Almanaque Brasil 114 - Outubro de 2008

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O mundo são breves momentos

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notícia chegou pelo celular, na voz do jornalista Audálio Dantas, minutos antes de um vôo que me levaria para fora de São Paulo. Era uma fria manhã do dia 16 de setembro. Não deu, infelizmente, para voltar a tem tempo de vê-lo pela última vez. Este ALMANAQUE acabara de perder o seu mais ilustre colaborador, Lourenço Diaféria, cujos textos por ininterruptos 96 meses tive o privilégio de ser o primeiro a ler. A notícia era ruim. Mas o destino me colocou voando sobre a cidade, cenário onde os acontecimentos são o resumo e a síntese do País, dizia Lourenço. Lugar em que se procurando descobre-se tudo. E não procurando, também. O cronista avisava que São Paulo deve ser vista da forma possível. De uma cobertura florida, ou pela fresta de um barraco. A única coisa necessária é ter dois olhos abertos para enxergar o que está em volta do nosso nariz. Com seu olhar atento, e sem jamais se dar importância maior que os fatos e personagens, Lourenço nos ensinou que “São Paulo é um vulcão em constante ebulição de vidas”. E a vida era sua matéria-prima, como escreveu o jornalista Ricardo Kostcho. No meu último aniversário, em janeiro deste ano, sentei-me a seu lado. Confessei que, diante de seus textos, sentia-me constrangido com os meus. Ele, generosamente, me incentivou. Disse-me, pondo suas mãos sobre a minha: “Não se envergonhe de escrever com o coração”. Adeus, Lourenço. Despeço-me citando o poeta Alvarenga Peixoto, que você lembrou numa crônica antiga: “Procura ser feliz na eternidade, porque o mundo são breves momentos”.

A R M A Z É M DA M E M Ó R I A N AC I O N A L Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann, Clara Caldeira e Nara Soares Revisor Lucas Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente comercial Maria Fernanda Santos Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP) Impressão Posigraf

Presidente Cmte. David Barioni Neto Diretora de Marketing Manoela Amaro Mugnaini Diretor de Assuntos Corporativos Marcelo Xavier de

Mendonça

O ALMANAQUE é uma publicação da Andreato Comunicação & Cultura, distribuída nos vôos da TAM e por assinatura.

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Elifas Andreato

Lourenço Diaféria morreu como viveu: do coração. Ricardo Kotscho, jornalista.

Capa: Ilustração de Guazzelli.

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ILUSTRAÇÕES PAULA CHIURATTO

de expressar sua paixão e tristeza. Foi morar num quarto na Praça Tiradentes, onde conviveu com estudantes como Carlos Drummond de Andrade, que fez o poema O Homem e Seu Carnaval em sua homenagem. Também foi nessa época que iniciou a parceria com Noel Rosa, com quem compôs a marchinha Pierrô Apaixonado. Em 1937 entrou para a Rádio Nacional e começou a participar de exposições de arte no Brasil e no exterior. Sua tela Festa de São João foi adquirida pela então princesa da Inglaterra, Elisabeth. Participou da primeira edição da Bienal de Arte Moderna de São Paulo com o quadro Moenda. Morreu em 4 de outubro de 1966, deixando como herança telas e composições: registros visuais e sonoros dos prazeres de uma cidade de sambas e bambas. (CC)

Além da música, da boemia e do Carnaval, o futebol era outra paixão de Ary Barroso. Narrava partidas no rádio, torcia com fervor para o Flamengo e chegou a jogar no Aimorés Futebol Clube, de Ubá, sua cidade natal. Em 1961, na estréia do espetáculo Samba, Humor e Fantasia, recebia os cumprimentos quando alguém gritou: “Você ainda me conhece?”. Ary explodiu de alegria e apresentou a todos o velho amigo: “Este é Xandico! O Garrincha de Ubá!”. Quando a foto ao lado foi tirada, os dois eram companheiros no Aimorés. Ary era o goleiro do time. Devido a uma forte miopia, não podia tirar os óculos nem para jogar.

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ino, apelido carinhoso dado pelas irmãs, nasceu no Rio em 1898, uma década após a abolição da escravatura. Aos 7 anos, surpreendido pela morte do pai, foi matriculado numa escola profissionalizante, onde cursou o primário e aprendeu o ofício de marceneiro. Do tio, Lalu de Ouro, primeiro mestre-sala do Carnaval carioca, ganhou um cavaquinho e logo começou a participar de encontros musicais na casa da família. A torto e a direito improvisava acordes e melodias, cercado de bambas como Donga, Pixinguinha e Carlos Cachaça. No final da década de 1930, passou a fazer parte do Cassino da Urca. Tocava, cantava e dançava ao lado de Grande Otelo e Josephine Backer. Em 1936, com a morte da esposa, descobriu na pintura e no desenho uma forma

SOLUÇÃO NA P. 32

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20/10/1951

2/10/1947

INAUGURAÇÃO DA I BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO, NA ESPLANADA DO TRIANON, ESPAÇO HOJE OCUPADO PELO MASP.

INAUGURAÇÃO DO MASP, QUE INICIALMENTE OCUPAVA QUATRO ANDARES DO PRÉDIO DOS DIÁRIOS ASSOCIADOS, NO CENTRO DE SÃO PAULO.

Nascida no Rio em 15 de outubro de 1964, a dona destes olhos estreou nas telinhas na novela Bambolê, de 1987. Ficou conhecida na pele da empregada Olímpia, na peça Trair e Coçar É só Começar. Na tevê, fez sucesso como Ritinha, em Barriga de Aluguel, e, durante cinco anos, protagonizou quadros no Fantástico. Recentemente, participou da minissérie Queridos Amigos. (CC) Confira a resposta na página 36.

AMARGOS TEMPOS DA DITADURA

SENSACIONALISMO DE ALMANAQUE

Divergências ideológicas

Dinossauros são descobertos por acaso no Maranhão

transformam-se em batalha campal

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GABRIELA ROMEU/FOLHA IMAGEM

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O CONFLITO NA MARIA ANTÔNIA, EM SÃO PAULO.

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á 40 anos, às vésperas da entrada em vigor do Ato Institucional nº 5 – que marcou o endurecimento do regime militar –, uma batalha entre estudantes agitou São Paulo. O palco foi a rua Maria Antônia, que abrigava duas instituições universitárias: o Mackenzie e a Faculdade de Filosofia da USP. A primeira era formada, em boa parte, por estudantes de direita. A segunda sempre se caracterizou por um posicionamento à esquerda, contrário ao golpe de 1964. O clima, que sempre foi ruim, piorou quando, na manhã de 2 de outubro de 1968, mackenzistas jogaram ovos em alunos da USP que pediam dinheiro para um congresso da UNE. Rapidamente os ovos deram lugar a rojões, coquetéis molotov e tiros. Estima-se que cinco mil pessoas participaram do conflito, que se estendeu pela tarde. Além de centenas de feridos, o estudante secundarista José Guimarães morreu após ser atingido por um (BH) tiro na cabeça. SAIBA MAIS Maria Antônia – A história de uma guerra, de Gilberto Amendola (Letras do Brasil, 2008).

DENTE DE DINOSSAURO ENCONTRADO NA ILHA DO CAJUAL.

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ma ilha distante onde imensos dinossauros foram preservados. Difícil de acreditar, mas ela existe e fica no Brasil, no Estado do Maranhão. A Ilha do Cajual, localizada na baía de São Marcos, abriga a Laje do Coringa, local com uma das maiores concentrações de fósseis do País. O lugar foi descoberto por acaso, em 4 de outubro de 1994, pelo geólogo Francisco Corrêa Martins, que realizava um trabalho de mapeamento na região. São centenas de fragmentos de vértebras, dentes, além de resquícios vegetais, que permanecem emersos apenas duas horas ao dia. Os vestígios de 95 milhões de anos indicam a presença de espécies como o spinosaurus – da família do velociraptor – e o carcharodontosaurus – carnívoro com dentes de tubarão. A flora e a Fauna encontradas na Laje se assemelham às identificadas na África, o que reforça a teoria de que os dois continentes já estive(CC) ram unidos. SAIBA MAIS Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional: www.museunacional.ufrj.br

“NÃO É ERRADO TER OPINIÕES FIRMES. ERRADO É NÃO TER NADA ALÉM DISSO.”

Anthony Weston


VAI ARRISCAR?

Qual é mesmo o primeiro nome de Mazzaropi?

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MAZZAROPI, EM 1945.

m 1946, depois de rodar o País contando causos sob lonas de circo e teatros improvisados, Mazzaropi estreou no rádio. O contrato com a Tupi era de apenas três meses, mas acabou se estendendo por sete anos, o que possibilitou que o personagem do caipira matuto fizesse suas primeiras aparições nas telinhas já no ano da chegada da tevê ao Brasil, 1950. Apesar de se apresentar acompanhado apenas por um sanfoneiro, Mazzaropi fez baru-

lho. Na semana da estréia, mais de duas mil cartas. Um sucesso. Logo os Diários Associados, grupo de mídia da Rádio Tupi, lançaram um concurso para potencializar a fama do principiante: Qual seria o primeiro nome desse caipira com sobrenome italiano? Milhares de cartas arriscaram palpites. A apuração foi feitA em grande estilo, em 12 de outubro de 1947, com uma festa no Cine São Francisco. Você é capaz de dizer a resposta correta? Se não, lá vai: Amácio. (NS)

SAIBA MAIS Museu Mazzaropi, com sede em Taubaté: www.museumazzaropi.com.br. Visitas agendadas: (12) 3634-3447.

RELIGIÃO CENTENÁRIA

Umbanda deixa de ser crime depois de congresso

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REPRODUCÃO/AB

umbanda é uma religião genuipor lidar com situações relacionadas a dronamente brasileira. Surgiu há gas, jogo ilegal e prostituição. exatos cem anos, no Estado Para combater o preconceito e lutar pela legalidade, os líderes da religião promovedo Rio de Janeiro, após o jovem Zélio Fernandino de Moraes incorporar o Caboclo ram, em 19 de outubro de 1941, o I Condas Sete Encruzilhadas. Os espíritas tradigresso Brasileiro de Umbanda, no Rio de cionais não o aceitaram, por considerá-lo Janeiro. A intenção era unificar as práticas uma entidade menos evoluída. Zélio resolveu e buscar respeitabilidade social. Houve então criar uma religião nova e sincretista, críticas de outros grupos. Os palestrantes em que todos os espíritos fossem permititiraram o caráter de feitiçaria e diminuíram a importância da origem africana. dos, como pretos-velhos e índios. Também passou a usar elementos da Igreja Católica. Fortaleceu-se o conceito de “umbanda de magia branca”. As imagens de Jesus Cristo, Nossa Senhora Mesmo com as polêmicas, a religião saiu mais Aparecida e São Jorge, por exemplo, estão PUBLICAÇÃO DO CONGRESSO. presentes nas sessões. guarnecida. Três anos depois, em 1944, umAs primeiras décadas da umbanda não fobandistas entregaram ao presidente Getúlio ram nada fáceis. Alguns a tinham como bruxaria. Outros, como Vargas um documento chamado O Culto da Umbanda em Face da vadiagem. Os eventos eram reprimidos com rigor. Em 1934, uma Lei. Logo o governo brasileiro colocou a religião na legalidade. Hoje, a umbanda e o candomblé, que são contados juntos no Censo, determinação da Prefeitura do Rio a colocou sob fiscalização do possuem 600 mil praticantes declarados. Departamento de Tóxicos e Mistificação da Polícia, responsável (BH) SAIBA MAIS Umbanda, Essa desconhecida, de Roger Feraudy (Conhecimento, 2006).

