Almanaque Brasil 110 - Junho 2008

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O ator e o muro de arrimo

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iz meu primeiro cenário para teatro em 1975. A peça era Muro de Arrimo, de Carlos Queiroz Telles. Antônio Fagundes interpretava o pedreiro Lucas, sob a severa e precisa direção de Antônio Abujamra. O texto, segundo o autor, foi inspirado em uma notícia de jornal que informava que o corpo do pedreiro José Ribeiro, morador de Guarulhos, fora encontrado embrulhado numa bandeira brasileira dias depois de a seleção brasileira ser eliminada pela Holanda da Copa do Mundo de 1974. Morreu de desgosto, afirmava o jornal. Foi esta a imagem que desenhei para o cartaz. O espetáculo ganhou os prêmios Molière de melhor autor e melhor direção, além do APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) de cenógrafo-revelação. A celebração dos 50 anos de nossa primeira conquista em Copas do Mundo, na Suécia, me fez lembrar dessa minha incursão inicial nos palcos. E também de algo certamente mais importante e significativo para a minha vida: a estréia de meu irmão Elias no teatro profissional. Está certo que não era vivendo um grande papel, mas como contra-regra. Ele era o responsável por desmanchar o muro que Fagundes construía todas as noites de espetáculo, além de preparar os blocos e o cimento para o dia seguinte. Hoje, para meu orgulho e satisfação, Elias é um grande ator, reconhecido pela crítica e por seus pares, além de um consagrado diretor teatral. Difícil descrever a emoção de lembrá-lo humilde contra-regra, ainda menino, assistindo da coxia o que acontecia sobre o andaime iluminado que eu construí para um ator representar a vida de um pedreiro desiludido, inconformado com a própria vida e ansioso por aplacar a precariedade de sua existência com uma vitória da seleção. Ao longo da carreira, Elias jamais se esqueceu daquelas noites em que aprendeu que o palco para o verdadeiro ator é o espaço da humanidade. Elifas Andreato

Quem é capaz de dedicar toda a sua vida à humanidade e à paixão existentes nesses metros de tablado, esse é um homem de teatro.

A R M A Z É M DA M E M Ó R I A N AC I O N A L Elifas Andreato Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Danilo Ribeiro Gallucci, Nara Soares e Rafael Capanema Revisor Lucas Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente administrativa Eliana Freitas Impressão Gráfica Oceano Assessoria Jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Diretor editorial

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Da peça Liberdade, Liberdade (1965), de Millôr Fernandes e Flávio Rangel

5 CARTA ENIGMÁTICA

17 O TECO-TECO

6 VOCÊ SABIA?

18 ESPECIAL Caipira

31 QUE HISTÓRIA É ESSA? por Joel Rufino dos Santos 32 MISTURA FINA Causos de Rolando Boldrin, Santos,

8 O BRASIL EM JUNHO

22 ILUSTRES BRASILEIROS Raul Seixas

33 CANTOS E LETRAS

Fases da Lua, Signo, Estação Colheita e Respostas

Curtindo a Gafieira/Almanaque Machado de Assis

12 ALMACRÔNICA por Lourenço Diaféria

24 VIVA O BRASIL

13 PAPO-CABEÇA José Miguel Wisnik

28 EM SE PLANTANDO, TUDO DÁ

16 JOGOS E BRINCADEIRAS

30 ARMAZÉM

Marajó por Mylton Severiano

34 BOM HUMOR 35 MEMÓRIA DA PROPAGANDA CAPA Elifas Andreato


ILUSTRAÇÕES PAULA CHIURATTO

SOLUÇÃO NA PP.. 32

Morreu em 14 de junho de 1972, aos 27 anos, num acidente de avião na Índia. Estava no Festival Internacional de Adelaide, na Austrália, quando resolveu voltar mais cedo para matar a saudade da filha de sete meses. “Ela era uma pessoa solar numa época em que o chique era a fossa”, definiu Jaguar. Sua entrevista bombástica, em 1969, serviu de pretexto para que a ditadura promulgasse o decreto-lei 1.077, instituindo a censura prévia à imprensa. Mas ela já havia dito o que os militares mereciam ouvir: “Censura é ridículo, não tem sentido nenhum. Do jeito que é feita, inclusive, não tem nenhuma noção de justiça, cultura, nem nada. Foi julgada e censurada uma peça de Sófocles, lá no teatro do Rio, não foi? É um absurdo. Procuraram até o Sófocles. Aí é fogo. Acaba qualquer papo”. (RC)

Pouco antes do embarque da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 1962, o governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, recebeu os jogadores na residência oficial. Diante de tantas honrarias, Mané Garrincha ficou encantado mesmo foi com o mainá indiano que era capaz de falar “é do palácio”, “gol” e “gostosa”. Ao perceber o interesse do jogador pelo pássaro, Lacerda propôs um pacto. Se Garrincha voltasse com o bicampeonato, ficava com o mainá. E assim se fez. O craque das pernas tortas foi a principal estrela na coNquista da Copa do Chile. Além do cachorro que invadiu o campo durante a partida contra a Inglaterra, ficou também com o mainá do governador.

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ARQUIVO/AE

Acho uma (*) fazer papel sexy.” “O INC [Instituto Nacional de Cinema] não faz nada pelo cinema brasileiro. Só faz um festival (*) que eu acho uma (*).” “Todo mundo fica achando que eu sou aquela (*) da zona.” Foram exatamente 71 palavrões, todos substituídos por asteriscos pelos editores de O Pasquim. “É por isso que a entrevista dela até parece a Via Láctea”, ironizou o ratinho Sig. Nascida em 1945 no Rio, foi professora no ensino primário. Tinha 17 anos quando fugiu de casa para morar com o cineasta Domingos de Oliveira. Foi ele quem a dirigiu no filme Todas as Mulheres do Mundo (1966). A partir daí, despontou para a fama, atuando em peças e novelas. Com atitudes pioneiras, virou símbolo da liberdade de expressão e da quebra de tabus.

Junho 2008


25/6/1988

25/6/1980

MÁRIO COVAS TORNA-SE O PRIMEIRO PRESIDENTE DO PSDB, FUNDADO POR DISSIDENTES DO PMDB.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA TORNA-SE O PRIMEIRO PRESIDENTE DO PT, FUNDADO EM FEVEREIRO DO MESMO ANO.

Mãe dos filhos de Francisco no cinema, essa paraense de Abaetetuba nasceu em 30 de junho de 1969. No teatro, interpretou papéis em Capitães da Areia e O Avarento. Fez mais de 20 filmes, como Amarelo Manga e Meu Tio Matou um Cara, sendo premiada em diversos festivais. Mas foi na televisão que se destacou, em minisséries como Um Só Coração, e na pele da atrapalhada amiga de uma faxineira. (DG) Confira a resposta na página 32.

COISA DE CINEMA

Assalto ao trem pagador parecia filme. Virou filme

PELÉ E TOSTÃO OU TARCÍSIO E GLÓRIA?

Novela bateu a audiência até da final da Copa de 1970

ARQUIVO/AE

MONICA ZORATINI/AE

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O ASSALTO NO CINEMA.

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de junho de 1960. Ferrovia Central do Brasil, Rio de Janeiro, arredores de Japeri. Perto da Curva da Morte, ouvem-se explosões. O trem, carregado com três meses de pagamento dos mais de mil funcionários da Rede Ferroviária Federal, descarrila e pára. Enquanto isso, bandidos fortemente armados e disfarçados com meias-calças na cabeça bradam palavras ameaçadoras. Inicia-se um breve tiroteio, logo vencido pelo grupo assaltante. Mais de 27 milhões de cruzeiros são roubados. O crime choca a sociedade e desafia a polícia. Mais de um ano é necessário para solucionar o caso e descobrir os responsáveis. Não sem espetaculares reviravoltas. Dezenas de pessoas são interrogadas. Vários suspeitos, poucas evidências. Parecia coisa de cinema. E virou cinema. O Assalto ao Trem Pagador é o nome do filme dirigido por Roberto Farias em 1962, e aclamado (DG) até hoje como uma das pérolas da nossa sétima arte. SAIBA MAIS O Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias.

ÁLBUM DE FIGURINHAS DA NOVELA.

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scrita por Janete Clair e dirigida por Daniel Filho e Milton Gonçalves, estreava em 29 de junho de 1970 a novela que resultou em um dos maiores sucessos da TV Globo. Irmãos Coragem era uma mistura de faroeste, futebol e romance. Na cidade de Coroado, interior de Goiás, João Coragem acha um diamante, que é roubado pelo vilão, Coronel Pedro Barros. Assim tinha início a trama. Com personagens vividos por Tarcísio Meira, Cláudio Cavalcanti e Cláudio Marzo (os três irmãos coragem), a autora conquistou o público e uniu os dois pares românticos mais famosos na época: Tarcísio Meira e Glória Menezes; Cláudio Marzo e Regina Duarte. Foi a primeira novela que os homens admitiam assistir. Exibida no ano em que o País ganhou a Copa do México, teve audiência maior do que a final da competiçAo. O Brasil x Itália, transmitido em 21 de junho de 1970, não alcançou os 85% de televisores ligados no der(NS) radeiro capítulo da novela, que estreou uma semana depois. SAIBA MAIS Nossa Senhora das Oito – Janete Clair, de Mauro Ferreira (Mauad, 2003)

“A EXPERIÊNCIA É UMA CHAMA QUE SÓ ILUMINA QUEIMANDO. “

Benito Pérez Galdós


ANTES FOSSE MÚSICA

Deputados pianistas promovem espetáculo vergonhoso

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LUCIANO ANDRADE/CPDOC/JB

ão são poucos os músicos que enveredos Deputados quando testemunhou a seguinte dam pela política, nem os políticos que cena: “Vi o deputado Albino Coimbra acionar arriscam apresentações musicais por aí. Necom a mão direita o seu equipamento de votanhum desses, no entanto, é o caso dos depução e com a outra esticada votar numa mesa ao tados pianistas, cujo inesperado “talento” foi lado”. Não demorou para que Luciano flagrasse descoberto em 13 de junho de 1985, dumais três deputados – Homero Santos, Fernanrante a votação de uma lei que regulamentava do Bastos e Ronan Tito – aproveitando a ausênas eleições municipais. cia de colegas para votar duas vezes. As imagens FLAGRANTE DE LUCIANO ANDRADE A serviço do Jornal do Brasil, o fotógrafo Luciaestamparam capas de jornais, mas nenhum dos (RC) no Andrade queria registrar um prosaico plano geral da Câmara deputados perdeu o mandato. Foram apenas advertidos. SAIBA MAIS Reprodução da matéria do Jornal do Brasil: www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=3246

DA CLAUSURA À PAQUERA

Fim dos muxarabis faz florescer as moças janeleiras

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IOLANDA HUZAK

té o século 19, era comum existir zelo pela limpeza, saúde e segurança. nas casas de um ou mais andares Mal Viana assumiu e já baixou edital, um tipo de sacada pela qual se em 11 de junho de 1809, ordenando podia ver o que se passava na rua sem que os muxarabis fossem removidos ser visto. Tratava-se dos muxarabis, no prazo de oito dias e substituídos também conhecidos como gelosias, por grades de ferro ou balaústres cujo objetivo principal era resguarde madeira. dar as mulheres da casa dos olhares Com o fim dessas clausuras patriarexternos. O costume foi herdado dos cais, as mulheres estavam livres para árabes. Como registrou o Barão do algo impensável no tempo dos muxaRio Branco em suas Efemérides Brarabis: paquerar pela janela. As moças MUXARABI EM DIAMANTINA. sileiras, “o Rio de Janeiro dos tempos janeleiras, como ficaram conhecidas, coloniais tinha o aspecto de uma cidade do Oriente”. Quando a surgiram em meados do século 19. Discretas e delicadas, comuFamília Real aportou por aqui, em 1808, tratou logo de promover nicavam-se com os pretendentes por meiO de flores. Um botão de uma “reeuropeização” do Brasil. rosa branca dava a entender que a moça queria casamento. MalUma das primeiras providências de João VI foi criar a Intendênme-quer denotava sofrimento, tristeza. A dália escarlate significava cia Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil. O cargo de “és um portento”. Miosótis, “não te esqueças de mim”. Escarlate, Intendente Geral da nova instituição foi confiado a um brasileiro, “já não posso mais”. Amor-perfeito, “existo para ti só”. Botão de o desembargador e ouvidor Paulo Fernandes Viana. As amplas cravo branco, “espero resposta”. Botão de rosa cheirosa, “meus (RC) atribuições do Intendente – uma espécie de prefeito – incluíam o olhos só vêem a ti”. Haja floricultura para tanta paixão. SAIBA MAIS O Rio de Janeiro Imperial, de Adolfo Morales de los Rios Filho (Topbooks, 2000).

