Revista Agente Social Fundação Banco do Brasil

Page 1

Uma parceria editorial


2


Agente Social

DISSEMINANDO CAMINHOS E SOLUÇÕES TRANSFORMADORAS

3

A

os sete anos de vida, o A lmanaque Brasil de C ultura Popular é, sem dúvida alguma, um verdadeiro sucesso de público. Sua proposta inovadora de unir a agilidade de textos curtos e curiosos ao resgate da memória nacional, em uma publicação com o estilo dos saudosos almanaques, é reconhecidamente um êxito junto ao fiel público leitor – composto sobretudo dos passageiros nacionais e internacionas da companhia aérea TAM, mas também de assinantes e de usuários de centenas de bibliotecas públicas de todo o País. Com um projeto editorial centrado nas coisas boas do Brasil, o A lmanaque dá luz à nossa cultura de variadas formas: iniciativas bem-sucedidas, perfis de personalidades, fatos históricos, curiosidades, lendas e festas populares, entre tantos outros temas relacionados com a riqueza do País. A equipe do A lmanaque considera de fundamental importância o trabalho da Fundação Banco do Brasil. Com o propósito de mobilizar e gerir ações de trabalho e renda, a Fundação vem implementando projetos essenciais para a promoção da cidadania, o desenvolvi-

mento sustentável, a qualidade de vida e a auto-estima de diversas comunidades espalhadas pelo País. Ao longo de sua história, o A lmanaque Brasil sempre compartilhou desses mesmos ideais. Foi por isso que, a partir de maio de 2005, passou a realizar, em uma ação conjunta, um trabalho de disseminação, valorização e estímulo da criatividade e capacidade do povo brasileiro. Trata-se da parceria editorial Agente Social – uma seção mensal, disposta em duas páginas da revista, que trouxe reportagens sobre as transformações sociais ocasionadas pela aplicação de tecnologias sociais em diferentes comunidades carentes brasileiras, do Rio Grande do Sul ao Pará; de Minas Gerais ao Piauí; de Goiás ao Maranhão. Esta revista que você tem em mãos apresenta 12 edicões dessa seção exclusiva, publicadas entre maio de 2005 e abril de 2006 no A lmanaque Brasil. São o resultado dessa parceria e, ao mesmo tempo, exemplos de iniciativas simples, mas com alto poder de transformação da vida das pessoas envolvidas. Boa leitura.


Editorial

A

Transformar a realidade

cada ação que desenvolvemos aqui na Fundação Banco do Brasil, uma nova parceria é estabelecida para a promoção da inclusão e da transformação social. E, a cada intervenção social, uma comunidade é mobilizada para atuar como protagonista de sua própria mudança histórica. Seja na área de educação – com os programas de complementação escolar de crianças e adolescentes ou de alfabetização e de inclusão digital de jovens e adultos –, seja na área de geração de trabalho e renda ou na disseminação e reaplicação de tecnologias sociais – com investimentos direcionados a empreendimentos econômicos e solidários –, a Fundação Banco do Brasil dá sua contribuição para a construção de um País mais justo. Desde 2003, a partir dos direcionadores do Programa Fome Zero do Governo Federal enfocados nas políticas estruturais de geração de trabalho e renda para trabalhadores de assentamentos da reforma agrária, quilombolas e catadores de mate-

riais recicláveis, por exemplo, a nossa intervenção social é continuamente aprimorada e incorpora abordagens que valorizam as dimensões humana, econômica, cultural e ambiental. Nosso trabalho é o de promover a mobilização das pessoas, articular parcerias, além de multiplicar soluções sociais para alcançar a melhoria da qualidade de vida para todos, construindo o desenvolvimento econômico e social de forma solidária e sustentável. A empreitada que fizemos com a equipe do A lmanaque Brasil, percorrendo muitos lugares do País e mostrando um Brasil que está em transformação, foi mais uma dessas parcerias vitoriosas para apresentar um pouco do que as comunidades são capazes de fazer para mudar suas vidas. Nesta revista, são mostradas algumas iniciativas e tecnologias sociais que estamos desenvolvendo com inúmeras organizações, empresas e governos, demonstrando também que é possível uma nova relação social, com maior distribuição de renda e eqüidade.

4

Jacques de Oliveira Pena Presidente da Fundação Banco do Brasil

HISTÓRIAS DE UM BRASIL PROFUNDO

D

esde o lançamento do A lmanaque Brasil, em 1999, eu sabia que ele poderia ter um papel importante na divulgação de ações sociais espalhadas pelo País. A seção Agente Social, fruto de uma parceria entre a revista e a Fundação Banco do Brasil, foi, sem dúvida, um dos exemplos mais bem sucedidos nessa direção. Não apenas por sua abrangência ou pelo sucesso que fez entre os leitores, mas também pela realização pessoal de cada um dos envolvidos no projeto – eu incluído entre esses entusiastas. Ao longo de 12 meses, percorremos o Brasil de ponta a ponta. Pará, Paraíba, Rio Grande do Sul, Minas, Goiás, Piauí, Maranhão. Nos deparamos com personagens incríveis, gente que acredita na força de seu trabalho e que luta, coletivamente, para superar situações adversas. Conhecemos e revelamos iniciativas pequenas, soluções produtivas simples,

mas de grande impacto sobre a vida das pessoas envolvidas. Se a missão desse A lmanaque é descobrir o Brasil para os brasileiros, como sempre defendemos, esta foi uma viagem proveitosa. Uma parceria que certamente contribuiu para novos olhares sobre o País. Olhares sobre histórias e personagens de um Brasil profundo que, com nossa modesta contribuição, sempre buscamos trazer à tona. É também esta parte da missão da Fundação Banco do Brasil, que, apostando na disseminação de tecnologias sociais, tem transformado a vida de muita gente. É exemplo de atuação que desejamos sinceramente que seja seguido por outras instituições. Nosso patrono, Câmara Cascudo, tinha razão quando dizia que não há investimento melhor do que em nossa gente. Afinal, o melhor produto do Brasil sempre será o brasileiro.

Elifas Andreato Diretor Editorial do Almanaque Brasil


Índice

Minifábricas de processamento de castanhas de caju

Tecnologia Alternativa para Produção de Borracha na Amazônia

11

07

Cooperativas de processamento de açaí

Estações Digitais

19

15

Programa AABB Comunidade

BB Educar

27

23

Programa 1 Milhão de Cisternas

Projeto PROMEL

35

31

Projeto de Captação de Águas Superficiais de Chuvas em Barraginhas

Projeto Urucuia Grande Sertão

43

39

Produção de derivados do coco de babaçu

47

Projeto Catabahia

51

5


6


Minifábricas de Processamento de Castanhas de Caju Zé Lourenço, Ceará

maio de 2005

Com produção anual de 200 mil toneladas, o Brasil é o terceiro maior exportador de castanhas de caju do mundo. Mas o desperdício é grande. Perdem-se 90% da polpa e um terço da castanha. E caem por terra muitas possibilidades de superação da fome e de geração de emprego e renda. Afinado com os objetivos do Programa Fome Zero, foi criado o projeto das minifábricas de processamento de castanhas de caju, abrindo novo horizonte para os trabalhadores rurais. Cinco Estados são atendidos: Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte. Estão sendo implantadas ou revitalizadas 50 unidades, assim como cinco centrais de classificação e seleção de castanhas. Outras 10 unidades para produzir derivados da polpa serão instaladas. O investimento chega a 45 milhões de reais. O projeto aposta na organização dos agricultores e, principalmente, confia no potencial deles para construir juntos o sonho possível: a auto-sustentabilidade de suas comunidades. A meta é gerar 5.800 novos postos de trabalho diretos e indiretos e aumentar a renda média mensal dos agricultores em, pelo menos, 520 reais.

7


Minifábrica de caju abre caminho para o pequeno crescer O negócio ia falir, quando a Fundação Banco do Brasil e seus parceiros entraram com recursos e cursos de capacitação. Pronto: mais de 50 unidades como esta vão surgir, gerando trabalho e renda para os agricultores. Texto: Rosangela Guerra. Fotos: Iolanda huzak.

8

A

fumaça branca que sai da cisterna para recolher água da chaminé não tem nada a chuva. Dividiram fraternalmente ver com a eleição do noo cajual, com árvores imensas, vo papa. É sinal de que está a todo algumas com 40 anos. vapor a minifábrica de beneficiaNo final da década de 1990, a promento da castanha de caju da Asdução começou a cair, denunciando sociação Comunitária Construtoa falta de poda e dos “tratos cultures da Paz. “Dá muito orgulho na rais”. Mas não era só isso. gente”, emociona-se o trabalhador “De outubro a dezembro a gente rural Antônio Freire, enquanto quebra as cascas das castanhas. trabalhava na colheita e vendia a castanha in natura para atraTecnologia social desenvolvida pela Embrapa do Ceará, e revessadores. O resto do ano era sem trabalho e sem renda”, lemaplicada pela Fundação Banco do Brasil e vários parceiros, a bra Reginaldo Sales, um dos primeiros líderes da comunidade. minifábrica foi inaugurada em abril de 2003. Fica no AssenJunto com outros moradores, Reginaldo fez as contas e viu tamento Zé Lourenço, em Chorozinho, a que valia a pena investir na minifábrica. 64 quilômetros de Fortaleza, Ceará. Ali viAssim, poderiam agregar valor ao produvem 71 famílias, gente que já migrou para to, além de gerar emprego na comunidaSão Paulo, mas resolveu voltar à terra natal de. Com dinheiro do próprio bolso, bacom esperança de dias melhores. talharam para comprar algumas máquiO assentamento, com 1.915 hectares, tem nas. Em vão. Depois de quatro meses a solo arenoso e seco como o de uma praia minifábrica já não funcionava. Faltavam ensolarada, do jeito como cajueiro gosta. planejamento para estocar a castanha, casa do assentamento zé lourenço As famílias moram em casas caiadas, com financiamento e experiência.

etapas do processamento: descasque da castanha, secagem, limpeza, seleção e pesagem para a venda. 5.800 postos de trabalho em cinco estados.


O projeto ganhou vida nova quando a Fundação Banco do Brasil e seus parceiros injetaram recursos para equipar a minifábrica, investir na plantação de mudas e no trato dos cajueiros, e oferecer cursos de capacitação para que os trabalhadores aprendessem sobre cooperativismo. A idéia é que os pequenos produtores se tornem exportadores, escoantônio e família: orgulho. ando a produção para uma cooperativa, que negocie o produto no mercado interno e externo.

Exemplo para o futuro

Hoje, a minifábrica tem capacidade para beneficiar 208 toneladas de castanhas por ano. A renda familiar só não atingiu a meta porque a safra do ano passado foi prejudicada por uma chuva fora de hora. Animados, os trabalhadores se alegram com a visita dos alunos da escola do assentamento e mostram as etapas do beneficiamento. As castanhas se transformam em amêndoas grandes e alvas, como americanos e europeus apreciam. “É bom que as crianças vejam o que estamos conseguindo. No futuro, são elas que vão tocar esse barco”, diz Cleonilson de Araújo, coordenacriançada visita a minifábrica. dor da minifábrica.

Festa para os olhos

Sonho possível

minifábrica de chorozinho: construção do sonho de sustentabilidade de 71 famílias.

Com produção anual de 200 mil toneladas, o Brasil é o terceiro maior exportador de castanhas de caju do mundo. Só ficamos atrás da Índia e do Vietnã. Mas o desperdício por aqui ainda é grande. Perdem-se 90% da polpa e um terço da castanha. Assim, caem por terra muitas possibilidades de superação da fome, de geração de emprego e renda. Afinado com os objetivos do Programa Fome Zero, o projeto das minifábricas foi desenhado pela Fundação Banco do Brasil em parceria com Embrapa, Sebrae, Banco do Brasil, Telemar e Conab, além de outros agentes locais. No Ceará, Bahia, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte estão sendo implantadas ou revitalizadas 50 unidades, assim como cinco centrais de seleção de castanhas. Outras dez unidades para produzir derivados da polpa serão instaladas. O investimento chega a 15 milhões de reais. O projeto aposta na organização dos agricultores e em seu potencial para construir juntos o sonho possível: a sustentabilidade de suas comunidades. A meta é gerar e manter 5.800 novos postos de trabalho e aumentar a renda mensal dos agricultores.

Para viajantes europeus do século 16, os cajuais sem fim do litoral brasileiro eram uma visão do paraíso. Índios do interior guerreavam com os que viviam na costa pela posse temporária dos cajuais na época da frutificação. O nome vem do tupi acaiu: noz que se produz. Não demorou para que as naus portuguesas levassem mudas para Goa, na Índia, e para países africanos como Angola, Moçambique e Quênia. O caju conquistou o mundo.

