar tal façanha?

BRASILIÔMETRO TESTE O NÍVEL DE SUA BRASILIDADE 1 Número de medalhas do Brasil nas Olimpíadas de Atlanta (encerradas em 4/8/1996): (a) 8 (b) 15 (c) 33 (d) 96 2 Clube carioca fundado em 12/8/1904: (a) Flamengo (b) Fluminense (c) Botafogo (d) Vasco

PALAVRAS CRUZADAS

3 Estado natal do abolicionista Joaquim Nabuco (nascido em 19/8/1940): (a) São Paulo (b) Tocantins (c) Pernambucano (d) Rondônia 4 Autor de Pelo Telefone, primeiro samba gravado (morto em 25/8/1974): (a) Pixinguinha (b) Bonga (c) Noel (d) Donga 5 Acordo entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (firmado em 5/8/1994): (a) Libertadores da América (b) Mercosul (c) Itaipu (d) Guerra do Paraguai 6 Cidade mineira onde se localiza o Museu da Inconfidência (inaugurado em 11/8/1944): (a) Ouro Preto (b) Tiradentes (c) Rio Preto (d) Diamantina 7 Nome de programa (inaugurado em 22/8/1965) que deu origem a um movimento cultural: (a) Jovem Guarda (b) O Fino da Bossa (c) Hora de Bossa (d) Vereda Tropical 8 Fundador da Mangueira (nascido em 2/8/1902): (a) Zé Cana (b) Carlos Cachaça (c) Dé (d) Cartola Respostas na p. 32 AVALIAÇÃO – Conte um ponto por resposta certa: 0 a 2 – Brasilidade na reserva 3 a 4 – Meio tanque 5 a 8 – Tanque cheio

“O HOMEM APRENDEU A ESCREVER OS DEFEITOS NO BRONZE E AS VIRTUDES NA ÁGUA.”

Beethoven


Diversão para pequenos

I L U S T R AC Õ ES

C : LU

IANO

TA S S O

e grandalhões

Disputar as Olimpíadas não era nada fácil S

eus pais não eram nascidos. Talvez nem os seus avós. A primeira vez que uma delegação brasileira participou das Olimpíadas foi em 1920, na Bélgica. Desembarcaram na cidade olímpica de Antuérpia 29 atletas, praticantes de remo, salto ornamental, tiro, nado e pólo aquático. E já na estréia trouxeram medalhas. Mas, antes das conquistas, vamos falar das dificuldades que eles enfrentaram para chegar aos Jogos Olímpicos. A turma atravessou o Oceano Atlântico de navio, uma viagem longa e cansativa. Ao se aproximar do Velho Continente, o comandante refez os cálculos e percebeu que não chegariam em tempo à Antuérpia. A delegação, então, desembarcou em Portugal e continuou a viagem de trem.

A Europa tinha acabado de ser destruída pela Primeira Guerra Mundial, o que também tornava difícil a viagem terrestre. Ainda por cima, o vagão que levou os brasileiros era descoberto. Os atletas tinham que rezar para não chover. E nem sempre as preces eram atendidas... Mesmo com tanta confusão, nossos competidores mostraram talento. Conquistaram três medalhas, uma de cada cor (não precisa dizer quais, né?), todas pela equipe de tiro. O País terminou na 15ª posição entre as 29 nações participantes. Nada mal.

JÁ PENSOU NISSO?

-LÍNG VA

A atividade fisica 17

que as havaianas mais praticam?

Solução na p. 32

O brasileiro dos mil pontos Ganha uma bola de basquete (brincadeirinha) quem acertar primeiro qual é o maior cestinha da história das Olimpíadas. Magic Johnson? Não. Michael Jordan? Tenta de novo. Larry Bird? Tá, tá, deixa que a gente fala: é Oscar Schmidt. No esporte preferido dos norte-americaNos, norte-america é um brasileiro que mais provocou o “chuá” nas cestas adversárias. Da estréia em Moscou (em 1980) à despedida em Atlanta (em 1996), foram 1.093 pontos. Não é à-toa que Oscar ganhou o apelido de “Mão Santa”.

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Você já deve ter ouvido falar que a China é o país mais populoso do mundo. E põe “mais populoso” nisso. Lá vivem 1,3 bilhão de chineses. Ou seja: sete vezes mais do que a população brasileira, que é de 187 milhões de pessoas. É muito chinês. O planeta possui uma população total de 6.710.537.350 (cerca de 6,7 bilhões de habitantes). Só os chineses correspondem a quase 19% disso tudo. Ou seja, há mais gente na China do que em todo o continente sul-americano. Ao menos de falta de torcida os atletas locais não podem reclamar.

VO E R EPE TIR EM

Impensável Pequim empresta peteca impressa imprestável

Esse é um segredinho nosso. A turma do ALMANAQUE fez uma maluquice. Espalhou por toda a revista umas letrinhas coloridas para mandar uma mensagem cifrada para você. Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do ALMANAQUE. Descubra a letra escondida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a frase.

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A música bras ileira reservou momentos par discussões mus a históricas icais. Seja por brigas verdad eiras, desavenç de pontos de vi as sta ou por mer a brincadeira, criaram samba co m p os itores s que caíram no gosto popular. reunimos algun N es te Es pecial, s deles. Não se ntenciaremos que fica a carg o re su lta do , papel o do leitor. A no ssa conclusão é que, em toda batalhas, quem s as saiu ganhando foi a música br asileira.

