Almanaque Febec 16

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SANTOS E GRANDES HISTÓRIAS C

ada dia tem um santo e cada santo sua história. Ainda mais por estas terras. No Brasil, os santos atravessaram a fronteira do catolicismo e se embrenharam definitivamente na cultura nacional. É o que mostra o Especial do mês, que revela como distintas santidades estão presentes no futebol, em expressões populares e no nome de mais de 500 cidades. Certamente há uma cidade perto de você com nome de santo. Se não a sua própria. O Almanaque de Cultura e Saúde também se mantém firme no propósito de trazer à luz histórias encantadoras de luta pela vida. É uma homenagem a milhares de homens e mulheres voluntários que batalham arduamente em ligas de combate ao câncer. Anônimos que doam boa parte de suas energias para ajudar ao próximo. Neste mês, ouvimos dona Júlia, de Garça, que contribui para melhorar a vida de 253 pessoas com câncer, e dona Odete, de Tabatinga, que venceu a doença e hoje ameniza a dor de quem mais precisa. Se falamos de saúde, também temos de falar de cultura, para honrar o nome. Na seção Almanaquices são resgatadas histórias de todos os tipos e sabores sobre o Brasil. Como estamos no mês dos namorados, prepare o coração para conhecer a trajetória pra lá de romântica de Rosa Husak, que, aos 82 anos, encontrou um novo amor na vida. Saiba também quem foi o sujeito que inventou que junho é o mês dos casais apaixonados. Confira, ainda, os enigmas e de onde surgiu a expressão “estar com a macaca”. O grande momento desta edição, porém, é a conversa inspiradora com o médico Roberto Kikawa. Ele atendeu a um pedido do pai no leito de morte: ser um médico humanitário que compreendesse e atendesse integralmente os pacientes. Com essa filosofia, o paulistano e sua equipe do Centro de Integração de Educação e Saúde levam às mais diversas periferias do País um centro de diagnósticos de alta tecnologia. Detalhe: a bordo de uma carreta. Tudo para evitar que mais gente passe pelo que seu pai passou. A revista tem muito mais: o “cachorro louco” Paulo Leminski, causos de Rolando Boldrin, jogos e brincadeiras. Um caldeirão de brasilidade e bons exemplos. Para receber mensalmente o Almanaque em sua casa, acesse www.febec.org.br e faça uma assinatura anual. A melhor notícia: toda a renda é revertida a ações de luta contra o câncer.

Sumário Julia Kawasaki Hori

5 gente ajudando gente

Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisora Maria do Rosário Souza Assistentes de arte Guilherme Resende, Soledad Cifuentes e Daniela Santiago (estagiária) Gerente administrativa Fabiana Rocha Oliveira Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)

Presidente

Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro presidência@febec.org.br

Diretoria de Desenvolvimento Nelson dirdesenvolv@febec.org.br

Barros

Departamento Comercial e de Marketing Jaques jaques@febec.org.br

C. Cerutti

Rua Silva Airosa, 40. Vila Leopoldina São Paulo-SP cep 05307-040 Fone: (11) 3017-0417

SAC (11) 3017-0417 ASSINE (11) 3017-0417 www.febec.org.br O Almanaque de Cultura e Saúde é uma publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura em parceria com a Febec – Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer. A revista é distribuída por assinatura e pelos voluntários das Ligas de Combate ao Câncer. Apoio

Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar Perdizes. São Paulo-SP CEP 05015-040 Fone: (11) 3873-9115 culturaesaude@almanaquebrasil.com.br

6 Armazém da saúde 8 Almanaquices 14 Entrevista

Roberto Kikawa Paulo Leminski

18 Nossa gente, nossa história Brasil de Todos os Santos

20 eSPECIAL

24 Ludoterapia De Penedo a Piranhas

26 todos os cantos Cenoura

30 Saúde in Natura

32 Rir é o melhor remédio Odete Spalaor de Favere

34 muito obrigado 4

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Gente ajudando gente

PARA DONA JULIA, VOLUNTARIADO É RETRIBUIÇÃO ÀS OPORTUNIDADES DA VIDA

253

é o número de pacientes cadas-

Julia sente a necessidade de que a associação

trados na Associação de Volun-

cresça ainda mais, para assim poder ajudar

tários de Combate ao Câncer de Garça, no

mais gente. O dinheiro vem principalmente

interior de São Paulo. Poucas coisas faltam

de contribuições da população, por meio

aos atendidos. Os voluntários se revezam

de campanhas promovidas pelos voluntá-

para oferecer dignidade num momento

rios. A ajuda de outras entidades da cida-

tão delicado. E são muito bem-sucedidos

de também é fundamental. E o trabalho

na empreitada. Todo o trabalho começou

colaborativo tem rendido frutos. Este mês, por exemplo, começa a construção da sede

há 12 anos, sempre sob a coordenação de

própria da associação.

uma mesma mulher: Julia Kawasaki Hori.

Entre tantos casos acompanhados em mais

Dona Julia passou a vida lecionando em escolas

de uma década, muitos emocionaram dona Julia.

públicas e universidades. Ao aposentar-se, não conseguiu ficar parada. Ansiava retribuir à sociedade as oportunidades

Ela destaca uma assistente social que está vencendo o câncer

que havia tido. “Minha formação pessoal e profissional influen-

de forma corajosa e comovente. Ausenta-se do trabalho ape-

ciou a minha vontade de retribuir. Decidi, então, desenvolver

nas no dia em que comparece ao Hospital Amaral Carvalho,

ações para os necessitados, sempre com a ajuda dos companhei-

em Jaú, para a sessão de quimioterapia. E também no dia

ros da associação”, explica, aos 75 anos.

seguinte, para se recuperar. Depois, volta ao trabalho, e aten-

A entidade cresceu rapidamente. Hoje é procurada a qualquer

de sorridentemente a todos. “É um exemplo para todos que

momento, seja às seis da manhã ou em plena madrugada. Os

convivem com ela, transmitindo esperança e confiança aos

serviços são inúmeros, oferecidos conforme as necessidades indi-

doentes”, diz Julia.

viduais de cada paciente. Há distribuição de medicamentos e ali-

Perguntada sobre projetos para o futuro, a voluntária afirma

mentos, dietas industrializadas, pagamento de exames aos mais

que pretende continuar dedicando sua energia para amenizar o

necessitados. Há ainda empréstimo de cadeira de rodas e camas

sofrimento dos pacientes oncológicos, mesmo com tantas pedras

hospitalares, distribuição de fraldas descartáveis e até auxílio na

no caminho. “Apesar dos obstáculos enfrentados, sinto-me esti-

higiene pessoal dos pacientes. “Nosso objetivo, quando possível,

mulada todos os dias, e cada vez mais envolvida, buscando solu-

é evitar a hospitalização. Quanto mais tempo o paciente estiver

ções e alternativas para melhorar o atendimento dos doentes que

junto a seus entes queridos, melhor.”

nos procuram”, finaliza. 5


Armazém da saúde

A VARÍOLA AINDA VIVE esde 1980, a varíola é considerada uma doença erradicada. Mas laboratórios dos Estados Unidos e da Rússia ainda mantêm amostras do vírus que durante séculos provocou uma das doenças mais mortíferas da história da humanidade. Havia intenção de destruir o vírus ainda este ano, mas a Organização Mundial de Saúde decidiu: só vai voltar a discutir a questão em 2014. “Acreditamos que é preciso continuar com as pesquisas científicas em torno da varíola. A destruição dos vírus vivos seria irreversível”, disse um representante russo, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo. A decisão é polêmica, já que a volta natural da doença é considerada impossível. O vírus não está presente na natureza ou em animais. Um dos mais favoráveis à sua destruição imediata é o médico norte-americano Donald Herderson. “Seria uma excelente ideia. Este é um organismo que deve ser sempre temido”, afirma ele.

reprodução

D

Brian Hoskins

Bill Gates, mecenas das vacinas brasileiras? A Fiocruz e o Instituto Butantan – duas das maiores produtoras de vacinas do País – podem conseguir um auxílio importante: a do bilionário Bill Gates, que pretende financiar a pesquisa e produção de vacinas no Brasil. E não só o País será beneficiado, caso a intenção do dono da Microsoft dê certo. Ele pretende que, a partir das doações, o Brasil produza vacinas de baixo custo para chegar ao mercado internacional com preços competitivos e obrigar as grandes produtoras mundiais a baixarem os preços dos medicamentos.

DO FUNDO DO BAÚ

Pode acreditar: veneno de jararaca salva vidas

A

ntes de 1948, hipertensos não contavam com a bradicinina, substância que reduz a pressão arterial e melhora a expectativa e a qualidade de vida. Descoberta pelo carioca Maurício Oscar da Rocha e Silva, a bradicinina é produzida pelo corpo humano em contato com enzimas do veneno de jararaca. O brasileiro previu que a substância seria amplamente usada em medicamentos. Foi o que aconteceu. Rocha e Silva ainda dedicou a vida a tantas outras pesquisas. Dizia: “Não acredite numa coisa sem ter uma boa razão para fazê-lo”.

Rocha e Silva foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Como presidente da instituição, desafiou a ditadura militar (1964-1985) ao exigir que os cientistas exilados voltassem ao Brasil. “A ciência não pode ser tratada como atividade clandestina sujeita a inquéritos e perseguições pessoais”, escreveu. Não teve êxito, mas não se dobrou aos desmandos dos militares. 6

reprodução

Você Sabia?


NOTÍCIAS DA FEBEC

Ligas compartilham experiências em encontro o mês de maio foi realizado em Bocaina, no interior de São Paulo, a primeira edição da Reunião Regional de Coordenadores de Ligas de Combate ao Câncer. O evento reuniu representantes de quatro cidades da região: Jaú, Torrinha, Barra Bonita e Boa Esperança do Sul. A intenção era trocar experiências e discutir soluções para as questões dos voluntários. Os representantes de Torrinha, por exemplo, explicaram como firmaram acordos com laboratórios para pagar uma taxa menor nos medicamentos, e como estabeleceram parcerias com postos de saúde. “Ouvimos de cada cidade as vivências, os sonhos e os obstáculos para ajudar, juntos, a resolver os problemas”, afirmou Geraldo Kyelce Caria Affonso, coordenador da liga de Bocaina.

arquivo febec

N

Tatuí promove leilão para a Fundação Amaral Carvalho

Fim do cheque caução em hospitais

Bem, ao menos para os homens loucos por café. Pesquisadores da Universidade de Harvard descobriram que beber pelo menos seis xícaras de café por dia reduz em 60% os riscos de câncer de próstata. A pesquisa avaliou 50 mil homens durante 20 anos.

A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou em maio projeto de lei que proíbe hospitais e clínicas de exigirem cheque caução de pacientes que precisem se internar. “O Código Civil proíbe negociação com alguém que está em necessidade”, explicou o deputado estadual Fernando Capez, autor do projeto, que ainda precisa da aprovação do governador Geraldo Alckmin.

Marketing em xeque Em maio, centenas

“Uma feijoada só é realmente completa quando tem ambulância de plantão” Stanislaw Ponte Preta

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de médicos norte-americanos publicaram carta aberta dirigida ao McDonald’s. Os profissionais solicitaram que a rede de lanchonetes deixasse de usar o personagem Ronald McDonald’s como forma de atrair crianças para consumir seus lanches, considerados ricos em gordura, sal e açúcar. Os médicos ainda sugeriram eliminar os brindes que vêm nas caixas do McLanche Feliz. Em comunicado, o McDonal’s respondeu que “Ronald é um embaixador a serviço do bem, que dá mensagens importantes às crianças sobre segurança, alfabetização e um estilo de vida ativo e equilibrado”.

michaelaw

Boa notícia para os cafeinólatras

ACERVO ÚLTIMA HORA/FOLHA IMAGEM

Jeinny Solis S.

Leilão de 80 cabeças de gado, prendas e show sertanejo. Essa foi a programação do evento que ocorreu em Tatuí no fim de maio. Toda a renda arrecadada foi revertida para a Fundação Amaral Carvalho e para a Santa Casa de Misericórdia de Tatuí.