O R I G E M DA E X P R E S S ÃO

Olho por olho, dente por dente O Código de Hamurabi, conjunto de leis concebido por volta de 1.700 a.C. na Mesopotâmia, regia vários aspectos da vida, mas ficou conhecido mesmo pelo caráter drástico das penas. Ele estava fundamentado na Lei de Talião: se ferisse o olho de uma pessoa, por exemplo, o criminoso deveria ter seu olho ferido.

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J U N HO 1 dia nacional da imprensa À MODA BRASILEIRA

ALCEU PENNA

Garotas do Alceu conquistaram o País inteiro

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ARQUIVO/AE

a infância, Alceu Penna morava pervestir. Em suma: Alceu criou uma moda brasito de um alfaiate italiano chamado leira”, arremata Ziraldo. Napoleão Pagliaminuta. Ao fim da Cada vez mais atarefado e requisitado para tarde, o vizinho dava ao menino pequenos pedesenhar as roupas das moças da elite cariodaços de carvão e giz que usava para riscar ca, Alceu contratou para ser seu assistente peças de roupas. Alceu se divertia desenhando um garoto de 13 anos: Millôr Fernandes. Em nas calçadas com os toquinhos. Dois outros passagem pelos Estados Unidos, foi o primeivizinhos, o dentista Amedet Peret e sua esposa, ro brasileiro a colaborar com a prestigiada ALCEU PENNA: OBRA EXTENSA E INVENTIVA. ensinaram-lhe técnicas de pintura. revista Esquire. Conheceu Carmen Miranda Mineiro de Curvelo, completou 17 anos em em Nova York e introduziu em seu figurino as 1932 e mudou-se para o Rio, onde foi estudar na Escola Nacional de saias coloridas, os turbantes e os sapatos de sola grossa. Acompanhou Belas Artes. Separou alguns de seus desenhos e foi atrás do ídolo a produção de Alô, Amigos e Você já foi à Bahia? e foi convidado por J. Carlos. O experiente ilustrador gostou do que viu, deu algumas diWalt Disney a trabalhar nos Estados Unidos. Recusou. cas, mas não pôde contratá-lo. Alceu, porém, não tardou a arrumar Ilustrou anúncios publicitários do remédio Melhoral, dos fósforos emprego no suplemento infantil de O Jornal, de Assis Chateaubriand. Fiat-Lux e da brilhantina Glostora, além de estampar suas Garotas no Conheceu o secretário de redação de O Cruzeiro, Antônio Aciolly calendário da Moinho Santista. A partir de 1968, desenhou roupas Neto, e passou a criar ilustrações para a editoria de moda da revista. para os lendários desfiles da Rhodia, que Tinham textos de Carlos Em 1938, estreou a seção que marcou época figurando nas páginas Drummond de Andrade e Torquato Neto, músicas de Caetano Veloso e de O Cruzeiro até 1964. As Garotas do Alceu eram inspiradas Jorge Ben e cenários de Cyro del Nero. nas pin-ups norte-americanas, mas de forma nenhuma se limitavam Nas cada vez mais freqüentes viagens ao exterior, conviveu com fià mera cópia do modelo estrangeiro. “Todas as Garotas eram lindas, guras como Pierre Cardin e Yves Saint-Laurent. Teve de diminuir o maliciosas e bem brasileiras”, escreveu Ruy Castro. “Desenhista neexaustivo ritmo de trabalho em 1975, quando passou mal e desconhum conseguiu, como ele, agir sobre o modo de ser do brasileiro, briu que tinha hipertensão. Morreu cinco anos depois, deixando (RC) determinar maneiras de comportamento, de sentir, de escolher, de uma obra tão extensa quanto inventiva.

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SAIBA MAIS Alceu Penna e as Garotas do Brasil, de Gonçalo Silva Jr. (Cluq, 2004). (RC)

junho também tem 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Dia da Prevenção de Incêndios Dia da Comunidade Italiana (SP) Dia do Escrevente de Cartório Dia da Criança Vítima de Agressão Dia Internacional da Ecologia Dia Estadual do Doador de Órgãos (SP) Dia Nacional da Liberdade de Imprensa Dia do Citricultor Dia Nacional do Baloeiro Dia da Artilharia

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

Dia do Educador Sanitário Dia do Enxadrista Dia Nacional do Turista Dia do Solista Dia do Paleontólogo Dia da Unidade Nacional Dia do Funcionário Público Aposentado Dia Nacional do Químico Dia do Cinema Nacional Dia Estadual da Refrigeração (SP)

21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

Dia do Mel Dia do Aeroviário Dia do Lavrador Dia Mundial dos Discos Voadores Dia do Imigrante Dia do Ilícito Dia do Artista Lírico Dia Mundial do Orgulho Homossexual Dia da Telefonista Dia do Economiário


1 dia internacional da criança FESTA DOS BICHOS

Crianças embarcaram na Arca de Vinicius

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ELIFAS ANDREATO

Elis Regina, Milton Nascimento e Moraes uem não conhece estes versos? “Lá vem Moreira. No repertório, os clássicos A Porta, o pato / Pata aqui, pata acolá / Lá vem o Corujinha e O Relógio. O projeto gráfico, aspato / Para ver o que é que há.” há Ou “Era sinado por Elifas Andreato (diretor editorial uma casa / Muito engraçada / Não tinha teto / deste A LMANAQUE), foi baseado em ilustraNão tinha nada”. Ou ainda “Venham ver como ções de Antonio Bandeira. Um pequeno aviso dão mel / As abelhas do céu”. no disco convidava as crianças a recortar os A história desse musical infantil fundaCAPA DO SEGUNDO DISCO. bichos e formar sua própria capa. mental remonta a 1970, quando Vinicius de Em 1981, saía Arca de Noé 2, tão saboroMoraes publicou o livro de poemas infantis so quanto o primeiro. Levava canções como O Leão, A Galinha A Arca de Noé. Antes do disco homônimo, lançado em 1980, o D’Angola e O Filho que Eu Quero Ter, em vozes como as de Clara próprio poetinha já havia musicado alguns dos poemas, como A Nunes, Ney Matogrosso e Paulinho da Viola. Casa e O Pato. Arca de Noé gerou dois especiais de tevê, transmitidos pela rede A equipe responsável pelo LP era um verdadeiro time dos sonhos Globo em 1980 e 1981. Com recursos visuais inovadores para a da MPB: composições de Toquinho, Paulo Soledade e do argenépoca, arrebataram os prêmios Emmy e Silver Award, nos Estados tino Luis Enríquez Bacalov; produção executiva de Fernando Unidos, além do Ondas, na Espanha. Faro; arranjos de Rogério Duprat; e intérpretes do calibre de (RC) 9

SAIBA MAIS Assista a trechos dos especiais para a tevê em www.youtube.com

9 dia do pão PAX, SHALOM OU SALAM

Pão da Paz atravessa fronteiras, religiões e etnias

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ERNESTO RODRIGUES/AE

ito xícaras de harmonia, cinco colheres mitir uma mensagem que alcançasse diferende respeito, 50 gramas de dignidade e tes línguas, etnias e religiões. O pão virou o duas pitadas de entendimento. Adicioemissário da paz. “Quando nos alimentamos, ne amor e deixe descansar. Misture calmageralmente nos sentamos à mesa, numa atimente e amasse com as mãos. PrEaqueça o tude de partilha com as outras pessoas. E forno do coração e, em pouco tempo, está o pão é um alimento especial, praticamente pronto o Pão da Paz. A receita “alimenta miuniversal”, avalia. lhares de pessoas e conforta o espírito”. Foi Sagrado para muitas religiões, ele aparece tanto nos rituais católicos – foi o alimento que com esses ingredientes que tomou corpo Cristo dividiu na Última Ceia – quanto nos juo livro Pão da Paz: 195 receitas de pão de daicos e muçulmanos. Apesar dos diferentes países membros da ONU. Com quase 200 modos de preparo, ingredientes e sabores, receitas, o antropólogo e fotógrafo Paulo tem na farinha um elemento de união. Braga vem lembrar que, “embora diferenPAULO BRAGA: COM A MÃO NA MASSA Além das receitas, o livro traz ainda frases de tes nos costumes, todos nós queremos bapersonalidades e prêmios Nobel da Paz, como Martin Luther King, sicamente as mesmas coisas: pão, paz, respeito e dignidade”. Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela e Yasser Arafat. Tudo em A idéia do livro surgiu quando Paulo perdeu três amigos nos atennome da paz, servida com o nome de pax, shalom ou salam. tados de 11 de setembro de 2001. Como resposta, decidiu trans(LC) SAIBA MAIS Pão da Paz: 195 receitas de pão de países membros da ONU, de Paulo Braga (Gaia/Boccato, 2007). Junho 2008


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dia dos namorados UM ROMANCE MINEIRO

PAZ ATÔMICA

ROGÉRIO CUNHA DE PAULA

Nem a bomba destruiu o amor-próprio de Imagawa

ROGÉRIO CUNHA DE PAULA

A história de Romeu e Julieta (ops, Marta)

dia do imigrante japonês

10 A CARTA QUE ACABAVA COM O NOIVADO SÓ FOI LIDA NAS BODAS DE PRATA.

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les se conheceram nos idos de 1942, em Araguari, no Triângulo Mineiro. O dentista Romeu era o namorado da melhor amiga da professora Marta, até que a amiga arranjou na capital outro bom partido e sobrou para a professora o conterrâneo. Mas a corte foi interrompida quando Romeu recebeu a convocação para integrar as tropas brasileiras na Segunda Guerra Mundial. Para os treinamentos em Três Corações, também em Minas Gerais, seguiu ele. Longe de casa e dos olhos da amada, o dentista se encantou por outra mineira. E como notícia ruim corre mais que trem, logo a noiva soube da fofoca. Marta sentiu-se traída e escreveu de próprio punho a carta que encerrava o noivado: “Romeu, você agiu como homem, e um homem cruel.” O envelope seguiu para Três Corações. Em vão: àquelas alturas, o soldado já havia partido para a guerra. Dentro do navio, soube que o conflito tinha acabado, e voltou direto para Araguari, preparado para uma outra batalha. Chegando lá, pediu perdão. Disse que, sem Marta, era como “um tronco correndo rio abaixo”. E ela acreditou. A carta, bem, esta voltou tempos depois à remetente. Casaram-se em 1947, tiveram 8 filhos, 26 netos. Só nas bodas de prata o envelope que encerraria o romance foi aberto e lido em voz alta, para gargalhada geral. Romeu e Marta foram felizes para sempre, pelo menos até agora, (Laís Duarte) aos 61 anos de namoro. SAIBA MAIS Declaração de Amor, de Carlos Drummond de Andrade (Record, 2005)

IMAGAWA NO CAMPO DE GATEBALL.

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ra 6 de agosto de 1945. O soldado Seitsu Imagawa lutava para defender o Japão durante a Segunda Guerra Mundial quando a bomba atômica arrasou Hiroshima. Para se proteger, ele pulou em um tanque com água. No momento em que expôs o rosto ao calor da explosão, foi queimado. Mesmo com a face destruída e os amigos mortos, tratou de socorrer as vítimas e levá-las para hospitais. Enquanto se recuperava, viu nascer um jogo para entreter as crianças órfãs da bomba: o gateball. Era o passatempo ideal para um lugar em ruínas. Bastavam arcos de metal, bolinhas e tacos. Vence o time que passar todas as bolas pelos arcos. Imagawa nunca mais deixou de jogar. Com o tempo, superou o trauma, mas não o preconceito. Após a guerra, o medo de que as vítimas da radiação contaminassem outras pessoas toMou conta do Japão. Com a família, ele procurou abrigo no Brasil. Foram dois meses dentro do navio. Em São Paulo, Imagawa dedicou-se à produção de caju e, mesmo sem falar português com fluência, fez novos amigos. Manteve intactas as raízes orientais, renovadas a cada ano, quando embarca para a terra natal para exames pagos pelo governo japonês. Aos 89 anos, conserva saúde impecável. Todo os dias, antes do sol nascer, já está no campo. É jogador disciplinado, um campeão dos torneios nacionais. E pra quem busca conselhos, arrisca: o segredo é estar calmo e cheio de amor. (LD) SAIBA MAIS União dos Clubes de Gateball do Brasil: www.gateballrengo.org.br


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dia do cinema nacional CINEMA PARADISO DA ROÇA

Cine Lobo leva a sétima arte para a cidade do “Já teve”

