Almanaque Brasil 122 - Junho de 2009

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A celebração da brasilidade

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ARMAZÉM DA M E MÓRIA NAC IONAL Elifas Andreato Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisor Lucas Puntel Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP) Impressão Gráfica Oceano Diretor editorial

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Elifas Andreato

nossa capa

Aumente seu nível de brasilidade E ainda ganhe pontos para viajar

Tide Hellmeister

ACERVO PESSOAL

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festa de 10 anos do ALMANAQUE foi bonita. Em 26 de maio, com auditório e salões do MAM de São Paulo lotados, houve uma noite de explícita brasilidade. Lá estavam celebridades, colaboradores e novos parceiros, comprometidos e solidários com a nossa missão e persistência em divulgar a cultura popular, a sagrada herança social do nosso povo. Foi uma noite de consagração do trabalho de uma década dedicada à memória do País. Noite também de apresentar novos projetos, que vislumbram um futuro auspicioso por meio de recentes parcerias. O livro Almanaque Brasil – Todo Dia é Dia (Ediouro), uma compilação cuidadosa dos 10 anos do Almanaque, já é um sucesso. O mesmo acontece com duas novas publicações que saltaram das páginas da revista para livros requintadíssimos: Em se Plantando, Tudo Dá, de Mylton Severiano, Katia Reinisch e Iolanda Huzak, e Viva o Brasil, de Heitor e Silvia Reali. Ambas as publicações são lançamentos da Editora Leitura. Mas o grande destaque da festa foi o anúncio do ALMANAQUE BRASIL na tevê, feito pela presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel, e pelo presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Markun. Para Tereza, o “palmômetro” no auditório após a exibição de um trecho do novo programa era sinal inconteste do sucesso que terá o projeto. Eu, de minha parte, emocionei-me ao ouvir as palavras generosas de David Barioni Neto, presidente da TAM – empresa parceira do Almanaque desde a edição inaugural. No palco, Antonio Nóbrega, Rolando Boldrin, Moacyr Luz, Celso Viáfora e Vicente Barreto prestaram uma bonita homenagem ao ALMANAQUE, cantando, cada um a seu modo, o Brasil. Recebemos também a mensagem carinhosa do ministro da Cultura, Juca Ferreira: “Depois de 10 anos literalmente viajando pela cultura brasileira, o ALMANAQUE BRASIL só tem motivos a comemorar. Seu trato lúdico e atraente aliado a uma busca constante pelo aprofundamento da informação o fazem uma publicação única, capaz de resgatar a memória do País ao mesmo tempo em que celebra nossa diversidade cultural”. Foi uma noite especial para mim e para os meninos que fazem comigo este Armazém da Memória Nacional. Meu sincero obrigado a todos que nos prestigiaram nesses 10 anos. A nossa retribuição será continuar lembrando o Brasil aos brasileiros.

O paulistano Tide Hellmeister é um dos mais importantes artistas plásticos brasileiros, considerado virtuose na técnica da colagem. A carreira começou quando, com apenas 17 anos, foi contratado pela Excelsior para criar as vinhetas televisivas da emissora. Todas eram feitas à mão. Logo depois, um penoso desafio, produzido para um comercial de tevê: recortar milhares de homenzinhos que comporiam uma grande maquete do estádio do Maracanã. “Este dedo ainda tem um calo por causa disso”, confessava décadas depois. Tide produzia compulsivamente. Ao estilo de cubistas e surrealistas, construía as peças a partir da superposição de fragmentos que não guardavam, necessariamente, relação entre si. Durante a carreira, teve mais de 30 exposições individuais, tanto no Brasil quanto no exterior. Seu trabalho pôde ainda ser visto em jornais e revistas. E também em capas de livros – foram mais de mil. O capista do mês nos deixou em 31 de dezembro de 2008, um dia antes do ano novo.

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ILUSTRAÇÕES GUILHERME RESENDE

SOLUÇÃO NA P. 30

ara paquerar as meninas, José Bispo tocava bateria no Carnaval e dançava nos bailes de gafieira do Rio de Janeiro. Um dia o cantor do salão faltou e ele o substituiu. Não se sabe muito bem se foi aí que recebeu a alcunha pela qual é conhecido ou se foi num programa de calouros na Rádio Ipanema. Já contou dos dois jeitos a história do apresentador que, por não saber seu nome, o anunciou com um apelido de vegetal. Fez fama nas gafieiras e até largou o emprego na fábrica de tecidos. Ganhou o grande prêmio no programa de Ary Barroso, cantando Ai, que Saudades da Amélia. Como crooner da Orquestra Tabajara, rodou a Europa. Nos anos 1950 começou a gravar elepês de samba-canção, alguns exclusivamente com composições de Lupicínio Rodrigues. Depois passou por uma

fase romântica, mas jamais deixou de lado o barracão da escola de samba do coração, a única de toda a vida. Dizia que sofreu, sim, preconceito por ser negro: “Para ser estrela não serve, tem de ser branco e de preferência boa-pinta”. Bom humor não era seu forte. Certa vez, um jornalista lhe perguntou por que tinha o semblante carrancudo e nunca ria. “Rir de quê?”, rebateu. Não admitia ser chamado de puxador de samba enredo. “Puxador é de fumo, de carro. E os puxa-sacos”. Exigia ser apresentado como “intérprete”. Também não andava muito satisfeito com os desfiles modernos: “A televisão é que manda e desmanda no samba. Parece até que os passistas estão marchando. É desfile militar de samba”, resmungava. Seu vozeirão representou a Mangueira na avenida pela última vez em 2006. Morreu dois anos depois, em 14 de junho de 2008. (NP)

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Vida de sambista não é fácil até hoje. Que dirá nos anos 1960? Cartola já havia se consagrado como fundador da Mangueira e um dos mais importantes compositores da escola. Era respeitado por gente como Noel Rosa, Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Villa-Lobos. Mas toda essa credibilidade não se revertia 60 anos, trabalhando como contínuo no Ministério da Indústria e Comércio. A principal função de um dos mais extraordinários nomes da música brasileira: servir cafezinhos.

REPRODUÇÃO/AB

em conforto na vida econômica. A foto ao lado mostra o sambista, já perto dos

Junho 2009


21/6/1970

21/6/1986

O BR ASIL GANHA SUA TERCEIR A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL, NO MÉXICO. NA PARTIDA FINAL, VENCE OS ITALIANOS POR 4X1.

NO MESMO DIA DA CONQUISTA DO TRI, O BRASIL É ELIMINADO DA COPA DO MUNDO, TAMBÉM NO MÉXICO, PELOS FRANCESES.

Pra quem ganhar,

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um bezerro;

pra quem perder,

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uma pena

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Festa junina em SĂŁo Luiz do Paraitinga.

o Vale do ParaĂ­ba, interior de SĂŁo Paulo, esconde-se SĂŁo Luiz do Paraitinga, uma pequena cidade onde o tempo parece nĂŁo passar. HĂĄ ainda carroças sem pressa, gente na calçada para ver a Lua chegar, tradiçþes guardadas desde o sĂŠculo 18. Junho ĂŠ ĂŠpoca de colorir as ruas com bandeirinhas, acender a fogueira, mexer o quentĂŁo. O arraial domina o mĂŞs inteiro, batizado com um nome que vem dos cĂŠus. É sĂł prestar atenção no foguetĂłrio: Chi Pul Pul ĂŠ o som que faz o rojĂŁo quando estoura e ilumina a noite, espantando os maus espĂ­ritos. Os compositores da regiĂŁo passam o ano preparando cançþes para concorrer no concurso de mĂşsica junina – a exemplo da disputada batalha de marchinhas carnavalescas, que ocorre no inĂ­cio do ano. Os trofĂŠus sĂŁo tao autĂŞnticos quanto a cidade: primeiro lugar, um bezerro; segundo, uma leitoa; terceiro, um pato. O quarto colocado ganha um frango; o quinto, um ovo. Ao sexto, prĂŞmio de consolação: uma pena. (LaĂ­s Duarte) SAIBA MAIS Site da Prefeitura de SĂŁo Luiz do Paraitinga: www.saoluizdoparaitinga.sp.gov.br www.almanaquebrasil.com.br

ESPECIALISTA EM POROROCA

Surfista curitibano surfou onda de 33 minutos

e a ĂŠpoca ĂŠ de chuva, com marĂŠ alta e lua nova ou cheia, as condiçþes estĂŁo ideais. De um lado, temerosos ribeirinhos; de outro, aventureiros ansiosos pela chegada das ondas gigantes dos rios amazĂ´nicos. Os melhores picos de surfe nĂŁo animam mais Marcos Menezes, o Sifu, que roda o mundo com uma prancha atrĂĄs de ondas perfeitas. Depois que experimentou a pororoca na AmazĂ´nia, em 2006, “surfar no mar virou recreaçãoâ€?. A pororoca nĂŁo ĂŠ exclusividade do Brasil. As ĂĄguas doces de outros lugares tambĂŠm ficam, em algum momento, sem força suficiente para sobrepĂ´r-se Ă s ĂĄguas do mar, gerando o fenĂ´meno. Mas o recorde de maior tempo de surfe em uma onda ĂŠ de um brasileiro, e tomou lugar no rio Araguari, no AmapĂĄ. O curitibano Serginho Laus, que se apresenta profissionalmente como “especialista em pororocaâ€?, pegou carona numa onda por 10 quilĂ´metros, durante 33 minutos. Para quem se interessar por seus serviços, cada

WILLIAM LET/DIVULGAĂ‡ĂƒO

CONCURSO CAIPIRA

Serginho Laus em ação.

perĂ­odo de condiçþes favorĂĄveis rende cinco dias seguidos de ondas. Enquanto elas espantam animais e derrubam ĂĄrvores das margens por mais de duas horas, um barco posiciona os surfistas. Embalados pela pororoca, eles vĂŁo avistando bĂşfalos, vĂĄrios tipos de aves, a mata densa. â€œĂ‰ como enfrentar um safĂĄriâ€?, diz Sifu. O perigo, ĂŠ bom que se diga, pode ser maior. Se as ĂĄguas derrubam o surfista, melhor torcer para que nĂŁo haja nenhum pedaço de ĂĄrvore ou jacarĂŠ no caminho. (NP)

SAIBA MAIS Pororoca: Surfando na selva, de Serginho Laus (Ediouro, 2006). No site do ALMANAQUE, assista a um vĂ­deo com imagens de surfe na pororoca.

de quem sĂŁo estes olhos?

Olhos de um jornalista nascido em 7 de junho de 1976, numa cidade baiana que não existe mais. Com o microfone na mão, encarava plateias entoando clåssicos da música brega. Mas ficou conhecido mesmo em outros palcos. Despontou vivendo um personagem da peça A Måquina, de Adriana Falcão. Depois foi para a tevê e o cinema. Na telinha, viveu JK; na telona, um controverso capitão de polícia. Confira a resposta na pågina 30.


PĂ GINA INFELIZ

O Brasil jĂĄ teve pena de morte (sĂł para escravos...) ĂŁo bastavam a escravidĂŁo, os açoites e as condiçþes subumanas com as quais os negros eram tratados. Em 10 de junho de 1835, uma lei determinou a pena de morte para “escravos ou escravas que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer grave ofensa fĂ­sica a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentesâ€?. A pena capital era aplicada por enforcamento. Outro artigo estipulava uma pena “brandaâ€? em casos menos agressivos: “Se o ferimento ou ofensa fĂ­sica forem leves, a pena serĂĄ de açoitesâ€?. Uma chacina cometida por escravos contra a famĂ­lia de um deputado mineiro disparou a discussĂŁo da lei. Outra motivação foi a Revolta dos MalĂŞs, em que negros muçulmanos se rebelaram contra seus senhores em Salvador. Na prĂĄtica, a pena de morte durou atĂŠ 1876, quando ocorreu o Ăşltimo enforcamento de um escravo em Alagoas. Entretanto, sĂł seria extinta com a sanção da Lei Ă urea, 12 anos depois.