LAURA HA/ARQUIVO PESSOAL

Almanaquices

PAIXÃO NÃO TEM IDADE

UM NOVO AMOR AOS 73, OUTRO AOS 82

E

la nasceu em 1927, na comunidade húngara da Vila Anastácio, em São Paulo. Os pais vieram da Europa em 1925, buscando nos trópicos dias sem guerras e com trabalho. Criada sob a rígida batuta da mãe, Rosa Husak cresceu menina prendada. Cedo descobriu que nascera para amar. Aos 14 anos, caiu de amores por José. A paixão mal brotou e foi podada pela raiz. “Minha mãe não aceitou o namoro porque ele não tinha dinheiro para ficarmos juntos”, relembra Rosa. José prometeu voltar com fortuna no bolso quando a amada completasse 18 anos. Rosa sonhou dias a fio. Guardou o amor no peito e seguiu a vida ao desejo da enérgica mãe. Aos 17, fugiu. Casou-se às escondidas com André, na tentativa desesperada de conseguir liberdade. O enlace durou apenas três meses. O casal foi descoberto pela mãe, que obrigou Rosa a voltar para casa e esperar melhor partido. Antes de o novo pretendente aparecer, José voltou à procura da prometida. Com o coração despedaçado, a moça correu para se esconder. “Senti vergonha. Ele cumpriu a parte dele e veio me buscar. E eu não esperei por ele”, lamenta. Aos 20 anos, Rosa aceitou o pedido de Santo, soldador com o dobro de sua idade. Era a saída para se desvencilhar da barra da saia da mãe. Juntos, construíram uma história e uma família com três crianças. Santo faleceu 17 anos depois. Deixou Rosa com os filhos para sustentar e uma dívida sem fim. Ela era mãe e pai ao

mesmo tempo. Trabalhava de sol a sol na fábrica de rendas. Ali perto conheceu Luiz Carpi. Convicta de que todo dia é um novo começo, permitiu-se namorar. Não demorou para Luiz estreitar os laços e pedi-la em casamento para os filhos. Bênção concedida, 33 anos de união. Rosa amou o marido, mas amava mais a si mesma. Aos 70 anos, incomodada com as confusões do companheiro, expulsou-o de casa. Com os filhos criados, dedicou-se à assistência social. Ajudou pessoas doentes, carentes do carinho que ela sempre teve de sobra para compartilhar. Uma tarde, na sala de espera de um hospital, Rosa encontrou Somar. E, nos olhos dele, o amor que queria para si mesma. “Senti um tremelique, um relâmpago”, revela. Somar era uruguaio, um mágico que correu mundo encantando o público. Encantou Rosa. Por três anos, viveram uma paixão de cinema. Ela, aos 73 anos. Ele, aos 85. Foram felizes até o dia em que o coração de Somar cansou de bater. Um pedaço de Rosa partiu com ele. Para ocupar corpo e alma, ela concentrou-se no trabalho voluntário e em atividades recreativas em Campo Limpo Paulista, interior de São Paulo. Esbarrou em outro Luiz. De conversa em conversa, o “caboclo” prometeu conquistá-la. “E conquistou”, admite. Aos 84 anos, de marido novo, dona Rosa agarra a felicidade com unhas e dentes. Renova sonhos a cada minuto. Ela sempre soube que nasceu para amar e vai morrer amando.

fases da lua 1 • 2 • 3 • 4 • 5 • 6 • 7 • 8 • 9 • 10 • 11 • 12 • 13 • 14 • 15 • 16 • 17 • 18 • 19 • 20 • 21 • 22 • 23 • 24 • 25 • 26 • 27 • 28 • 29 • 30 • 31 nova

crescente

cheia

minguante

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1949

Uma loja de departamento paulistana procurou o publicitário João Dória. O desafio era bolar uma forma para aquecer as vendas durante o mês de junho, então um dos menos lucrativos para o comércio. O publicitário teve a sacada de criar o Dia dos Namorados, inspirado no Dia de São Valentim, em 14 de fevereiro, quando os apaixonados europeus e norte-americanos trocam presentes. A justificativa de Dória para escolher 12 de junho: é o dia que antecede o de santo Antônio, o santo casamenteiro. Em 12 de junho de 1949 aconteceu o primeiro Dia dos Namorados do Brasil. Não chamou muita atenção, apesar de uma enorme faixa estendida em frente à loja: “Não é só de beijos que se prova o amor”. Demorou mais de uma década para pegar. Mas deu certo. Hoje, é a terceira data mais pujante para o comércio brasileiro. Só perde para o Natal e o Dia das Mães – este último, também, uma invenção do publicitário.

origem da expressão Estar com a Macaca Quando dizemos que uma pessoa está com a macaca, não insinuamos que ela pula de galho em galho ou que o simpático primata seja símbolo de agitação. Macaca, no caso, não tem a ver com o animal. Vem da expressão maka’aka ou ma’káaca, do banto africano. Significa ataque de riso. No Nordeste, na época da colônia, a expressão também era usada para se referir a quem sofria de hanseníase.

FORNINHO MOSTRA

Papel de pão também tem seu papel

O

que um saco de pão e um jornal têm em comum? Ambos, depois de cumprir sua função, são descartados. Então por que não gastar papel apenas uma vez e unir as duas coisas? Foi o que o empreendedor cultural Fábio Santana fez em 2003 quando criou o Forninho, uma publicação impressa nas tradicionais embalagens de padaria. “Lembrei dos antigos almanaques que, geralmente patrocinados por fabricantes de biotônicos e elixires, difundiam cultura de forma gratuita”, explica. Hoje, poucas coisas têm maior acesso aos lares brasileiros do que o pão nosso de cada dia. Na capital do Espírito Santo, os pãezinhos vêm embrulhados em informações de utilidade pública, saúde e textos sobre turismo, cultura e entidades sociais. Com vocação para incentivar a cultura de Vitória, o Forninho chegou a sortear ingressos para shows, com divulgação dos ganhadores em rádio popular. Às vezes traz impressos cupons de desconto em peças teatrais e publica poesias de leitores. Fábio busca a sustentabilidade do projeto com a venda de anúncios. As panificadoras recebem mil exemplares por mês e, se quiserem mais, podem comprar pelo preço do saco de pão tradicional – com direito a imprimir sua logomarca. A publicação também ganhou espaço fora das padarias. Em sebos, bibliotecas municipais e bancas de jornais, o pão embalado pelo Forninho dá lugar a livros, revistas e guloseimas. fabio santana/divulga ção

JOÃO DÓRIA SÓ NÃO CRIOU O NATAL

FERNANDO SANTOS/FOLHA IMAGEM

SAIBA MAIS Visite o site do Forninho: www.forninho.com.br

o baú do Barão “Mais valem dois marimbondos voando do que um na mão.” Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

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de quem são estes olhos?

CONCURSO CAIPIRA

PRA QUEM GANHAR, UM BEZERRO; PRA QUEM PERDER, UMA PENA

Filha de ator e bailarina, a dona dos olhos nasceu no Rio de Janeiro em 10 de junho de 1977. Aos 6 anos foi figurante de um filme de Cacá Diegues e, mais tarde, de um programa infantil de Angélica. O papel de maior destaque é de 2007, quando encarnou uma garota de programa em horário nobre da tevê. No lugar do sobrenome usa a alcunha artística herdada do pai. Confira a resposta na página 24

BOCHA? DOMINÓ? QUE NADA

CHINICA MEDEIROS/DIVULGAÇÃO

PARA LAURO, O RIGOR DA HERÁLDICA É PASSATEMPO

Festa junina em São Luiz do Paraitinga.

CLAYTON DE SOUZA/AE

N

À

meia-idade, o procuradoraposentado Lauro Ribeiro Escobar já tinha decidido: dedicaria seu tempo de aposentadoria à heráldica e à vexilologia. Pouco conhecidas, as palavras referem-se ao estudo de brasões e da composição na qual se inserem: medalhas e bandeiras. “Ciência bonita e, apesar da terminologia própria, não tão complicada”, desmistifica Lauro. Ele anima-se ao explicar as origens dos distintivos, na Idade Média, quando os batalhões não usavam uniformes e quase ninguém sabia ler. Os escassos livros sobre o assunto sempre lhe interessaram. Autodidata, passou a fazer parte do Conselho de Honrarias e Mérito do Estado de São Paulo assim que foi criado, em 1968. Era o mais novo do grupo e só o deixou quase uma dezena de governos depois.

Desde o começo, o procurador, com receio do ócio, viu no assunto “grande oportunidade de se dedicar a algo agradável e diferente – sobretudo diferente – na aposentadoria”. Autor de cerca de 300 bandeiras municipais, um dos primeiros projetos foi o estandarte da capital paulista, que até então desrespeitava as regras, com o fundo branco. O aposentado garante que ainda há muito a ser feito: “A maioria dos municípios, infelizmente, tem a bandeira fora do padrão”. Lauro cria também brasões e medalhas de associações, colégios, batalhões. Aos 84 anos, é muito raro recusar um trabalho – “sempre sem custo algum”, frisa. “Gosto de fazer um trabalho útil, que vale a pena. Faço porque é gratificante.” 10

o Vale do Paraíba, interior de São Paulo, esconde-se São Luiz do Paraitinga, uma pequena cidade onde o tempo parece não passar. Há ainda carroças sem pressa, gente na calçada para ver a Lua chegar, tradições guardadas desde o século 18. Junho é época de colorir as ruas com bandeirinhas, acender a fogueira, mexer o quentão. O arraial domina o mês inteiro, batizado com um nome que vem dos céus. É só prestar atenção no foguetório: Chi Pul Pul é o som que faz o rojão quando estoura e ilumina a noite, espantando os maus espíritos. Os compositores da região passam o ano preparando canções para concorrer no concurso de música junina – a exemplo da disputada batalha de marchinhas carnavalescas, que ocorre no início do ano. Os troféus são tao autênticos quanto a cidade: primeiro lugar, um bezerro; segundo, uma leitoa; terceiro, um pato. O quarto colocado ganha um frango; o quinto, um ovo. Ao sexto, prêmio de consolação: uma pena.

estação colheita O que se colhe no mês

Kiwi, morango, uva, manga, abacate, berinjela, caqui, mexerica.


Santo do mês São João O único santo que, como Jesus, tem sua efeméride na data de nascimento, e não na de morte. O aniversário de Jesus e o de João, muito comemorados e separados por um semestre exato, coincidem com as festas pagãs pela chegada do inverno e do verão. A mãe de João, Isabel, era prima de Maria e teria acendido uma fogueira para avisá-la do nascimento.

príncipe dOs escravos

DOM OBÁ QUERIA MONARQUIA E IGUALDADE RACIAL

N

o Rio de Janeiro, em fins do século 19, Cândido da Fonseca Galvão, ou Dom Obá II, torna-se um dos pioneiros na luta pela igualdade racial no Brasil. Sua origem é pouco comum: filho de escravos e neto do alafin (rei) africano Abiodun. Ganha destaque em meio à população negra. Andava com farda de gala numa época em que poucos negros andavam calçados. Nascido em 1845, alista-se como voluntário na Guerra do Paraguai, enquanto escravos eram recrutados à força. Tinha verdadeira admiração por Pedro 2º. Era o primeiro a chegar em suas audiências públicas. Falava diretamente com a realeza para conseguir melhores condições de vida para os negros. No último aniversário que o imperador comemorou no Brasil, Dom Obá liderou uma manifestação que invadiu o Palácio Imperial para apoiar a monarquia. O imperador reconhecia seus feitos em prol da nação durante a Guerra e dava ouvidos às suas súplicas. Defendia maior participação política dos negros e o fim dos castigos corporais. Dizia orgulhar-se “de preto ser”. Era “amigo dos brancos”, mas não de todos: só dos que sabiam “que o valor não está na cor”. Terminava seus artigos com expressões em latim, iorubá e português, como prova de sua identidade racial. As opiniões se dividiam: para uns, era amalucado. Escravos e libertos chamavam-no respeitosamente de Príncipe Obá, uma referência para os que buscavam a liberdade.

laura huzak andreato

NELSON JÁ DUBLOU DE MOISÉS A MCCARTNEY

Nelson Machado Filho

E

belmiro barbosa de almeida júnior

le é dono de uma voz muito conhecida entre a geração dos anos 1980. Adolescentes e crianças da época certamente ouviram sua voz nos inúmeros desenhos e seriados que dublou, como Changeman, Jiraiya e Flinstones. Hoje, Nelson Machado Filho é reconhecido como um dos mais competentes profissionais do ramo. Além de dublar, traduziu mais de 150 episódios dos programas Chaves e Chapolin, sucessos até hoje. A voz que criou para o personagem Quico é considerada por alguns fãs a melhor do seriado. “São quase 20 anos sendo entrevistado por gente que me pede pra fazer a voz dele nos lugares mais inusitados!”, conta. Nascido em São Paulo, em 1954, iniciou carreira por trás das telas com os pais, ambos dubladores. “Fui trabalhando, trabalhando e fiquei no pedaço até hoje”, diz. Em pouco tempo, sua voz começou a se destacar, possibilitando interpretar artistas e películas ilustres. Já foi Moisés, Paul McCartney, Roberto Benini e Tom Hanks. Até Adolf Hitler ele dublou. Na ativa há 39 anos, nas décadas de 1980 e 1990 dirigiu mais que dublou. Mas não deixa de emprestar sua voz: participa da dublagem de seriados como Will & Grace, Crossing Jordan e até do desenho Bob Esponja, revivendo as falas do divertido Seu Siriqueijo – o que, para Nelson, foi só para “quebrar um galho”. Atualmente, é possível ver e ouvi-lo na internet pela TV Capricórnio, onde apresenta o programa Versão Brasileira.