WILSON No início dos anos 1930, Noel Rosa ouviu um samba chamado Lenço no Pescoço, gravado por Silvio Caldas. A canção era uma lavada exaltação à malandragem, com versos como Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho de ser tão vadio. Apesar de várias de suas composições se mostrarem simpáticas aos malandros, resolveu responder ao compositor, o jovem e então desconhecido Wilson Batista. Mas musicalmente. Nascia Rapaz Folgado, em que clama ao autor que compre sapato e gravata e deixe de lado a vida boa. O que poderia parecer apenas um “chega pra lá” a um iniciante tinha, na verdade, outra motivação: o aspirante havia se envolvido com Juraci Correia de Morais, ou Ceci, o maior e mais conturbado amor da vida de Noel. Wilson, que de besta não tinha nada, viu na polêmica um atalho para o sucesso. Compôs então Mocinho da Vila: Injusto é seu comentário / Fala de malandro quem é otário. E Noel decidiu dar um basta. Escreveu a definitiva Feitiço

NOEL da Vila: Lá, em Vila Isabel / Quem é bacharel / Não tem medo de bamba / São Paulo dá café / Minas dá leite / E a Vila Isabel dá samba.. Acreditava Que assim calaria de vez o adversário. Estava enganado. O incansável Wilson compôs Conversa Fiada, obrigando Noel a replicar com a desmoralizante Palpite Infeliz: Pra que ligar a quem não sabe / Aonde tem o seu nariz? / Quem é você que não sabe o que diz? E Wilson perdeu as estribeiras. Emendou a nada sutil Frankenstein da Vila, em alusão ao defeito que Noel tinha no queixo: Entre os feios és o primeiro da fila / Todos reconhecem lá na Vila / Essa indireta é contigo. Aí Noel se magoou. Há quem diga que, furioso, foi de banca em banca comprar todos os exemplares do Jornal da Modinha, que havia publicado a letra. Indagado se não teria passado dos limites, Wilson desconversou: “Noel era homem. Não há mal algum em chamar homem de feio”. Os dois ainda trocaram farpas com João Ninguém, de Noel, e Terra de Cego, de Wilson. Mas a briga que rendeu algumas das mais saborosas músicas da nossa história tinha chegado ao fim.


CECI

NOEL A dama do cabaré

Juraci, que atendia pelo nome artístico de Ceci, era dançarina da boate Apolo, um lugar pouco familiar da Lapa, região central do Rio. Noel, assíduo freqüentador, a conheceu em 1934 e nunca mais pensou seriamente em outra mulher – nem mesmo em sua própria esposa. Viveram um amor complicado, mas que gerou grandes sambas (a música novamente agradece). Dama do Cabaré, Eu Sei Sofrer e Pra que Mentir são apenas algumas delas. Em O Maior Castigo que Eu Te Dou, Noel sintetizou a relação de amor e ódio: O maior castigo que eu te dou / É não te bater / Pois sei que gostas de apanhar / Não há ninguém mais calmo do que eu sou / Nem há maior prazer / Do que te ver me provocar.

A derradeira canção destinada a Ceci foi Último Desejo, escrita quando o poeta da Vila já estava debilitado pela tuberculose, doença que o mataria antes de completar 27 anos. No leito de morte, cantarolou a canção, nota por nota, para Vadico, um de seus mais freqüentes parceiros. E pediU que entregasse uma cópia a Ceci. O amigo levou a letra da música à amada de Noel e, ao se despedir, achou por bem esclarecer: “Acho que ele te castiga um pouco nesse samba, Ceci”.

VALÉRIA GONÇALVEZ/AE

OS ADVERSÁRIOS SE UNEM ga e ós o desfecho da lon Quase meio século ap resolCeci, Caetano Veloso frutífera novela com por Dama do Cabaré – e, veu tomar as dores da m de mulheres. Compôs Do extensão, de todas as r: Pra posta a Pra que Menti Iludir, uma clara res m de do da não tens esse que mentir / Se tu ain Se não ê? ! Pra que mentir / saber iludir / Pra qu iatrair?. Na música, o ba há necessidade de me malíVila a não vir falar da no exorta o poeta da verso em seguida, canta o cia de toda mulher. E, rea : Cada um sabe a do que se tornou clássico delícia de ser o que é.

No auge da polêmica entre Wilson e Noel, os compositores se encontrar am em um bar ao lado dos Arcos da Lapa. O clima foi amisto so. Wilson abriu um sorris o e disse: “Noel, tenho mais uma aqui pra voc ê”, e cantou Terra de Cego. O músico ficou intrigado com a melodia, que considerou mu ito boa. Propôs, então, uma parceria. Sentou -se em uma mesa e, pouco tempo depois, est ava pronta Deixa de Ser Convencida : Deixa de ser convencida / Todos sab em qual é seu velho mo do de vida. a A única parceria entre ambos foi destinada a quem? Sim, a ela, Ceci.

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DALVA

HERIVELTO

Um amor conturbado e sambas inesquecíveis. Dalva de Oliveira e Herivelto Martins eram casados, mas viviam em pé-de-guerra. As discussões não se restringiam ao lar: eram ecoadas pelas ondas do rádio. A briga pública começou quando Dalva cantou Errei, Sim, encomendada a Ataulfo Alves: Manchei teu nome/ Mas foste tu o culpado / Deixava-me em casa / Me trocando pela orgia orgia. Em resposta, Herivelto compôs Cabelos Brancos: Não falem desta mulher perto de mim (...) Por ela vivo aos trancos e

CHICO

“Teu mal é comentar o passado”

barrancos / Respeitem ao menos os meus cabelos brancos. E os sambas brotavam, para deleite dos ouvintes-fãs-fofoqueiros. Ainda foram criadas, para Dalva cantar, Fim de Comédia, de Ataulfo Alves, e Que Será, de Rossini Pinto. Herivelto respondeu com mais dois sambas: Caminhemos e Segredo. IronicamenTe, neste último, exige mais discrição por parte da cônjuge: Teu mal é comentar o passado / Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois...

TROPICALISTAS

Nem toda loucura é genial

Em 1967, um artista começava a se tornar a única unanimidade nacional, como definiu à época Millôr Fernandes. O jeito tímido, o ar de genro ideal e os caprichados sambas tradicionais diferenciavam Chico Buarque da turma que pretendia revolucionar a música brasileira: a Tropicália. Por isso, passou a ser tachado de anti-

quado pelo movimento. Em resposta aos tropicalistas, Chico escreveu um artigo no jornal Última Hora sob o título “Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha”. E muitos viram em Essa Moça Tá Diferente o contra-golpe mortal. Na canção, a personagem anseia se modernizar a qualquer custo, desdenha de tudo que pareça velho, mas samba escondida, que é pra ninguém reparar.