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uardada pela Serra da Cada Universidade de Brasília, teve a nastra, a 320 quilômetros idéia. Por que não criar um cinema de Belo Horizonte, está itinerante para levar cultura e inforuma acolhedora cidade de seis mil mação às fazendas? E assim nashabitantes. O nome é São Roque de ceu o Cine Lobo. Minas, mas o epíteto é culpa do proToda semana, os cientistas seguem gresso que não chegou: a cidade do pelas estradas da serra. Na fazen“Já teve”. Dizem que, no passado, da escolhida, monta-se a telona. São Roque já teve banda de música, Em cartaz, sempre um documentácongado, telégrafo e até cinema. Ao rio sobre a preservação do lobo e longo dos anos, perdeu quase tudo. das águas, os perigos das queimaVINHETA DE ABERTURA DAS SESSÕES. No entanto, aquelas terras permadas no cerrado e, logo depois, um neceram ricas de histórias e de espécies ameaçadas de extincampeão de bilheteria. Tudo de graça. No meio do pasto, gente ção, que ainda encontram refúgio nos paredões da Canastra. Há que nunca tinha visto cinema se junta no escurinho. Sob a luz da 10 anos, o biólogo Rogério de Paula trabalha ali para proteger lua, peões, estudantes, lavradores, padres e comerciantes deios lobos-guarás. Ele viu que seria impossível salvar o bicho sem xam-se encantar pela sétima arte e, em troca, tornam-se parceio apoio da comunidade. O colega de pesquisa, Marcelo Bizerril, ros da natureza. (LD) SAIBA MAIS Instituto Pró-Carnívoros: www.procarnivoros.org.br 11

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dia do ator em dublagem VERSÃO BRASILEIRA

Ator desconhecido já substituiu de Humphrey Bogart a Tom Hanks

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Filho de dubladores, Manuel iniciou cemagine um ator que tivesse a capacidado a carreira. “Eu era muito tímido e não de de sintetizar o charme de Humphrey queria fazer o teste. Fiz por brincadeira Bogart e a graça de Robin Williams; que e acabei sendo escolhido”, relembra. Aos pudesse conciliar a beleza de Kevin Costner com a versatilidade de Tom Hanks; que pos10 anos, tornou-se o dublador oficial da suísse a agilidade de Bruce Lee e a força de segunda fase brasileira do Pica Pau. Arnold Schwarzenegger. Impossível? Pois Emprestou a voz também ao Gênio (de saiba que esse ator múltiplo existe. E, se voOs Smurfs), à Fera (de A Bela e a Fera), e cê nunca ouvir falar dele, é porque ele tem ao Rei Leão. Isso sem falar no MacGyver e MANUEL GARCIA JUNIOR toda essa capacidade interpretativa, mas no super-herói que em todo desenho soltanunca deu as caras em fi lme algum. Esse fenômeno da dramaturgia va o brado: “Pelos poderes de Grayskull. Eu tenho a força!” Sim, ele atende pelo nome de Manuel Garcia Junior, um dos dubladores mais foi também o He-Man. presentes nas versões brasileiras de fi lmes estrangeiros. Sua voz esHoje já não escutamos sua voz em novas Produções com tanta freqüêntá em produções como À Beira do Abismo e A Gaiola das Loucas; cia. Isso porque, aos 41 anos, Manuel trabalha como diretor de criação Os Intocáveis e O Resgate do Soldado Ryan; Operação Dragão e O da Disney Character Voices International, braço da Disney para a traExterminador do Futuro. dução e dublagem de suas produções. Ele realmente tem a força. (NS) SAIBA MAIS www.infantv.com.br/garciajr.htm Junho 2008


9 DE JUNHO É O DIA NACIONAL DO BALOEIRO

Nem toda palavra explica tudo Por Lourenço Diaféria

N 12

a minha ignorância enciclopédica, desconheço muita gíria. Mesmo a palavra “baloeiro” não sei se existe de fato ou é invenção popular da molecada. Talvez seja um neologismo, que venha dos antigos tempos em que havia brinquedos de papel nos firmamentos na época junina. Eram os balões acesos e inflados com gás aquecido. A diversão chegou a ser famosa. A seguir foi arrefecendo, embora continue a existir em bairros populares. De toda forma, “baloeiro” lembra balão. E balão pode ser balão de oxigênio, balão de ensaio, balão de festa junina, balão de papel japonês, balão de qualquer coisa. Cartunistas também podem usar balão nas ilustrações gráficas. Porém, uma coisa não tem nada a ver com outra. Na vida também conheci baloeiros, raros. Gostavam de divertir-se soltando no ar balões coloridos confeccionados com papel de seda, nos quais se fixava uma boca redonda, quadrada ou triangular, feita manualmente com arame forte. Nela se prendia a tocha para acender e aquecer o ar. A tocha era confeccionada a mão, com estopa, breu virgem, vela picada e cacos triturados de vidro de garrafas inservíveis. Em geral, tudo bem amarrado e lubrificado antes de ser aceso com álcool, querosene ou gasolina. Por fim, o balão era solto da amarra das mãos paRa partir bojudo nos caminhos do firmamento. Balões de papel de seda com baloeiro em seu encalço eram motivo de orgulho e emoção. Vários chegaram a ser lendários. Resistiam na memória dos bairros. Serviam até de temas literários. Tive um mestre da língua vernácula especialista em ler na classe um conto que narrava o drama de um moleque que subira

Além dos balões pião, mexerica, caixa, charuto e almofada, que qualquer garoto sabia fazer, havia obras de arte para encantar a imaginação dos moradores dos bairros.

aos ares agarrado ao arame da boca de um balão, com a tocha incandescente derramando gotas de breu sobre a carapinha. Não era apenas nestes tempos ásperos que havia tragédias urbanas e suburbanas. No entanto, havia também belezas e rotinas multicoloridas no firmamento das cidades. Além dos balões pião, mexerica, caixa, charuto e almofada – que qualquer garoto sabia fazer, mesmo num espaço acanhado, numa casa de bairro pobre ou remediado –, havia obras de arte para encantar a imaginação dos moradores dos bairros. Tomaria licença para citar um negro-aço apelidado Carvão, que morava numa vila de sete casas geminadas e especializou-se em criar novidades baloeiras que trocava por manolitas em ótimo estado de conservação. Gostava de tocar pandeiro, se bem que tocava pessimamente. Não tinha ouvidos sãos por culpa de um acidente com uma bomba junina. Então mais tarde especializouse no novel ofício. A princípio dava de graça os balões caseiros. Depois passou a vendê-los. Tinha fama de nunca, jamais, ter perdido nenhum balão por defeito de fabricação. Saía-se gloriosamente. Com o tempo, esmerou-se no capricho. Confeccionava tanto zepelins de uma, duas ou três bocas de arame, como balão em cruz, balão santos-dumont, balão elefante, balão cabeça de padre e outros de que agora não me lembro. Consta que numa manhã de inverno o homem não se ergueu da cama. Deixou-se ficar gelado, sem coberta. Não teve morte trágica nem necrológio. Creio que ninguém se lembraria dela. Carvão era pretão, morava só, fazia balões enormes de papel de seda e morreu de mal súbito enquanto dormia.


JOSÉ MIGUEL WISNIK RONALDO FRAGA

FOTOS: MANOEL MARQUES

O futebol é um rito através do qual o país se enxerga

Quando surgiu seu interesse de escrever sobre futebol? Comecei a focar no assunto há muito tempo, não saberia datar. No começo dos anos 1980, um amigo me mostrou um texto do Pier Paolo Pasolini [cineasta italiano] sobre futebol. O texto é de 1971, logo depois da Copa. Ele dizia que o futebol pode ser jogado em prosa e poesia. E que sul-americanos, especialmente os brasileiros, jogam em poesia. Para mim, essa era uma definição precisa. Prosa é o futebol como um discurso linear, defensivo, com triangulações e cruzamentos para a finalização. O gol seria uma espécie de silogismo, como se fosse um raciocínio que você desenvolve e conclui. Pasolini diz que os brasileiros não jogam assim. Primeiro porque eles são monstruosos dribladores, a ênfase é o ataque. Criam espaços onde não há, por caminhos não-lineares. Aquilo, parA mim, foi um achado.

Professor de literatura brasileira, ensaísta, músico e compositor, ele vinha há tempos arquitetando um livro sobre futebol. A juventude na Baixada Santista lhe permitiu assistir a dezenas de partidas na Vila Belmiro e acompanhar de perto os ecos da Copa de 1958, façanha que completa o primeiro cinqüentenário em 29 de junho. Arrematou a obra depois de uma temporada na Universidade de Berkeley (Estados Unidos), onde se viu diante de uma invejável biblioteca sobre futebol – encontrou até um autor italiano que comparava Garrincha e Pelé aos filósofos gregos Heráclito e Parmênides. Desse caldo nasceu o recém-lançado Veneno Remédio (Companhia das Letras, 2008), com reflexões sobre o mais brasileiro dos esportes.

Há uma falha no império imaginário americano. Os esportes que interessam a eles não interessam ao mundo.

Como entender que o futebol tenha se tornado tão universal? É mesmo incrível. A Fifa tem mais integrantes do que a ONU. Em todo o mundo, nas mais diferentes culturas, o futebol está presente. Há uma falha no império imaginário americano. Os esportes que interessam aos Estados Unidos não interessam ao mundo, e o esporte mundial não interessa aos Estados Unidos. A ESPN e a Nike pensaram que implantariam o basquete, como implantaram a calça jeans, a CocaCola. Mas o negócio não fechou. No livro, eu queria descobrir por que o futebol tem essa expressão mundial e por que aparece o Brasil. O futebol é um rito através do qual o País se enxerga. Quando começa esse fenômeno? Isso começa em 1938. É a Copa em que, pela primeira vez, surge a idéia de que o Brasil e o futebol foram fei-

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tos um para o outro. Para as Copas de 1930 e 1934, foram mandados quaisquer combinados. A maioria dos jogadores eram brancos, com alguns negros. Em 1938 foi a primeira vez em que a miscigenação foi apresentada ao futebol do Brasil. Era uma seleção boa, com dois grandes jogadores: Domingos da Guia e Leônidas. Na volta ao País, depois da conquista do terceiro lugar, os ídolos foram carregados no ombro da torcida. E esses ídolos eram mulatos. É da mesma época a Aquarela do Brasil: “Brasil, meu Brasil brasileiro / Meu mulato inzoneiro...”. Éramos um País escravista e mestiço que tinha que se esconder de si mesmo. Então, finalmente, descobria-se que aquele segredo inconfessável se tornava um achado. Gilberto Freyre, que nessa altura já tinha escrito Casa Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos, tomava em 1938 o futebol como exemplo da teoria dele. Era a prova de que uma civilização luso-tropical tinha uma mensagem a dar ao mundo.

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O Garrincha infernizou os russos. Caía russo para tudo quanto é lado. Eles entraram em desespero.

Os três primeiros minutos daquele jogo de 1958 foram os mais impressionantes da história do futebol.

Mas na Copa seguinte, em casa, houve a traumática derrota diante do Uruguai... Pois é. O Brasil havia construído nada menos que o Maracanã, o maior estádio do mundo, num desejo de potência misturado com o que o Nelson Rodrigues definiu como complexo de vira-lata. Nelson chama o Maracanã de Hiroshima Psíquica. Pode-se dizer também que é uma espécie de Titanic Caboclo: o maior navio do mundo que afundou na primeira viagem. Na Copa de 1950, depois de um começo mais ou menos, houve duas grandes vitórias, sobre a Suécia e a Espanha, em goleadas fenomenais: 7 a 1 e 6 a 1. Todos os jornalistas estrangeiros diziam que o futebol brasileiro era espetacular. Por aqui, todos achavam que o título já estava ganho. O Uruguai vinha de resultados inexpressivos, e o empate na final favorecia o Brasil. Mas o futebol é traiçoeiro. Como o País salta de 1950 para a consagração de 1958? Em 1954, havia ainda a ressaca de 1950. Então, em 1958, ninguém acreditava na seleção brasileira – fora Nelson Rodrigues. Ele dizia que, se o Brasil se despisse do complexo de vira-lata, não haveria adversário para ele. Existia a dúvida em escalar ou não Garrincha e Pelé, que não começaram jogando. Pelé, porque era muito jovem; Garrincha, porque era o próprio Macunaíma encarnado. Você apostaria no Macunaíma para ser o seu herói? Lendo-se a biografia do Garrincha escrita pelo Ruy Castro, você percebe que a trajetória dele é igual à de Macunaíma. Ele é uma espécie de bobo sabido, que parece não saber nada, mas no fundo é mais esperto do que todos. Nos primeiros jogos a seleção empatou em 0 a 0 e ganhou da Áustria; mas não foi grande coisa. Já contra a União Soviética, entraram Pelé e Garrincha. Segundo diversos depoimentos, os três primeiros minutos daquele jogo foram os três minutos mais impressionantes da história do futebol. Nunca se viu um negócio tão avassalador.

