9 de Outubro de 2004
CENTRO casadasmudas
ARTES
das
Comissário: Alexandre Melo
ESCALA Grande Colecção Berardo
Índice
Colecção Berardo
06 Centro das Artes Casa das Mudas João Cunha e Silva 08 Quando a escala é Grande... António Rosa Gomes 12 Sonhar, idealizar e realizar em grande escala
José Berardo
14 Grande Escala Alexandre Melo
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Índice
22 Pintura e escultura na Colecção Berardo - Um Roteiro Evoluções e Revoluções dos Anos 80 ao Séc. XX Alexandre Melo, com Ana Teixeira Pinto
22 Introdução 39 Anos 80: Os regressos da Pintura 64 Metamorfoses da Escultura 90 Obras 196 Índice dos Artistas 198 Ficha Técnica
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Centro das Artes Casa das Mudas
João Cunha e Silva
Colecção Berardo
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Foi a perseguição de um sonho que fez com que o homem ganhasse coragem e ambição. Foi a imaginação e criatividade do homem que fez com que a obra crescesse e se tornasse realidade. Este magnífico espaço de artes e cultura é o espelho dessa luta e determinação. Contemplamos, aqui, um templo de audácia, um sinal da civilização moderna em que nos transformámos e do patamar de desenvolvimento que conseguimos alcançar. O mundo de hoje já não é o mesmo de outrora, fechado e virado para dentro das comunidades que o compunham. Novos contornos redesenharam a Europa Comum. Novos países aderiram ao projecto, vindos do Norte e do Leste. De repente, a nossa ultraperiferia tornou-se ainda mais acentuada e a distância continuou a separar-nos dos grandes centros urbanos. São os eventos culturais de grande nível, as manifestações de arte de elevada qualidade, que fazem com que esta distância se esbata, que coloca o mundo e os centros de decisão de olhos centrados em nós.
Centro das Artes Casa das Mudas
Num país onde a arte internacional escasseia, é para nós uma enorme honra podermos receber na Região Autónoma da Madeira, no Centro das Artes Casa das Mudas, uma colecção de elevado prestígio e de inqualificável valor histórico e museológico, como é a colecção de Arte Moderna e Contemporânea da Fundação Berardo. O requintado núcleo de peças que teremos agora o prazer de apreciar, são de fundamental importância para a compreensão das correntes, dos movimentos e das linhas de investigação científica da história da arte internacional, que foram acontecendo nos Estados Unidos da América e na Europa, desde a Segunda Guerra Mundial. Agradeço assim, de forma muito sentida e sincera, ao Comendador Joe Berardo pelo verdadeiro tesouro que nos trouxe. Por ser esta uma colecção única no país, peço a vossa melhor atenção. Esta é, assim, a melhor forma de abrirmos a nossa nova janela de cultura. Da Calheta, da Madeira, para o mundo.
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Quando a escala é Grande…
António Rosa Gomes
Colecção Berardo
Quando a escala é grande os horizontes têm de ser largos... Quando a escala é grande o pensamento não pode ser pequeno... Quando a escala é grande há qualquer coisa que se altera no nosso olhar... Tendo presente estes três princípios, foi desenvolvido um projecto sem paralelo na Região Autónoma da Madeira – o Centro das Artes Casa das Mudas – um espaço dedicado à arte e à cultura, que através da sua acção procurará alargar horizontes e elevar pensamentos, questionando a forma como vemos o mundo das artes. A construção do Centro das Artes Casa das Mudas só foi possível graças à visão e ao sentido de defesa do interesse público do Governo Regional da Madeira, que acreditou no papel
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Quando a escala é Grande…
determinante da cultura como elemento de governação e na sua importância enquanto cimento social e espaço de participação de todos os Madeirenses. E fê-lo apostando numa localidade fora do Funchal, aprofundando o conceito de descentralização e democratização do acesso à cultura. Esta nova estrutura, de construção portentosa, abre as suas portas com uma oferta igualmente imponente: a “Grande Escala” da Colecção Berardo. Resultado de uma difícil selecção de obras de arte, feita em diálogo com um Madeirense a pensar nos seus conterrâneos, e naqueles que nos visitam, a “Grande Escala” marcará seguramente a vida e o sentir dos Madeirenses em relação à arte. A partir de 9 de Outubro não será necessário voar até ao centro da Europa ou cruzar o Atlântico para poder observar o génio de Picasso ou a singularidade da obra de Francis Bacon. Podemos fazê-lo na Calheta a 20 minutos do Funchal. Aqui, no Centro das Artes Casa das Mudas, procuraremos pensar a cultura com uma escala que traduza as dinâmicas particulares de uma Região insular. Fazendo alusão à obra I Vocali (AEIOU) de Francesco Clemente para ilustrar o nosso modus operandi, podemos dizer que serão cinco os eixos principais da nossa actuação: A. Aprofundar a descentralização da oferta cultural, criando na Zona Oeste um projecto com sentido e relevância para a Região Autónoma da Madeira;
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Quando a escala é Grande…
Colecção Berardo
E. Desenvolver uma política inclusiva em termos de oferta cultural, que permita a diferentes grupos o acesso à cultura, ao lazer e à produção artística e cultural; I. Estimular a intervenção artística e a criatividade junto de diferentes grupos etários; O. Incrementar a oferta de actividades de educação e formação através da arte que contribuam para a formação de novos públicos; U. Conservar e aumentar o património artístico e cultural dos Madeirenses. A verdade é que também através da arte e da cultura a nossa Região se afirma e expande. Só olhando em frente e para cima é possível ver mais alto e mais além. Mais além das necessidades individuais, mais além dos nossos problemas, conjugando esforços para a prossecução de um objectivo comum. A construção do Centro das Artes Casa das Mudas foi disso exemplo, tendo sido de importância capital o dinamismo e o saber de projectistas e executores, que com o seu trabalho e dedicação fizeram avançar um projecto ímpar e prestigiante para a Madeira.
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conciliar diferentes visões e anseios, realizando obra para além dos conceitos, das intenções e das contingências do dia-a-dia. Deixemo-nos inspirar agora pelo pluralismo da criação cultural presente na “Grande Escala” da Colecção Berardo, que nos proporciona uma visão diferente sobre a criação contemporânea e sobre a importância da cultura para o exercício pleno da cidadania.
Quando a escala é Grande…
A todos o meu sincero obrigado por termos conseguido
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Sonhar, idealizar e realizar em grande escala
José Berardo
Colecção Berardo
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Quando a Colecção Berardo foi convidada a expor no Centro das Artes Casa das Mudas, fiquei extremamente comovido e impressionado pela dedicação, dinamismo e força de vontade das pessoas envolvidas neste projecto. O repto foi lançado há aproximadamente três anos e confesso que, naquela altura, senti algum cepticismo, não por desconfiança no vigor dos seus impulsionadores, mas pela envergadura tamanha que um propósito destes exigia. No entanto, hoje o Centro existe e é uma realidade que em tudo enobrece e dignifica a arte. O título desta exposição - Grande Escala - faz justiça, não só à maioria das peças aqui apresentadas, que em sentido literal, são de grande dimensão, e todas de excepcional qualidade, mas também ao colossal edifício que aqui brotou.
Como filho desta terra, sinto-me orgulhoso e agradecido de aqui realizar este grande evento. Este momento representa para mim um renascer interior, um engrandecimento espiritual. É com muita satisfação que me congratulo com o Governo Regional pelo enorme contributo que dá à cultura. Sensibilizado, agradeço, de forma muito reconhecida, o seu dinamismo e empenho. Entre o mar e as alturas, ergueu-se, aqui na Madeira, mais um marco internacional: um bem-haja a todos os que o tornaram possível.
Sonhar, idealizar e realizar em grande escala
As grandes obras de arte são somente grandes quando acessíveis, compreendidas, vistas e admiradas por todos. Esta exposição no presente museu realiza um grande anseio que tenho, de possibilitar e partilhar a fruição das obras de arte com o grande público. Esta é uma oportunidade para visitar e contemplar peças únicas, já expostas nas principais capitais do mundo, quer em museus internacionais ou em expressivos espaços públicos. Esta exposição constitui uma ocasião única de reunir, num só acontecimento, obras de arte de tão notável e elevada importância.