MARCO

S DI PAUL A/

AE

OUTRA DO CHICO O sambista Cyro Monteiro tinha um hábito: enviar uma camisa do Flamengo para os filhos recém-nascidos dos amigos. Quando nasceu Silvia, primogênita de Chico Buarque, reiterou a “ameaça” (Chico é torcedor fanático do Fluminense). Como resposta, o pó-de-arroz compôs Ilmo. Sr. Ciro Monteiro ou Receita pra Virar Casaca de Neném: Minha petiz / Agradece a camisa /

Receita pra virar casaca de neném

Que lhe deste à guisa / De gentil presente / Mas caro nêgo / Um pano rubro-negro / É presente de grego / Não de um bom irmão. E segue explicando que a tentativa de converter a pequena ao Flamengo fora em vão: Amei o teu conselho / Amei o teu vermelho / Que é de tanto ardor / Mas quis o verde / Que te quero verde / É bom pra quem vai ter / De ser bom sofredor / Pintei de branco o teu preto / Ficando completo / O jogo de cor / Virei-lhe o listrado do peito / E nasceu deste jeito / Uma outra tricolor. Chico bem que se esforçou, mas o trabalho foi à toa. Silvia acabou se tornando flamenguista.


ERNESTO

ADONIRAN

DICK

um samba, pois havia gostado da sonoridade do nome. Anos depois, a novidade corria as emissoras de rAdio: O Arnesto nos convidou / prum samba ele mora no Brás / nóis fumo e não encontrêmo ninguém.. “Olha lá, mulher, esta música é pra mim!” Ao encontrar o compositor, agradeceu a homenagem, mas comentou que já estava meio cansado de tanto ouvir piadinhas. Adoniran justificou: “Se não tem mancada, não tem samba, Arnesto”.

A HUZA K

Ele ficou com a fama de quem convida para o samba em sua própria casa e, apesar disso, não comparece. Não há quem desconheça a história, embora sua identidade tenha sido preservada pelo inconfundível sotaque italianado de Adoniran Barbosa. Em sua defesa, Ernesto Paulelli – ou Arnesto – garante que nunca convidou ninguém para samba algum. Tornou-se amigo de Adoniran em 1939. O sambista prometeu que lhe faria

IOLAND

AE TO LIMA/ AGLIBER

“Se não tem mancada, não tem samba, Arnesto”

LÚCIO Quem vai ficar com Teresa?

Os cantores Dick Farney e Lúcio Alves tinham estilos parecidos. Transpiravam influências jazzísticas e cantavam de maneira elegante, um contraste com os bolerões que brotavam no Brasil no início dos anos 1950. Apesar da semelhança (ou talvez justamente por causa dela), pairava no ar um certo estranhamento entre os dois. Na dúvida, os fãs logo tomaram lugar nas trincheiras. Quem gostava de Dick não gostava de Lúcio. E vice-versa. Apesar de não se-

rem inimigos de fato, os dois passaram muito tempo sem fazer questão de desmanchar o mito. Para desgosto dos mais radicais, em 1954 os dois ídolos “fi zeram as pazes”. Juntos, gravaram Teresa da Praia, música de Tom Jobim e Billy Blanco considerada o embrião da Bossa Nova. Na canção, declaram amor a uma tal Teresa, de olhos verdinhos bastante puxados, cabelo castanho e uma pinta do lado.. Quando percebem que se tratava da mesma pequena, concluem: Teresa é da praia, não é de ninguém...

TOM, NEWTON E “DESAFINADO”

PAULINHO E PORTELA Quando compôs Sei Lá, Mangueira, Paulinho da Viola foi duramente criticado por parte de sua escola do coração, a Portela. Para selar as pazes, escreveu o clássico Foi um Rio que Passou em Minha Vida. Não tinha como não ser perdoado, né?

Um dos principais sucessos da dupla Tom Jobim e Newton Mendonça foi uma alfinetada num cantor dos anos 1950. Lélo Gonçalves não acertava uma nota sequer. A música? Desafinado, claro. AIS SAIBA M

tins A ntonio Mar Car valho e de r la te as tilo, de C B, 19 90 ). Língua e es s Didier (U N Noel Rosa – tro ). 99 19 x, imo e Carlo de Ruy Cas he áx a, (T M o ov N ão uj Jo a ra ss de Bo de A a, fi da ra s og história Uma bi Noel Rosa – história e as udade – A Sa de ga ). he 90 C 19 co Buarque das Letras, tigo de Chi ar a, (Companhia lh ve é lucidez , nem toda m.br ura é genial buarque.co uc co lo hi .c da w to w w : a Nem st ti ar resa da do no site cantando Te disponível Dick Farney a ) om .c ww.youtube e “T V E ”. Youtube (w ick Farney” Assista pelo ocure por “D Pr . 71 19 E , em Praia na TV

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Jackson do Pandeiro

O ritmo em pessoa Por Bruno Hoffmann

A, E, I, O, U, Ypsilone... Foi assim que o nordestino, pobre e semi-analfabeto Jackson do Pandeiro se lançou para o País. Sucesso instantâneo, deixou boquiaberto o público, que talvez pensasse em uníssono: “De onde

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vem tanto ritmo?”. A resposta é difícil, tal qual sua vida. Mas há suspeitas:

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vem da Paraíba, de sua mãe,

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em os executivos da gravadora Copacabana conseguiam acreditar. A estréia fonográfica de um nordestino atE então desconhecido, em um disco de 78 rotações, alcançou a vendagem de 50 mil cópias naquele verão de 1953. Mais do que o dobro de sua estrela principal, a popularíssima Ângela Maria. O nordestino em questão, Jackson do Pandeiro, estourou em vendas com Sebastiana, de Rosil Cavalcanti, e Forró em Limoeiro, de Edgar Ferreira. Seu estilo único de cantar, tocar e se apresentar – mistura de samba, coco, baião e forró; cheio de síncope e de sofisticada divisão rítmica – impressionou o público. Enfim, começava a conquistar o “sul-maravi-

de ex-quilombolas, do inexplicável.

lha”, que logo colocou sobre a novidade a alcunha de “o rei do ritmo”. Ninguém poderia vislumbrar esse futuro em 31 de agosto de 1919, quando nasceu na cidade de Alagoa Grande, agreste paraibano. Primeiro fi lho do oleiro (fazedor de tijolos) José Gomes e de Flora Maria da Conceição, José Gomes Filho chegou ao mundo em situação de extrema pobreza. Mas não musical. A mãe, conhecida como Flora Mourão, era uma respeitada cantora de coco da região. Dela receberia as primeiras aulas rítmicas. E seriam as únicas que freqüentaria na infância. Jack, como Flora o chamava por sua suposta semelhança com Jack Perry – ator norte-americano de western dos anos 1930 – nunca estudou em escola regular. Foi semi-analfabeto por toda a vida.