REPRODUĂ‡ĂƒO/AB

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Reportagem da IstoÉ IstoÉ.

GOLPE FINAL

O motorista que derrubou o presidente (BH)

SAIBA MAIS No Meio das Galinhas, as Baratas NĂŁo TĂŞm RazĂŁo: A lei de 10 de junho de 1835 1835, de JoĂŁo Luiz Ribeiro (Renovar, 2005).

MAREDUTO

Candidato a prefeito prometeu levar o mar para Minas Gerais

ARQUIVO/AE

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Nelson Thibau.

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ma rĂŠplica de navio flutuava em plena lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, em 1962. Era parte da campanha de Nelson Thibau Ă Prefeitura. O candidato resolveu inovar: prometia levar o mar Ă capital mineira. ImpossĂ­vel? Ele dava jeito: “A gente constrĂłi um aqueduto para trazer a ĂĄgua de Angra dos Reis para Belo Horizonte, retira a ĂĄgua que se encontra represada na Lagoa da Pampulha e faz uma chapada de brita com piche para protegerâ€?. E se animava: “AĂ­ ĂŠ sĂł quebrar champanhe quando o mar chegarâ€?. Para tristeza dos surfistas, o advogado, radialista e administrador perdeu a eleição. Mas ganhou popularidade. Insatisfeitos com os candidatos, estudantes organizaram passeatas para Thibau. Tudo em clima de deboche. Anos mais tarde, em tempos de ditadura militar, o voto de

protesto lhe rendeu uma vitĂłria. Conseguiu uma cadeira na Câmara Federal pelo MDB, partido de oposição, em 1974. Dessa vez a campanha estendeu-se tambĂŠm a crianças. Prometia criar a Thibaulândia, nos moldes da Disney. Numa reuniĂŁo do partido, um colega de bancada ironizou o projeto do “maredutoâ€?, que atravessaria o EspĂ­rito Santo em 650 quilĂ´metros subterrâneos. Thibau nĂŁo pensou duas vezes. Partiu pra cima dele. O mineiro deixou imagem folclĂłrica na polĂ­tica nacional. Apesar de tudo, apresentou sugestĂľes louvĂĄveis ao plenĂĄrio, como transporte pĂşblico e assistĂŞncia odontolĂłgica gratuita para os estudantes. Talvez por um histĂłrico de incompreensĂľes, os projetos foram recusados. (NP)

SAIBA MAIS AdmirĂĄvel Mundo Velho, de Alberto Villas (Globo, 2009).

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ambiente polĂ­tico brasileiro estava agitado em 1992. O presidente Fernando Collor de Mello se via no centro de um grande escândalo de corrupção. Entre os denunciadores, o prĂłprio irmĂŁo, Pedro Collor, que o acusava de usar o empresĂĄrio PC Farias como testa de ferro para operaçþes ilegais. O presidente, claro, negava tudo. SĂł nĂŁo esperava de onde viria seu mais eficiente algoz. Tratava-se de Eriberto França, motorista da secretĂĄria de Collor. Em entrevista concedida Ă revista IstoÉ em 24 de junho de 1992, Eriberto revelou que ele prĂłprio pagava as despesas pessoais do presidente com dinheiro de uma conta fantasma mantida por PC. Era a prova final para a CPI instalada no Congresso chegar Ă conclusĂŁo de que Collor era culpado das acusaçþes. Em seu depoimento, o deputado Roberto Jefferson perguntou a Eriberto se ele fazia as denĂşncias “apenas por patriotismoâ€?. “E o senhor acha pouco?â€?, rebateu o motorista. No fim daquele ano, numa sessĂŁo histĂłrica, os deputados aprovaram o impeachment do presidente. (BH) SAIBA MAIS A partir do site do ALMANAQUE, assista a um especial da Globo sobre o impeachment de Collor.

estação colheita O que se colhe em JUNHO

Abacate, banana-prata, caqui, framboesa, melĂŁo, tangerina, tomate. Junho 2009

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PAIXĂƒO NĂƒO TEM IDADE

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A HA /A

la nasceu nos idos dos anos 1930, na comunidade hĂşngara da Vila AnastĂĄcio, em SĂŁo Paulo. Os pais vieram da Europa em 1925, buscando nos trĂłpicos dias sem guerras e com trabalho. Criada sob a rĂ­gida batuta da mĂŁe, Rosa Husak cresceu menina prendada. Cedo descobriu que nascera para amar. Aos 14 anos caiu de amores por JosĂŠ. A paixĂŁo mal brotou e foi podada pela raiz. “Minha mĂŁe nĂŁo aceitou o namoro porque ele nĂŁo tinha dinheiro para ficarmos juntosâ€?, relembra Rosa. JosĂŠ prometeu voltar com fortuna no bolso quando a amada completasse 18 anos. Rosa sonhou dias a fio. Guardou o amor no peito e seguiu a vida ao desejo da enĂŠrgica mĂŁe. Aos 17, fugiu. Casou-se Ă s escondidas com AndrĂŠ, na tentativa desesperada de conseguir liberdade. O enlace durou apenas trĂŞs meses. O casal foi descoberto pela mĂŁe, que obrigou Rosa a voltar para casa e esperar melhor partido. Antes de o novo pretendente aparecer, JosĂŠ voltou Ă procura da prometida. Com o coração despedaçado, a moça correu para se esconder. “Senti vergonha. Ele cumpriu a parte dele e veio me buscar. E eu nĂŁo esperei por eleâ€?, lamenta. Aos 20 anos, Rosa aceitou o pedido de Santo, soldador com o dobro de sua idade. Era a saĂ­da para se desvencilhar da barra da saia da mĂŁe. Juntos, construĂ­ram uma histĂłria e uma famĂ­lia com trĂŞs crianças. Santo faleceu 17 anos depois. Deixou Rosa com os filhos para sustentar e uma dĂ­vida

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Rosa e o “caboclo� Luis.

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sem fim. Ela era mĂŁe e pai ao mesmo tempo. Trabalhava de sol a sol na fĂĄbrica de rendas. Ali perto conheceu Luiz Carpi. Convicta de que todo dia ĂŠ um novo começo, permitiu-se namorar. NĂŁo demorou para Luiz estreitar os laços e pedi-la em casamento para os filhos. BĂŞnção concedida, 33 anos de uniĂŁo. Rosa amou o marido, mas amava mais a si mesma. Aos 70 anos, incomodada com as confusĂľes do companheiro, expulsou-o de casa. Com os filhos criados, dedicou-se Ă assistĂŞncia social. Ajudou pessoas doentes, carentes do carinho que ela sempre teve de sobra para compartilhar. Uma tarde, na sala de espera de um hospital, Rosa encontrou Somar. E, nos olhos dele, o amor que queria para si mesma. “Senti um tremelique, um relâmpagoâ€?, revela. Somar era uruguaio, um mĂĄgico que correu mundo encantando o pĂşblico. Encantou Rosa. Por trĂŞs anos, viveram uma paixĂŁo de cinema. Ela, aos 73. Ele, aos 85. Foram felizes atĂŠ o dia em que o coração de Somar se cansou de bater. Um pedaço de Rosa partiu com ele. Para ocupar corpo e alma, ela concentrou-se no trabalho voluntĂĄrio e em atividades recreativas em Campo Limpo Paulista, interior de SĂŁo Paulo. Esbarrou em outro Luis. De conversa em conversa, o “cabocloâ€? prometeu conquistĂĄ-la. “E conquistouâ€?, admite. Aos 83 anos, de marido novo, dona Rosa agarra a felicidade com unhas e dentes. Renova sonhos a cada minuto. Ela sempre soube que nasceu para amar e vai (LaĂ­s Duarte) morrer amando. SAIBA MAIS Confira no site do ALMANAQUE outras fotos de dona Rosa.

segunda terça quarta quinta sexta såbado domingo segunda terça quarta quinta sexta såbado domingo segunda terça quarta quinta sexta såbado domingo segunda terça quarta quinta sexta såbado domingo segunda terça

Justino Erasmo Carlos Crispim Ă‚ngelo ClĂĄudio de Jura Marcelino Medardo JosĂŠ de Anchieta OlĂ­via BarnabĂŠ Onofre AntĂ´nio de Lisboa Eliseu Germana Julieta Ranieri de Pisa GregĂłrio Barbarigo Romualdo Adalberto LuĂ­s Gonzaga TomĂĄs Moro Agripina JoĂŁo Batista MĂĄximo PelĂĄgio Cirilo de Alexandria Irineu Pedro Marçal

Santo AntĂ´nio de Lisboa Um dos santos mais populares do mundo, o franciscano viveu no sĂŠculo 13 e tambĂŠm ĂŠ conhecido como AntĂ´nio de PĂĄdua, onde morou na ItĂĄlia. Era chamado de “incansĂĄvel martelo dos heregesâ€? por converter milhares de pessoas ao catolicismo com pregaçþes e milagres. AlĂŠm de santo casamenteiro, ĂŠ padroeiro do Brasil.


Tide cultivou a dor e o prazer de ser o que somos

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POR ELIFAS ANDREATO

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uando fizemos a lista dos artistas que criariam as 12 capas comemorativas dos 10 anos do ALMANAQUE, o nome de Tide Hellmeister figurava entre os primeiros. Mas a encomenda ficou para depois, e Tide nos deixou no fim de 2008. Ainda assim, como homenagem pĂłstuma, ele estampa a capa desta edição de junho. O conheci quando ele era diretor de arte da Ăšltima Hora Dominical, comandada pelo jornalista Alberto Helena Jr. Tide foi um dos meus primeiros mestres. Com ele fiz as primeiras experiĂŞncias com desenhos coloridos em capas de jornal. As primeiras feitas no Brasil. A edição dominical do Ăšltima Hora durou pouco, mas considero oficialmente meu inĂ­cio de carreira como ilustrador o ano de 1969, quando Tide, cĂşmplice e conselheiro, me encorajou a ir em frente. Seguimos por caminhos diferentes, mas sempre de olho um no outro. Cada

peça que eu via assinada por ele, e foram muitas, sentia imensa alegria. AlÊm de uma inveja danada. Queria mesmo era ser tão bom quanto ele. Tide deu à colagem e à tipografia status de obra de arte. Era um criador compulsivo; ilustrador, calígrafo, pintor. Um gråfico, no sentido mais amplo dessa palavra, que define o seu ofício e o meu. Ele foi e sempre serå referência a todos que optarem por essa profissão no Brasil. Nenhum outro artesão levou tão a sÊrio a dor e o prazer de ser um artista gråfico.

SAIBA MAIS Confira um vĂ­deo e outros trabalho de Tide no site do A LMANAQUE .

pressĂŁo

Origem da ex

A TOQUE DE CAIXA

cionada A palavra “caixaâ€?, aqui, estĂĄ rela do com os instrumentos da famĂ­lia avam tum cos a tambor. Toques de caix Em is. preceder as proclamaçþes rea ressĂŁo, Portugal, onde se originou a exp uma quando alguĂŠm era expulso de o cidadĂŁo e es bor cidade, rufavam os tam e. Ou ent tinha que ir embora rapidam seja, a toque de caixa.