V ocê

...que aquilo que comumente se acredita ser a fruta – a parte carnosa da qual se extrai o suco – é apenas o pedúnculo, espécie de haste inchada que sustenta o verdadeiro fruto, a castanha?

PERISCÓPIO

Tecnologia Social dá Prêmio A Fundação Banco do Brasil, em parceria com a Petrobras, deu a partida para a terceira edição do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. A iniciativa tem como objetivo identificar soluções de transformação social, que apresentem resultados comprovados e possam ser reaplicadas em escala. Até junho poderão ser inscritas tecnologias que tragam soluções nas áreas de educação,

sabia ...

saúde, energia, habitação, geração de renda, meio ambiente, alimentação, recursos hídricos e direitos da criança e adolescente. Oito prêmios, cada um no valor de 50 mil reais, serão entregues às entidades vencedoras. Podem participar instituições sem fins lucrativos – ongs, prefeituras, universidades, entre outras – e empresas. Inscrições até 30 de junho no sítio www.fundacaobancodobrasil.org.br.

9


10


Tecnologia Alternativa para Produção de Borracha na Amazônia Santarém, Pará

junho de 2005

Pesquisadores do Laboratório de Tecnologia Química da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram o projeto Tecbor – Tecnologia Alternativa para Produção de Borracha na Amazônia. Em vez de colher o látex e vender a borracha bruta, a tecnologia possibilita aos seringueiros beneficiar a seiva das árvores e agregar valor ao que vendem, empregando técnicas e materiais simples e de baixo custo. O produto final é uma placa de borracha colorida, vendida por um preço até três vezes maior. Em 2001, o projeto recebeu o troféu de excelência em Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil. No ano seguinte, graças à parceria entre a UnB, o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e a Fundação Banco do Brasil, a técnica passou a ser disseminada entre associações, comunidades e grupos de seringueiros. Hoje, as unidades de processamento funcionam em 10 municípios do Acre, Amazonas, Pará e Rondônia, beneficiando cerca de 420 famílias.

11


Guardiães da floresta revitalizam tradição secular da borracha Não é preciso muito. Para os pesquisadores, uma idéia nova, alguma ciência e persistência. Para os povos da floresta, instrumentos, capacitação e organização. Junte-se visão estratégica e poder de articulação para os parceiros do projeto, e pronto: uma atividade fadada à decadência passa a gerar trabalho mais qualificado e lucrativo para muita gente. Texto: João Rocha. Fotos: Iolanda Huzak.

E

dinelson, Sueli, Júlio, Djalma. pouco. Não restam alternativas senão Celso, Benedito, Assunção. Dibuscar sustento em outras paragens, ou do, Elias. Suas mulheres e seus mesmo dedicar-se a atividades muitas maridos. Seus filhos, pais e avós. Tantos vezes prejudiciais à floresta. 12 outros. Faz tempo que estão lá, embrenhados na Floresta Amazônica, morada Tecnologia social da maior biodiversidade do planeta. Buscando contrariar a sina que se reO sol ainda nem surgiu e eles já envepete há décadas, pesquisadores do Laredam pelas trilhas que levam aos seboratório de Tecnologia Química da ringais. Há décadas o ritual se repeUniversidade de Brasília (Unb) desente, atravessa gerações. Sangram serinvolveram o projeto Tecbor – Tecnogueiras em busca do incessante látex logia Alternativa para Produção de que se transformará na borracha usaBorracha na Amazônia. Trata-se de da no mundo todo. idéia simples. Em vez de colher o láNo Brasil, a atividade começou nos últex e vender a borracha bruta, os setimos anos do século 19. Houve períoringueiros beneficiam a seiva das árhora da pesagem: remuneração três vezes maior. dos áureos, com apogeu durante a Sevores e agregam valor ao que vendem, gunda Guerra Mundial. O País transformou-se no maior produempregando técnicas e materiais simples e de baixo custo. O tor mundial de borracha natural. Mas logo ficou para trás. produto final é uma placa de borracha colorida, vendida por Sucessivos governos não deram importância ao trabalho desum preço três vezes maior. O impregnante mau cheiro e o sa gente. O que era um mercado farto para os seringueiros se aspecto grosseiro – fruto de processamento natural por bactornou cada vez menos atraente. Trabalha-se muito, recebe-se térias – dão lugar a um material limpo e bonito.

o corte da seringueira e as etapas de processamento da folha semi-artefato; impregnante mau cheiro e aspecto grosseiro dão lugar a um material limpo e bonito.


“Essa gente é muito importante. São verdadeiros guardiães da floresta. É preciso garantir-lhes trabalho e renda para que não abandonem seus postos”, defende o professor Floriano Pastore, coordenador e idealizador do Tecbor. As placas de borracha – ou FSAs (folhas semi-artefato) – podem ser vendidas diretamente à indústria. Ao dispensar intermediários que ficam com parte substancial dos lucros, as FSAs valorizam o ofício dos seringueiros. Satisfeitos, eles vêem o fruto do trabalátex escorre pela seringueira. lho transformar-se em apoios para mause (mouse pads) e outros produtos. Desde 2003, graças a parceria entre a UnB, Ministério de Segurança Alimentar, Ibama e Fundação Banco do Brasil, a técnica é disseminada entre grupos de seringueiros. Hoje, há unidades de processamento em dez municípios do Acre, Amazonas, Pará e Rondônia, envolvendo 420 famílias. O custo total de implantação por unidade é de 3,5 mil reais. Em 2005, a Fundação Banco do Brasil planeja investir 1,5 milhão de reais em projetos com trabalhadores agroextrativistas.

dava. Hoje, dá para ganhar até 300”, conta. “A vida não está garantida, mas dá para criar um pouco melhor as crianças”, emenda Djalma, outro que aderiu à tecnologia social. Satisfação semelhante se observa na margem oposta do extenso Rio Tapajós. Uma hora e meia de barco conduz a Surucuá, uma das 64 comunidades da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Sete das 91 famílias decidiram aplicar a nova técnica. Construíram um barracão, fizeram o curso de treinamento e receberam kits com o material: calandras, baldes, bandejas, medidores, espátulas, insumos. “Começamos agora, mas já dá para ver os resultados”, diz o orgulhoso Júlio, enquanto posa ao lado do resultado da primeira semana de trabalho.

Comunidade pede para trabalhar unida

13

Orgulho e renda

“Dá gosto trabalhar assim”, diz Donildo dos Santos, o Dido, seringueiro da pequena Jamaraquá, comunidade encravada na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará. Assim como o pai, a vida inteira ele trabalhou nos seringais. No início de 2004, aprendeu a produzir as FSAs e passou a tocar, junto com vizinhos, a unidade construída por eles mesmos. “Antes a gente trabalhava o mês inteiro para conseguir 100 reais, e quando dido e família: “dá gosto trabalhar assim.”

seringueiros de surucuá: “juntos, temos força para seguir adiante.”

Em Surucuá, os pesquisadores da UnB se surpreenderam com um pedido dos seringueiros. A orientação era para que as famílias produzissem separadamente. Cada uma deveria processar o látex que colheu e receber pela produção. O grupo pediu para produzir em conjunto e repartir igualmente a remuneração. “Sempre quisemos trabalhar o látex de um jeito diferente. Agora que surgiu a chance, não queremos perdê-la. Pensamos: isso aqui não é uma comunidade? Então vamos trabalhar juntos”, lembra o seringueiro Elias. “Há muito tempo aprendemos que não dá para esperar nada de ninguém. Se a gente não se juntar e encontrar o caminho para nossos problemas, seremos sempre mais fracos. Juntos, temos força para seguir adiante.”

PERISCÓPIO

Prêmio distribui 400 mil reais a soluções transformadoras Seguem até 30 de junho as inscrições para o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, que visa identificar e selecionar soluções reaplicáveis de transformação social. Oito prêmios no valor total de 400 mil reais serão distribuídos nas áreas de alimentação, educação, energia, meio ambiente, geração de renda, saúde, habitação, agricultura familiar, recursos hídricos e direitos

da criança e do adolescente. Podem participar ongs, prefeituras, universidades e empresas. As iniciativas que atenderem aos requisitos necessários serão certificadas e passarão a compor o Banco de Tecnologias Sociais, onde já estão cadastradas mais de 200 experiências bem-sucedidas em diversas áreas. A cerimônia de premiação acontece em 24 de novembro. Inscrições: www.fundacaobancodobrasil.org.br.


14


Estações Digitais Cocalzinho de Goiás, Goiás

julho de 2005

As Estações Digitais fazem parte do Programa de Inclusão Digital da Fundação Banco do Brasil, executado em parceria com organizações sociais de todo o País. Essas organizações, já atuantes em suas comunidades, respondem pela escolha de jovens que participam de um ciclo intenso de debates e formação sobre cidadania, educação ambiental, liderança, sustentabilidade, prática de projetos e modelos de redes, além de noções de informática. De volta às suas cidades, eles têm a tarefa de multiplicar conhecimentos e direcionar as atividades das Estações Digitais para as necessidades locais. Iniciado em 2004, o programa já estruturou 166 estações. O próximo passo do Programa de Inclusão Digital é a concretização do maior Centro de Recondicionamento de Computadores do País – o CRC do Gama, no Distrito Federal – com objetivo de democratizar o acesso às tecnologias de informação, por meio da distribuição de equipamentos de informática recondicionados a escolas públicas, ONGs e bibliotecas. O projeto irá possibilitar também a realização de cursos de capacitação que vão de informática básica a montagem e configuração de computadores para comunidades de baixa renda.

15


Estação Digital espalha-se Brasil afora Programa desenvolvido em parceria com ongs de todo o País leva informática a lugares onde até geladeira é raridade. E potencializa ações capazes de mudar as comunidades. Texto: Juliana Winkel. Fotos: Iolanda Huzak.

S

olidão, cidade de 5 mil conhecimentos e direcionar as habitantes, fica no inteatividades das estações para as rior de Pernambuco, a necessidades locais. Passados 300 quilômetros do Recife. Vive seis meses de implantação, em a realidade do campo. Depenque recebem suporte da Fundadendo das chuvas, a renda da ção, os educadores sociais são 16 lavoura permite comprar algum encorajados a buscar parcerias bem de consumo – televisões e para manter o projeto. antenas parabólicas fazem mais Avidez por informação sucesso até do que geladeiras. Iniciado em 2004, o programa já O povo de Solidão gosta de se pôs em funcionamento 72 estainformar. Mas os computadoestação digital: tecnologia como caminho para transformar a comunidade. ções digitais. Até o final de 2005, res são raros. espera-se que outras cem estejam em operação. “Antigamente, só na prefeitura se podia ter acesso à internet. “As pessoas são ávidas por informação”, diz Cecília Leite, Mas a conexão cai toda hora”, diz Adriana de Lima Gomes, jocoordenadora da ong Mediateca, parceira da Fundação Banvem voluntária de uma estação digital recém-aberta na cidade. co do Brasil na idealização e execução do programa. “No Apoiados por duas associações comunitárias, ela e outros jocurso, elas passam a ver a tecnologia como um caminho pavens administram o espaço, organizam cursos de informática e ra a transformação da comunidade e como um meio para atendem à população sedenta pela web em banda larga. valorizar sua própria riqueza cultural”, afirma. “A informa“A procura é enorme. Até o pessoal da prefeitura vai à estação. ção não é um fim, mas um meio para o desenvolvimento“, Por isso, precisamos colocar mais computadores.” completa Germana Macena, uma das Adriana foi uma das jovens escolhidas coordenadoras do projeto dentro da para passar uma semana em Brasília, Fundação Banco do Brasil. participando de capacitação para se torJunto com os cursos de informática, nar educadora social. nascem oficinas de arte, debates sobre O curso faz parte do programa Estação saúde e cidadania, mobilizações para Digital, desenvolvido pela Fundação resolver questões do município, alterBanco do Brasil e executado em parceria nativas de geração de renda. com organizações comunitárias. Jovens É o que acontece em Cocalzinho de Goiás, de todo o País participam de oficinas 12 mil habitantes, a 100 quiômetros de e debates sobre cidadania, liderança, Brasília. Inaugurada em fevereiro, a Essustentabilidade, informática. De volta a tação Digital da cidade tem 200 alunos suas cidades, têm a tarefa de multiplicar Adriana (à direita) em uma das oficinas de capacitação.