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ARQUIVO

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ENTRE COCOS E FOXTROTES Jackson receberia outras influências musicais na cidadenatal. Graças ao desenvolvimento da região, motivado pelos engenhos de açúcar, o município passou por um momento de importante expansão cultural. Havia escolas de música, quatro blocos carnavalescos e um teatro que abrigava refinados saraus. Também havia a Bandinha da Caiana, formada por integrantes da comunidade de Caiana dos Crioulos, ex-quilombolas que viviam nas cercanias da cidade. Suas apresentações se caracterizavam pelo sincretismo musical. Misturavam ritmos herdados dos antepassados com modismos da época, como a rumba e o foxtrote. Se destacavam ainda pelo vestuário cheio de cores fortes: vermelho, amarelo-ouro, rosa-choque. As referências musicais e estéticas do pequeno Jack iam tomando forma. No início dos anos 1950, após decidir pela música como profi ssão, Jackson partiu para Recife. Na cidade, conheceu a cantora e dançarina de rumba Almira Castilho, com quem fez uma dupla – de música e de fato. Casaram-se em 1953. Nas apresentações, formavam uma unidade: ela, com danças envolventes e sensuais; ele, sendo Jackson do Pandeiro. Toda a cena era envolvida com roupas coloridas e alegres, tal qual as dos ex-quilombolas de sua infância. O sucesso veio com óbvia naturalidade. Primeiro no Norte e Nordeste; depois, em todo o País, com a gravação do primeiro disco pela Copacabana.

A ORDEM É SAMBA Após idas e vindas para apresentações no Sudeste, Jackson e Almira mudaram-se de vez para o Rio em 1955. Gravaram no mesmo ano o álbum Sua Majestade – O Rei do Ritmo, que contém músicas como Canto da Ema (Alventino Cavalcante, Ayres Viana e João do Vale) e A Mulher do

Já no primeiro disco seu estilo único de cantar, tocar e se apresentar – mistura de samba, coco, baião e forró; cheio de síncope e de sofisticada divisão rítmica – impressionou o público.

Aníbal (Nestor de Paula e Genival Macedo). Também atuaram em diversos filmes populares. No Carnaval, Jackson lançava frevos e marchinhas. No meio do ano, forrós, cocos e xaxados. E os sucessos foram se somando. No auge da carreira, gravou canções que posteriormente receberiam a voz de importantes nomes da música popular, como Chiclete com Banana (Gordurinha e José Gomes) e Cantiga do Sapo (Jackson do Pandeiro e Buco do Pandeiro). Na esteira veio também A Ordem é Samba (Jackson do Pandeiro e Severino Ramos), uma espécie de canção-protesto contra a mania do público carioca só querer saber de samba. De samba ele também entendia: É samba que eles querem? / Eu tenho / É samba que eles querem? / Lá vai / É samba que eles querem? / Eu canto / É samba que eles querem / Nada mais.

OBRA VIVA Com a efervescência cultural dos anos 1960, Jackson foi paulatinamente perdendo espaço para a Tropicália, para a Jovem Guarda, para a dita MPB. As apresentações rareavam. O casamento também não andava bem. Separouse de Almira em 1967. No mesmo ano conheceu a adolescente Neuza Flores dos Anjos, com quem casou. Nos anos 1970, seus sucessos foram regravados por artistas como Novos Baianos e Gilberto Gil. Também lançou discos com canções inéditas, mas suas novidades já não atraíam tanta atenção. Em 1981, após passar mal depois de um show em Brasília, morreu aos 62 anos, em decorrência de embolia pulmonar e cerebral. Sua obra, no entanto, permanece viva. Seja entoada em qualquer forró que se preze; seja reavivada por sucessivas novas gerações de artistas brasileiros. SAIBA MAIS Jackson do Pandeiro – O rei do ritmo, de Fernando Moura e Antônio Vicente (Editora 34, 2001).

O M ELHOR PRODUTO DO BRASIL É O BRASILEIRO CÂMARA CASCUDO

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Santana de Parnaíba

Uma viagem na história Não gasta nem uma hora o sujeito que partir de São Paulo em direção a Santana de Parnaíba. A viagem por lá, porém, atravessará séculos. Arruar neste recanto é seguir os passos dos bandeirantes e descobrir um lugar repleto de vestígios e visões do tempo. Texto, fotos e ilustrações de Heitor e Silvia Reali

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CORETO MAESTRO BILO: UMA CIDADE FESTEIRA E MUSICAL, REGISTRADA TAMBÉM POR MÁRIO DE ANDRADE.

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o bucólico arraial que volteia uma colina à margem esquerda do rio Tietê, os bandeirantes preparavam, nos idos do século 17, suas expedições: arrobas de pólvora e balame, machados, redes de embira, batelões, bateias, trabucos e, que mais?,“Sapatões pra duzentas estradas, chapelão pra dez anos de sol e de chuva”, nos cálculos do poeta Cassiano Ricardo (1895-1974). As Bandeiras, qual muralhas de gente, se embrenhavam sertão adentro para ampliar nossa terra além do Tratado de Tordesilhas, dando forma de harpa ao Brasil, segundo os geógrafos poetas.

Santana de Parnaíba, tão pertinho de São Paulo (35 quilômetros), hoje não é mais rodeada pelas águas claras onde banhavam-se perdizes. A temida Cachoeira do Inferno, pelo redemoinhar de suas águas mata-cavalo, jaz no fundo da represa, construída no inicio do século passado pela empresa canadense Light. Nessa garganta do Tietê, os batelões precisavam deixar o rio e seguir por terra, imagem que o escultor Victor Brecheret (1895-1955) escolheu para representar o Monumento dos Bandeirantes, no Ibirapuera, em São Paulo. Desde o natura-


27 CASA DOS BUENO DA SILVA, OU ANHANGÜERA: ÚNICA BANDEIRISTA URBANA QUE PERMANECE EM PÉ.

lista Saint Hilaire (1779-1853), tenta-se explicar a façanha desses nossos heróis geográficos. “Quando Raposo regressa de sua viagem de 30 anos e sua família não o reconhece, que é isso senão uma página de Homero narrando a volta de Ulisses?” O poeta Cassiano procura apenas reconquistar o espírito da nossa nacionalidade: “Quem caminha e leva uma fronteira nos pés, caminha dividido: de um lado é herói, do outro lado é bandido”.