SAIBA MAIS Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo. Vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor, de Eduardo Silva (Companhia das Letras,1997).

câncer 21/6 a 21/7

É o signo dos apegos. Nascidos em câncer costumam colecionar recordações com carinho e, a princípio, preferem sempre a segurança do conhecido. Guiados pelos sentimentos e forte intuição, são geralmente amigos sensíveis. Intimidam-se, porém, ao expor os próprios sentimentos. Objetividade também não é seu forte. Prepare-se para muito rodeio até um canceriano chegar ao ponto que deseja.

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olha essa história Setembro de 1999. Inauguração da maior casa de espetáculos de São Paulo. Para o grande auditório, em parte mais preocupada com os espumantes e canapés do que com a apresentação. Não que João tenha ajudado a ser bem recebido. Logo no começo do show, fez um muxoxo e reclamou do eco e do ar-condicionado. Após tocar o clássico O Pato, disparou, irritado: “O pato sou eu!”. O público começou a vaiar. João não se fez de rogado. Mostrou a língua para a plateia e cantarolou: “Vaia de bêbado não vale, vaia de bêbado não vale...”. A polêmica estampou todos os jornais no dia seguinte.

Paulo Wambier / Agência O Globo

evento, dois grandes nomes: João Gilberto e Caetano Veloso. A high society paulistana lotava o

CARNAVAL NO SANGUE UNE 13 CONFRADES HÁ DÉCADAS

REPRODUçÃO/ae

T

oda sexta-feira 13, às 13 horas, os 13 integrantes fazem algazarra na avenida Treze de Maio, Rio de Janeiro. A Confraria do Garoto não poderia ter outra data de fundação: o 13º dia de um mês. Mais precisamente 13 de junho de 1974. Desde aquela data mantém o propósito de preservar a tradição e a irreverência cariocas. Além da festa no dia considerado supersticioso, quando os membros distribuem galhos de arruda e doces ao som de marchinhas, a Confraria não para de inventar ações na cidade. Com fanfarra e bom humor, o grupo também denuncia escândalos políticos e descaso com o patrimônio histórico. No Carnaval surge a Galinha do Meio-Dia, bloco que parodia o pernambucano Galo da Madrugada. “Não somos humoristas ou artistas. Somos pessoas de diferentes áreas com um denominador comum: levantar o moral do Rio, lembrar sua história e tradição”, esclarece Nelson Xerife, terceira geração de uma família de confrades. E sentencia: “Em nosso sangue corre carnaval”.

MANCHETE MARCOU ÉPOCA COM JORNALISMO E DRAMATURGIA

D

mônica imbuzeiro/agência o globo

omingo, 5 de junho de 1983. Em cinco canais – incluindo os antes ocupados pela TV Excelsior, em São Paulo, e pela TV Tupi, no Rio de Janeiro – ia ao ar pela primeira vez a contagem regressiva de oito segundos que caracterizaria a emissora do empresário Adolpho Bloch. A rede levaria o mesmo nome da revista semanal Manchete, carro-chefe da Bloch Editores desde 1952. Inspirada na linguagem visual e no fotojornalismo, a publicação persistiu até 2000 entre as revistas de maior circulação. O braço televisivo do grupo seria marcado por alto investimento para a época: 50 milhões de dólares. Operando a partir de imponente prédio projetado por Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro, a Rede Manchete de Televisão se consolidaria, entre os anos 1986 e 1991, como a segunda maior rede brasileira e terceira da América Latina. Marcou época com sucessos na dramaturgia, como as novelas Dona Beija (1986), Pantanal (1990) e Xica da Silva (1996). Ao lado das coberturas esportivas – incluindo Copas do Mundo – e do carnaval carioca, inovou trazendo um telejornal de três horas de duração, caracterizado pela visão aprofundada e analítica das notícias. Um dos pontos altos do jornalismo da emissora foi a transmissão dos comícios das Diretas Já, em 1984. A programação de qualidade não impediu que a emissora enfrentasse grave crise econômica durante a década de 1990. Em 1999 – quatro anos após a morte de seu fundador –, foi vendida e transformada na Rede TV!. SAIBA MAIS

Vídeos e histórias da emissora: www.redemanchete.net 12


SIR ENCRENCA

EMBAIXADOR DEFENDEU MARINHEIROS BÊBADOS EM DISPUTA CONTRA O BRASIL

LYDIA NÃO SABIA LER E VIROU ESCRITORA

A

F

Questão Christie, de Victor Meirelles.

Já dom Pedro 2º gozou de um dos poucos momentos de popularidade. O povo se orgulhava de o imperador desafiar os poderosos britânicos. Decidiu-se que a questão seria resolvida por um árbitro internacional. O escolhido foi o rei da Bélgica, Leopoldo I. Por “coincidência”, tio da rainha da Inglaterra. Mas, para surpresa geral, a decisão foi favorável ao Brasil. A história acabou? Que nada. Os britânicos ignoraram a decisão e os países romperam relações de vez. Só depois de um ano marcou-se uma audiência, os europeus apresentaram um pedido formal de desculpas e tudo voltou ao normal. Todo o imbróglio deixou apenas uma marca visível. Há gaúchos que juram avistar os restos do Prince of Wales toda vez que a maré baixa.

enigma figurado Álbum de Família/reprodução

O

garoto carioca, nascido em 5 de junho de 1941, resistiu bem à sociedade conservadora da década seguinte. A mãe se dizia viúva, evitando burburinhos por ser desquitada. Restava aprontar com amigos do bairro, entre eles Jorge Ben Jor e Tim Maia. Este último lhe mostrou os acordes básicos do violão. Com o instrumento em punho e uma jaqueta de couro, participou de programa de tevê que inaugurou um movimento musical.

oi a Terra Indígena Guarani Piaçaguera, na divisa de Itanhaém com Peruíbe, no litoral paulista, o berço de Lydia da Silva Gonçalves. O pedaço de chão, que o avô doou para o pai, o pai doou para ela. Dali Lydia tirava o sustento da família. Capinando a roça, ficou viúva, com quatro filhos, aos 23 anos. Casou-se outra vez. Aumentou a prole com mais duas crianças. Aos 65 anos, resolveu legalizar a área herdada e foi trapaceada por um advogado. Tudo porque não sabia ler. Decidida a não ser passada para trás de novo, lá foi ela se matricular na escola. Quem diria: tomou gosto pela coisa. Entrou no curso de Pedagogia da Universidade Aberta para a Melhor Idade. Tomada pelas letras, pôs a caneta para funcionar. Das mãos que não sabiam escrever brotaram poemas e contos. Lydia publicou em 2007 A Felicidade Está a sua Espera, seu primeiro livro. Nas páginas, escritas com capricho, fala do prazer de vencer desafios. Os versos, guardados por tanto tempo, explodiram: Meus olhos revelam minha liberdade. Agora sei a verdade de mim mesma e sou feliz. Gostou tanto de ser autora que botou as mãos à obra para escrever Mosaico Caiçara. Agora resgata a cultura de seu povo em uma coletânea de contos infantis que logo estará na gráfica. De posse das palavras e da própria vida, aos 73 anos Lydia recuperou as terras, planeja mestrado e doutorado em Educação, pois descobriu que o saber é libertador. “Nunca é tarde para aprender. Se a gente quer, consegue”, reforça. MARCOS MENDES

VICTOR MEIRELLES, QUESTÃO CHRISTIE, MNBA.

Questão Christie foi o maior incidente diplomático do segundo reinado brasileiro. Em 1861, o navio inglês Prince of Wales zarpou de Glasgow, na Escócia, rumo a Buenos Aires. Mas a embarcação encalhou próximo ao farol de Albardão, a 87 quilômetros da barra do Arroio Chuí, no Rio Grande do Sul. Toda a carga foi perdida. O que era um mero acidente marítimo se tornou questão diplomática para o embaixador britânico William Dougal Christie. Ele exigiu um ressarcimento do governo brasileiro. Pedido negado por dom Pedro 2º. A relação entre os países começou a estremecer. A situação degringolou mesmo quando, em 17 de junho de 1862, três marinheiros britânicos foram presos no bairro da Tijuca, no Rio. Bêbados e à paisana, eles causaram uma enorme confusão pela cidade. O embaixador considerou a prisão um desrespeito à Marinha britânica. Exigiu punição aos policiais. Pedido novamente negado. Como retaliação, Christie ordenou que sua Marinha bloqueasse o porto do Rio. Saldo: cinco navios mercantes apreendidos. As ações causaram revolta. Imigrantes ingleses eram hostilizados nas ruas cariocas.

SAIBA MAIS Mosaico Caiçara, de Lydia da Silva Gonçalves (Inteligência, 2009).

R.: Confira a resposta na página 24 13


Entrevista

ROB E RTO K I K AWA

FOTOS: EDI PEREIRA

É SIM VIÁVEL LEVAR ALTA TECNOLOGIA ÀS PERIFERIAS

O gastroenterologista Roberto Kikawa levou a sério o pedido que o pai lhe fez pouco antes de morrer: “Prometa que você vai ser médico. Não como muitos que há por aí, mas um que se preocupe com as pessoas”. A carreta da saúde, que o paulistano idealizou há três anos, é apenas uma das provas de que está cumprindo a promessa. Com ela, Roberto e sua equipe já levaram atendimento humanizado e de alta tecnologia para quase 30 mil pessoas em mais de 15 cidades. Maior centro móvel do mundo, a carreta nada mais é do que um caminhão que, quando aberto, tem 100 metros quadrados de área e atende até 10 especialidades de diagnósticos, além de realizar procedimentos simples. Em pouco tempo, o Centro de Integração de Educação e Saúde (Cies) recebeu vários prêmios. É sempre movido pela tríade tratar-educarprevenir, “nessa sequência”, explica o idealizador do projeto. “É preciso quebrar paradigmas que existem entre as pessoas e os serviços de saúde, para que haja confiança”, defende Roberto. Ele sabe que o trabalho é uma “gota no oceano”. Mas não desanima: “Quem sabe, se a gente tentar, essa gotinha não possa se tornar uma poça? E a poça, quem sabe, um braço de mar? Quem sabe um dia a gente possa transformar algo?”. 14