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Grande Escala
Alexandre Melo
Colecção Berardo
Uma das melhores maneiras de iniciar o texto de apresentação da exposição de obras de arte da Colecção Berardo que inaugura o Centro das Artes Casa das Mudas é explicar o título que para ela escolhemos: “Grande Escala”. Para começar consideremos o que é uma “grande escala” ou qual é a maior escala com que nos podemos confrontar. Há várias respostas para esta pergunta e, à medida que formos avançando nesta apresentação, veremos que é a conjugação dessas várias hipóteses de resposta que permite compreender os fundamentos e a razão de ser desta mostra. De que “grande escala” falamos, então, aqui? A primeira resposta consiste em dizer que a escala maior que nos é dado conhecer é a escala do próprio Universo. Ou melhor, daquilo a que do Universo podemos ter acesso na nossa experiência quotidiana. Ou seja, a Natureza e as paisagens naturais. O esplendor dos céus, dos mares e das montanhas, os azuis e os verdes dos oceanos e da vegetação, os rosas e os roxos do nascente e do poente, a prata e os negros da luz e da noite. No que diz respeito à paisagem natural, a grande escala é aqui a da deslumbrante paisagem natural da Calheta, tal como
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organização espacial do novo Centro das Artes. Nenhum centro cultural em Portugal e muito poucos no mundo oferecem ao visitante uma tão emocionante experiência da paisagem. Uma paisagem declinada de acordo com uma suave harmonia entre a montanha, a rocha, as terras, as árvores, o mar e o céu que parecem ter-se organizado de propósito para acolher e abraçar o novo centro.
Grande Escala
ela pode ser desfrutada a partir da localização privilegiada e da
Na realidade o que aconteceu foi o contrário. Foi o projecto de arquitectura do novo centro, assinado por Paulo David, que soube olhar e entender a paisagem que o rodeava e desafiava, produzindo um jogo de volumes que sem abdicar, ele próprio, de uma grande escala e de uma impressiva força de presença, não entra em contradição com a natureza envolvente, antes pelo contrário, reforça e valoriza muitos dos elementos que a compõem. Assim sucede, por exemplo, com a opção pelo revestimento do edifício com um material (pedra basáltica) que parece prolongar a própria rocha em que assenta. Também em termos visuais a organização e a circulação nos espaços do centro foi pensada de modo a proporcionar uma sucessão de surpresas e acontecimentos paisagísticos. Na dobra de um corredor, ao fundo de uma sala ou através de uma estreita janela rectangular abremse diante de nós as visões de uma colina que desce sobre o mar ou um horizonte de 180º em que o mar e o ceú se unem para estabelecer um diálogo com as obras de arte ao nosso lado. A grande escala é também, portanto, a de uma obra de construção em que se unem a concepção do arquitecto, o rigor da engenharia e a dedicação de todos os que participaram no trabalho de levantar o novo centro.
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Grande Escala
Colecção Berardo Porque falamos de empenhamento podemos falar agora de um outro tipo de grande escala sem a qual todas as outras se perdem, se desperdiçam ou não chegam a existir. Refiro-me à escala da vontade política, da ambição visionária e do desejo de fazer que torna possíveis exposições, construções e até mesmo visões de paisagens como estas. O que é a beleza de uma paisagem ou de uma obra de arte se ninguém puder vê-las porque não sabe da sua existência ou não tem condições para chegar até elas? Quando há meia dúzia de anos vim pela primeira vez à Calheta e comecei a colaborar com a Casa das Mudas não tive dúvidas, rendido à beleza da paisagem e à competência do trabalho em cujo desenvolvimento fui tendo oportunidade de colaborar, que se tratava de uma situação cheia de potencial e plena de futuro. Mas nem sequer o meu optimismo teria permitido então adivinhar que passado tão pouco tempo teria agora o privilégio de ser convidado a colaborar na inauguração de um dos mais importantes centros culturais do país. Não será de mais sublinhar que, sobretudo num tempo dominado pelo derrotismo e o pessimismo, para realizações como esta se tornarem realidade é necessária uma forma específica de grande escala que é a escala da ambição política e da vontade de fazer. Para deixar obra feita é preciso fazê-la. Ambição e capacidade de fazer são também as principais características de José Berardo, um madeirense e um dos protagonistas desta exposição. Não sendo este o lugar apropriado para referir o trajecto pessoal e profissional do empresário e coleccionador, bastará referir que a Colecção Berardo é a mais importante colecção de arte internacional do século XX existente em Portugal e a única, no nosso país, capaz de permitir uma
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artística do último século. Graças à riqueza e diversidade da Colecção Berardo foi possível reunir para esta exposição um conjunto de obras e artistas que estão entre os mais importantes da arte do século XX e da arte contemporânea. Só a “grande escala“ da Colecção Berardo permitiu a organização de uma mostra inaugural que ajuda a cumprir os
Grande Escala
visão histórica, didáctica e actualizada do que foi a experiência
objectivos pedagógicos de formação e democratização cultural que fazem parte das intenções programáticas do Centro, permitindo augurar a continuidade de uma feliz e prolífica colaboração entre as duas entidades. Chegou agora a altura de, como comissário da exposição, dar as explicações que mais directamente me competem no que diz respeito aos objectivos e critérios de selecção e agrupamento das obras apresentadas. Importa começar por dizer que quando se tem ao dispor um património como o da Colecção Berardo o primeiro embaraço é, felizmente, o embaraço da escolha dada a diversidade das alternativas disponíveis. Resta a consolação de sabermos que muitas obras fundamentais da Colecção que não foram, desta vez, incluídas, poderão ser incluídas em posteriores mostras. O primeiro objectivo da selecção foi reunir obras fundamentais de nomes fundamentais da história da arte do século XX, sobretudo nomes da 2ª metade do século e nomes mais recentes para que a exposição forneça não apenas uma perspectiva histórica mas também uma visão viva e contrastada da diversidade das experiências e práticas actuais.
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Grande Escala
Colecção Berardo Esta visão da arte do século XX não pretende ser cronológica e exaustiva mas sim uma visão organizada a partir do ponto de vista da actualidade, ou melhor, das últimas duas décadas, valorizando aquilo que nos autores deste período é um trabalho, visível nas suas próprias obras, de revisitação, revisão ou reactualização de um legado histórico. O exemplo mais claro desta atitude manifesta-se na selecção de um conjunto de obras dos nomes mais importantes da pintura da década de 80 que, no âmbito de uma dinâmica então chamada “regresso à pintura”, fizeram uma espécie de revisão contemporânea de momentoschave da evolução da pintura ao longo de todo o século XX. A intenção de sugerir uma perspectivação histórica a partir de práticas mais recentes ditou a opção pela pintura e escultura como as duas técnicas mais presentes nesta exposição, já que sendo estas as disciplinas com uma história e tradição mais antigas é também nelas que, hoje, necessariamente melhor se lê aquilo que ao longo do último século terá sido continuidade, renovação, subversão ou rejeição de diferentes momentos e passagens dessas tradições. Técnicas e experiências de gestação ou consagração mais recentes, algumas delas inspiradas por objectivos de ruptura mais radical, serão mostradas em posteriores oportunidades. De fora ficou também o núcleo de arte pop da Colecção Berardo, um dos núcleos mais ricos da colecção, mas neste caso em virtude de antes já ter sido parcialmente apresentado na Madeira e estar agora em itinerância em museus do Japão. Tratando-se de organizar a exposição de inauguração de um Centro com características arquitectónicas e paisagísticas
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objectivo e critério tão importante como os já referidos a selecção de obras que se adequassem à “grande escala” dos espaços do Centro e às características específicas de cada uma das suas salas. A diversidade e versatilidade do desenho interior dos espaços de exposição faz com que, regra geral, não nos deparemos com o tipo mais convencional de salas de exposição, o chamado “cubo
Grande Escala
tão vincadas como as acima descritas constituiu para nós um
branco” caracterizado por quatro paredes brancas regulares com uma única abertura para entrada. Aqui, pelo contrário, encontramos salas muito diferenciadas no que diz respeito a dimensões (por exemplo altura ou extensão das paredes úteis para exposição), formas de circulação do visitante (entrada, saída ou passagem), relação com espaços superiores ou inferiores (com recurso frequente a mezzanines ou espaços abertos na vertical permitindo a visão simultânea de vários andares) e relação com o espaço exterior com a multiplicação de ensejos de visão da paisagem natural circundante e diversidade das fontes e formas de iluminação. Toda esta diversidade, geradora de estimulantes dificuldades de montagem, permitiu agrupamentos específicos especialmente adaptados às características de cada sala. Assim, por exemplo, as grandes pinturas da década de 80 concentram-se na sala mais fechada, e mais próxima do modelo convencional. As esculturas, também centradas nos grandes nomes revelados ao longo dos anos 80, manifestando uma explosiva diversidade de materiais e atitudes conceptuais, convivem no espaço alargado da sala mais alta e com uma maior abertura visual sobre a paisagem.