A seleção de 1958 era a representação dessa nossa poesia no futebol, não? O Garrincha dribla uma vez, dribla pelo mesmo lado, depois volta para driblar de novo; Didi dá uma folha-seca; Pelé dá um passe em curva. Isso tudo é o que eu chamo de princípio da elipse. O que o futebol brasileiro inventa é a elipse. Elipse é a não-linearidade. Quando o jogador finge que vai e não vai, isso é um procedimento poético, uma espécie de paradoxo. De repente, os russos se viram dentro de uma cascata de elipses. Não achavam a bola em lugar nenhum. É uma linguagem criada por uma experiência coletiva que se traduz em algo que é, ao mesmo tempo, gratuito e eficaz. Era um recado do Brasil para o mundo.

As peladas também traduzem isso? Sim. A pelada é um modo de jogar em que às vezes nem se visa o gol. O Chico Buarque tem uma formulação muito boa para isso, em um texto que escreveu na Copa de 1998: a diferença entre os donos do campo e os donos da bola. Os ricos são os donos do campo, eles pegam a bola, tocam e recebem, mas não têm ciúmes dela; enquanto os pobres são os donos da bola. A bola gruda nele, a relação é com ela, independe do espaço. A pelada é uma relação com a bola, o gol é um acidente. O craque, claro, domina as duas coisas. Uma folha-seca do Didi, um drible do Garrincha ou um lençol do Pelé são o dono da bola fazendo elipses com ela. A elipse é a supressão de um elo na cadeia discursiva, dando um efeito inesperado. Em 1958 surgiu um império da elipse. Foi um momento em que as potencialidades do Brasil puderam enfim se afirmar. Havia uma arquitetura de importância mundial, a bossa nova. O Brasil já não é mais o país de uma monocultura agro-exportadora, um produtor de café. É um país que produz uma cultura de ponta, internacional. Por qual razão isso tudo desemboca em 1958? Isso é sempre misterioso. No período JK, havia a idéia de que o País daria um salto de modernização guiado pelos grandes artistas e intelectuais. Ao mesmo tempo, o País consagrou a bossa nova de João Gilberto e Tom Jobim, uma música de altíssimo nível, reconhecida nacional e internacionalmente. Houve um momento de criação com condições favoráveis de recepção, o que nem sempre acontece. Claro que com as contradições do Brasil. A esperança desenvolvimentista também gerou a dívida. Mais tarde, a ditadura militar implantou uma modernização conservadora, que não tinha como modelos esse grandes artistas e intelectuais. Houve uma retração na arquitetura oficial, na propaganda, em tudo.


Sua teoria das elipses vale para outras áreas? Na música eu enxergo isso. O samba e a bossa nova são ritmos sincopados, em que se está sempre no contrapé. O ritmo não está acentuado na cabeça do compasso, mas fora dele. João Gilberto fez isso: radicalizou a batida do samba, dando a ela esse princípio. A acentuação não está no lugar em que você espera e, no entanto, isso soa inteiramente fluente e natural. Nesse sentido, eu vejo que a música popular e o futebol expressam elementos análogos nessa época. Em um texto na revista Piauí, você fala da dualidade entre o bairro e o mundo, ao contar a história de quando encontrou Pelé buscando a irmã na escola. Essas situações faziam parte do meu cotidiano. Também o vi durante o serviço militar, depois da Copa de 1958, em São Vicente. Estava lá o Pelé, de sentinela na porta do quartel. Ele também foi uma espécie de gerente-propaganda na loja A. D. Moreira, vendendo liquidificador e geladeira. Eram coisas totalmente provincianas e domésticas que, no entanto, ganhavam dimensão mundial. Foi o primeiro espasmo da localidade com a globalidade, através de Pelé. Tem outra história que eu também conto: depois da Copa de 1970, o Pelé estava em um posto de gasolina em Santos, cercado de pessoas, explicando um lance qualquer, quando um amigo meu pede licença, passa entre os populares e pergunta: “Pelé, por favor, você pode me dizer onde fica a rua Djalma Dutra?”. Ele queria saber se aquela mesma cabeça que fez o gol na final da Copa, vista por milhões e milhões de pessoas, continha acesso a uma informação local. O que definiu o nosso triunfo em 1962, mesmo com a contusão de Pelé? 1962 é uma espécie de extensão de 1958. Garrincha tomou a responsabilidade para si e, em vez de só driblar e passar, fez gol de falta, de cabeça, lançamentos de 40 metros. Foi uma revelação. Justamente ele, que parecia ser irresponsável, um inconseqüente, o Macunaíma. O sociólogo Leite Lopes faz uma analogia interessante entre Garrincha e Pelé e as táticas militares: Garrincha é a emboscada, Pelé é a cavalaria ligeira. Na Copa seguinte, nova derrota, mas em 1970 vem a consolidação. Novamente, a história de Macunaíma. O herói, em lendas populares, tem que lutar três vezes para obter o triunfo. No caso da Copa, a taça Jules Rimet é a muiraquitã. Macunaíma ganha a muiraquitã e depois perde, roubam dele. O Brasil conseguiu ganhar a Copa mais desejada, invejada por todo mundo, e não foi capaz de guardá-la em si. Guardou a cópia da taça, expôs a original e aquilo foi roubado e derretido. É o ciclo macunaímico do futebol brasileiro.

Por que o Brasil demorou tanto a ganhar outra Copa? Em 1974 já começa o chamado futebol pós-moderno, uma grande mudança. O Brasil demorou a entender esse negócio. Voltava a história de que o futebol-arte não vale mais nada, que tinha de ser o futebol-força, coletivista, mais atlético. Sur Ge o carrossel holandês, uma loucura. É uma nova época, em que a tática ganha uma importância que não tinha antes. Zagallo e Coutinho haviam transformado a seleção em um time retranqueiro, de administração de resultados. É a modernização conservadora da ditadura em campo. Só em 1982, com Telê Santana, há a retomada do futebol atacante, criativo. O futebol brasileiro recupera sua identidade. Ocorre uma outra derrota, mas dessa vez sem a melancolia de 1950. E aí volta o Parreira em 1994 com aquela coisa defensiva, querendo deixar o Romário fora. O paradigma tecnocrático e o paradigma dialético macunaímico foram se batendo durante esse tempo todo. Em 1994 tínhamos um time que era um centauro com um aríete genial: o Romário, inventando gols do nada.

Também o vi durante o serviço militar, depois da Copa de 1958. Estava lá o Pelé, de sentinela na porta do quartel.

O que muda de 1994 para 1998? 1998 é a primeira Copa em que não existe nada que seja gratuito. Não há ninguém que não seja contratado por alguém. É a globalização do futebol. E ainda assim o futebol brasileiro revela, em 2006, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Robinho. O Brasil está pulsando, mandando sinais. E o Parreira novamente com a mentalidade retentiva. Ele não escala Robinho, um jogador ao mesmo tempo antigo e moderno, que faz o jogo andar, dá eletricidade. Houve a opção por dois centroavantes estáticos. A concepção de futebol do Parreira é pessimista, prosaica. Os jogadores foram acusados de serem mercenários. O Tostão diz que não: na verdade, eles foram muito comportados. Obedeceram demais ao técnico. Ronaldo é um símbolo do apogeu das marcas? O Ronaldo é o jogador mais importante desse momento da futebolização do mundo e da mercantilização sistemática do futebol. Num momento em que a Nike sacou que tinha que sair do basquete, apostou no Ronaldo. Na Copa de 1998, Zidane era representante da Adidas. E Brasil e França chegaram à final. Havia ali algo emblemático e sintomático: o grande embate extra-campo. A convulsão de Ronaldo é desses episódios de que só a literatura trata, porque não tem explicação. A cabeça do cara que é o número um entra em convulsão. Na final de 2006, vem à tona novamente a cabeça do número um, agora com Zidane. O número um não suporta a pressão e pira. O acontecimento mais significativo da Copa de 2006 é a cabeçada no zagueiro italiano. Não é um gol, uma jogada, mas a cabeçada. Isso diz mais daquela Copa do que qualquer jogo.

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Enigma Figurado

LIGUE OS PONTOS

asceu em 28 de junho de 1930, num navio que ia do Rio a Salvador. O registro de nascimento foi feito na capital baiana; o de batismo, em Juiz de Fora. Órfão de pai, começou a trabalhar na infância, ajudando a mãe a entregar marmitas. Foi na cidade mineira que ele se formou em Engenharia e começou a carreira política. Despontou como figura nacional em um momento de grande desilusão no País. Nutre profunda simpatia por um carro popular. (RC)

R.:

(primeiro nome)

REPRODUÇÃO/AE

N

1

a Invenção de um padre, seria apresentada na Exposição Internacional de Londres, mas o Brasil preferiu expor matéria-prima.

2

b O Brasil é considerado modelo na área deste invento, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

3

c Também criação de um padre, foi demonstrado pela primeira vez em Lisboa, para Dom João V e sua corte.

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d Foi criado por um alemão radicado no Brasil. No ano seguinte à patente, Uma empresa japonesa lançou um produto igual, ignorando o registro.

O Calculista das Arábias

ACERVO DA FAMÍLIA

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

O xeque Nasair e três damascenos gastaram 30 dinares em uma hospedaria. Os damascenos pagaram a conta, dando 10 dinares cada. O escravo que trabalhava na hospedaria informou que a despesa havia sido de apenas 25 dinares e devolveu 5. Cada damasceno tomou um dinar de volta, e deram as duas moedas restantes ao escravo, como gorjeta. Disse um damasceno: “Cada um de nós pagou 10 dinares e recebeu um de volta. Logo, cada um pagou, na verdade, 9 dinares. Nove vezes três é igual a 27, mais os dois dinares do escravo, obtemos 29. Onde afinal foi parar o dinar restante?”. Beremiz Samir, o Homem que Calculava, logo resolveu o enigma. E você, será capaz?

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BRASILIÔMETRO TESTE O NÍVEL DE SUA BRASILIDADE 1 Ano em que começou a imigração japonesa (celebrada em 18/6): (a) 1708 (b) 1808 (c) 1908 (d) 1928 2 Criador do Correio Braziliense, primeiro jornal do Brasil (lançado em 1/6/1808): (a) Rangel Pestana (b) Hipólito José da Costa (c) Rodolfo Dantas (d) Irineu Marinho

PALAVRAS CRUZADAS

3 Nome verdadeiro de Chacrinha (morto em 30/6/1988): (a) Ataliba Leonel (b) Senor Abravanel (c) Adalberto Feitosa (d) Abelardo Barbosa 4 Personagem do cantor Moreira da Silva (morto em 6/6/2000): (a) Kid Morengueira (b) Kid Moranguinho (c) Kid na Moranga (d) Karatê Kid 5 Sede da Eco-92 (3 a 14/6/1992): (a) São Paulo (b) Curitiba (c) Salvador (d) Rio de Janeiro 6 Profissão de Zuzu Angel (nascida em 5/6/1923): (a) atriz (b) cantora (c) estilista (d) modelo 7 Além de escritor, Paulo Leminski (morto em 7/8/1989) foi: (a) judoca (b) aviador (c) veterinário (d) ferreiro 8 Introduziu o Dia dos Namorados (12/6) no Brasil: (a) Bastos Tigre (b) Alcântara Machado (c) João Dória (d) Washington Olivetto Respostas na p. 32 AVALIAÇÃO – Conte um ponto por resposta certa: 0 a 2 - Brasilidade na reserva 3 a 4 - Meio tanque 5 a 8 - Tanque cheio

“O OBJETO EM SI NÃO CONTA; IMPORTA A MANEIRA COMO É APRESENTADO.”

Raoul Dufy


Diversão para pequenos

I L U S T R AC Õ ES

C : LU

IANO

TA S S O

e grandalhões

A história do menino que virou rei do banco. Mas contra a União Soviética, o t Ecnico resolveu mexer no time. Colocou o menino e outro jogador, um tal de Garrincha. Dois a zero para o Brasil. A seleção avançou para as quartas-de-final. Na partida seguinte, lá estava ele de novo. E aos 28 minutos do segundo tempo, fez o gol da vitória contra o País de Gales, seu primeiro em Copas do Mundo. Ainda naquela competição, nos dois últimos jogos, fez mais cinco – três na semifinal e dois na final, contra os anfitriões, a Suécia. Foi a primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil. E essa história aconteceu há exatos 50 anos. Vestindo a camisa 10, o tal menino ganhou ainda mais duas Copas. Precisa falar o nome dele?

Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do ALMANAQUE. Descubra a letrinha colorida escondida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você. 5

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TA AL

Z

VO E R EPE TIR EM

José atazanou o zagueiro jogando em ziguezague.

Copa do Mundo é a nossa outra festa junina

Solução na p. 32

N

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L

meio do gol

A

EstA parado no

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Se o Maracanã fosse um imenso prato de sopa, teríamos que dar mais de 104 bilhões de colheradas para limpar o prato. Coisa de maluco, né? As contas quem fez foi o Doutor Sabe-Tudo, muito conhecido de quem lia a revista O Tico-Tico na infância. Ele bem que explicou o raciocínio, que parte do fato de o Maraca ser um estádio oval que mede 317 metros no eixo maior, 279 metros no menor e ter altura máxima de 32 metros. A colher de sopa, ele esclarece, tem 15 cm3. Mas, já que a explicação não cabe aqui, nos resta acreditar. Haja sopa!