Como você escolheu ser médico? Eu sempre quis ser médico. uma iniciativa relacionada à medicina preventiva, mas não Na fase de escolha profissional, acabei passando por maus a prevenção primária, que é comum: dizer para não beber, bocados porque meu pai teve uma doença muito grave. Coporque pode dar câncer de laringe; não fumar, porque pode meçou como dor de coluna e foi desaguar num câncer de dar câncer de pulmão; comer fibra e usar camisinha, para laringe. Durante essa época, recebemos atendimento de toprevenir câncer de colo. Esse tipo de campanha é bem feita dos os hospitais, fizemos tudo o que podia ser feito. Minha pelo País. O que falta é a prevenção secundária, pois a popumãe deixou o emprego e eu fui vender bentô, uma espécie lação não tem condições de realizar exames preventivos. de marmita, para o almoço de feirantes. Enquanto isso, enCom a prevenção secundária, temos uma detecção precoce, trei na faculdade de medicina, e meu pai só piorava. Recebee o câncer tem tratamento para cura. Assim se fecha um cimos então o atendimento de um casal de médicos japoneclo para que também tenhamos menos gastos na saúde com ses, do National Cancer, de Tóquio. Eles deram uma luz no pacientes avançados. que poderia ser feito com um atendimento muito diferenciado. Não apenas para o meu pai, mas para mim e minha E por que uma carreta? O maior número de pessoas sem acesmãe. Explicando a condução do tratamento, traziam a aliso a esse tipo de processo está nas regiões periféricas, com mentação ideal, tiravam as dores do pacienvulnerabilidade social mais alta. Pensando te. Isso é o que se chama hospcare, um trataem estruturas que facilitassem o acesso, me mento especial, paliativo e integral ao palembrei de algo que tinha visto na França. ciente terminal – ainda que eu não goste de “Fomos convidados Fiz um estágio lá e, nas folgas, tinha contato usar essa palavra, pois o fim é só Deus quem com o Médicos Sem Fronteiras. Eles desenpara exportar determina – e também à sua família. Ainda volviam contêineres com estrutura fantástidepois que meu pai morreu, continuaram ca para levar para a África, a lugares de alta a tecnologia me ajudando com suporte espiritual e psicovulnerabilidade social. Havia estrutura até e a gestão de lógico, sem falar no auxílio com pesquisas para cirurgias. Na época, aquilo me tocou, para que eu tivesse bolsas durante a faculdatrabalho para Timor pensei até em tornar-me médico missionáde. Pouco antes de morrer, meu pai me fez rio. O centro móvel é essencial porque, apeLeste, Venezuela, um pedido no leito do hospital. Ele disse: sar de o custo da construção de um centro “Prometa que você vai ser médico. Não mémóvel ou fixo ser o mesmo, haverá probleItália, Porto Rico, dico como muitos que há por aí, mas sim mas de manutenção do centro fixo por causa como esse que está me atendendo agora”. da ociosidade. A carreta móvel pode suprir Angola. Estamos Fiquei bem tocado. demandas e otimizar o atendimento.

estudando como fazer isso.”

Você já atendeu pacientes na mesma situação que seu pai? Assim que terminei a faculdade, comecei a fazer a mesma coisa que o casal japonês fazia. Como voluntário, atendia família por família com pacientes nessa situação. Ainda hoje atendo 30 famílias. Cheguei a fazer o projeto de um hospital que prestasse esse tipo de atendimento, preocupado com corpo e espírito, e até visitei instituições assim fora do Brasil. Na Inglaterra desenvolveram algumas práticas bem interessantes. Em uma delas, por exemplo, o paciente e o familiar puxam uma mesma bexiga. Quando os dois a soltam, é porque já entenderam a necessidade da partida. Se um dos dois solta e o outro continua segurando, isso significa que essa pessoa precisa trabalhar a compreensão. Ainda sonho em construir um hospital com esse tipo de atendimento.

Não teria sido mais fácil fazer parte do projeto que já existia na Europa do que idealizar o seu próprio? Por que essa opção? Eu ainda quero fazer coisas na África. Mas, se você parar para pensar, todos os projetos vão para a África. Certa vez fiz atendimento em uma favela no Jardim Pantanal, na divisa entre São Paulo e Guarulhos. Quando cheguei lá, o líder comunitário me chamou para conversar: “Doutor, o senhor vai ser político? O senhor quer voto? O que o senhor quer?”. Eu respondi que não queria nada, só entender a situação deles. Ele então me perguntou: “Posso fumar?”. Respondi que não, não podia. Embrulhando o fumo em um papel de supermercado, ele me disse: “Se eu fumar esse cigarro, doutor, me tira a fome, porque só como uma vez por dia”. Os ratos que andavam pelas palafitas eles matavam pra comer. Eu não sabia nem como ia falar de prevenção e saúde pública. Como dizer que só pode tomar água potável e andar calçado, se eles não têm acesso a água, se não têm chinelos para usar? Quer dizer, já temos uma África a céu aberto em São Paulo. E não adianta falar bonito apenas de prevenção primária. É preciso que haja acesso à prevenção secundária. E o conceito mundial hoje já é difundir

Como partiu dessa ideia para um projeto de prevenção e diagnóstico? Pensei: se não estou conseguindo fazer a estrutura para atender pessoas com doenças graves, por que não fazer algo que diminuísse esse estágio de câncer avançado e outras doenças sem possibilidades de tratamento? Aí pensei em criar 15


a prevenção terciária, que é atender famílias com vulnerabilidade genética. Se no Brasil estamos aquém, por que ir para outros lugares? É preciso começar a fazer algo aqui mesmo.

A quais tipos de paradigmas você se refere? É frustrante ver o sistema de saúde – público e boa parte do privado – e também a própria classe médica. A saúde está mercantilizada, não há um cuidado com o doente. Além disso, há uma disA carreta foi criada aqui? Como foi o desenvolvimento da tecnolotância entre o doente e o médico. Na carreta, resgatamos a gia? Ela foi feita aqui, sim. Para ser sincero, confesso que às ideia do paciente que entra “desarmado” para ser atendido. vezes a gente pensa como surge umas ideias malucas dessas Geralmente as pessoas já chegam com raiva do médico que e nem sabe. Tudo começou porque uma amiga me apresenmal vai olhar para a cara delas. É preciso ter uma postura tou ao presidente da Olympus para retribuir um favor – eu a diferente desde o começo do atendimento. Começamos lihavia indicado para uma vaga na empresa. No dia, montei gando para o paciente no dia anterior para confirmar o hoalgumas imagens de como o projeto seria, de forma bem rário da consulta. Ele chega lá já com a ficha pronta, é tosca mesmo. Imaginei a carreta e coloquei nela a marca da cumprimentado com um bom dia. Fazemos questão de Olympus. O presidente achou bonito e me levou a Washingatender com hora marcada. Em alguns municípios, todos ton, para mostrar o projeto ao presidente internacional. Saí os pacientes do dia chegam às 7 horas e formam aquela fila de lá com um milhão de dólares em equipaquilométrica. É difícil convencê-los de que mentos. Só não sabia como iria fazer a carrehá horário marcado e que ele será respeitata para abrigar aquilo. Essa ideia do “transdo. Quando deixamos o questionário do pa“Tenho orgulho de former”, de como seria a logística da carreta ciente respondido, o médico pode se focar remunerar bem os dividida em unidades que abrem para os dois no paciente. Pelo menos olhar e falar com lados, eu tive no avião. O engenheiro que deele. Se você dá esse carinho no início, fica médicos, e isso senvolveria o projeto estava ao meu lado, e mais fácil falar em prevenção. Se a pessoa ajudou a criar o desenho ali mesmo, no voo. chega lá e ninguém nem liga ou trata da atendendo pela dor que ela está sentindo no momento, perEsse modelo despertou o interesse de outras insde o sentido. Por isso o “tratar, educar e tabela SUS. tituições? Sim. Fomos convidados a exportar prevenir”. A partir de quando você planta Mostramos para a tecnologia e a gestão de trabalho para Tiessa semente na pessoa, já começa a mudar mor Leste, Venezuela, Itália, Colômbia, o paradigma, porque ela começa a ver o sisa sociedade que Porto Rico, Angola. Estamos estudando cotema de saúde de forma diferente. Aí você mo fazer isso. Tudo foi desenvolvido na está plantando algo de diferente na sociedaé possível, com marra: onde era possível guardar um equide. Pena que seja uma gota no oceano. Mas pamento para que a carreta passasse por quem sabe, se a gente tentar, essa gotinha parcerias viadutos, onde podíamos guardar e descarnão possa se tornar uma poça? E a poça, público-privadas.” tar diferentes tipos de lixo etc. Há toda uma quem sabe, um braço de mar? E unir todos logística. Mas gosto de frisar que o mais imos empreendedores sociais que têm essa portante do projeto não é a carreta. O projevontade na área de saúde, de educação etc? to é o coração da equipe que está ali. Foi construído com Quem sabe um dia a gente possa transformar algo. amor de muitas pessoas para levar esse amor a outras tantas. A carreta é um instrumento. A alta tecnologia oferecida também é uma quebra de paradigma, não? Muito. Oferecemos ar-condicionado, temos na carreta O projeto chama Centro Integrado de Educação e Saúde. Onde enuma tecnologia que muitos hospitais, mesmo os particulatra a educação? Por onde passa, a carreta capacita profissiores de São Paulo, não têm. São equipamentos de última genais para atender. Já temos 700 agentes comunitários treiração para endoscopia, urologia, parte respiratória, mamonados pelo Brasil. Nossa ideia é trazer a comunidade para grafia, ultrassom etc. Eu me lembro de uma situação antes resgatar o sistema de saúde. Em vez de apenas pensar que a de tudo isso, quando ajudei a instalar o primeiro Programa saúde é dever do Estado e se isentar, a sociedade tem que de Saúde da Família, na zona leste de São Paulo. Lembro aprender como melhor usar o sistema. Há de se integrar que tive um choque em relação à realidade com que eu traempresas, comunidade e governo. Além disso, pensamos balhava no hospital Sírio Libanês. Eu queria instalar os numa forma diferente de lidar com o paciente. Falamos em mesmos equipamentos do Sírio Libanês na zona leste, mas “tratar, educar e prevenir”. Nessa sequência. É preciso queas pessoas diziam que nunca haveria orçamento. Hoje eu brar paradigmas que existem entre as pessoas e os serviços mostro que é viável sim levar alta tecnologia às periferias, de saúde para que exista confiança. Só assim será possível com sustentabilidade de custos. Tenho orgulho de pagar educar, aconselhar que atitudes tomar ou não tomar. bem os médicos do Cies, e isso atendendo pela tabela SUS. 16


Mostramos para a sociedade como é possível, fazendo parcerias público-privadas.

que pode atender regiões serranas, como o Morro do Alemão. Tive essa ideia depois de uma conversa com o secretário de saúde carioca. Embarquei no aeroporto Santos-Dumont agoniado, porque não sabia como levar a carreta para lugares como as favelas do Rio. Fiquei pensando nisso durante o voo e, quando cheguei em Congonhas, brinquei com o engenheiro que me acompanhava: “Já sei! Pegue uma caneta e escreva aí: vamos fazer uma van equipada”. O boxe da saúde é um derivado de contêiner, que abre e pode ser transportado em balsas ou aviões. Metade da população do Amazonas é ribeirinha e o navio do Exército não consegue atingir esses povoados durante seis meses do ano. Estamos fazendo agora uma parceria com o projeto Saúde e Alegria para levar um desses contêineres no barco que eles utilizam. No momento, estamos conversando também com governos do Maranhão para levar a estrutura a lugares que não são nem pobres, são miseráveis, nas proximidades do município de Barreirinhas. Estamos conversando com outras entidades sérias para novas parcerias. Para o Maranhão, por exemplo, queremos levar o serviço de saúde junto com um projeto de hortas comunitárias.

Como se dá a viabilidade econômica do Cies? Bem, somos uma organização de sociedade civil de interesse público, formada por amigos, pequenos empresários e profissionais, entre médicos, advogados, contadores, que se uniram na ideia de que a carreta seria viável. É um projeto que concebemos para atender a população que realmente necessita – não gosto de falar “pobre”, porque pobre todos nós somos de alguma coisa. Fizemos um plano de negócios para isso. Recebemos apoio de empresas como Olympus, Philips e Engemet. O empresário local também participa, seja cedendo alimentação, estadia para o médico, seguro. O município paga o preço da tabela SUS e contratamos pessoas da comunidade – técnicos de enfermagem, limpeza, recepção, administrativo –, que recebem um certificado e passam a entender o que é essa ligação entre poder público, poder privado e sociedade. Começamos em junho de 2008. Em 2009, recebemos um prêmio da Finep, do Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 2010, recebemos o prêmio da Folha de S. Paulo e da Fundação Schwab.