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Grande Escala
Colecção Berardo Noutros momentos jogou-se com a possibilidade de as obras serem observadas a diferentes níveis de altura ou com o efeito de surpresa que pode ser gerado por algumas particularidades dos percursos propostos ao visitante. Para continuar a falar de escala, e agora no sentido mais trivial da palavra, importa referir que muitas das obras seleccionadas – desde logo as obras monumentais apresentadas no exterior – são obras de grandes dimensões que só raramente podem ser apresentadas juntas porque precisam de espaços muito amplos para poderem ser vistas de modo adequado. Uma referência à parte merece a sala em que, por ser a primeira, a sala de entrada, reunimos um conjunto de obrasprimas da pintura do século XX que se contam entre as obras mais importantes da Colecção Berardo. Grandes pinturas de Pablo Picasso, Francis Bacon, Fernand Léger, Frank Stella, Morris Louis e Gerhard Richter apresentam, sob uma forma concentrada e ecléctica, uma visão de alguns dos principais caminhos da perpetuação, metamorfose e revolução das práticas de pintura ao longo do século XX. Sinalizando, de um modo indicativo e pontual e não de um modo exaustivo ou sistemático, alguns dos principais caminhos e possibilidades que foram fazendo a vida da pintura no último século. Uma vida que se tem desenvolvido entre a figura e a abstracção, entre a expressão e o sistema, entre o gesto e a geometria, entre o acidente e o programa, entre a superfície a matéria. Em diferentes momentos das práticas e teorizações da pintura ao longo do último século, diferentes obras e teses foram tomando partido, de forma por vezes polémica e intransigente, por ou contra um dos termos de cada um destes binómios.
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Grande Escala
Hoje em dia, numa época de pluralismo generalizado, temos já a distância histórica e a clareza conceptual suficientes para relativizar as absolutizações próprias de visões unilineares da história e de análises estéticas essencialistas com pretensões totalitárias ao estatuto de verdades universais. O mundo da arte é hoje um lugar de fruição de uma espectacular diversidade de possibilidades. O prazer do espectáculo é o prazer do confronto com uma imensidão de energias criativas que não admitem outros limites que não sejam os da imaginação dos artistas e de todos os que aceitam conviver com as suas obras. A arte, território infinito de exercício da liberdade criativa, surge assim como a maior de todas as escalas.
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Alexandre Melo*
Colecção Berardo
Evoluções e Revoluções Dos Anos 80 ao Século XX
UM ROTEIRO INTRODUÇÃO A modernidade foi construída sobre grandes opções, e grandes renúncias. A sua teorização implica uma linearidade narrativa em que processo e progresso se tornam sinónimos, alinhando artistas e movimentos como bem comportados pupilos que recitam a sua deixa no enorme palco da História: “a decomposição do plano do quadro”, “a desmaterialização da obra de arte”, “a escultura no campo expandido”. Como se arte e artistas fossem ilustrações de um programa cultural mais vasto que, em última análise, sacrificará tanto arte como artistas à sua orientação final. Muito, talvez mesmo demais, se tem perdido nesta leitura. Sobretudo muito das particularidades de autores e obras, da transversalidade de percursos e da diversidade de motivações. Procurámos nesta escolha propor uma visão panorâmica dessa diversidade. Ao seleccionar obras assaz díspares e ao colocá-las em diálogo – para não dizer mesmo confronto – procurámos, também, enriquecer a leitura das mesmas e resgatá-las das suas classificações disciplinares mais rígidas. * Em colaboração com Ana Teixeira Pinto
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de abordagem, análise e estudo das práticas artísticas. Não surpreende que o ensaio tenha sido recusado como dissertação de doutoramento pela universidade de Frankfurt-am-Main. No entanto, é a digressão, como método, que nos permite caracterizar o critério que preside à organização da exposição que presentemente vos propomos, pois a digressão, como método, permite uma organização expositiva através da qual podem surgir novas e improváveis ligações entre obras e artistas: efeitos de surpresa. Tal como Benjamin passeava pelas arcadas de Paris a sua distração de flâneur, sugerimos aos visitantes que passeiem pelas salas de exposição permitindo-se o mesmo deslumbramento
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
No seu muito citado ensaio “A Origem da Tragédia Alemã” Walter Benjamim propõe a digressão como método
infantil e a mesma inocência de olhar e que, libertos de preconceitos burocráticos e arquivísticos, se permitam “to blow up the lock on a world from which every marvel has fled – or in which every marvel has been stabbed and lies dead on the ground, where it is pointed out to children as an enemy of the people.”1 Assumindo a década de 80 como momento fulcral do pósmodernismo, procurámos encontrar, para a presente mostra, uma organização topográfica na qual se abandona a linearidade cronológica e historicista abraçando uma multiplicidade discursiva. Acreditamos que, afinal, a história é bem mais semelhante a um labirinto do que a uma autoestrada. Um labirinto que, provalmente, não nos leva a nenhum lado que não de volta a nós próprios.
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo
Pablo Picasso Porque falamos de modernidade e porque começamos pela pintura temos de começar com Picasso. O artista cujo nome se tornou, ele próprio, um símbolo da arte moderna, a ponto de ainda hoje, na linguagem corrente, quando alguém fala de uma pintura “à Picasso” se estar a referir a uma pintura “estranha”, “esquisita”, menos conforme às regras da respresentação realista tradicional, enfim, uma pintura “moderna”. Entretanto, do ponto de vista da reflexão actual sobre a arte contemporânea, a própria ideia de arte “moderna” já é história. Mas essa é uma outra história que, aliás, serve de pano de fundo às múltiplas histórias que ao longo deste roteiro iremos apresentar.
Pablo Picasso Femme dans un Fauteuil Picasso, obviamente, dispensa apresentações. Mas se é verdade que, de uma certa forma, todo o século XX gira à sua volta, também o é que, de uma outra forma, todo o século XX lhe foi distante. Hoje, Picasso é um artista no limbo, representante do breve período em que arte e história caminharam de mãos dadas. Afinal Picasso tornou a arte maior que a história e tornou-se ele próprio maior que a arte. A história não o esqueceu, e presta-lhe e prestou-lhe todo o tributo possível e imaginável. Já o mesmo não se pode dizer da arte, cujos caminhos se foram progressivamente afastando do paradigma Picasso e aproximando do paradigma Duchamp.
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Pablo Picasso
Femme dans un Fauteuil 1929
campo comum que os dois artistas partilharam e a diferença fundamental entre ambos reside numa porventura mais imponderável questão de estilo. Hoje em dia, somos todos Machines Célibataires e a persona poética de Picasso parece, pura e simplesmente, não pertencer ao nosso universo. Tal como todas as suas experiências e vivências romantizadas e que nos parecem de um outro tempo. De um tempo mítico de touradas, tardes ao sol, cafés em Montmartre, arrebatadoras paixões por belas mulheres e militâncias políticas. Um tempo em que os artistas usavam boinas bascas, pintavam nos seus ateliers, e o que pintavam era a desconstrução da perspectiva ocidental, inspirando-se na arte dos antípodas ou do distante Sul, uma
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
No entanto, se analisarmos as obras de Picasso e Duchamp não encontramos apenas dissidências, existe um vasto
arte que parecia tão exótica quanto nova, excitante e plena de potencialidades. Mas algures pelo caminho a história tornou-se mais sombria, e a arte acompanhou-a nessa viragem em direcção a um futuro menos humano, um futuro pleno de Machines Célibataires. Picasso ficou sozinho, Bigger than Life, no meio da sua própria e imensa lenda. Tão imensa que é quase impossível discernir se é Picasso ou o Mundo quem está só. Femme dans un Fauteuil poder-se-ía chamar Femme Fauteuil tal é a miscigenação formal entre a mulher e o sofá, tornandose impossível discernir um corpo do outro. Talvez, como provavelmente todo o sedutor, Picasso fosse misógino. Ou talvez empreendesse metodicamente uma ruptura com o paradigma de representação ocidental, nomeadamente através da sobreposição perspectica. Talvez ambos. E talvez também, se nos alhearmos de
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo todo o kitsch que circunda a persona de Picasso, possamos ver uma insinuação do celibato nesta mulher-objecto. Ou, citando Friedrich Kittler, que “a condição necessária e suficiente para o Amor é a mulher como simulacro”2, e que esse simulacro sofreu uma mutação na transição do romantismo para o modernismo. E que em vez da maternal imago que embalava a poesia de Goethe a mulher-fetiche de Picasso é um objecto, uma coisa, um sofá, que já não convida nem inspira o delírio lírico mas sim incita a que le celibataire broie son chocolat lui même.3
SALA DE ENTRADA Na primeira sala da exposição reunimos um conjunto de obras-primas da pintura do século XX. Obras que, na extrema diversidade cronológica, doutrinária e formal dos seus autores, constituem uma demonstração exemplar da pluralidade das vias de evolução e revolução que fizeram a história da pintura ao longo do último século e manifestam a riqueza e diversidade das tradições em que assentam as práticas contemporâneas da pintura.