-LÍNG VA

UA

JÁ PENSOU NISSO?

TRA

N

o meio de um monte de adultos tinha um menino. Era o caçula da turma. O tal menino jogava futebol de um jeito que ninguém tinha visto. Corria rápido, driblava e dava chutes certeiros. Por isso ele estava no meio daquela turma que atravessou o oceano para jogar pela seleção. A responsabilidade era grande para tão pouco tamanho. Oito anos antes, o Brasil havia perdido a final da Copa do Mundo em pleno Maracanã. Na Copa seguinte, foi eliminado logo na terceira partida. Mas agora o time era bom. No primeiro jogo, o menino assistiu de fora do campo a vitória dos companheiros por 3 a 0. Passou a segunda, e nada de ele sair

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Sabe em que mês estávamos quando o Brasil ganhou a primeira Copa do Mundo? Junho. E quando a seleção voltou a erguer a taça, quatro anos depois? Junho. E quando tornou-se tricampeã, em 1970? Junho. Ou quando Ronaldo e Rivaldo garantiram o pentacampeonato para o Brasil? Nem precisa dizer, né? Isso porque é tradição que as Copas do Mundo aconteçam nesse mês. Dos cinco títulos do Brasil, apenas o de 1994 foi conquistado em julho, embora a festa tenha começado em junho... Junho 2008

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EEspecial Es spe sp pec eci cia ial al

a, heit l o ac

T ext o : L uc as Ca A rte: P rr a s c o aul a Ch i ur I l ust a tt o raçõe s : La ur a H uz ak 18 18

And r eat o

dar m ! Se a roça render vi a u s j a a çosa pr c ssi o mutirão que de A D i v o i n d o ” a v ai ter b da o. “Ô a Foli n o a a r s t i ante fartura esse tão o mês de junho pro rde icanas, e n h e r caipira , eça . Filho do interior ões af m d í g n ena, do l ç ria i co um abor im rsti edo e m p b e i u g t s r a a nte e de s bo as m esse ca clo da terra apa e , renta p r. S ade a d i t o a u i c v a do de causo red de café punha pra co c a r ntar a q ule uem quise b t n ã e o a p g r a e uma c . ach onver o. O o sítio g o s f a ao pé do a d ndo! riba do fogão d d n e lenh tá em ara chega a estal v a ando n mo a V

Não é de qualquer toco no chão que brota o jeito caipira de ser. Precisa fazer coivara, queimar a terra e rezar pras águas caírem. Só então, com seis dias de trabalho no risco, a cultura em apreço vem saída ao sol. Pragas e ervas daninhas fofam terra mais cansada. Isso também carpimos neste Especial Caipira. No mês do caboclo, já arregalando na folhinha em 24 de junho, este ALMANAQUE resolveu contar pra vosmecês uns causos cheios de sotaque típico do interior paulista, e mineiro, e matogrossense... Nascido em uma cultura marginalizada já na origem – “do entrechoque do invasor português com índios silvícolas e negros africanos”, para Darcy Ribeiro –, e além de tudo meio capenga pelo andar da carruagem, o modo de vida rústico do caipira resiste como Deus permite. Mas, como o “Hómi” é bão, ele dá

muita sabedoria pra quem vive no mato, perto das plantinhas, e por isso diz-se que diz-se que o caipira guarda no quintal um chazinho pra cada tristeza, não é mesmo? Pois só de olhar pro céu o sujeito já sabe te dizer quando vai pingar chuva na flor do cafezal. Tá com piolho, nêgo? Esfrega bem no cocoruto chá de erva-doce com vinagre, que é uma belezura pra matar bicho... E não pensa que assombração da mata é só mentiraiada que inventam lá na roça pra impressionar, não. Ocê quer ver outra coisa? Então senta aí que vai ouvir por que o caboclo risca naquele pinho tanta moda sobre passarinho. Quando chega junho, ê vem a Folia do Divino, ê vem os fogos de São João, ê povo animado. Quanta F estança, sô! Balancê, anarriê, caminho da roça...


Caipira gosta é de pegar o caminho da roça, picar a mula e queimar o chão depois da faina, ao fim do dia. Chega no rancho, janta sua farinha com feijão e arroz, que vai bem com qualquer mistura, emborca pinga no caneco e agarra desfiar as mágoas no dorso do pinho. Não é à toa que seja costume chamar de cebolão uma das afinações do instrumento de 10 cordas: de tão bonito, o cebolão arranca o choro de quem ouve a sua toada. Violeiro bão pra diacho, Ivan Vilela diz que o sujeito passa metade da vida tentando afinar a viola, e a outra metade tocando desafinado. É causo que na certa lhe contou um caipira de velho corte, daquele que Benze os

muriquinhos com galhinho de arruda e acredita em assombração da mata. Pois foi numa dessas prosas de luar alto que se campeou rio abaixo uma moda sobre o baruião que a passarada rebenta cantar de madrugada. O motivo dessa cantoria toda é simples que nem picar fumo em palha de milho. Quando a moda versa sobre passarinho assobiando no galho, o sujeito quer mesmo é se gabar de sua liberdade cabocla. Agora, se na primeira voz o mote tem boiada deitando pasto, capricha uma terça acima, porque é o vaivém do caipira sertão adentro o assunto dessa pauta. Ô se é!

Acredite você: música caipira é também coisa de doutô. Pode botar fé. O primeiro curso superior do mundo em viola caipira foi criado pelo departamento de Música da USP de Ribeirão Preto. Não é cascata de caboclo, não. É coisa certeira que nem talho no risco. O sujeito interessado, quem diria?, pode virar bacharel na violinha. A idéia da criação do curso surgiu quando os pesquisadores se deram conta de que o instrumento, além de simbólico para o sertanejo, é também difundido pelo mundo inteiro, inclusive na música erudita. Pegando uma beira na fala de Ivan Vilela, um dos entendidos lá do trem: “É a baixa cultura entrando no templo da alta cultura”.

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Viola bem ponteada

Cá pra nós, o caipira há de reconhecer: se o assunto é harmonia, não dá pra se vangloriar tanto – apesar de que, quando assobia, o caboclo solta cada melodia bonita... Mas se o tema é ritmo, aí não falta variação, nem técnica, nem criatividade. Para o sujeito que não entende do riscado, eis alguns toques de viola e exemplos no cancioneiro. Guarânia (Índia, de Manuel Ortiz Guerrero e J. Asuncion Flores, com versão de José Fortuna) Cururu (Menino da Porteira, de Teddy Vieira e Luizinho) Toada (Chico Mineiro, de Tonico e Francisco Ribeiro) Valseado (Beijinho Doce, de Nhô Pai) Rasqueado (Estrada da Vida, de Zé Mineirinho e Lia Morena) Cana-Verde (Moreninha Linda, de Tonico, Priminho e Maninho) Xote (Adeus, Mariana, de Pedro Raymundo) Cateretê, ou catira (Boiadeiro Feliz, de Pardinho e Dito Mineiro)

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“Entre as raças de variado matiz, uma existe a vegetar de cócoras, incapaz da evolução. Feia e sorna, nada a põe de pé.” Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, um caipira dito atrasado e cheio de vadiagem, resolveu garrar na enxada, cuspir na palma da mão e vir espiar o que andam espalhando a respeito da sua pessoa por aí. O caipira é do jeito que é, assim meio quietão, e tem lá suas razões. O sociólogo José de Souza Martins rebate as palavras de Lobato: “O caipira preguiçoso estereotipado contrasta radicalmente com a profunda valorização do trabalho entre as popula-

ções caipiras do Alto Paraíba, nas vizinhanças da mesma região montanhosa em que Lobato trabalhou”. Ou seja, quem enxerga o caipira como quem não tem o que fazer deve estar é ruim das vistas. Nunca vi, que nem o sitiante, sujeito tão ligeiro pra carpir uma roça e cuidar dos bichos, nem tão disposto a ajudar a vizinhança num mutirão pra colheita. Cheio de honra na sua palavra, o Jeca recebe de bom grado a mesma ajuda que, a troco de serviço, retribui no sítio dos parceiros. Porque na roça é tudo assim: trabalho é o que não falta e o que se recebe é pra Deus.

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Nada de vadiagem pra quem abriu esse Brasil na enxada e na coragem. O professor Antonio Candido explica melhor: “Da formação histórica de São Paulo resuLtou uma sociedade cujo tipo huresuL resu mano ideal foi o aventureiro, [...] irmanando-se na vida precária imposta pela mobilidade [...] que deixou no caipira certa mentalidade

de acampamento”. Na beira dos desbravadores do tempo das Bandeiras, o lavrador desbandeirizado foi ficando pelas veredas, capengando no ócio. Marginalizados, se tornariam agregados dos afazendados na cana, fincando pé como sitiantes nas roças de toco, cuidando só do de comer e lavrando assim a raiz da cultura caipira.

Consagrado por retratar o mourejar do interiorano, o pintor Almeida Júnior (1850-1899) é autor da inconfundível tela O Caipira Picando Fumo. Mas que caipira era esse? Dona Ofélia Fonseca de Almeida revela que o personagem era figura real: “Nhô Joaquim era um tipo alto, esguio e reservado, que conheci muito. Morava esse caboclo com seus irmãos num rancho em terreno de nossa fazenda; plantavam o necessário para comer e de lá não saíam e nem apareciam a ninguém”. Pra quem quiser espiar, a tela faz parte do acervo da Pinacoteca do Estado, em São Paulo.

CAIPIRA PICANDO FUMO, ALMEIDA JR., 1993.

O FAMOSO PICADOR DE FUMO


Glossário da Roça

Algumas palavras e expressões do povo do campo Mistura de português arcaico com castelhano, línguas africanas, tupi-guarani e fonemas criados no meio rural, o dialeto caipira é uma forma de manter vivo um jeito de viver que está sumindo. Mesmo sem saber, e às vezes até envergonhado, o caipirês é uma forma de resistência da tradição. O sotaque do caboclo, seu chapéu de palha ou as mentiras que conta pra impressionar ganharam o nome bonito de Patrimônio Cultural Imaterial. Articulando palavras abreviadas, reduzidas pela metade, sem concordância no plural, com pronúncia diferente do padrão formal, esse jeito de falar está longe de ser errado. O parâmetro do certo sempre foi a cultura erudita, mas o costume popular e tradicional também tem seu eSpaço. Afinal, esse sotaque carregado expressa todo um modo de ser.

O caipirês cai na prova No município mineiro de Carmo do Rio Claro, a Secretaria Municipal de Educação oficializou o projeto Vida Rural na rede de ensino. É o caipirês como matéria sobre lin-

bacuri: criança recém-nascida bestagem: bobagem caboco: pessoa muito simples campiá: procurar dasveis: às vezes de banda: de lado escangaiado: destruído estórva: atrapalha gaitada: risada estridente meia-pataca: insignificante módequê?: qual a razão? nhô: tratamento respeitoso de senhor orná: combinar pé de boi: pessoa decidida, muito trabalhadora questã: briga jurídica; pergunta réiva: raiva suzim: sozinho táio: talho; corte tôco: pessoa muito rude; pedaço pequeno de um tronco xicra: xícara zambeta: que tem a perna torta zarôio: caolho zóio: olho zorêia: orelha zunhada: unhada, arranhar com as unhas

guagem, crendices, música e medicina popular. O objetivo é valorizar a identidade do povo que mora no interior. Com isso, desde cedo os pititicos

Extraído de Pequeno Dicionário de Caipirês, de Antônio Carlos Affonso dos Santos (Nativa, 2001).

já se dão conta de que a cultura caipira é motivo de orgulho.

SAIBA MAIS Os Caipiras de São Paulo, de Carlos Rodrigues Brandão (Brasiliense, 1983). Música Caipira: As 270 maiores modas de todos os tempos, de José Hamilton Ribeiro (Globo, 2006). Os Parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido (34, 2001). A Arte de Pontear Viola, de Roberto Corrêa (2000).

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Raul Seixas

Rei do rock brasileiro Por Danilo Ribeiro Gallucci

Ele nasceu apaixonado pelos segredos do universo e pelo desejo de transpor barreiras. Com visual à la Elvis Presley, saiu da Bahia para mostrar como o Brasil podia fazer rock and roll. Desafiador, misturou

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baião com guitarra e urrou palavras

JUVENAL PEREIRA/AE

reproduzidas como hinos até hoje, quase

R

aul pequeno era muito inteligente e travesso. Pegava os cadernos do colégio para fazer histórias, como se fossem quadrinhos. Escrevia, desenhava e vendia para o irmão. E o bobo comprava. A lembrança é de dona Maria Eugênia, que o trouxe ao mundo em 28 de junho de 1945, em Salvador. Ao invés de ir à escola, o menino queria mesmo era saber dos mistérios da vida, ser escritor como “Jorge Amado, viver de literatura, ficar assim em casa escrevendo, a camisa arregaçada, o cigarro com uma cinza enorme”. Lia de astronomia a Dom Quixote. Andava com uma vassoura dentro de casa, pregando como filósofo.

duas décadas depois de sua morte.