– a maioria com bolsas providas por organizações comunitárias e empresas da região. “Aqui temos um meio de acesso à internet, além de ser ponto de encontro das pessoas. Muitas preferem contribuir com a Estação a pagar para ter internet em casa”, afirma Deuselina Teles, coordenadora da Estação. Dona Deusa, como é conhecida, é figura atuante. Há dois anos, Dona deusa na rádio vitória. fechou a churrascaria que comandava para se dedicar à causa social. No amplo espaço onde funcionava o restaurante está instalada a Estação, além de um ateliê de artes onde crianças aprendem pintura e desenho. Os temas das aulas de informática – artes, saúde, medicina natural e reaproveitamento de alimentos, entre outros – são discutidos e divulgados pela Rádio Vitória, estação comunitária cuja concessão Deusa conseguiu após um ano de reivindicações e viagens quase diárias a Brasília. “A rádio é uma escola para sonhadores. Aqui falamos sobre prevenção à natalidade, saúde da mulher, cidadania, educação. Tudo de forma leve, com muita música. O importante na rádio é a liberdade de expressão”, conclui, numa filosofia comum a todos os projetos do espaço.

estação de cocalzinho: acesso à internet, aulas de arte e informática.

Construtores de conhecimento

vagner (ao centro): 4 mil alunos e 22 estações espalhadas por goiás e Minas.

Vagner Nascimento, 18 anos, desde os 12 atua em projetos sociais. Ele é coordenador da ong Programando o Futuro, com sede em Valparaíso de Goiás, a 40 quilômetros da capital federal. Escolhida como organização-piloto para a implantação do programa Estação Digital, a ong coordena 22 unidades espalhadas por Goiás e Minas Gerais. Já formou cerca de 4 mil alunos. “O acesso à informática tem de ser irrestrito, como a 17 alfabetização. Senão, vira uma peneira social.” Para divulgar os cursos e as instalações, voluntários distribuem “vales-internet” gratuitos, que dão direito a uma hora de uso da rede – o que torna o local sempre movimentado. Parcerias com escolas municipais possibilitam aos estudantes o acesso aos computadores, nem sempre presentes em sala de aula. Os próximos passos são cursos específicos para pessoas com deficiência visual e mental. “A cultura de nossa sociedade não está acostumada a atuar com prevenção de problemas, mas sim a apagar incêndios”, diz Vagner. “Aqui, procuramos mostrar que o cidadão é co-autor e construtor do próprio conhecimento.” valparaíso: o movimento não pára.

PERISCÓPIO

Prêmio de Tecnologia Social: inscrições prorrogadas Foram prorrogadas até 17 de julho as inscrições para o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. Oito prêmios, cada um no valor de 50 mil reais, serão distribuídos a iniciativas capazes de gerar soluções na área social, com potencial para reaplicação em outras regiões. Serão premiados projetos nas áreas de alimentação, educação, energia, meio ambiente, geração de renda, saúde, habitação, agri-

cultura familiar, recursos hídricos e direitos da criança e do adolescente. Os projetos de destaque passarão a compor o Banco de Tecnologias Sociais, que já conta mais de 200 experiências bem-sucedidas em diversas áreas. A cerimônia de premiação será realizada em 24 de novembro. Ongs, prefeituras, universidades e empresas podem participar. Inscrições: www.fundacaobancodobrasil.org.br.


18


Cooperativas de processamento de açaí Igarapé-Miri, Pará

agosto de 2005

A paraense Igarapé-Miri, a 130 quilômetros de Belém, abriga a maior produção mundial de açaí. De lá saem 300 toneladas do fruto por mês. Dos 58 mil habitantes, cerca de 30 mil vivem nas comunidades ribeirinhas, em casas de palafita, a maioria sem energia elétrica. Em 1996, as comunidades passaram a se organizar, criaram associações, fizeram reuniões e decidiram explorar melhor os açaizais. Com o auxílio do Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (Poema), comunidades mirienses formaram uma cooperativa de colheita de açaí. A Coopfruit deu um salto em 2001. Conseguiu incentivo para montar fábrica de processamento de açaí, produção e congelamento de polpa. Com investimento da Fundação Banco do Brasil, em 2003 recebeu maquinaria nova para lavar, selecionar, despolpar, refinar, pasteurizar, embalar e estocar. O preço pago pela lata de açaí saltou de 1 para 6 reais. Hoje a cooperativa exporta a polpa congelada para todo o Brasil, Austrália, Suíça e Estados Unidos.

19


Diamante negro de Igarapé-Miri para o mundo Riqueza vegetal abundante no município paraense, o açaí sempre criou alguma renda. Mas era pouco valorizado. Com incentivo, virou produto lucrativo para as comunidades ribeirinhas. Texto: Mariana Proença. Fotos: Iolanda Huzak.

A

paraense Igarapé-Miri, União traz resultados a 130 quilômetros de Em 1999, com o apoio do ProBelém, abriga a maior grama Pobreza e Meio Ambiente produção mundial de açaí. Por na Amazônia (Poema), comunionde a gente anda, vê as paldades mirienses formaram uma meiras na paisagem. Saem 300 cooperativa de colheita de açaí. 20 toneladas do fruto a cada mês. A intenção era unir os ribeiriMas ainda não é possível ver na nhos com o objetivo de garantir cidade o retorno de tanta riquea compra da produção por meza. Dos 58 mil habitantes, cerlhor preço. A Cooperativa Agroinca de 30 mil (54%) vivem nas dustrial de Trabalhadores e Procomunidades ribeirinhas, em dutores Rurais de Igarapé-Miri açaí: em Igarapé-miri, no pará, a maior produção mundial do fruto. palafitas, a maioria sem energia (Coopfruit) deu um salto em 2001. elétrica. Vida simples. Na cidade, os problemas são maiores: deConseguiu incentivo para montar fábrica de processamento de semprego, violência, falta de estrutura. açaí, produção e congelamento de polpa. Tanta dificuldade e tanto potencial. Em 1996, comunidades Com investimento da Fundação Banco do Brasil, em 2004 a coopassaram a se organizar, criaram associaperativa recebeu maquinaria nova, para lavar, ções, fizeram reuniões e decidiram exselecionar, despolpar, refinar, pasteurizar, plorar melhor os açaizais. A ação ganhou embalar e estocar. Além disso, a polpa do açaí muitos braços: de um lado, o incentivo do já sai da fábrica com a embalagem do comgoverno municipal e do federal; de outro, prador, o que valoriza ainda mais o produto. a Universidade Federal do Pará (UFPA), O consultor na área de pesquisa e produção que encomendou aos técnicos diagnóstico de açaí da Embrapa, Raimundo Frazão, diz: das necessidades comunitárias. Início de “Esse equipamento que temos é um dos investimento no desenvolvimento sustenmelhores da região, nem em Belém existe tável da região. tão alta tecnologia.” O resultado alcançado revelou que o princiDurante a safra, são produzidas 4 toneladas pal problema da população de Igarapé-Miri e meia de polpa por hora. De uma ponta era a quantidade de açaí colhido. Durante a outra, tudo é bem organizado. Hoje, os anos, as comunidades colhiam e vendiam ribeirinhos nem precisam sair de casa para a preço baixo; pouca procura para muita levar açaí ao porto da cidade. Diariamenprodução. Ribeirinhos chegavam a voltar do te, colhem o fruto; e, em cada uma das cooperada colhe açaí em nazarezinho. porto e jogar fora toda a colheita. 17 comunidades, elegem um coordenador


responsável que retira dos 277 cooperados as rasas [alqueires] de açaí. Entregam na fábrica da cooperativa e recebem no ato o dinheiro. Diz Pedro Cardoso, da Associação de Moradores e Produtores Rurais de Nazarezinho do Meruú: “Hoje o açaí não falha, as pessoas se dedicam ao cultivo, o preço está equilibrado. Era um sacrifício, hoje dá para guardar um dinheiro.”

E para as mulheres, nada? Tudo!

Austrália, Suíça, Estados Unidos

Atualmente, o preço da cooperativa é fixado: em média, 6 reais por lata de 14 quilos. Antes, o preço não chegava a 1 real. E os ribeirinhos agora têm garantia de que venderão todo o açaí colhido. A produção da fábrica não pára; 50 funcionários se revezam nas máquinas para dar conta do trabalho. De lá sai o açaí congelado e embalado para todos os Estados brasileiros, e Austrália, Suíça, Estados Unidos. A sensação do momento, que bate recorde de vendas, é a combinação de açaí com guaraná, banana, mel ou acerola feita já nas máquinas da cooperativa. Esses energéticos, ricos em cálcio, ferro, proteínas e vitamina C, têm feito sucesso Brasil afora e são requisitados também no exterior. A cooperativa tem investido ainda na qualidade. Ministra cursos de formação para todos os cooperados, em parceria com a UFPA, o Poema e órgãos governamentais. Preocupa-se com os açaizais; o manejo consiste em cortar os coqueiros mais altos e deixar os menores crescer, o que aumenta a produção. O objetivo é diminuir cada vez mais o período da entressafra. Hoje, quase não há intervalo, graças a esse cuidado. Outras medidas contribuem para a qualidade do açaí da cooperativa: uso de luvas, lonas; e, para o corte, seleção dos cachos mais maduros – totalmente pretos. As iniciativas trazem benefício para as comunidades e aumentam ainda mais o valor do açaí miriense: “É o nosso diamante negro”, define Antônio Braga de Oliveira, embalagem de açaí. de Nazarezinho.

Raimundinha (à direita): “temos de acreditar no nosso trabalho.”

Uma comunidade que participa do projeto é a Associação de Mulheres de Igarapé-Miri. Com 234 sócias, surgiu com o objetivo de ajudar as mulheres da região a tirar documentos e lutar pelos próprios direitos: “Temos de nos preparar para fazer a nossa parte”, alerta Raimunda da Costa Almeida, a Raimundinha, uma das fundadoras. “Temos de acreditar no nosso trabalho.” Desde 2003, 27 mulheres participam, e pretendem aumentar esse número. Muitas sofreram preconceito dos maridos: eles achavam que não ia dar certo. “No começo, ele não gostava que eu saísse, mas agora mudou porque viu que deu certo”, lembra Odiléia Correia Lobo, a Vanda, da região de Furo do Seco Dentro. Para muitas dessas mulheres, a discussão do movimento foi o que de mais importante aconteceu na vida delas, porque desenvolveu um lado forte que não conheciam. A Associação de Mulheres é uma das mais organizadas. Tem balança própria, que pesa o açaí na casa de cada uma, e o leva até o porto, onde outras cooperadas o transportam e entregam na fábrica. O açaí é a principal matéria-prima da associação, mas a habilidade para fazer o artesanato é outra opção durante a entressafra. Prova de que ainda há produtos nativos ricos em oportunidades na região.

PERISCÓPIO

Das comunidades para as telas A Fundação Banco do Brasil, em parceria com a TV Câmara, apresenta a série de documentários Brasileiros. O projeto tem como objetivo mostrar histórias de pessoas que, com tecnologias simples e força de vontade, transformaram suas vidas e as de suas comunidades. O primeiro episódio conta a história dos habitantes de Riacho Fundo II e Recanto das Emas, em Brasília. Mais de 100 famílias que formaram cooperativa de coleta e

reciclagem de lixo mostram as mudanças na qualidade de vida com a criação do projeto. O segundo episódio, que vai ao ar em agosto, retrata o sistema Mandalla de Produção Permacultural, projeto inovador de irrigação que ganhou o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social e será reaplicado em diversos Estados brasileiros. Horários de exibição em www.fundacaobancodobrasil.org.br.

21


22


Programa AABB Comunidade Erechim, Rio Grande do Sul

setembro de 2005

Criado há 18 anos pela Federação Nacional das AABB (Fenabb), o Programa Integração AABB Comunidade, inspirado no Estatuto da Criança e do Adolescente, recebe jovens pertencentes a famílias de baixa renda com idade entre 7 e 17 anos. A partir de 1996, com a parceria da Fundação Banco do Brasil, o programa atingiu 412 cidades de todo o País. Hoje envolve cerca de 54.200 crianças e adolescentes e conta com mais de 3.800 educadores sociais. Por meio de atividades educativas, esportivas e lúdicas, o programa valoriza o trabalho de equipe e coloca o aluno como sujeito de seu desenvolvimento. As atividades desenvolvidas para complementação escolar utilizam a pedagogia dos direitos e introduzem projetos como o Olhos N’água, que visa sensibilizar as crianças e jovens para a questão do meio ambiente e da água, e o Alimentação Sustentável, que capacita merendeiras e educadores do programa com objetivo de estimular as comunidades a preparar alimentos de baixo custo e alto valor nutritivo.

23


Programa abre apetite de ir à escola Princípios do Programa Integração AABB Comunidade: permanência na escola, lazer e cidadania. Graças à participação da sociedade e às parcerias locais, o programa já chega a 412 municípios. Texto: Angela Pinho. Fotos: Iolanda Huzak.

