Bel e seus papéis
A
os 20 anos ela deixou Recife para estudar Ciências Sociais na PUC de São Paulo. Formou-se em 1969, no auge do regime militar, quando o AI-5 já estava em vigor. Foi presa e torturada, mesmo grávida de sua primeira filha. Nem isso a intimidou. Com a redemocratização do País, mudou de trincheira. Teve atuação de destaque como militante de movimentos feministas e em defesa dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres, com ênfase na luta a favor da descriminalização do aborto. Tornou-se mestre em Ciências Políticas pela USP, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp e pós-doutora pela Universidade Autônoma de Barcelona. Era pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), do grupo de pesquisa População e Saúde do CNPq e conselheira da ONG Católicas pelo Direito de Decidir. Integrou o Comitê Assessor Nacional da Comissão Intergovernamental de Saúde Sexual e Reprodutiva do Mercosul, participou do conselho consultivo da Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe e foi secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde. Seu extraordinário currículo fez dela uma das mais importantes sociólogas do País. Incansável, vivia envolta por pilhas e pilhas de papéis. Mas o papel que melhor exercia era o de mãe. Cumpria seus extensos compromissos profissionais sem abdicar da sua condição materna exemplar. Serena, paciente e sábia conselheira, era para seus filhos e filhas esteio e referência de ética e dignidade. Maria Isabel Baltar da Rocha nos deixou tragicamente em outubro, tendo apenas 61 anos, com um legado de lutas e ideais. Para mim, deixou o conforto de saber que João, um de seus quatro filhos, ama e cuida da minha filha e deste Almanaque.
A R M A Z É M DA M E M Ó R I A N AC I O N A L Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann, Clara Caldeira e Nara Soares Revisor Lucas Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP) Impressão Posigraf
Presidente Cmte. David Barioni Neto Diretora de Marketing Manoela Amaro Mugnaini Diretor de Assuntos Corporativos Marcelo Xavier de
Mendonça
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Correspondências
Adeus, Bel.
Elifas Andreato Sei que ela vem com o tempo/ Que ela vai com a vida/ Que ela vem sozinha/ Que ela vai com a gente/ Sei de tudo e mais/ Conheço a importância do tempo/ E sei o que fazer da vida… Maria Isabel Baltar da Rocha
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Capa: Arte de Dennis Vecchione
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Ilustrações paula chiuratto
Solução na p. 36
No início do século 20, o Rio de Janeiro tinha sérios problemas de saneamento. O presidente Rodrigues Alves decide então iniciar uma campanha radical para resolver o problema. Brigadas invadiam as casas para matar mosquitos e vacinar as pessoas, às vezes à força. A campanha gerou uma revolta popular que teve início com uma manifestação estudantil e acabou contagiando toda a cidade. A população, exaltada, depredou lojas, quebrou postes, virou e incendiou bondes como estes, na imagem ao lado. A capital da República virou um verdadeiro campo de batalha.
pelo conteúdo profano de seus escritos. Ridicularizava políticos e religiosos, zombava dos mulatos, assediava freiras e satirizava os costumes do povo, sem fazer diferença entre classes sociais. As provocações despertaram tamanha ira na sociedade baiana que, em 1694, foi deportado para Angola. Anos depois, graças à ajuda no combate a uma conspiração militar local, foi recompensado com o direito de retornar ao Brasil. Morreu em Recife, com uma febre contraída na África, mas não sem antes deixar uma última amostra de seu humor corrosivo. Momentos antes de morrer, requisitou a presença de dois padres, obrigados a escutar calados suas últimas palavras: “Estou morrendo entre dois ladrões, tal como Cristo ao ser crucificado”, sapecou. (CC)
reprodução/AB
pesar da polêmica em torno da data de nascimento, o dia comumente aceito para a vinda ao mundo desta controversa figura enigmática é 20 de dezembro de 1636. Filho de um proprietário de engenhos, estudou com os jesuítas em Salvador até os 14 anos, quando foi cursar Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal. Formou-se em 1661 e, apenas dois anos depois, foi nomeado juiz em Alcácer do Sal, na região do Alentejo. Voltou ao Brasil quarentão e viúvo. Apesar de seu envolvimento com questões religiosas, não poupava o clero, nem tampouco o governador-geral, em seus poemas bem-humorados e sarcásticos. Mulherengo, boêmio, irreverente e iconoclasta, tornou-se por aqui uma espécie de poeta maldito. Chegou a receber a alcunha de Boca do Inferno,
Dezembro 2008
31/12/1995
31/12/1975
A BRASILIENSE CARMEN DE OLIVEIRA VENCE A SÃO SILVESTRE. É A PRIMEIRA BRASILEIRA A ganhAR
PELA PRIMEIRA VEZ É REALIZADA A PROVA FEMININA DA SÃO SILVESTRE, EM HOMENAGEM AO ANO INTERNACIONAL DA MULHER.
a corrida.
Olhos que já pertenceram a um técnico de som, a um crítico de teatro e a um respeitado diretor de cinema. E, mesmo assim, continuam propriedade do mesmo carioca nascido em 12 de dezembro de 1940. Na década de 1990, passaram a servir a um jornalista, que estreou na profissão como colunista do jornal O Globo e mais tarde levou para a tevê o estilo irônico com que enxerga os fatos da atualidade brasileira. (CC) Confira a resposta na página 36.
REVOLUCIONÁRIO ROMÂNTICO
LEOLINDA DEU O RECADO
Flávio de Carvalho choca São Paulo com peça expressionista
Feminista fez barulho a favor do voto das mulheres
reprodução/Ab
reprodução/Ab
leolinda, ao centro, na passeata de 1917.
CENA DE O BAILADO DO DEUS MORTO.
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ob o argumento de que atentava contra os bons costumes, a polícia proibiu a peça O Bailado do Deus Morto antes mesmo da quarta encenação. O espetáculo, escrito e dirigido por Flávio de Carvalho, chocou a Paulicéia com um conceito provocativamente expressionista. A estréia aconteceu em 5 de dezembro de 1933. Era a primeira peça do recém-criado Teatro da Experiência. Cenário e figurinos eram de alumínio e tecidos rústicos. O “bailado” ocorria em volta de um deus aNimal. Os atores, de máscaras, circundavam-no e depois tentavam se esconder. A frase que encerrava a encenação era “A psicanálise matou Deus”. Foi o suficiente para a imprensa noticiar que a peça era imoral. Admirador dos modernistas paulistanos, Flávio colocava sua inquietude vanguardista em diversos projetos, como arquitetura, pintura, artes plásticas. Considerado afável pelos amigos, recebeu do arquiteto fran(BH) co-suíço Le Corbusier a alcunha de “revolucionário romântico”. Saiba Mais Flávio de Carvalho, de Luiz Camillo Osorio (Cosac Naify, 2006).
“Até a morte, tudo é vida.”
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movimento feminista começou a florescer no Brasil na virada do século 20. Diante da omissão da Constituinte de 1891 acerca do voto feminino, a baiana Leolinda de Figueiredo Daltro deu entrada no requerimento de seu alistamento eleitoral. Não obteve sucesso, mas também não entregou os pontos. Em 23 de dezembro de 1910, fundou no Rio de Janeiro o Partido Republicano Feminista. O grupo tinha como principal objetivo mobilizar as mulheres pelo direito de votar. Em novembro de 1917, uma passeata organizada por Leolinda contou com a participação de 90 mulheres. O que hoje não pararia o trânsito deve ter causado horror em distintos senhores e madames. Em 1919, Leolinda lançou-se à Intendência Municipal do Rio de Janeiro. A candidatura, porém, foi rejeitada. Quando, em 1932, Getúlio Vargas instituiu o direito de voto às mulheres, declarou que morreria feliz, pois finalmente vira o resultado de sua vida de lutas. (NS) Morreu três anos depois, aos 75 anos. Saiba mais Dicionário Mulheres do Brasil, organizado por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil (Jorge Zahar, 2000).
Miguel de Cer vantes
MAIS UMA DO REI
acervo Uh/folha imagem
Pelé faz 58 gols e vira artilheiro absoluto do Paulista N
pElé, depois dos 7 a 1.
ão é novidade para ninguém que Pelé se destacou na história do futebol mundial por sua habilidade, raça e recordes. Diante de tantos números fantásticos, um marcou para sempre a história do Campeonato Paulista. No dia 14 de dezembro de 1958, o rei do futebol atingiu a marca dos 58 gols. Depois de uma goleada de 7 a 1 em cima do Guarani, tornou-se artilheiro absoluto da história do torneio – recorde que jogador nenhum alcançou até hoje.
Nesse ano, o Santos teve uma campanha marcada por goleadas memoráveis, como o 10 a 0 diante do Nacional, 9 a 1 sobre o Comercial e 8 a 1 em cima do Guarani. A equipe não perdeu um clássico. Empatou apenas duas partidas e perdeu três. O Peixe foi campeão com quatro pontos de diferença para o São Paulo, segundo colocado. Com 143 gols, bateu com folga o recorde que perdurava desde 1951, quando o Corinthians marcou 103 vezes no campeonato. (CC)
Saiba mais Time dos Sonhos, de Odir Cunha (Códex, 2003).
NADA MAL
Nossa primeira exposição teve Debret, Ferrez, Grandjean e Taunay
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desembarque da princesa real Leopoldina/j.debret 1816
reprodução/ae
m 1816, nem Portugal tinha ofício de artista não era bem-visto. “A uma escola de belas artes, exposição foi importante para afirmar mas o Brasil estava prestes a validade da Academia como lugar de a ganhar a sua. Idealizada pelos memformação. Mostrava os progressos feibros da chamada Missão Francesa, a tos pelos alunos e atestava a qualidade Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios dos mestres”, explica Ana Cavalcanti, mudou de nome em 1824, após a Indeprofessora e pesquisadora da Escola de pendência. Virou Academia Imperial Belas Artes da Universidade Federal do de Belas Artes. Inspirada na academia Rio de Janeiro. os pavilhões da exposição, em 1908. francesa, a mais importante da época, Sucesso de público, a exposição foi viquadro de debret. iniciou a articulação da primeira expositada por mais de duas mil pessoas de sição no Brasil. Determinada por meio de um aviso ministerial, a diversos segmentos da sociedade. Segundo Ana, Jean-Baptiste Demostra foi inaugurada em 2 de dezembro de 1829 e contou com bret custeou o catálogo, hoje guardado na Biblioteca Nacional. De trabalhos de pintura, escultura e arquitetura, tanto de professores acordo com o documento, a exposição contou com dez obras do como de alunos. próprio Debret. O professor de escultura, Marc Ferrez, apresentou Na época, os filhos de famílias mais abastadas dirigiam-se para alguns bustos e três retratos femininos. O de arquitetura, Grandjean cursos tradicionais, como Medicina e Direito. Por isso, a maioria de Montigny, expôs 15 desenhos, e o professor de pintura de paisados alunos da academia eram negros, mulatos e brancos pobres. O gem, Félix Taunay, quatro vistas do Brasil. Um acervo e tanto. (CC) Saiba mais Site da Escola de Belas Artes da UFRJ: www.eba.ufrj.br
O r i g e m da e x p r e s s ão
À beça Em 1903, Rui Barbosa defendia a incorporação do Acre, recém-adquirido pelo Brasil, ao Amazonas. Já o sergipano Gumercindo Bessa brigava pela independência do território. Em 1920, Bessa venceu, em parte graças à sua extensa argumentação. Seu nome passou então a ser usado para designar grande quantidade, e acabou incorporado à língua com uma nova grafia.