O R I G E M DA E X P R E S S Ã O

Pagar o pato Presente no vocabulário brasileiro desde os textos de Gregório de Matos, a expressão tem como origem uma brincadeira antiga. Um pato era amarrado a um poste e os jogadores, que vinham galopando a cavalo, tinham que cortar suas amarras com um só golpe. Quem errasse teria de recompensar os adversários – ou pagar o pato.

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O U TU B RO 1 dia internacional do idoso CORRENDO CONTRA O TEMPO

A volta ao mundo de dona Mitiko

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FERNANDA PARADIZO

passos miúdos dona Mitiko vai longe. Para chegar a tanto, não falta esforço. Com fôleAos 76 anos, ela não tem medo da disgo de gente jovem, acorda diariamente às cinco tância, nem preguiça. Corre sem presda manhã, toma café e capricha na maquiagem. sa 20, 30 quilômetros por dia. Nem ela imaginava Antes de o dia clarear já está nos treinos nas ruas que podia tanto. Duas décadas atrás, ficou doende São Paulo. À tarde, trabalha no restaurante da te. Dependente de medicamentos, não saía da cafamília. À noite, linha e agulha nas mãos, exercita ma. Até que o médico cancelou os comprimidos e a criatividade costurando vestidos de noiva. Meiareceitou caminhadas como tratamento. noite: hora de dormir. Com o tempo, caminhar ficou pouco. Com a ajuda O próximo desafio de dona Mitiko é uma corrida de um treinador, dona Mitiko começou a correr. na Argentina. Nove dias de competição com tática Devagarinho, virou maratonista. Venceu a São bem definida: poupar energia na largada para arMITIKO: TREINO DE ATÉ 30 KM POR DIA. Silvestre nove vezes na categoria dela. Correu pelo rancar na reta final. Brasil todo, literalmente, e depois quis vôos mais No ano que vem, o plano é passar a correr provas altos. Disputou maratonas no Japão, Estados Unidos. Na França e na de 50 quilômetros. E assim, a passos miúdos, ela comprova que os Espanha foi a primeira colocada entre os atletas da terceira idade. sonhos não têm mesmo idade. (Laís Duarte) SAIBA MAIS www.cbat.org.br

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dia do vendedor de jornais e revistas OCAS

Revista traz trabalho e esperança para moradores de rua

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venda e exemplares gratuitos para iniciar o trabaerar renda e abrir um canal de expressão para lho. A partir daí, passa a comprar cada exemplar a população de rua. Foi esse objetivo comum por um real e vendê-lo por três. que, em 1998, uniu pessoas e entidades para Segundo os organizadores, a função de vena criação da Organização Civil de Ação Social, mais dedor deve ser um ponto de passagem, e não conhecida como Ocas. A iniciativa tem como meta possibilitar a reestruturação da vida de pessoas um destino definitivo. Um exemplo é Marcos em situação de rua de maneira inteligente e susDias, ex-morador de rua que há três anos é autentável, reinserindo-as na sociedade. xiliar administrativo do projeto. Marcos foi seA revista Ocas, um dos carros-chefe do projeto, tralecionado entre outros participantes para ser balha temas culturais, políticos e sociais, sempre funcionário registrado da Ocas. Uma de suas reservando espaço para a questão da rua. Ao mesfunções é prestar atendimento aos vendedomo tempo que coloca esta temática na agenda da res. “Falamos a mesma língua”, explica. “Acho O EX-VENDEDOR MARCOS DIAS. sociedade, promove a autonomia financeira e retoque, por ser um exemplo vivo de alguém que ma os vínculos comunitários daqueles que se tornam vendedores. conseguiu sair da rua, eu levo esperança de melhoria para quem Quem se interessa em participar recebe uma credencial, uma área de está começando.” (CC) REVISTA OCAS/DIVULGAÇÃO

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SAIBA MAIS Site da Ocas: www.ocas.org.br


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dia universal do compositor CÃOPOSITOR

Na casa de Adoniran,

até o cachorro fazia sambas

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IOLANDA HUZAK

m 1957, uma múmúsicas nos anos 1950. Esta, sica fazia sucesso fruto de uma das polêmicas da nas rádios de São música brasileira. De acordo com entrevistas daPaulo. Era Deus Te Abençoe, das por Noite Ilustrada, ele é o gravada pela dupla Ouro e verdadeiro autor da melodia de Prata. Mas o público se confundia com o autor, um tal de Bom Dia, Tristeza, creditada a Peteleco. Quem seria o descoAdoniran e Vinicius de Moraes. nhecido compositor, afinal? A Noite alegava que Adoniran teria dúvida foi desfeita na edição pedido que ele fizesse a música de julho daquele ano da Ree, na hora de registrar, excluiu seu nome. Há quem discorde. vista do Long-Playing. PeteleADONIRAN, A ESPOSA MATILDE E O COMPOSITOR PETELECO. co era o cãozinho de estimaSegundo Ayrton Mugnaini Jr., biógrafo de Adoniran, a versão ção de Adoniran Barbosa. “Por de Noite Ilustrada é questionável. “Com todo o respeito, não creio ter que não teria o conhecido cômico usado seu próprio nome? Tem exclusividade com os Demônios da Garoa, ou achou que o samba sido ele o autor da melodia”, explica. Mas o fato é que, logo após tão bonito não era digno de seu nome?”, questionava o jornalista a polêmica, Noite convidou Adoniran para terminar Mãe, Eu Juro. Francisco Silva. Adoniran aceitou, mas fez questão de registrar a música em nome Os motivos que levaram Adoniran a lançar seu amigo fiel na carreira de Peteleco. E os sambistas nunca mais se falaram. artística permanecem obscuros. Mas a pata do nobre vira-lata seguiu O amor de Adoniran pelo cãozinho, porém, permaneceu inabalável. deixando marcas na música popular brasileira. Em alguns casos, para Mais do que parceiro musical, Peteleco era seu grande companheiro. que Adoniran pudesse fazer parceria com artistas de outros sindicatos O cachorro vivia ao lado do cantor e, dizem, também tinha jeito de are associações de direitos autorais. Em outros, simplesmente porque o tista. Ele próprio buscava doces na padaria, numa prateleira mais baidono não queria ver seu nome associado a determinado artista. xa, para deslumbramento do padeiro. Nas constantes viagens a Santos, gostava de ficar sobre o peito do dono, enquanto boiava no mar. Nos registros da nossa música há seis sambas em nome de PeteleE foi na cidade que o cachorrinho morreu, após comer um alimento co: Deus Te Abençoe, Pra que Chorar e Onde Vai, Leão; em parceria, estragado. Acredita-se que o samba Não Quero Entrar, lançado em ele assina É da Banda de Lá (com Irvando Luiz) e Nóis não Usa 1968, tenha sido composto em sua homenagem: Eu voltei somente as Bleque Tais (com Gianfrancesco Guarnieri). Além de Mãe, Eu Jupra buscar / Meu cachorrinho, meu cobertor e meu violão... ro, com Marques Filho, que é como Noite Ilustrada assinava suas (BH) SAIBA MAIS Adoniran, Dá licença de contar..., de Ayrton Mugnaini Jr. (Editora 34, 2002)

outubro também tem 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Dia da Música Dia da Juventude Dia do Dentista Dia do Cão Dia da Habitação Dia do Tecnólogo Dia do Prefeito Dia do Nordestino Dia dos Correios Dia da Honestidade

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

Dia da Revolução Dia do Mar Dia do Corintiano Dia da Comunidade Espanhola Dia do Professor Dia do Sapateiro Dia do Profissional da Propaganda Dia do Médico Dia do Guarda Noturno Dia do Poeta

21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

Dia do Lixeiro Dia do Pára-Quedista Dia da Aviação Dia das Nações Unidas Dia da Democracia Dia do Trabalhador da Construção Civil Dia Mundial da Oração pela Paz Dia do Funcionário Público Dia da Vacina Dia do Balconista Dia da Dona-de-Casa

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dia do açougueiro MUITO ALÉM DO LUGAR-COMUM

Luis transformou açougue e pontos de ônibus em bibliotecas

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JOEDSON ALVES/AE

té os 11 anos ele engraprovavelmente o único...) – recebe tamxava sapatos em Brasília. bém peças de teatro, shows e eventos Depois, trocou flanelas, literários. escovas e latinhas de graxa pelo trabaMas quem disse que Luis parou por aí? lho em um açougue, onde passou a dorTransformou o açougue em uma ONG e mir. Só aprendeu a ler e escrever aos 16 mais uma vez extrapolou os limites do anos. Aos 18, leu o primeiro livro. Apelugar-comum, criando uma biblioteca sar da infância pobre e da educação preque funciona 24 horas por dia em 35 judicada, Luis Amorim vem derrubando pontos de ônibus de Brasília. O projemitos e transformando a relação de mito, batizado Parada Cultural, possui um lhares de brasilienses com a leitura. acervo de 24 mil volumes. Para tornarA história começou naquele mesmo se sócio, é só estender a mão e apanhar O T-BONE, EM 2003; À DIREITA, LUIS AMORIM. açougue que o empregou, e do qual, em o livro. Não é preciso apresentar carteirinha, documentos ou preencher fichas. E para quem imagina que 1998, tornou-se proprietário. Lá, entre peças de carne, facas afiadas e clientes apressados, instalou uma prateleira com 10 livros. uma coisa dessas não pode dar certo, as últimas informações: o projeto registra cerca de mil empréstimos por dia, e as taxas de não Logo começaram a surgir leitores, e o número de obras foi aumendevolução são baixíssimas. tando. Hoje o T-Bone – primeiro açougue cultural do mundo (e muito (NS) SAIBA MAIS Conheça outros projetos do açougue cultural: www.t-bone.org.br

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dia do juiz de paz O PAÍS EM CENA

Peça de Martins Pena inaugura comédia de costumes no Brasil

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REPRODUÇÃO/AB

le viveu pouco: 33 anos. Mas é contrapor o domínio das montagens estrangeiras siderado um elemento-chave para o nos tablados brasileiros. desenvolvimento do teatro no Brasil. Considerado um dos autores responsáveis peNasceu pobre, no Rio de Janeiro, em 1815. lo nascimento do teatro brasileiro, Martins Com um ano perdeu o pai. Com 10, a mãe. Pena é exaltado como o maior tradutor dos Apesar da tragédia familiar, Martins Pena costumes do Brasil da primeira metade do séformou-se em comércio e passou a freqüenculo 19. Teria também influenciado outros gêtar a Academia Imperial das Belas Artes, onneros populares, como a chanchada e o teade estudou arquitetura, estatuária, desenho tro de revista. e música. Também se interessava por línSobre sua obra, o crítico e ensaísta Sílvio guas, história, literatura e teatro. Romero escreveu: “Se se perdessem todas as Ao longo da curta vida, levou aos palcos deleis, escritos, memórias da história brasileizenas de peças, inaugurando por aqui as cora dos primeiros 50 anos desse século 19, que médias de costume, gênero que marcaria o está a findar, e nos ficassem somente as coMARTINS PENA teatro nacional. A primeira delas foi Juiz de médias de Martins Pena, era possí el reconsPaz na Roça, levada à cena em outubro de 1838, há 170 anos, petruir por elas a fisionomia moral de toda esta época”. la companhia de João Caetano – criada um ano antes a fim de conMartins Pena morreu em Portugal, em setembro de 1848. (MF)

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SAIBA MAIS O Noviço; O Juiz de Paz na Roça; Quem Casa Quer Casa, de Martins Pena (Martin Claret, 2000).