O SENHOR É MEU CASTOR

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Bicheiro folclĂłrico foi estampado na camisa do Bangu

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hino do clube avisa: O Bangu tem tambĂŠm como divisa na camisa / O vermelho sangue a brilhar. A partir de 1981, outro sĂ­mbolo passou a marcar presença no uniforme da equipe do subĂşrbio carioca: a imagem de um castor – uma homenagem ao bicheiro Castor de Andrade, personagem que se definia como “um homem ligado Ă s coisas mais populares desse amado Brasil: futebol, samba e jogo do bichoâ€?. Em 1980, como presidente do conselho deliberativo, Castor começou a soltar dinheiro para contratar bons jogadores. JĂĄ no primeiro ano, Ăłtimos resultados, e o clube ganhou o direito de disputar a primeira divisĂŁo do campeonato brasileiro, a Taça de Ouro. Mas os crĂ­ticos diziam que faltava peso Ă camisa para enfrentar os grandes times do PaĂ­s. Castor entĂŁo resolveu dar um jeito nessa histĂłria: mandou estampar o

bichinho no uniforme, uma forma de “dar importância Ă camisaâ€?. Mesmo com o castor, o Bangu acabou eliminado na segunda fase da Taça de Ouro. Os investimentos, porĂŠm, nĂŁo cessaram. O grande momento do clube viria em 1985. Com um time habilidoso, o Bangu surpreendeu e fez a final contra o Coritiba. O jogo decisivo foi no MaracanĂŁ, e contou com o apoio de todas as torcidas cariocas. Mas o time saiu derrotado. ApĂłs ser preso em 1993, Castor se afastou do cargo. Morreu em 1997. No mesmo ano, o mascote foi retirado da camisa. O Bangu nunca mais foi o mesmo sem o dinheiro do jogo ilegal. Nos tempos de bonança, faixas com a adaptação de um famoso salmo da BĂ­blia eram expostas no estĂĄdio de Moça Bonita: “O Senhor ĂŠ meu Castor e nada me faltarĂĄâ€?. (BH)

SAIBA MAIS Site com a histĂłria do Bangu, mantido por torcedores: www.bangu.net Junho 2009

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Fases da Lua

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SertĂŁo une falantes de portuguĂŞs que o mar separou

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JP SimĂľes, Filipe Mukenga, Elizah e Roberto IsaĂ­as.

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comandante do voo Fortaleza - Juazeiro do Norte avisa que o aviĂŁo nĂŁo poderĂĄ descer. A chuva forte obriga a voltar Ă capital cearense. Antes mesmo das palavras serem repetidas em inglĂŞs, trĂŞs estrangeiros a bordo jĂĄ entenderam o recado. Nossa lĂ­ngua ĂŠ a mesma que a deles, naturais que sĂŁo de Moçambique, Portugal e Angola. Stewart Sukuma, JP SimĂľes e Filipe Mukenga iam ao encontro dos brasileiros Elizah, Paulo BrandĂŁo e do moçambicano Roberto IsaĂ­as para uma sĂŠrie de shows com representantes de diferentes paĂ­ses de lĂ­ngua portuguesa. O palco-destino era em Nova Olinda, cidade de apenas 13 mil habitantes no sertĂŁo do Cariri. A viagem dos africanos durou trĂŞs dias inteiros, somando embarques, voos e infindĂĄveis esperas em aeroportos. Os contratempos, porĂŠm, foram logo esquecidos. No show de despedida, cantavam em coro, de improviso: “Nova Olinda vai deixar saudade. É tanto mar, mas a gente vai voltarâ€?. Edson Natale, coordenador do ItaĂş Cultural, estava lĂĄ para dar uma palestra. “Acho que atĂŠ demorou para acontecer um encontro como esseâ€?, comentava ao final. As apresentaçþes fazem parte do projeto de “formação de plateiaâ€? da Fundação Casa Grande, que recebe crianças da cidade interessadas na estação de rĂĄdio, na editora de gibis, na devedeteca, ou, simplesmente, em brincar o dia todo. Tudo gerenciado por eles prĂłprios. Abanda, conjunto formado por meninos da Casa Grande, acompanhou todos os mĂşsicos.

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Quando tem espetĂĄculo no teatro, a população inteira ĂŠ convidada. E se empolga. A apresentação de Elizah, por exemplo, acabou ao som de “mais umâ€?. Os meninos pediam Ă s mĂŁes para voltar no dia seguinte. E a plateia estava formada. O angolano Mukenga dizia “Daqui um cadoâ€? e depois lembrava: “Aqui vocĂŞs falam daqui a poucoâ€?. JP SimĂľes, de Portugal, chamava as cançþes de “temasâ€? e, ao convidar a brasileira Elizah para uma participação especial, teve que esperar – ela demorou a entender que se tratava de um convite. Apesar disso, era o portuguĂŞs que os unia. O mesmo acontece dentro dos prĂłprios paĂ­ses, lembrou Sukuma. “Em Moçambique, temos 20 lĂ­nguas diferentes. Se nĂŁo fosse o portuguĂŞs, seria muito mais difĂ­cil nos entendermos.â€? A bem da verdade, a prĂłpria Elizah, gaĂşcha, precisou traduzir palavras de suas cançþes aos brasileiros do Nordeste: “Sanga ĂŠ um açude pequeno; querĂŞncia, uma espĂŠcie de sĂ­tioâ€?, explicou, antes de cantar Negrinho do Pastoreio, de Luiz Carlos Barbosa Lessa. Durante a estada, os mĂşsicos visitaram vĂĄrias comunidades para conhecer as manifestaçþes da cultura local: maneiro-pau, reisado, banda cabaçal. Sukuma, que em seu paĂ­s mal consegue ir ao shopping por causa dos fĂŁs, sentiu-se em casa. “Andando nas ruas, parecia que eu estava em Moçambique. AlĂŠm da mesma lĂ­ngua, nĂŁo senti diferença nem quanto Ă comida, nem ir il o . s tr e C a e me m u (NP) quanto Ă s pessoas.â€? k Su

SAIBA MAIS No site do ALMANAQUE, confira fotos, vĂ­deos e mĂşsicas da Mostra Cariri das Artes dos PaĂ­ses de LĂ­ngua Portuguesa.

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Os sentimentos movem os nascidos em câncer, signo da água regido pela Lua. Cancerianos confiam na própria intuição. Não costumam aceitar sugestões, apesar da sutileza na hora de rejeitá-las. De tão sutis, há quem não entenda suas colocações. Para se dar bem com um deles, além de compreensão, é preciso oferecer segurança. E ter paciência com mudanças repentinas de opinião.

SIR ENCRENCA

Embaixador defendeu marinheiros bêbados em disputa contra o Brasil Questão Christie foi o maior incidente diplomático do segundo reinado brasileiro. Em 1861, o navio inglês Prince of Wales zarpou de Glasgow, na Escócia, rumo a Buenos Aires. Mas a embarcação encalhou próximo ao farol de Albardão, a 87 quilômetros da barra do Arroio Chuí, no Rio Grande do Sul. Toda a carga foi perdida. O que era um mero acidente marítimo se tornou questão diplomática para o embaixador britânico William Dougal Christie. Ele exigiu um ressarcimento do governo brasileiro. Pedido negado por dom Pedro II. A relação entre os países começou a estremecer. A situação degringolou mesmo quando, em 17 de junho de 1862, três marinheiros britânicos foram presos no bairro da Tijuca, no Rio. Bêbados e à paisana, eles causaram uma enorme confusão pela cidade. O embaixador considerou a prisão um desrespeito à Marinha britânica. Exigiu punição aos policiais. Pedido novamente negado. Como retaliação, Christie ordenou que sua Marinha bloqueasse o porto do Rio. Saldo: cinco navios mercantes apreendidos. As ações causaram revolta. Imigrantes ingleses eram hostilizados nas ruas cariocas. Já dom

VICTOR MEIRELLES, QUESTÃO CHRISTIE, MNBA.

A

Questão Christie, de Victor Meirelles.

Pedro II gozou de um dos poucos momentos de popularidade. O povo se orgulhava de o imperador desafiar os poderosos britânicos. Decidiu-se que a questão seria resolvida por um árbitro internacional. O escolhido foi o rei da Bélgica, Leopoldo I. Por “coincidência”, tio da rainha da Inglaterra. Mas, para surpresa geral, a decisão foi favorável ao Brasil. A história acabou? Que nada. Os britânicos ignoraram a decisão e os países romperam relações de vez. Só depois de um ano marcou-se uma audiência, os europeus apresentaram um pedido formal de desculpas e tudo voltou ao normal. Todo o imbróglio deixou apenas uma marca visível. Há gaúchos que juram avistar os restos do Prince of Wales toda vez que a maré baixa. (BH)

SAIBA MAIS Leia sobre a Questão Christie no site do A LMANAQUE .

enigma figurado

ACERVO PESSOAL

A data de nascimento do sergipano ao lado, 12 de junho de 1959, está um mês adiantada. Foi complicado para o pai registrar 20 filhos. Ele cresceu, virou pedreiro, esportista. Escapou do exército fingindo ser louco. Na escola, quando a professora lhe deu uma reguada, respondeu com um safanão na orelha dela. Virou peso-pesado. Ganhou e perdeu por nocaute, aposentou-se. Preencha as lacunas com o seu apelido, saído de um desenho animado.

R.: Confira a resposta na página 30.

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Dia Nacional da Imprensa Dia da Comunidade Italiana (SP) Dia do Divino Dia da Criança Vítima de Agressão Dia Internacional do Cacau Dia do Doador de Órgãos (SP) Dia Nacional da Liberdade de Imprensa Dia do Citricultor Dia Nacional da Imunização Dia da Língua Portuguesa Dia da Marinha Brasileira Dia do Enxadrista Dia Nacional do Turista Dia da Manicure Dia do Paleontólogo Dia da Construção Civil Dia do Funcionário Público Aposentado Dia Internacional do Piquenique Dia do Cinema Nacional Dia do Revendedor Dia do Mel Dia do Orquidófilo Dia do Lavrador Dia do Caboclo Dia do Lixo no Lixo Dia do Detetive Particular Dia do Voleibol Dia do Orgulho e Consciência Homossexual Dia do Pescador Dia do Caminhoneiro

o baú do Barão “Há espertos que se fazem de burros para comer capim.” Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

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EUGÊNIO E CAETANO SCANNAVINO

Saúde, alegria e floresta em pé Em meados dos anos 1980, dois irmãos – um, médico; o outro, engenheiro – embrenharam-se nas matas da região de Santarém, na Amazônia, topando com gente que perdia filhos por desnutrição e nunca tinha visto um “doutor” de perto. Hoje, Eugênio e Caetano comandam o Projeto Saúde e Alegria, que envolve cerca de 30 mil pessoas em ações de saúde, educação, cultura e economia da floresta. “Há cinco anos atingimos as metas do milênio da ONU”, comemora

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Eugênio. “E não ficamos apenas no ideal”, completa Caetano. “Temos exemplos concretos de como

FOTOS: EDI PEREIRA

melhorar a vida na floresta.” Para eles, a Amazônia é

O Brasil conhece a Amazônia? Eugênio – Acho que não. A Amazônia é 60% do Brasil. Um lugar incrível, de grandes contradições. Muita gente tem uma ideia fantástica sobre a Amazônia. Mas a realidade é muito mais fantástica do que a ideia fantástica que as pessoas têm sobre o local. Lá moram 23 milhões de pessoas, 70% em áreas urbanas. Há um importante parque industrial em Manaus. Existem cerca de 70 tribos de índios que nunca tiveram contato com os brancos. Há mais de 5 milhões de pessoas que sobrevivem por meio do extrativismo, povos da floresta como índios, seringueiros, pescadores, castanheiros, catadoras de cocos. Falam-se 120 línguas. É um universo enorme, dinâmico e complexo. Por outro lado, há um processo civilizatório chegando muito rapidamente, de destruição descontrolada. É verdade que a taxa de desmatamento caiu pela metade. Antes devastávamos uma Bélgica por ano. Atualmente, derrubamos “somente” meia Bélgica... www.almanaquebrasil.com.br

o fiel da balança no processo de desenvolvimento do País: “Se conseguirmos resolver as questões da região, vamos mostrar ao mundo que somos o futuro”.