Dezembro 2008
D E ZE M B RO 2 dia nacional do samba DE MALANDRO A TRABALHADOR
Sambistas aposentam a navalha em canções trabalhistas
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reprodução/ab
compositor Wilson Batista era um assíduo freO malandro não teve dúvidas. Compôs, com Ataulfo qüentador da Lapa, reduto da nata da malanAlves, Bonde São Januário, um hino de exaltação dragem carioca na primeira metade do século ao trabalho, e ficou bem com todo mundo: Quem passado. Tanto que num de seus principais sucestrabalha é que tem razão / Eu digo e não tenho sos, Lenço no Pescoço, se cita como um típico permedo de errar / O Bonde São Januário / Leva mais sonagem do local: Meu chapéu do lado / Tamanco um operário / Sou eu que vou trabalhar. arrastando / Lenço no pescoço / Navalha no bolso / Wilson não foi o único a lançar mão do artifício. Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho O sambista Geraldo Pereira, outro notório malanorgulho em ser tão vadio... dro, compôs a bela Pedro do Pedregulho, na qual Mas, com a instituição do Estado Novo pelo presicanta sobre um sujeito barra-pesada, que quebradente Getúlio Vargas, em 1937, passou a haver intenva barracos, brigava com a polícia e só vivia do jowilson batista sa valorização do trabalhismo. Músicas como as de go. Para alívio dos trabalhistas, Pedro se regenera Wilson eram censuradas pelo governo ou pela próno fim: E ele trocou o revólver que usava, finginpria população, que via nas letras temas que denegriam as causas do embrulho / Por uma marmita, e sobe o Pedregulho / De noite, nacionais. cansado do seu batedor. (BH) Saiba Mais Ouça as canções no blog Eu Quero um Samba: www.euqueroumsamba.blogspot.com
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dia nacional da astronomia TÃO LONGE, TÃO PERTO
Astrônomos de calçada abrem as portas do céu
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A facilidade garante o sucesso de uma boa onge dos planetários e das salas de aunoite de observação. Não é preciso muito. la, um projeto leva às ruas de São Paulo, São Carlos e Campinas um pouco de Basta um telescópio, disposição para ensinar os princípios da astronomia e, claro, um temuma dimensão que está bem longe de nós, mas, ao mesmo tempo, tão perto: os astros. po bom. Pronto, o céu está armado. E como o principal objeTivo do projeto é a divulgação, Iniciativa do Clube de Astronomia de São Paulo, as primeiras observações públicas os eventos acontecem geralmente em lugares de grande circulação. aconteceram em 2001. Tamanho foi o sucesso, que o projeto se expandiu e agora toma a Mas, para os desavisados, não custa esclarerua de diversas cidades, a partir da iniciativa cer: as observações passam longe dos debaobservação pública em são paulo. de clubes locais. tes sobre ufologia, astrologia ou misticismo. A inspiração veio do projeto norte-americaDa Lua a Júpiter; Saturno a Vênus, o observano Sidewalk Astronomers – ou Astrônomos de Calçada –, criado há 40 dor traça sua trajetória no espaço pelas lentes telescópicas. O estímulo é para que as pessoas conheçam um pouco mais a natureza que está a anos em San Francisco pelo professor John Dobson e dois de seus alunos: Bruce Sams e Jeff Roloff. anos-luz da Terra, mas ao alcance de um olhar. (MF) divulgação/casp
Saiba Mais Site do Clube de Astronomia de São Paulo: www.astrocasp.com.br
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dia do casal ISSO QUE É PARCERIA
dia nacional da família UMA VIDA SÓ!
Amor de Zica
Odair despertou
a ira da sociedade
rubens cavallari/folha imagem
pedindo um filho à amada
arquivo/ab
devolveu o samba e a vida a Cartola
convite do casamento de zica e cartola.
odair josé: pare de tomar a pílula.
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izem por aí que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Com Cartola, não foi diferente. Na história da Mangueira e do samba, o nome do compositor está definitivamente ligado ao de Zica, sua segunda e eterna esposa. Com a morte da primeira mulher, Cartola deixou o morro e parou de compor. Durante um longo período, ninguém soube dele. E foi quando estava no fundo do poço, no momento mais difícil da vida, que ela apareceu. Ou melhor, reapareceu. Cunhada de Carlos Cachaça, um dos fundadores da Mangueira, dona Zica conhecia e admirava Cartola de longa data. Assim como ele, era viúva. Foi ela quem descobriu que, após alguns anos de sumiço, Cartola estava na favela da Manilha, e foi atrás dele. Quando o encontrou, o sambista estava entregue à bebida, sem dentes e vivendo de biscates depois de uma desilusão amorosa. Mesmo assim, Zica iniciou uma batalha por sua recuperação. Em 1950, foi morar com ele na Manilha. Depois o convenceu que o lugar do casal era o morro da Mangueira. Com Zica, Cartola reencontrou o samba. Dias antes do casamento, em 1964, compôs Nós Dois, em homenagem à união: Nada mais nos interessa / Sejamos indiferentes / Só nós dois, apenas dois / Eternamente. Juntos, fundaram o Zicartola. Ela pilotava o fogão, enquanto ele comandava os infindáveis saraus. Foi ao lado de Zica que Cartola gravou seus quatro discos e compôs músicas como As Rosas Não Falam e O Sol Nascerá. A parceria marcou para sempre a história da música brasileira. Seus frutos, porém, não foram canções, mas uma vida de companheirismo e devoção. (CC) Saiba Mais Assista no Youtube (www.youtube.com) a Cartola tocando Nós Dois para Zica. Busque por “Cartola” e “Nós Dois”.
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le quer um filho. Os argumentos: Você diz que me adora / Que tudo nessa vida sou eu / Então eu quero ver você / Esperando um filho meu. Ela, por sua vez, evita a prole tomando anticoncepcionais. Diante do impasse, ele implora: “Pare de tomar a pílula!”. Seria um pedido romântico ou imoral? O lançamento, em 1973, da canção de Odair José, cujo título oficial é Uma Vida Só, foi um sucesso, mas despertou a ira de diversos setores da sociedade. Aprovada pela censura, a música foi criticada pela Igreja, que via na letra uma promoção indireta ao uso de métodos contraceptivos. Já a indústria farmacêutica via o contrário. No livro Eu Não Sou Cachorro, Não, Paulo César Araújo conta que um representante da indústria teria tentado comprar os direitos da música, com medo de as vendas caírem. Sem êxito, tratou de desestimular a execução nas rádios. “É horrível e pornográfica a letra dessa tal de ‘pílula’. Não dá para entender, realmente, como é que a censura deixa passar uma letra dessa natureza”, escreveu Chacrinha em sua coluna no jornal A Notícia. E ainda havia o Estado. Em pLena ditadura militar, o governo federal empreendia uma campanha de controle de natalidade. Com o slogan Tome a Pílula com Amor, focava principalmente as mulheres de baixa renda do Norte e Nordeste. Ao perceber o sucesso, proibiu-se a execução da música. Odair ainda cantou “a pílula” vez ou outra até 1979, ano de sua liberação. Atendia ao público para depois ser repreendido pela polícia: “Pela trigésima vez: você está desrespeitando as leis deste País”. (Mariana Albanese) Saiba Mais Site Censura Musical: www.censuramusical.com.br Dezembro 2008
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dia do cronista esportivo TORCEDORES, NÃO. TESTEMUNHAS
Cronistas divulgam jogadas e jogadores que ninguém viu
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fotos: orlando lacanna
odo santo domingo, o proconhecidas. Há quem some 500! Engrama é um só: futebol. Mas tre elas estão pérolas do esporte ponão qualquer jogo, visto no pular: Carlos Renaux e Lami, de Porto conforto do lar, na poltrona acolchoada. Alegre; Ideal, de Sete Lagoas; ComerO programa desses fanáticos pelo escial, de São Paulo; e Minister, de Sanporte bretão não é tão simples quanto to Amaro. Aos poucos, as fronteiras um Palmeiras X Corinthians, um Fla X dos gramados brasileiros tornaram-se Flu. Eles gostam mesmo é de partidas apertadas demais para esses caçaparte da turma dos jogos perdidos. que ninguém gosta, daquelas em que dores de peladas. O Jogos Perdidos, os jogadores são ilustres desconhecidos; os campos, sem grama; as então, alçou vôos além-mar. Os integrantes orgulham-se de ter traves, sem rede. E de tanto se encontrar em estádios onde só eles presenciado jogos na Lituânia, Tchecoslováquia e China, além de eram a torcida, formaram um grupo. Nasceu, nas arquibancadas da toda a América Latina. vida, o Jogos Perdidos. Para comprovar as façanhas, começaram a fotografar os times e puFunciona assim: desde a década de 1980, Orlando Lacanna, Jurandyr blicar na internet. Sem querer, transformaram-se em cronistas das jogadas escondidas pelas quatro linhas do País. Cobrem com exclusiJúnior, Victor Minhoto, Estevan Mazzuia, David Liberskind, Emerson Ortunho e Fernando Martinez escolhem jogos de terceira, quarta e quinta vidade os jogos e expõem divisões – mas sempre partidas organizadas pelas federações dos esas fotos num blog. Os atletados. Entram no carro/ônibus/avião e desembarcam em algum canto tas avisam as famílias e sempre retribuem com do Brasil para assistir a mais uma peleja inusitada. E vazia. Em 20 anos dedicados ao futebol secreto, contabilizam cenas inessorrisos. “Eles agradequecíveis: um já teve que substituir o bandeirinha no primeiro tempo. cem porque são vistos O dono do cargo só foi aParecer no intervalo, e assumiu a posição de pelos parentes no Norcalça social e sapato. Em Jundiaí, interior de São Paulo, compraram te, Nordeste. É emociopipoca na entrada do estádio e, durante o segundo tempo, surpreennante”, conta Fernando. deram-se ao ver que um dos jogadores era o pipoqueiro. “Esse é o verdadeiro futebol, o da paixão, de jogadores que têm outras Mas, como tudo na vida, amigos amigos, negócios à parte. Surgiu entre esses amantes do futebol sem arte uma competição para profissões, mas vestem a camisa do time descobrir quem já viu em campo mais equipes, digamos, pouco por amor.” (Laís Duarte) Saiba Mais Blog Jogos Perdidos: www.jogosperdidos.zip.net