O

relógio marca 7h55. de entre 7 e 17 anos. Das quaO ônibus da prefeitura tro cidades-piloto na década de percorre o bairro de 1980, espalhou-se por 412 mucasas de madeira ou alvenaria, nicípios do Brasil. Hoje, 3.871 telhados de amianto, até cheeducadores atendem 54.146 gar ao ponto mais alto. É a rua crianças e adolescentes. 24 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Cristo Rei, mais Educação para mudar conhecida por Caic, por fazer A idéia surgiu em 1987. Um gruparte do antigo projeto dos Cenpo da Fenabb resolveu abrir o tros de Atenção Integral à Crianespaço das AABB, pouco usaça e ao Adolescente. do pelos funcionários do banerechim: o dia começa cedo para as crianças atendidas pelo programa. Arquitetura moderna. Em frente co nos dias de semana, para um do portão, 30 crianças da 1ª e 2ª séries do ensino fundamentrabalho social. O programa oferecia principalmente atividades tal, vestidas de azul e amarelo, desmancham ruidosamente as esportivas a jovens de quatro cidades – Erechim (RS), Cristalirodas de brincadeiras e, orientadas pela educadora Queli, fana (GO), Quixadá e Quixeramobim (CE). Objetivo: estimular a zem fila para entrar no ônibus. As mais novas ficam rondando, permanência de crianças de famílias de baixa renda na escola. esperando o dia de fazer parte do grupo. Além disso, até 25% das vagas são reservadas a jovens que não Na sede da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), o caféestavam na escola, sob a condição de que se matriculem. da-manhã já está pronto. Depois da refeição, as crianças escovaDeu certo. Hoje, conta Jeferson Luís Zardo de Oliveira, presirão os dentes e conversarão com os educadores sociais. Vão disdente da AABB de Erechim, “é o programa que mantém a Assocutir desde postura em sala de aula até problemas na família e na ciação viva”. Bom para a entidade e para as comunidades. comunidade. Então, divididos em grupos, A AABB de Erechim atende hoje 300 seguirão para as aulas de educação física crianças do bairro de Cristo Rei. Oferece e artes. À tarde, será a vez dos alunos da aula de teatro a um grupo de 12 alunos. 3ª à 8ª séries, que vão à escola de manhã. “As mudanças são evidentes”, diz Nilson É mais um dia do Programa Integração Pallaro, atual coordenador pedagógico AABB Comunidade em Erechim, norte e professor de educação física no progrado Rio Grande do Sul. Criado há 18 anos ma há nove anos. “No início, chegava aqui pela Federação das AABB (Fenabb), o menina grávida, criança com o nariz seprograma, com inspiração no Estatuto co de tanto cheirar cola de sapateiro. Hoda Criança e do Adolescente, recebe joje, não existe mais isso. O objetivo princidepois das refeições, uma jornada de atividades. vens de famílias de baixa renda com idapal não é criar grandes talentos, mas sim


desenvolver valores”, explica. O professor de teatro Adriano Massaro completa: “Se a gente revelar um grande artista, ótimo. Mas o importante é desenvolver a auto-estima, a capacidade de comunicação, a expressão corporal e as emoções das crianças.” Os resultados agradam aos pais, sempre a par de tudo. Andréia Paula dos Santos – mãe de Luana, resultado: mais de 54 mil crianças atendidas. há cinco anos no programa – notou que a menina melhorou sua capacidade de trabalhar problemas: “Ela era muito fechada. Hoje, se acontece alguma coisa, vem contar. E só falta nas atividades se estiver doente.” O programa abriu aos jovens outras perspectivas. Itacir Cabral, 16 anos, participou do AABB Comunidade por quatro anos. Foi vendedor de canetas e funcionário de padaria até ser indicado para trabalhar no Banco do Brasil da cidade. “Quando comecei, perdi muito amigo por ciúme”, conta. Agora, pensa em seguir carreira no Banco. Sobre o programa, diz: “A coisa mais importante que aprendi é que é preciso ter responsabilidade em primeiro lugar.” Elias da Silva, que participa das atividades há sete anos, concorda. Filho de pai carpinteiro, gosta tanto do projeto que quer ser professor de atividades artísticas. Ana Barki Garcia, diretora do Cristo Rei, não esconde a satisfação: “O programa melhorou a aprendizagem, a disciplina e, principalmente, a vontade de ir à escola. Acabo de receber uma aluna de outra escola que mudou para o Cristo Rei só porque maior aprendizagem e vontade de ir à escola. queria participar.”

“Qualquer município pode fazer isso”, diz prefeito

parcerias garantem o crescimento do programa.

A partir de 1996 o AABB Comunidade entrou em nova fase. Ao estabelecer parceria com a Fundação Banco do Brasil, o programa ganhou amplitude tanto em número de crianças atendidas quanto em qualidade. Os educadores passaram a receber treinamento do Núcleo de Trabalhos Comunitários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foram introduzidas atividades lúdicas. Orientação: ensinar por meio de brincadeiras, valorizar o trabalho de 25 equipe e colocar o aluno como sujeito de sua formação. O programa cresce graças a parcerias como essa. Além da Fenabb, participam as Superintendências Estaduais e agências do Banco do Brasil e parceiros locais – ongs, empresas e prefeituras. Em Erechim, oito empresas contribuem, doando, cada uma, um salário mínimo, o que paga o salário dos educadores sociais, do coordenador pedagógico e despesas extras. E o mais importante: o programa tornou-se parte das políticas públicas do município. Desde 2001, ele integra o Programa de Educação em Tempo Integral da prefeitura, que envolve cerca de 2.200 crianças em atividades fora do horário de aula. A prefeitura fornece professores, transporte e alimentação às crianças. “Se os recursos para educação são limitados, nós podemos fazer parcerias. Qualquer município pode fazer isso”, diz o prefeito Eloi João Zanella.

PERISCÓPIO

Ceará inaugura mais minifábricas de castanha de caju Em agosto, o projeto de minifábricas de castanha de caju, desenvolvido pela Fundação Banco do Brasil em parceria com entidades públicas e privadas, ganhou novo fôlego. Foram inauguradas unidades de beneficiamento em mais sete cidades cearenses, além de nova central de seleção, classificação e exportação de castanha. Agora são nove os municípios do Estado participantes do projeto: Aquiraz, Aracati, Barreira, Chorozinho, Gran-

ja, Icapuí, Ocara, Pacajus e Tururu. Além do Ceará, onde só neste ano serão investidos cerca de 2,3 milhões de reais, o projeto está presente também na Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte. O objetivo do programa é capacitar pequenos produtores para trabalhar de maneira qualificada com toda a cadeia produtiva, garantindo mais renda e o sustento das comunidades. Saiba mais: www.fundacaobancodobrasil.org.br.


26


BB Educar Vale do Gurutuba, Minas Gerais outubro de 2005

A região do vale formado pelos rios Salinas e Gurutuba, norte de Minas, abriga pelo menos 27 comunidades remanescentes de quilombos. São cerca de seis mil pessoas espalhadas por 47 mil hectares. Os indicadores sociais eram alarmantes. A renda das famílias não ultrapassava os 180 reais mensais. O analfabetismo atingia 58% dos quilombolas. Em 2005, junto com ações para geração de trabalho e renda e com o apoio de uma rede social formada por funcionários voluntários do Banco do Brasil e diversas associações da região, foi implantado o programa BB Educar. Quarenta e sete pessoas da própria comunidade foram capacitadas para alfabetizar. Passaram a receber o investimento social da Fundação Banco do Brasil, que viabilizou também a construção de salas de aula. O início das aulas mostrou o tamanho do interesse: 450 alunos inscritos, de todas as 27 comunidades. O principal pressuposto da metodologia de ensino: planejar atividades de aprendizagem que valorizam a realidade dos alunos – cultura, identidade e problemas locais.

27


Da luta contra a escravidão à luta contra a exclusão Captação e distribuição de água, 25 salas de alfabetização de jovens e adultos: primeiros passos para melhorar as condições de vida e preservar a cultura do povo quilombola do norte mineiro. Texto: Angela Pinho. Fotos: Iolanda Huzak.

M

uitos anos antes de tes às margens dos rios. Muitos Santo Fernandes de fugiram para as cidades. Souza nascer, sua Identidade quilombola avó prometeu: se tivesse filho A história mudou em 2003. Gracantador, faria a folia de reis peças a estudo antropológico, deslo resto da vida. Morreu festeicobriu-se que os gurutubanos ra. E o filho, por sua vez, passou eram quilombolas. Agências do a musicalidade ao seu menino. 28 Banco do Brasil, as SuperintenSanto aprendeu a bater no tamdências Estadual e Regional, os bor que leva às batucadas. Comitês de Solidariedade de BeFrancisco Ferreira do Nascilo Horizonte e Serra Geral e a mento, 85 anos, também gostaFundação Banco do Brasil cova de participar do batuque na meçaram a atuar. Junto com a festa de Nossa Senhora da Saúvale do gurutuba: resgate da auto-estima e dos direitos dos quilombolas. Associação Quilombolas do Gude que, todo setembro, atrai 20 rutuba e outras organizações populares, distribuíram alimenmil pessoas a Jacaré Grande, município de Janaúba, Minas. Foi tos, roupas e sementes; doaram moto para a associação; e encaMiguilina, sua bisavó, que cedeu à igreja a primeira estátua da minharam lista de reivindicações a prefeituras e ministérios. santa. Até hoje ele conta, indignado e lastimoso, que as terras da Os indicadores sociais eram alarmantes. A renda mensal das famíigreja construída por seu avô foram tomadas à força por fazenlias, em média com sete pessoas, era de 180 reais. Só na comunideiros bem no meio da festa. dade de Pacuí, em 2003, a taxa de mortalidade infantil era de 150 Condenados à seca a cada mil nascidos vivos, quando a média nacional era de 27. As famílias de Francisco, de Santo e de muitos outros construíMuitos quilombolas nem sabiam que faziam parte do mesmo poram a história dos 6 mil habitantes hoje espalhados por 47 mil vo. “Era preciso resgatar a auto-estima e o reconhecimento dos hectares do norte mineiro. Há séculos, direitos deles e preservar a cultura”, diz seus antepassados se embrenharam no Rosângela D’Angelis Brandão, gerencerrado e se estabeleceram no vale forte de expediente do Banco do Brasil de mado pelos Rios Salinas e Gurutuba. A Janaúba e uma das principais responsáregião abriga hoje 27 comunidades reveis pelo trabalho com os quilombolas. manescentes de quilombos. Surgiu a idéia de implantar um prograNa década de 1950, o Estado exterminou ma de educação. O analfabetismo atingia a malária na região. Os gurutubanos re58% dos quilombolas. A Fundação Bansistiam à doença, por isso viviam em paz. co do Brasil já tinha, desde 1992, expeCom o fim da malária, fazendeiros tomariência na área: o programa BB Educar, alfabetização de pai para filho; de netos para avós. ram suas terras e os expulsaram para lode alfabetização de jovens e adultos.


“A gente assinava com o dedão”

Um dos primeiros a se interessar pelo curso foi Marciano Fernandes Souza, 85 anos, avô de Dernivaldo Fernandes Lima, presidente da Associação. Mas não enxergava bem. Exames logo de início, 450 alunos inscritos. mostraram que 302 pessoas da comunidade precisavam de óculos e 36 tinham catarata. Havia outros problemas: a necessidade de buscar água ocupava horas de cada dia dos gurutubanos; na colheita, os jovens tinham de realizar trabalhos em fazendas da região; algumas comunidades não tinham espaços adequados para as aulas. Primeiro atacou-se a questão da água [veja boxe ao lado]. Em seguida, 47 pessoas do quilombo foram treinadas para alfabetizar, recebendo bolsa da Fundação Banco do Brasil, que viabilizou também a construção de algumas das salas de aula. Funcionários do Banco doaram armações de óculos e a Fundação providenciou as lentes. O início das aulas mostrou o tamanho do interesse: 450 alunos inscritos, das 27 comunidades. O método: usar temas da realidade dos alunos – cultura, identidade, questões locais. São 25 turmas, tios tendo aula com sobrinhos, avôs e avós com netos, pais com filhos. “Meu sonho era que eles tivessem dado aula para mim, mas fico feliz de poder ensinar a eles”, diz Adauto Quaresma Franco, 17 anos, filho e professor de Liobino Quaresma que, orgulhoso do filho, explica por que faz o curso: “Os brancos nos davam documentos e a gente assinava com o dedão. Nossas terras foram tomadas porque ninguém sabia ler.” José Quaresma Franco, 65 anos, seu irmão, arremata: “A pessoa que não sabe ler tem de ir pela cabeça dos outros. Quero pensar dernivaldo e os avós: ver para ler. pela minha cabeça.”

Fim do jarro na cabeça

enfim, água à mão: chegada dos primeiros canos foi emocionante.