Quais são os motivos de tamanha devastação? Eugênio – A pecuária ainda é o grande incentivador do desmatamento. Mais recentemente, a soja, além da extração ilegal de madeira. Essa pressão econômica expulsa as comunidades do local. A frente de ocupação e destruição começou a subir pelo Mato Grosso para Santarém há uns dez anos. Hoje, lá no Projeto Saúde e Alegria, estamos na fronteira da civilização. De um lado, a destruição dos plantios de soja; do outro, as comunidades tradicionais. As comunidades em que vocês atuam têm consciência da importância da preservação? Caetano – O recurso natural é questão essencial para a sobrevivência deles. Eles vivem numa situação de pouco dinheiro. O cara sai de manhã pra pescar o almoço, à tarde para caçar o jantar. Não há o discurso de que não se deve desmatar porque a árvore é bonitinha, os bichos são fofinhos. É não desmatar


para permanecerem vivos. Eles vêm de uma cultura tradicional muito parecida com a que os índios isolados vivem hoje. Mas não estão numa reserva indígena, com recursos assegurados, políticas públicas próprias. Vivem o processo de degradação ambiental, de pressão sobre a terra, pecuária, latifúndio. Eles não conseguem mais ter a subsistência. Estão deixando de ser extrativistas puros para ser produtores. Precisam gerar renda. A questão social é tão importante quanto a ambiental na Amazônia? Caetano – O desafio social é mais importante do que o ambiental. O pessoal vive no meio da floresta, isolado, com difícil acesso a serviços públicos e num processo de esgotamento de recursos naturais. O foco do nosso trabalho é apoiar essa população a ter mais dignidade, mais qualidade de vida. Fixar a população é uma forma de salvaguardar a floresta. Se todos saírem de lá e migrarem para as cidades, aí sim a floresta poderá ser destruída. A melhor estratégia para salvar a Amazônia é uma estratégia social.

ção. Há melhorias nos últimos anos, mas ainda são insuficientes. É fundamental para nós colocar a questão da juventude como uma das prioridades, porque esses meninos serão as futuras lideranças comunitárias. Quais são os desafios atuais do PSA? Eugênio – Nos últimos anos, atingimos 100% de saneamento e água tratada. Temos sistema de água por energia solar. 98% das crianças estão vacinadas. Atingimos há cinco anos as metas do milênio da ONU, com exceção da parte de educação. A gente chegou num modelo social de alta resolução e custos baixos. A eficiência é alta, multiplicável e reaplicável. O novo desafio é aplicar isso tudo em larga escala. Não adianta resolver o problema de 10 comunidades se não há escala. Um trabalho consistente em escala é o que pode salvar a Amazônia. Mas isso depende de políticas públicas. Nosso trabalho não é substituir o governo, mas gerar tecnologias que inspirem o governo a fazer o seu papel. Caetano – E não ficamos apenas no ideal. Temos exemplos concretos para mostrar como melhorar a saúde, diminuir o desmatamento, manter a população no local.

A melhor estratégia para salvar a Amazônia é a social, é manter o povo na floresta.

Qual a perspectiva dos jovens das comunidades em que vocês trabalham? Eugênio – Muitos deles tinham o sonho de ir para a cidade, não trabalhar mais na roça. Só que acabavam em favelas, consumindo drogas e tendo filhos precocemente. Percebíamos que boa parte negava a cultura local, queriam ser modernos. Falamos pra eles: “Querem ser modernos? Então vamos fazer jornal, rádio, televisão”. E criamos uma rede de comunicação nas comunidades. Após os treinamentos, eles passavam a buscar pautas na própria cultura. Antes, achavam o trabalho comunitário chato. Atuando como jornalistas, fazendo matérias interessantes e divertidas, passaram a ser um dos mais importantes elementos da educação comunitária. Se engajaram. Depois montamos telecentros de internet em diversos pontos. Ao navegar na rede, começaram a perceber que o mundo exterior não é tão bom quanto imaginam. Que tem guerra, violência e, sobretudo, não há floresta. Eles passaram a valorizar o próprio ambiente.

E como esses jovens trabalham, geram renda? Eugênio – O PSA montou um trabalho de microcrédito. Muitos se tornaram padeiros, manicures, cabeleireiros, técnicos em rádio, em mecânica. Há peixe permanentemente porque há manejo. A floresta produz matéria-prima para fazerem artesanato, bolsas. Passaram a vender, a exportar. Com opção de comunicação, entretenimento e renda, viram que eram privilegiados por morar numa comunidade linda, pacífica. Estavam em casa. Nunca esqueço de um jovem que me disse: “Doutor, tinha pensado em sair, mas agora está delicioso ficar na comunidade!”. Caetano – Mas ainda há um considerável problema de educa-

Qual era o quadro quando vocês chegaram? Caetano – Antes, a mortalidade infantil era uma coisa aceitável, quase cultural. Um quadro inadmissível. Se é difícil aceitar a morte de uma criança por doenças graves, imagina por diarreia... Eugênio – As pessoas morriam por coisas muito simples. Não existiam cuidados básicos de saúde. Era um absurdo o alto número de morte por desnutrição. Eu era o único médico no meio daquele mundão de gente. Tinha de resolver todos os problemas. No meio da floresta, com gente que nunca tinha visto um médico, eu não tinha direito de falar: “Desculpa, não posso te atender porque não é a minha especialidade”. Tinha que fazer de tudo. Como foi o começo do projeto? Caetano – Começamos a criar know-how numa escala menor, com apenas 16 comunidades. Só que, a cada pessoa que treinávamos para atuar conosco, ela acabava multiplicando o saber entre mais pessoas. Surgiam voluntários, que começavam a repassar o conhecimento para comunidades vizinhas. É o processo de multiplicação horizontal, pelo simples motivo que eles se identificaram e queriam o projeto. Hoje atendemos zonas rurais de quatro municípios: Belterra, Aveiro, Santarém e Juruti. São mais de 30 mil pessoas, que devem ser ampliadas para 40 mil em dois anos. Eugênio – A população começou a confiar no projeto. O conhecimento técnico passou a se misturar ao saber popular deles. E dessa mescla foram surgindo os nossos métodos. Quando começamos, não havia modelos para nos inspirar. Nem sequer sabíamos que éramos uma ONG. Junho 2009

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Uma das ações é montar circos nas comunidades. Como funciona isso? Eugênio – O circo é uma forma de dar equidade, de mostrar que são todos iguais. Na hora da consulta com um médico, mesmo que involuntariamente, cria-se uma relação de poder. Já no picadeiro todos são iguais. É um processo de construção coletiva, construção multilateral de saber. O saber não tem dono, não tem verdade absoluta. A verdade é construída conjuntamente. Caetano – Os nossos grupos de educadores, professores, médicos e agentes de saúde chegam na comunidade durante o dia. Às vezes, já vestidos de palhaço. Cada um tem que desenvolver suas ações “sérias” durante o dia. Mas com um propósito: preparar alguma esquete para apresentar à noite no circo. Pode ser música, poesia, piadas, brincadeiras. É um circo-processo. E esse processo é tão importante quanto o produto final. Todo mundo é espectador e todo mundo é artista.

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A brincadeira é um remédio eficaz? Eugênio – Sim, e muito. Quase 80% dos casos atendidos em clínicas médicas são psicossomáticos. Ou seja, causados por fatores psicológicos. Imagina uma mulher para quem ninguém dá atenção, trabalha duro e não é reconhecida, não tem caRinho do marido. Só prestam atenção nela quando fica doente. Aí chega no consultório cheia de choramingos. Se percebo que o problema não é nada sério, receito: “Prepare uma esquete para o circo”. À noite ela está numa felicidade, cantando e dançando. A dor vai embora. É importante estimular o potencial criativo das pessoas. Saúde é alegria, é capacidade de criar, é vontade de interagir com o mundo. Como funciona o barco-hospital que percorre as comunidades? Eugênio – Ele está conosco há três anos. É um barco-hospital de alto nível. Possui tecnologia holandesa e é adaptado para a região. Dentro da embarcação há unidades semi-intensivas, odontológicas, laboratoriais, com médicos e estagiários de grandes universidades do País. Fazemos jornadas cirúrgicas. E não é aquele papo de atender a população e voltar meses e meses depois. Voltamos a cada 33 dias. O barco atende melhor que muito hospital de São Paulo. Quais são os custos do projeto? Caetano – Em média, o projeto custa 100 reais per capita por ano. Muito pouco. Boa parte do dinheiro é investimento direto das empresas para ações específicas. Há doadores que estão há muito tempo conosco. É, de certa forma, uma relação estável. Mas, em outros tempos, já falimos três vezes. www.almanaquebrasil.com.br

A mais grave foi logo após o Plano Collor. Tivemos que usar a herança do nosso pai para manter o projeto em pé. Só sobrevivemos porque a população se mobilizou, se apropriou do PSA. Eles se identificaram com a gente. E teve outro lado bom: pelo trauma da falência, aprendemos a fazer ações de alto impacto e baixo custo. Hoje trabalhamos de maneira extremamente profissional. Há auditorias praticamente durante o ano inteiro. Outro destaque é a exposição itinerante sobre a Amazônia. Como ela surgiu? Eugênio – A exposição Amazônia Brasil surgiu quando participamos ativamente da formação do Grupo de Trabalho Amazônico, integrada por cerca de 600 ONGs e povos da floresta. Percebemos que os povos amazônicos precisavam se comunicar com o mundo exterior. Todo mundo fala de Amazônia, é uma pauta mundial, mas ninguém sabe exatamente como são as coisas por lá. Então, junto com o GTA, montamos a exposição. É uma exposição grande, com vilas amazônicas completas, maquetes, mapas interativos, cenas de queimadas. Montamos em Paris, Nova Iorque, São Paulo, Rio de Janeiro, China, Alemanha... O mundo precisa saber que ninguém vai salvar a Amazônia só com artesanato. Temos que salvar com tecnologia, design, mercado contemporâneo, tecnologias sustentáveis. A Amazônia é contemporânea, moderna, viável. Tem conceito e mercado. O que não tem é organização e incentivo da produção, capacitação dos produtores, sensibilidade do mercado. Queremos mostrar ao mundo que a Amazônia é viável ao universo contemporâneo. Pra terminar, o que é brasilidade para vocês? Caetano – Este país é muito alegre. Tanto faz se está numa comunidade amazônica, num bairro bonito do Rio ou na periferia de São Paulo. Um sujeito que ganha meio salário-mínimo, tem oito filhos para criar, pega três conduções para realizar um trabalho chato, ainda consegue voltar pra casa, olhar os filhos e ter a capacidade de sorrir. Viajo muito, e percebo que esta é uma característica brasileira. Não abrimos mão da felicidade. Continuo achando que este é o país do futuro. E esse futuro está começando a chegar. Eugênio – O Brasil tem todos os elementos que o futuro vai precisar, como natureza, alegria, humildade. Temos tudo para dar certo. E a Amazônia, para mim, é o fiel da balança. Nenhum dos países que são apontados como as novas potências mundiais têm uma “agenda ecológica”. Nós somos os únicos. Se conseguirmos resolver as questões que se colocam na região, vamos mostrar ao mundo que somos o futuro.