Francis Bacon Oedipus and The Sphinx After Ingres Édipo é o mais trágico dos herois e aparece-nos mais trágico que nunca no remake que Bacon produz do célebre quadro de Ingres. Ferido e quebrado, ocultando o rosto ao espectador num gesto oposto ao da imagem de Ingres que afirma o perfil clássico do heroi e a sua absoluta resolução. Também ao contrário de Ingres, Bacon encerra Édipo num espaço confinado
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Francis Bacon
Oedipus and The Sphinx After Ingres 1983
e cuja angulosidade se insinua ameaçadora. Como se de uma metáfora do destino como culpa se tratasse, nesse espaço não se entrevê mobilidade possível, ou não estivesse Édipo já manietado pelo seu pé ferido e enfaixado. Entrevê-se apenas a mítica figura de uma Fúria que Bacon introduz no quadro, introduzindo com ela uma promiscuidade imagética que perturba a interpretação. Dir-se-ia que surpreendemos as três figuras, Édipo, Esfinge e Fúria, numa acção suspensa cuja atmosfera distópica anuncia já o seu desfecho trágico. Ao afastar-se do resoluto Édipo de Ingres, Bacon aproxima-se da tradição grega, da sua percepção do destino como um tecido cuja malha enreda inelutavelmente as suas personagens, não lhes permitindo livre arbítrio senão
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
e claustrofóbico cujas arestas se impõem a toda a composição
ilusório. Mas Bacon mantém-se iminentemente contemporâneo ao designar ao destino o plano do inconsciente, esse interno espaço assombrado pleno de monstros privados. E assim Édipo sofre a suprema transformação, de mito a indivíduo, de Ethos a Pathos. E o seu Pathos é o nosso Pathos, o Pathos do século, como nos costumam dizer, ou seja, a impossibilidade de um comportamento ético e a irredutibilidade do indivíduo à Lei, seja esta a Lei de Deus ou a dos homens. “They say time heels all wounds. Better say time heels all but wounds: after nothing is left of the desiring body, after nothing is left of the desired body, all that remains is a open, disembodied, wound.”4 Francis Bacon é um dos artistas maiores do século, e certamente um dos artistas cujo percurso atravessa o século, desde as suas primeiras pinturas a óleo em 1928, até ter destruído toda a sua obra anterior em 1944, para se recriar como artista,
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo até à presente consagração mundial. Desafiando as classificações a sua obra pictórica situa-se num cruzamento do expressionismo figurativo com o surrealismo abstracto ou, talvez, do expressionismo abstracto com o surrealismo figurativo, conforme prefiram. Ironia à parte o que de mais pertinente se pode dizer de Francis Bacon é que a sua pintura encarna, no sentido literal do termo, as inquietantes figuras que a assombram. Há algo de obsceno em Bacon, algo do obsceno de uma montra de talho, e esse obsceno não deriva de nenhuma opção temática mas tão singelamente da palpitação tonal, da cor em carne viva, da espessura sanguínea da pintura. Num século em que a orientação maior das práticas pictóricas foi em direcção a uma desmaterialização lumínica, Bacon não pode deixar de nos chocar pela proximidade grotesca que os seus quadros estabelecem com uma crua corporalidade. Para parafrasear Foucault, nunca vemos os outros como corpo (tão treinados que estamos para ignorar essa imponderável gravidade do ser) senão no hospital ou na morgue. Por outras palavras, apenas quando a carne se tinge de um azulado mórbido ou se cobre de pústulas, é reconhecida como carne. Talvez daí advenha a estranha sensação que sempre transpira de qualquer quadro de Bacon: doença e crime. É esta pintura feita carne, plena duma materialidade tão densa quanto fantasmática que, nesta sala de entrada, decidimos confrontar com o étereo Morris Louis ou com o cerebral Gerhard Richter.
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Abstraktes Bild (nº635) Gerhard Richter formou-se na Alemanha de Leste sob a égide do realismo socialista, tendo-se deslocado para o ocidente na década de sessenta durante o eclodir dos movimentos contestatários do status-quo institucional como o Fluxus e restantes movimentos anti-arte. No seio de uma revolução cultural Richter tornou-se, ele próprio, uma revolução cultural. Se existe um traço distintivo do pós-modernismo esse traço é a tradutibilidade dos media. Ou seja a capacidade que um media tem de ser transposto para um outro e no entanto se manter irredutível a ele. Gerhard Richter começou por pintar a partir de fotografias,
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Gerhard Richter
avançando a prosaica explicação de que queria pintar e não sabia o quê. Esta inquietação “o que pintar?” não será de todo estranha a qualquer jovem artista, tal como não será estranha a ninguém a imagem do poeta angustiado que contempla impotente a página de papel em branco. Em geral, tanto o artista como o poeta procuram ideias. Ideias que possam pintar ou escrever ou, Gerhard Richter
Abstraktes Bild (nº635) 1987
melhor dizendo, ideais do que possam pintar ou escrever. Richter procurou imagens que pudesse copiar em tela. Mallarmé dizia que a poesia se faz com letras e não com ideias. Não houve, no entanto, muitos que o tivessem compreendido. Não sabemos se Richter conhecia ou não Mallarmé, mas sem dúvida compreendeu que a pintura é a prática de pintar e que nada existe de específico à pintura que não o próprio gesto de pintar. Assim, Abstraktes Bild é a pintura como simulação. Como o é, aliás, toda a obra de Richter. Abstraktes Bild simula ser
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo uma pintura gestualista, sendo na realidade uma meticulosa composição. Ora uma das maiores, se não a maior reivindicação do gestualismo, como de todo o expressionismo abstracto, é que a autenticidade em pintura só é possível pela libertação do gesto, ou seja, pela eliminação da composição através da espontaneidade do movimento. Nesse sentido Abstraktes Bild é uma fraude. No sentido literal da ideia de simulação é o gestualismo que é uma fraude. Não que Gerhard Richter seja de algum modo panfletário ou pretenda instituir a sua obra como denúncia das falácias discursivas do modernismo. De forma alguma. Apenas, as suas pinturas erodem qualquer possibilidade de sustentar um discurso sobre a autenticidade em arte ao funcionarem como evidência derrisória da possibilidade dessa mesma autenticidade. O simulacro mantém-se à margem da discussão sobre o autêntico e o falso aparecendo como a ideia de uma cópia sem original – conceito paradoxal quanto baste, – logo, uma cópia que mina a própria possibilidade ou validade do original. A arte é um discurso e a pintura é uma prática. Richter, que nada tem de feroz, faz a mais feroz afirmação em pintura do século XX: reclamar a essência da pintura ao pintar. Numa época em que se procura a essência da arte em toda a parte menos nela própria, esta não é uma afirmação de somenos importância. Sobretudo quando é feita com a circunspecção e sobriedade de alguém que, na verdade, não premeditou fazê-la. Como não premeditou pôr em causa a questão da autoria e, no entanto, é através dela que a maior parte da crítica se relaciona com Richter.
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de uma tipologia pré-moderna) ou cínica (sendo sarcástico em relação ao discurso sobre o imperativo de emancipação que impera na contemporaneidade o qual exige que a arte tenha um “assunto”), tem uma atitude ambivalente em relação à obra de Richter. Afinal a arte, ao longo do século passado, procurou representar, substituir ou mesmo ser a vida. Em Richter a arte apenas pode recordar, repetir ou aceitar a vida.
Frank Stella Hagamatana II
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
O discurso contemporâneo, ao só conseguir detectar na atitude do artista alemão uma atitude ou sentimental (saudosista
O modernismo é um projecto de pura negatividade: só se encontra aquilo que a arte é pelo progressivo abandono daquilo que a arte não é. Comecemos pela ideia de “plano do quadro”, o plano do quadro representa o quadro, que ao consciencializarse que representa, que refere um Outro, renuncia a essa mesma representação. Não se encontra a essência da arte se nos dispersarmos pela imanência do mundo. Na gloriosa epicidade do projecto modernista Frank Stella foi um heroi incontestado e Michael Fried o seu trovador. Frank Stella
Hagamatana II 1967
“ They would be saying that “modernism” names an ideology, a discursive field whose occupants believed that art could stand alone - autonomous, self-justifying.”5 Suponho que a argumentação sobre a autonomia óptica da obra de arte na proposta modernista está já tão exausta que
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Colecção Berardo não será preciso alongarmo-nos sobre este ponto. Suponho que nem será polémico afirmar que a maior expressão crítica dessa autonomia se realiza no conceito de “absorption” teorizado por Fried (d’ápres Diderot), e que talvez aquilo que melhor possa ilustrar a equivalência de “absorption” ao conceito freudiano de “drive” passe pela pequena anedota do americano que Michael Fried e Frank Stella mais admiram: Ted Williams o jogador de basebol que “sees faster than any other living human”, “that’s why he’s a genius”. Essa visão desencarnada e autónoma que Fried e Stella propõem coincide totalmente com a descrição de drive que encontramos, por exemplo, em Slavo Zizek, de um orgão que se autonomiza e prossegue sozinho o seu percurso com uma indiferença cega ao total sem-sentido do mesmo. Afinal, não estamos a falar de suspender a alteridade quando tentamos “defeat or suspend theatre”6 ? O teatro “necessarily imply the presence before them of a beholder”7, a presença de um Outro, enquanto absorption implica que “at every moment the work itself is wholly manifest”8. Por isso Fried afirmou vezes sem conta que a obra de arte se deve portar como se o observador “não estivesse lá”. Logo, como recusa à metáfora e como se não existisse nenhum traço de tempo na experiência modernista, que aliás pode ser vista como uma inversão do big-bang (espaço que subitamente deflagra em tempo): transformar o tempo em puro espaço. Ou seguindo Walter Benjamim na sua descrição do Barroco como charneira do moderno: um eixo de sucessividades que se transpõe para um eixo de simultaneidades, produzindo um excesso de presença ao transportar todo o tempo para um mesmo espaço, doravante opaco e anamórfico. A obra de arte como, em suma, recusa da representação.