Ironicamente, um dos maiores problemas daquele povo escondido às margens dos Rios Gurutuba e Salinas era água. Nestor Ramos Pereira, de 60 anos, lembra que tinha de ir ao rio diversas vezes por dia. “E levava pelo menos uma hora cada vez”, diz. A situação se agravou no final da década de 1970. Devido à construção de barragens e a projetos de irrigação de grandes fazendas, os rios secaram: trágico para uma população que sempre viveu da agricultura. Em 2005, a Fundação destinou 377 mil reais para a captação e distribuição de água e ações de geração de renda. Segundo Rosângela, gerente de expediente do Banco do Brasil de Janaúba, a chegada dos primeiros canos foi emocionante. “As pessoas traziam enxadas, queriam abrir os poços na mesma hora”, conta. Os novos poços possibilitarão muito mais do que fazer hortas e usar água tratada: os moradores deixarão de viver o dia em função da sobrevivência. Ou, nas sábias palavras do jovem presidente da Associação Quilombolas do Gurutuba, Dernivaldo: “A chegada da água permite que a gente possa pensar em coisas que não o peso do jarro que a gente carrega na cabeça.”

PERISCÓPIO

Tecnologia social e mobilização comunitária na tevê Estréia em 1º de outubro o programa Mobilização Brasil, uma parceria entre a Fundação Banco do Brasil e a emissora educativa TVE. A série vai divulgar soluções simples e criativas implementadas por comunidades de todo o País para solucionar seus problemas. As transmissões acontecem aos sábados, às 8 horas, pela TVE/Brasil, no Rio de Janeiro; pela TV Cultura, em São Paulo; e pelas demais afiliadas da Associação

Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Comunitárias (Abepec) no restante do País. A cada programa, reportagens sobre tecnologias sociais, entrevistas em estúdio e agenda de eventos dos movimentos sociais. Estão previstos 52 programas de 26 minutos cada um. O primeiro da série mostrará a atuação da Articulação no Semi-árido Brasileiro (ASA) no combate à falta de água.

29


30


Programa 1 Milhão de Cisternas Cajazeiras, Paraíba

novembro de 2005

Para aliviar o problema da água do Semi-Árido brasileiro, surgiu em 1999 o Programa 1 Milhão de Cisternas, criado e executado pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA). Com capacidade para 16 mil litros, cada uma das cisternas abastece uma família de cinco pessoas por até oito meses, melhorando a qualidade de vida nas comunidades. É a representação da independência dos carros-pipa, do fim das caminhadas em busca de água, da diminuição de doenças, da geração de emprego e renda. A tecnologia de Cisternas de Placas Pré-Moldadas foi finalista do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social na edição de 2001 e é mais uma solução pertencente ao Banco de Tecnologias Sociais.

31


Água potável cai do céu no Semi-Árido O Programa 1 Milhão de Cisternas, desenvolvido pela ASA e apoiado pela Fundação Banco do Brasil, chega a 11 Estados brasileiros que enfrentam seca. Com 106 mil reservatórios construídos até agora, revoluciona a vida dos sertanejos com solução simples: o armazenamento da água da chuva. Texto: Mariana Proença. Fotos: Iolanda Huzak.

A

rticular é unir, manO programa atua em diferentes ter contato para realifrentes. Orienta as famílias a usar zar algo. No Semi-Áriadequadamente a água e como do, é sinônimo de sobrevivência. fazer a manutenção das cisterEnfrentar seca e sol quase o ano nas. Além disso, capacita gente inteiro é coisa para guerreiros. da própria comunidade a consA região compreende parte dos truir os reservatórios. Agricultonove Estados do Nordeste mais res assistem a cursos e aprendem 32 Minas e Espírito Santo. Por lá, o ofício de pedreiro, passando chove pouco e em períodos deadiante o conhecimento. terminados. Para aliviar a falta Em quatro dias de trabalho a d’água, surgiu em 1999 a Articucisterna fica pronta. Enquanto lação no Semi-Árido Brasileiro realiza o serviço, o construtor cisterna no quintal: 16 mil litros, abastecimento para oito meses. (ASA), união de organizações se hospeda na casa da família que congrega 750 entidades em 900 municípios. beneficiada. Todos trabalham, da mulher que oferece o almoA ASA gerou frutos e, por meio de programas de formação e moço ao filho que ajuda como servente de pedreiro. bilização, vem conquistando resultados expressivos. O principal Sem luz, mas com cisterna projeto, o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), estabeleceu Exemplo do bom resultado é a ASA Paraíba. O Estado, dividido por em 2003 a meta de construir 1 milhão de reservatórios de água. Unidades Gestoras Microrregionais (UGMs), abriga região bem Até agora, já construiu 106 mil. Cada cisterna atende a uma faseca, o Alto Sertão. A Central das Associações dos Assentamenmília. Feita de placas de concreto, guarda água da chuva que tos do Alto Sertão Paraibano (Caaasp) coordena os trabalhos. Já cai no telhado. Com capacidade para 16 mil litros, é capaz de atende a 44 municípios. abastecer uma família de cinco pessoas por até oito meses. Nas casas dos vizinhos Aldeide Pedro de Araújo e José Correia, em As cisternas representam a independência dos carros-pipa, das Cajazeiras, as cisternas já fazem parte da paisagem. Há três anos, caminhadas em busca de água barrenta em cacimbas, a diminuiem meio a bananeiras, mamoeiros e hortaliças dos quintais, vê-se ção de doenças e, também, a geração de emprego e renda para os o tanque branco, orgulho das casas. moradores das comunidades participantes. “É o nosso pote grande, cuidamos com carinho”, diz Aldeide. “No O primeiro passo do projeto é realizar cursos para os trabalhadoinverno é um paraíso; água que não tem poluição”, emenda José. res rurais. Só tem direito a cisterna quem participa da formação.


Os dois moram no Assentamento Santo Antônio. Antes da cisterna, andavam quilômetros para chegar a um açude e trazer água nos jegues. Faziam várias viagens por aldeide, as filhas e o vizinho josé: água no quintal. dia, debaixo de sol quente. Hoje, têm tempo para outros afazeres. Situação semelhante acontece no vilarejo de Peba dos Vicentes, a 14 quilômetros de São José de Piranhas. Lá vivem 11 famílias e, desde 2002, nove casas têm cisternas. O morador Damião Gomes da Silva, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade, diz que o trabalho só tem resultado quando a comunidade dá as mãos e luta pelos objetivos. Ele, a mulher e os três filhos sabem dos cuidados para manter a cisterna: limpam-na anualmente e racionam o uso para não faltar água. A casa não tem energia elétrica. Há 30 anos Damião espera que o poder público instale os postes. Mas, antes da luz, chegou a água: “Isso não podia faltar.”

Ir embora? Nem pensar

Final de tarde. Na casa de Zé Preto, comunidade rural de Cachoeirinha, em Cajazeiras, reina trabalho intenso. Dia de Nossa Senhora Aparecida, 12 de outubro. A bênção certamente virá com a cisterna cheia d’água. Antônio Luís Rodrigues, pedreiro há dois anos, perdeu a conta das cisternas que construiu. Agricultor, aprendeu o novo ofício aos 56 anos. Hoje o consideram um dos mais caprichosos da região. Há cem pedreiros capacitados a construir cisternas e basta conversar com eles para descobrir a força do projeto. Antônio se emociona o pedreiro antônio e o beneficiado zé preto.

ao lembrar cada família que o acolheu. Partilha da emoção e chora ao falar das dificuldades que enfrentou Otácio Emídio de Oliveira, da comunidade de Cocos. Chegou a ir sete vezes a São Paulo para trabalhar no corte de cana. Agora tem profissão: pedreiro. Otácio construiu 29 cisternas e vai iniciar mais dez até o fim do ano. Ir de novo paotácio e rosimar, em cocos. ra São Paulo? “Nem pensar, não consigo mais deixar minha família.” Ele e a mulher, Rosimar, lembram que já foi mais difícil: “Criamos nossas filhas pegando leite dos outros, hoje tenho minha vaquinha.”

Pouca água, muita alegria

Em Poços, Cajazeiras, a situação é difícil. As cisternas estão prontas há meses, mas a chuva não chega. Raimunda de Santana é uma das que espera. Gasta a manhã toda em viagens à cacimba. Mas não desanima: “Comigo não tem tristeza. Nunca tive inveja de nada nesta vida, mas, quando ia na casa das minhas amigas, sentia, por terem água em casa. Agora também vou ter.” Para fortalecer as ações do P1MC, a Fundação Banco do Brasil estabe33 leceu parceria com a ASA para ampliar a capacidade operacional das 48 UGMs existentes e implantar mais dez novas unidades. O objetivo é alcançar a meta de 1 milhão de cisternas, além de propiciar condições para a implantação de outras tecnologias sociais que visem a captação de água da chuva para atividades produtivas. São exemplos: barragens subterrâneas, tanques pedra, barraginhas, cisternas calçadão, entre outras. A presidente da Associação do P1MC, Valquíria Lima, aposta na parceria: “Só assim poderemos multiplicar o aprendizado e, através de tecnologias simples, mudar concretamente a vida das pessoas”. raimunda, enquanto a água não chega.

PERISCÓPIO

Projeto prova que consciência é base da alimentação Com o objetivo de sensibilizar, esclarecer e mobilizar comunidades para o uso de alimentos de baixo custo e alto valor nutritivo, a Fundação Banco do Brasil adotou o projeto Alimentação Sustentável em diversos locais onde atua. Baseado em pesquisas da nutróloga e pediatra Clara Brandão, o projeto conscientiza famílias em matéria de saúde e nutrição, bem como sobre os benefícios alcançados quando se adota uma

alimentação saudável. O trabalho procura recuperar também a importância das plantas medicinais e identificar na natureza os nutrientes que ela oferece. Uma das principais orientações do Alimentação Sustentável é a capacitação de educadores para que realizem ações preventivas, disseminem práticas de consumo ecologicamente responsáveis e criem uma rede de segurança alimentar nas comunidades onde vivem.


34


Projeto PROMEL Picos, Piauí

dezembro de 2005

A região de Picos, no Piauí, é a maior produtora de mel do País. Desde meados da década de 1970 famílias criavam abelhas de maneira artesanal e rústica. Com o Projeto Nordeste de Geração de Trabalho e Renda e de Promoção do Desenvolvimento Regional Sustentável (PROMEL), o panorama mudou. Seu intuito é fornecer orientações para o incremento de produção e renda. Na fase final do projeto, os apicultores devem controlar da produção à venda. Para isso, está prevista a construção de 22 casas do mel – locais aparelhados para receber, processar e armazenar o produto – e uma unidade industrial, que vai ainda tornar viável a exportação sem atravessadores e o aumento da produção fracionada, criando uma marca e agregando valor à produção. Além do investimento da Fundação Banco do Brasil, todos os empreendimentos solidários contam com financiamentos do Banco do Brasil, por meio do Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS).

35


Doce futuro no sertão do Piauí No Semi-Árido, o Projeto PROMEL aperfeiçoa atividade que já existia rusticamente: apicultura. Das flores do sertão se produz mel de excelente qualidade e alta potencialidade comercial. Texto: Diego Braga Norte. Fotos: Iolanda Huzak.

Q

uem chega a Picos, ciA empreitada visa basicamente a dade encravada no cenorientar a organização dos protro do Piauí, no Semidutores para que possam meÁrido, não imagina quão doce lhorar produção e renda. O die nobre trabalho por lá se deferencial do projeto é sua consenvolve. O calor na estiagem – cepção “ao avesso”. O apicultor entre junho e novembro – freWaldiná de Moura explica: “É da qüentemente atinge picos (trobase para cima, nós é que deci36 cadilho inevitável) superiores a dimos tudo.” 40 graus. Nada resiste a tal proNão foi fácil. Como bem diz Walvação da natureza, muitos podiná, “a cultura do sertão é indidem pensar. Nada mesmo? vidualista, na seca vale o salve-se Poucos sabem, mas hoje a requem puder”. Diante desse quaApicultor verifica favos: qualificação, aumento e melhora da produção. gião é a maior produtora de mel dro que poderia ter sido pintado do País e responde por mais de 90% do mel produzido no Piauí. por Portinari, a principal figura que recria as cores do sertão é a Desde meados da década de 1970, Picos já apresentava tal atividos Agentes de Desenvolvimento Regional (ADR), pessoas pertendade, tocada por pequenos agricultores que vendiam a produção centes à comunidade, com trânsito e diálogo fácil entre os apicultopara empresas. Famílias cultivavam abelhas de maneira rústica, res. No projeto trabalham 11 deles, atendendo em torno de 500 fasem se preocupar com implicações, conhecimentos técnicos ou mílias. Tiveram cursos, treinamentos; e, capacitados, disseminam possibilidade de tornar o negócio mais profissional e lucrativo. conhecimento. Assim, tal qual as abelhas operárias, funcionam coCom o PROMEL (Projeto Nordeste de Geração de Trabalho e Renmo orientadores de seus grupos e amplificadores de resultados. da e de Promoção do Desenvolvimento Regional Sustentável com Discutem as etapas, devidamente monitoradas, e todos as cumprem Foco na Cadeia Produtiva do Mel), o panorama mudou. O projeto seguindo as necessidades levantadas pelos próprios apicultores. é uma iniciativa da Fundação Banco do Brasil, Rede Unitrabalho, De “jegue motorizado” ICCO (Organização Intereclesiástica para a Cooperação do DesenVisitando famílias, acompanhando o trabalho, ministrando volvimento), UniSol (União e Solidariedade das Cooperativas Emcursos e palestras, os preendimentos de EconoADRs incentivam prátimia Social do Brasil) e Secas aparentemente simbrae. Sua primeira ação é a ples, mas extremamenimplementação do projeto te eficazes. O resultado? CASA APIS (Central de CoA produção aumentou operativas do Semi-Árido), em quantidade e quaque abrange Picos e mais lidade. Hoje, a maio30 cidades de Pernamburia das famílias partiem canabrava, a aposta na preservação. apicultores de picos: “bom pra todo mundo.” co, Piauí e Ceará.


cipantes extrai do mel a principal fonte de renda. O ADR e apicultor Dionísio de Souza atua em São João da Canabrava. Toda semana monta em seu “jegue motorizado” (sim, hoje a moto é o jegue do novo sertão) e parte para as visitas. Depois de muito trabalho, viu a produção aumentar. A cultura dos apicultores muda gradativamente, segundo Dionísio, inclusive quanto à preservação do meio ambiente: “Nós precisamos da natureza, sem ela as abelhas passam fome”, diz.