dezembro também tem 1 Dia Mundial da Luta Contra a AIDS 2 Dia Panamericano da Saúde 3 Dia Internacional dos Deficientes Físicos 4 Dia Mundial da Propaganda 5 Dia da Cruz Vermelha Brasileira 6 Dia da Extensão Rural 7 Dia do Pau Brasil 8 Dia da Justiça 9 Dia do Fonoaudiólogo 10 Dia do Palhaço
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Dia Nacional do Engenheiro Dia do Ótico Dia do Aviador Dia Nacional da Ópera Dia do Jardineiro Dia do Teatro Amador Dia Municipal do Coveiro (BH) Dia Internacional do Imigrante Dia da Emancipação do Paraná Dia da Bondade
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Dia dos Antepassados Dia da Consciência Ecológica Dia do Vizinho Dia Universal do Perdão Dia de Natal Dia da Lembrança Dia da Fundação Sindical Metalúrgica Dia do Salva-Vidas Dia Internacional da Biodiversidade Dia da Engenharia Dia das Devoluções
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dia do arquiteto ARQUITETO DO PAPELÃO
Sérgio transforma o caos em poesia A
laura ha
ntes de se tornar artista, Sérgio Cerem prontas. “A construção até que pode zar desempenhou várias funções. Foi ser rápida. O que demora mesmo é descoentregador de marmitas, seguranbrir quem mora lá dentro”, diz, em referênça, modelo e até jogador de futebol. Mas cia à personalidade de cada casinha, adorfoi escarafunchando papéis espalhanada com detalhes como capas de livro, dos pelas ruas cariocas que encontrou retratos e roupas de cama. o seu caminho. Há 25 anos ele recria O trabalho de Sérgio integrou a abertura barracos, cortiços e botecos, valendoda última novela das oito da Globo, Duas se de uma técnica que chama de arquiCaras. No reino digital de Hans Donner, tetura de papel. as obras foram preservadas como eram: Sérgio: “a beleza brota do caos”. Os projetos, que esbanjam esmero, lan64 metros quadrados de barracos, becos çam luz sobre a memória da cidade e cone biroscas de uma favela fictícia. “Usamos mais de 15 mil palitos de churrasco”, contabiliza. tribuem para a auto-estima das comunidades carentes. A proposta, em suas palavras, é transformar o caos em poesia. “Assim como Depois de 20 exposições no Brasil, Sérgio se prepara para participar a flor de lótus, na favela a beleza brota do caos, do lodo e do desresda Bienal de Havana, em março de 2009. “Será uma oportunidade peito”, afirma. muito boa. O casario de lá é maravilhoso, com muita coisa ainda de As minuciosas obras levam de uma semana a dois meses para ficapé. Não faltará material para eu me inspirar.” (NS) Saiba Mais Assista a vídeos sobre o trabalho de Sérgio Cezar: www.vrio.com.br/mais_rio Ateliê do artista: Rua Cardoso Junior, 334, casa 10. Rio de Janeiro. Tel.: (21) 9212-7465.
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dia do artista profissional RAINHA DO PÍFANO
O talento de Zabé ficou anos escondido numa gruta
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luciano ravel-divulgação
la morou 25 anos numa gruta, ou loca, coções. A “mulher da loca que toca pífio” se tornou mo se diz no interior paraibano. Daí o apeuma lenda na região. lido de Isabel Marques da Silva, a Zabé da Foi descoberta em 2003 por um projeto que Loca, virtuosa tocadora de pífano, ou pífio – mapeia a musicalidade da caatinga para o instrumento de origem indígena parecido com Ministério do Desenvolvimento Agrário. Aos 79 a flauta, mas com som mais seco e rudimentar. anos, tornou-se a maior atração do Festival de Zabé nasceu no agreste de Pernambuco, onBrincantes, realizado em Recife. Com o sucesde passou a juventude. O trabalho na roça era so, gravou o primeiro CD, com xotes, cocos, ciárduo, e a menina nunca pôde estudar. Para randas e baiões. distrair-se, aprendeu o instrumento com um Zabé passou a receber convites para diversas de seus 15 irmãos – dos quais oito morreram, apresentações e dividiu palco com músicos coainda jovens, de fome, sede ou doença. mo Hermeto Pascoal e Carlos Malta. Em 2007, Ainda moça, casou-se e mudou para o interior gravou um novo álbum, Bom Todo. Atualmente, ZABé da loca da Paraíba. Mais tarde, com três filhos e viúvive no assentamento Santa Catarina, em va, um acidente destruiu a casa em que vivia. Monteiro, a 320 quilômetros de João Pessoa. E Foi morar embaixo de duas pedras na Serra do Tungão, no Cariri está sempre pronta para um novo show. “Só deixarei de tocar píparaibano. Só saía para trabalhar ou para modestas apresentafio quando morrer”, garante. (BH) Saiba Mais Assista a apresentações da artista no Youtube (www.youtube.com). Busque por “Zabé da Loca”. Dezembro 2008
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Braguinha
A alma do povo Por Bruno Hoffmann
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le morreu em 24 de dezembro de 2006, às vésperas de completar 100 anos. Sobre o caixão, a bandeira verde-e-rosa da Mangueira. Num cartaz, os netos escreveram: “Pela estrada afora costumávamos ir juntinhos.Agora teremos que seguir sozinhos”, em alusão à canção de Chapeuzinho VErmelho, adaptada décadas antes pelo artista. Prestes a iniciar o enterro, os presentes começaram a entoar: Meu coração / Não sei por quê / Bate feliz / Quando te vê... Foi a derradeira retribuição à personalidade que soube retratar o povo em sambas, marchinhas e choros clássicos, que teimam em não morrer no imaginário dos brasileiros.
Yes, Nós temos Banana, Pirata da Perna de Pau, Chiquita Bacana, Touradas em Madri... Sem essas canções, os carnavais populares não seriam a mesma coisa. O artista, porém, colocava o talento em outras atividades, como temas infantis e cinema. Além de ser o letrista de Carinhoso, uma das mais executadas músicas da história. Suas composições – entoadas por Carmen Miranda, foliões de Carnaval ou pelo Maracanã lotado – retratam a alma do povo, tanto na alegria quanto na desilusão. Carlos Alberto Ferreira Braga nasceu em março de 1907 numa família carioca de classe média. Pouco depois, muda para o bairro de Vila Isabel, onde passa a adolescência ao lado de um tal Noel Rosa. Começa a esboçar as primeiras composições aos 16 anos. O pai – que era gerente da fábrica de tecidos Confiança – não tinha confiança alguma no filho se tornar músico. Achava coisa de desocupado, vagabundo. Só fica orgulhoso quando Carlinhos, como a família o chamava, entra na faculdade de Arquitetura. Mal sabia que o garoto largaria o estudo pouco tempo depois para se dedicar exclusivamente à carreira artística, mesmo sem conhecimento formal algum. Compunha no instinto, quase pelo assobio. Ao lado de Noel Rosa, Almirante, Henrique Brito e Alvinho, forma o Bando de Tangarás.
ivo/ ab arq u
ivo/a arqu
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200 mil pessoas entoam Touradas em Madri no Maracanã. O autor, porém, só chorou.
Para despistar o pai, adota um pseudônimo: João de Barro. Ironicamente, o pássaro arquiteto. Faz pequenas apresentações com o grupo, enquanto ensaia vôos próprios.
CARINHOSO Uma das primeiras marchinhas que compõe é Linda Lourinha, feita para o Carnaval de 1934. Era uma espécie de resposta a Linda Morena, de Lamartine Babo. O sucesso o empolga, e Braguinha começa a produzir quase em escala industrial. São dessa década As Pastorinhas (com Noel Rosa), Yes, Nós Temos Banana (com Alberto Ribeiro) e muitas outras. A criação mais notória, porém, é um choro-canção feito em 1937. A cantora Heloísa Helena pergunta se Braguinha pode pôr letra num choro de Pixinguinha. O compositor aceita o desafio e, em apenas um dia, entrega a encomenda. A música? Carinhoso. Na mesma época assume a direção artística da gravadora Columbia. Durante a carreira, ajuda a projetar nomes como Radamés Gnatalli, Tom Jobim, Lúcio Alves, Dick Farney, Doris Monteiro,Tito Madi e JamelA o.
TOURADA NO MARACANÃ A década de 1940 também é frutífera – e em diversas áreas. Torna-se roteirista e assistente de direção em filmes da Cinédia. Dubla temas musicais para a Disney, em filmes como Pinóquio, Dumbo, Bambi e Branca de Neve e os Sete Anões. Escreve, adapta e compõe histórias infantis, entre as quais Chapeuzinho Vermelho e Os Três Porquinhos. Faz Copacabana, um hino de amor ao bairro carioca – Copacabana, princesinha do mar... Passa a ser conhecido internacionalmente pela voz de
Carmen Miranda. As marchinhas carnavalescas também não param: Pirata da Perna de Pau,Tem Gato na Tumba, A Mulata é a Tal, Chiquita Bacana. Um dos momentos mais emocionantes da vida se dá em 1950, quando o Brasil enfrenta a Espanha pela Copa do Mundo. A seleção goleia os europeus por 6 a 1 no Maracanã e, ao fim do jogo, os torcedores formam um dos coros mais impressionantes já vistos num estádio de futebol. Os 200 mil presentes entoam, a plenos pulmões, a marchinha Tourada em Madri, dele e de Alberto Ribeiro: Eu fui às touradas em Madri / E quase não volto mais aqui / Pra ver Peri / Beijar Ceci... Só uma pessoa não cantou: o próprio Braguinha.“Vendo aquilo, a única coisa que consegui foi chorar.”
YES, NÓS TEMOS BRAGUINHA No começo dos anos 1960 as marchinhas carnavalescas entram em declínio no mercado fonográfico. Mesmo assim, lança Garota de Saint-Tropez, com Jota Júnior, alcançando relativo sucesso. Volta à cena em 1979, quando Gal Costa grava uma canção de quatro décadas atrás: Ô, balancê, balancê / Quero dançar com você / Entra na roda, morena pra ver / Ô balancê, balancê... Uma das últimas consagrações ocorre em 1984, na inauguração do Sambódromo do Rio. A Mangueira desfila sob o tema Yes, Nós Temos Braguinha e torna-se campeã do Carnaval. O artista passa os anos subseqüentes recebendo homenagens, tanto pela obra quanto pelo seu jeito leve e bem-humorado. “A vida só gosta de quem gosta dela”, ensinou o autor de quase 500 canções. SAIBA MAIS Yes, Nós Temos Braguinha, de Jairo Severiano (Martins Fontes, 1987).