Para finalizar: você acredita que o empreendedorismo social pode mesmo transformar realidades? É importante que a gente volte a esse conceito. O mundo está embarcando na ideia de empreendedorismo social e precisamos também aprender o que é isso, o que é educação do futuro, saúde pública, além do assistencialismo. Não acredito no assistencialismo e no mutirão. É como um turista na Coreia, por exemplo, dar um chocolate para uma criança coreana. A partir dali, aquilo vai ser objeto de desejo dela, e chocolate é proibido para crianças coreanas. Queremos modificar de verdade, mesmo que para isso tenhamos que enfrentar a máfia do colarinho branco, até de próprios médicos populares que exploram a precariedade do serviço público. O empreendedorismo social tem tudo a ver com o conceito de sustentabilidade social. O assistencialismo deve existir num primeiro momento, pois ninguém vai estudar se estiver com fome, por exemplo. Mas é preciso que haja um plano de desenvolvimento social para que o assistencialismo tenha perspectivas de fim. Por isso acredito em negócio social.

Você pensa em uma ampliação do projeto? Inicialmente tínhamos a intenção de multiplicar a ideia, mas no começo não foi tão simples. Antes era preciso procurar as cidades para apresentar o projeto. Com os prêmios e uma maior divulgação, já somos procurados por municípios. Houve um boom de chamadas, e isso faz uma pressão para pensarmos em desenvolver ideias. Atendemos 200 pacientes por dia, sem contar com a carreta. Devemos chegar em uma meta até o fim do ano bem maior do que esperávamos, algo como 80 mil pacientes atendidos no ano, com o grupo em constante crescimento, contratando pessoas, inclusive ampliando a sede. Temos uma consultoria no Rio de Janeiro e estamos montando uma no Vale do Paraíba, em São Paulo. Já criamos locais de apoio fixo em vários municípios. Agora temos também uma van da saúde, e estamos inaugurando um boxe da saúde. Como são esses outros centros móveis? A van da saúde pode prestar duas especialidades em cada local. Ela é prática por17


Nossa gente, nossa história

PAU LO L E M I NSK I

CACHORRO LOUCO Tropicalista psicodélico, cachorro louco assumido. Em 44 anos de vida desregrada, deu tempo para ser tradutor, jornalista, professor, publicitário, escritor, letrista, judoca, quase monge e, sobretudo, poeta. No monastério ou na boemia, amava estudar a palavra. Ao “educar-se na pedra filosofal da poesia concreta”, tornou-se fundamental à Reprodução

poesia brasileira.

N

o dia em que o fim da Segunda Guerra foi anunciado, nasceu Paulo Leminski, primogênito de Paulo e Áurea. O menino afro-polaco-brasileiro, no primário, passaria horas debruçado sobre dicionários de latim e francês. Além de verbetes, decorava Camões e Homero. Quando conheceu Antônio Vieira e a literatura católica, resolveu se internar no mosteiro de São Bento, em São Paulo. Tinha 13 anos. Apesar de se destacar pelos conhecimentos e pela inteligência, os monges acharam que o curitibano não tinha vocação religiosa. Principalmente quando encontraram fotos sensuais de Brigitte Bardot embaixo de seu colchão. Virou poeta: as mãos que escrevem isto / um dia iam ser de sacerdote / transformando o pão e o vinho forte / na carne e sangue de cristo / hoje transformam palavras / num misto entre o óbvio e o nunca visto. “Notavam-se em Leminski alguns traços de boemia”, comentou um monge do São Bento. “Não com relação à bebida, evidentemente, mas com relação ao romantismo.” Pois os traços se inverteriam. Afastaria-se de tudo que é clássico – considerava até

pontos-finais e letras maiúsculas muito “parnasianas”. E seria íntimo de bares, álcool, cigarros e drogas. Tentando a abstinência, escreveu a um amigo: “Não quero terminar como Fernando Pessoa, com hepatite etílica aos 44 anos. Pound e Maiakóvski, os maiores poetas do século, não bebiam”. Mas pouco depois, com a morte do filho e do irmão caçula, entregou os pontos, como atesta uma anotação: Maremotos em mares mortos. Pai morto. Mãe morta. Filho morto. Irmão morto. Como querer que minha vida não seja torta?. Morreu como Pessoa, em 7 de junho de 1989, aos 44. Com um abismo entre os dois, claro, quanto ao estilo poético.

Pedra filosofal Certo encontro literário em Belo Horizonte mudou a vida do estudante de Direito e Letras. “O Leminski nos apareceu aos 18 anos, Rimbaud curitibano com físico de judoca, escandindo versos homéricos. Esse polaco-paranaense soube, muito precocemente, deglutir o pau-brasil oswaldiano e educar-se na pedra 18


“pauloleminski / é um cachorro louco / que deve ser morto / a pau e pedra / a fogo e a pique / senão é bem capaz / o filhodaputa / de fazer chover / em nosso piquenique”

mar de “catatau” o inseparável bolinho de guardanapos e papéis. E Catatau virou o título da obra.

filosofal da poesia concreta, magneto de poetas-poetas.” Quem narra é o ícone do movimento, Haroldo de Campos. Espécie de mascote do grupo concretista, Leminski levou o estilo ao Paraná. Com o golpe militar e a necessidade financeira, deixou os cursos universitários e descobriu-se excelente professor de cursinho pré-vestibular, pioneiro na dinamização das aulas. Só deixou de vez a profissão muitos anos depois, devido à vida boêmia. Dizia-se apenas “um bandido que fala latim”. Por um tempo, trabalhou em três jornais no Rio de Janeiro, enquanto disseminava seus escritos autorais em importantes revistas literárias. De volta a Curitiba, pela primeira vez ele, as filhas e a mulher, a poeta Alice Ruiz, moraram numa casa, e não mais em repúblicas – as chamadas “comunidades” dos anos 1970.

Ainda cresce capim Leminski trabalhou por muito tempo como publicitário. No mundo das agências, era competente e excêntrico como em tudo que se metia. Costumava deixar os clientes esperando dias para entregar um trabalho que fizera em minutos – “para valorizar”. No polaco havia muita pose, julgava o crítico Décio Pignatari: “Falava que conhecia línguas, mas na verdade conhecia muito mal umas sete ou oito. Tinha crises de megalomania que faziam parte do próprio mergulho etílico no qual vivia mergulhado. Seu discurso político-ideológico era confuso, sem muita coerência”. Mas nem mesmo Décio seria capaz de negar sua importância literária como poeta. Para Augusto de Campos, era o maior de sua geração. Por ele mesmo: pauloleminski / é um cachorro louco / que deve ser morto / a pau e pedra / a fogo e a pique / senão é bem capaz / o filhodaputa / de fazer chover / em nosso piquenique. No fim dos anos 1980 já podia dizer: “Não sou poeta de fim de semana. Faço poesia 24 horas por dia. Montei a minha vida de tal forma que a produção textual me permite pagar o aluguel do fim do mês, a escola das minhas filhas, o meu cigarro, o vinho”. No texto Resto Imortal, escreveu que queria “deixar neste planeta não apenas um testemunho” da sua passagem, “campo onde não cresce mais capim”, mas sim o “pensar transformado em máquinas objetivas, sobrevivendo a mim”.

Rock and roll e haicais A década de 1970 foi intensamente vivida por Paulo em todos os sentidos. Era entusiasta da Tropicália, da psicodelia, da contracultura e, como não podia deixar de ser, do rock and roll. Autor do projeto Em Prol de um Português Elétrico, participou de grupos musicais e teve canções, não só roqueiras, gravadas por Caetano, Gil, Moraes Moreira, Ney Matogrosso e Ângela Maria. Ao mesmo tempo, a cultura oriental lhe era intrínseca. Faixa preta no judô, foi um de nossos maiores tradutores e escritores dos singelos haicais japoneses: Pelos caminhos que ando / um dia vai ser / só não sei quando. Escreveu o perfil do poeta japonês Bashô. No ramo das biografias, assinou também uma do escritor Cruz e Souza, de Trótski e Jesus Cristo. Foi ainda tradutor de muitas obras, em diversas línguas. Andou por oito anos com rascunhos do seu romance-ideia debaixo do braço, uma prosa experimental que imagina o filósofo Descartes no Nordeste brasileiro. Os amigos começaram a cha-

SAIBA MAIS Paulo Leminski – O bandido que sabia latim, de Toninho Vaz (Record, 2001).

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l i s a r B s o d o t de s o t n a os s

as o nome de noss n s, a in n ju s a st a s das fe s santos povoam o Seja nos foguete s, a ir e m u st co xpressões só poderiam ter im ss a s cidades ou em e re la u p o p Símbolos tão cultura nacional. de almanaque. s a ri tó is h s a it u originado m

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as Duas Pontes, da Barra, dos Patos, do Paraíso. Em criativas variações, são João está presente nas cinco regiões brasileiras. Mas são José é o mais numeroso – só a Paraíba tem mais de 10. No Brasil inteiro há cerca de 500 municípios com nomes de santos. E mais de 40 times de futebol. A maior metrópole do País, e segunda do mundo, leva o nome do santo do dia em que se rezou sua primeira missa. Quem escolheu foi o jesuíta José de Anchieta, hoje a um passo de ser também canonizado. O maior rio nordestino chamamos de Velho Chico, tal a intimidade assumida com são Francisco. Tudo porque na primeira vez que aquelas águas foram navegadas era dia dele. Outro Rio, o de Janeiro, decreta feriado pelo padroeiro Sebastião, no dia 20, mas não abre mão de cruzar os braços também no 23 de abril, de Jorge. Cada dia tem seu santo, cada santo tem um dia. Os engraçadinhos dizem que o de são Nunca fica fora do calendário. Responde-se: ele é contemplado em 2 de novembro, dia de Todos os Santos. Data que originou, inclusive, a nomenclatura do maior porto brasileiro e um tradicional sobrenome do nosso povo: Santos. Portugueses enraizaram o culto às santidades católicas em todos os âmbitos da vida no Brasil. Trouxeram vários costumes, e logo tratamos de inventar outros. Muitas vezes eles acabam desatrelados do catolicismo para fazer parte de uma tradição maior. Cultuamos até figuras não reconhecidas pelo poderoso Tribunal Eclesiástico. E, contrariando a máxima de que santo de casa não faz milagre, já emplacamos ao menos um genuinamente nacional: são frei Galvão. Além de Paulina, uma italiana com os pés fincados no Brasil.

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Ligar a torneira e abrir a porta é com Pedro

ESSA VIROU NOSSA MESMO

Feita branca, aparecida negra Quem declarou são Pedro de Alcântara padroeiro do Brasil, com a bênção do papa, foi... Pedro de Alcântara, nosso primeiro imperador. Como está atrelado à história imperial, o santo acabou ficando em segundo plano em relação à Nossa Senhora Aparecida, também nossa padroeira. Além de ter sido encontrada no rio Paraíba por pescadores pobres, ela é negra. No entanto, sua cor não é original da imagem. Especialistas atestam que os traços tradicionais, do século 18, adquiriram o tom escurecido enquanto ficaram sob a água lodosa.

Diz Jesus a Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino do Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos céus, e tudo que desligardes na Terra será desligado no Céu”. Daí acreditar que o padroeiro do Brasil manda nas chuvas. Por isso também soltar foguetes na sua data, em junho, para agradar ao porteiro celestial. É bom garantir amizade.

Imagem de madeira recebia salário para dirigir infantaria O povo nem sempre é tão generoso com santo Antônio como os mandatários. Quando as coisas não vão bem ou a moça não arranja par, tira-se o menino Jesus dos braços da imagem. Se não adiantar, ela é virada de ponta-cabeça dentro de um copo d’água. Até que os apelos sejam atendidos.