Bandeirantes e imperadores Santana de Parnaíba une em seu nome o tupi, a dar a localização exata e terrena – Pan-nei-i-o,“lugar de muitas ilhas” –, e a devoção a Sant’Anna de sua primeira moradora, Suzana Dias. Ela e seu marido, Manoel Fernandes, donos de uma fazenda que originou a cidade, simbolizavam a mistura de raças: ele, branco e português; ela, mameluca descendente dos índios guaianazes. Foram pais do bandeirante André Fernandez, descrito em um documento antigo como o Corsário do Sertão. Em Santana de Parnaíba viveram três gerações dos Bueno da Silva, todos alcunhados

de Anhangüera – do tupi Diabo Velho. Sua casa, única bandeirista urbana que chegou até nossos dias, é voltada para um amplo quintal nos fundos, e de frente para a Igreja Matriz. É hoje um museu com objetos de diferentes épocas da história. A casa, na verdade, é quase uma fortaleza, com suas paredes de meio metro de largura, janelões que se abrem para dentro com travessas verticais para impedir a passagem.

Preste Atenção Note como os rios da região, batizados pelos índios com nomes sonoros, hoje nomeiam bairros, locais ou cidades. Alguns exemplos: Pirapora (morada do peixe), Parnaíba (lugar de muitas ilhas, ou onde é difícil passar), Voturuna (serra negra), Barueri (corredeira), Cururuquara (morada ou esconderijo do sapo roncador), Anhembi (rio das perdizes), Araçariguama (lugar em que pássaros araçaris banqueteiam), Itu (de utuguaçu, cachoeira grande), Piratininga (peixe seco) e Tietê (rio caudaloso).

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O casarão ao lado, com portas-balcão e sacadas, os chamados “guarda-corpos”, abriga a Casa da Cultura. Era ali, dizem, o esconderijo secreto do imperador Pedro I e de sua amante, a Marquesa de Santos.

Sabenças

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Em todas as ruas de Santana podem ser vistas casas construídas em diferentes séculos. Vale flanar sem pressa, notando os detalhes da arquitetura. Algumas eram armazéns; outras, casas simples e baixas; umas têm gradis em ferro trabalhado; outras, telhados de uma ou duas águas. Em poucas aparecem bandeiras sobre as portas, para a ventilação natural. As casas eram construídas com estruturas de taipa e taipa de pilão. No imóvel do Largo de São Bento, 80 – restaurado em 2003 pela Oficina Escola de Artes e Ofícios –, amostras dessas técnicas podem ser vistas em pequenas aberturas deixadas no reboco, como a parede de pau-a-pique e adobe e o forro de bambu amarrado com cipó. Cabe lembrar ainda que o patrimônio de Santana de Parnaíba também são as “sabenças”, como dizia Mário de Andrade, que por lá andou pesquisando música. Encontrou um tal de Isidoro, que era o “dono do samba”. Hoje tem dona Irene, do celebrado doce de lima umbiguda; os cabeções, enormes bonecos feitos pelo mestre Tito; os efêmeros tapetes de flores; a festa do Cururuquara, em louvor a São Benedito. Para esta aldeia voltavam os heróis geográficos ao fim da caminhada. Tudo para dizer, finalmente: “Aqui é que começa o país da Esperança”.

SANTANA DE PARNAÍBA TEM MAIS O Grito da Noite Talvez derive de uma manifestação católica de encomenda de almas, quando se percorriam as ruas com choradeiras, flagelos e gemidos. A anunciação do Carnaval vem com o toque de tambores. É a deixa para a saída dos “fantasmas” pelas ruas do centro antigo. Foliões vestidos com lençóis, caveiras e máscaras aterradoras zanzam pela cidade ao embalo de zabumbas e chocalhos. Com o passar do tempo, os fantasmas caíram no samba. Ou talvez seja esta a outra origem da festa: uma manifestação dos escravos que ganhavam as ruas batendo tambores para comemorar a liberdade.

Corpus Christi Por aqui há registros dessa cerimônia religiosa de herança portuguesa já no século 17. Na véspera da festa, moradores varam a madrugada nas ruas, fazendo tapetes com motivos religiosos por onde passará a procissão. Durante o ano, os habitantes armazenam serragem e casca de ovos que serão coloridos para atapetar cerca de dois quilômetros de ruas no Centro Histórico.

Museu Paraibano de Música Benedicto Antônio Pedroso O acervo do Museu de Música foi doado pelos moradores de Santana. São partituras, instrumentos musicais, quadros, fotos. Além de uma coleção de antigos LPs e 78 rotações – entre eles, algumas raridades. O Museu também promove o encontro dos seresteiros da cidade.

Não deixe de ouvir Cidade festeira e musical, Santana abriga todos os domingos o projeto Música na Praça, com apresentações de chorinho e MPB ao lado do Coreto Maestro Bilo. Este, construído com ferros que vieram da Inglaterra, é um dos xodós da população. Todo segundo sábado do mês acontece o Parnayba em Seresta e Serenata. Um grupo de músicos sai às 23h em seresta pelas ruas do Centro Histórico, interpretando esse gênero musical que foi muito popular no século 19.