O M elhor Produto do Brasil é o Brasileiro CÂMARA CASCUDO
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ESPECIAL
Texto: Bruno Hoffmann Arte: Guilherme Resende
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ntre todas as cidades brasileiras tombadas como patrimônio da humanidade pela Unesco, o conjunto arquitetônico de Brasília é o único moderno. As características peculiares da capital federal receberam o título em 1987. O argumento era de que a cidade planejada, dividida em quatro esferas independentes, e com funções específicas (áreas monumental, residencial, gregária e de lazer), concebia ao local uma característica única. A construção de Brasília foi a promessa de campanha mais ambiciosa do presidente Juscelino Kubitschek. Ao transferir a capital do Rio de Janeiro para o Planalto Central em 1960, JK pretendia melhorar a distribuição da população brasileira e resguardar a soberania nacional. O plano-piloto escolhido foi o do arquiteto Lucio Costa, que concebeu grandes avenidas sem cruzamentos. As áreas foram distribuídas em setores. Boa parte dos prédios foi erguida por pilotis (apoiados em colunas, deixando o vão livre), inspirados pelos conceitos modernistas do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. Os edifícioS públicos desenhados por Niemeyer se destacavam no horizonte, com formas curvilíneas e modernas. São exemplos a Esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional. O País vivia um grande clima de otimismo, inspirado pela música, pelo futebol, pela indústria automobilística, pela estabilidade econômica. Como tudo que soasse novo, Brasília foi apelidada de “cidade bossa nova”.
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A cidade bossa nova
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Faz bem para o turismo, para a cultura e para a auto-estima da população. Por estes motivos, o País pleiteou e conseguiu que oito de seus municípios se tornassem patrimônio da humanidade, título concedido pela Unesco. Em contrapartida, o governo e a sociedade se responsabilizam pela manutenção dos locais, sob pena de ter o título cassado. Seja pelo valor histórico, pelas obras de arte fundamentais ou pela arquitetura arrojada, pedaços destas cidades são considerados intocáveis. Viaje por eles nas próximas páginas. E, melhor ainda, percorra os quatro cantos do País para ver de perto por que estes lugares são considerados patrimônios do Brasil.
Nascida francesa, famosa pelos portugueses
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O l i n d a Uma terra de batalhas
m 1978, Olinda entrou numa luta para ser considerada patrimônio da humanidade. Políticos e outras personalidades estavam na linha de frente, como o ministro Eduardo Portela e o embaixador Holanda Cavalcanti. O trabalho surtiu resultado e, quatro anos depois, o município passou a figurar no seleto grupo da Unesco. Erguida pelos portugueses a partir de 1535, a cidade pernambucana mantém um conjunto arquitetônico que está entre os mais antigos das Américas, apesar das numerosas guerras e ataques estrangeiros que sofreu durante a história. Um dos mais violentos aconteceu quando holandeses invadiram a então Vila de Olinda, em 1630. O local foi incendiado, e o centro econômico, transferido para a vizinha Recife. Os holandeses foram expulsos em 1654, e iniciou-se uma lenta reconstrução urbana. A derradeira batalha começou no fim dos anos 1990, quando a Unesco ameaçou tirar o título da cidade pelo abandono dos edifícios, rachaduras e fachadas pichadas. Boa parte dos problemas foi sanada. Outro “inimigo” à preservação era o alto número de turistas durante o Carnaval. Em 2001, a Prefeitura determinou uma série de medidas para conter o descuido de animados foliões e do batalhão de prestadores de serviço, como vendedores de bebidas e comidas. A festa continua, mas o título de patrimônio da humanidade parece mais protegido.
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cidade de São Luís é a única capital brasileira fundada por franceses. Mas foi pela herança portuguesa que, em 1997 – e após 20 anos de reformas –, o município foi considerado patrimônio da humanidade. A área preservada é o centro histórico, que abriga um dos mais importantes acervos da arquitetura lusitana, com quase 3.500 edifícios tombados. Nada de igrejas e construções suntuosas. O conjunto arquitetônico destaca-se pela beleza simples e regular das casas que constituem o centro histórico. As paredes são revestidas com refinados azulejos portugueses, trazidos para amenizar a alta umidade da região. Todos os edifícios estão incorporados ao dia-a-dia, adaptados como órgãos públicos, hotéis e restaurantes. Este ano, o povo se assustou com um boato de que a Unesco tiraria o título da cidade, devido ao descaso com o casario. Em agosto, uma representante da entidade visitou São Luís e desmentiu a notícia. Mas deixou um aviso: “São Luís perderá o título somente se o governo e o povo quiserem”. Ninguém quis, e a cidade se mobilizou, desativando estacionamentos irregulares e reforçando os programas de conscientização para a preservação do patRimônio.
Tesouros Mineiros O ouro de Minas heitor e silvia reali
Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a receber o título de patrimônio cultural da humanidade da Unesco, em 1980. A razão é forte: o município possui o maior conjunto homogêneo de arquitetura barroca do mundo. Além disso, foi um dos mais importantes centros de mineração da chamada Idade do Ouro. A cidade – então com o nome de Vila Rica – teve moradores ilustres. Foi durante o século 18 que um artista local começou a redesenhá-la com refinadas obras de arte barrocas. O nome dele, Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho. Outro personagem de destaque é Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que não nasceu em Ouro Preto, mas transformou-a num dos palcos onde se desenrolou a Inconfidência Mineira. Mártir da Independência, herói nacional e símbolo do lugar.
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Parecia final de Copa do Mundo. Ao receber a notícia de que a cidade havia se tornado Patrimônio Histórico e CUltural da Humanidade, em 1999, os diamantinenses comemoraram com repiques, fogos de artifício e buzinaços, congestionando as estreitas ruas encravadas no Vale do Jequitinhonha. Durante os séculos 18 e 19, a região foi uma importante rota de garimpo de ouro e diamante. Os casarões estão preservados entre as ruas bucólicas, onde, de acordo com o escritor Mário Quintana, “nos dias de nevoeiro os fantasmas aproveitam para passear incógnitos”. Além do conjunto arquitetônico, a arte barroca, a gastronomia, a beleza natural, a musicalidade e a cultura popular também justificaram o título concedido pela Unesco. É a terra natal do ex-presidente Juscelino Kubitschek, responsável por criar, décadas depois, outro patrimônio nacional, Brasília. A casa em que viveu, no número 241 da rua São Francisco, ainda está lá para contar a história da infância humilde de um dos mais admirados presidentes do País.
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Outro diamante
Os 12 profetas A primeira visão de Congonhas, na região do Alto Paraopeba, é de assustar. E fascinar. No alto de uma colina estão 12 profetas que parecem vigiar moradores e visitantes. Trata-se do Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, tombado pela Unesco em 1985. Os profetas foram esculpidos por Aleijadinho na virada para o século 19, e marcam a expansão de uma cidade célebre por ser um importante centro de mineração.
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SalvadorUma cidade, todos os santos
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or preservar a arquitetura urbana original do século 16, o centro histórico de Salvador recebeu o título da Unesco em 1985. A cidade era, naquele século, um dos principais centros administrativos do País, principalmente pela posição estratégica de seu porto, considerado pelos portugueses um dos mais importantes do mundo. Durante 200 anos foi a sede do Governo Geral do Brasil, o que impulsionou a construção de obras suntuosas. Destacam-se a Praça Municipal, o Terreiro de Jesus, o Caminho de São Francisco, o Largo do Boqueirão e o Largo de Santo Antônio, que mantêm os traçados originais de suas ruas, ladeiras e becos. Lá está o Pelourinho, onde a revolta dos escravos se transformava em sangue nas mãos dos capatazes, e onde hoje a cultura do povo negro ganha destaque. Ao redor, dezenas de casarões históricos, como se fosse um enorme museu a céu aberto. Além da importância do casario, a escolha da Unesco também foi Motivada pelas manifestações culturais, como os cultos religiosos, a culinária e as festas populares.
Cidade AdedoceGoiterraas de Cora Coralina
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Uma cidade européia adaptada às condições climáticas, geográficas e culturais do centro da América do Sul.” Desta forma defendeu-se a inclusão do centro histórico da Cidade de Goiás como patrimônio da humanidade, concedido pela Unesco em 2001. Mas a tarefa não foi tão fácil. Durante uma visita do presidente Fernando Henrique Cardoso, o escritor Bernardo Élis entregou-lhe um ofício com o pedido que trabalhasse pela causa. Sem resultado algum. Pouco depois, outras entidades resolveram entrar na empreitada, conquistando o intento. Trata-se do primeiro núcleo urbano fundado em território goiano, no início do século 18. A história, entretanto, não foi feita de forma nobre. Um grupo de bandeirantes comandado pelo famoso Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera, fundou a vila após massacrar os índios goiases. Com a promessa de riquezas como ouro e diamante, Vila Boa (seu primeiro nome) atraiu grande número de pessoas. Formaram-se núcleos urbanos, com casarões, obras de arte, igrejas imponentes. Em 1937, a capital foi transferida para Goiânia, colocando o lugar no esquecimento. Atitude que, ironicamente, manteve a preservação até o tombamento pela Unesco. A filha mais ilustre da cidade é Cora Coralina, que além da poesia tornou-se famosa pelos doces que preparava. A casa em que viveu, conhecida como A Casa Velha da Ponte, é hoje um museu em sua memória.
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SAIBA MAIS • As Cidades Brasileiras e o Patrimônio Cultural da Humanidade, de Fernando Fernandes da Silva (Peirópolis, 2003). • Conhecendo os Patrimônios da Humanidade no Brasil, de Percival Tirapeli (Metalivros, 2002).