Marisa Monte e os mistérios da Portela Marisa Monte sempre esteve ligada à Portela. Em 1998 visitou muitas vezes a escola para buscar sambas para o disco Tudo Azul. Porém, bem sabia que em apenas um CD não conseguiria dar conta do rico repertório dos compositores portelenses. Para evitar que grandes músicas, histórias e personagens se perdessem, voltou à escola anos depois para registrar em filme a obra e a memória dos principais integrantes da Velha Guarda. Depois de uma breve temporada nas telas, O Mistério do Samba sai agora em DVD.

O filme, dirigido por Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, tem apresentação de Marisa e participações de portelenses ilustres como Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, Monarco e Tia Surica. Os entrevistados lembram de histórias, contam causos e, claro, soltam a voz. Um dos destaques é o dueto de Marisa e Paulinho – um resumo singelo e definitivo do sentimento dos apaixonados pela escola de samba: Em teus livros tem tantas páginas belas / Se eu for falar da Portela / Hoje não (BH) vou terminar...

Minha Embaixada Chegou

Com personalidade, Nenê Cintra interpreta sambas das mais variadas vertentes. Entre os compositores, Chico Buarque, Noel e Lenine.

Pra Iluminar

Registro da série de shows realizados em São Paulo por Leila Pinheiro e Eduardo Gudin. Entre os destaques, Velho Ateu e Paulista.

No Chão sem o Chão Do samba ao rock psicodélico, Romulo Fróes lança um álbum duplo com 33 músicas, buscando novos caminhos para a canção nacional.

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Lembranças de viagem: casal reúne pérolas Brasil afora Heitor e Silvia Reali andam juntos por todos os cantos deste País atrás de preciosidades. Na volta de cada jornada, têm sempre um relato preciso e sensível dos lugares por onde pisaram, logo registrado na seção Viva o Brasil deste ALMANAQUE. Agora boa parte do acervo de tesouros (ainda em construção, mas bem grande) originou o livro Viva o Brasil. Lá estão exploradas 19 localidades das cinco regiões brasileiras, com textos, fotos e pinturas, tudo feito em conjunto pela dupla. Há também um capítulo dedicado a personagens que, anonimamente, no dia a dia, vão construindo nossa identidade.

A crença de que as maiores riquezas brasileiras são sua gente, sua terra, seus costumes e suas tradições permeia as páginas. Elas trazem geografia, história e cultura com humanidade. Mostrando um retrato atual das cidades, deixam dicas de feiras, hotéis e restaurantes para quem quiser seguir seus passos. O lançamento faz parte das comemorações de 10 anos do ALMANAQUE, completados em abril. A seção Em se Plantando, Tudo Dá, sobre espécies vegetais nacionais, também foi parar nas prateleiras. (NP) Editora Leitura, 132 p., R$ 49,90

Eu Era Assim

Flávio Paiva O educador cearense reúne crônicas para propor um novo velho jeito de formar as crianças: com a valorização da cidadania e da cultura nacional. Cortez, 336 p., R$ 42

Batuqueiros da Paulicéia

Osvaldinho da Cuíca e André Domingues Para enterrar de vez a ideia de que São Paulo é o túmulo do samba, o livro traz a história do ritmo na pauliceia. Barcarolla, 216 p., R$ 34

Os Brasileiros

André Toral Sete histórias em quadrinhos narram o choque cultural entre portugueses e índios, desde a extração do pau-brasil até a criação de latifúndios. Sempre sob o ponto de vista indígena. Conrad, 88 p., R$ 38 Junho 2009




Um artista de jardins Por Bruno Hoffmann

ARQUIVO DO ESTADO

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O

Ele é o paisagista mais importante do Brasil. Atuando ao lado de arquitetos e urbanistas como Lucio Costa e Oscar Niemeyer, conferiu status de obra de arte a jardins espalhados pelo mundo. Dando especial atenção à flora do País, deixou sua marca em alguns dos principais projetos da arquitetura moderna brasileira.

ano era 1929. O jovem Roberto Burle Marx cami caminhava diariamente pelas ruas de Berlim, cidade onde estava para estudar pintura. Tinha um lo local preferido na capital alemã, um parque público de nome quase impronunciável: Botanischer Garten Und Botanisches Museum Berlin-Dahlem. Ou, simplesmente, Jardim Botânico de Berlim, um dos mais importantes centros europeus de pesquisa botânica. O rapaz era fascinado pela diversidade da vegetação, composta de exemplares de todo o mundo. Mas uma estufa que reproduzia o clima tropical brasileiro o marcava em especial. Lá, a milhares de quilômetros da terra natal, emocionava-se com a delicadeza das bromélias e outras plantas nacionais. Nascia ali o desejo de trabalhar com paisagismo, atividade que o tornaria em pouco tempo um dos mais importantes nomes da área. A cidade europeia também o despertou para as diferentes faces

o www.almanaquebrasil.com.br

das artes. Essa base cultural seria fundamental para sua criação futura. Décadas depois, diria: “Detesto a ideia de que paisagista só deve conhecer plantas. Ele tem que saber quem é Miró, Michelangelo, Picasso, Renoir. O importante é não se circunscrever numa coisa só. A vida é a gente saber observar, absorver. Nunca perdi a curiosidade pelas coisas”. Circunscrever-se numa coisa só é algo que passou longe de sua vida. Foi desenhista, pintor, tapeceiro, ceramista, pesquisador, criador de joias.

A volta para o Rio

Apesar de ter nascido em São Paulo, Burle Marx viveu no Rio de Janeiro desde os 5 anos. Considerava-se carioca. Após o período na Alemanha, voltou à cidade para estudar na Escola de Belas Artes. Foi contemporâneo de gente como Oscar Niemeyer, Hélio Uchôa e Milton Roberto. Todos se tornariam destaques na


“O importante é não se circunscrever numa coisa só. A vida é a gente saber observar, absorver. Nunca perdi a curiosidade pelas coisas.” arquitetura moderna brasileira. Também era amigo de Lucio Costa, que mais tarde seria um dos criadores de Brasília. Mas a amizade não começou na faculdade. Vinha de infância – os dois eram vizinhos no bairro do Leme. Em 1932, Burle Marx assinou o projeto do jardim de uma casa desenhada por Costa. Era o primeiro dos mais de dois mil que produziria vida afora. Logo tornou-se conhecido, com seus jardins inspirados em vanguardas artísticas. “Sou um artista de jardins”, definia. Ele é o responsável pela popularização das bromélias, extensivamente usadas em seus projetos. Gostava de plantas baixas, em projetos que lembravam telas abstratas. Mas se irritava quando comparavam suas obras paisagísticas a pinturas. “É uma grande besteira. Cada modalidade artística tem uma maneira própria de ser expressada”, dizia.

Consagração

Uma equipe talentosa, audaciosa e, sobretudo, ansiosa por modernidade foi a responsável pelo projeto do Edifício Gustavo Capanema, que seria a sede do Ministério da Educação e Cultura, no centro do Rio. Era comandada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer, entre outros, com supervisão do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. O prédio se tornaria um marco da moderna arquitetura brasileira. O terraço-jardim do edifício ficou a cargo de Burle Marx. As formas sinuosas e a vegetação nativa, com espaços contemplativos, era algo inédito no País. Entregue em 1947, foi o primeiro grande momento de consagração do paisagista. Em 1949, comprou um sítio em Barra de Guaratiba. O local possuía 365 mil metros quadrados, nos quais organizou uma enorme coleção de plantas. Lá buscava inspiração e matériaprima para as criações. Em 1985 doou o sítio e todo o acervo

à Fundação Nacional Pró-Memória, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Parcerias com Niemeyer

Desde a faculdade, Burle Marx mantinha amizade com Oscar Niemeyer. E, a partir dela, se tornaram parceiros em vários projetos: complexo da Pampulha, Eixo Monumental de Brasília, Museu de Arte Moderna do Rio. Também assinou o paisagismo original do parque Ibirapuera, que não foi completamente executado. Outro destaque é o projeto do Parque do Flamengo, concebido em 1961 em uma área de 1,2 milhão de metros quadrados. Seu talento foi reconhecido por diversas instituições internacionais. Em 1971, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Academia Real de Belas Artes de Haia, na Holanda, e do Royal College of Arts, de Londres. Em 1991, foi dedicada a ele a primeira exposição de paisagismo do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. “Marx era um verdadeiro gênio”, definiu o curador William Howard Adams. “Ele tratava o design de paisagens como um parceiro igual da arquitetura, não como pano de fundo ou decoração.” O paisagista morreu em 4 de junho de 1994, deixando projetos espalhados por 17 países. Em 2009, como homenagem pelo centenário de seu nascimento, houve o tombamento de 88 jardins cariocas assinados pelo artista. Quase todos em áreas públicas, livres para quem quiser conhecer a obra de um dos artistas brasileiros mais importantes do século 20. SAIBA MAIS Nos Jardins de Burle Marx, de Jacques Leenhardt (Perspectiva, 2006). No site do Almanaque, assista a uma reportagem sobre o centenário do artista.

O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO

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ESPECIAL

texto: Natália Pesciotta e Bruno Hoffmann arte: Paula Chiuratto

Brasil no papo

O que têm em comum Einstein, Gregório de Matos e Lampião? Rainha Elisabeth e barão do Rio Branco? Dom Pedro I e Viola? A resposta está no papo: comida. Neste Especial, temperado com curiosidades, mitos e causos, reunimos histórias de ilustres personagens e nossas saborosas iguarias. Bom apetite.

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“Saber por que maneira um povo come é penetrar na sua vida íntima, conhecer o seu gosto, apreciar o seu caráter. Comer é revelar-se.” Se é mesmo verdade o que defende João Chagas (primeiro primeiro-ministro da Primeira República de Portugal; mas brasileiro), o Brasil é mesmo um país múltiplo. Em nosso cardápio cabe de tudo, numa mistura espetacular capaz de unir num mesmo prato receitas dos quatro cantos do mundo. O que dizer do vatapá, criado a partir de receitas africanas, com pitadas europeias e toques indígenas? Para o poeta Gregório de Matos, é o próprio Brasil em forma de comida. Por aqui, a pizza italiana ampliou seus contornos, o sushi tomou novos gostos, o hot-dog ganhou até purê de batata. Mas há também fronteiras e tradições. Os pampas são famosos pelo churrasco. Minas, pelas iguarias no fogão de le-

nha. Carne de sol no sertão, pato no tucupi no Pará, peixes de todo tipo no Centro-Oeste. E muitas outras delícias de Caburaí ao Chuí (já falamos por aqui que o Brasil vai além do Oiapoque). Mas, a despeito de tanta variedade e fartura, há um denominador comum: “O feijão é fator de unificação brasileira”, proclamou Gilberto Freyre. Panelas de todos os cantos confirmam. Neste Especial, viajamos no tempo e pelo Brasil, ligando personagens e iguarias. Já ouviu sobre os maus modos de dom João? E, por falar em majestade, da paixão da rainha da Inglaterra por bacuri? Ou das agruras de Einstein com a pimenta? Talvez conheça as origens da feijoada nas senzalas (melhor esquecer o que aprendeu na escola...). Sente-se à mesa, o Brasil já está servido.