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dia da iluminação

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dia mundial do desenvolvimento

CONTA NA PONTA DO LÁPIS

SINTA-SE EM CASA

Prefeito decide

Rede une iniciativas em turismo comunitário e solidário

DIVULGAÇÃO

proclamar Horário de Verão o ano inteiro

CHALÉ DA ACOLHIDA NA COLÔNIA, EM ANITÁPOLIS.

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nstituído em 1931, durante o governo de Getúlio Vargas, o Horário de Verão visa diminuir o consumo de energia no País. Desde então, não entrou em vigor apenas em algumas ocasiões – durante o regime militar, por exemplo, entre 1968 e 1985. Há quem desaprove o ajuste de relógios. E também os que não passam sem ele. Entre estes, porém, havia um ilustre, que decidiu causar uma verdadeira revolução dos ponteiros. Em 1993, o prefeito César Maia resolveu, por conta própria, que o Horário de Verão deveria atravessar as estações, sob pena de o Rio de Janeiro perder milhares de empregos informais. A conclusão baseava-se na observação da orla carioca num domingo de sol. O prefeito calculou que num dia como aquele passavam por ali tantos milhões de banhistas, que consumiam outros tantos milhões de sorvetes, de alguns tantos milhares de ambulantes. Subtraiu desse valor uma hora de sol e contou os prejuízos. O resultado da matemática esdrúxula? Milhares de funcionários públicos passaram 24 horas com horários trocados. Enquanto nos órgãos federais e estaduais o Horário de Verão acabou na data prevista, nos municipais ele se prolongou. A confusão só se desfez depois de um pito passado pelo então presidente, Itamar Franco. Em tempo: a partir deste ano, o Horário de Verão tem data certa para começar e terminar. Vai do terceiro domingo de outubro (19 de outubro, em 2008) ao terceiro domingo de fevereiro. Quando o fim coincide com o Carnaval, ganhamos mais uma hora de sol no fim do dia por mais uma semana. (CC) SAIBA MAIS Procure na Wikipédia (www.wikipedia.org) por “Horário de Verão”.

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ousadas domiciliares, comida caseira, atrativos naturais e sociais. Roteiros que prezam pela sustentabilidade. A renda, revertida para a população local. Essas são as características das instituições participantes da Turisol, Rede Brasileira de Turismo Comunitário e Solidário. A rede possui 13 membros, com atuação em 61 municípios de oito estados. Um deles é a catarinense Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia, sediada em Santa Rosa de Lima e com atuação em 40 cidades da região. A Acolhida hospeda turistas em fazendas do chamado Vale Europeu. A coordenação da rede fica por conta do Projeto Bagagem, sediado em São Paulo. Espécie de “agência de turismo social”, o projeto desenvolve roteiros em parceria com ONGs e comunidades organizadas, como a paraense Saúde e Alegria, de Santarém, e a Grãos de Luz e Griô, de Lençóis, na Bahia – ambas pertencentes à Turisol. A Fundação Casa Grande, localizada em Nova Olinda, Ceará, entrou como parceira na produção de um documentário sobre a rede. A instituição, que forma gestores culturais no sertão, desenvolveu seu projeto de turismo comunitário depois de receber uma grande demanda de visitantes. As iniciativas chamaram a atenção do Ministério do Turismo, que em junho deste ano abriu um edital que esperava atender 15 projetos de turismo de base comunitária. Diante da demanda, porém, os integrantes do ministério tiveram de refazer as contas. O edital acabou beneficiando 50 projetos, com apoios de 100 mil a 150 mil reais. (Mariana Albanese) SAIBA MAIS Site da Turisol: www.turisol.wordpress.com Outubro 2008




Oswald de Andrade

O mais moderno dos modernistas Por Bruno Hoffmann

Precursor. Esta é a definição mais precisa sobre o paulistano que criou o Modernismo numa cidade quase provinciana. Liderou uma semana de arte que revolucionou o País. Publicou manifestos até hoje atuais. Escreveu livros

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e peças de teatro. Foi inspiração para diversos movimentos de vanguarda. E, REPRODUÇÃO/AB

sobretudo, ajudou a moldar uma nova

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le dirigia um Cadillac verde pelas ruas da cidade. Os transeuntes, paulistanos dos anos 1920, olhavam surpresos. A intenção, no entanto, não era a de ser notado. Comprara o veículo apenas porque vinha com um cinzeiro embutido. O detalhe é revelador sobre a vida e a obra de Oswald de Andrade. Era uma figura extravagante, inventiva e contestadora. Do nascimento, em 1890, à morte, em 22 de outubro de 1954, demonstrou que as idéias do mais moderno dos modernistas nao caberiam em apenas uma vida. Quando adolescente, mostrava propensão às artes. Aos 19 anos já tinha sua própria coluna de jornal, no

cara para a produção artística nacional.

Diário de São Paulo, batizada de Teatros e Salões. No mesmo ano ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP. Entre idas-e-vindas, formou-se 10 anos depois. Mesmo assim, foi escolhido o orador da turma. Uma das interrupções se deveu a uma viagem à Europa, em 1912. O estudante conheceu diversos países. E solidificou um desejo: alinhar as artes brasileiras às do Velho Continente. Oswald se irritava com a verve parnasiana dos poetas nacionais, por exemplo. Mais tarde, revelou acidamente esse pensamento em um de seus manifestos. “Só não se inventou a máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano.” De volta ao Brasil, aproximou-se de uma turma que compartilhava os mesmos ideais vanguardistas, como Guilherme de


FOTO DE 1911.

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A intenção era destruir as velhas formas artísticas, mesmo que não soubessem o que pôr no lugar. “Não sabemos o que queremos. Mas sabemos o que não queremos.”

DA ANTES ARTICIP COM P ANA DE 22. SEM

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OSWALD ENTRE PAGU, ANITA MALFATTI, TARSILA DO AMARAL, ALVARO MOREIRA E EUGENIA BRANDÃO.

PAGU E

O FIL

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Almeida, Ribeiro Couto e Di Cavalcanti. Mas o encontro mais importante se deu em 1917. Em um evento, conheceu Mário de Andrade. O País descobriria em poucos anos que não era somente o sobrenome que os unia.

UMA SEMANA, OUTRO PAÍS Em 1918, Oswald começa a escrever o que viria a ser considerado o primeiro livro modernista do Brasil: Memórias Sentimentais de João Miramar. A obra é dividida em 163 capítulos ultracurtos, que podem ser lidos em qualquer ordem. Trazia palavras inventadas, como vagamundear, respeitabundo, bandeiranacionalizavam. Demorou anos para ficar pronta. E, entre o início e o lançamento, tinha uma semana no meio do caminho... 1922. Os futuros modernistas estavam agitados. Enfim, poderiam mostrar de forma organizada o que vislumbravam para as artes. O melhor palco de São Paulo, o do Teatro Municipal, estava pronto para receber a Semana de Arte Moderna. A intenção de todos era destruir as velhas formas artísticas em música, teatro e literatura. Mesmo que ainda não soubessem o que pôr no lugar. “Não sabemos o que queremos. Mas sabemos o que não queremos”, resumiu Oswald, que naquele ano se envolveria com a musa do movimento, a pintora Tarsila do Amaral.

COMO FALAMOS. COMO SOMOS. Oswald é o autor de dois manifestos que se tornaram fundamentais para a cultura brasileira. O primeiro foi o Manifesto Pau Brasil (1924). Nele, defende uma arte com consciência sobre o próprio País – espontânea, natural, avessa a pedantismos. As primeiras linhas anunciam a intenção: “A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob

UDÁ

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o azul cabralino, são fatos estéticos”. Num outro trecho, defende “a língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”. O que ficou mais famoso, no entanto, viria a ser publicado em 1928: Manifesto Antropófago, decisivo na forma de se fazer arte a partir de então. Nele, propunha a deglutição de outras culturas para, a partir do melhor delas, formar uma própria, ainda mais forte. A inspiração vinha dos índios canibais, que comiam seus inimigos para conquistar suas qualidades. “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”, diz um dos trechos.

TROPICALISMO E CONCRETISMO Começo dos anos 1930. Oswald, já separado de Tarsila, conhece a escritora, jornalista e militante política Patrícia Galvão, a Pagu. Casam em seguida, e de forma inusitada. A cerimônia aconteceu no Cemitério da Consolação. Em seguida, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro. No período escreve duas peças que ganharam, mais tarde, diversas reencenações: O Homem e o Cavalo (1934) e O Rei da Vela (1937). Continua a produzir em diversas áreas, mas sem o mesmo fervor. Nesta época concorreu a duas eleições, uma para a Academia Brasileira de Letras; outra para deputado federal, sob o slogan “Pão – Teto – Roupa – Saúde – Instrução”. Perdeu ambas. Morreu de diabetes, doença que o fez sofrer nos últimos meses. Sua obra, porém, permaneceu viva e atual. E, acima de tudo, influente. Oswald inspirou diretamente dois movimentos que marcariam a cultura brasileira a partir da década de 1960: o Tropicalismo e o Concretismo. SAIBA MAIS Oswald de Andrade – Biografia, de Maria Augusta Fonseca (Globo, 2007).

O M ELHOR PRODUTO DO BRASIL É O BRASILEIRO CÂMARA CASCUDO

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ESPECIAL

DIA DO SACI

31/10

Texto: Bruno Hoffmann Arte: Guilherme Resende Ilustrações: Guazzelli

outros mitos que metem medo

Em outubro de 2007, este ALMANAQUE levou a julgamento seis personagens muito suspeitos, acusados de toda sorte de crime: Saci, Mula-Sem-Cabeça, Mboitatá, Homem do Saco, Lobisomem e Cuca. Livraram-se todos. Dispostos a esclarecer as supostas atrocidades cometidas pelos mitos que ainda preservam seu cantinho na imaginação dos brasileiros, encaminhamos cinco outros meliantes ao recém-constituído Supremo Tribunal do Folclore, presidido pelo patrono deste ALMANAQUE, Luís da Câmara Cascudo. Que ele acompanhe as acusações e depoimentos e profira sua sentença.