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Queremos ser a primeira empresa social do Brasil.
fotos: laura huzak andreato
JOSÉ JUNIOR
Como foi a sua juventude? Perdi muitos amigos, pessoas que amava. Costumo dizer que estas mortes e as coisas que eu fazia e que davam errado foram o combustível para criar o AfroReggae. Antes disso, tudo deu errado na minha vida. Sem exceção. As minhas pretensões profissionais eram muito limitadas: ser office-boy, entregador de jornal, vendedor de sanduíches, taxista. E tudo dava errado. Queria, como qualquer jovem, ser rico, fazer sucesso. Mas percebia que havia algo forte em mim: a espiritualidade. Freqüentei muitas religiões: Testemunha de Jeová, Igreja Universal, Candomblé, Umbanda, Hare Krishna, Hinduísmo, Budismo... E quando foi que você percebeu que sua vida podia ser diferente? O start para mim foi quando assisti a uma palestra sobre mitologia hindu. Lá descobri uma divindade chamada Shiva, que representa a destruição e a transformação. Aí comecei a fazer uma série de analogias de Shiva com a minha vida. Quando tinha 21 anos, percebi que existia uma lacuna entre os jovens do lugar onde eu morava. Fora eu,
O desejo expresso na frase acima não é fácil de concretizar, mas parece detalhe diante do que José Junior conquistou à frente do AfroReggae. Nove bandas de música, centros culturais, centro multimídia, revista, programa de tevê, cinco programas de rádio. Atuação em oito países. Diálogo com empresários, traficantes, policiais... Um grupo que concebeu a primeira favela com internet grátis da América Latina; que um dia faz show no Carnegie Hall e no outro intervém numa guerra do tráfico. Assim como o samba e o futebol, Junior quer que a tecnologia social criada nas comunidades em que atua seja também marca do Brasil.“O mundo conhece o País por causa da favela.Vamos abrir um novo espaço entre os nossos produtos de exportação.” o cara mais velho tinha 16 anos. Tinha moleque preso, morto, que já tinha ido embora. E eu, que nunca havia sido líder de nada, virei líder porque tinha 21 anos. E comecei a lidar com polícia, bandido, tráfico, crime, prostituição. Por isso acredito que tive duas formações: a espiritualidade e a rua. Você apostaria no José Junior de 20 anos atrás? Sim, porque sO aposto em casos perdidos. Essa é a minha marca. Mas ninguém apostaria. Às vezes é preciso remar contra a maré. O cara que é visionário, que é empreendedor, muitas vezes não tem que ouvir ninguém, a não ser a si mesmo. Se eu fosse ouvir os outros, não faria o que faço. E o que surpreende mais as pessoas é que não estudei. Sou gestor de uma organização com quatro pessoas jurídicas, uma holding sociocultural que tem 74 projetos. A gente atua hoje no Brasil, Índia, China, Inglaterra, Alemanha, Colômbia, Estados Unidos, Canadá. “Mas como é que esses caras conseguiram isso?” Acredito que o sucesso se deve à nossa visão de parceria. E hoje a gente pode se dar ao luxo de escolher com quem quer trabalhar e até recusar patrocínios e propostas de grandes empresas. E pensar que quando come-
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çamos não tínhamos nada... Eu dava calote no ônibus para ir até Vigário Geral. Tinha postura de marginal, cara de bandido – apesar de nunca ter sido bandido... Levávamos cidadania para Vigário Geral com música e dança, mas não tínhamos sequer a nossa própria cidadania. Como vocês foram parar em Vigário? Fomos depois da Chacina de Vigário Geral, a maior chacina urbana da história do País, com 21 mortos. Vários grupos iniciaram trabalhos sociais na comunidade depois do massacre. Só que, passado um tempo, só nós ficamos. Nessa época, já distribuíamos o jornal AfroReggae Notícias nas favelas. Mas as favelas queriam mais do que informação. Queriam formação. Então começamos a dar oficinas de dança, percussão. O mais curioso é que a gente ensinava sem saber. Ou seja, aprendia ensinando.
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Temos que ostentar. É a estratégia da Universal, mas a minha competição é com o tráfico.
O tráfico nos morros era diferente? Era p ior. Há 15 anos as pessoas não sabiam da existência de jovens com fuzil, com granada. Hoje, ao menos, a coisa é mais explícita. Vigário Geral era o quartel general do Comando Vermelho, a maior facção criminosa que existia. E a gente estava no meio do QG, disputando espaço com os grandes ídolos da molecada: os traficantes. Oferecer um tambor em vez de um fuzil é uma troca, digamos, injusta. Para o tambor te dar alguma coisa financeiramente demora bastante. O fuzil te dá bem mais rápido. Mas, ao mesmo tempo, com o tambor os caras tinham uma liberdade e uma alegria que o fuzil não podia dar. Então começamos a criar essa pedagogia do tambor – timidamente, mas de maneira muito determinada. Como é o trabalho de mediação de conflitos nas comunidades? Para fazer esse tipo de coisa, é preciso se desprender de muitas coisas. Até mesmo do medo de morrer, porque senão você não vai, ou vai fraco e corre risco. Quando você vai mediar uma guerra – tiroteio de polícia com bandido, ou bandido com bandido –, tem que ter uma auto-confiança etérea. Tem que se achar o escolhido por Deus. Se não se achar, não vai. Há 15 anos dá certo. Há 15 anos não morre ninguém – o que não quer dizer que não vai morrer um dia... O objetivo é fazer com que pessoas inocentes não sofram conseqüências. Não negociamos para que não se ataque a facção rival. Até tentamos, mas o objetivo principal é proteger os moradores.
Quem aciona vocês para esse tipo de atividade? A gente se auto-aciona, mas também já aconteceu de o governo ou os moradores nos acionarem. Até os bandidos e a polícia já nos convocaram. Mas é preciso dizer que, ao mesmo tempo em que atuamos em conflitos, fazemos espetáculos no Carnegie Hall, em Nova Iorque, ou no Barbican, em Londres. No ano passado, fizemos um desfile na São Paulo Fashion Week que foi um arraso. O AfroReggae tem muito disso: guerra, moda... Temos um monte de parcerias, e essas parcerias não são sociais. São negócios. Os shows das nossas bandas, por exemplo: parte deles é social, mas parte é puro negócio. O pessoal da ONU, com quem fizemos muita coisa, costuma dizer que somos únicos no mundo. E tem razão. Qual grupo no mundo tem nove bandas de música, dois grupos de circo, grupo de teatro, centro cultural, centro multimídia, cinco programas de rádio, um programa de televisão, uma revista, atua na China, Índia, Inglaterra, Alemanha, Colômbia, Brasil? Qual grupo tira pessoas do narcotráfico, trabalha com jovens ricos, empresários da Fiesp, com a polícia de Minas e do Rio?
E como isso tudo se financia? Hoje somos mantidos por geração de receita própria, mas também por quatro grandes patrocinadores: Banco Real, Natura, Vale e Petrobras. Além disso, temos parcerias com grandes empresas. Com a Tim, por exemplo, fazemos um projeto que se chama Conexões Urbanas – um circuito de shows em favelas. Você viu o último show da Marisa Monte? A gente fez igualzinho no Complexo do Alemão. Quais são os planos futuros do AfroReggae? Queremos ser a primeira empresa social do Brasil. E o que é uma empresa social? Você gera lucro, só que o lucro não é dividido entre os sócios. O lucro é auto-investido. Nossa sede em Parada de Lucas custou 400 mil reais. E falo com orgulho: só captei 90 mil. Os outros 310 mil reais são dinheiro nosso. Agora estamos construindo um prédio de 5 milhões de reais. E por que isso tudo? Porque temos que construir algo que ostente mesmo. É a mesma estratégia da Igreja Universal, só que a minha competição não é com a Igreja Católica. A minha competição é com o tráfico. E tem dado certo. Nunca tirei tantas pessoas do tráfico quanto nos últimos tempos. Foram uns 80, e não estou falando de fogueteiros, não. Estou falando de dono de boca, de pessoas que ganhavam 50 mil reais por semana.
E o que mais vem por aí? Logo vamos inaugurar o Centro de Inteligência Coletiva, que só vai trabalhar com inclusão digital. Estamos fazendo também, em parceria com a F/Nazca, uma agência de publicidade e comunicação dentro de Parada de Lucas. Lá também vai ser a primeira favela com wireless “0800”, se não do mundo, da América Latina. De graça. Tanto Lucas quanto Vigário. Só não inauguramos antes por causa das eleições municipais. E o Centro Cultural Waly Salomão, como será? Esse vai funcionar 24 horas por dia. Tem um estúdio de batida eletrônica, midiateca, salas de criação, circo, dança, teatro. Não será um centro social, mas um centro de formação de excelência artística. Claro que, se os moradores quiserem fazer aulas, podem, mas o foco não é esse. Ele não é um centro comunitário, só está na favela. Poderia estar na Paulista, na Pampulha ou em Ipanema. É para o cara sair de lá para o mercado. Chegou a vez da favela? Olha, o Brasil é ponta-de-lança, e o mundo inteiro conhece o País por causa da favela. No futebol, tirando o Kaká, todos os grandes ídolos dos últimos tempos vieram da favela. Todos os Rs que ganharam o título de melhor jogador do mundo vieram de comunidades carentes. Todos, sem exceção: Rivaldo, Romário, os Ronaldos... O mundo conhece o Brasil pelo samba? O samba vem da favela. O mundo conhece o Brasil pelo Carnaval? Também vem das favelas, das periferias. O samba-reggae, o movimento afro-baiano, a capoeira... Vem tudo das comunidades carentes. Portanto, acho que vamos abrir um novo espaço nessa listagem, que também vem de periferia, que é a tecnologia social. E como definir a tecnologia social aplicada pelo AfroReggae? É uma mistura de todos os elementos culturais e sociais que há nas comunidades, e que não se enxerga como saber, como conhecimento. E aí é preciso falar da narco-cultura. Os produtos ilícitos da narcocultura todos conhecemos. Mas há também os lícitos: Cidade de Deus, Carandiru, Tropa de Elite – filmes que transformam o conhecimento, o saber, o dia-adia de uma favela ou periferia num produto artístico. Cria-se, na verdade, uma sinergia em prol de algo. Poderíamos usar muito disso para fazer negócios, mas usamos para tirar as pessoas do tráfico, para unir. Absorvemos elementos metodológicos, elementos pedagógicos. É legal tentar transformar isso em algum tipo de manifestação cultural e de atitude. Uma coisa que eu fazia no passado era mandar os garotos se olhar no espelho, olhar dentro de seus olhos. Ninguém conseguia. Se encarar é muito difícil. Se respeitar é muito
difícil. Hoje, andar de cabeça erguida é uma marca do AfroReggae. Tivemos que treinar isso. Tipo exército, mesmo: “Erga a cabeça. Olhe no espelho. Olhe nos teus olhos. Olhe nos olhos do outro”. Uma das chamadas do programa de tevê do AfroReggae, que estreou em outubro, afirma que a polícia dos sonhos existe. Existe mesmo? A profissão de policial é a mais discriminada do Brasil, mais do que puta. “Policial? É pilantra, é safado, é bandido.” Nas palestras que promovemos com ex-traficantes e policiais, as perguntas mais incômodas sempre vão para os policiais. A sociedade alivia a culpa do exbandido, mas não alivia a do policial. Eu mesmo tinha preconceito com a polícia. Mas aí comecei a perceber que há coisas bacanas sendo feitas. No programa, você vê que há experiências exemplares no Ceará, no Rio, em Minas Gerais. A proposta do programa é abrir os olhos dos espectadores. Falar de polícia, homofobia, criança em estado terminal. Mas detalhe: tudo com final feliz. Me recuso a fazer um programa que não tenha final feliz. Não adianta só fazer denúncia. Temos que fazer a denúncia e apontar as soluções. Essa é uma espécie de síntese dos propósitos do grupo? Acho que sim. E com isso chegamos muito longe. Estou com 40 anos, mas há mais ou menos seis anos preparo o meu sucessor, porque vai chegar um momento que vou ter que sair. Por vários motivos: posso morrer, posso tomar um tiro, posso contrair um câncer, qualquer coisa. Aprendi muito no movimento social. Aprendi muito com pessoas como o Betinho, que infelizmente está sendo esquecido, mas que foi o maior ícone social desse país. Acompanhei ele em sua fase terminal e aprendi muito. O que tentamos fazer é um projeto que não seja só de um cara. O AfroReggae precisa ter muitas caras, por isso tenho dado tão raras entrevistas nos últimos tempos.