Um governador baiano já havia proclamado soldado o santo Antônio da igreja local para que a santidade auxiliasse nos momentos de aperto. Com a invasão francesa em Portugal, dom João não pensou duas vezes. O então príncipe regente do Reino Unido de Portugal e Brasil apelou ao santo peão com uma promoção. Em 1810, assinou decreto, no Rio de Janeiro, elevando o “Glorioso santo Antônio, que se venera na cidade da Bahia”, ao posto de “Tenente Coronel de Infantaria”. Outras imagens da santidade junina também receberam títulos de soldado, capitão, coronel e tenente em todo canto do Brasil a fim de garantir alguma proteção. Sempre com os devidos documentos, distintivos e indumentária – e sem esquecer dos soldos pagos às paróquias.

Santo negro entrou em festa pagã

Justo: Rita empresta a casa, Benedito convida pra festa

Para se assemelhar às santidades, era comum os escravos do Brasil pintarem de preto imagens de Nossa Senhora do Rosário e de santo Antônio. São raros os santos de pele originalmente escura. São Benedito, um dos exemplos mais importantes, sempre atraiu devoção dos afro-brasileiros. Enquanto as santidades de pele e olhos claros ganharam similares em entidades nagôs, o santo negro não tem correspondente nos candomblés. É evocado sempre como o católico são Benedito mesmo. De modo que só poderia acontecer no Brasil, ele e Nossa Senhora do Rosário dividem homenagem com reis africanos na congada, festa tradicional do País ligada à Igreja.

Aparecida do Norte festeja são Benedito com congada todo ano. A romaria faz questão de passar na paróquia de santa Rita de Cássia e levá-la no andor para participar da festa. Não que a santa tenha alguma coisa a ver com a homenagem, mas, como o são Benedito da cidade ficou muitos anos sem igreja própria, alojava-se na paróquia dela. Os fiéis acreditam ser de bom-tom que ele retribua a hospedagem. 21


Corinthians salvou o santo guerreiro

Os mais populares

(por nomeação de municípios)

1° lugar: São José 60 cidades 2° lugar: São João 50 cidades 3° lugar: Santo Antônio 34 cidades

Segurando uma lança e sobre um cavalo branco, são Jorge é o guerreiro mais cultuado nestas terras. Sem entrar no mérito da lenda que o coloca na Lua, nem a passagem do santo pela Terra pode ser comprovada. Por isso, na década de 1960, quando a Igreja fez uma reforma litúrgica para reconsiderar seus santos, colocou o padroeiro da Inglaterra e do Corinthians na lista dos “cassados”. Dom Paulo Evaristo Arns interferiu junto ao papa: “Santo padre, nosso povo não está entendendo direito a questão. São Jorge é muito popular no Brasil, sobretudo entre a imensa torcida do Corinthians, o clube de futebol mais popular de São Paulo”. Para alegria dos corintianos, a começar por dom Paulo, o santo continuou ocupando o dia 23 de abril. “Não podemos prejudicar nem a Inglaterra nem o Corinthians”, escreveu o líder máximo da Igreja.

Na boca do povo Santo do pau oco

Só mesmo aqui santo recebe em pulinho À frente do setor de achados e perdidos celestial está Longuinho. Mas isso só segundo os brasileiros, e folclorista nenhum desvendou a origem da crendice. Provavelmente os três gritinhos ou pulinhos em recompensa pelo objeto encontrado referem-se à Santíssima Trindade. Segundo os católicos tradicionais, o responsável pelo setor é santo Antônio.

Algumas igrejas mineiras ainda guardam santos esculpidos em madeira vazia por dentro. Durante o ciclo do ouro, as imagens eram usadas para esconder minério em pó das autoridades fiscais, sonegando as altas taxas de extração cobradas pela Coroa.

Conto do vigário

No século 18, dois vigários de Ouro Preto disputavam a mesma imagem de Nossa Senhora para suas paróquias. O vigário de Pilar propôs acabar com a pendenga lançando a sorte: amarrariam a santa num burro postado entre as duas paróquias e acatariam a direção que o animal tomasse como destino para a imagem. Assim foi feito. Naquele dia mesmo a imagem pousou na igreja do Pilar. Mas tudo não passava de uma esperteza do vigário local. Como o burrico era de sua paróquia, ele bem sabia que o bicho tomaria o caminho de casa.

Assunto urgente? Tratar com Expedito Sempre em alta com agradecimentos em faixas e santinhos distribuídos pelos devotos atendidos, Expedito é o santo das causas urgentes. Em latim, Expeditus significa disponibilidade, rapidez.

Herói de batina levou santo de volta pra casa Padre José Simões, outro pároco do Pilar, em Ouro Preto, não cansou de inventar contos do vigário. Para se disfarçar, deixou a barba crescer e pegou carrão emprestado. Fez um avião atrasar só para o esperar e fugiu de grandes figurões. Todas as peripécias, com ou sem a batina, eram para recuperar imagens de santos roubadas das igrejas por vendedores ou colecionadores. Morreu em 2009 com mais de 500 artigos sacros resgatados no currículo. Teve até peça que voltou do Louvre para Minas Gerais. 22


VIDE BULA

Pílula milagrosa é herança do santo da casa A pílula de são frei Galvão é aconselhada principalmente para grávidas preocupadas com o sucesso no parto ou para casais inférteis. Porém, pode ser tomada na ânsia pela cura de qualquer tipo de mal físico ou psicológico. O frei paulista, que viveu entre 1739 e 1822, criou o “medicamento” em vida, quando procurado para auxiliar uma moça em complicada situação de parto. Deixou às freiras enclausuradas no Mosteiro da Luz, em São Paulo, a incumbência de produzir a pílula em série, para ser distribuída gratuitamente. Consiste em nada mais do que um minúsculo papel dobrado, com uma frase escrita à mão, em latim: “Depois do parto, permanecestes virgem, Mãe de Deus, intercedei por nós”. Cada envelope vem com três pílulas e a receita: é preciso rezar a novena de frei Galvão por nove dias e ingerir o “comprimido” no primeiro, no quinto e no último.

Cada um com seu padroeiro Músicos: santa Cecília Caminhoneiros e Motoristas: são Cristóvão Bêbados: são Martinho Professores: santa Marcelina Advogados: santo Ivo

Há quatro séculos na fila Todos os 4 mil santos da igreja católica percorreram um longo caminho até conquistar o posto. Postuladores são espécies de advogados que defendem os candidatos perante o Tribunal Eclesiástico. Para chegar à santidade, é preciso passar por três categorias anteriores: servo de Deus, venerável e beato. Dois brasileiros fizeram-se santos: frei Galvão e madre Paulina, que, apesar de nascida na Itália, cresceu em Santa Catarina. À beira do último degrau, temos hoje o beato José de Anchieta, jesuíta que fundou São Paulo. Seu processo arrasta-se no Tribunal desde 1602.

Padim não era padre Rita desbanca Cícero e Redentor A maior imagem sagrada do mundo é brasileira, mas não é nem a de Padim Ciço, no Ceará, nem a de Jesus Cristo, no Rio de Janeiro. A santa Rita de Cássia recém-construída em Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, bate as duas e não tem correspondente no planeta.

Padre Cícero Romão fez de Juazeiro do Norte o maior polo religioso da América Latina, e, por conta disso, a segunda maior cidade do Ceará. Ai de quem disser que Padim não é santo perto dos milhões de romeiros que vão a Juazeiro todos os anos. Mas a verdade é que o vigário sertanejo morreu condenado pelo Santo Ofício, proibido de rezar missa. O Vaticano não acreditava em seus milagres, achava que promovia fanatismo e se beneficiava financeiramente da devoção popular. Só agora, 75 anos depois da morte, pensa em reabilitá-lo entre os seus – quem sabe o primeiro passo para a canonização.

56 m

46 m

30 m

27 m

Santa Rita de Cássia

Estátua da Liberdade

Cristo Redentor

Padre Cícero 23

SAIBA MAIS Superstição no Brasil, de Câmara Cascudo (Global, 2001). Cada Dia Tem Seu Santo, de A. de França Andrade (Artpress, 2000). Brasil de todos os Santos, de Ronaldo Vainfas e Juliana de Souza (Jorge Zahar, 2002).


Ludoterapia

Oferecimento LEANDRO & STORMER

se liga na história

o calculista das árabias

a Bebida inventada por um farmacêutico. Muito

popular em certo Estado nordestino, hoje a receita pertence a uma empresa norte-americana.

2

b Quando chegaram à América, os europeus perceberam que a bebida dos guaranis era um bom remédio contra a ressaca. À base de erva, seu consumo envolve um ritual.

3

c Feita com fruta tropical, existe na forma artesanal e em versão industrializada – ambas genuínas do Brasil. Dá nome à música de Caetano Veloso.

4

d Um decreto presidencial de 2003 define os ingredientes e a receita de seu preparo, além de proteger a matéria-prima fundamental da cobiça de estrangeiros.

N o s s a h o m e n a g e m a J ú l i o C é s a r d e M e l l o e S o u z a , o M a l b a Ta h a n

acervo da família

1

Depois de o grande calculista Beremiz Samir casar-se com Telassim em Bagdá, seu acompanhante retornava para casa. Parou na mesma hospedaria onde ficara com Beremiz, perto da mesquita de Solimã. Mais uma vez havia um problema para ser resolvido por lá, e o viajante se dispôs a resolvê-lo sozinho. Um hóspede que chegara precisava pagar uma diária todos os dias, e pretendia estender-se por uma semana. Mas não possuía moedas – tinha apenas uma barra de ouro, correspondente ao valor total da hospedagem. Deveria, com ela, pagar o mesmo valor a cada dia, sendo que a faca que havia, velha, só podia fazer dois cortes. Rapidamente o amigo do calculista encontrou uma solução para a questão. Sabe dizer qual é? Adaptado de Matemática Divertida e Curiosa, de Malba Tahan (Record, 2009).

brasiliômetro

Antes de ter o nome da cidade, em 4/6/1935, o São Paulo Futebol Clube chamou: (a) Guarani (b) Regatas (c) Floresta (d) Palestra Em 24/6/1976, Caetano, Gal, Gil e Bethânia estreiam o show, disco e grupo: (a) Tropicália (b) Secos e Molhados (c) Doces Bárbaros (d) Doces e Salgados O B da sigla BNH, criada em 19/6/1964: (a) Barateamento (b) Bens (c) Brasil (d) Banco Local da morte do jornalista Tim Lopes, em 2/6/2002: (a) Estádio (b) Favela (c) Praia (d) Cassino Primeiro edifício oficial inaugurado em Brasília, em 30/6/1958: (a) Esplanada (b) Alvorada (c) Planalto (d) Buriti

respostas FABIO MOTTA/ AE

Em 21/6/1970 a seleção canarinho conquista, na Copa do Mundo: (a) Primeiro título (b) Bicampeonato (c) Taça Fifa (d) Taça Jules Rimet

Camila Pitanga

O Tratado de Tordesilhas, assinado em 7/6/1494, usava como referência para dividir o mundo: (a) Antilhas (b) Ilhas do Caribe (c) Ilha de Marajó (d) Arquipélago de Cabo Verde

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS A barra de ouro deveria ser cortada duas vezes, de modo a se obterem três pedaços dos seguintes tamanhos: 1/7, 2/7 e 4/7 do tamanho da barra. No primeiro dia, o hóspede paga com 1/7 da barra. No segundo, usa o pedaço de 2/7 e recebe o de 1/7 como troco. No terceiro dia, usa o mesmo 1/7 e, no quarto, paga com 4/7 e recebe de volta os dois pedaços que estavam com a hospedaria (1/7 e 2/7). Nos dois dias seguintes repete a forma de pagamento das duas primeiras diárias. No último dia, enfim, paga com o 1/7 restante da barra.

Mais importante grand slam conquistado por Gustavo Kuerten, em 8/6/1997: (a) Roland Garros (b) Aberto da Austrália (c) Aberto dos EUA (d) Copa Davis

Palavras Cruzadas

teste o nível de sua br asilidade

BRASILIÔMETRO 1a; 2d; 3c; 4c; 5d; 6b; 7b; 8d.

3

4

5

6

7

8 DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

frio

quente 24

O QUE É O QUE É? Tirar extrato.

2

ENIGMA FIGURADO Erasmo Carlos.