Achou que fosse louco. Não estava de todo errado. Em 1962, forma o primeiro conjunto, os Relâmpagos do Rock. Nos shows, era comum dissertar sobre Freud: “Era tão incrível eu falar de ego e de superego pros caras, não entendiam nada”. Já com o nome The Panters, tocam com Roberto Carlos e Wanderléa. Em 1968, sai o disco Raulzito e os Panteras. Em 1970, Raul deixa a banda e vira produtor da gravadora CBS. Compõe 80 músicas para artistas como Jerry Adriani, Trio Ternura, Renato e seus Blues Caps, entre outros. Mas o trabalho o entediou até o cavanHaque. Resolve fazer um disco ousado, caótico: junta Miriam Batucada, Sérgio Sampaio, Edy Star, o porteiro do prédio, o pipoqueiro da rua e quem mais passasse. A Sociedade da Grã-Ordem


ARQUIVO /A

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ANO/AE NORMA ALB

Kavernista Apresenta Sessão das Dez é, segundo o fundador de seu fã-clube oficial, Sylvio Passos, um dos discos mais conhecidos de Raul no exterior. No sétimo Festival Internacional da Canção, de 1972, com roupas de couro e topete à Elvis, emplaca Let me Sing, inusitada mistura de rock com baião. Em seguida lança o compacto Ouro de Tolo, prensado duas vezes em apenas uma semana.

O LOUCO E O MAGO “Se fi zer uma lista com os dez maiores discos do Brasil de todos os tempos, eu boto o Krig-Ha, Bandolo! entre eles.” Quem diz é Gilberto Gil. Krig-Ha, Bandolo!, grito de guerra do Tarzan, significa “Cuidado, aí vem o inimigo”. O disco marca o início da parceria com Paulo Coelho. Raul contava que se conheceram enquanto um disco voador sobrevoava a Barra da Tijuca. O álbum Gita, de 1974, traz alguns de seus maiores sucessos: SOS, Trem das Sete, Sociedade Alternativa, além da faixa título. Mais de 600 mil cópias vendidas. Em 1975, Novo Aeon, o álbum preferido de Raul, vende um décimo do predecessor. Ainda assim, seus shows duram duas horas e meia: “Eu não fazia shows propriamente. Eu fazia discursos, queria dizer coisas às pessoas.” Os próximos trabalhos, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás (1976) e O Dia em que a Terra Parou (1977), também não repetem o sucesso, mas fazem interessante contraponto de canções irônicas com baladas, mostrando complexidade lírica e apurado tino poético. Por volta de 1978, seu corpo franzino dá os primeiros sinais do desgaste provocado pelo alcoolismo. Recuperase na fazenda da família no interior da Bahia. Em 1979, lança o disco Mata Virgem. Mas sua volta triunfal é mesmo em 1980, com Abre-te Sésamo. Raul foi testan-

Foi testando a abertura militar aos poucos. Quando a letra de Rock das Aranha volta riscada com um enorme X vermelho, entende qual era o maior problema dos militares: sexo.

do a abertura militar aos poucos: primeiro manda para a censura a letra da faixa título, que faz analogia dos militares com Ali Babá e os Quarenta Ladrões. Aprovada. Depois, Aluga-se (“A solução é alugar o Brasil”), também aprovada. Se a esmola é demais, o santo desconfi a. Quando a letra de Rock das Aranha (“Vem cá, mulher / Deixa de manha / A minha cobra quer comer sua aranha”) volta riscada com um enorme X vermelho, entende qual era o maior problema dos militares no momento: sexo. 23

O REI E O REI Em 1983, lança o LP Raul Seixas e participa do musical infantil Plunct Plact Zum, com a música Carimbador Maluco. O trecho “Tem que ser selado, registrado, carimbado /Avaliado, rotulado se quiser voar” é tirado do livro do anarquista Jean-Pierre Proudhon, A Propriedade é um Roubo. Depois de alguns anos sem fazer shows, e com discos pouco reconhecidos, Marcelo Nova, seu fã e ex-vocalista da banda Camisa de Vênus, chama-o para uma série de apresentações pelo Brasil. Desbanca qualquer negativa com o argumento: “Raul, quem foi rei nunca perde a majestade”. Fazem quase 50 shows, culminando no disco A Panela do Diabo, de 1989. Marcelo lembra: “Era visível o estrago que 20 anos de alcoolismo fizeram no organismo de Raulzito. Mas o mais importante era o fato de que o desejo de trabalhar, de mostrar que era capaz, era superior a qualquer processo de debilidade física”. Em 21 de agosto de 1989, dois dias depois do lançamento do último disco, Raul morre, com o retrato de Elvis a seu lado. SAIBA MAIS Raul Seixas: Uma antologia, de Sylvio Passos e Toninho Buda (Martin Claret, 2000).

O M ELHOR PRODUTO DO BRASIL É O BRASILEIRO CÂMARA CASCUDO

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Marajó

Múltipla ilha Tem mais de 40 mil quilômetros quadrados esse pedaço de Brasil descolado do continente, mas abraçado pela natureza exuberante da região Norte. É quase uma Suíça. E não apenas pelo tamanho é impossível desvendar este que é o maior arquipélago fluvio-marinho do mundo. De acordo com a estação, ele se transfigura e multiplica. Mas é único. Texto, fotos e ilustrações de Heitor e Silvia Reali

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RAROS SÃO OS LUGARES COMO MARAJÓ, EM QUE É POSSÍVEL SENTIR TÃO CLARAMENTE A FORÇA DA NATUREZA.

O

viajante que chegar desavisado a estas paragens certamente vai se surpreender. Dependendo da maré, águas ora doces, ora salgadas disputam o mesmo espaço, e tem-se a impressão de que vão desaparecer, ou inundar a Terra. Nesse recanto, a reverberação de um sol alucinado faz as praias e o mar parecerem uma lagoa transparente, se desfazendo em vapores. E, segundos antes de o sol nascer, o sujeito vai assistir à explosão de uma vida misteriosa, sob a forma de um concerto entoado por milhares de pássaros.

Como entender se num relance as cenas mudarem, passando para uma paisagem opressora sob um fundo negro de pesadas nuvens? As áreas sendo batidas por ciclônicas tempestades, inundadas por chuvas torrenciais, crestadas sob um voraz vento tropical... Pelo rugir dos trovões, é como se Deus tivesse vindo à Terra para acertar as contas, e sem a menor disposição para armistícios. Este lugar é a foz do Rio Amazonas, a pátria das águas, abrigo do Arquipélago de Marajó. Raros são no mundo os luga-


res onde se pode ver tão claramente a força criadora da natureza e sua contínua mutação. Nesse mundaréu único, do tamanho da Suíça, a dualidade está presente em tudo. Dualidade de espécies de animais marinhos e fluviais, dualidade de solo – metade campos naturais, metade florestas – vida no seco e vida submersa. E o caboclo dança conforme a época. Ora é pescador, ora caçador. Sua casa sob pilotis (caneluda, como se diz por lá) ora parece barco boiando nas águas, ora suspensa no ar. Quando não se pode dizer ao certo onde acaba a água, onde termina a terra, vai de búfalo, forte e dócil. No seco vai no cavalinho marajoara, o Puruca, resistente e topa-tudo. Para se ir mais longe vai de navio-gaiola, levando sua rede para dormir em suspense, pois estes barcos pecam no quesito segurança.

Tramas da natureza Como desvendar os mistérios de uma região se não entrarmos e percorrermos todos os seus cantos, cada meandro? Os igarapés se abrem para todos os lados, como estradas para um mundo mágico. A luz obedece ao comando das árvores e se transforma em faixas que desabam lá embaixo. Aos poucos começam a surgir “árvores que dão pássaros”, tal a quantidade deles aninhada entre seus galhos. São guarás vermelhos, garças, mergulhões e jaburus. Nas margens, marcas que parecem esteiras de trator indicam que há pouco jacarés-açu cumpicharam alguma trama. A lista de atrativos é imensa. Há história, arte e encantamento por toda parte. Nos campos abertos, o arquipélago comporta um mostruário bastante completo da fauna amazônica. Pássaros coloridos e canoros – pequenos como o baeta e o uirapuru-cabeça-encarnada, e maiores como o japiim, araras, papagaios, tucanos, tuiuiús, saracuras e maguaris – cruzam os céus deixando um rastro de música. Capivaras, antas, jibóias e sucuris desfilam em terra firme. No cinturão das águas concentra-se um rico viveiro de peixes, como o pirarucu, piramutaba, pirarara, peixe-boi e tamuatás, além dos botos cinza e o rosa. As fazendas de criação de búfalo – centenárias e rústicas, mas imponentes – são a essência do lugar. Visitá-las é entrar na vida dura e espartana do NA LISTA DE ATRATIVOS DO ARQUIPÉLAGO, AS “ÁRVORES QUE DÃO PÁSSAROS”. marajoara. Não estivesse o ar-

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quipélago lastreado fortemente nessa vida concreta, Marajó já estaria à deriva no mundo do sobrenatural, com seus mitos, visagens, feitiços e divindades. Marajó reserva belezas a cada época do ano. O arquipélago é, de fato, uma coisa e outra nas duas estações do ano em que se transfigura: a das enchentes – de janeiro a junho – e das vazantes – de agosto a dezembro. Quem a vir numa só dessas estações levará dela uma imagem tão verdadeira quanto enganosa.

Não deixe de ver... e pedir

MARAJÓ TEM MAIS Museu do Marajó Na cidade de Cachoeira do Arari, inspirado na observação de que o brasileiro tem olhos na ponta dos dedos, o padre italiano Giovanni Gallo criou, em 1972, o Museu do Marajó, onde o proibido é não tocar. Interativo e lúdico, o museu possui catalogação original. Com móbiles, rodas, engenhocas e painéis ilustrativos, o padre desenvolveu verdadeiros computadores caboclos. Ali se conhece o Marajó e suas faces em todos os detalhes e riquezas.

Afuá Ao norte do arquipélago, essa cidade é chamada carinhosamente pelos moradores de Veneza Marajoara. Seu charme peculiar reside em ser toda construída em palafitas. Casas, escolas, prefeitura, igreja, coreto, hospital e comércio são ligados por passarelas de concreto, ou mesmo de madeira. O único veículo permitido são as bicicletas. E saiba que a cidade é grande, tem 11 mil habitantes. Outra curiosidade: seu cemitério é constantemente inundado, o que leva os afuenses a dizer que morto por lá morre duas vezes, a última por afogamento.

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Gelado que não é sorvete A cidade de Cachoeira do Arari é festeira. Uma das mais importantes festas é a manifestação de carinho a São Sebastião. A igreja de Nossa Senhora da Conceição é meta dos peregrinos e devotos que, com longas fitas

Em toda a ilha lê-se em tabuletas: Vende-se choop. Trata-se de uma espécie de sorvete feito em casa. Chupitar é curtir devagarzinho um gelado de cupuaçu, de taperebá, ou outra fruta da ilha.

vermelhas, ornamentam a imagem do santo em seu nicho. Quanto maior o pedido, maior a fita.

Preste Atenção Ao anoitecer, as morenas de Marajó se vestem de sereia e ilustram uma história de sedução dançando o carimbó. Enfeitam-se: as saias com estampas coloridas lembram as escamas fluorescentes da Iara. As blusas brancas e rendadas sugerem a espuma, e os colares de contas são as bolhas d’água. Grupos folclóricos se apresentam nas praças das cidades e nas praias nos finais de semana. O som é dos instrumentos de percussão, de cordas, flautas e atabaques.