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m 31 de outubro, em várias partes do mundo, é comemorado o Halloween, ou Dia das Bruxas. Tradição norte-americana que, pouco a pouco, vem sendo importada pelo nosso País. Mas por que se vestir de bruxinha, cortar abóbora e sair por aí falando “travessuras ou gostosuras” se temos lendas capazes de apavorar os mais destemidos cidadãos? Pra começo de conversa, há tempos defendemos a data como Dia do Saci, e nisso temos bons companheiros, infiltrados nos mais diversos campos de atuação: de músicos a intelectuais; de executivos a profissionais liberais. Alguns reunidos em associações de criadores e observadores de sacis; outros agindo anonimamente a favor da causa. E quando se fala nessa criaturinha, podE experimentar, logo surge uma verdadeira organização criminosa de seres imaginários (ou serão reais?).

Pois então, se você quer mesmo entrar nessa, cativando estas figuras saídas das trevas da nossa memória coletiva, há que saber: eles são capazes de fazer você se perder pela floresta, provocam pesadelos, devoram órgãos internos e seduzem de marmanjos a donzelas. Há tempos atravessam fronteiras e séculos, botando medo em quem se dá conta de sua existência. Índios e escravos; colonizadores e imigrantes; monarquistas e republicanos; parnasianos e modernistas; gente da roça e da cidade. Cada qual com um mito pra chamar de seu. Por isso, para que não pairem dúvidas sobre as intenções desses meliantes, repetimos o julgamento realizado nestas mesmas páginas um ano atrás, agora com novos acusados. Que ocupem os seus lugares o Curupira, a Pisadeira, o Boto, a Alamoa e o Papa-Figo. Que se percam nas profundezas do esquecimento ou venham à tona na imaginação.


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gem que vive nas cie de duende selva pé es a um de e -s rata as e os animais. ra proteger as mat pa s ira ile as br s sta flore ue de Mboitatá, par da mesma gang ci rti pa e de o ad us É ac contra caçadores as próprias mãos m co , ça ho sti in ju ix z ba fa r um se pois também ntem tratar-se de ra ga s ha de un s m do ta ste je Te lenhadores. s azuis, olhos in rto de pêlos, unha os para trás. com o corpo cobe e, com os pés virad nt ie fic su e ss fo o tratando animais sangue e, nã flagrar alguém mal Ao is. ué cr o sã s i o dito-cujo para Suas investida a duas vezes. Atra ns pe o nã s, re vo ár e morra de fome, ou cortando eira que se perca an m l ta de s, to pi caçador abata lugares inós m permitir que um bé m ta a de Po o. aç sujeito vai buscar sede ou cans , mas quando o al im N a um s. e to ad com facilid r e os filhos mor seu lugar a mulhe que seus pés são presa, encontra em a Justiça, aproveita r ia br di lu ra pa io s na hora da fuga. Como artifíc dir os investigadore un nf co ra pa s trá para o lado contrá virados para pre acham que foi m se , s, es da ad ga tid pe en id as outras Aos checar Se vale também de . tá es te en m al re rio do que r. mbi e Caiçara. ça para sobrevive como Caapora, Zu persegue quem ca o nã s, e da el e en qu pr ga as gum Há quem di troca, claro, de al Em a. ud aj é at , rio Pelo contrá a e cachaça. como fumo, comid

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pisAdeirA

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q

uer evitar pesadelos? Então não durma de barriga para cima. Este é o conselho de que m garante ter sido atacado pela Pisadeira. A melian te costuma agir em São Paulo e Minas Gerais. Suas vítimas preferidas são aquelas que comeram demais antes de dormir. Desce do telh ado – seu esconderijo mais usual – e pisa com muita força no pei to e na barriga do incauto adorme cido, provocando os pesadelos. Há controvérsias sobre a sua aparência. De acordo com algu ns, é uma mulher bem gorda. Já o escritor Cornélio Pires forn ece u a seguinte descrição da malfei tora: “Essa é ua muié muito ma gra, que tem os dedos cumprid o e seco cum cada unhão! Tem as perna curta, cabelo desgadeiad o, quexo revirado pra riba e nar i magro munto arcado; sombrance ia cerrado e zóio aceso... Quando a gente caba de ciá e vai durmi logo, deitado de costa, ele des ce do teiado e senta no peito da gente, arcano... arcano... a boc a do estámo... Purisso nunca se dev e dexá as criança durmi de cos ta”. Pelo sim, pelo não, caro amigo ... Barriga pra baixo e bons son hos.

Outubro Agosto 2008 2007

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AlAmoA

BOTO

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nalha, boêmio e Juan brasileiro. Ca m verdadeiro Don er em festas de tor, costuma aparec extremamente sedu música e eis que s. Basta começar a vilarejos ribeirinho cia de boto, mas o mais com aparên surge o cidadão, nã pre de chapéu (com alinhada e está sem é a eup ro a Su . em r melhor). É mist de hom cima para respira de or rte m pa hu na m bo co um bura dor. Tem um profundo e desafia uito, rioso, com olhar ida certa. Bebe m m malandro na ed de ião ar as oc um e na l r, íve irresist que fala . Sempre sabe o do ba bê a fic a nc mas nu to exato. oça certa e no momen acio e sedutor. A m com um Toque m , m ite ué no ng a ni o um m a co Dança ixar levar pronta para se de , ca m bo alu m do a to fic o a m id escolh tecer. Co que costuma acon o é da E an o. m ixã m pa Ne a . id de tórr dia seguinte o Boto não liga no cafajeste, porém, gravida. en quando a donzela em e-mail. Ainda mais o se deve confiar Nã . ito ecisa ser fe pr to , m Bo l ré ta po o , e ta qu er Um al garanta vítimas. Há quem s ez sta id po av su gr s a na ar ia fic justi demas uma desculpa para só é Só e . qu ãe , am iu m ist ex ir, nunca foi o Jurand s. “Juro que não de moças solteira to!” pode ter sido o Bo O suposto pai to de paternidade. en im ec nh co re o Nã ou contestará mirá a paternidade su as e , do ca tifi no será e DNA para será necessário exam so ca ste Ne . ão aç a mentícia, pode o pague a pensão ali nã so Ca . ão aç rm meses. confi clusão de até três cumprir pena de re

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bandidagem está à solta pelo País. Até regiões distantes e pacatas andam envolvidas em crim es misteriosos. É o caso do arquipélago de Fernando de Noronha, conhecido por suas praias maravilhosas e quase desabitadas. Porém, entre os poucos moradores, há algu ns marginais. A mais famosa é a Alamoa, ou Alemoa, uma mulher que vive no alto do morro do Pico, a mil metros de altura. Ela surge como uma loiraça de para r o trânsito, completamente sem roupa. Seduz os moradores locais e viajantes. Quando o cidadão já está com corações de desenho animado nos olhos, ela se transforma numa horripilant e caveira, capaz de matar (literalmente, em alguns casos) o cidadão de susto. Outra tática da acusada é convenc er a vítima a acompanhá-la até sua casa, em cima da montanh a. No caminho, joga uma conversinha que induz o acompanha nte ao suicídio. De acordo com historiadores, ela não tem nad a de alemã, como sugere o nome. É, sim, holandesa, vinda nas embarcações que rumaram a Pernambuco com Maurício de Nas sau. Induzir ou instigar alguém a suic idar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Reclusã o de dois a seis anos, caso o suicídio se consume. A pen a é duplicada se o crime é praticado por motivo ego ístico. Morte devido a aplicação de um susto se enquad ra em homicídio culposo. Detenção de um a três anos. Com o estrangeira, pode cumprir pena no País ou sofrer extr adição sumária.


pApA-Figo

Oiapoo Grande do Sul – do le age do Amapá ao Ri o bradiz. Não há um rincã que ao Chuí, como se É um . livre de seus ataques sileiro onde se esteja a que o faça nenhuma característic velhinho comum, sem a um saco te. Mas sempre carreg en ilm fac o id ec nh co ser re Saco, mas não é o avô do Homem do às costas (dizem que rável mofre de uma rara e incu so o ciã an O ). os im garant dientes) com a (pra variar, as desobe léstia. Rapta crianças sUa doença. fígado e assim aplacar o r ra vo de de o çã inten parceiros para da, costuma contratar Por sua idade avança o a escolas pangas agem próxim ca Os . ão iss m na -lo ajudá gostosas para os, doces e comidas e distribuem brinqued o Papalevam as vítimas para tão En . da ça ian cr a atrair ica, abandona periência antropofág Figo, que, depois da ex o, que é para ande soma de dinheir gr a um a o nt ju o rp o co mente a família. compensar financeira

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Pena de do (execução cruel). Homicídio qualifica rmação fo r po pode responder 12 a 30 anos. Ainda se a da va ndo. A pena é agra de quadrilha ou ba ha ec na lei: ça do criminoso. Br vítima tem a confian em caso de considerado crime canibalismo não é ia. extrema sobrevivênc

A SENTEN ÇA

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juiz do Supremo Tribunal do Folclore, Câmara Cascudo, entra na corte e pede que todos os acusados fiquem de pé. Ele é o maior conhecedor das crenças e costumes brasileiros, e passou as últimas horas ouvindo promotores, testemunhas e réus. Após analisar o caso, está pronto para proferir a sentença. Todos estão apreensivos. “Quando comecei meu trabalho de catalogar esses seres, não havia no Brasil qualquer associação que reunisse malucos que amassem o folclore. Fiz o possível para incomodar intensamente amigos e desconhecidos. Mendiguei histórias de bichos e homens assombrosos em todos os Estados”, justifica, para, em seguida, declarar que o trabalhão valeu a pena. “Reuni uma bicharia fantástica. Prendi todos nos meus livros.” A palavra “prendi” faz os cinco acusados tremerem. Mas, com um leve sorriso, Cascudo encerra o suspense: “Estão todos absolvidos. Essas figuras fantásticas devem estar sempre livres no imaginário popular”. Comemoração no tribunal. A bicharada respira aliviada, certa de ter ganhado sobrevida na memória dos brasileiros. Ou, ao menos, na dos leitores deste ALMANAQUE.

saiba mais • Geografia dos Mitos Brasileiros, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2002). • Site da Sociedade dos Observadores de Saci: www.sosaci.org

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O BOTICÁRIO INAUGURA PRÉDIO NO CONCEITO GREEN BUILDING Instalação compatibiliza o crescimento e as novas tendências tecnológicas com o uso racional de recursos naturais.