Prata da Casa

Restaurar a vida C

aprender também a arte do restauom poucas variações, a vida de ro. Trabalho era o que não faltava. Diego Balsote é igual à de muiAssim, Jair tirou muitos jovens das tos meninos de famílias pobres do ruas e das drogas. Brasil: preferiu viver sozinho nas Anos mais tarde, na década de 1990, ruas a ouvir as mesmas brigas na caseu filho Turinã Inácio e o professor sa onde faltava tudo. Aos 15 anos, Júlio César Barros chegaram a Santamorava na rua quando o Conselho na de Parnaíba. O trabalho de recuTutelar de Santana de Parnaíba o enperar as edificações era muito grancaminhou ao Projeto Oficina Escola de. Cada casa era quase uma amostra de Artes e Ofícios (POEAO). Lá Diede todas as técnicas construtivas emgo aprendeu a restaurar a casa dos pregadas nos séculos 16, 17 e 18. Onoutros, mas acabou restaurando a de conseguiriam tantos e diferentes própria vida. Esta história é quase a técnicos? Criaram então o POEAO, a mesma de Eduardo, Anderson, Gapartir de um convênio entre a Prefeibriel, David e Gilmar, também alutura municipal, a Federação das Innos da oficina. OS MENINOS DO POEAO: MÃOS À OBRA. dustrias do Estado de Minas Gerais e A idéia do projeto veio de longe, no o Senai mineiro. Os alunos aprendem história da arte, cartempo e no espaço. A semente brotou na cabeça de oupintaria, alvenaria, pintura, ofício de talha, conservação tro jovem, ex-menino pobre, Jair Inácio. Ouro Preto, de acervo gráfico e muito mais. Recebem bolsa-auxílio, anos 1960. O negrinho era curioso e muito inteligente. vale transporte e alimentação. A Escola já formou 400 joAprendeu inglês de ouvir os turistas para os quais vendia vens qualificados para o mercado de trabalho. quadros com cenas da cidade. Acabou descolando uma “Vale notar que de aprendiz a técnico de ofício são oito bolsa de estudos de um ano em Bruxelas, onde aprenanos de estudos”, conta o entusiasmado mestre de ofício deu técnicas de restauração. De volta a Ouro Preto, foi Edson Higino. Turinã ressalta outro aspecto: “Cada jovem trabalhar na recuperação do altar da Igreja do Pontal. é um multiplicador, e nossos meninos estão empregados Na época, pipocavam hippies pela cidade. E ele penem 43 cidades brasileiras, realizando esse trabalho”. sou: se eles são tão habilidosos nos artesanatos, podem

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Onde comer

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Berço Lusitano Como convém a um restaurante português, o forte da casa

Onde ficar

são os quitutes e os pratos à base de bacalhau. Os pastéis de Belém, de Santa Clara e de Tentuga são imperdíveis. Fica no Centro Histórico, com mesas na calçada. Tel.: (11) 4154-4875.

Pousada 1896 Única localizada no Centro Histórico. O nome marca o ano de sua construção. É a preferida dos peregrinos que percorrem o Caminho do Sol. Tel.: (11) 4154-1680. Hotel Newton Plaza Localizado a seis quilômetros do Centro Histórico, no bairro da Fazendinha, possui 42 suítes. Tel.: (11) 2808-6333.

Restaurante São Paulo Antigo Também no Centro, sua especialidade são os pratos da cozinha caipira. Destaque para o Leitão à Pururuca. De sobremesa, vá do tradicional Pudim de Leite. Tel.: (11) 4154-2726.

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CUPUAÇUEIRO Theobroma grandiflorum

O cupuaçu é nosso! Ele acaba de ganhar status de fruta nacional. É tão bom, que tentaram roubá-lo. Virou símbolo da luta contra a biopirataria. Além de matéria-prima para cosméticos, é saboroso e nutritivo. Fornece o legítimo chocolate branco e todo um armazém de delícias. Por Mylton Severiano

O IN F LO R A B R A S ILIE N S IS

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que a cedilha teria a ver com esta história? Aprendi com o amigo Joel Rufino, historiador e escritor: se você não encontra documento sobre um episódio, use a imaginação. Imagine então capitalistas japoneses e americanos decidindo como grafar o nome da fruta amazônica que iriam patentear: “Cupuacu, non?”, pergunta o japonês. “Oh, yes, cupuacu”, concorda o americano – não existe cedilha em inglês, muito menos em japonês, escrito em ideogramas. O fato é que, na passagem para o século 21, Nagasawa Makoto, dono da Asahi Alimentos, de Quioto, fundou com possíveis sócios americanos a Cupuacu International Inc. Chegou a registrar o óleo da amêndoa e até o chocolate do cupuaçu – o cupulate. A Asahi queria apropriar-se do Theobroma grandiflorum e nos proibir de sequer usar o nome cupuaçu comercialmente sem permissão da Cupuacu International! Graças a ONGs, parlamentares e órgãos federais, a empresa acabou derrotada. Enfim, a 20 de maio de 2008, o Diário Oficial da União publicou lei, sancionada pelo presidente Lula, que decretou o cupuaçu “fruta nacional”. Comparouse a campanha a outra, O petróleo é nosso, que resultou na criação da Petrobras na década de 1950.

O cupu, cupuaçueiro ou cupuaçuzeiro, pertence à família das esterculiáceas: é primo do cacaueiro, Theobroma cacao (ver Manjar dos deuses, ALMANAQUE de julho/2007). Alcança entre 10 e 15 metros de altura, mas pode passar dos 20. Vive seus 80 anos. As folhas, grandes como diz o nome científico, medem até 60 centímetros de comprimento. As flores, vermelho-escuras, as maiores do gênero Theobroma, não crescem grudadas no tronco, como outras da família, mas nos galhos. O fruto, também único na família pelo peso e tamanho, chega aos 4 quilos e 25 centímetros de comprimento. De casca castanho-escura, dura e lisa, abriga sementes envoltas numa polpa branca, levemente ácida e de aroma pronunciado. A árvore gosta de clima quente e úmido. Nativa da Amazônia oriental, espalha-se hoje por toda a bacia do Amazonas: nas cidades ou nos povoados, rara é a casa que não tem um cupu no quintal. E, pouco exigente em matéria de solo, dá até no sudeste. Em honra aos 100 anos da imigração japonesa, reflito e concluo que Nagasawa Makoto, ao fim das contas, prestou-nos um serviço: abriu nossos olhos para a riqueza do cupuaçu. Arigatô.