“Não vai ter chefe nem patrão”

produção fracionada: consolidação da marca e valor agregado.

Colméia humana

Na época das chuvas, de dezembro a maio, a florada da caatinga é variada, propícia para o deleite das abelhas – e dos apicultores. Conservar esse ecossistema frágil e cíclico é básico. Com conhecimentos técnicos e empíricos, os produtores têm a preservação ambiental como ponto-chave. Eles agora sabem que práticas ecologicamente corretas garantem boas safras e bons lucros. O manejo adequado da flora evita a falta de alimentos para as abelhas e sua fuga para outros lugares. Para o presidente da CASA APIS, Antônio Dantas Filho, o Sitonho, um dos principais motivos para tamanho engajamento e sucesso está nos resultados, assim como no suporte oferecido aos participantes: “Os apicultores da região viram que o retorno é garantido e passaram a se unir”, explica. “Há um pessoal sério nos ajudando e muita transparência nos diálogos e discussões.” Num curioso processo de mimetismo, os apicultores passaram a trabalhar em equipe. Tal como as abelhas.

A fase final do projeto pretende que os apicultores controlem todas as etapas – da produção à venda. Para isso, serão criadas 20 casas do mel e uma central de processamento e embalagem. Casa do mel é um local próprio para receber, processar e armazenar; e a central, prevista para abril de 2006, será a concretização da colméia de apicultores: uma unidade industrial que agregará as futuras casas do mel, as oito cooperativas e as demais associações existentes na região. A unidade vai ainda tornar viável a exportação sem atravessadores e o aumento da produção fracionada (em sachês, potes e afins), criando uma marca e agregando valor aos produtos. Os apicultores já têm os equipamentos necessários para coleta e processamento: veículos, balanças, filtros, homogeneizador, centrífuga e até aparatos de laboratório para medir especificações recomendadas pelo exigente mercado. O reaproveitamento da cera, o processo de homogeneização, os testes – tudo é feito dentro de padrões profissionais, na maior assepsia possível. A Cooperativa Apícola da Região de Picos (Campil), uma das maiores, vende quase toda a produção a granel, mas produz também mel fracionado, inclusive adicionando alho, limão e própolis. Sob o teto da CASA APIS, os apicultores podem gerenciar melhor os negócios, barganhando bons preços com fornecedores e compradores. O ADR e apicultor Jaílson de Lemos resume: “Não vai ter chefe nem patrão, vai ser bom pra todo mundo.”

PERISCÓPIO

Fundação Banco do Brasil, 20 anos de transformação social Ao longo de seus vinte anos de existência, a Fundação Banco do Brasil vem desenvolvendo uma série de programas que têm como foco as áreas de educação, geração de trabalho e renda e ações voltadas para a reaplicação de tecnologias sociais – principalmente nas regiões Norte e Nordeste e nas periferias dos grandes centros urbanos. O desejo de organizar uma Instituição voltada para a transformação da realidade de comunidades excluí-

das ou em risco de exclusão surgiu em 1985. Hoje, a Fundação Banco do Brasil vem promovendo o desenvolvimento social de forma solidária e sustentável, por intermédio da mobilização das pessoas, da articulação de parcerias e da multiplicação de resultados. As milhares de ações executadas pela Fundação buscam propiciar às comunidades que elas sejam protagonistas de sua própria transformação social.

37


38


Projeto Urucuia Grande Sertão Vale do Urucuia, Minas Gerais

janeiro de 2006

Na região da bacia do rio Urucuia desenvolve-se o Projeto Urucuia Grande Sertão, idealizado há cinco anos como forma de aliar desenvolvimento à preservação da cultura regional. Desde 2004, a Fundação Banco do Brasil investe no projeto, com objetivo de usar a cultura sertaneja como canal para a subsistência das comunidades. Em pólos locais, associações recebem profissionalização para realizar atividades já existentes ou com boas chances de desenvolvimento. Aproximadamente 20 mil pessoas participam das ações. Apicultura, fruticultura, artesanato, turismo ecológico, mandiocultura. Cada cidade possui condições para o desenvolvimento de uma ou mais atividades produtivas. Muitas das já existentes ganham nova cor a partir da profissionalização dos trabalhadores, que recebem cursos de gerenciamento e administração para comercializar seus próprios produtos.

39


Antigo se renova e impulsiona “o gerais” Projeto Urucuia Grande Sertão ajuda o universo de Guimarães Rosa a exportar suas riquezas culturais para todo o Brasil. Texto: Juliana Winkel. Fotos: Iolanda Huzak.

O

Urucuia vem to do projeto, com objetidos montões vo de usar a cultura seroestes. O gerais taneja como canal para a corre em volta. Esses gesustentabilidade das corais são sem tamanho. munidades. As palavras de GuimaEm pólos locais, reúnemrães Rosa traduzem os se interessados em criar inúmeros universos que associações e receber 40 formam o sertão. Pelos profissionalização. Aprocaminhos do Rio Uruximadamente 20 mil pescuia, que nasce goiano, soas serão beneficiadas. atravessa o noroeste de “Por meio de um projeMinas Gerais e deságua to de sustentabilidade, no São Francisco, florespretendemos resgatar o ce o cerrado entre veremodo de vida sertanejo”, das, nuvens de borbolediz Almir Paraca, diretor tecelagem em riachinho: mobilização traz novas cores à vida sertaneja. tas amarelas, buritis. Terexecutivo de Desenvolvira de histórias, gentes, tradições e culturas que vêm de passados mento Social da Fundação Banco do Brasil. “A chave para gerar infinitos. O viver manso faz parte da identidade dos habitantes. renda está em aproveitar melhor a vocação de cada local.” O cenário que Guimarães Rosa retrata em Grande Sertão: VeApicultura, fruticultura, artesanato, turismo ecológico, manredas hoje comporta terras intocadas em meio a estradas e pediocultura. Muitas ações ganham nova cor a partir da profissioquenas cidades. Mas bastam cinco minutos de conversa para nalização, com cursos de gerenciamento e administração paidentificar a herança do sertão. ra comercializar seus próprios produtos. “Os trabalhadores “O sertão é um território construído socialmente”, explica Ireaprendem a usar os recursos do cerrado sem agredir o meio ne Guedes, presidente da Agência de Desenvolvimento Integraambiente, ao mesmo tempo em que agregam valor aos artigos do e Sustentável do Vale do Rio Urucuia. produzidos”, explica Irene. Periodicamente, Irene sai de Arinos, noroeste de Minas, para tecer peregrinação pelas outras dez cidades que compõem Árvore da vida em toda parte a bacia do Urucuia: as mineiras Buritis, Chapada Gaúcha, ForExemplo de fruto generoso do cerrado é o buriti, presente em moso, Bonfinópolis, Riachinho, Pintópolis, Urucuia, Uruana toda parte. Os índios, primitivos sertanejos, chamaram-no “árde Minas e São Romão, mais a goiana Cabeceiras. vore da vida”. A madeira, extraída dos galhos sem que se preciNessa região, desenvolve-se o Projeto Urucuia Grande Sertão, se cortar a árvore, serve à construção de móveis, objetos e até idealizado há cinco anos como forma de aliar desenvolvimento a casas. Das folhas nascem esteiras, peneiras, enfeites. Os talos preservação da cultura regional. Desde 2003, a Fundação Banco se transformam em esculturas. A fibras, em redes de dormir. O do Brasil articula uma rede de parcerias para o desenvolvimenóleo de buriti é protetor solar natural. Das flores, frutos e mio-


“Não depender mais de bicos”

associadas embalam goiabada na madeira do buriti: aproveitamento integral.

lo do tronco se extrai matéria-prima para doces e licores. Os urucuienses se reuniram para criar a Associação dos Artesãos de Urucuia, que há três anos agrega pessoas na tarefa de recuperar a tradição de fazer doces e artesanato com os frutos do cerrado. Nos últimos meses, novos conhecimentos se somam a esse dia-a-dia: os artesãos freqüentam cursos de gestão e administração de negócios, com a finalidade de aproveitar melhor seu potencial de trabalho e adquirir autonomia para vender os artigos da região. Momento semelhante vivem o município de Riachinho e a localidade de Sagarana. Ali, as rodas de fiar estavam perdidas nos quintais como lembranças de antepassados. Há uns três anos, voltou-se a ver o movimento das rodas e dos enormes teares, reativados na produção de tecidos, roupas e mantas. Renasce a atividade que teve início nos tempos da colonização. Cristiane Borges, tecelã da Associação dos Artesãos de Riachinho, vê na ocupação tradicional uma alavanca para outros futuros possíveis. “Aprendi a tecer com minha avó, mas há muito tempo não trabalhava no tear”, conta. “Quando fui convidada a participar do projeto, vi que ainda sabia tecer. Essa nova renda pode me ajudar a fazer uma faculembalagens produzidas a partir do buriti. dade”, planeja.

Gercina Maria de Oliveira, que participa da Associação Tecelagem das Veredas, dá seu testemunho sobre o renascimento da ancestral atividade: “Há muito tempo, os índios plantavam algodão, colhiam e teciam. Aprendi a tecer com minha avó, que era índia”, diz. Ao lado das tecelagens, vêm também os conhecimentos de negociação que gercina: tear e cantar. permitem às tecelãs levar seus trabalhos para vender na capital mineira e no Distrito Federal, assim como exportar para outros Estados. A produção de cerca de 60 peças por mês em cada município garante a oportunidade do trabalho fixo. “Antes eu me mantinha com trabalhos temporários na lavoura”, diz Zélia da Silva, que participa da Tecelagem das Veredas. “Esse serviço é uma maneira de não depender mais de bicos.” Não apenas o trabalho manual ganha com a revitalização da cultura. Nos galpões e nas casas, novamente se ouvem as velhas cantigas das fiandeiras, cuja ocupação convida ao cantar. Além das mantas e bordados, a atividade já rendeu um cd, protagonizado por Dona Gercina. Sertão Ponteado foi produzido em 1998. Neste janeiro de 2006, será gravada a continuação. A imaginação continua viva. Além das peças tradicionais de algodão cru ou tingido com cores naturais dos frutos do cerrado, as artesãs aprimoram-se em cursos e buscam desenhos novos. Seguindo Guimarães Rosa: O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a Zélia: enfim, trabalho fixo. vida lhe permita.

PERISCÓPIO

Alimentação sustentável e inteligente A multimistura, altamente nutritiva, criada pela médica e nutricionista Clara Brandão a partir de folhas e sementes, já ajudou a reverter deficiências alimentares em diversas comunidades de baixa renda. O projeto Alimentação Sustentável, lançado pela Fundação Banco do Brasil em parceria com a Fenabb (Federação das AABB), inspirase nesse composto. Previsto para alcançar 400 cidades que integram o AABB Comunidade, tem por objetivo

capacitar educadores e merendeiras no processamento de alimentos de forma saudável. Durante as oficinas, os participantes aprendem a preparar bolos, sucos, saladas e doces, evitando desperdícios e valorizando a produção orgânica. Um kit ajuda no aprendizado. Contém dois livros sobre cultivo e preparação de hortaliças; guia do educador; vídeo; e tabelas de valores nutricionais dos alimentos. Saiba mais: www.fundacaobancodobrasil.com.br.