O

Boticário acaba de inaugurar um prédio na sede da empresa, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba. O local, que teve investimentos de mais de R$ 5 milhões, será a sede das áreas de Tecnologia da Informação e Planejamento Empresarial. O projeto foi baseado no conceito Green Building (Construção Verde), que prevê medidas construtivas que aumentam a eficiência no uso de recursos, com foco na redução dos impactos ambientais. Considerado um dos mais modernos do Brasil, o novo prédio, com aproximadamente 1.700m2 e capacidade para 132 colaboradores, prevê uma redução de aproximadamente 70% no consumo de água e 30% no consumo de energia, quando comparado a instalações similares.

O aumento da eficiência no uso de energia será possível com a concepção de uma estrutura que propicia a utilização de iluminação natural e a aplicação de vidros reflexivos, além da instalação de um sistema de ar-condicionado inteligente e ecológico que mantém a temperatura ambiente e possibilita a troca térmica com mais eficiência. Já a redução no consumo de água se deve ao sistema de aproveitamento de água de chuva, instalação de válvulas temporizadas e utilização de água gerada por um sistema interno de tratamento e reaproveitamento para os sanitários. O processo aplicado durante a construção foi concebido com materiais recicláveis, reduzindo o impacto gerado pela quantidade de resíduos de alvenaria e madeira dos processos tradicionais.


LYDIA HORTÉ HORTÉLIO L IO RONALDO FRAGA

FOTOS: MANOEL MARQUES

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De onde vem essa sua aproximação com a cultura da infância? Acho que começou mesmo quando eu era criança, no sertão da Bahia. Eu brinquei muito. Nós tínhamos um quintal com 25 mangueiras e ali brincávamos de tudo. Naquela época, na escola primária, também se brincava muito. Não sei muito bem como vim a estudar música... O fato é que fui à Europa para estudar piano na Alemanha. Lembro que os presentes que levei eram todos brinquedinhos que comprava dos fazedores de brinquedos populares. Eu tinha aquilo comigo. Em que ano você foi para a Europa? Em 1961. Estudei primeiro na Escola Superior de Música de Friburgo, depois me mudei para a Musique Academie, numa pequena cidade ao norte da Alemanha que tem uma escola de música muito famosa. No fim dos meus estudos, estava em Crise com a música que eu fazia e tinha muita saudade do Brasil. Tudo o que sempre quis na vida era tocar piano. E, de repente, não era mais isso que eu queria. Então voltei para o Brasil e resolvi pesquisar música. Percebi que toda a educação musical daqui passava pelos métodos europeus. Eu já

Ela é uma das maiores especialistas em cultura da criança no Brasil. Correu o mundo para descobrir como lidar com este vasto universo, mas foi em sua própria terra, no sertão baiano, que encontrou aplicação para o que aprendeu. E entendeu que tinha muito ainda a descobrir. Além de desenvolver uma contínua investigação das cantigas, brincadeiras e brinquedos do País, vive de dar aulas e palestras sobre o assunto. Lançou dois CDs considerados referência: Abra a Roda – Tin dô lê lê e Ô, Bela Alice... Para Lydia, se o mundo ainda tem solução, ela se dará pela infância.“A grande revolução acontecerá por aí.” E para quem duvida, ela emenda:“Isso não é impossível, nem difícil, porque a infância está guardada dentro de cada um”. intuía que não podia ser assim, que tinha que se saber como é a música do Brasil para adivinhar como seria a maneira de educar segundo os modelos da música brasileira. Então comecei por mim mesma a ir para o sertão, para a cidade de onde eu venho, para pesquisar. E, como me interessei por etnomusicologia, voltei para a Europa, dessa vez para Berna, na Suíça. E por que ir para a Suíça para estudar música brasileira? Lá havia o Sándor Veress, um húngaro que tinha sido aluno do Bartók, que, junto a Kodály, no começo do século 20, dedicou-se a uma extensa pesquisa musical da cultura húngara. Na esteira deles vieram artistas plásticos e literatos que fizeram o mesmo em suas áreas. A Hungria é o único país no mundo que levantou significativamente a sua cultura popular. Passei alguns semestres com Sándor Veress, conhecendo o que tinha sido feito na Hungria. Havia paralelos com o Brasil, mas acabei percebendo que não havia resposta para muitas coisas que eu me perguntava, como por que toda música no Nordeste tem duas vozes. Comecei a compreender que nós, brasileiros, é que temos que dar conta do Brasil.

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E como você chegou à música da infância? Foi ainda nos meus contatos com Bartók e Kodály. Até então eu me dedicava mais à música de trabalho e à música de culto. A partir dos brinquedos cantados eu descobri que existe uma cultura da criança. Na educação musical se pinça a cantiga para trabalhar com os meninos. Mas a cantiga, o brinquedo, é uma coisa múltipla. É um organismo vivo que, se você tira uma parte, deixa de funcionar. Um exemplo clássico é o nosso Atirei o Pau no Gato, hino nacional dos meninos do Brasil. Ele tem um texto literário, que são as palavras, tem uma cantiga e uma movimentação que é própria daquele brinquedo. Quer dizer, tem palavra, tem música, tem movimento e tem o convívio das crianças. Depois que fiz esta descoberta, comecei a me esforçar para lembrar dos brinquedos de minha infância. Quando me esquecia, escrevia para a minha irmã, para as minhas amigas. Assim comecei a levantar a minha infância, a partir dos brinquedos que eram cantados.

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99 anos, me ajudou com 132 cantigas... A infância é atemporal. Hoje, com 102 anos, minha tia se esquece de uma porção de coisas, mas é só eu começar a cantar uma cantiga de sua infância que ela canta junto.

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Ainda hoje você caça estes vestígios de infância? Em todo lugar que eu vou estou sempre munida de um gravadorzinho e de uma máquina fotográfica. Saio perguntando. Nos cursos que dou, os alunos têm como tarefa levantar a sua própria infância. TenHo na minha casa um monte de cadernos reunindo isso tudo. Dá para encher um quarto. Preciso encontrar um hora para aproveitar isso e devolver ao Brasil essas memórias de tanta gente e das suas infâncias, uma coisa que vem se perdendo. E por que estas memórias estão se perdendo? Desde que se criou a televisão foi sendo desmontado paulatinamente o convívio das crianças entre elas mesmas. Às vezes até há esse convívio, mas é na frente da televisão. Não existe um intercurso de criança com criança. Isso foi desmanchado, apagado. Ainda é nas escolas, de certa forma, e no curto espaço de tempo do recreio, que elas brincam entre elas um pouquinho. As meninas, com seus brinquedos de mão, mais do que os meninos. Mas o vasto repertório da cultura da infância no Brasil está encoberto, esquecido. Então o meu trabalho, o meu interesse, a minha alegria, é ir atrás dessas coisas. Você sistematizou ao menos as lembranças da sua terra? Em 2005 ganhei uma bolsa da Fundação Vitae para que eu pudesse passar o ano todo indo constantemente à minha cidade para fazer um levantamento. A pesquisa se chama O Som da Infância em Serrinha – Cem anos de música tradicional da infância em um município do sertão da Bahia. Um ano é pouco, mas foi significativo. Reuni quase 600 brinquedos cantados. Minha tia, que na época tinha

No campo se brinca mais do que na cidade? Nas comunidades rurais em que pesquiso, os homens velhos brincam como se fossem crianças. As mulheres de 70, 80 anos pulam na roda parecendo meninas de 7. As mulheres mais jovens também brincam. Vão carregando os filhos nos braços e cantando na roda. Acho que o fato de a gente ter se afastado da natureza e deixado de viver em comunidade estraçalhou o homem. E, ao mesmo tempo, ele esqueceu, perdeu sua infância. Enquanto isso, o pessoal que está lá no mato, que tem suas formas de trabalho coletivas, continua em contato com isso... Às vezes, ao vê-los em ação, você não sabe se estão trabalhando ou brincando...

E qual a importância de preservar a infância? A infância é algo precioso. Eu acho que, se a humanidade tem futuro, ela vai retomar por aí, pela infância. E isso não é impossível, nem difícil, porque a infância está guardada dentro de cada um. Eu acho que a grande revolução está aí. Fico muito feliz de ver que o Brasil tem tudo pra isso, tem muita cultura popular ainda. A cultura popular é uma segunda infância. Um alemão extraordinário, Friedrich Schiller, diz que o homem só é inteiro quando brinca, e é somente quando brinca que ele existe na completa acepção da palavra homem. O brincar é algo espiritual. E não estou falando de religião, não. Não é nada disso. É algo ainda mais profundo, que tem a ver com a alma do homem. Nós, brasileiros, brincamos de um jeito diferente? Acho que a relação com a brincadeira é comum a todos os povos. Eu sinto e vejo nas minhas observações que o ser humano ainda novo tem necessidades de crescimento, e que os brinquedos são a manifestação, a configuração dessas necessidades. A essas configurações eu chamo de cultura da criança. Por isso é que é preocupante as crianças não estarem brincando. Seria ótimo se a gente tivesse uma documentação de tudo o que todos os meninos do mundo brincaram, porque aí teríamos uma imagem perfeita do que é o ser humano. É possível fazer esta leitura? Nem tudo se preservou, evidentemente. Mas há sinais o suficiente. Pode-se dizer que os meninos continuam reinventando os mesmos brinquedos e inventando outros, de acordo com as características de cada lugar. O Brasil existe há 500 anos, e os índios aqui já ti-


1 nham uma série de brincadeiras. Hoje, com toda a evolução tecnológica, existem outros objetos, outros materiais que não havia antes. E os meninos continuam manipulando e transformando seus brinquedos... Na mão do menino acontece o milagre da transformação. Aquele brinquedo passa a ter significado para ele, para a sua própria cultura. Este é o comportamento humano por excelência. Tanto é que, mesmo morando empilhada em apartamentos, quando você sai com a criança para a natureza, ela se comporta diferente. Você pensa que ela só gosta de videogame? Não é verdade. A natureza tem a força, tem o poder de puxar da criança o movimento que está contido. As escolas parecem querer ocupar o tempo das crianças... Todo o sistema armado para recebê-las é antiquado. Mesmo as escolas mais avançadas estão defasadas em relação às descobertas mais recentes da ciência. Ninguém hoje agüenta ficar quatro horas sentado ouvindo um assunto que não é do seu interesse. Mas tem gente preocupada com isso. Em São Paulo, por exemplo, há muita gente despertada para este tema. Que brincar é preciso. Que levar a criança a brincar é uma tarefa inadiável. As escolas deviam tomar consciência disso, mas os recreios foram encurtados porque cada vez mais a preocupação é com o conteúdo. É a mente, a herança cartesiana. E o Brasil que dança está sendo esquecido. Acho que viemos ao mundo para dançar, para brincar. Dizendo isso não estou defendendo que não viemos para aprender toda a herança cultural do mundo. Mas isso precisa ser revisto. Antes de mais nada, é preciso ser feliz. É preciso brincar para afirmar a vida. Deve-se brincar para aprender? Deve-se brincar para ser feliz. Se você quiser brincar para aprender já não é mais brinquedo. Porque o brinquedo tem um fim nele mesmo. Bola pra quê? Pra brincar de bola. Você brinca de peteca pra quê? Pra brincar de peteca, para passar pela experiência múltipla e extraordinária que é brincar de peteca. E por que brincar de roda? Porque é uma maravilha: mão na mão, esquecer quem é você, embarcar no sonho daquela hora... Brincar é isso aí. Mas há quem queira transformar o brinquedo num “brinquedo pedagógico”... Existem tentativas nesse sentido, mas não dá, porque há uma incongruência. Mas isso não significa que as crianças não estejam aprendendo ao brincar... Aí é que está. Estão aprendendo, e muito mais do que a gente consegue ver. O brinquedo é múltiplo. Ele mexe na alma. Na hora em que a gente compreende isso, não tem mais medo de dizer que está brincando. Criou-se até uma antipatia ao brinquedo:

“Menino, você já tá grande demais pra brincar disso!”. Como se, a partir de certa idade, só se pudesse pensar... Só se aprende liberdade brincando. Brincar é o maior exercício de liberdade que a gente pode ter. Como você vê a hegemonia desses brinquedos importados, em sua maioria, da China? Acontece muito de a mãe – depois de trabalhar o dia inteiro, e com peso na consciência por não estar assistindo seu filho como gostaria – passar no supermercado e comprar um brinquedo desses. O menino fica alegre naquela hora. Depois o brinquedo não tem muito significado, e a criança deixa de brincar com ele. Para piorar, um dia a mãe ou o pai acha o brinquedo jogado atrás da porta e diz: “Não lhe dou mais nada!”. Há pouca consciência do que realmente tem valor lúdico. Às vezes acontece o milagre na mão do menino: ele transforma aquele brinquedo numa outra coisa. Eu vejo muito isso com meus netos lá em casa. Recebem de aniversário uma porção de coisas que, pelo meu gosto, eu jogava fora. Mas, quando vejo, eles estão fazendo daquilo uma outra coisa. Não há na escola, e tampouco nos ministérios e secretarias de educação, essa consciência. Na formação do professor ainda não existe uma compreensão do significado e da importância da cultura da criança.

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Apesar disso, você é otimista em relação ao futuro da educação, ou melhor, das crianças? Sinto que as coisas estão prestes a se transformar. Nas aulas e palestras que dou, encontro educadores que se sentem aprisionados num sistema de educação que não leva em conta o sensível, a inteligência sensível, a inteligência do corpo. Hoje, em Minas Gerais, há políticas públicas que nasceram nesse sentido. Lá esse movimento é significativo: tem centros culturais na periferia de Belo Horizonte, tem jogos que brincam com as crianças, sempre com uma consciência incrível do significado disso tudo. Aqui em São Paulo há o curso do Instituto Brincante e outras tantas iniciativas. Estou vendo que as coisas estão mais adiante. Acho que é por isso também que continuo trabalhando. Você ainda brinca, ou só profissionalmente? Brinco... Brinco, sim. Porque isso traz alegria, traz saúde. Não que eu esteja brincando por aí de Atirei o Pau no Gato... Você pode imaginar que eu já estou há muito tempo em cima deste mundo. Tenho 75 anos! Então, a carga de mundo é imensa. É uma conquista ainda conseguir brincar, porque foi muita escola, muita universidade... A espontaneidade diminui, e é essa a força que a criança tem. Mas eu vou lhe dizer: a vida está aí pra gente reconquistar, e eu estou aí pra isso.

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Enigma Figurado

LIGUE OS PONTOS

ua primeira aparição na tevê foi na extinta Tupi. Integrou o elenco da primeira novela diária do País na TV Excelsior, ao lado da mulher, também atriz. Seu filho, além do nome do pai, herdou a aptidão para as artes cênicas. Este eterno galã participou, e participa até hoje, de inúmeras novelas e minisséries da Globo. E, apesar de ter nascido em 5 de outubro de 1935, até hoje (CC) arranca suspiros da mulherada.

R.:

(primeiro nome)

REPRODUÇÃO/AB

S

1

a Além de escritor, este paulistano destacou-se como folclorista, musicólogo e professor universitário.

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b Alagoano da cidade de Quebrangulo, foi escritor, jornalista e revisor. Escreveu São Bernardo e Vidas Secas.

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c Nascido no Estado do Rio de Janeiro, escreveu, entre outros clássicos, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

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d Mineiro de Cordisburgo, ficou conhecido por seus contos e romances que têm como pano de fundo o sertão.

O Calculista das Arábias

ACERVO DA FAMÍLIA

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

Numa andança pelo mercado de Bagdá, Beremiz Samir interessou-se por um turbante. Ao notar a presença do calculista, o vendedor ofereceu a peça em troca da solução de um problema: “Emprestei a quantia de 50 dinares a um judeu do Cairo. O homem devolveu o valor em prestações: a primeira de 20 (faltaram 30), a segunda de 18 (faltaram 12), a terceira de 3 (faltaram 9) e finalmente 9. Somando os valores cheguei ao total de 50 e dei o empréstimo como pago. Quando fui calcular os valores da dívida, ou o que faltava em cada etapa (30+12+9), cheguei a 51”. Beremiz solucionou o problema e faturou o turbante. E você, é capaz de desvendar o mistério?

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BRASILIÔMETRO TESTE O NÍVEL DE SUA BRASILIDADE 1 Maior estádio particular do Brasil, inaugurado em 2/10/1960: (a) Maracanã (b) Morumbi (c) Zerão (d) Mineirão 2 Presidente eleito em 3/10/1960, com o jingle Varre, Varre, Vassourinha. (a) Getúlio Vargas (b) João Goulart (c) Jânio Quadros (d) Juscelino Kubitschek 3 Escritora ligada ao PCB, presa em 22/10/1937. (a) Lygia Fagundes Telles (b) Zélia Gattai (c) Rachel de Queiróz (d) Clarice Lispector

PALAVRAS CRUZADAS

4 Como é conhecida a universidade campineira inaugurada em 5/10/1966: (a) Puccamp (b) Campe (c) Unisa (d) Unicamp 5 Primeira rádio comercial da América Latina, fundada em 17/10/1923. (a) Rádio Clube de Pernambuco (b) Rádio Tupi (c) Rádio Excelsior (d) Rádio Panamericana 6 Unidade monetária que substituiu o real (ou réis), em 5/10/194 2. (a) Merréis (b) Cruzeiro (c) Cruzado (d) URV 7 Escritor com quem Tarsila do Amaral casou em 30/10/1926. (a) Mário de Andrade (b) Cassiano Ricardo (c) Monteiro Lobato (d) Oswald de Andrade 8 Colocação do Brasil entre as potências mundiais em 8/10/1907, na Conferência de Haia. (a) 9° (b) 19° (c) 39° (d) 59° Respostas na p. 32 AVALIAÇÃO – Conte um ponto por resposta certa: 0 a 2 – Brasilidade na reserva 3 a 4 – Meio tanque 5 a 8 – Tanque cheio

“DURANTE O PRIMEIRO PERÍODO DE UM HOMEM, O PERIGO É NÃO CORRER RISCOS.”

Sören Kierkegaard


Diversão para pequenos

I L U S T R AC Õ ES

C : LU

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TA S S O

e grandalhões

Homem voa? U

O tempo e a história provaram que o menino não estava enganado. Anos depois, uma multidão o cercava no Campo de Bagatelle, em Paris. Afinal, ele jurava: “Eu posso voar”. Com asas? “Não, com uma máquina mais pesada que o ar.” Um avião? “Sim.” E daí?, pergunta você, que provavelmente está em um agora. Mas isso faz tempo. E nunca ninguém tinha entrado num avião. Aliás, ele nem existia. O inventor do avião, o tal menino que brincava de Pássaro Voa?, se chamava AlBerto Santos-Dumont. E foi nesse dia, em 23 de outubro de 1906, que ele realizou o sonho de dar asas à humanidade.

ma das brincadeiras preferidas do garoto mineiro era Pássaro Voa?. Ele mesmo é quem conta: As crianças colocam-se em torno de uma mesa, e uma delas vai perguntando: “Pombo voa?”, “Galinha voa?”, “Urubu voa?”. E assim sucessivamente. A cada chamada, todos nós devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia porém que, de quando em quando, gritavam: “Cachorro voa?”... ou algum disparate semelhante. Se algum levantasse o dedo, tinha de pagar uma prenda. E meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vez que perguntavam: “Homem voa?”... É que, no mesmo instante, eu erguia o meu dedo bem alto e respondia: “Voa!...”, com entonação de certeza absoluta.

Catapultadas, até pedras voam

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JÁ PENSOU NISSO?

A cidade de São Paulo tem a segunda maior frota de helicópteros do mundo. Só perde para Nova Iorque, nos Estados Unidos. Seiscentas dessas aeronaves percorrem os céus paulistanos diariamente. Além de pessoas que gostam de se deslocar com velocidade, eles são muito usados por emissoras de tevê e rádio para trazer notícias quentinhas. Mas como este número não pára de crescer, especialistas alertam: já já haverá congestionamento de helicópteros em São Paulo. Era só o que faltava...

-LÍNG VA

Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do ALMANAQUE. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

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Apesar do feito de Santos-Dumont ser reconhecido por todo o mundo, os norte-americanos contestam. Dizem que quem inventou o avião foram os irmãos Wright, que teriam voado três anos antes, mas só apresentaram uma prova dois anos depois do vôo de Santos-Dumont. E, ainda assim, uma prova duvidosa: uma foto que não comprovava data. Mas uma coisa é certa: se realmente alçou vôo, o “avião” dos irmãos norte-americanos não o fez com força própria, mas com a ajuda de uma espécie de catapulta. Ora bolas: catapultadas, até pedras voam!

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Alberto viu de perto o céu inteiro aberto.

O que esta em cima de nos?

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Solução na p. 36

Outubro 2008



Camboriú

Privilégios da natureza Em um país com oito mil quilômetros de praias, à pequena Camboriú, em Santa Catarina, coube um quinhão especial: praias prístinas, selvagens, bucólicas, com enseadas ou costões; banhadas por um mar plácido ou a galope, pipocado de ilhas, mas sempre cristalino. Texto, fotos e ilustrações de Heitor e Silvia Reali

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VISTA AÉREA DE CAMBORIÚ: NESSA CIDADE DE TANTAS HISTÓRIAS, O VIAJANTE TEM TUDO PARA ESCOLHER A SUA PRAIA.