Tesouro vegetal upuaçu tem propriedades hidratantes, nutritivas, emolientes e regeneradoras. A indústria da beleza descobriu, como o Boticário, a Natura e a americana Avon. Vendem, no mundo todo, seus produtos à base do fruto amazônico: óleos, cremes, sabonetes, xampus. Milhares de quilômetros ao sul de seu hábitat, o cupuaçu já faz sucesso. Em Florianópolis, Marina Jardim, a Mara, cozinheira de hotel, comprou um anti-rugas da Natura de uma vizinha, que a convidou para revendedora. Mara diz que os mais pedidos são os produtos à base de

cupuaçu. Ela gostou do creme: “Lavo muita louça, a mão fica áspera. A moça tinha falado: ‘Compra, que não vai se arrepender’. É verdade, a mão fica macia, macia”. Em Porto Alegre, o técnico eletrônico Adriano Bohrer, revendedor da Avon nas horas vagas, aguarda a linha cupuaçu que, segundo ele, já está em Nova York, Paris e Tóquio. Pesquisa mundial: três entre cinco mulheres preferem produtos que, além de tecnologia avançada, contenham ingredientes da flora. Aguarde: o cupuaçu mal entrou na história. R E P R O D U Ç Ã O /E A

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Olha o que é a natureza

R E P R O D U Ç Ã O /E A

Uma mercearia completa

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s nortistas oferecem às visitas, não café, mas suco de cupuaçu. Aroma, textura cremosa e propriedades revigorantes conquistam apreciadores mundo afora. Contém proteína, cálcio, fósforo, ferro; vitaminas A, B1, B2, C; pectina, reguladora do colesterol. Fornece tal variedade de produtos que dá para montar uma mercearia: refresco, licor, sorvete, musse; pudim, bolo, torta; compota, geléia; bombom; manteiga como a de cacau; e o cupulate, similar ao chocolate, só que mais saudável.

Quando amadurece, o cupuaçu cai. É recolher, abrir, separar a polpa da semente e consumir. Para vender a polpa, é preciso congelar, pois perece logo. Com a valorização dos produtos da Amazônia, muita gente passou a cultivar cupu, árvore ecológica: como precisa de sombra, não elimina a presença de outras – como a palmeira pupunha, que, além da sombra, fornece coco, palmito, gordura, ração. O Pará é a terra do cupuaçu, mas ele já está sustentando muita família até no sudeste da Bahia.

Mylton Severiano é jornalista.

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Afra Felicíssimo Caetano de Tiene Gusmão Numídio Lourenço Clara de Assis Euplúsio Hipólito Eusébio Tarcísio Roque Jacinto Lauro João Eudes Samuel Humbelina Timóteo Donato Bartolomeu Patrícia Zeferino Mônica Agostinho

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em aquele causo do meu cumpadi que bebia muito. Bebia tanto que deu aquele negócio de enxergar tatu com asa, voando na sua frente. E foi nessas circunstâncias que o dito cujo resolveu dar um breque na aguardente. Parou de estalo, como um macho que fala que faz as coisas e faz mesmo. Passou a tomar só água mineral. Com gás, porque subia mais depressa. Mas eis que um dia o cumpadi faz aniversário; 60 anos na cacunda. Deu uma festinha boa pros velhos amigos de bar e ainda mandou trazer 10 barris de chope. Do escuro e do claro. Era pra todo mundo encher a cara – menos ele, é claro. Bebesse quem se atrevesse. Ele não, que era macho nas decisões. Lá pras tantas, os amigos empanturrados de espuma de chope e ele de tanta água com gás, eis que um gaiato qualquer inventa de brindar ao aniversariante com uma bela rodada de chope. Só que insistia que o dito cujo batesse o tim-tim

Sabina Adauto

e bebericasse, nem que fosse única e somente aquele copo de chope. Gaiato – Ocê vai tê que bebê pelo menos esse copo. Um só. Um só num faz mar pra ninguém, rapaz! E insistia, puxando os outros para que insistissem também. Todos (em coro) – Bebe, bebe, bebe!! Cumpadi – Olha, pessoal. Não posso bebê. Eu bebia tanto que já tava enxergando tatu com asa, voando na frente dos meus óio. Todos (em coro) – Bebe, bebe, bebe!! Insistiram tanto, mas tanto, que ele acabou virando na güela o tal copo. E assim que terminou, surgiu na sua frente um bando de tatu com asa. Todos num coro festeiro, cantando e batendo palminhas: “Parabéns pra você, nesta data querida...” Daí pra frente, foi só cantoria e chope güela abaixo. E dá-lhe tatu...

Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

Raimundo Nonato*

VIRGEM (23/8 a 22/9)

O virginiano tem uma maneira racional de olhar a vida. Ordem, limpeza e organização são seus pontos fortes, assim como a preocupação com a saúde e a alimentação. É do tipo que precisa ver para crer. São amigos, solícitos, prestativos e doadores. E, quando se apaixonam, são capazes de dedicar tudo a este amor: corpo, alma e o que mais estiver à disposição.

*São Raimundo Nonato Nasceu em Portell, na Espanha. Em uma missão na Argélia, conseguiu libertar 150 cristãos, mas acabou preso. No cárcere, pregava para os muçulmanos com tanta unção que teve seus lábios perfurados com ferro quente e fechados com um cadeado. Depois de libertado, passou por sofrimentos até a morte, em 1240, aos 40 anos.

ALAOR FILHO/AE

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Aniversariante caipira

Perpétua

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS? José Wilker

ESTAÇÃO COLHEITA O que se colhe em AGOSTO Jabuticaba, morango, abacaxi, tangerina, acelga, berinjela, laranja.

Nova: 1/8 às 7h30 Crescente: 8/8 às 17h20

Cheia: 16/8 às 18h16 Minguante: 23/8 às 20h50

O QUE É O QUE É? – Polichinelo. CARTA ENIGMÁTICA – O bordão de um de seus mais famosos personagens era: Pergunta idiota, tolerância zero! (Francisco Milani) BRASILIÔMETRO – 1b; 2c; 3c; 4d; 5b; 6a; 7a; 8b. ENIGMA FIGURADO – Walmor Chagas. SE LIGA NA HISTÓRIA – 1d (Clara Nunes); 2b (Elis Regina); 3a (Nara Leão); 4c (Carmem Miranda). O CALCULISTA DAS ARÁBIAS – A divisão proposta pelo falecido não soma 35 camelos. Ao adicionar seu camelo ao espólio, Beremiz aumentou a fração que cada um receberia (36/2 = 18; 36/3 = 12; 36/9 = 4). Ainda assim, sobraram dois camelos, uma vez que 18+12+4 = 34. Beremiz reouve seu camelo e ainda ficou com a sobra da divisão.