Prata da Casa

Ulisses, búfalos e Luis Leal P

ara explicar Marajó só Na véspera, tudo já foi deiapelando para Ulisses. xado limpíssimo: vasilhas, panelões e colheronas; Tal qual o mitológico navepotes, cuias, formas e pagador, o caboclo enfrenta nos de algodão. Do teto ao redemoinhos, sombrios igachão, está tudo um brinco. rapés, cruza com a pororoO mestre queijeiro da Faca e desafia lendas e mitos. zenda Anjos, Luis FerreiO próprio búfalo, dono do ra Leal, 48 anos, às cinco leite e desta nossa história, da matina inicia a arte de chegou lá como náufrago. transformar oito litros de Uma historinha diz que, nos leite de búfala em um quiidos dos anos 1920, um barFABRICAÇÃO DO QUEIJO DE BÚFALA. lo do mais puro e cremoco lotado dessas criaturas so queijo. Começou aos 3 anos, auxiliando o pai. Aos 9, afundou ao largo da ilha. Fortes e resistentes, os bichos já estava pronto para dirigir três ou quatro taludos ajunadaram nas temperamentais águas, alcançando a praia. dantes, além de controlar todo o processo. Lá encontraram tanta lagoa, tanto mato verde, que até É preciso bater o leite à mão, pois nem sempre a luz elépensaram ter voltado para sua terra natal, a Índia. Por istrica chega aos recantos mais isolados da ilha. Por fim, so se acostumaram tão bem. depois de seis a oito horas de mexe, peneira, coa, coziVoltando a Ulisses, conta-se que o navegador, vagando nha, estica e rala, a iguaria divina está pronta. No dia sepor décadas no mar, não reconheceu Ítaca, sua ilha naguinte, ainda de madrugada, segue para Belém no lomtal, até que provou de um pedaço de queijo. O queijo bo do búfalo, e depois de barco. “E de lá para o mundo”, grego, assim como o marajoara, deixa marcas, “... mas o arremata Luis, orgulhoso. trabalho que dá pra fazer é que é”, diria Caymmi.

SERVIÇO Como chegar A TAM oferece vôos diários para Belém, saindo das

Onde ficar

principais cidades brasileiras. Confi ra em www.tam.com.br

Fazenda do Carmo, em Salvaterra. Uma das melhores do Marajó em

Onde comer

termos de acomodações, serviços e alternativas de passeios. Seu acesso se dá pelo rio Camará, em 30 minutos de voadeira. Tel.: (91) 3241-2202.

Restaurante Delícias da Nalva, em Soure. A especialidade da casa é o banquete marajoara, que inclui: peixe, frito do vaqueiro, frango, caranguejo e camarão. Tel.: (91) 9141-6848. Restaurante Patú-Anu, em Soure. Culinária a base de frutos do mar. Destaque para um painel que retrata a Santa Ceia com comidas típicas marajoaras. Tel.: (91) 9115-4299.

Pousada Aruaque, também em Salvaterra. Piscina e boa gastronomia são os pontos fortes dessa pousada às margens do Paracuari. O proprietário, Paulo Acatauassú, organiza viagens personalizadas pela região. Tel.: (91) 9969-8002. www.pousadaaruaque.com.br

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CASTANHEIR A-DO-PAR Á Bertholletia nobilis Miers.

Rainha da floresta A castanheira-do-pará dá um fruto que traz bom humor e aumenta a longevidade, graças ao selênio presente em sua castanha. Limpa as artérias, reduz o colesterol. Modera o apetite. Faz tanto sucesso lá fora que ganhou outro nome, Brazil nut: castanha-do-brasil. Por Mylton Severiano

P FLORA BRASILIENSIS/VON MARTIUS

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ovos de língua inglesa têm um ditado: Uma maçã por dia mantém o médico longe ((An apple a day keeps the doctor away). Podemos adaptar para um fruto nosso: Uma castanha-do-pará por dia sua velhice adia. Veja, se você comer uma só semente da castanheira-do-pará pela manhã, já garantiu sua dose diária de selênio. Esse guardião do organismo nos defende de bactérias, vírus, câncer, catarata, herpes, degeneração celular. E melhora o humor – o vizinho ranzinza pode ter carência de selênio. Recomende. A castanheira é árvore imponente, tronco ereto, até 4 metros de diâmetro na base. Atinge 30, 50, até 60 metros – altura de um prédio de 20 andares. Cresce no Amazonas, Pará, Rondônia, Acre, Tocantins e Mato Grosso. Mas brasileiros de outras paragens a cultivam, ela vinga até no sulista São Paulo. Tal como tantos casos no reino vegetal, o que comemos dessa árvore não é sua fruta, o ouriço, que pesa entre meio quilo e um quilo e meio. A cápsula marrom escura brilhante, que semelha um coco, contém entre 15 e 24 sementes, as castanhas – estas sim a gente come, depois de quebrar as duras cascas que as envolvem. Durante uns cinco meses, entre o fim de um ano e o início

do seguinte, mais de 100 mil amazônidas se aplicam a uma mesma atividade, típica do norte: coletar castanhas. Ninguém precisa escalar as árvores. Os ouriços caem ao amadurecer. Consumimos a semente ao natural, picada, ralada, torrada. É comum na culinária nortista o “leite” de castanha. E dela extrai-se um azeite extra virgem, de delicado sabor. Se você já está esfaimado bem antes do almoço, coma umas castanhas. Aplaca a fome e depois você come menos. Não se preocupe: a castanha não engorda. Faz parte do seleto grupo das oleaginosas que carregam nutrientes e ativam a queima de gorduras, e ainda mantêm estável o nível de açúcar no sangue. Por nutrir-se apenas do adubo da floresta, a castanheira produz um fruto 100% natural. Nesse tempo de afã por terras férteis para obter biocombustíveis em prejuízo do alimento, é bom lembrar: o imemorial extrativismo harmoniza o meio de sobrevivência do caboclo com preservação da floresta. E ainda gera empregos e traz divisas. Vamos de castanha-do-pará. Lá fora, médicos recomendam a Brazil nut. Será que existe algum brasileiro que nunca comeu uma?


Homenagem aos castanheiros E

DAN BARON

m 1999, três anos depois do massacre de Eldorado dos Carajás, em que a PM do Pará matou 19 sem-terra e mutilou 69, meu amigo Dan Baron, arte-educador, rumou para lá. Ele é coordenador da Aliança Mundial pelas Artes Educacionais. Com a comunidade, desenvolveu um projeto “estético-político”. Muitos ali tinham sido expulsos de castanhais pelas queimadas de fazendeiros. Dan perguntoulhes o que simbolizava o massacre.“A castanheira. Nossos pais foram castanheiros, nossos avós.” Resolveram erguer um monumento com 19 castanheiras

Nosso herói, o selênio

calcinadas e 69 pedras pintadas de vermelho.“Era preciso denunciar a violência, poeticamente, e mostrar a eficácia do fazer coletivo”, diz Dan. Em forma do mapa do Brasil, no local do massacre “plantaram” 19 troncos enegrecidos. No centro, um toco-altar com os nomes dos mortos, e ao pé 69 pedras “ensangüentadas”. Dan voltou lá em 2006 e participou da “segunda edição”, agora com filhos das vítimas. Não mais um lamento do passado:“Um monumento não de morte, mas de vida”. Um grito do futuro, como o nascer de uma castanheira.

E o que mais?

IOLANDA HUZAK

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IOLANDA HUZAK

C P

resente em todo o corpo, e abundante nos rins, fígado, baço, pâncreas e testículos, ele é antioxidante por excelência: neutraliza os radicais livres, retardando o envelhecimento. Fortalece o sistema imunológico e equilibra a tireóide, fundamental para o funcionamento das células. Previne câncer de pele, próstata, mama, pulmão, bexiga, útero, ovário, fígado. Estimula a lactação. Mantém a elasticidade dos tecidos.Aumenta a potência sexual. E acredita-se que atua contra a aids, pelo papel no sistema imunológico.

astanha-do-pará tem: “gorduras do bem”, que reduzem o colesterol, previnem doenças cardiovasculares, esclerose, mal de Alzheimer; vitamina E, antioxidante; zinco, produtor de glóbulos brancos – nosso sistema de defesa; magnésio, que controla a pressão e acalma a mulher em TPM; potássio, para os músculos; ferro, para o sangue; e tanta proteína, que chamam essa oleaginosa de carne vegetal. Em cosméticos, seu óleo, por formar uma película protetora, impede a pele de ressecar e a deixa hidratada e macia.

SAIBA MAIS Árvores Brasileiras, vol. 1, de Harri Lorenzi (Plantarum, 2002). Instituto Plantarum: www.plantarum.com.br

Mylton Severiano é jornalista.


Fórum discute educação para os negócios, com sustentabilidade

A

contece em Curitiba, de 18 a 20 de junho, o Global Fórum América Latina, encontro que reunirá universidades, empresas, poder público e sociedade civil para repensar o papel da educação para os negócios, com foco na sustentabilidade. Entre os destaques da programação está a presença do consultor indiano Ram Charan, tido como um dos maiores especialistas em governança corporativa da atualidade. A palestra de abertura do fórum será proferida pelo repre-

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sentante do Pacto Global da ONU, Jonas Haertle, e pelo presidente da Associação Nacional de Pós-graduação e pesquisa em Administração (Anpad), Carlos Osmar Bertero. O primeiro Global Fórum reuniu, nos Estados Unidos, em 2006, cerca de 400 líderes empresariais e representantes do mundo acadêmico de 40 países. Os resultados desta edição latino-americana serão levados ao Global Fórum mundial, marcado para 2009, nos Estados Unidos.

Banco do Brasil recebe projetos culturais para 20 09

Vianna à O acer vo de Klauss que distância de um cli

Em maio, o Banco do Brasil anunciou o conjunto de ações para ampliar sua atuação cultural, além de abrir inscrições para projetos que irão compor a grade de programação dos Centros Culturais do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, e também do Centro Cultural Banco do Brasil Itinerante. As inscrições podem ser feitas até 12 de junho no site www.bb.com.br/cultura. Além disso, o banco recebe até 31 de julho propostas para patrocínio de projetos culturais. No portal estão disponíveis informações sobre prazos, documentação e critérios de seleção. Os resultados devem ser publicados em 10 de dezembro. A fim de divulgar sua atuação e capacitar produtores, artistas e interessados para o processo de inscrição de projetos, o banco realizará 23 Seminários Culturais até o final de 2008.

Considerado mestre da expressão corporal e um dos precursores da improvisação como linguagem cênica e da interface entre linguagens, Klauss Vianna (1928-1992) influenciou diferentes gerações de artistas. E promete seguir influenciando, se depender do Acervo Klauss Vianna, inaugurado em abril. O acervo amplia a difusão e preservação da memória das artes cênicas brasileiras por meio da criação de uma obra de referência eletrônica, que reúne vida, obra e repercussão das experiências e idéias do bailarino, coreógrafo, ator, diretor artístico, crítico de dança, professor e pesquisador. São mais de 3.500 documentos digitalizados; 600 textos de imprensa; 21 manuscritos e textos inéditos; 17 vídeos; 387 fotografias selecionadas entre mais de mil catalogadas; além de 57 desenhos de figurinos e cenários originais. Tudo disponível à distância de um clique. Visite: www.klaussvianna.art.br

Aproveite este balcão para mandar sugestões. Valem desde notícias de projetos culturais a informações sobre editais: armazem@almanaquebrasil.com.br O Armazém está de portas abertas.


A alma da História são histórias.

A fé não pode faiá Por Joel Rufino dos Santos

Q

uando garoto, morei numa vila de marítimos. Seu Jorge, nosso vizinho da direita, viajara pelos três continentes como telegrafista. Perguntamos como era o inglês. “Ah, Ah, é o português sem bigode”. bigode Uma forma histórica de preconceito é achar o estrangeiro burro, principalmente se você é o nativo e ele o colonizador. Burro é o que chegou de fora e se dá bem, enquanto você, da terra, grama pra sobreviver. Lógica estranha. O curioso é que, em compensação, o estrangeiro, pelo menos até o século 19, costumava achar o brasileiro pouco inteligente. Um certo Thomas Ewbank, inglês que se dera bem em Nova Iorque, andou pelo Rio em 1846. Muitas vezes, o que registrou como pouca inteligência é outra coisa: hábitos da sociedade patriarcal escravista. Quando Ewbank escreveu o seu “diário de uma visita ao país do cacau e das palmeiras”, essa sociedade já tinha três séculos de vida. Mostraram a ele, na rua do Catete, uma bela mulher vestida de farrapos. De linhagem nobre, herdara uma fortuna da mãe. Seu pais e irmãos cobiçaram-lhe a riqueza e, de conluio com a abadessa do Convento da Ajuda, puseram-na numa caixa com furos (para respiração), levaram-na, aos berros, para a clausura. Fugira três vezes, e o pai e os irmãos a devolviam à força. Por fim, a natureza não mais resistiu – conta Ewbank. Os castigos (fome, quarto escuro, grilhões, surras) quebraram a resistência da coitada: perdeu a razão. Quando fez 50 anos, a abadessa comeLAU RA HU ZA K

TO EA DR AN

çou a liberá-la para passeios fora do convento. Os irmãos, a essa altura, já tinham lhe tomado tudo. Sua enfermidade mental era do tipo manso. No Natal fazia presépios do Menino Jesus, mudava inteiramente as roupinhas dos santos, consertava as antigas. Quando dizia estar possuída por um espírito maligno, vinham exorcistas de longe, em vão.