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erde-se no tempo. Alguns dizem que foi há quatro mil anos que os primitivos moradores sulcaram uma enorme pedra de frente para as águas esmeraldas da baía. Nesse lugar, que deviam achar encantado, deixaram desenhos enigmáticos ou, simplesmente, reproduziram a beleza da folhagem ou os torvelinhos do mar. Ainda longe no tempo, por volta de 1800, as enseadas tranqüilas da região eram as preferidas pelos colossais cetáceos. A vida mansa, porém, durava pouco. Caçadas, as baleias eram arrastadas para a praia e carneadas. A gordura farta era derre-

tida e queimava nos candeeiros e lamparinas, iluminando as ruas. Servia também de liga para misturar na argamassa das casas e igrejas. Entre essas, a de Santo Amaro, construída em 1810, e a do Senhor dos Aflitos, de 1814. Bem mais recente, no início da década de 1950, os moradores de Camboriú corriam à beira da praia para ver os vôos rasantes de um pequeno avião. Dentro, o presidente João Goulart e a esposa, Maria Teresa, voavam rumo à casa em que veraneavam na Avenida Atlântica. Moderna para os padrões da época, a enxuta futura primeira-dama desfilava de biquíni à beiraOutubro 2008


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mar, o que gerava protestos dos pescadores – gente simples, descendentes dos imigrantes lusitanos. Seus antepassados, vindos da Ilha da Madeira e dos Açores, nomearam as praias sem rebuços nem delongas: Estaleiro, onde se construíam barcos; Estaleirinho, a praia menor, logo ao lado; Bombas e Bombinhas, na mesma toada; Central e do Canto, dando as coordenadas geográficas; além de Taquara e Taquarinha, do Buraco, Porto Belo, da Tainha e da Sepultura. Na pitoresca praia dos Amores a pescaria devia ser outra. Nem o Morro do Careca escapou da simpleza – seu cocuruto tem mata rala.

Heranças lusitanas Os portugueses trouxeram as festas mais singelas destas bandas, como a procissão Nossa Senhora dos Navegantes, o Boi de Mamão, a Queima de Cruzes, a Festa de Reis, Pau de Fitas e Festa da Tainha. Deles também é a gastronomia farta e simples, como o pratão de mariscos cozidos ou de ostras cruas, só com um fiozinho de limão. A sopa de siri, a caldeirada de peixe, o camarão ao bafo – todos servidos com pirão de farinha de mandioca e com a cachaça do Pedro Alemão, uma purinha que vem do alambique lá do Alto Perequê. No entanto, não é herança dos portugueses o Mercado Públi-

MERCADO PÚBLICO, HERANÇA DOS ALEMÃES QUE FUNDARIAM BLUMENAU.

co de Itajaí, com sua bela e curiosa fachada, mas sim dos alemães, que mais tarde fundariam Blumenau. Em Bombinhas, o esporte é outro: mergulho nas águas límpidas. Nos arredores das ilhas do Arvoredo, Galés, Deserta, Calhau e São Pedro, pode-se observar facilmente tartarugas e peixes arcoirisados. Atrás destes, bandos de aves marinhas. Daí tantas escolas de mergulho, e a criação da Reserva do Arvoredo, para preservar esse santuário natural.

Não deixe de voar Voar fazia parte apenas do currículo das velhas feiticeiras. Com treino e um hocus pocus bem pronunciado, se deleitavam nos céus. Mas em Camboriú nem é preciso decorar fórmulas mágicas. Do alto do Morro do Careca, instrutores transportam os não iniciados no universo do parapente. Com experiência de mais de cinco mil saltos, decolam levando os viajantes a uma peregrinação nos céus catarinenses. Assim, como por encanto, volta-se a ser criança entre os azuis celeste e cobalto do céu e do mar. Algo para se experimentar uma vez na vida.


Para todas as praias Outra área natural preservada por aqui é a Ilha de Porto Belo, aquela das inscrições na pedra. Há que se esperar por barcos de pescadores para a curta travessia, de apenas um quilômetro. A espera vale para um dedo de prosa na praça dos Pescadores, enquanto estes consertam as redes sob as copas generosas dos velhos chapéus-de-sol e lembram das histórias dos antepassados. Na ilha prístina dá para se sentir um náufrago – se não for época dos navios transatlânticos que ali desembarcam. É interessante caminhar por trilhas na mata e conhecer o Eco Museu. No acervo há fósseis de grandes mamíferos que viveram há mais de 12 mil anos, na Era do Gelo do sul do Brasil. O gabinete do naturalista Carlos Nicolau Gofferjé, com sua coleção de ninhos, insetos e cetáceos, foi integralmente remontado em uma sala climatizada, e é a maior atração do bem cuidado museu. Em Camboriú existe até mesmo uma praia muito particular, onde os audaciosos freqüentadores gostam de andar à vela, ou como melhor definiu o brincante pernambucano Antonio Nóbrega: nus da cintura pra cima; nus da cintura pra baixo. Assim, todo viajante vai encontrar na pequena Camboriú a sua praia.

ACERVO DO ECO MUSEU INCLUI DE FÓSSEIS DE GRANDES MAMÍFEROS A INSETOS.

CAMBORIÚ TEM MAIS Passeios náuticos Escunas ao estilo das antigas caravelas, ou embarcações mais modernas, zarpam da Barra Sul, contornam a Ilha das Cabras, de onde se tem uma visão abrangente dos seis quilômetros da orla, e desembarcam na Praia de Laranjeiras. Uma delícia. 31

Bairro da Barra Nesse pequeno e bucólico bairro, ao sul do município, instalaram-se os primeiros imigrantes. Conta-se uma historieta dos idos do século 19, talvez lendária, sobre a construção da igreja de Santo Amaro: os escravos tanto penaram para erguer o templo, que, no dia da abolição da escravidão, badalaram o sino com tamanho vigor que o pobre coitado até rachou. O episódio é lembrado como o Sino da Freguesia.

Teleférico Modernos bondinhos saem da praia Central, deslizam sobre a Mata Atlântica e pousam na Praia das Laranjeiras.

SERVIÇO Como chegar A TAM oferece vôos diários para Navegantes, saindo das principais cidades brasileiras. Confira em Onde ficar Onde comer

www.tam.com.br

Refúgio do Estaleiro, em Porto Belo. Os bangalôs com nomes de flores

Bistrô Primo Piatto, na praia Central. Os pratos são assinados por

são abraçados pela mata nativa. De cada varanda se avista o mar pontilhado pelos barcos coloridos. Tel.: (47) 3369-8282. www.refugiodoestaleiro.com.br

Adriana Portilho, chef com formação na escola francesa Le Cordon Bleu. Entre eles, o Camarão Stravaganza, servido com molho de framboesa e creme de alho-poró. Tel.: (47) 3264-9157.

Parador Estaleiro Hotel As amplas portas desse hotel todo construído

Zabsar Ásia. Cozinhas da Índia, Vietnã, Mongólia e Tailândia, o que

em estrutura metálica, lembrando um navio, se abrem para o mar selvagem da praia do Estaleirinho. Tel: (47) 3261-6660. http://paradorestaleirohotel.com.br

vale dizer: pratos com especiarias inusitadas. A espera pode ser prazerosa. Em local reservado, é possível desfrutar de uma massagem nos pés com óleo de jasmim e sais aromáticos. Tel.: (47) 3264-1392. Outubro 2008




BATATA-INGLESA Solanum tuberosum

Na batata! Difícil encontrar lugar no planeta em que ela não se apresente. Do mundo vegetal, apenas arroz e trigo vão à mesa com tanta freqüência. Tão estratégica no combate à fome, que a Organização das Nações Unidas instituiu 2008 como Ano Internacional da Batata. Por Mylton Severiano

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eu amigo Narciso Kalili, mais completo jornalista da minha geração, enfrentou uma rebelião em casa, quan quando seus quatro filhos tinham entre 5 e 11 anos. Certa noite, inventaram que o jantar seria batata, de qualquer jeito. Pror Prorromperam num coro infernal, batendo ta talheres na mesa:“Batata! Batata! Batata!” O pachorrento Narciso disse “tudo bem”, e preparou dois quilos de fritas. No segundo dia, quiseram só batata de novo. Ethel, a mãe, chiou. Narciso falou: “Eles não vão passar a vida comendo batata”. E, lá pelo quinto dia, os pequenos voltaram ao feijão com arroz. Por que criança gosta tanto de bata batatinha? A nutricionista Aishá Zanella, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, lembra que crian crianças rejeitam alimento de sabor acentuado, e “a batata é neutra”. Contei-lhe ter lido numa revista que, numa situação-limite, se restar apenas batata, a gente sobrevive. Aishá raciocinou: “Batata é rica em carboidrato; pouca gordura; alguma proteína, bastante potássio; cálcio, vitaminas; alguns sais...Acredito sim que a pessoa sobreviveria só comendo batata”. Ela gosta de batata, e adverte:“Para perder peso as pessoas cortam a batata. É um equívoco. Ela é menos calórica

que o arroz, é melhor como acompanhamento.” A nutricionista acredita que a ONU instituiu 2008 como Ano Interna Internacional da Batata porque é “de fá fácil acesso, independente da clas classe social” – custa aqui metade do preço do arroz. Mais: dá o tempo todo, em todo solo, combina com tudo e se presta a todo modo de fazer – cozida, assada, gratinada, frita, como purê, papa, sopa, salada, nhoque, torta, suflê, omelete, guisado. Certos vegetais trilham curiosos caminhos. Nossa batata-inglesa não é inglesa – assim a chamamos porque os técnicos ingleses das ferrovias a exigiam na alimentação. A solanácea natu natural dos Andes, levada à Espanha no século 16, espalha-se pela Europa e, em 1850, ela, que havia milênios brotava perti pertinho das nossas fronteiras, chega até nós trazida por imigrantes alemães! Incorporou-se de tal forma ao nosso cotidiano, que seu nome tomou outros significados, um deles em forma de interjeição, usada quando é certo que um fato previsto aconteça. Um espírito inca vaticinou que seu principal alimento um dia mataria a fome do mundo, e agora deve estar dizendo à ONU:“Não falei? Batata!”.


Viva o cozinheiro anônimo

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Batatinha quando nasce, esparrama pelo mundo

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á oito mil anos, os andinos já conheciam a batata, cultivada hoje em todos os continentes. Em 1815, já era a base alimentar da Europa. Quando uma doença atacou os batatais em 1845, um milhão e meio de irlandeses emigraram; milhares morreram. Na Segunda Guerra Mundial, a catástrofe seria pior, não fosse a batata salvar milhões da morte por inanição. Agora, China e Índia (um terço da humanidade) produzem um terço da batatinha do planeta. Bom prestar atenção: China e Índia sabem das coisas, são civilizações milenares.

Enquanto os colegas saqueavam ouro e prata, o cozinheiro da expedição de Pizarro enchia o porão do navio com riqueza maior: tubérculos que os incas chamavam de papas. Na volta, os tripulantes só as comeram depois que os outros víveres acabaram ou estragaram, e as papas seguiam intactas. O cozinheiro cultivou a planta; e, em 1588, engajado na investida espanhola contra a Inglaterra, chegou como náufrago à Irlanda, com sua papa. Por três séculos ela alimentou os irlandeses, até uma tragédia sobrevir.