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que todo o desenrolar do seu processo pode ser visto como uma progressiva procura da característica essencial do “plano do quadro”: a “flatness” (característica do que é plano)? Quando essa total identidade entre a obra e o dispositivo óptico do observador se realiza, o observador vê a obra (ou na obra) o seu próprio mecanismo de visão em estado “puro”, isolado e autónomo de qualquer processo cognitivo, Vê-se a Ver. Mas o “Ver-se a Ver” implica um processo cognitivo que transborda desse “puro mecanismo da visão”. Ver-se a Ver não é Ver-se como um Mesmo, Ver-se a Ver implica ver-se como um Outro. Quando em “Being John Malkovich”, o extraordinário
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Não assenta o projecto modernista na assunção do “plano do quadro” como paradigma de auto-referencialidade sendo
filme de Spike Jonze, Jonh Malkovich entra na cabeça de John Malkovich, John Malkovich vê John Malkovich mas John Malkovich em John Malkovich não é a identidade última, a assunção absoluta da lei da indiscernibilidade dos idênticos: não se trata de John Malkovich ser John Malkovich e ponto final. Pelo contrário: John Malkovich é John Malkovich, John Malkovich, John Malkovich, … numa vertigem de autoreferencialidade que se desdobra sobre si própria ad eternum. Assim, ao olharmos para Hagamatana II, talvez possamos afirmar, com mal disfarçada ironia, que a diferença entre a majestade do essencialismo e a pura redundância é uma diferença de perspectiva. Ou antes, com sincera compaixão, que a suspensão da diferença é, malgré soi, uma alegoria. “It is in this continous and entire presentness, amounting, as it were, to the perpetual creation of itself, that one experiences as a kind of instantaneousness: as though if only one were
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Colecção Berardo infinitely more acute, a single infinitely brief instant would be long enough to see everything, to experience the work in all its depth and fulness, to be forever convinced by it.”9 “Presentness is grace”10
Morris Louis Beta Tau Mítica entre obras míticas Beta Tau já atingiu aquele patamar da fama que extravasa o círculo restrito das artes plásticas e passa a fazer parte da cultura popular. Quem não viu já a imagem de Morris Louis em capas de cd’s ou t-shirts? Estranhamente Beta Tau ultrapassa em muito a fama do seu autor, o qual permanece relativamente menos famoso entre os seus pares. Beta Tau é uma obra eminentemente americana, que respira a imensidão de um espaço que a Europa não pode conhecer. Sobretudo numa geração do pós guerra que na Europa escrevia que qualquer tentativa de escrever poesia lírica após Auschwitz seria obscena. É uma obra que respira a imensidão de uma aspiração artística que essa mesma Europa não pode suportar. Arriscamos mesmo dizer que nunca foi o sublime em pintura expresso de modo tão premente como nas linhas que Morris Louis deixa escorrer pelo quadro mas que, no entanto, não parecem afectadas pela gravidade. Bem como na extensão vazia que ocupa todo o centro da enorme tela. Morris Louis é, juntamente com Kenneth Noland, o representante maior da Post-Painterly Abstraction, e a PostPainterly Abstraction é o mais americano dos estilos. Transpira o glamour dos Cadillac nacarados e prenuncia tanto a densidade
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Morris Louis Beta Tau 1961
rodadas de Dior que, por sua vez, evocavam um sonho de sofisticação e urbanidade ainda assombrado pelas atrocidades da guerra. Quem é que não se lembra de Breakfast at Tiffany’s e de Moon River a canção que Audrey Hepburn cantava, exalando a nostalgia de uma inocência irrecuperável? Até o seu nome, Post-Painterly Abstraction, ecoa o estilo déco dos anos cinquenta. Colocá-lo ao lado de Francis Bacon pode ser insultuoso mesmo. A sua elegância estilizada parece desdenhar dos dramas existenciais que contorcem o Édipo expressionista. E no entanto, será o mais grosseiro dos erros não querer ver a potencialidade trágica de Louis. Desde que a história começou a descrever o seu arco, do belo ao sublime e do sublime ao
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do minimalismo como a légèretè da Pop. Parece evocar as saias
monstruoso, que pressentimos que as aspirações metafísicas escondem a sua própria queda, que o sublime é o excesso de belo e que o monstruoso é o excesso de sublime. Beta Tau é esse momento perfeito entre o sublime e o informe. Entre a perfeita imaterialidade e a pura dissolução.
Fernand Léger Composition Que a era do mecanismo teve o seu apogeu é dificil de compreender agora que vivemos o seu ocaso. Quando Andy Fernand Léger Composition. 1953
Warhol diz “Quero ser uma máquina” nós reportamos a frase aos anais da psicopatologia. Sim, sim, murmuramos, conta-se que ele era infinitamente monótono nas suas refeições, e que se recusava a emitir opiniões pedindo aos seus entrevistadores que lhe fornecessem as respostas que esperavam ouvir.
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Colecção Berardo Uma máquina é afinal uma instância de repetição e, por oposição, o humano é uma instância de criação. Donde quem deseja ser uma máquina sofre porventura de apatia existencial, quiçá de ciclotimia. Nada se situa mais nos antípodas de uma visão romantizada do artista do que um indivíduo apático a comer sopa enlatada. Mas se recuarmos um pouco encontramos muitos mais artistas que desejaram esse devir máquina. Toda uma geração para ser mais exacto e nem todos revestiam esse desejo do niilismo belicista que assombrou os futuristas. O devir máquina é, em Léger, algo de radicalmente diferente do que é em Warhol. Porque a máquina é, para Léger, algo de radicalmente diferente do que é para Warhol. A máquina, no ínicio do século XX, é a utopia do ser, e a sua distopia ainda vem longe. Sem dúvida que já se anuncia, através da máquina da Colónia Penal de Kafka; ou das Machines Célibataires de Duchamp que muito mais tarde irão inspirar o famoso corpo sem orgãos de O Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Felix Guattari; ou da inversão que Lacan faz ao famoso ditum de Freud “Wo es War…”, “onde id estava, eu serei”. Reparem, aquilo contra o qual o humano sempre se afirmou era, afinal, a natureza, e aquilo pelo qual o humano sempre se afirmou era, precisamente, a máquina. Quando a psicanálise hierarquiza a psique faz corresponder ao inconsciente esse determinismo organicista que rege a natureza: os padrões cíclicos, repetitivos e rotineiros: “onde id estava, eu serei”. Ou seja, o advento glorioso do Humano será possível apenas e somente através do domínio sobre o determinismo biológico. No entanto, no espaço de umas décadas os pólos da questão sofreram uma inversão radical. A máquina transfigura-se em
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infernal instância de reiteração. “O inconsciente é uma máquina”, dirá Lacan. “Quero ser uma máquina” dirá Warhol. Onde eu estava, id será. O filósofo Henri Bergson traçou o mais imperativo dos postulados da filosofia contemporânea ao estabelecer uma clara analogia entre consciência e intenção. Este dado não é irrelevante pois é através deste presuposto que se constitui toda uma epistemologia da modernidade. É através deste pressuposto que à ideia de arte se faz corresponder o primado da criatividade e da imaginação, e o imperativo da originalidade, e em função dele reavaliámos toda a história da arte privilegiando as revoluções e rupturas. Léger é, sem dúvida, um dos agentes da maior das rupturas que a arte do século XX sofreu, ao inserir-se no seio das vanguardas modernistas que advogavam o culto civilizacional da máquina. Não a máquina da Kafka, bem entendido, mas a máquina como extensão épica da vontade humana e sua finalidade última. Em Composition, orgânico e mecânico aparecem intimamente abraçados e extraordináriamente harmoniosos. Tudo isto nos é estranho, a nós que respiramos um imaginário à la Cronenberg no que toca ao imaginário cibernético. No entanto, tudo isto está patente em Léger, revestido de um optimismo em que os amanhãs ainda cantam. Toda a história do século XX está contida entre as quatro paredes desta primeira sala. Entre La Pasionaria e Hiroshima, entre as felizes casas dos subúrbios norte americanos em que os trabalhadores gozam de um “dental plan” e o Muro de Berlim. Entre Louis e Richter, entre Léger e Bacon, podemos rever o século XX como se de um delírio maniaco-depressivo se tratasse. Tantas vezes eufórico quantas disfórico.