Hoje, andar de cabeça erguida é uma marca do AfroReggae. Tivemos que treinar isso.
E o que mais esperar para o futuro? O meu sonho é não ver mais crianças no tráfico. E vou estar vivo para isso. O que quero, na verdade, é diferente do que muitos dos meus amigos empreendedores sociais declaram querer: “Eu não quero mudar o mundo. Quero fazer a minha parte”. Não. Eu quero mudar o mundo. E quero que todos do AfroReggae, e quem está em torno dele, queiram mudar o mundo também. É disso que a gente precisa. Ontem mesmo aconteceu uma coisa interessante. Eu saí de uma atividade em um presídio e fui encontrar um grande empresário. Esse diálogo é fundamental. Cada Vez mais precisamos criar essas pontes: trazer os ricos para as favelas; levar as favelas para os ricos. Isso é o AfroReggae.
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Enigma Figurado
ligue os pontos
om de prosa e cheio de carisma, esse cabra nasceu em 13 de dezembro de 1912 na cidade de Exu, sertão de Pernambuco. Aprendeu a tocar o instrumento que o acompanharia pela vida afora com o pai. Aos 18 anos, apaixonou-se por uma moça da região e, repelido pelo pai da amada, foi jurado de morte. Fugiu para o Ceará e ingressou no Exército, que só abandonaria em 1939, para se dedicar (CC) exclusivamente à música.
R.:
(sobrenome)
reprodução/ab
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a Utilizado na Amazônia para aliviar a sede e o cansaço, originou um refrigerante que está hoje entre os mais pedidos do mundo.
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b Consumido com farinha no Norte do Brasil, popularizou-se em forma de doces e sucos ao ser descoberto por surfistas nos anos 1980.
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c É famoso não só pelo sabor, mas pela beleza da flor. Contém propriedades calmantes e protetoras do coração.
4
d Era adorado pelos astecas. No Brasil, marcou um período, ou melhor: um ciclo. Hoje, dele extrai-se a guloseima mais popular do planeta.
O Calculista das Arábias
acervo da família
Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan
Num de seus passeios pelo mercado de Bagdá, o calculista Beremiz Samir encontrou um vendedor aflito. Fora encarregado por dois irmãos a vender uma partilha de 60 melões, 30 de cada. Porém, os melões de um deveriam ser vendidos à razão de 3 por 1 dinar; e os do outro, 2 por 1 dinar. Para agilizar, o mercador resolveu vendêlos em grupos de 5 por 2 dinares, o mesmo que 2 por 1 mais 3 por 1. Efetuada a venda, um irmão deveria receber 10; o outro, 15 dinares – uma soma de 25. Mas o vendedor arrecadou apenas 24 dinares. Como de costume, Beremiz esclareceu o mistério rapidamente. E você, arrisca dizer onde foi parar o dinar que faltou?
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BRASILIÔMETRO teste o nível de sua brasilidade 1 Presidente que, em 19/12/1985, criou o vale-transporte: (a) Tancredo (b) Vargas (c) Sarney (d) Collor 2 Acordo assegurado pela assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 17/12/1994: (a) Acordo Ortográfico (b) Alca (c) AAA (d) Mercosul 3 Museu inaugurado em 25/12/1905 no antigo Liceu de Artes e Ofícios paulista: (a) Masp (b) Pinacoteca (c) MAC (d) MAM
Palavras Cruzadas
4 Instaurado o bipartidarismo, surge em 27/12/1965 o partido conservador: (a) MDB (b) DEM (c) PTB (d) Arena 5 Um acidente, no dia 22/12/1994, deixou gravemente ferido o locutor esportivo: (a) José Silvério (b) Osmar Santos (c) Sílvio Luiz (d) Luciano do Valle 6 Toma posse o primeiro governador da Guanabara (em 5/12/1960): (a) Carlos Lacerda (b) Leonel Brizola (c) Getúlio Vargas (d) Luís Carlos Prestes 7 Clube rebatizado em 8/12/1942, carrasco do placar mais elástico do futebol brasileiro: 24 x 0: (a) Trem (AP) (b) Avenida (RS) (c) Íbis (PE) (d) Botafogo (RJ) 8 Livro de Gilberto Freyre, publicado em 1°/12/1933: (a) O Povo Brasileiro (b) Raízes do Brasil (c) Casa-Grande & Senzala (d) Verdade Tropical Respostas na p. 36 AVALIAÇÃO – Conte um ponto por resposta certa: 0 a 2 - Brasilidade na reserva 3 a 4 - Meio tanque 5 a 8 - Tanque cheio
“A paciência é o melhor remédio para qualquer problema.”
Plauto
Diversão para pequenos
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Um país, vários Natais A
tradição européia e norte-americana ensina: o Papai Noel vai chegar pela chaminé na noite de Natal. Mas, calma lá... Num país quente como o Brasil, a maioria das famílias tem chaminé em casa? Será que todos vão ficar sem brinquedos? Devemos quebrar o teto pra dar espaço ao bom velhinho passar? A resposta para todas as perguntas: não. Por esses e outros motivos, muitos brasileiros preferem comemorar o Natal de um jeito diferente. Em várias regiões do Nordeste, por exemplo, há a festa do Pastoril. Os agri-
cultores passam um tempão preparando o presépio, moldado em barro cru. No dia 25, meninas cantam em homenagem às figuras santas: Bailem bailem, pastorinhas / No meio desse torrão sagrado / Vamos ver o Deus Menino / Entre palhinhas deitado. Outra comemoração bem divertida é a pernambucana Cavalo-Marinho. Durante a celebração, que se estende até o Dia de Reis (6 de janeiro), os brincantes se vestem de dezenas de personagens, misturam dança, música, poesia e teatro, e festejam o Natal de uma maneira extremamente original. Mais brasileira, impossível!
A nossa ceia natalina
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JÁ PENSOU NISSO? Se Papai Noel visitasse pessoalmente todas as crianças do Brasil, teria um trabalho danado – e nem é pela falta de chaminés... O País possui 50 milhões de crianças. Se em cada casa viver dois candidatos a ganhar presente, seriam 25 milhões de endereços. Mesmo se essas casas estivessem uma ao lado da outra, e ele demorasse um minuto em cada, seria jogo duro... No fim do percurso, teria gasto 25 milhões de minutos. Ou seja: mais de 47 anos! Não é à toa que alguns adultos se fantasiam de Papai Noel no Natal. O bom velhinho não daria conta do serviço sozinho...
Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do Almanaque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.
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De tão gostosas, as ceias natalinas merecem um capítulo à parte. Muita gente adere à modernidade, como preparar chester e peru assado. Mas há ainda quem preserve a tradição, fazendo delícias que há séculos se destacam na mesa dos brasileiros. A lista dos pratos natalinos típicos é longa: leitão à pururuca, pato no tucupi, frango assado, bacalhau. Os doces, então... Rabanada, pastéis, bolos, frutas da época... Até Papai Noel deve ficar com água na boca.
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Chega do cheiro da sua ceia.
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SoluçÕES na p. 36
Dezembro 2008
João Pessoa
Cidade solar No mapa do Brasil, João Pessoa está bem ali: no ponto mais oriental do nosso território. Lugar onde o sol chega primeiro, e parece negar-se a ir embora. Mas não é só a chegada da luz que movimenta a cidade. Menos badalada que outras capitais nordestinas, ela exibe diversidade impressionante, que vai da riqueza das praias ao legado barroco. Texto, fotos e ilustrações de Heitor e Silvia Reali
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praça anthenor navarro, em joão pessoa: uma cidade que se renova a partir da preservação de seu patrimônio histórico.
A
diversidade de João Pessoa já começa no nome. Foi Nossa Senhora das Neves, quando de sua fundação em 1585, por Portugal. Depois, Filipéia, por Espanha; Frederickstaadt, por Holanda; Parahyba, por origem; e João Pessoa, por história. Terceira cidade mais antiga do Brasil, é hoje a segunda mais verde do mundo, conforme levantamento das Nações Unidas. Só perde para Paris. A cidade é moderna, mas herdou um casario colonial bem preservado. A paisagem, em determinados lugares, lembra filmes iranianos, com uma diferença: o gosto pelo verde e a
forte luminosidade equatorial, que criam um contraste entre as cores claras das construções, as fortes sombras e o azul permanente do céu. Entre coloridas acácias e ipês, o testemunho histórico avança em direção ao centro. Casarões, palácios, igrejas e conventos dos séculos 17 e 18, que passam por restauro, vão assumindo seu aspecto de época. Isso já ocorreu na praça Anthenor Navarro e em seus sobrados ecléticos e multicoloridos dos séculos 19 e 20. Originalmente, eram lojas. Agora abrigam restaurantes, cafés e galerias de arte que embalam atividades culDezembro 2008
turais. Na lateral da praça está o Largo São Pedro Gonçalves e seu casario, com destaque para a Igreja São Frei Pedro Gonçalves, em cores coloniais, branco e ocre. Além do Hotel Globo, que durante muito tempo foi o mais importante da cidade. A varanda é concorrida nos fins de tarde. Tudo para assistir ao espetacular crepúsculo que a região oferece.