41


42


Projeto de Captação de Águas Superficiais de Chuvas em Barraginhas Minas Novas, Minas Gerais

fevereiro de 2006

Barraginhas são mini-açudes cavados com máquinas em diversos pontos do terreno do agricultor. Solução simples, servem como contentores da água da chuva que, antes, ao cair, lavava o solo e se perdia nas enxurradas. Elas trabalham como espécies de esponjas. A água coletada infiltra no solo. O lençol freático recebe abastecimento e revitaliza os mananciais naturais. O projeto faz parte do Banco de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil desde 2003. Com o investimento da Fundação, diversas comunidades receberam 2.500 pequenas barragens no projeto de Captação de Águas Superficiais de Chuvas. As barraginhas dispensaram os caminhões-pipa. Cada uma transfere para o solo o equivalente a 150 caminhões. O projeto segue agora para o Piauí. Serão construídas 3.600 barraginhas nos 12 municípios compreendidos pela nova etapa.

43


Lágrimas choram de alegria em Minas Gerais Em Minas Novas, milhares de barraginhas seguram a água da chuva no solo. O que antes destruía a natureza contribui para revitalizar córregos, solos, e leva água até a porta das casas. Texto: Mariana Proença. Fotos: Iolanda Huzak.

N

o s c a m i n ho s voltavam a ficar secos para o Vale do em alguns dias. Hoje, as Jequitinhonha, barraginhas trabalham nordeste de Minas, a paicomo uma espécie de essagem ganha aspectos de ponja. A água coletada dureza com imensas moninfiltra o solo. O lençol tanhas de pedra e a vegefreático recebe abastecitação seca do cerrado. Sumento e revitaliza os ma44 bidas e descidas levam a nanciais naturais. uma das regiões mais poNo entanto, uma só barbres do País. As histórias raginha não resolve. Padaquele povo vivem acera aproveitar melhor a sas na memória dos deságua, elas trabalham em cendentes de escravos, laconjunto e em diferentes vadeiras, agricultores. níveis. A água infiltra-se Minas Novas, a 520 quie desce para as barrabarraginhas: solução simples, capaz de devolver o verde e mudar a vida de muita gente. lômetros de Belo Hoginhas mais baixas até rizonte, foi trajeto obrigatório para a extração de minerais. chegar aos córregos. Agora parece cidade parada no tempo: igrejinhas, casarões, O projeto se desenvolve em etapas: o primeiro contato; visita à calçamento de pedra. Sábado, dia de feira, rural e urbano se comunidade; informação sobre o projeto-piloto; palestras; acorreúnem. Agricultores vendem verdura, fruta, galinha. Dos 31 do com prefeitura; treinamento; planejamento; e, enfim, a consmil habitantes, 23 mil moram na zona rural. As dificuldades trução das barraginhas. Ao alcançar 50 miniaçudes na região, causadas pela falta d’água sempre foram tema nas conversas. a comunidade passa a tomar conta do projeto e a andar com as Hoje a prosa mudou. Desde 2001, as comunidades contam com próprias pernas. “Formamos multiplicadores na própria comu2.500 pequenas barragens do Projeto de Captação de Águas Sunidade, então cortamos o cordão umbilical para que eles posperficiais de Chuvas em Barraginhas. sam usar da criatividade para desenvolver outros braços do proDesenvolvido pelo engenheiro agrônomo Luciano Cordoval, jeto”, diz Luciano. “As barraginhas são esculturas na terra e a da Embrapa Milho e Sorgo, na mineira Sete Lagoas, o projerealização do sonho de resolver os problemas daquelas famíto nasceu com o objetivo de amenizar a degradação do solo e lias. Frutos conquistados com muita dedicação e amor.” levar água para comunidades, principalmente do semi-árido. Árvore vale mais que dinheiro As barraginhas são miniaçudes cavados com máquinas em diNa Comunidade Inácio Félix, em Minas Novas, encontramos versos pontos do terreno do agricultor. Têm em média 20 meentusiastas do projeto. As famílias vivem na região há mais de tros de diâmetro por 2 metros de profundidade. Solução simcem anos. Lembram-se dos pais, dos avôs desmatando o terreples, servem como contentores da água da chuva que, ao cair, no; e hoje falam “com dor no coração” do que perderam. lavava o solo e se perdia nas enxurradas. Terreno e plantações


“É suja, mas é limpa”

riqueza maior: água que não durava 15 dias abastece o ano inteiro.

“Fiz carvão durante dez anos. Achava que riqueza era cortar mato. Hoje tenho riqueza maior: as barraginhas. Embaixo delas chora uma lágrima. A água mina”, poetiza José Valter Neto Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. E completa: “Um pé de árvore é muito mais do que dinheiro.” Para ter água na porta de casa, algumas famílias criaram os tais “braços do projeto”: colocaram mangueiras plásticas nas barraginhas. Foram além: criam peixes nos miniaçudes. A água que não durava nem 15 dias abastece o ano inteiro e revitaliza o Córrego do Rocha, que havia sumido da região. As barraginhas dispensaram os caminhões-pipa. Cada uma transfere para o solo o equivalente a 150 caminhões. Todas essas experiências bem-sucedidas levaram o projeto a conquistar a certificação para compor o Banco de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil. A partir de 2004, ele recebeu da Fundação investimento para a construção de mais de 4.200 barraginhas em 14 municípios de Minas. Agora, o projeto segue para o Piauí. De saída, serão construídas 300 barraginhas em cada um dos 12 municípios compreendidos pela nova etapa. Em Minas Gerais, estima-se que existam 80 mil barraginhas em 300 municípios, o que vem revertendo o êxodo rural e melhorando a qualidade de vida dos agricultores. luciano (à esq.) com josé valter (de boné).

zezinho, do cansanção: manga, banana e milho “mais corados“.

“A água é o vapor que sobe da terra, coalha e desce.” Assim Zezinho Brandão explica, com linguagem singular, como a chuva cai no Cansanção. Distante 38 quilômetros de Minas Novas, o vilarejo sofria com a secura e dependia de um poço artesiano para abastecer mais de 2 mil habitantes. Tempos difíceis que só mudaram com a chegada de 30 barraginhas. Zezinho fala com brilho nos olhos experientes: “Elas seguram a água aqui para todos.” Na casa dos compadres Rosa e Sebastião Brandão a alegria contagia: “Foi o melhor projeto que surgiu para cá”, diz seu Tião. Arroz, milho, mandioca, banana, alho, manga e amendoim, nas palavras de Zezinho, ficaram “mais corados”. Os passarinhos voltaram, assim como o verde que revestia os morros. A época de dividir a água da cisterna com mais de 20 famílias ficou para trás. A nascente do rio, que havia secado, começou a ressurgir. A mangueira deu mais frutos. Uma das dificuldades do projeto era mostrar aos agricultores que a água não “some”; ela corre para outros pontos do lençol freático e “brota” em locais mais baixos. Com treinamento e experiências pioneiras, os agricultores passaram a ver os benefícios da umidade da terra no maior crescimento das hortas e nos córregos revitalizados. Uma descoberta: cada solo exige um tempo para absorver a água. No Vale do Jequitinhonha, ela se infiltra devagar, o que proporciona ao morador o orgulho de receber os visitantes e mostrar o “bonito lago” que tem no terreiro. É a satisfação como a de Zezinho, que emocionado diz: “É lindo ver uma poça d’água como esta. É uma água suja, mas é limpa.”

PERISCÓPIO

Emoção na tela, transformação real A revolução que as tecnologias sociais levam para o dia-adia das comunidades é o tema do Mobilização Brasil. Realizado pela Fundação Banco do Brasil em parceria com a TVE/Brasil, o programa já abordou o extrativismo alternativo para fabricação de borracha e papel; saneamento básico; alfabetização de adultos em comunidades quilombolas; coleta e processamento de materiais recicláveis. Nos próximos programas, estarão em pauta as atividades

artesanais desenvolvidas pelas bordadeiras do Seridó e por presidiários de Porto Velho; hortas comunitárias nas periferias das cidades; além de outras soluções sociais que garantem educação, renda e melhoria da qualidade de vida. Saiba mais: www.fundacaobancodobrasil.org.br.

Mobilização Brasil: aos sábados, 8 horas, em todas as emissoras públicas e educativas.

45


46


Produção de derivados do coco de babaçu Pedreiras, Maranhão

março de 2006

Lago do Junco, no Maranhão, foi a primeira cidade do País a aprovar a Lei do Babaçu Livre, que permite o livre acesso às palmeiras de babaçu. Outras cidades do Estado e do País também já aprovaram a lei. No entanto, outros problemas surgiram: falta de incentivo técnico e financeiro para produção. Para superar as dificuldades, as famílias agroextrativistas buscaram a organização coletiva. A Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema) existe há 16 anos. Assessora diversos projetos e beneficia financeira e socialmente cerca de 3.500 pessoas. Os ótimos resultados levaram o projeto de agroextrativismo sustentável para o Banco de Tecnologias Sociais. Na edição de 2003, foi finalista do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. A iniciativa também conta com o apoio do Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável do Banco do Brasil (DRS).

47


Elas quebram coco,

preconceitos e barreiras sociais No Médio Mearim, região com histórico de brigas por terra, mulheres lutam por melhores condições. As quebradeiras do coco de babaçu já obtiveram resultados e ganharam força para seguir em frente. Texto: Diego Braga Norte. Fotos: Iolanda Huzak.

N

inguém escuta também rico em vitamimeu grito, desnas e muito valorizado na conhece meu indústria alimentícia e de sufoco / Escondida lá no cosméticos. mato, com fome, quebrando coco, diz o refrão Babaçu Livre da música entoada duLago do Junco foi a prirante o trabalho na mata meira cidade a aprovar 48 de transição entre cerraa lei que permite livre do e floresta amazônica. acesso às palmeiras nos Em Lago do Junco, na revastos pastos particulagião maranhense do Méres. Hoje, outras cidades dio Mearim, rotina pesado Maranhão e de outros da. Mães, donas-de-casa Estados também já aproe pequenas agricultoras varam a Lei do Babaçu ainda arrumam tempo Livre. Querem tornar a Mãos em ação, na pesada rotina das quebradeiras de lago do junco, maranhão. para acordar cedo e sair lei federal; projeto encaà procura do coco de babaçu. E ainda participam de reuniões, minhado à Câmara tramita no Congresso. assembléias e dirigem cooperativas e associações. A primeira aprovação data de 1997, mas a conquista veio depois São trabalhos e responsabilidades suficientes para Hércules. E, de longa batalha. Antes de 1960, as quebradeiras não tinham dicomo o herói grego, elas parecem dotadas de energia e garra soficuldade para coletar coco. A maioria das terras era devoluta, bre-humanas. Caminham léguas com pesados machados e janão havia fiscalização. Com a chegada de grileiros e fazendeiros, cás, entram na mata e recolhem os frutos caídos para quebrá-los jagunços e capatazes, surgiram cercas e arame farpado. A região e retirar as amêndoas. São as quebradeiras de coco de babaçu. assistiu a conflitos agrários nos anos 1980. Há dez anos, muitas Essas palmeiras, plantas nativas, ocupam cerca de 18,5 mifamílias conquistaram lhões de hectares e se estendem por seis Estados. No Maranhão um quinhão de terra e, se concentram em mais de 10 milhões de hectares. Conhecido em vez da solução, pasditado prega: Do boi, só não se aproveita o mugido. Como palsaram a viver outros meiras não falam nem mugem, tudo se aproveita. As mulheres, problemas, como falenquanto trabalham, cantam. Cantigas de origem popular que ta de incentivo técniversam sobre vida, trabalho e esperança. co e financeiro. O êxoAs palhas do babaçu viram tetos das casas de pau-a-pique, cerdo rural cresceu junto cas. A casca do coco, carvão vegetal de excelente qualidade. Do com a desilusão. As famesocarpo, parte interna entre casca e núcleo, vem a farinha, rimílias buscaram a orca em vitaminas, cálcio e ferro. E, das amêndoas, fabricam óleo, ganização coletiva. embalando o sabonete babaçu livre.