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Colecção Berardo
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Walter Benjamin, por quem começamos, era proprietário de um famoso desenho de Paul Klee Angelus Novus, uma máquina anjo com olhar fixo e um enigmático sorriso. O anjo da história, sobre o qual Theodor Adorno escreveu “The angel of history which is the angel that does not give, but takes”. Na sua infinita diversidade o século XX mantém esse traço comum e essa coerência última. O século XX foi o século da história, o século que não dá, mas pede.
Os Anos 80 ficaram marcados, sobretudo na sua primeira metade, pela afirmação e sucesso de uma série de artistas e tendências que ficaram para a história sob a designação comum de “retorno à pintura”. De acordo com um certo gosto pela recuperação da história – muito característico da arquitectura pós-moderna da época – e pela valorização das especificidades culturais ou estéticas nacionais ou regionais (na altura falava-se do genius loci) muitos dos protagonistas desta reabilitação da pintura afirmaram-se ou foram divulgados sob a forma de agrupamentos com base nacional. Assim sucedeu com os “neo-expressionistas” alemães ou “novos selvagens” que se afirmava terem uma relação
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ANOS 80: OS REGRESSOS DA PINTURA
especial e peculiar com a história da Alemanha, da pintura alemã e do expressionismo alemão em particular. No grupo assim congregado, de um modo algo simplificador, salientam-se Anselm Kiefer, Georg Baselitz, A.R.Penck ou Jorg Immendorf, todos eles aqui representados por obras exemplares. Em Itália, a mesma sensibilidade foi apresentada sob a designação de “transvanguarda italiana” e teve como protagonistas Enzo Cucchi, Francesco Clemente, Mimmo Paladino e Sandro Chia. Nos Estados Unidos, sob a designação mais genérica de “nova pintura” ou “novas figurações”, conheceram um enorme sucesso as obras de vários artistas de entre os quais se destacaram Julian Schnabel, David Salle e Eric Fischl.
Após a morte anunciada da pintura, proclamada pelas
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Colecção Berardo vanguardas dos anos 60, eis que, no dealbar da década de 80 uma nova pujança criativa parece animá-la. No entanto convém não confundir a pintura da década de 80 com a pintura de épocas anteriores. Afinal, a pintura na sua condição pós-histórica não pode olvidar essa mesma condição sob pena de aparecer como uma actividade anacrónica. Toda a arte é conceptual depois do conceptualismo, reza o ditado. Não é possível contrariar um paradigma pois um paradigma é por definição normativo, e o paradigma do século é, sem dúvida, a abordagem conceptual. Se a arte sempre foi legitimada através de práticas disciplinares, nos anos 80 mesmo as práticas disciplinares são legitimadas por práticas discursivas. Por outras palavras, os anos 80 personificam o regresso incontestado à pintura, mas essa pintura é a pintura perante a sua própria impossibilidade. Slavo Zizek no seu livro “Looking Awry” descreve Shane como um meta-Western porque Shane é um Western feito numa época em que os westerns já não são possíveis, não são possíveis porque a narrativa cultural que sustentava o Western como género se erodiu e a nossa capacidade de crença no cowboy solitário e no rude vilão se erodiu com ela. E, por tal, Shane é o mais puro dos Westerns, o clássico entre os clássicos. Talvez todo o género ou actividade atinja essa máxima depuração após o seu ocaso. Mas, precisamente, por o “regresso à pintura” ser a pintura numa época em que pintar já não é possível é que podemos na década de 80 vislumbrar todo o potencial do género. A pintura quando regressa, regressa assim como meta-pintura, uma pintura que é antes de mais pintura sobre a própria pintura e sobre a possibilidade de pintar. Sobre a escolha da pintura. Mas não só sobre a escolha da pintura, também sobre a
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pelo sujeito e pelo autor, numa época em que ambos nos são já póstumos, e uma nostalgia pela expressão, essa categoria que, de tão intimamente ligada ao autor, também já tinha sido considerada obsoleta. Mas a expressão agora não significa o mesmo que antes. Os anos 80 ilustram a premissa Lacaniana de “the unconscious is outside” ao produzirem um imaginário escatológico que baralha o épico com o subjectivo. E ao demonstrarem a predominância do id sobre o ego, apontam a substância como destino do sujeito. “An infinitesimal music of the boundless world-space...is the grand legacy of the Faustian soul. “11
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escolha de ser pintor, que denota uma mais vasta nostalgia
Anselm Kiefer Elisabeth von Osterreich “Gray is toneless and immobile. This immobility, however, is of a different character from the tranquillity of green, which is Anselm Kiefer
Elisabeth von Osterreich 1991
the product of two active colors and lies midway between them. Gray is therefore the disconsolate lack of motion. The deeper this gray becomes, the more the disconsolate element is emphasized, until it becomes suffocating.”12 Wassily Kandinsky, On the Spiritual in Art “The light of heaven is always impure -- contaminated by gray, which is the subtlest of hells -- in Kiefer’s works. Art has become decadent in Kiefer’s works -- decadent not only because it is no longer able to transmute historical truth into redeeming, uplifting, tranquil(izing) beauty (as classical art did), thus helping
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Colecção Berardo us bear the unbearable, but in Nietzsche’s sense: art has lost its instinct for life and thus become incurably sick -- everlastingly devitalized, like Kiefer’s gray. “13 Não há obra que melhor exprima a alma alemã do que “Melencolia I” de Durer, essa gravura de 1514 que já em si encerra a mística origem da inclinação faustiana tão cara à cultura centro-europeia. Mística origem essa que remonta muito para lá da sua aura gótica enraizando-se no mais profundo de uma imaginação eminentemente mórbida. Uma imaginação seduzida pela morte, enfeitiçada pelo destino e lascivamente fatalista. Lembram-se de Sissi? Quem é que pode esquecer a jovial Romy Schneider como jovem imperatriz virginal, de cinturinha de vespa e faces rosadas? Elisabeth von Osterreich foi assassinada por um anarquista italiano na Suiça, aos 50 anos. Por essa altura a sua saúde já se encontrava debilitada, dizem-nos, devido às dietas a que se sujeitava e à falta de cálcio no organismo. Entre a beleza jovial de Sissi e a envelhecida aparência da abandonada Elizabeth existe o imenso abismo que separa um imaginário hollywoodesco da realidade histórica. Qual dos dois será mais mais cruel talvez nem seja a questão porquanto qual dos dois será mais exacto permanece em dúvida. No entanto, a densa e noturna sombra que em Kiefer é Elizabeth ressalta mais densa e mais nocturna perante a lembrança da luminosa Sissi. Kiefer pode ser visto como um pintor tenebrista ou um mestre do chiaroscuro, sem dúvida, mas a ostensiva presença do cinzento nos seus quadros remete para um mundo assaz diverso
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obscurantista. O mundo de Kiefer é o mundo desencantado “de la pluie de fer, d’acier, de sang” como no poema de Prévert que Yves Montand nos cantou. Não é o mundo pleno de divindades ariscas e de soturnas aparições que se jogam entre o vísivel e o invisível. Tudo é vísivel e o vísivel é espesso e pesado como nunca o foi. Podemos evocar Caspar David Friedrich, mas a névoa que cobre a pintura de Kiefer não é tanto a nebulosa romântica da alma poética como o nevoeiro poluido de um inverno nuclear. As pinturas de Kiefer são mais muro que tela. E esse muro não é só o de Berlim, mas toda a superfície de cimento que mais do que qualquer outra é a marca do século e que lhe impõe o seu silêncio inorgânico.
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daquele no qual os mestres italianos ensaiavam o seu pendor
Donald Kuspit no seu ensaio sobre a pintura de Kiefer acentua a “permanência do cinzento”. Curiosa expressão esta, a “permanência do cinzento”, que nos impressiona pela sua pertinência naquilo que nos revela do “sense of a permanently overcast sky -- with a certain resemblance to the fogged-in world that appears in some of Caspar David Friedrich’s works -- is inescapable. Everything dissolves in the gray, obscured into oblivion, although spectral vestiges of it remain, the white shadows that are the concepts left when things are no longer clear. It seems the fog over Germany -- and the mystifying country it is, what with its dismal history, majestic music and what Nietzsche calls the obscurantist intellectualizing that passes for philosophy in it -- will never lift. “14
Georg Baselitz
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Colecção Berardo Blond Ohne Stahlhelm – Otto D. Desde muito cedo no seu percurso Baselitz interessou-se pela expressão dos deficientes e incapacitados mentais procurando nela uma expressão mais autêntica. A preocupação pela autenticidade é aliás recorrente na obra deste artista, cujo estilo procura uma rudeza afirmativa. Sendo reconhecido como uma figura de proa do Novo Expressionismo Alemão Baselitz influenciou uma vasta geração de artistas, sobretudo ao nível da suas preocupações pictóricas. Por essas preocupações serem para ele fundamentais Baselitz inverte as figuras dos seus quadros, sublinhando assim a dimensão puramente pictórica e a importância essencial da pintura que se deve afirmar acima e para além da sua possível temática. Como o muralista
Georg Baselitz
Blond Ohne Stahlhelm – Otto D. 1987
Rivera certa vez afirmou, numa tomada de consciência assaz surpreendente em artistas com vincadas preocupação políticas, “daqui a mil anos ninguém saberá sobre o que são as minhas pinturas” donde o que ficará delas será o puro valor artístico.