Arquitetura religiosa
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O que mais toca de todo o patrimônio de João Pessoa é a praça formada pela fonte e pelo Convento de Santo Antonio, pela igreja de são Francisco e pelo majestoso Cruzeiro. Finalizado em 1779, não se trata apenas de mais um conjunto barroco. Ali se revela a fase áurea de nossa arquitetura religiosa. Na nave principal, o teto consagrado a são Francisco e pintado com tingimentos naturais é o maior em comprimento do Brasil. O púlpito, talhado em cedro policromado e banhado a ouro, e as paredes laterais, em azulejos portugueses, mostram a riqueza da igreja. O convento hoje abriga o Centro Cultural São Francisco e conta com museus de arte sacra e de cultura popular. Historiadores e visitantes interessados na cultura da cidade também se encontram na praça Dom Adauto, cujo passado histórico deixa marca de grandeza na igreja de Nossa Senhora do Carmo, do século 16, na igreja de santa Tereza, no Palácio do Bispo e no Casarão dos Azulejos, hoje centro cultural. E há ainda o Teatro Santa Roza, de 1889, que ostenta estilo neoclássico, com influência greco-romana na fachada. No palco, o paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) declamava seus poemas e dava palestras sobre a abolição da escravatura. Entretanto, com todas essas maravilhas barrocas, neoclássicas e históricas, o cartão-postal de João Pessoa é a lagoa do Parque Sólon de Lucena. Cercada de palmeiras imperiais, seu visual, contudo, é prejudicado pelo grande tráfego de ônibus, táxis e carros que circulam ao redor.
o teto pintado da igreja de são francisco, o maior do país.
Não deixe de experimentar Quem jamais provou a típica gastronomia paraibana pode até achá-la exótica, mas não deve refutar a idéia de prová-la. Na cozinha sertaneja, as carnes nobres são mesmo a de carneiro e bode. De imediato vem a lembrança da buchada _ o estômago do bicho recheado com as vísceras bem temperadas _; da panelada, uma espécie de ensopadinho de tripas; do sarrabulho, à base de sangue coagulado; o guisado de carneiro e a galinha cabidela. Bem mais macia que a bovina, e com menos gordura, a carne de bode entra em outro prato originário do sertão: o rubicão. Antes refeição de vaqueiros, hoje é acompanhada de saborosas guarnições, como feijão-verde, pirão de farinha de mandioca e queijo coalho.
Viagem à alma Se a história e a arquitetura de João Pessoa encantam, uma viagem às praias leva, sem escala, à alma. O litoral próximo à cidade se apresenta com nota máxima nas piscinas naturais de Picãozinho e Areia Vermelha, com seus arrecifes de corais forrados de peixes coloridos. Duas outras praias próximas merecem atenção. Abraçada pela Mata Atlântica e polvilhada pela areia colorida das falésias, as maravilhas de Tambada só podem ser desfrutadas por quem respeite as normas do naturismo. Outro destaque é Coqueirinho. A seu lado, um cânion com estranhas formações de pequenos cones nos paredões de 30 metros, tingidos de cores cujas tonalidades – do ocre ao siena – criam cenários de filmes épicos. “O que aconteceu ali foi o intemperismo, ação conjunta do sol, vento e chuva que geram a destruição e a decomposição dos minerais da rocha”, explica o geógrafo Tadeu Ferreira.“O pessoal daqui apelidou essas coisas de castelinhos de princesas, pois centenas deles evocam um reino encantado.” Assim é João Pessoa.
JOÃO PESSOA TEM MAIS Estação Cabo Branco Abra os olhos para essa nova obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Localizada numa reserva natural de Mata Atlântica, o conjunto arquitetônico inaugurado em julho oferece aos visitantes, em sua torre principal, uma visão de 360º de João Pessoa e do parque do Cabo Branco. O projeto privilegia eventos culturais, além de difundir atividades científicas voltadas ao ambiente.
ABC O ABC é uma modalidade do repente – poesia popular sertaneja – e do cordel, sendo basicamente usado para celebrar feitos e heróis do povo, que ouve os desafios de viola ou lê os folhetos com romances vendidos nas feiras livres. É uma prática ancestral de celebração a partir de senhas ou palavras-chave, por ordem alfabética, de A a Z. Não deixe de ver um desses desafios.
Mercado de Artesanato Paraibano São poucas as oportunidades de contato com uma arte autêntica produzida no Brasil. Na Paraíba, podemos ver de perto uma extensa coleção de arte popular. Boas surpresas se encontram em várias lojas, como esculturas de madeira, peças em cerâmica, brinquedos populares, marchetaria, cestas e bolsas de palha de carnaúba, além de redes, mantas e camisas confeccionadas em teares manuais, utilizando o famoso algodão colorido.
Preste Atenção! Repare na luz e nas sombras da cidade. Por serem fortes e densas, elas criam espaços que parecem endoidar a visão. A nitidez demora a aparecer, pois primeiro os olhos têm que se acostumar com o claro e o escuro. o cânion ao lado de coqueirinho: evocação de um reino encantado.
SERVIÇO Como chegar A TAM oferece vôos diários para João Pessoa, saindo das principais cidades brasileiras. Confira em Onde ficar Onde comer
www.tam.com.br
Tropical Tambaú Vacation, na Praia de Tambaú. O mais tradicional
Restaurante Mangai, na Praia de Manaíra. Um dos melhores lugares na
hotel de João Pessoa. A seu lado partem as embarcações para Picãozinho. Tel.: (83) 3218-1919. www.tropicalhotel.com.br
capital para se provar a culinária paraibana, com um bufê de mais de 70 tipos de pratos. Tel.: (83) 3226-1615.
Ouro Branco Praia Hotel, na Praia de Tambaú. Amplas acomodações,
Salutte Self Service, na Praia de Manaíra. Comida sertaneja com farta
restaurante e piscina. Tel.: (83) 4009-0100. www.ourobrancohoteis.com.br
variedade de saladas e legumes. Tel.: (83) 3247-4080. Dezembro 2008
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UVA Vitis vinifera L.
Sangue vegetal Seu sumo renova tecidos. Bom para coração, pulmões, fígado, rins, intestinos, pele. Purifica o sangue. Nossa conhecida desde que aparecemos no planeta, ainda nos brinda com o vinho, bebida mais antiga e saudável. E que deleite chupar uva debaixo da parreira. Por Mylton Severiano
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o início de julho, lembrei que me havia esquecido da poda da parreira no Dia de São João, 24 de junho,como ensinou Dilma,que por quatro anos cuidou de meu quintal. Telefonei-lhe apreensivo. Recordava que, não podando, a videira míngua. Ela me tranqüilizou: “Ainda é tempo. Corta a ponta dos baraços”. Baraços? Só podiam ser os galhos, na fala açoriana de Dilma. Fui até a parreira. Sequinha. Pensei:“Morreu”. Em todo caso, podei ponta por ponta. Um mês depois, que surpresa! A videira se cobria de folhas verde-claro; em setembro, encheu-se de cachos, com minúsculas uvinhas. E quando você me ler em dezembro, elas estarão no ponto. Quando surgimos no planeta, há 2 milhões de anos, a parreira já nos esperava de baraços abertos – há vestígios de uva em fósseis de épocas anteriores a nossa existência. Originária do Cáucaso, espalhou-se pelo mundo. É uma trepadeira lenhosa, com gavinhas de fixação, de caule espesso, retorcido e resistente. Frutifica no terceiro ano após o plantio. Alguns vinhedos vivem até 150 anos. Então, por seis gerações meus descendentes poderão usufruir da parreira que Dilma plantou em meu quintal.
No Brasil, as primeiras mudas chegam com Martim Afonso de Sousa em 1532. Mas cabe ao fidalgo Brás Cubas a honra de viticultor pioneiro, na Capitania de São Vicente. Morreu em 1592, prestes a completar 100 anos – centenário, com certeza, por consumir habitualmente a frutinha da longevidade. O suco da uva, pela composição, assemelha-se ao leite materno e, por isso, o chamam sangue vegetal ou seiva viva. O açúcar, de glicose e frutose, é diretamente assimilável, sem esforço do aparelho digestivo, e assim também ajuda no restabelecimento dos enfermos. O cultivo para produzir vinho é atividade antiqüíssima. Já existia no Egito e na Ásia Menor em 8000 a. C. – época em que deixávamos o nomadismo e nos iniciávamos na agricultura, na criação de animais, na produção de cerâmica. Levaríamos quase 10 milênios até que o monge beneditino francês Pierre Pérignon criasse, no fim do século 17, o champanha. Tão nobre, que o reservamos para momentos inesquecíveis. Napoleão, que soube perder e soube vencer, glorificou-o com frase lapidar:“Nas vitórias é merecido, nas derrotas é necessário”. Brindemos com champanha à quintessência da uva: o champanha.
iolanda huzak
Alegria engarrafada
Fruta da
Lá na pré-história, antepassados nossos chuparam umas uvas e, no côncavo de uma pedra, deixaram as cascas, que fermentaram na água da chuva. Alguém bebeu daquilo e, contente com a sensação, tratou de fazer mais. Eis uma hipótese para a descoberta do vinho. Diz o Gênesis que Noé era chegado na bebida que o poeta espanhol quinhentista Espinel louvou: “O vinho dá força ao coração. Dá calor ao rosto. Tira a melancolia. Alivia o caminho. Dá coragem ao mais covarde. Faz esquecer todos os pesares”. Gregos adoravam Dioniso, deus do vinho – Baco para os romanos –, celebrado em festanças que duravam dias. Com os legionários romanos, a videira chega à Gália, futura França, pátria do vinho – referência mundial graças à diversidade de climas e solos, mais as técnicas aperfeiçoadas através dos séculos. Mas não reina mais sozinha. Há bons vinhos por toda parte. Até na nossa caatinga. Com clima quente e seco, três mil horas de sol por ano, lá se produz vinhos frutados, leves, exportados para Europa, Estados Unidos e Japão. Quem diria?
longa vida T
em vitaminas A, B e C; cálcio, ferro, fósforo, magnésio, sódio. É energética, desintoxicante, laxante, diurética, antiinflamatória, reconstituinte. Graças aos sais de potássio, que eliminam substâncias inúteis como o ácido úrico, melhora reumatismo, gota, artrite. Indicada para anemia, má digestão, bronquite, febres, hepatite, tuberculose, depressão. Estimula as funções cardíacas. Baixa a pressão. Regenera as células. Equilibra a taxa de colesterol. Previne câncer. Antioxidante, traz longevidade.
Adivinha quem falou “Todos os reinos por uma taça.” “Vinho cor do dia, da noite, com pés púrpura.” “Composto de humor líquido e luz.” “No vinho está a verdade.” “Excelente para o homem, tanto sadio como doente.” “A mais higiênica das bebidas.”
Platão Ditado latino Hemingway Omar Kayam Shakespeare Hipócrates
“Rejuvenesce os velhos, cura os enfermos.”
Neruda
“Criatura jovial, se bem usada.”
Sêneca
“Alegra o coração, e a alegria é a mãe de todas as virtudes.”