Einstein, vatapá e pimenta “Einstein comeu, hontem, vatapá com pimenta.” A manchete é de O Jornal de 12 de maio de 1925. Albert Einstein estava no Brasil, em meio a maratonas sem fim de homenagens, passeios e conferências – que ele achava um tanto chatas, diga-se de passagem. Num almoço, resolveram oferecer vatapá ao alemão. Com um aviso: “Cuidado com a pimenta”. Einstein, porém, não mediu a mão com o tempero. Queimou a língua e começou a suar. Educado, disse que apreciou o quitute, enquanto co mia salada de folhas para aliviar o calor. Anotou em seu diário de viagem: “Visita ao manicômio, cujo diretor é mulato e uma pessoa especialmente virtuosa. Com ele, almoço brasileiro com muita pimenta”. Por

superstição, Lampião não comia vatapá. E ninguém do bando podia comer – ordem de Virgulino.

Brasil comestível

“O vatapá é o Brasil em forma de comida”, sentenciou o poeta Gregório de Matos. Não à toa. O prato foi criado a partir de receitas africanas, como muambo de galinha e quitande de peixe, com ingredientes cultivados por indígenas e outros trazidos pelos europeus. Mereceu até receita-canção de Dorival Caymmi: Quem quiser vatapá, ô / Que procure fazer / Primeiro o fubá / Depois o dendê / Procure uma nêga baiana, ô / Que saiba mexer... E trata de completar a lista de ingredientes: castanha de caju, amendoim, camarão, coco. Pra temperar, gengibre, cebola. E pimenta.

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Quem nunca comeu gelado, quando come queima a língua

A rainha e o bacuri Se Einstein queimou a boca, a rainha Elizabeth II refrescou o paladar em terras tupiniquins. Em visita ao Rio em 1968, também cumpriu uma longa lista de eventos oficiais. Pausa só para visitar a Confeitaria Colombo. Ficou encantada com o sorvete de bacuri, fruta exclusiva da Amazônia. “Ela gostou tanto que levou várias latas de polpa da fruta para Um pouco maior que a Inglaterra”, conta Orlando uma laranja, doce e Duque, o garçom que atendeu cheiroso, o bacuri já foi a comitiva, hoje aos 72 anos. sobremesa dos grandes

Os primeiros sorvetes desembarcaram no Brasil na década de 1830. Mas não agradaram. Nossos ancestrais achavam que o alimento queimava a língua. Já o primeiro carregamento de gelo chegou quatro anos depois. Um italiano pediu autorização para produzir gelo com uma máquina pneumática. O primeiro requerimento foi negado pelo Império, por dizer sobre o “gosto sensual” do gelado. Só com o texto rescrito a autorização foi concedida.

banquetes oficiais oferecidos pelo Brasil. Era a fruta preferida do barão do Rio Branco, que acrescentou a compota ao cardápio do Itamaraty. Dizia que tinha “gosto de flor”.

O governador Diogo de Sousa fez sorvete de chuva em Porto Alegre. Aproveitando as geadas, comuns nos idos de 1812, cristalizou um sumo de frutas cítricas em pleno ar livre.

Se a Colombo falasse... Se os salões em estilo art nouveau da Colombo falassem, teriam muito a contar. Ao menos sobre comida. Era lá que Getúlio Vargas deliciava-se com quindins e Rui Barbosa devorava pratos de vatapá. Villa-Lobos, filho da engomadeira da casa, adorava filé mignon com batatas, presunto e fios de ovos. Foi lá, por sinal, que começou a tocar em público. Carmen Miranda pedia camarão ensopadinho com chuchu, e a maestrina Chiquinha Gonzaga, velouté de palmito – uma espécie de sopa cremosa.

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“Eles só comem esse inhame” Quando Pedro Álvares Cabral chegou por estas bandas, os índios já se esbaldavam com a mandioca – e aproveitavam da folha à raiz. Na Carta de Achamento do Brasil, Pero Vaz de Caminha explica sobre os hábitos alimentares dos índios ao rei de Portugal: “Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito”. A mandioca é chamada de formas diferentes Brasil afora. No Nordeste, é macaxeira. No sul, aipim. E ainda é conhecida em outras regiões por macamba, pau de farinha, uaipi e pão de pobre.

O cientista austríaco Johann Baptist Emanuel Pohl chegou ao Brasil em 1817. Foi o primeiro a estudar a mandioca. E pela versatilidade do alimento, cunhou o nome científico: Manihot utilissima.

Durante a primeira Assembleia Constituinte, em 1823, os eleitores tinham de provar ter ao menos 150 alqueires de mandioca para poder votar. Os candidatos a deputado, 500; os a senador, mil.

Para Câmara Cascudo, a mandioca é “a rainha do Brasil, o basalto fundamental na alimentação brasileira”.

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O monarca comilão Dom João VI e a família real chegaram ao Brasil em 1808. À parte das questões políticas, o monarca entrou para a história por ter um apetite de leão. Era capaz de devorar seis frangos por dia, três no almoço e três no jantar. E tinha o estranho hábito de guardar os ossinhos nos bolsos. A comitiva real incluía o cozinheiro português José da Cruz Alvarenga. Quase um ídolo de dom João. “Só o Alvarenga sabe fazer os frangos como eu gosto.” Mas não eram apenas os galináceos que encantavam o rei. Após o jantar, costumava devorar três mangas como sobremesa.

Quem avisa amigo é: juntar manga com leite pode até acabar em tragédia. Será? Tudo história da carochinha... Ou melhor, dos senhores de engenho. Os escravos se alimentavam muito de manga. Para diminuir o consumo de leite, os fazendeiros propagaram o mito.

O frango foi considerado símbolo do Plano Real. O quilo custava menos de 1 real em 1994.

Pedro I gostava mesmo de arroz com feijão

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Se João VI era louco por frango e manga, seu filho, Pedro I, não dispensava um bom prato de arroz com feijão. Certo dia, a comitiva real visitaria um fazendeiro, que mandou preparar um almoço cheio de pompa. Só que o imperador chegou antes do previsto. Sem se identificar, entrou na casa e disse à cozinheira: “Estou com muita fome. Há algo para comer?”. A resposta: “Ó moço, posso dar algo simples, porque estou esperando o imperador”. E preparou um prato rápido: arroz, feijão, carne e aguardente. O fazendeiro tomou um baita susto ao ver o imperador tomando cachaça com os empregados.

O feijão carioquinha leva este nome por lembrar as listras das calçadas de Copacabana.

Em 1997, o centroavante Viola rescindiu o contrato com o clube espanhol Valência. Confessou um dos motivos: “Tenho saudade do feijão brasileiro”.

Quem inventou a feijoada? Esta você certamente já ouviu: com as partes desprezadas do porco, os escravos criaram a brasileiríssima feijoada... Pode raspar o orgulho do prato. A iguaria consumida toda quarta e sábado, na verdade, tem origem europeia. Três evidências: Os pertences que integram a feijoada eram, sim, apreciados pela população branca brasileira. A alimentação dos escravos restringia-se a mandioca, farinha e frutas. Durante o século 19, restaurantes “respeitáveis” anunciavam a deliciosa “feijoada à brasileira” – situação que dificilmente ocorreria se o prato fosse identificado com escravos.

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“Uma boa feijoada é aquela que inclui uma ambulância na porta”, sintetizou Stanislaw Ponte Preta.


O brigadeiro que inventou o brigadeiro Doce Coralina Cora Coralina vendia doces em sua terra natal, Cidade de Goiás. Fez fama pelos quitutes deliciosos, como o disputado doce de figo, e por declamar versos aos clientes. Considerava mais importante seu talento culinário que os versos que escrevia, como confessa neste poema: Sou mais doceira e cozinheira / Do que escritora, sendo a culinária / A mais nobre de todas as Artes: / Objetiva, concreta, jamais abstrata / A que está ligada à vida e à saúde humana.

Eduardo Gomes desafiou o governo no episódio conhecido como Os Dezoito do Forte, liderou a criação do Correio Aéreo Nacional e por duas vezes foi ministro da Aeronáutica. É, inclusive, o patrono da Força Aérea Brasileira. Mas o brigadeiro está mesmo na boca do povo por ter inventado um dos mais conhecidos doces nacionais: o brigadeiro. Na 2ª Guerra, o Brasil vivia o racionamento de alimentos como açúcar, leite e ovos. Foi quando o militar descobriu no que a mistura de leite condensado, manteiga e chocolate resultava. A receita se espalhou. Ainda mais quando, em disputa à Presidência, em 1945, distribuiu a guloseima aos eleitores. Não ganhou a disputa com Dutra, mas a criançada brasileira agradece até hoje.

Um apaixonado pelo açúcar Em 1939, Gilberto Freyre lançou Açúcar, em que se debruçava sobre as tradições familiares no preparo de doces. A intelectualidade torceu o nariz. Como um sociólogo vai escrever sobre bolos e quitutes? Houve até quem dissesse que o autor de Casa-Grande & Senzala era um “sociólogo de alfenim” – em referência ao doce preparado a base de clara de ovo e açúcar. “Sem o açúcar não se pode compreender o homem nordestino”, rebatia Freyre. Seu doce preferido era o coupe regional, uma mistura de cocada e sorvete de tapioca.

Durante os séculos 16 e 17, Pernambuco foi o maior produtor mundial de açúcar.

Segundo o escritor gaúcho Athos Damasceno, o açúcar era tão raro no Rio Grande do Sul que o chimarrão foi imposto mais por necessidade do que por gosto. “A desculpa de que doçura não é pra homem trai logo a indigência do recurso. A verdade é que não havia açúcar mesmo.”

A batida secreta de Gilberto Freyre Ninguém entrava na casa do pernambucano Gilberto Freyre sem passar pelo ritual introdutório: provar a batida de pitanga criada pelo anfitrião. E olha que muita gente entrou lá. O escritor José Lins do Rego dizia que a casa era o “Vaticano do Recife”. John Dos Passos, novelista dos Estados Unidos, consumiu um frasco todo da bebida. Roberto Rossellini, cineasta italiano, um e meio. Freyre explicava que a cachaça precisava ser de “cabeça”, o primeiro jato do alambique. As pitangas, colhidas na hora, tinham que estar bem vermelhas. Ia ainda um licor de violeta feito por freiras de um convento de Garanhuns. E um “pormenor significativo” – que ele nunca revelou qual era; nem para a mulher, nem para os filhos. Um dos poucos que não passou da primeira dose foi o cronista Rubem Braga. Bebeu meio cálice, fez um muxoxo e pediu uísque.

S*A*I*B*A M*A*I*S

História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2004). No site do ALMANAQUE, assista a vídeos sobre culinária brasileira e algumas das iguarias apresentadas nesta matéria.

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BIXIGA

A Itália ao alcance dos pés Bixiga, um dos primeiros bairros de São Paulo, mesmo cortado em postas pelas avenidas radiais, mantém sua forte identidade, refletida na festa da padroeira Achiropita, nos personagens marcantes e nas cantinas.