Jorg Immendorf Anbetung des Inhalts Immendorf não destoa da sua geração ao escolher temas abertamente políticos. A sua pintura segue na clara linhagem de uma longa tradição germânica que elege o activismo como imperativo histórico. Na cruzada histórica que Hegel preconizou é o destino da arte servir uma função política tendo como função a emancipação crítica do observador. A arte faz assim parte de uma grande narrativa colectiva em
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Jorg Immendorf
Anbetung des Inhalts 1985
Immendorf, no entanto, é um pintor narrativo depois do fim histórico das grandes narrativas. O eco colectivo dos seus temas e preocupações já se diluiu na sociedade progressivamente mais globalizada e consumista. Mesmo na Alemanha em processo de reunificação o trauma e a amargura do Leste não se traduzem em motivação revolucionária mas sim em deriva existencial. Olhem para a figura de Lenine que segura uma candeia pela qual um mar de leitores se ilumina. Podemos ser mais corrosivos e aos mesmo tempo mais saudosistas sobre o projecto da educação dos povos? É essa peculiar combinação de existencialismo com marxismo que podemos observar nas suas obras, tão empenhadas quanto cínicas, tão críticas quanto fatalistas. Mesmo tendo sido um
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direcção ao progresso social.
militante político empenhado e até extremista, aluno de Beuys e activista maoísta, Immendorf não deixa nunca de demonstrar os reconhecíveis traços nihilistas tão caros à condição germânica.
A.R. Penck Ten Den Zen 2 Em A.R. Penck encontramos um bizarro cruzamento de primitivismo com grafismo que é comum a toda a era da eletrónica. O predomínio do audio-visual traz consigo um retorno a uma cultura tribal que a galáxia Gutenberg havia reprimido. O esquematismo, afinal, pertence tanto à linguagem informática quanto ao ritual. E em Penck a evocação totémica partilha a tela com a cibernética numa profusão de formas e A.R. Penck
Ten Den Zen 2 1983
figuras que exprimem um horror vacuum e uma compulsiva preferência pelo contínuo que repugnam às modalidades mais
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Colecção Berardo depuradas das sensibilidades contemporâneas. Os críticos dos media dizem que à ideia do self, o sujeito individualista moderno, se sucedeu uma ideia de cell, porquanto nas sociedades informatizadas os indivíduos tendem a assumir-se como células do sistema. Numa imensa elipse histórica essa orientação social recria condições pré-modernas e reorganiza o imaginário contemporâneo em torno de uma profusão de códigos comunicacionais bem distantes das intensas imagéticas do ocidente. Esses novos códigos comunicacionais estão algures entre as gravuras rupestres de Lascaux e os pequenos seres amarelos da Smiley Central, que é como quem diz algures entre o ritual e a rotina. A. R. Penck povoa as suas telas dessas figuras esquemáticas cujo significado é tão óbvio quanto obscuro, tão banal quanto esotérico. Como nas pequenas figuras utilizadas nos rituais de voodoo ou magia negra ficamos na dúvida quanto a saber se referem aquela pessoa em particular ou todos nós. Provavelmente referem que aquela pessoa é como todos nós.
Enzo Cucchi Transporto di Roma, Cavalli, Cameli, Statue e Leoni Como já referimos Enzo Cucchi, Francesco Clemente, Mimmo Paladino e Sandro Chia foram os principais impulsionadores do ramo italiano do revival da pintura figurativa do ínicio da década de 80. Esse revival ficou conhecido como Nova Pintura, NeoExpressionismo, ou na própria Itália Transavanguardia. Os seus temas prezam o historicismo e insinuam-se metafóricamente por
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Enzo Cucchi
Transporto di Roma, Cavalli, Cammeli, Statue e Leoni 1984
Os interiores que Cucchi pinta são, regra geral, confinados e cavernosos. Tão plenos de pistas interpretativas quando esparsos em informação. Se em Descartes a mente aparece como um espaço interior no qual ideias e impressões se impõem e destacam sobre um fundo nítido, segundo o modelo da camâra escura, em Cucchi o espaço interior é um espaço tenebrista e grotesco, alusivo à caverna de Platão mas destituído da posibilidade redentora de uma promessa metafísica. Em Cucchi o espaço interior é, por assim dizer, um espaço anterior. Anterior ao iluminismo e à herança cultural da modernidade. Ou anterior à civilização ela própria, evocando o primordial e a solidão do selvagem, uma solidão pré-linguistica de um Sexta-Feira sem Robinson.
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alusão ao saturado espólio cultural italiano.
A transvanguarda em geral e Cucchi em particular aplanam a ideia de história ao tratar a sua herança cultural como um imenso arquivo ou repositório onde referências ou inscrições podem ser recuperadas, recolhidas ou fantasiadas. A sua atitude é tão ambivalente em relação aos seus temas quanto os seus ritmos são curvos e ondulantes. Em última análise decorativista até à exaustão, não obstante um pendor irracionalista e pré-cientifico, a Transvanguarda foi sobejamente acusada de reaccionarismo politico e formalismo institucional. Nada que não transpirasse o air du Temps que se vivia na sua década. O que, sem sombra de ironia, não é de desdenhar. Afinal há quem defenda que a arte que importa é a que melhor soube exprimir seu tempo.
Francesco Clemente
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Colecção Berardo Portrait of David Salle I Vocali (AEIOU) O século XX foi avesso à narrativa, o que não é de todo estranho à sua predisposição metonímica. Mas a narrativa não deixa de se insinuar, sempre que nos dispomos a considerar redundante o mote segundo o qual cada obra de arte é antes de mais um statement sobre o status da arte, e permitimos, com uma certa indulgência, que a arte seja sobre outras coisas que não a própria arte. Clemente inventa aquilo que ele próprio chama “unknown ideograms, ideograms in costumes,” nos quais “logic and chance as one force” se tornam efectivas. A sua pintura indica uma realidade pré-linguistica, na qual a dicotomia entre o sentimento e o pensamento ainda não começou a escavar o seu fosso. Essa intensidade assemelha-se à intensidade da experiência surrealista mas enquanto a experiência surrealista se dedicou a criar um novo vocabulário visual para aceder a um repositório de significados que o precedia, o vocabulário visual de Clemente cria e gere a sua própria significação. Enquanto os surrealistas procuram contar a imensa história das nossas pulsões inconscientes em Clemente a narrativa não é mais do que uma promessa. Todas as suas telas gerem pontas soltas de histórias que não o chegam a ser. Clemente explora, assim, imagens figurativas para fins não narrativos, que não narram nem descrevem uma situação, mas antes questionam a própria estrutura da narrativa ou situação. Francesco Clemente
“It is in this sense that Clemente has something original to contribute: figure-words, as Novalis would call it, pictorial
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Portrait of David Salle 1981
associations in the observer through the power of their expressiveness. This pictorial means is one we are most familiar with through fairy tales, myths and dreams - meanings of possible, conceivable worlds. His pictures question a reality that only exists by approximation, and whose existence we intimate through the power of our own desires.”15 “Clemente’s imagery attempts to unsettle the observer’s conventional assumption of what reality is supposed to be.”
Francesco Clemente
I Vocali (AEIOU) A = Eat 1989
Francesco Clemente
I Vocali (AEIOU) E = Love 1989
Francesco Clemente
I Vocali (AEIOU) I = Die 1989
Francesco Clemente
I Vocali (AEIOU) O = Sleep 1989
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discoveries from a pre-conscious, pre-linguistic world, releasing
Francesco Clemente
I Vocali (AEIOU) U = Remember 1989
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Colecção Berardo Mimmo Paladino Siempre Sera Como escreveu Heidegger toda a história da arte ocidental é uma luta entre uma disposição simbólica e uma inclinação alegórica. É, evidentemente, a imagem de marca do modernismo a luta pela unidade simbólica de forma e contéudo e a aversão a qualquer tendência alegorizante. Afinal uma alegoria é a possibilidade de encontrar vários contéudos numa mesma forma, ou antes a possibilidade da significação serpentear metaforicamente e se deleitar em nuances. Paladino é um dos exemplos de artistas que gerem a alegoria como dispositivo de produção de sentido. Tal é comum a toda a transvanguarda italiana, movimento em que ele se integra, e também ao que genericamente designamos por pós-modernismo.