E

wbank anotou com desprezo outros sinais da nossa “burrice”. Para dor de cabeça, nada como ce um cavalo marinho morto e seco junto à pele (podendo ser de ouro ou prata). Contra relâmpago, raio e trovão, palmas bentas no Domingo de Ramos. Contra feitiço genérico, arruda. Para ganhar ou recuperar a estima de senhor ou patrão era só misturar um pouquinho de terra todo dia na comida dele. Objeto perdido? Uma tesoura com a concavidade para baixo em cima de uma peneira, e o seguinte verso: “São Pedro e São Paulo, São Felipe e São Diogo”. Unheiro? Cataplasma de minhocas fritas em azeite quente. Dor de dente? Numa panela de barro põe-se uma lagartixa viva, tampa-se bem, coze-se ao fogo até a bichinha virar cinza; uma parte é esmagada entre o polegar e o indicador, passada nas gengivas e posta na cavidade da cárie (fórmula de um senador por Santa Catarina). Nas lojas, Ewbank sempre via chifres de touro num canto, enfeitados de flores amarelas. “Para que serve?”, perguntou. “Para mau-olhado, como o seu”. O inglês deu um daqueles risos sem dentes da sua terra. Pensou: “Como são burros”.

Joel Rufino dos Santos é escritor e historiador.

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domingo

Justino

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segunda

Marcelino

3

terça

Carlos Lwanga

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quarta

Clotilde

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quinta

Bonifácio

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sexta

Norberto *

7

sábado

Antonio Maria Gianelli

8

domingo

Efrém

9

segunda

São Feliciano

10

terça

Olívia

11

quarta

Barnabé

12

quinta

Onofre

13

sexta

Antonio de Lisboa

14

sábado

Eliseu

15

domingo

Vito

16

segunda

Julita

17

terça

Ranieri de Pisa

18

quarta

Gregorio Barbarigo

19

quinta

Romualdo Abade

20

sexta

Florentina

21

sábado

Luiz Gonzaga

22

domingo

João Fischer

23

segunda

José Cafasso

24

terça

João Batista

25

quarta

Máximo de Turim

26

quinta

Pelágio

27

sexta

Cirilo de Alexandria

28

sábado

Irineu

29

domingo

Pedro

30

segunda

Emiliana

Caboclo apaixonado N

este Brasil de meu Deus, tem Mané a dar com pau. Mané Vito do Forró, Mané Bento, Mané Gonçalo, Mané Garrincha e outros tantos Manés. Mas o Mané que marcou minha vida de caboclo pra sempre é outro. Um pernambucano da “mulésta”, improvisadô e cantadô de embolada dos tempos do disco de 78 rotações. Tinha um verso numa embolada dele que eu gostava demais. Era assim: “Onde vai, valente? Vou pra linha de frente”. Pois é por aí que ele foi. Pra linha de frente. Além de compositor e cantador, foi um grande pintor de quadros com motivos do Norte e Nordeste do Brasil. Fez exposição, foi elogiado aqui e lá fora, marcou sua presença gordinha neste mundo e foi embora “fora do combinado”. Mas – sempre tem um mas – não quero aqui só falar de idas e voltas. Quero falar do amor que eu senti por esse caboclo e mostrar um causo, que o próprio me contou, ao lado de dona Lalá,

companheira dileta, que me recebia com uma cervejinha gelada, depois de saborear um caju da cestinha que eu lhes oferecia, naqueles momentos de emoção e de glória para mim. Mané contou assim: era uma plataforma de estaçãozinha do Nordeste, muita gente esperando o trem, e de repente aparece um caboclo puxando por uma corda um caixão de defunto, que parecia pesado. Espanto e indignação de todos, até que um gaiato perguntador lhe dirige a palavra: Gaiato – Tem gente dentro desse caixão? Caboclo – Tem, sim. É minha muié, que vô levá pra enterrá na terra dela. Sua úrtima vontade. Gaiato – Então o senhor gostava muito dela. É ou não é? Caboclo – É, gostava muito mêmo... O caboclo dá uma cuspida e mostra uma coisa branca que tava no bolso: Caboclo – Óia o dente dela que eu arranquei num tapa!

Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

CANCER

(21/6 a 20/7) Seus sentimentos estão sempre em primeiro plano. Dedicado e sincero, gosta de receber o mesmo tratamento das outras pessoas, principalmente no amor. Talvez seja por isso que se magoe com facilidade. O canceriano é dado a nostalgias. Para ele, não existe época mais feliz do que a da primeira fase da adolescência. Apesar de conservador, suas opiniões podem variar acentuadamente. Viveu entre 1080 e 1134. Mundano e de vida pouco edificante, converteu-se depois que um raio matou o cavalo em que montava e o atirou desmaiado para longe. Quando se recuperou da queda, estava transformado. A partir daquele dia, seguiu o caminho que o Senhor lhe mostrou. Foi missionário itinerante, fundou a Ordem Premonstratense e foi arcebispo de Magdeburgo, na Saxônia.

ESTAÇÃO COLHEITA O que se colhe em JUNHO Abacate, caqui, cebola, framboesa, melão, pepino, tomate.

Nova: 3/6 às 19h10 Crescente: 10/6 às 17h12

Cheia: 18/6 às 14h42 Minguante: 26/6 às 12h23

CARTA ENIGMÁTICA – “Ela era uma pessoa solar numa época em que o chique era a fossa.” Jaguar (Leila Diniz) ALAOR FILHO/AE

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1

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS? Dira Paes

BRASILIÔMETRO – 1: c; 2: b; 3: d; 4: a; 5: d; 6: c; 7: a; 8: c. O QUE É O QUE É? – A letra “o”.

ENIGMA FIGURADO – Itamar Franco

SE LIGA NA HISTÓRIA – 1c (Balão); 2a (Máquina de escrever); 3d (Walkman); 4b (Urna eletrônica). O CALCULISTA DAS ARÁBIAS – O raciocínio é que estava errado. Se ao final da negociação cada um dos três damascenos pagou 9 dinares (27) e a conta da hospedaria foi 25, sobraram apenas 2 dinares (27 – 25 = 2), que foram repassados ao escravo.

“MIL PENSAMENTOS JUNTOS NÃO TÊM O PESO DE UM SÓ PENSAMENTO ISOLADO.”

Gabrielle D’Annunzio


Cristovão Bastos conduz viagem aos salões de baile O pianista Cristovão Bastos sempre esteve bem acompanhado: já compôs em parceria com Aldir Blanc, Elton Medeiros, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro e Chico Buarque – com este último, escreveu Todo Sentimento, talvez sua canção mais conhecida (Preciso não dormir / Até se consumar / O tempo da gente...). Lançou discos ao lado de Marco Pereira, Nó em Pingo D’Água e Quarteto Brasil, além de criar arranjos para gente como Edu Lobo, Gal Costa e Nana Caymmi. Em Curtindo a Gafieira, seu segundo CD

solo – sucessor de Avenida Brasil (1996) –, Cristovão mergulha no universo dos tradicionais bailes cariocas em 10 faixas instrumentais de sua autoria. Conduzido com a sofisticação e o bom gosto de seu piano, o disco, gravado quase todo ao vivo em estúdio, reúne um time seleto de instrumentistas da nossa música. Dos sambas mais rasgados, como Partido da Canja e Vai e Volta, marcado por tamborins e agogôs, até as suaves Fim de Tarde – Posto 3 e Rosto Colado, Curtindo a Gafieira oferece, da primeira à última faixa, irrecusáveis convites para dançar. (RC)

Em Pé no Porto Contando com os bons aliados Luiz Tatit e Makely Ka, o mineiro Kristoff Silva constrói disco em que a delicadeza e a suavidade dão o tom. Dom Quixote xote xote Gereba promove o encontro entre o clássico da literatura de Miguel de Cervantes e ritmos nordestinos. Participações de Paulo Betti e do Projeto Guri. Essa Maré Alternando violão, contrabaixo e guitarra, Arismar do Espírito Santo e Leonardo Amuedo visitam a obra de Ivan Lins em clima de improvisação. 33

Almanaquices machadianas Ele nasceu numa ladeira do Rio de Janeiro. Pobre, mulato, doente, tímido, gago e órfão. Nessas condições, difícil crer que teria qualquer futuro. No entanto, superou todas as adversidades e tornou-se um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Para muitos, “o” maior. Assim era Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho. Autor de célebres frases como “O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado” e “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”, é o responsável também por triângulos amorosos, tratados de metafísica e por desvendar a origem dos

almanaques. Tudo isso em suas obras, é claro. Almanaque Machado de Assis, de Luiz Antonio Aguiar, cumpre bem seu propósito. Elenca curiosidades sobre a vida e obra do fundador da Academia Brasileira de Letras, a exemplo de como era o Rio onde viveu, quais os recursos lingüísticos mais curiosos de que se valia, quem eram seus personagens. Mais abrangente do que um almanaque e menos pretensioso do que uma enciclopédia, é um bom guia para iniciantes, e uma interessante abordagem para apaixo(DG) nados por esse mestre das palavras. Record, 312 p., R$ 50.

O Livro Negro Andre Dahmer

Miscelânea de personagens do cartunista que conquistou as páginas da Folha de S.Paulo, da revista Bizz e do Jornal do Brasil destilando humor negro. Desiderata, 110 p., R$ 19. Caminhos da Conquista Ricardo Maranhão e Vallandro Keating

Os três séculos de história colonial do País são contados a partir de ilustrações, mapas, cartas, inventários e testamentos que apresentam ao leitor um novo olhar sobre a história. Terceiro Nome, 240 p., R$ 76. Órfãos do Eldorado Milton Hatoum

O vencedor de três prêmios Jabuti conta a história de um amor intenso e desesperado, que é também a crônica de um mítico Eldorado amazônico. Companhia das Letras, 112 p., R$ 29. Junho 2008


MARIDO FIEL A esposa comenta com o marido: – Você já percebeu como vive o casal que mora aí em frente? Parecem dois namorados! Todos os dias, quando chega em casa, ele traz flores para ela, abraça-a e os dois ficam se beijando apaixonadamente. Por que você não faz o mesmo? – Mas, querida, eu mal conheço essa mulher!

34

FENÔMENOS DA ENGENHARIA Um americano e um francês pegam um táxi no Rio. Durante a corrida, um começa a contar vantagens para o outro: – Pois saiba você que a Torre Eiffel foi construída em 30 dias! – Isso não é nada. A Estátua da Liberdade foi feita em apenas uma semana! O taxista ouve tudo em silêncio. Quando o carro passa pelo Maracanã, o francês pergunta: – O que é isso? – Não sei, amigo. Passei aqui de manhã e não tinha nada...

“Cada qual vê mal ou bem, conforme os olhos que tem.” Força total extraída do repolho É possível isolar toda a energia nuclear concentrada nas folhas do repolho e aprisioná-la em comprimidos ou pílulas para serem ingeridos pelo homem. É esta a conclusão a que chegou o nutrólogo Temperino Rapapuglia, que já se vinha especializando na pesquisa das qualidades energéticas e caloríficas da batata doce, da lingüiça calabresa e dos camarões à baiana. A descoberta nasceu da observação de fotografias das explosões experimentais da bomba atômica, que rebenta formando uma gigantesca coluna de fumaça em forma de cogumelo ou repolho. Aquele cientista preferiu fazer as suas pesquisas com o repolho, legume relativamente barato, ao passo que os cogumelos estão caríssimos. Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

CAIPIRA PREVENIDO Os dois caipiras se encontram para uma pescaria: – Então, cumpadi, tá animado? – Eu tô, hômi! Mas, pra módequê ocê tá levano esses dois embornal? – É que tô levano uma pingazinha. – Pinga, cumpadi? Nóis num tinha acertado que num ia mais bebê?! – É que pode aparecê uma cobra e picá a gente. Aí nóis desinfeta com a pinga e toma uns gole que é pra móde num sinti dô. – Ah... E na outra sacola, tá levano o quê? – É a cobra, cumpadi. Pode num tê lá...

PARCERIA O sujeito entra numa loja de pássaros e encontra dois lindos canários. Um deles cantava lindamente; o outro apenas observava-o, sem dar um pio. – Amigo, quanto custa o canário cantor? – Cem reais. – E o mudinho? – Mil. – Mas como? Por que o canário calado vale 10 vezes mais do que o cantor? – É que este aqui é o compositor.

Laerte

RECADO AO LEITOR Mande suas histórias, causos, fatos anedóticos. Desde que provoque pelo menos um riso. Se provocar gargalhada, melhor. Divida seu bom humor com os vizinhos de poltrona. redacao@almanaquebrasil.com.br / Rua Dr. Franco da Rocha, 137 – 11º andar – São Paulo - SP – CEP 05015-040.

“NAO COMBATA OS MONSTROS TEMENDO TORNAR-SE UM DELES. SE VOCE OLHAR PARA DENTRO DO ABISMO, O ABISMO OLHARA PARA DENTRO DE VOCE”

Nietzche


AnĂşncio publicado na revista O Cruzeiro, em 1952. Imagem cedida por www.casadoposter.com.br



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