Será ela a salvação das pátrias? E

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deu-se o milagre: a própria batata criou imunidade contra a praga que a atacou em 1845. Pesquisas sobre como a planta reagiu ao fungo que a deixava podre levariam a outro feito: a descoberta da penicilina. Para a biotecnologia, suas possibilidades alimentares e terapêuticas estão longe de se esgotar. No Brasil, temos clones altamente resistentes a vírus. Na América do Norte, introduziramlhe uma proteína que a protege de ataques de insetos. O botânico norte-americano Charles Arntzen transformou-a

em vacina contra a diarréia provocada pela bactéria Escherichia coli. Dinamarqueses desenvolveram batata com vitamina B-12, antianêmica. Na Índia, adicionaram gene que a dotou de 33% a mais de proteína. A humanidade, estima-se, crescerá à razão de 100 milhões de indivíduos por ano nas próximas duas décadas. Pesquisadores, incentivados pelo alerta das Nações Unidas, vão fundo. Quem sabe é a batata que ajudará a salvar da fome as nações pobres e em desenvolvimento.

SAIBA MAIS Batata, de Danusia Barbara e Sergio Pagano (Senac, 2005). Batata na Cozinha, de Nicola Hill (Difel, 1996).

Mylton Severiano é jornalista.

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Nos tempos do cangaço (eu disse can-ga-ço)

Júlia Simeão Luiz Bertrán Bassiano Zenaide Serafim Ciledônia Fortunata Deodato Margarida Mariano Lucas Pedro Boscardim Malco Maria Salomé * Inácio Claret Dária Evaristo Florêncio Judas Tadeu

que eu vou contar agora aconteceu O causo no dia em que a volante conseguiu, depois

de muitos anos, prender o tão temido Capitão Ordovino. Cangaceiro dos bão. Da estirpe sanguinária do velho Lampião. Na frente da mesa do delegado estava o cangaceiro de cara amarrada – pois, afinal, o dito cujo tinha se deixado apanhar, e agora deveria amargar uns belos anos atrás das grades. O delegado, por sua vez, não cabia em si de tanto orgulho. Delegado (se recostando na poltrona) – Muito bem, Capitão Ordovino. Até que enfim, hein? Depois de tanto tempo, a minha polícia, sob o meu comando, conseguiu pegar o sinhô. Agora o sinhô vai vê o que é bom. Tantos anos saqueando, matando e zombando da gente. E até do governo! Capitão (num resmungo) – Éééé...

Delegado – Capitão Ordovino? Antes do sinhô ir pro xilindró, conta aqui pra gente: quantos homi o sinhô já matou nessa vida de cangaceiro? Capitão (reluta e balbucia) – É dois. Delegado (não acredita no que ouve) – Como é que é? Péra aí! O sinhô não entendeu a pergunta. Eu perguntei quantos homi o sinhô já matou até hoje. Capitão (firme e articulado) – É dois. Delegado – Dêxa de ser cara-de-pau! Como o sinhô tem a coragem de dizer que só matou dois homens até agora? Capitão (insistente) – É dois mêmo! Delegado – O sinhô é descarado e mentiroso! Veja aqui (mostra um papel). Só nessa lista tá marcado que o sinhô matô 10! Capitão (sem ler, justifica) – Só se o sinhô tá contando aqueles oito desocupado...

Narciso Geraldo

Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

Quintino

'5%142+#1 (23/9 a 22/10)

O indivíduo nascido sob o signo de Escorpião não é afeito à quantidade, prefere a qualidade. Vive cercado de mistérios, principalmente na vida amorosa. Dificilmente revela o amor que sente. Prefere o amor platônico, distante e suspirante. Sua postura de autocontrole deixa entender que nada o abala, transmitindo sempre confiança e poder. Busca suas amizades pela empatia mental e detesta bajulações. Mãe de São João e São Tiago, Salomé foi uma das três Marias que ajudou Jesus durante o início de seu ministério. Acompanhou suas viagens e testemunhou sua crucificação e a retirada de seu corpo da cruz. Segundo São Marcos, Salomé era uma das mulheres que untou com óleos o corpo de Jesus na manhã da ressurreição.

MARCOS MENDES/AE

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Emílio

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS? Denise Fraga

ESTAÇÃO COLHEITA O que se colhe em OUTUBRO Mamão, chicória, pêssego, melão, caju, pimenta, almeirão.

Crescente: 7/10 às 1h03 Cheia: 14/10 às 17h02

Minguante: 21/10 às 8h55 Nova: 28/10 às 20h14

CARTA ENIGMÁTICA – Foi compositor importante, mas foi a pintura que o consagrou como um dos grandes artistas do País. (Heitor dos Prazeres) BRASILIÔMETRO – 1b; 2c; 3c; 4d; 5a; 6b; 7d; 8a. O QUE É O QUE É? – Acento agudo. ENIGMA FIGURADO – Tarcísio Meira. SE LIGA NA HISTÓRIA – 1d; 2c; 3a; 4b. O CALCULISTA DAS ARÁBIAS – Nas contas de pagamento, os saldos devedores não têm relação com o total da dívida. Um exemplo mais esclarecedor é: a mesma dívida (50) paga em três prestações de 10, 5 e 35, primeiro deixa um saldo devedor de 40, depois de 35. Somando esses números obtemos 75, que está longe de ser o valor do empréstimo.

“O PESSIMISTA VÊ A DIFICULDADE EM CADA OPORTUNIDADE, O OTIMISTA, A OPORTUNIDADE EM CADA DIFICULDADE.”

Albert Flanders


Francis Hime ganha novas vozes em disco comemorativo Ele começou a carreira tocando piano clássico. Mas foi a música popular que o tornou conhecido. São célebres suas parcerias com gente como Vinicius de Moraes, Paulinho da Viola, Milton Nascimento e, principalmente, Chico Buarque, com quem fez Atrás da Porta, Vai Passar, Luiza, Meu Caro Amigo, entre outras. Também produziu músicas para o cinema, como a trilha de Dona Flor e seus Dois Maridos, dirigido por Bruno Barreto. Para comemorar os 45 anos de carreira, Francis Hime reedita um projeto especial

com suas composições, que ganham novas vozes. Zeca Pagodinho empresta toda a sua cadência para Amor Barato; Mônica Salmaso canta a bela Mariposa. A lista de participantes é longa (e notória). “Escolhi os intérpretes em função das músicas, quase como se tivesse composto aquelas canções para cada um deles”, explica Francis. Comparecem também Lenine, Ivete Sangalo, Adriana Calcanhotto, Simone, Joyce, Paulinho Moska, Teresa Cristina, Renato Braz, Olívia Bygton, Ed Mota, Luiz Melodia, Mart’nália e Bibi Ferreira. (BH)

Tranchã Misture bossa, samba, pop e uma pitada de jazz. São os ingredientes que compõem o primeiro álbum do cantor e compositor Vinicius Calderoni. Charanga Tá Chegando O Coletivo Charanga foi formado em aulas de música numa comunidade da zona sul de São Paulo, sob a coordenação de Mauricio Alves, da banda Mestre Ambrósio. Sambô A gaúcha Renata Adegas lança CD de estréia com repertório de música brasileira. Destacam-se canções de Gonzaguinha, Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro. 37

“A imagem aproxima o ser humano dele mesmo” Iolanda Huzak começou a fotografar em 1972. Na época, suas lentes voltavam-se sobretudo para o registro da história da música popular brasileira. Na década de 1980, após fotografar um projeto de teatro na Penitenciária Feminina de São Paulo, o enfoque mudou. Passou a abordar questões humanitárias, explorando temas como condições de trabalho, direitos da mulher e exploração infantil. Com este material, publicou livros fundamentais, como Crianças de Fibra (Paz e Terra, 1994), com Jô Azevedo, e Do Avesso ao Direito (Instituto Ayrton Senna,

2003), com Paloma Klisys. O livro que sai agora pela coleção Senac de Fotografia reúne diversos momentos da carreira de Iolanda. Estão presentes desde trabalhos com cortadores de cana até a sua peregrinação pela América Central, marcada por denúncias de mulheres e crianças em situação de risco. “A imagem tem o poder de transmitir informação. Por representar modos de cultura, evocar memórias, contar histórias, aproxima o ser humano dele mesmo”, reflete a fotógrafa. (CC) Senac, 72 p., R$ 40

Domingos Sodré, Um sacerdote africano João José Reis

A história real de um escravo africano liberto, em sua trajetória pela Bahia no século 19. Companhia das Letras, 448 p., R$ 58. Air & Sport Fernando de Almeida

O autor foi piloto, engenheiro e, acima de tudo, um entusiasta da arte de voar. O livro reúne artigos escritos por ele para a revista especializada em aviação Air & Sport. 360 Graus, 208 p., R$ 98. Brasilzão Fábio Brito e Diego Gazola

Durante três anos, os autores viajaram por mais de 60 localidades e municípios do País, registrando histórias e buscando uma identidade brasileira. Melhoramentos, 352 p., R$ 99. Outubro 2008


FALA QUE EU TE ESCUTO O médico atende um paciente idoso e milionário que estava usando um revolucionário aparelho de audição: – E aí, seu Almeida, está gostando do aparelho? – É muito bom! – responde o velhinho. – E a família gostou? – Não contei para ninguém ainda... Mas já mudei meu testamento três vezes.

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HISTÓRIA ANTIGA Vendo o boletim do neto com muitas notas vermelhas, o avô resolve dar um tremendo sermão: – No meu tempo, Zezinho, eu era o melhor aluno em história. Só tirava nota 10... – Tudo bem, vô, mas no seu tempo era diferente – tenta se esquivar o menino. – Diferente o quê, moleque? – No seu tempo tinha uns 80 anos a menos de história pra estudar...

“De médico e delirante, todos nós temos bastante.” Conselhos úteis para eliminar a barriga A barriga, mesmo aquela que indica prosperidade, é sempre uma coisa que incomoda, quando não ridícula. A barriga, portanto, deve ser proporcional ao seu proprietário. Quando a protuberância abdominal sair fora dos limites normais, o remédio é fazer com que ela se recolha à sua insignificância. Há quem aconselhe, como método para eliminar a barriga, exercícios de ginástica. É um erro. A ginástica desperta o apetite, e aquilo que se perde na hora da ginástica se recupera com juros à hora do almoço. E a barriga, em vez de diminuir, aumenta. Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

A PRIMEIRA PEDRA Numa cidadezinha do interior o povo tentava apedrejar um homem por ter cometido adultério, quando o padre aparece, lembrando a história de Maria Madalena: – Se alguém de vocês nunca errou, que atire a primeira pedra. Todos se aquietam. Eis que o bêbado rompe o silêncio e tasca uma pedrada na cabeça do infiel. E o padre, inconformado: – Mas você nunca errou, meu filho? – Desta distância, não, sinhô...

NO CONSULTÓRIO – Doutor, pelo amor de Deus! Estou desesperado, o senhor tem que me ajudar! – O que houve, seu Juvenal? – Estou perdendo a memória, doutor! Não me lembro de mais nada que me aconteceu no mês passado, na semana passada... Não consigo nem me lembrar o que me aconteceu ontem! – E desde quando o senhor está sentindo isso? – Sentindo o quê, doutor?

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“O GRANDE CONSOLO DAS VELHAS ANEDOTAS SÃO OS RECÉM-NASCIDOS.”

Luciano Tas so

Mário Quintana




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