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Basta uma breve caminhada para adentrar no estilo ítalo-brasileiro de viver a vida. Ecco il Bixiga!

ostes pintados nas cores da bandeira italiana – verde, branco e vermelho – demarcam a Treze de Maio, mítica rua desse bairro de imigrantes vindos em sua maioria da Calábria. No Bixiga carece andar a pé meio sem roteiro, acompanhado pelo doce som de um realejo e parando para papear com os moradores, capice? Pra começar, é Bexiga ou Bixiga? Nem “be”, nem “bi”. Desde 1910 o nome do bairro é Bela Vista. A culpa do apelido foi de um bixiguento portugues. Sobrevivente da epidemia de varíola que empestou a região em 1793, Antonio Manoel de Abreu ficou conhecido como Bixiga. E acabou nomeando a área que ia do córrego do Anhangabaú ao riacho Saracura.

Podia prestar viver num bairro com um brutto nome di malatia, nome feio de doença?, perguntava a italianada. Tá certo que o lugar era desconchavado, mas a vista era formosa e alcançava até a Serra da Cantareira. Conseguiram por decreto um novo batismo, Bela Vista. Mas nunca pegou.

Na ponta do guarda-chuva Os primeiros imigrantes italianos chegaram no final do século 19. Os que tinham quattro soldi, um punhadinho de grana, abriram armazéns de secos e molhados. De início, três ou quatro numerosas famílias alugavam uma casa com vários cômodos, o que deu

Podia prestar viver num bairro com um

brutto nome di malatia?

O jeito foi criar um novo nome por decreto: Bela Vista.

Nunca pegou.

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Amore mio

origem aos cortiços com tanques e varais comunitários. Quando começaram a construir suas próprias moradias, encarregavam os capomastri, pedreiros calabreses autopromovidos a mestre de obras, que arquitetavam o projeto da casa “riscando o desenho na própria terra com a ponta do guarda-chuva”, relata João Sacchetto em Bixiga: Pingos nos is (Sodepro, 2001). Essa simplicidade autêntica encantava o compositor Adoniram Barbosa. Filho de imigrantes vênetos, não era bixiguês nascido, mas vivia por lá, onde tinha muitos amigos, como Walter Taverna e o Ernesto – aquele do Samba do Arnesto. Depois que Adoniran morreu, Walter pensou em homenagear o poeta com um busto de bronze. Dias depois da inauguração, a “estáuta” foi roubada. Walter relembra: “Tanto fiz, tanto não fiz que encontrei o Adoniram em um ferro-velho lá no Brás. Armei tal bafafá, ameaçando chamar a polícia, que o sucateiro, com paúra, implorou: “Tira esse cara daqui, num quero nem de graça”. Um verdadeiro imbróglio. No bairro nasceram também músicos como Antônio Rago, Agostinho dos Santos e Alfredo Le Pêra – parceiro de Gardel em canções como Mi Buenos Aires Querido e El Dia que me Quieras.

O Bixiga foi também berço do teatro brasileiro, como o TBC – Teatro Brasileiro de Comédia –, referência para a dramaturgia nacional. Em seu palco atuaram Cacilda Becker, Ziembinski e Paulo Autran, para citar apenas alguns. O antigo Paramount é hoje o Teatro Abril, com sua bela fachada e saguão em estilo art nouveau. Na sequência estrearam o Arena, o Oficina, o Ruth Escobar – a ponto de a atriz Maria Della Costa definir o Bixiga como a Broadway paulistana. Dos palcos para as cantinas, onde triunfam as massas, pasta fatta a mano e de grano duro, sempre al dente, cujo segredo, dizem, é o molho ragú, de tomate e manjericão. Quer saber la verità? A comida da mamma é ótima, mas é indispensável que seja guarnecida pelo prazer de conviver. Essa é a magia. “Chi mangia da solo si strozza” – quem come sozinho engasga, diz o provérbio. A comilança no Bixiga se estende até a Igreja, dedicada a Nossa Senhora Achiropita. Todos os fins de semana de agosto são dedicados a ela, com orações, bênçãos, novenas, missas e procissões pelas ruas do bairro. Nelas se espraiam mais de 30 barraquinhas, como uma verdadeira peregrinação do garfo. Só de fogazze são mais de 14 mil por noite de festa. Isso sem contar polentas, antepastos, pizzas, macarrão e doces típicos. Por toda essa rica e única misturança que apaixona, quem melhor deFine o bairro é o Taverna, um de seus mais queridos moradores: Bixiga, amore mio!

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O Bixiga tem mais

Não deixe de conhecer...

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...Walter Taverna. Puxe prosa com esse neto de sicilianos, ex-barbeiro – di qualità, di qualità. Invencioneiro, ele realiza anualmente os eventos O Maior Bolo do Mundo, em homenagem à cidade de São Paulo, o Superpão, o maior sanduíche de mortadela de que se tem notícia, e os Varais do Bixiga, de doação de roupas. Fundou ainda a Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista e o Centro da Memória do Bixiga, com acervo de mais de cinco mil fotos e reportagens sobre o bairro. Como encontrá-lo? Ao ouvir os acordes de Funiculí, Funiculá, vindos de uma cantina na Treze de Maio, ele estará ali a postos, batendo tampas de caçarolas.

Preste atenção Repare nos Arcos do Bixiga. No fim do século 19, os capomastri ergueram, com tijolos que eles mesmos fabricaram, os muros de arrimo da rua Assembleia com a rua Jandira. No decorrer dos anos, construíram-se sobre eles casas, que se transformaram em cortiços. A criação de alças viárias para a avenida 23 de Maio, em 1984, e a consequente demolição do casario, fez ressurgir os arcos. Como chegar A TAM oferece voos diários para São Paulo, saindo das principais cidades brasileiras. Confira em www.tam.com.br

Onde ficar

Quality Suíte Bela Cintra Tel.: (11) 2244-9000. Novotel Jaraguá Tel.: (11) 2802-7000. www.almanaquebrasil.com.br

Casa de Dona Yayá Copas de gigantescas e centenárias árvores, como jatobás e mangueiras, envolvem a bela casa da rua Major Diogo, 353, que serviu de hospício particular para Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá. Hoje é o Centro de Preservação Cultural da USP, criado para receber exposições de fotografias, palestras, cursos e peças teatrais.

Feirinha do Bixiga Nas alamedas da Praça Dom Orione, ao redor do coreto, todos os domingos cerca de 350 expositores mostram suas preciosidades, que vão de antigas revistas, porcelanas, lustres e cristais a quadros e objetos de decoração art nouveau.

Vai-Vai A escola de samba criada em 1930, tantas vezes campeã do Carnaval paulista e “orgulho da Saracura”, tem sede na rua São Vicente, onde a partir de setembro acontecem os ensaios. Seus foliões convidam: “Quem nunca viu o samba amanhecer, vá no Bixiga pra ver”.

S E RVIÇ O Onde comer

Cantina e Trattoria Conchetta Ambiente festivo, paredes decoradas com fotos antigas e reportagens sobre o bairro. Oferece a tradicional comida italiana, farta e saborosa, acompanhada pela voz de Diego Dalmatto. Rua Treze de Maio, 560. Tel.: (11) 3288-7869.

Cantina Roperto Uma das mais antigas do bairro, oferece, além das tradicionais massas, a saborosa perna de cabrito assada. Rua Treze de Maio, 634. Tel.: (11) 3288-2573.



O Calculista das Arábias

LIGUE OS PONTOS

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

a O alaúde árabe originou o instrumento. Foi usado pelos jesuítas na catequização dos índios e, mais tarde, caboclos passaram a construí-lo.

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indispensável na congada, samba e chorinho. Deu nome a um grande expoente da nossa música.

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c Com zabumba, prato, caixa e contra-surdo, forma uma banda. Cada tocador costuma fazer seus próprios instrumentos. Já era usado por índios e medievais.

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d Quando os alemães trouxeram o instrumento para o Brasil, ele passou a substituir violão e rabeca nos bailes, dispensando até cantores.

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ACERVO DA FAMÍLIA

b Trazido pelos portugueses, o instrumento é

O príncipe de Lahore e Délhi encontrava-se no reino de Iezid e fez um pedido ao califa. Queria que os doutores de sua comitiva tivessem o ensejo de admirar a habilidade do geômetra persa Beremiz Samir, hospedado no palácio. Realizou-se então um divã onde sete sábios propuseram ao calculista questões relacionadas à ciência dos números. Um escravo fez soar o gongo de prata e todos se curvaram para o início da cerimônia. Um astrônomo ruivo, cabelos crespos e rosto semeado de rugas foi o primeiro. Interrogou Beremiz sobre três números: 2.025, 3.025 e 9.801. O geômetra deveria saber o que há em comum entre eles. Não demorou um instante e ele proclamou a resposta. “Pela beleza de Selsebit!”, exclamou o califa. Você saberia dizer o que disse Beremiz?

TESTE O NÍVEL DE SUA BRASILIDADE

PALAVRAS CRUZADAS

Empresa que lançou as sandálias havaianas, em 14/6/1962: (a) Alpargatas (b) Rider (c) Azaleia (d) Crock Helô Pinheiro, nascida em 7/6/1943, é conhecida como: (a) Elke Maravilha (b) Rainha dos Baixinhos (c) Baby do Brasil (d) Garota de Ipanema Segundo Estado mais novo do Brasil, fundado em 15/6/1962: (a) Rondônia (b) Pará (c) Acre (d) Tocantins Semanário de Millôr e Ziraldo, entre outros, lançado em 28/6/1969: (a) O Pasquim (b) Os Piratas (c) O Tico-Tico (d) Casseta & Planeta Palácio onde vive o presidente, inaugurado em 30/6/1958: (a) Branco (b) da Alvorada (c) do Catete (d) Rosado Maria Ester Bueno, que venceu o primeiro grande torneio em 4/6/1959, jogava: (a) Basquete (b) Tênis (c) Polo (d) Futebol

Respostas Wagner Moura

Em 3/5/1992, o Rio de Janeiro sediou uma conferência da ONU sobre: (a) Astronomia (b) Meio ambiente (c) Biodiesel (d) Gastronomia

BRASILIÔMETRO – 1b; 2a; 3d; 4a; 5a; 6b; 7b; 8b.

valiação

SE LIGA NA HISTÓRIA – 1b (Cavaquinho); 2d (Acordeon); 3a (Viola caipira); 4c (Pífano). ENIGMA FIGURADO – Maguila. O QUE É O QUE É? – Quadrilha.

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CARTA ENIGMÁTICA –”Para ser estrela não serve, tem de ser branco e de preferência boa-pinta.” (Jamelão)

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

ANA FERNANDES/FOLHA IMAGEM

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS – A raiz quadrada de cada um dos números está contida neles mesmos. Se somarmos os dois primeiros com os dois últimos dígitos, temos um número que, elevado ao quadrado, resulta no número original. Por exemplo, 2025: 20+25=45. 45²=2025. O mesmo vale para os outros dois números: 3.025 e 9.801.