“AS PIORES COISAS SEMPRE SÃO FEITAS COM AS MELHORES INTENÇÕES.”

Oscar Wilde


Viola, minha viola Em kit que acompanha um livro ilustrado (que pode ser vendido separadamente), a produtora Myriam Taubkin e o diretor de vídeo Sérgio Roizenblit lançam o documentário em DVD Violeiros do Brasil. É um passeio pelo mundo da viola. Gravado entre 2007 e 2008, o fi lme retrata os artistas a partir dos locais em que vivem. Há depoimentos inéditos de expoentes do instrumento. Os músicos entrevistados são Adelmo Arcoverde, Almir Sater, Braz da Viola, Ivan Vilela, Passoca, Paulo Freire, Pena

Branca, Pereira da Viola, Roberto Corrêa, Tavinho Moura, Zé Mulato e Cassiano. O lançamento faz parte do projeto Memória Brasileira, criado em 1987 com o objetivo de realizar um mapeamento detalhado da música nacional. Houve registros de pianistas, violonistas, violeiros, arranjadores, percussionistas, instrumentistas de sopro e sanfoneiros, com participação de mais de 500 artistas. Quatro dessas séries resultaram em DVD : O Brasil da Sanfona, Violões do Brasil, Um Sopro de Brasil e agora Violeiros do Brasil. (BH)

Deixa Com 24 anos de carreira, a cantora Renata Arruda lança primeiro disco em que assina todas as faixas. Passeia pelo pop, baladas e ritmos nordestinos. Paisagem Humana O lançamento do cantor goiano Rubi traz composições de Marcelo Camello, Lobão, Vitor Ramil, José Miguel Wisnik, Júnio Barreto, Gero Camilo e outros. Olho Vivo Sucesso nas noites de São Paulo com repertório de samba-rock e outros ritmos envolventes, a banda Farufyno apresenta miniálbum com seis músicas. 33

Bah! Onde falar da cultura gaúcha? Num almanaque, tchê. Bergamota, baia, atucanado, chinelagem... Não entendeu? Essas e muitas outras palavras fazem parte do interessante vocabulário gaúcho. Mas não é apenas na fala que a gauchada se diferencia. São muitos e muito diferentes os costumes deste povo cheio de orgulho de sua cultura. Prova disso é que tanta diversidade só poderia mesmo caber num almanaque. O livro Almanaque Gaúcho tem origem na seção de mesmo nome que desde setembro de 1999, seis vezes por semana, ocupa a antepenúltima página do jornal Zero Hora,

editado em Porto Alegre. Valendo-se da liberdade própria dos almanaques, a seção vem cheia de conteúdo científico, literário, informativo e às vezes recreativo e humorístico, sempre apontando para a cultura e a memória do Rio Grande do Sul. Mais de duas mil páginas foram editadas desde então, mas nem tudo o que foi publicado no Zero Hora coube nesse volume. O livro traz uma compilação da seção, com novo tratamento gráfico e o mesmo apelo do formato editorial. (CC)

Traição

Ronaldo Vainfas

A história de um mameluco nascido em São Paulo que foi parar no centro dos acontecimentos da guerra entre Portugal e Holanda. Companhia das Letras, 392 p., R$ 47. Histórias à Brasileira 3 Ana Maria Machado e Odilon Moraes

No terceiro volume da série, são recontadas dez histórias da cultura oral brasileira. Companhia das Letrinhas, 88 p., R$ 33. Dicionário Paulo Freire Danilo Streck (org.)

Produzido por 75 estudiosos, reúne verbetes que têm como referência o lugar em que palavra, expressão ou conceito ocupam na obra de Paulo Freire. Autêntica, 448 p., R$ 59.

RBS, 120 p., R$ 20

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GOSTO NÃO SE DISCUTE O homem pergunta à esposa: – Querida, o que você prefere: um homem inteligente ou bonito? – Que é isso, querido? Você sabe muito bem que prefiro você!

CANTINHO DA SOGRA O sujeito vai visitar o amigo na casa nova. Logo repara que tudo era redondo: varanda, sala, quartos, banheiros, cozinha, área de serviço... – Que inovação. Seu arquiteto foi muito ousado. – Que nada! A idéia foi minha. Quando minha sogra falou que queria um cantinho, não tive dúvidas...

“Quem bebe tudo num dia, no outro assobia.” Tristeza

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SORVETE DE AZEITONA O menino chega na sorveteria e pergunta: – Tem sorvete de azeitona? – Não. No dia seguinte: – Tem sorvete de azeitona? – Não! No outro dia: – Tem sorvete de azeitona? – Não!! E no outro dia: – Tem sorvete de azeitona? – Tem. – Eca!

Na hora das confidências, na altura da oitava rodada de chope, depois de um grande silêncio, um dos bêbados rompeu o mutismo e interpelou o colega: – Afinal, que queres? Tens uma mulher bonita, inteligente, prendada... Que mais exiges?! O outro, profundamente abatido, com voz sumida, respondeu: – Ela é que exige tudo...

Sereias As sereias de Copacabana são mulheres fantásticas que se apaixonam facilmente por tubarões com “rabo de peixe”. Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

QUESTÃO DE GÊNERO O caipira entra na loja de material de construção. – Ocê tem aí uma tomada? – Pois não. O senhor deseja uma tomada macho ou fêmea? – Ô moço! Tô precisâno de uma tomada pra acendê a luz, não pra fazê criação!

Laerte

RECADO AO LEITOR Mande suas histórias, causos, fatos anedóticos. Desde que provoque ao menos um riso. Se provocar gargalhada, melhor. Divida seu bom humor com os vizinhos de poltrona. redacao@almanaquebrasil.com.br Rua Dr. Franco da Rocha, 137, 11º andar – São Paulo/SP – CEP 05015-040.

“NÃO PRETENDO SER FELIZ, MAS VERDADEIRO.”

Nietzsche




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