Galileu
“Enxuga a alma até o fundo.”
Goethe
“Uma das substâncias mais civilizadas.”
Pasteur
Saiba mais Embrapa Uva e Vinho: www.cnpuv.embrapa.br A Dieta do Vinho, de Roger Corder (Sextante, 2008).
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Mylton Severiano é jornalista.
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Romarico Juliano Mecíades Sabino Maxêncio Luzia Agnelo Eusébio Misael Lázaro Rufo Teia Zeferino Tomé Flaviano Sérvulo Adélia Eugênia Estevão Teodoro Teófila Tomás Becket*
O turco do bazar T
odo santo tem um detalhe para ficar mais fácil a sua identificação junto aos fiéis. O causo que eu conto agora é da cumádi caipira lá de Bacuri, que depois que teve seu quadro de são Jorge danificado pelo fogo da lamparina de querosene, resorveu arranjá um quadro novo. Para isso, intimou seu filho pequeno, o Juquinha, para que fosse até o bazar do sêo Salim comprar uma gravura nova do santo. Juquinha – Sêo Salim! A mãe mandô eu aqui móde comprá um quadro de são Jorge. Salim procura entre tantos quadros de santo que tinha para vender e não encontra nenhum de são Jorge. Então pega um quadro de são Pedro e entrega pro Juquinha. Salim – Bronto. Bode leva este. Este é o son Jorge. Juquinha – Brigado, sêo Salim. Ao chegar em casa, a velha caipira, católica fervorosa – e, portanto, conhecedora dos detalhes
Marcelo
de todos os santos do mundo –, ao se deparar com o quadro de outro santo, que não o seu querido guerreiro em riba do cavalo, esbraveja: Cumádi – Esse sêo Salim é tretero, mêmo. Pensa que eu sô besta? Pode levá de vorta, Juquinha. Diz pro sêo Salim que esse num é meu são Jorge. O meu santo tá montado num cavalo bonito. Esse num tem nem cavalo! Juquinha então aparece de novo no bazar de sêo Salim. Juquinha – Sêo Salim! Minha mãe ficô brava. Ela disse que o são Jorge dela não é esse santo. O dela tem um cavalo bonito, e esse tá com uma chave na mão. Salim – Fala bra tua mãezinha que esse é son Jorge, sim, sinhora. Ele tinha cavalo antes, quando era pobre. Agora, ficô rico, melhorou de vida, combrô automóve. Olha aqui a chave do carro na mão dele.
Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).
Silvestre I
CAPRICORNIO (22/12 a 21/1)
* São Tomás Becket Nascido em Londres, cresceu junto ao príncipe Henrique II. Depois que este se tornou rei, entretanto, as diferenças se acentuaram. Passou a lutar contra os abusos do amigo de infância. Logo teve que se exilar na França. Seis anos depois, voltou à batalha, certo de que seria assassinado. “O medo da morte não deve nos fazer perder de vista a justiça”, justificou. Morreu em 29 de dezembro de 1170.
Capricornianos costumam ser velhos quando moços, e jovens quando idosos. Conservadores por natureza, são fortemente condicionados pela tradição. Seus amigos geralmente são mais velhos e céticos. Parecem tímidos, mas é só o tempo de conhecê-los melhor para ver que é só aparência. Ambiciosos, gostam de ter o controle da situação, principalmente no campo profissional.
Estação Colheita O que se colhe em DEZEMBRO Laranja, pêssego, catalônia, vagem, coco verde, melancia, maçã.
Crescente: 5/12 às 19h26 Cheia: 12/12 às 14h37
Minguante: 19/12 às 8h29 Nova: 27/12 às 10h22
CARTA ENIGMÁTICA – Suas provocações despertaram tamanha ira na sociedade colonial que, em 1694, foi deportado para Angola. (Gregório de Mattos) ENIGMA FIGURADO – Luiz Gonzaga. SE LIGA NA HISTÓRIA – 1d (cacau); 2c (maracujá); 3b (açaí); 4a (guaraná). BRASILIÔMETRO – 1c; 2d; 3b; 4d; 5b; 6a; 7d; 8c. O QUE É O QUE É? – Carteiro. O CALCULISTA DAS ARÁBIAS – O mercador vendeu 12 lotes de 5 melões por dois dinares. Portanto, aferiu 24 dinares. Os melões do primeiro irmão compunham 10 lotes de 3 melões; já os do segundo, 15 lotes de 2. Assim, só os 10 primeiros lotes de 5 poderiam ser vendidos à razão de 5 por 2 DE QUEM SÃO ESTES OLHOS? (10 lotes x 2 dinares = 20 dinares). Vendidos esses lotes, restariam 10 melões, que deveriam ser negociados à razão de 2 por 1 (5 lotes x 1 dinar = 5 dinares). Arnaldo Jabor milton michida/ae
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“A educação deve ser prioridade acima de todas as prioridades.”
Sam Nujoma
Virgínia Rodrigues recomeça falando de amor Caetano Veloso ficou encantado ao assistir a um espetáculo do Bando de Teatro Olodum em 1997. O motivo: a voz e a maneira de cantar de Virgínia Rodrigues, que se apresentava de forma amadora em Salvador. O compositor decidiu produzir o primeiro álbum da artista no ano seguinte, alcançando sucesso no Brasil e, principalmente, no exterior. A ponto de o jornal The New York Times tê-la definido como “uma das mais impressionantes cantoras surgidas no Brasil nos últimos anos”.
De lá para cá, gravou outros dois CDs, com concorridas apresentações na Europa e nos Estados Unidos. Após quatro anos, Virgínia lança um novo álbum, Recomeço. As composições são baseadas em temas amorosos, nas diversas variantes do tema. Entre as canções, Todo Sentimento (Chico Buarque e Cristóvão Bastos), A Noite de Meu Bem (Dolores Duran) e Eu Te Amo, Amor (Francis Hime e Vinicius de Moraes). Em todas as faixas, a baiana é acompanhada apenas pelo piano de Cristóvão Bastos. (BH)
Olha quem Chega Dona Inah ganhou o Prêmio Tim na categoria revelação em 2005. Detalhe: aos 69 anos. Agora lança o segundo CD, apenas com canções de Eduardo Gudin. Nosso Num projeto apenas com jovens compositores, a cantora paulistana Dani Gurgel mistura jazz, samba e ritmos africanos. O resultado é harmônico e inventivo. Lundu de Marruá A modinha e o lundu são gêneros surgidos durante o século 18, e logo tornaram-se populares nos salões de baile brasileiros. O álbum apresenta 26 canções históricas. 37
Uma história em qualquer canto O livro Memórias de Brasileiros, produzido em parceria com a editora Peirópolis, é um dos resultados do projeto criado para marcar os 15 anos do Museu da Pessoa. A instituição atua no registro e preservação de histórias de vida que colaboram para a compreensão do mosaico que compõe a realidade social e cultural brasileira. Ao longo desses anos, realizou cerca de 100 projetos, que vão do resgate da memória institucional até outros focados em desenvolvimento local e educação. Histórias de vida abrem cada um dos cin-
co capítulos correspondentes às regiões do Brasil. O jovem que deixou de ser escravo, o pedreiro que também é bibliotecário e o poeta que aprendeu a costurar palavras com a avó são alguns dos muitos personagens desta trajetória. “Uma jornada que não está na busca da linearidade, mas sim de uma nova riqueza: a multiplicidade de olhares, experiências e culturas que hoje compõem o nosso país”, explica José Santos, organizador do livro e (CC) diretor do Museu da Pessoa. Peirópolis, 208 p., R$ 58
300 Discos Importantes da Música Brasileira Organizado por Charles Gavin, o livro apresenta um painel da música popular gravada no Brasil entre 1929 e 2007. Textos de Tárik de Souza, Carlos Calado e Arthur Dapieve. Paz e Terra, 434 p., R$ 230 Álbum de Retratos 4 O projeto reúne o acervo fotográfico de personalidades da cultura brasileira. O quarto volume traz imagens de Ruy Castro, Villas-Bôas Corrêa e Ferreira Gullar. Folha Seca, 130 p., R$ 22 (cada) Exato Acidente Vencedor do Prêmio Nascente em 2007 com O Mentiroso, Tony Monty lança seu segundo livro, uma reunião de contos que oscilam entre a humanização e a animalização dos personagens. Hedra, 96 p., R$ 20 Dezembro 2008
NÁUFRAGO De binóculos em mãos, o passageiro de um grande navio avista um homem em farrapos, com barba e cabelos longos, acenando desesperadamente de uma ilha minúscula. Imediatamente, recorre ao comandante: – Meu Deus! Tem um homem ali na ilha acenando para o navio! – Não se preocupe, isso é normal. Toda vez que o navio passa aqui ele fica doido assim.
“Dum homem pequeno não espere grandes coisas.” Classificação dos homens Há três espécies de homens: I – os que fazem com que as coisas sucedam; II – os que vêem como sucedem as coisas; e III – os que pouco se importam com o que está sucedendo.
Classificação dos cantores
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TESTAMENTO No escritório do advogado, a viúva aguardava a leitura do testamento de seu finado marido: – Sinto muito, minha senhora. Mas o seu Euclides deixou tudo o que tinha para o Abrigo da Viúva Pobre. – Mas, e eu? – choramingou a mulher. – Bem... A senhora era justamente tudo o que ele tinha.
Os cantores dividem-se em três categorias: I – os que têm voz, mas não sabem cantar; II – os que sabem cantar, mas não têm voz; e III – os que não têm voz e não sabem cantar. Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
ANTES QUE COMECE O marido chega em casa, senta na poltrona em frente à televisão e diz: – Mulher, me traz uma cerveja antes que comece. A esposa suspira e leva a cerveja. Dez minutos depois: – Querida, traz outra cerveja antes que comece. Ela olha atravessado para o marido, mas leva outra gelada. Alguns minutos depois... – Rápido! Traz outra cerveja que vai começar a qualquer instante. Era o que faltava: – Isso é tudo que você vai fazer? Beber e ficar sentado em frente à tevê? Você não passa de um preguiçoso! De um bêbado! De um gordo relaxado! Além disso... E antes que ela terminasse a frase: – Pronto. Já começou...
ÚLTIMAS PALAVRAS O moribundo reúne as últimas forças e balbucia para a mulher: – Querida, de hoje eu não passo... – Imagina! Não fala besteira! É claro que você passa. Eu tenho certeza. – E por que você tem tanta certeza? – Ah, você sempre deixa tudo para amanhã!
Ponto Final
“O futuro tem muitos nomes. Para os fracos, é o inatingível. Para os temerosos, o desconhecido. Para os valentes, a oportunidade.”
Paulo Car uso
Victor Hugo