1

SE LIGA NA HISTÓRIA 1d(Caipirinha); 2c(Cajuína); 3b(Chimarrão); 4a(Guaraná Jesus).

0


IMIGRANTES CRIARAM UM PAÍS MULTICOLORIDO

V

ocê já deve ter ouvido que o Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo. De fato. Nesta terra há gente de todas as origens. Mas nem sempre foi assim. Até o início do século 19, éramos basicamente três povos: descendentes de portugueses, de africanos e indígenas. Só em 1818 começaram a chegar europeus de outras partes. O fim da escravidão, em 1888, foi o grande propulsor para a vinda de milhões de imigrantes. De início, italianos e alemães. Um péssimo negócio para os negros. Se até então eram escravos, passaram a ser homens livres, porém desempregados, jogados ao deus-dará. A partir de então, a vinda de milhões de imigrantes da Europa e de outros cantos mudou a cara e os sobrenomes da Nação. Engajados, eles promoveram as primeiras greves por condições dignas de trabalho. Trouxeram novos pratos para incrementar a culinária brasileira. Mudaram os costumes de regiões inteiras. Calcula-se que haja 25 milhões de descendentes de italianos no Brasil, o maior número fora da Itália. Há também milhões de espanhóis, alemães, japoneses. Além de muitos outros povos: poloneses, gregos, coreanos... Ah, e apostamos que você não sabia dessa: somos o segundo país com mais descendentes de africanos do mundo. Só na Nigéria há mais negros.

JÁ PENSOU NISSO? É tradição na casa de descendentes de italianos uma bela macarronada aos domingos. Mas e se todos os 25 milhões de ítalo-brasileiros resolvessem se esbaldar com a iguaria no mesmo dia? Se cada um comesse um prato de 100 gramas, seriam necessários 10 milhões de pacotes de 500 gramas para alimentar toda essa gente. É muita coisa! Se juntássemos a extremidade de uma embalagem com a outra, daria para percorrer a distância entre São Paulo e Brasília. Mamma mia!

¡HOLA! A imigração ao Brasil é um fenômeno que continua a acontecer. Se antes o maior número era de europeus e asiáticos, agora há um grande contingente de bolivianos que vêm ao País em busca de uma vida mais digna. O destino principal é São Paulo. Estima-se que 200 mil bolivianos vivam na cidade. Assim como os imigrantes do passado, eles também sofrem com o preconceito. Mas mantêm suas tradições, o idioma e o orgulho de um povo milenar. O principal ponto de encontro desses imigrantes é a Praça Kantuta, um pedacinho da Bolívia em plena pauliceia.

O que é o que é? O que o tomate da macarronada foi fazer no banco?

SoluçÃO na p. 24

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trava-língua Se é sina dos chinas sair lá da China, até em cima sairão negócios da China.


Todos os Cantos

Textos, fotos e ilustrações de Heitor e Silvia Reali

de Penedo a Piranhas

CRUZEIRO IMPERIAL Mais do que navegar pelo rio São Francisco, de Penedo a Piranhas, esta viagem refaz um trajeto histórico e remete a um passado quase perdido no tempo.

P

da cidade, uma queima de fogos anunciava sua chegada. Depois do desembarque, começavam os discursos, as declamações de poemas, a entrega das chaves e a celebração de uma missa solene. “Sempre com a participação em peso da comunidade”, anotou satisfeito o monarca. Em todos os vilarejos, Pedro visitava o convento, o hospital, o cemitério, a prisão. E também a escola, onde sabatinava tanto alunos quanto professores. Depois anotava tudo tintim por tintim. Ao todo, foram 43 cadernetas recheadas de impressões sobre a vida econômica, política, cultural e social. Considerava as notas essenciais para a compreensão histórica de um governante “que deveria ir para além dos entornos da corte”.

ara começar, foi preciso retroceder 151 anos. Ao folhear as páginas amareladas de um velho diário de bordo que hoje integra o acervo do Museu Imperial de Petrópolis, o historiador alagoano Jairo de Oliveira encontrou inspiração para criar um roteiro inusitado. O nobre caderno está preenchido com anotações precisas e até desenhos de punho do imperador dom Pedro 2°. Em 1859, sua Alteza embarcou no navio Pirajá, “às próprias custas”, e navegou por quatro meses e 11 dias pelo rio São Francisco, de Penedo a Piranhas. Em companhia da imperatriz, Tereza Cristina, alguns ministros e muitos escravos, cruzou os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e da Bahia. Assim que a comitiva imperial era avistada navegando perto

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Na linha do tempo Em Entremontes, o imperador comentou que o sol era de “torrar pão-de-ló” e, em Piranhas, “que as casas tinham um aspecto tristíssimo sob aquele solão”. Gostava muito dos aumentativos. Os ramos do archeiro, espécie de cactus usado como tocha, iluminavam as noites no Pirajá. Saboreou pequi e, infatigável, deteve-se para observar emas e periquitos, maritacas e xexéus nas belas árvores de flores amarelas, as craibeiras. Em uma linha do tempo, Pedro e seu bisneto João se depararam com desigualdades sociais que perduram. Para ambos a viagem foi um marco. Se Pedro sonhou com um projeto de integração nacional, João destaca a importância de nosso idioma: “É único em um território tão imenso e nosso maior bem. Aqui está uma forma de integração”. E as crianças que lhe cruzaram o caminho, o que concluíram? “Pensei que ele vinha de manto vermelho e cajado. Ele mesmo carregava sua maleta, que era bem pequenininha. É um príncipe simples”, disse uma. Já Tamara, vestida de princesa para recepcioná-lo na singela Traipu, confirmou o que todos desejavam: “O príncipe ficou feliz de ver nossa quadrilha. Voltou mais rico com os presentes que demos a ele”. E fez questão de esclarecer: “Tô exagerando, não. Foi ele mesmo quem disse que eram o seu maior tesouro”.

Viagem na viagem

PRESTE ATENÇÃO

O bisneto de Pedro 2°, João de Orleans e Bragança, fotógrafo, ecologista, dono de hotel em Paraty e ele mesmo grande viajante, aceitou de imediato o convite do historiador Jairo para fazer o mesmo percurso feito pelo bisavô um século e meio atrás. Embarcaram todos em Penedo, num navio escoltado por dezenas de barcos e pequenas embarcações em festa. O primeiro desembarque foi na embandeirada Propriá, onde anunciaram a chegada do príncipe com ruidoso foguetório. João observou com olho agudo a paisagem: “A região aqui é privilegiada. Meu bisavô dormiu nesta casa que ainda está bonita, mas em volta dela já há casas que se desfiguraram. É preciso cuidar do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural. E também do São Francisco”. O príncipe se emocionou ao ser recebido pelos índios Cariri-xocós em Porto Real do Colégio. Eles, por sua vez, também ficaram felizes – era a primeira vez que os convidavam para um acontecimento na cidade. Na parada seguinte, Pão de Açúcar, Pedro 2° anotou: “Soltaram foguetes no ar, deram-me um cavalo, segui por imensa gente. Vi um belo juazeiro sob um sol ardentíssimo. No caminho, um dos alunos, entusiasmado, gritou: ‘Viva o Imperador, que não mais hei de vê-lo’. ‘Por que não?’, replicou outro. ‘Porque já sabe o caminho...’”

Atente para as embarcações que navegam de-lá-pra-cá no Velho Chico. Há de saveiros a borboletas, pequenas canoas com velas que de tão ágeis parecem voar sobre as águas da foz. E também a hoje rara canoa de tolda (foto), com suas velas de origem asiática, além da peculiar taboa de bolina, com uma espécie de leme que fica na lateral da embarcação.

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O ROTEIRO TEM MAIS Cachoeira do Lajadão

É quase miragem do sertão: a queda d’água passa pelo rochedo, despenca de uma altura de 20 metros e forma uma refrescante piscina cor de âmbar. Tão revigorante naquele calorão que talvez seja a verdadeira fonte da juventude.

Museu de Arqueologia de Xingó

O acervo do MAX, composto de peças encontradas durante as escavações para a construção da hidrelétrica de Xingó, fornece ao visitante uma boa ideia de como viviam os nordestinos pré-históricos. Nas amplas salas estão expostas réplicas de desenhos rupestres, objetos de cerâmica e instrumentos feitos de rocha, como lanças, raspadores e lâminas para machado, além de adornos, colares e potes.

Trilhas e caminhos

Uma das maneiras mais prazerosas de conhecer as diferentes espécies de cactos, vegetação resistente que se instala nas íngremes rochas, é caminhar pelas trilhas do Talhado, do Vale dos Mestres ou as da fazenda Mundo Novo. No caminho observam-se também pequenos roedores e aves. Nesta última trilha diziam que Maria Bonita se banhava em uma espécie de banheira natural, que acumulava água da chuva.

NÃO DEIXE DE PASSEAR Do sumo da jaca, maracujá, cajá, caju, que dão essa rima tão gostosa, as doceiras de mão cheia da região fazem uma cocada especial, com um quê azedinho para cortar um pouco o doce. Mas não se engane: é preciso botar muito açúcar “prá mó de” apurar o caldo.

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SERVIÇO Onde ficar Xingó Parque Hotel • Se hotéis europeus costumam deixar na recepção uma cestinha com maçãs, as boas-vindas deste recanto são em forma de perfumadíssimas cestas de goiabas recém-colhidas. O hotel fica de frente para as águas da represa. Fone: (79)3346-1245. www.xinguparquehotel.com.br. Onde comer Sabor do Sertão • Delícias como galinha de capoeira, tilápia do sertão e guisado de carneiro são acompanhadas por farofa com farinha de Itabaiana, feijão-verde e quiabada. Tudo em generosas porções. Fone: (79) 9963-5811.

Tabaréu • Entre as melhores receitas da chefe de cozinha Vânia, estão a costela ao tabaréu e o tucunaré frito. No cari assado, o peixe de sabor suave que dá nome ao restaurante é coberto por queijo coalho e servido com cremoso purê de macaxeira ou pirão de leite. Escolha uma das mesas debaixo das frondosas árvores, com deliciosa e constante brisa. Fone: (79) 9949-6765. Onde comprar Engenho da Terra • A loja do Aeroshopping de Aracaju tem o melhor do artesanato sergipano em peças como rendas, imagens de santos esculpidas em madeira, redes e xilogravuras. Fone: (79) 3212-8592.

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Saúde in Natura

Oferecimento Ceagesp

CENOURA

HÁ MILÊNIOS, UM SANTO REMÉDIO

Stephanie Berghaeuser

Muito antes de Cristo a humanidade já conhecia os valores que essa raiz tem. A cenoura era usada para curar os mais variados males. Atravessou séculos, mudou de cor e ainda é considerada um dos alimentos mais saudáveis que há.

Q

uase não há parte do organismo humano que passe incólume às propriedades da cenoura. O consumo beneficia pele, cabelos, mucosas e sistema imunológico. Faz um bem danado para a visão. Auxilia a prevenir o reumatismo e ainda ajuda a regular o sistema nervoso e o aparelho digestivo. Bastam 100 gramas por dia para satisfazer a necessidade de vitamina A de um indivíduo adulto. Há quem acredite que cure qualquer problema de visão. De fato, a ciência prova seus benefícios, mas algumas pessoas passam do ponto. Dizem que combate miopia e catarata. Outras, mais exageradas, apregoam que a raiz pode fazer cegos voltarem a enxergar. O consumo de cenoura realmente é importante para a visão na infância, pois o legume possui betacaroteno, substância que origina a vitamina A, uma das responsáveis pela formação das funções visuais. Mas, sozinha, a cenoura não é garantia de que não haja miopia ou catarata, pois fatores hereditários e degenerativos são os principais causadores desses problemas. A história da cenoura é milenar. Começou a ser cultivada na

região do Afeganistão 500 anos antes de Cristo. Considerada um santo remédio, era usada como planta medicinal para combater diversos males. Depois conquistou a Europa e, mais tarde, a América. Mas foi só durante o século 16 que ganhou um aspecto mais próximo do que conhecemos hoje. Até então cenouras não eram alaranjadas. Tinham cor vermelha, branca ou amarela. Foram os holandeses que desenvolveram a variedade mais assemelhadas às cenouras que ocupam hoje nossos pomares. Na hora de cozinhar, caso se deseje preservar os nutrientes, é importante não descascá-la. A casca é fundamental para reter os benefícios que a cenoura traz. Sua proteção natural ainda ajuda a emagrecer, pois tem uma quantidade elevada de fibras. Não é preciso descascá-la nem para preparar o popular bolo de cenoura. O bolo de cenoura, aliás, vive há séculos na mesa dos brasileiros. Houve um tempo em que não havia vovó que não tivesse uma receita só dela. Hoje, para aplacar a carência, quem tiver com falta de imaginação pode recorrer à internet. Lá existe um site especializado nessa delícia. O endereço? www.bolodecenoura.com.br. 30


GARANTIA DE BOM BRONZEADO

steph p

Dermatologistas recomendam que se coma ao menos três cenouras por dia para buscar o bronzeado ideal. O consumo de cenoura e outros vegetais ricos em betacaroteno estimula a pele a reforçar a coloração do bronzeado. E também ajuda a bloquear parte dos raios ultravioletas agressivos à epiderme. Para que surta efeito, os especialistas indicam que se consuma esses alimentos a partir de um mês antes de se expor ao sol.