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Após deixar o Santos, Pelé estreia em 18/6/1975 no: (a) Real Madri (b) Cosmos (c) Inter de Milão (d) Werder Bremen

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6 7

Conte um ponto por resposta certa

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Diversão para pequenos

I L U S T R AC Õ ES

C : LU

IANO

TA S S O

e grandalhões

Festa Junina só tem uma vez por ano A

cultura católica. Passou-se a homenagear três santos do mês: são João, são Pedro e santo Antônio, o santo casamenteiro (sabia que muita gente põe a imagem do santo de ponta cabeça para arranjar um casamento?). Novas maneiras de festejar entraram na roda com o passar dos anos, como as biribinhas, os perigosos balões e novos ritmos musicais. Entre eles, o forró. Mas o mais legal são as brincadeiras. E dá-lhe a molecada tentando subir em pau de sebo, pescar peixinhos de papel fincados na areia, derrubar latinhas com uma bola e acertar argolas em pinos. A única coisa chata é que toda essa diversão só acontece mesmo nas festas juninas. Quem brincou, brincou. Quem não brincou, só no ano que vem.

s festas juninas são tão tradicionais quanto o Carnaval e atraem milhões de apreciadores pelo País. Todo ano é a mesma coisa: quadrilhas, rodas e brincadeiras; barracas vendendo deliciosas guloseimas, como pé de moleque, pamonha e canjica; roupas típicas; e, para alívio dos mais tímidos, o correio elegante, para demonstrar interesse pela menina (ou menino) mais interessante do baile. A história dessa comemoração começou há muitos séculos. Os povos europeus celebravam o início da colheita com grandes festas no mês de junho. Tal qual hoje em dia, fogueiras, danças e comidas faziam parte do ritual. O costume foi trazido pra cá pelos portugueses, com acréscimo de elementos da

JÁ PENSOU NISSO?

Campina Grande, na Paraíba, se orgulha de ser anfitriã do que é considerada a maior festa de são João do mundo. Em 2008 a festança levou mais de um milhão e meio de turistas para a cidade. E atrações não faltaram. Só de trios de forró foram mais de 130! E tem para todos os gostos. Já ouviu falar de forró eletrônico? Pois lá tem. Um dos momentos mais divertidos é a tradicional corrida de jegue, que ocorre no “jegódromo” da cidade. Os nomes dos bichinhos são uma atração à parte. No ano passado havia até um Mikael Xumaker entre os competidores... Será que o Rubinho Barrikelo chegou em segundo?

E se, em vez de jegues, a corrida da festa de Campina Grande fosse entre outros animais da fauna brasileira? Na certa a vencedora seria a onça pintada. O bichano cumpriria os 200 metros em apenas 10,2 segundos. O lobo-guará chegaria logo atrás, em 16 segundos. A tartaruga gigante, pobrezinha, buscaria sua medalha de honra com a sonolenta marca de 44 minutos, numa emocionante disputa cabeça-a-cabeça com a preguiça. Caso o campeão brasileiro dos 200 metros, Claudinei Quirino, entrasse na batalha, ele chegaria em terceiro lugar, com um tempo de 19,89 segundos. Resta saber se, ao lado da onça pintada, para qual direção ele correria...

-LÍNG VA

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Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do ALMANAQUE. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

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O maior são João do mundo

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festa bala dava, o sino

17 15 28 20 9 23 15 24

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15 16

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badalava.

W W W. LU C I A N OTA S S O. B LO G S P OT.CO M

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preso durante a festa junina?

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SOLUÇÕES NA P. 30

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TRIGO Triticum vulgare

Grão nosso de cada dia Junto com arroz e milho, forma a trinca de cereais mais cultivados no planeta. Seu gérmen, “alimento milagroso”, combate doenças e rejuvenesce. Matéria-prima do pão, das pastas, da pizza. Sua história no Brasil é apimentada e cheia de altos e baixos.

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enhum outro cereal é tão consumido e celebrado. E, quando se fala em “pão”, está claro de que farinha se faz esse pão – tão arraigado na história das civilizações que se tornou sinônimo de alimento, inclusive do espírito, e símbolo do eterno renascer. O trigo se origina de gramíneas que cresciam entre os rios Tigre e Eufrates. Provavelmente passamos a cultivá-lo ali, na Mesopotâmia (hoje Iraque, onde arqueólogos encontraram grãos que alguém tostou há mais de 6 mil anos). O homem aprendeu a triturar os grãos entre pedras para obter a farinha. Acredita-se que os egípcios, 3 mil anos antes da Era Cristã, assaram o primeiro pão fer fermentado. E, tal como nossos ancestrais ameríndios cultuavam a mandioca e o milho, os povos daqueles tempos sacralizaram o trigo: egípcios atribuíram seu surgimento a Ísis, deusa da medicina; hindus, a Brama, criador do mundo; árabes, a São Miguel, protetor dos justos; e a liturgia cristã está repleta de referências – em Mateus, Jesus exorta a separar o joio do trigo, o mal do bem. Hoje falamos que “casa que não tem pão, todos chiam e ninguém tem razão”. No Egito se dizia que “a multidão rebelada

deve ser conduzida até o celeiro”. E foi a falta de pão o estopim da Revolução Francesa, com ajuda da rainha Maria Antonieta, que, informada da revolta do povo com o sumiço do pão, sapecou: “Pois que comam brioches”. Da farinha de trigo também se fazem pizza, panqueca, pastel, torta, bolo, bolacha, biscoito e as universais massas. Essa farinha, diferente de outras, possui duas proteínas balanceadas que formam o glúten, responsável pela elasticidade da massa. Mas atenção para este fato: crianças polonesas e alemãs vão menos ao dentista que crianças de outros países desenvolvidos, porque sua gente jamais abandonou o hábito de consumir a farinha integral, com gérmen e tudo. Nem só de pão vive o homem. De beleza seu espírito se alimenta. Rousseau nos convida a ver as plantas não apenas como “úteis”, olhar o lado “gracioso dos campos”. Contemple um campo de trigo. Com tal olhar, Saint-Exupéry comparou os cabelos do Pequeno Príncipe ao trigal. A Raposa, cativada pelo menino, lhe diz: “Vês lá longe os campos de trigo? Tu tens cabelos cor de ouro. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo.”


Gérmen, seu coração

REPRODUÇÃO/AB

REPRODUÇÃO/AB

Inspira pintura, música, poesia

E

m 1890, Van Gogh pinta Os Campos (pela tela, avaliada hoje em 80 milhões de reais, nenhum contemporâneo seu deu um tostão); duas semanas depois ele se mata – num trigal. Em Cio da Terra, Milton Nascimento e Chico Buarque cantam: Debulhar o trigo / Recolher cada bago do trigo / Forjar no trigo o milagre do pão. Cora Coralina, em Eu Voltarei, escreve: Morrerei tranquilamente dentro de um campo de trigo ou milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros. Note a simbologia da ressurreição sempre presente.

R

ico em proteínas, construtoras dos nossos tecidos; lipídios, reserva de energia; fósforo, para o cérebro; cálcio, para os ossos; ferro, para o sangue. Combate anemia, erupção cutânea, câncer de pele. Rico em vitamina B1 (tiamina), que mantém o sistema nervoso em forma. É a maior fonte natural de vitamina E, que protege dos radicais livres, responsáveis pelo envelhecimento precoce; combate a diabete, ao reduzir a taxa de açúcar no sangue. O gérmen, embrião do trigo, é sua parte mais nobre. 33

Quando vamos poder dizer que o trigo também é nosso?

IOLANDA HUZAK

A

té o século 20, brasileiro não ligava para pão. Anota Câmara Cascudo que nem o povo da cidade achava falta do “pão nosso de cada dia”. Devemos a padaria da esquina à saudade que os imigrantes, cada vez mais numerosos, sentiam do seu pão fresco diário. O trigo, que Martim Afonso de Sousa trouxe em 1534, só ganha importância no século 18, graças ao clima propício e aos europeus vindos para o Rio Grande do Sul. Mas, durante os dois séculos seguintes, pesquisas ficavam entregues a heróis anônimos, como o italiano

Aristides Germani, que veio morar com um tio na serra gaúcha em 1875. Montou moinho, ensinou colonos a plantar, selecionar grãos, combater pragas. Ao tentar importar máquinas modernas, enfrentou até empecilhos oficiais e ameaças, problema que se tornaria comum (não interessa uma triticultura nacional a quem enrica importando farinha). Para um consumo de 10 milhões de toneladas anuais do grão, a média das últimas quatro safras, apesar dos avanços, foi de apenas 4 milhões. Isso no país com mais terras agriculturáveis do planeta!

SAIBA MAIS • História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2004). • Os Alimentos Naturais Milagrosos, de Robert Dudley (Global/Ground, 1983).


Só pra ter certeza Dois caçadores caminham pela floresta. De repente, um cai no chão e para de respirar. O outro, desesperado, pega o celular e liga para o serviço de emergência: – Meu amigo morreu! O que é que eu faço? – Mantenha a calma. A primeira coisa a fazer é ter certeza que ele realmente está morto. Vem um silêncio. Logo depois o barulho de um tiro. – Certo. E agora?

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Relógio de ouro O larápio vendeu um relógio ao Joaquim jurando que era de ouro. Mas um amigo, ao examinar o objeto, sentenciou que era falso. Ao chegar em casa, Joaquim mostrou o relógio à esposa e contou as duas versões. – Afinal, é mesmo de ouro? – perguntou a mulher. – Ora, Maria. Às vezes é, às vezes não é.

Causos de

Rolando Boldrin

Conversa dos bichos O Zequinha, menino de uns 10 anos de idade, era na fazenda do meu padrinho o que se pode chamar de “charrete boy” – o menino que com a charrete do fazendeiro vai buscar as coisas ou as pessoas na cidade. Pois naquele dia o Zequinha tinha ido buscar na cidade o padre Antônio. Era iniciante e tinha uma particularidade que só se descobriu depois: era ventríloquo. Logo de saída o padre pergunta se era longe a tal fazenda, ao que o menino responde que levaria uns pares de horas. Padre – Ô, menino! Você sabia que os animais conversam com a gente? Você quer ver os animais conversando comigo? Zequinha – Ara, sêo padre. Essa eu tô pagando pra vê. O sinhô me adiscurpa, mas num querdito. Padre (falando para a égua) – Dona eguinha! Está muito pesada a charrete? (E faz a voz da égua sem abrir a boca) Tááá... sêo padre. Zequinha (gaguejando) – Sêo... padre... a égua falô... eu escuitei... Padre – Todos os animais conversam com a gente... E assim o padre Antônio foi se divertindo com a surpresa encantada daquele caboclinho. A viagem, que poderia ser longa, terminou logo, logo. Ao se aproximar da fazenda, eis que se deparam com várias cabras, bodes e cabritas que pastavam na grama verdinha. O menino estanca com as rédeas a eguinha, olha para o pároco e, apontando para uma das cabritinhas, diz: Zequinha – Óia, sêo padre! O sinhô tá vendo aquela cabrita branca ali na grama? Num querdite em nada que ela fala pro sinhô, viu?! Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

ponto final

Ônibus lotado O ônibus aguardava no ponto final, no alto de uma ladeira. Após os passageiros entrarem, seguiu ladeira abaixo. Eis que um homem de bigode, de meia-idade, começou a correr atrás do ônibus. Da janela, um passageiro gritou: – Esquece, tiozinho! O busão já tá lotado. E o senhor, ofegante: – Não posso. Sou o motorista!

Segredo da felicidade O sujeito está prestes a ir para o altar, mas sente um baita medo de não ser feliz. Resolve se aconselhar com um amigo, casado há anos. Ele conta o segredo da felicidade: – Há cinco coisas fundamentais para ser feliz no casamento. É importante ter uma mulher que lhe ajude em casa, que cozinhe, limpe e tenha um trabalho. É importante ter uma mulher com bom-humor. É importante ter uma mulher fiel e que não minta. É importante ter uma mulher boa de cama e que adore a sua companhia. E, acima de tudo, é muito importante que as quatro não se conheçam!




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