De quebradeira a empresária

A Cooperativa de Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (Coppalj) possui fábricas de óleo e sabão. Beneficia mais de 140 famílias e, indiretamente, mais de 800 pessoas. Produz em média 20 toneladas por mês de óleo. Exporta para famosas marcas de cosméticos da Inglaterra e dos Estados Unidos. Segundo Sebastiana Cerqueira, quebradeira e presidente da Coppalj, a renda dos associados aumentou mais de 70%. Da fábrica de sabão saem em torno de 5 mil unidades por mês – sabão, sabonetes com mel, erva-doce, outras fragrâncias. A cooperativa tem quatro armazéns onde as quebradeiras podem trocar as amêndoas por dinheiro, alimentos e bens de consumo. As cooperadas ganham duas vezes: uma, ao vender a amêndoa; outra, ao dividir os lucros da própria cooperativa. Há ainda os imensuráveis ganhos sociais e de auto-estima. As mulheres quebram não apenas coco, mas preconceitos e dificuldades. Maria Alaídes resume o sentimento geral: “Antes eu tinha vergonha de dizer que trabalho com coco, hoje sou empresária.” Noutro município, a Cooperativa de Pequenos Produtores Agroextrativistas de Esperantinópolis montou fábrica de farinha. Depois de descascar o coco, as mulheres quebram e retiram o mesocarpo. Há casas especialmente preparadas, com ferramentas e condições de higiene adequadas. Depois de seco e aquecido em forno para tirar a umidade, o mesocarpo é moído. Pronto: está feita a farinha altamente nutritiva que se pode usar de acordo com a criatividade da cozinheira.

“Quando a gente está disposta a mudar,

muda mesmo.”

Mulheres da AMTR: Protagonistas das mudanças.

A Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco (AMTR) exerceu fundamental papel na construção de alternativas sociais e produtivas mais justas. Outras cooperativas e associações trabalham de maneira interligada, todas acolhidas pela associação em Áreas de Assentamento do Estado do Maranhão (Assema), responsável pela assessoria técnica, administrativa, jurídica e política. A Assema existe há 16 anos e está presente em sete municípios do Médio Mearim. Assessora diversos projetos e beneficia financeira e socialmente cerca de 3.500 pessoas. Tanta perseverança e tanto trabalho levaram o empreendimento de agroextrativismo sustentável a integrar o Banco de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil. Os projetos chegaram a ser finalistas do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, edição de 2003, e hoje recebem investimentos sociais da Fundação. A união e a força das quebradeiras encantam. Pensam grande e trabalham para realizar novos sonhos. Subvertendo práticas infelizmente enraizadas na tradição local, como coronelismo e machismo, assumiram posição de protagonistas nas mudanças. Estão aumentando a renda familiar, criando empregos e conscientizando os mais jovens da luta por um futuro melhor. Sobre as mudanças, a quebradeira Carmelita de Souza, ciente da importância e da densidade de seus esforços, diz: “Quando a gente está disposta a mudar, muda mesmo.” No caso, sempre para melhor.

embalagem de farinha de babaçu, na cooperativa de esperantinópolis.

PERISCÓPIO

Assema cresce e já aparece na capital A Fundação Banco do Brasil é parceira da Assema no Programa de Comunicação, Mobilização de Recursos e de Comercialização Solidária. Implantado o programa, a Assema passou a agregar valores históricos e culturais aos resultados obtidos. A entidade ganhou maior visibilidade no cenário nacional e maiores possibilidades de conseguir financiamentos e doações. A sede fica em Pedreiras. Desde 2003, através de incentivo da Fundação e

de outras instituições, conta, em São Luís, com a Embaixada do Babaçu Livre, casa de eventos, debates. Os visitantes conhecem a linha de produtos fabricados pelas cooperativas e a história das pessoas do Médio Mearim. Aprendem sobre agroextrativismo, comércio justo e economia do babaçu. Você pode saber mais sobre os projetos de Tecnologia Social e a Assema no endereço www.fundacaobancodobrasil.org.br.

49


50


Projeto Catabahia Salvador, Bahia

abril de 2006

A destinação do lixo produzido nas grandes e médias cidades é um problema mundial. Nesse quadro, o Brasil está longe de ser exceção. De todo o lixo do País, apenas 1% recebe algum tratamento. Diante de uma realidade sócio-econômica adversa, os resíduos acabam tornando-se possibilidade de sustento. Porém, sem cooperação, mobilização e preparo, os trabalhadores que vivem da coleta de materiais recicláveis estão sujeitos a condições de comercialização e trabalho pouco favoráveis. Articulados, podem mudar essa realidade. É o que prova o projeto baiano Catabahia. Seus principais focos de atuação são a organização em cooperativas, a importância da coleta seletiva de lixo e o papel dos catadores na comunidade. Os resultados são visíveis. Além do aumento de renda, há melhoria na qualidade de vida e na auto-estima dos trabalhadores. é com o propósito de mobilizar e articular os movimentos dos catadores de materiais recicláveis, a exemplo do projeto Catabahia, que a Fundação Banco do Brasil já investiu mais de 10 milhões de reais em cerca de 80 cooperativas e associações de catadores no país.

51


Caminhando e catando, eles transformam lixo em riqueza O fechamento de um lixão levou catadores de Salvador à união. E uma parceria de instituições públicas e privadas os ajudou, multiplicando cooperativas e tomadas de consciência. Texto: Juliana Winkel. Fotos: Iolanda Huzak.

Como vai esrealidade mudou. tar o mundo O primeiro passo foi reuquando nosnir os trabalhadores do sos filhos forem adulantigo lixão e propor que tos?” Quem pergunta é se organizassem em sisJeane dos Santos, intetema de cooperativa. Nas grante da Caec, Coopereuniões, discutiam terativa de Agentes Ecolómas como direitos do ci52 gicos de Canabrava, em dadão, importância da Salvador. “Será que vão coleta seletiva e modelos existir materiais recicláde organização. veis para a gente aproveiHoje os cooperados coortar e continuar vivendo? denam as atividades de Será que a consciência coleta, separação e desvai aumentar?” tinação do material reciA resposta vem de Sônia clado, eliminando a figura caminhão da catabahia: cooperados recebem até cinco vezes mais pelo plástico pet coletado. dos Santos, que atua na do atravessador e valoriCaec desde a fundação: “O que a gente pode fazer, a gente faz. O zando os materiais repassados a empresas de reciclagem. que não pode, a gente ensina os filhos para que eles construam”, “Eles conseguem uma renda de mais de um salário mínidiz. “Antes, na nossa vida, os filhos trabalhavam para os pais. mo, contra a média de 30 reais mensais que ganhavam traAgora, os pais trabalham para os filhos.” balhando individualmente”, compara Adherbal Régis, um A mudança é assinalada pela maioria dos integrantes da Rede dos coordenadores do Pangea. “Se antes um catador conCatabahia, que reúne cooperativas de catadores de materiais seguia 15 centavos por quilo de plástico PET, hoje a média é recicláveis em seis municípios baianos: Salvador, Feira de Sande 82 centavos.” tana, Vitória da Conquista, Jequié, Itapetinga e Itororó. Empreendedores ambientais O projeto começou em 2003, com a fundação da Caec. Primeiro Além do salto na geração de renda, a participação na coopenúcleo da Catabahia, a cooperativa foi formada em Salvador por rativa provoca mudanças na visão dos inex-catadores do lixão de Canabrava, fechategrantes a respeito de seu próprio trabado por razões ambientais. Sem um progralho. “Hoje temos uma identidade. Podema de inserção social, os catadores passamos entrar na casa das pessoas, nas lojas ram a buscar nas ruas meios de se manter. A para retirar o material de coleta, pois os partir de iniciativa do Pangea (Centro de Esparceiros do programa confiam em nós”, tudos Sócio-Ambientais), em parceria com diz Sônia. instituições públicas e privadas, entre elas A opinião é compartilhada por Jeane: a Petrobras e a Fundação Banco do Brasil, a Jeane, sônia e o presidente da caec, genivaldo.


“Fui praticamente al fabetizada aqui dentro. Estou tendo aulas de computação, tenho emeio, eletrodomésticos. E meus filhos estão podendo estudar.” mudança de visão: “hoje confiam em nós.” De acordo com ela, a mudança vem da própria consciência do valor da matéria-prima. “Não estamos lidando com lixo. Esse material é limpo, pode se transformar em outros objetos. Isso que chamam de lixo é, na verdade, uma riqueza.” A opinião é comprovada quando se analisam os dados ressaltados por Régis: “Somente a cidade de Salvador gera diariamente 2.400 toneladas de lixo, das quais 600 são recicláveis. Isso equivale a um potencial de 240 mil reais por dia em reaproveitamento”, informa. Desse universo, a Caec aproveita hoje cerca de 160 toneladas de materiais recicláveis por mês, recolhidos por quatro caminhões em lojas, condomínios e empresas parceiras dos projetos – destacadas com o selo criado pela organização, Amigo do Catador. Ao todo, a Rede Catabahia conta com dez caminhões que prestam esse serviço nas seis cidades onde o projeto funciona. Nos locais apropriados, o material é separado, e o reciclável – papel, plástico, metal e vidro – é prensado para ser vendido a empresas de reciclagem, também parceiras. Hoje o projeto envolve diretamente cerca de 400 catadores de materiais, além de aproximadamente 500 mil pessoas residentes nos caec: 160 toneladas de recicláveis por mês. municípios onde atua.

“Temos respeito

por nosso trabalho”

equipe da caec: conquista de uma identidade profissional.

De mãos dadas com o projeto da Rede Catabahia estão iniciativas de educação ambiental envolvendo também a comunidade, que recebe orientações sobre métodos corretos de separação de recicláveis em apresentações teatrais e panfletos informativos. “Ao estimular a organização dos catadores, estamos contribuindo tanto para mudanças ambientais quanto sociais”, diz Jorge Streit, diretor da área de geração de trabalho e renda da Fundação Banco do Brasil. Com nome, estatuto e diretoria decididos pelos próprios cooperados, a rede Catabahia já pensa em novos desafios. Um exemplo é a comercialização de produtos com a marca da cooperativa, baseados no próprio reaproveitamento de materiais. “Daremos estímulo ao projeto de venda de água sanitária com a marca da rede, produto fácil de comercializar, pois os catadores já têm matéria-prima para as embalagens”, exemplifica Jorge. Entre outros passos, estão a ampliação da Rede para mais municípios baianos – experiência de novo núcleo já faz sucesso em Lauro de Freitas – e a garantia de autonomia total dos cooperados a médio prazo. “Nós somos uma categoria profissional. E também trabalhamos pelo meio ambiente. Temos respeito por nosso trabalho”, finaliza Jeane, do Caec.

PERISCÓPIO

Nísia Floresta é tema de concurso de redação Nísia Floresta: uma brasileira à frente do seu tempo é o mote do 12º Prêmio Nacional Assis Chateaubriand de Redação, promovido pela Fundação Assis Chateaubriand e Fundação Banco do Brasil. A educadora e escritora potiguar – considerada a primeira brasileira a defender os direitos de mulheres, índios e escravos – é a homenageada da edição 2006 do Projeto Memória, uma parceria entre a Petrobras e a Fundação

Banco do Brasil. O concurso é destinado a estudantes de estabelecimentos de ensino públicos e privados nas categorias Ensino Fundamental (alunos de 1ª a 4ª séries e de 5ª a 8ª séries), Ensino Médio e Universitário. Além de diplomas, serão oferecidos prêmios em dinheiro num total de R$ 35 mil. As inscrições seguem abertas até 31 de agosto. Mais informações em www.fundacaobancodobrasil.org.br.

53


Jacques de Oliveira Pena Francisco Assis Machado Santos e Elenelson Honorato Marques Diretores de Áreas Alfredo Leopoldo Albano Júnior, Antônio Henrique Flores Silveira, Claiton José Mello, Edvaldo Sebastião de Souza, Jorge Streit, José Climério Silva de Souza, Luís Fumio Iwata e Marcos Fadanelli Ramos Presidente

Diretores Executivos

Fundação Banco do Brasil

Coordenação Editorial

Comunicação e Marketing Institucional

Claiton José Mello Eufrasio Prates, Paulo Augusto Bouças e Renato Baltar

Diretor de Área Assessores

SCN - Quadra 1 - Bloco A - 10º andar - Ed. Number One CEP 70.711-900 - Brasília - DF Fone: (61) 3310-1910 Fax: (61) 3310-1966 www.fundacaobancodobrasil.org.br

Elifas Andreato Bento Huzak Andreato Editor de texto Mylton Severiano Diretor editorial

Diretor executivo

REDAÇÃO

João Rocha Rodrigues Angela Pinho, Juliana Winkel e Mariana Albanese

Chefe de redação Redatores

ARTE

Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Editor de arte

COLABORADORES

Iolanda Huzak (fotos), Diego Braga Norte, Mariana Proença e Rosangela Guerra (texto), Rubens Dutra (arte) ADMINISTRAÇÃO

Silvano Magno Amate Ana Paula Lopes, Eliana Freitas, Gisele Beltrame e Mário Nunes

Diretor comercial Assistentes

ACERVO Organização e catalogação Danilo Organização estrutural Laís

Ribeiro Gallucci Chiavone

Uma publicação

www.andreato.com.br Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 10º andar - Perdizes CEP 05015-040 - São Paulo - SP Fone: (11) 3873-9115 - Fax: (11) 3873-2168 www.almanaquebrasil.com.br



www.fundacaobancodobrasil.org.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.