Cozinhar a cenoura com casca ajuda a conservar os nutrientes, mas prefira consumi-la crua caso queira manter todo o potencial que a raiz tem. Pode ser ralada ou em pedacinhos pequenos, o que deixa o legume mais gostoso. Os benefícios vão desde manter a saúde bucal até aliviar problemas pulmonares.

H

á séculos, em Portugal se prepara um doce um tanto popular: a geleia de cenoura. Acontece que a Comunidade Europeia considera que para a geleia gozar de livre comércio entre os países-membros tem de ser feita de fruta. Com um belo jeitinho português, os europeus decidiram: cenoura agora é fruta.

Jean Scheijen

Crua é mais saudável

NA EUROPA, CENOURA É FRUTA

RECEITA

TORTA DE CENOURA E ESPINAFRE Ingredientes Massa

Preparo Massa

1 cenoura ralada 200g de ricota 1 clara de ovo 2 colheres de sopa de farinha de trigo Sal a gosto

Coloque numa tigela a ricota, a cenoura, a clara e a farinha de trigo. Misture tudo. Num refratário, espalhe um fio de azeite e acrescente a massa moldando-a até as bordas. Leve ao forno para assar por 15 minutos.

REPRODUção

Recheio 2 colheres de chá de azeite 1 cebola picada 1 maço de espinafre cozido 1 colher de sopa de farinha de trigo 1 xícara de chá de leite desnatado 1/2 xícara de chá de creme de leite light Tomate cereja para decorar

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Recheio Doure a cebola no azeite e refogue o espinafre. A seguir, acrescente a farinha de trigo e o leite. Misture até encorpar. Retire do fogo e acrescente o creme de leite. Retire a massa do forno, coloque o recheio e decore com os tomates cereja.


Rir é o melhor remédio

SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?

CAFEZINHO

O cidadão, completamente bêbado, entra num bar e pede um café. No momento em que é servido, pergunta, enrolando a língua: – E o açúcar, quanto é? – O açúcar é de graça, senhor. – Ah, é? Então me dá três quilos.

Dia de prova de concurso público, 100 candidatos na sala, inspetor chato, impaciente e louco para ir embora. – Dez em ponto a prova termina, e quem não entregar até essa hora não entrega mais! Às 10h10, um candidato corre com a prova na mão até a mesa do inspetor, que já estava pronto para se retirar. – Eu avisei que não aceitaria provas fora do horário. Esqueça! – Mas o senhor por acaso sabe com quem está falando? – Não faço a menor ideia – responde, sarcástico. O candidato, então, levanta a imensa pilha de provas, enfia a dele no meio, dá uma embaralhada e conclui: – Que bom!

GURU ESPERTO

O malandro encontra um guru religioso na praça: – Quanto é a eternidade para o senhor? – O mesmo que um segundo. – E quanto é um milhão de reais? – O mesmo que um centavo. – Ah, é? Então me empresta um centavo? – Claro. Só espera um segundo.

CAVALO FALANTE

O marido está no sofá, lendo o jornal, quando a mulher lhe dá uma bela pancada na cabeça com a frigideira. Espantado, ele pergunta o motivo. Ela responde: – Achei um papelzinho no bolso da sua calça escrito “Lelica” e um número! – Mas querida... Lembra quando fui ao jóquei? Lelica foi o cavalo no qual apostei, e o número é o quanto se pagava pela aposta. Envergonhada, a mulher pede mil desculpas. Na semana seguinte o marido recebe uma nova pancada. Ainda mais espantado, pergunta: – O que foi dessa vez?! – Seu cavalo ligou!

INCENDIÁRIO

Um maluco telefona para o corpo de bombeiros, informando que está pegando fogo no hospício. Menos de 10 minutos depois, olha as viaturas chegando ao local. Os bombeiros saltam do carro e o comandante pergunta: – Onde é o fogo? E o louco: – Vocês vieram tão depressa que eu ainda nem acendi!

RIQUEZA E POBREZA

O filho pequeno pergunta ao pai: – Paiê, qual é a diferença entre a riqueza e a pobreza? – Ah, meu filho... A riqueza é o caviar, o champanhe, as belas mulheres... – E a pobreza, papai? – Bem, a pobreza é a carne de segunda, a cachaça e a tua mãe.

MACHO OU FÊMEA

O mineirinho entra numa loja de ferragens e pede uma tomada. O vendedor pergunta: – Pois não, o senhor quer tomada macho ou tomada fêmea? E o mineiro: – Ô moço, acho que tanto faz. Nóis qué uma tomada pra acender a luz, não pra fazer criação.

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NA AULA DE QUÍMICA

A professora pergunta para o Joãozinho: – Joãozinho, o que acontece com o ferro se é deixado à chuva e ao sol? – Ele enferruja, professora. – E com o ouro? – Ih, fessora, some rapidinho!

ANATOMIA HUMANA

Depois de uma longa explicação, a professora confere se a turma entendeu a matéria: – Juquinha, em quantas partes se divide o crânio? – Depende da pancada, professora.

ACELERA!

Dois pedreiros trabalhavam na cobertura de um prédio de 49 andares quando um deles perdeu o equilíbrio e caiu. O companheiro, desesperado, esticou o pescoço e gritou: – Acelera, Zezinho, que vem um tijolo aí atrás!

QUE MEMÓRIA!

Num distante rincão da Amazônia havia um índio famoso pela extraordinária memória. Em visita à sua tribo, um turista foi conferir: – O que você comeu na manhã de 12 de outubro de 1977? – Ovos. Como só era permitida uma pergunta por pessoa, o turista foi embora. Sete anos depois, num passeio por Paris, ele tromba com o mesmo índio. No susto, exclama: – Mas como?! – Fritos.

causos de Rolando Boldrin

CONVERSA DOS BICHOS

Z

equinha, menino de uns 10 anos de idade, era na fazenda do meu padrinho o que se pode chamar de “charrete boy” – o menino que com a charrete do fazendeiro vai buscar as coisas ou as pessoas na cidade. Pois naquele dia o Zequinha tinha ido buscar na cidade o padre Antônio. Era iniciante e tinha uma particularidade que só se descobriu depois: era ventríloquo. Logo de saída o padre pergunta se era longe a tal fazenda, ao que o menino responde que levaria uns pares de horas. Padre – Ô, menino! Você sabia que os animais conversam com a gente? Você quer ver os animais conversando comigo? Zequinha – Ara, sêo padre. Essa eu tô pagando pra vê. O sinhô me

adiscurpa, mas num querdito. Padre (falando para a égua) – Dona eguinha! Está muito pesada a charrete? (E faz a voz da égua sem abrir a boca) Tááá... sêo padre. Zequinha (gaguejando) – Sêo... padre... a égua falô... eu escuitei... Padre – Todos os animais conversam com a gente... E assim o padre Antônio foi se divertindo com a surpresa encantada daquele caboclinho. A viagem, que poderia ser longa, terminou logo, logo. Ao se aproximar da fazenda, eis que se deparam com várias cabras, bodes e cabritas que pastavam na grama verdinha. O menino estanca com as rédeas a eguinha, olha para o pároco e, apontando para uma das cabritinhas, diz: Zequinha – Óia, sêo padre! O sinhô tá vendo aquela cabrita branca ali na grama? Num querdite em nada que ela falá pro sinhô, viu?!

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Muito Obrigado

QUEM JÁ ENFRENTOU O CÂNCER CONHECE O VALOR DA LUTA Por Odete Spalaor de Favere

À

s vezes eu acho que tumor tem a ver com desgosto. Nasci em Tabatinga, pequena cidade do estado de São Paulo, e sempre morei em sítio, longe da cidade. Mas há pouco mais de 10 anos meu pai adoeceu e vim para o centro cuidar dele. Acabei perdendo meu pai, e também um irmão. Foi depois disso que os problemas de saúde começaram, quem sabe por causa dessa amargura. Minha vida não foi fácil. Nessa época eu costurava para fora – aqui em Tabatinga há muitas fábricas de bichinho de pelúcia. Percebi que estava com corrimentos, que depois viraram hemorragia. Passei por vários médicos, mas nenhum encontrou problemas e acabaram me tratando como se eu tivesse algum problema de hormônios. Até que um doutor abençoado pediu que eu fizesse alguns exames. Assim que o resultado chegou, ele me avisou: “Você tem que ir para Jaú urgente”. A cerca de 100 quilômetros de Tabatinga, Jaú tem o maior hospital de oncologia da região, o Amaral Carvalho. E que maravilha de hospital. Os enfermeiros e doutores nos tratam com uma educação e com um cuidado que dá gosto de ver. Aos 64 anos, eu tinha passado a vida toda trabalhando no sítio, sem nunca ter tido um problema sério de saúde. Nove anos depois, ainda sei na ponta da língua a data da cirurgia: 21 de janeiro de 2002. Eu estava fraca que só vendo. Não sei nem como aguentei

o procedimento. Essas coisas são complicadas, então fiquei no hospital durante quase uma semana. Graças a Deus e às mãos dos cirurgiões, deu tudo certo. Por seis anos eu frequentei o Amaral Carvalho. Primeiro a cada mês, depois a cada dois meses, a cada quatro. Agora minha vida é mais tranquila. Meu marido anda com algum problema de saúde, mas sabe como é: não quer ir ao médico de jeito nenhum. Acho que tem medo. Nós dois vivemos com nossas aposentadorias e, como aluguel no centro não é nada barato, ainda faço alguns trabalhos. É mais um dinheirinho que entra. Agora estou trabalhando na casa de uma senhora que está doente e precisa de alguém para ajudar e fazer companhia. Desde o meu próprio tratamento, conheci a liga de combate ao câncer de Tabatinga e tornei-me voluntária. A associação me ajudou sempre que precisei, fosse com cestas básicas especiais, encaminhamento a médicos ou pagamento de exames. Agora que posso retribuir, participo de bazares e eventos, vendo almoço para reverter a verba para a entidade e o que mais estiver ao meu alcance. É preciso lutar para que a associação tenha renda e o trabalho não acabe. Faço questão de entrar nessa batalha, porque quem já passou por isso sabe bem como é importante cuidado e atenção num momento tão difícil da vida.

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Auxiliar pacientes carentes com câncer e seus familiares por meio de eventos beneficentes. Este é o objetivo do Circuito Amaral Carvalho e Febec de Leilões, realizado por ambas as entidades desde 2009, arrecada fundos para a luta contra a doença. Até fevereiro deste ano, mais de 10 eventos foram promovidos pelo grupo que busca, primordialmente, o bem-estar social. Mas a Fundação Amaral Carvalho e Febec não estão sozinhas nesta tarefa: vários grupos de voluntários abraçaram a causa e estimulam a participação do público em suas cidades, além de se tornarem peças fundamentais na elaboração das festas. Participe também, você estará ajudando a combater o câncer no Brasil.

Saiba mais pelo telefoone (14) 36244.33854 ou u contato@ @febec.orrg.br



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