Mimmo Paladino
Siempre Sera (Tríptico) 1982
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contemporâneo estranhamente distante dos seus objectos. Assim, aquilo que Craig Owens afirmou sobre o pósmodernismo em geral, ao defender que o impulso alegórico era a motivação fundamental deste momento histórico, aplica-se na perfeição a Paladino em particular. “And in his hands the image becomes something other (…). He does not restore an original meaning that may have been lost or obscured; allegory is not hermeneutics. Rather he adds another meaning to the image. If he adds, however, he does so only to replace: the allegorical meaning supplants an antecedent one; it is a supplement.”16 “Every operation to which he subjects these pictures
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De acordo com essa predisposição alegórica, Paladino revisita a iconografia cristã e clássica, transpondo-a para um estilo
represents the duration of a fascinated, perplexed gaze, whose desire is that they disclose their secrets; but the result is only to make the pictures all the more picturelike; to fix forever in an elegant object our distance from the history that produced these images. That distance is all that these pictures signify.”17
Julian Schnabel Sem Título (Boni Lux) Julian Schnabel é um dos maiores exemplos do artista enquanto pop star produzidos pela década de 80. Diz-se que Roger Moore dizia que não se é verdadeiramente famoso a não ser que saibam pronunciar bem o nosso nome no Paquistão. Esse tipo de fama está, à partida, vedado aos artistas plásticos. Julian Schnabel
Sem Título (Boni Lux) 1983
Como o consumo de arte não está democratizado a elitização dos meios de distribuição produz prestígio sim, mas não fama. A não
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Colecção Berardo ser nas rarríssimas excepções de Warhol ou porventura Pollock. Curiosamente Schnabel costumava dizer que havia três grandes pintores americanos no século XX: Warhol, Pollock e ele próprio. Perante uma auto-promoção e uma mediatização superlativas o feed-back inevitável foi a desconfiança de algumas elites em relação ao seu trabalho. E afinal o trabalho de Schnabel não se dirigia a mais ninguém se não a essas mesmas elites. Tudo nele é sofisticação e codificação cultural. Gerindo a citação e a apropriação com mestria, Schnabel referencia subtilmente toda a tradição expressionista para a subverter num estilo Wallpaper em que a linha de demarcação entre a arte e o design se torna por vezes difícil de traçar. Há quem diga que os anos 80 foram a década da futilidade e da arrogância arrivista. Mas foram também a década em que a mobilidade social finalmente se tornou efectiva e na qual a ascensão da labour class permitiu romper com todo um predomínio artístico de uma classe intelectual que se espartilhava em preconceitos entre Low Brow e High Brow. Talvez Schnabel tenha sido sobrevalorizado para em seguida ser demonizado. Talvez tanto uma coisa como outra tenham sido injustas. Mas essa será a partir de agora a marca dos tempos: uma montanha russa social e emocional onde a uma ascensão vertiginosa se sucede uma progressiva queda no esquecimento para finalmente se atingir uma reabilitação piedosa. É, como lhe chama Dave Hickey, “the birth of the big, beautiful, art market”. E Schnabel foi, pelo menos, um dos seus principais protagonistas.
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The Highest Point in France Saltimbanques David Salle adoptou o artíficio do pastiche não apenas como forma mas também como contéudo do seu trabalho. O pastiche é, aliás, a forma recorrente do pós-modernismo, porquanto este recorre à citação e sobreposição de recursos e referências como opção estrutural. As telas de David Salle são povoadas de imagens dramáticas recolhidas tanto da própria experiência do autor, as suas fotografias a preto e branco por exemplo, como de imagens publicitárias da década de 50, pintura francesa e americana do século XVIII ao século XX, e figuras retiradas de manuais de David Salle
The Highest Point in France 1990
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David Salle
desenho vários. A justaposição de todos estes motivos empresta ao seu trabalho um caractér enigmático e esotérico, reminiscente tanto da novela policial como do Roman à Clés. Olhamos para as suas telas como objectos que encerram a chave da sua interpretação. Mas essa interpretação é-nos à partida vedada. Nem sequer uma abordagem psicanalítica poderia colher uma narrativa coerente na sobreposição de referências literárias e literais que David Salle opera. É nisso que a sua obra difere do surrealismo figurativo no qual se filia formalmente. Salle não pretende funcionar como ecran de um fluxo de imagens que irrompe das profundezas do seu inconsciente, mas apenas funcionar como reflexo de um fluxo de imagens que circulam antes e para além do seu
David Salle
Saltimbanques 1986
inconsciente. Que esse fluxo de imagens fixadas em tela possa significar é controverso. Que as possamos interpretar também.
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Colecção Berardo Como Susan Sontag escreveu:”The modern style of interpretation excavates, and as it excavates, destroys; it digs behind the text, to find a sub-text which is the true one. The most celebrated and influential modern doctrines, those of Marx and Freud, actually amount to elaborate systems of hermeneutics, aggressive and impious theories of interpretation. All observable phenomena are bracketed, in Freud’s phrase as manifest content. This manifest content must be probed and pushed aside to find the true meaning - the latent content- beneath.”18 Preferimos então assumir David Salle no seu conteúdo manifesto e esse é, como já dissemos, o do pastiche em toda a sua eclética obscuridade.
Eric Fischl Mother and Daughter A Mãe de Lolita, a personagem da novela homónima de Vladimir Nabokov, diz a uma dada altura: “I have the most ambitious fantasy”. Essa é uma das suas últimas frases, será atropelada mortalmente pouco tempo depois. Mas ainda tem tempo de explicar qual é então essa ambiciosa fantasia: ter uma french-maid, uma criada de uniforme. Não há nada mais comovente que os sonhos de uma dona de casa suburbana porque não há nada mais sinceramente expressivo da natureza dos sonhos. E uma french-maid é um sonho de lascívia-como-ascensão-social inigualável. Um produto cultural que combina o requinte com o deboche, o supra sumo do propre com a insinuação do dissoluto. Romance perverso, pleno de personagens perversas, Lolita ensina-nos que ninguém sonha os seus próprios sonhos, e que de todos os sonhos
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Eric Fischl
Mother and Daughter 1984
sonhar com uma criada de uniforme. Essa é a própria definição de perversidade: desejar o desejo do outro. Essa também é a definição de desejo tout court. Mas Fischl nem necessita de Lolita para insinuar uma tensão inquietante entre a mãe e a filha do seu quadro. É a própria falta de tensão que é inquietante. Como é a ausência de perversidade que é perversa. Não há nada mais impiedoso que o naturalismo. Como impiedosa é a forma como o Sol da Califórnia brilha sobre os corpos, expostos até ao limiar do obsceno na sua platitude doméstica. A mesma platitude doméstica que nos aparece em toda a sua ameaçadora prepotência em Twin Peaks ou noutras obras de David Lynch. Tão ameaçador como o Sol da
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emprestados que sonhamos nenhum será mais perverso do que
Califórnia sobre os corpos nus e delineados por um bronzeado perfeito, tão perfeito que parece estalar. Como a América. “Art education that has repealed its own standards can destroy a tradition by not teaching its skills, and that was what happened to figure painting in the United States between 1960 and 1980. Fischl has been badly hampered by it, and the exaggerated demand for his work is also a function of it: very few collectors knew how to judge a figure painting, so that any attempt at figuration can slide by on its declared intensity of sentiment. Fischl can’t draw as well as the average Beaux Arts student in 1930, never mind 1880. He aspires to a mode of figuration that is tense, dramatic and full of body. He has managed to reconstruct at least some of his birthright; his figures, although they inhabit a different sexual and psychic world from that of late nineteenth-century America, have a direct
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Colecção Berardo matter of factness that distantly recalls Winslow Homer. But the signs of loss do show. Clearly, Fischl wants an overall look that is not too finished, that is consistently “imperfect,” with an air of unconcern for its own pictorial mechanism the creamy, dashed off realism of a Manet oil sketch. But this requires a mastery over the detail and frequency of brushstrokes, and a certainty about the drawing embedded in them, which he cannot manage. He will slide from a passage of assured colloquialism to one of awkward smearing and prodding, and not fix - maybe not see - the difference.”19
Julião Sarmento Wasting My Time With You O sucesso internacional de Julião Sarmento ficou associado, de modo cronologicamente inevitável, ao «regresso à pintura» e às «novas figurações» da viragem da década de 70 para a de 80. No entanto, Sarmento nunca partilhou com essas correntes nem os deleites, por exemplo cromáticos ou matéricos, puramente pictóricos, nem o registo pulsional ou expressivo em estado bruto, nem um tratamento anedótico, primário ou ilustrativo da temática do desejo e do sexo. A sensualidade das texturas, a complexidade da composição e a natureza sempre enigmática das imagens, manifestam um princípio de delicadeza, no sentido sadiano, e uma lógica de perversão, que remetem para um grau mais elevado de elaboração plástica e teórica. Em termos temáticos o trabalho de Sarmento pode ser visto como um processo de construção de uma correspondência entre o trabalho de invenção e criação plástica e a exploração do
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Julião Sarmento
Wasting My Time With You #928 1991
abordada nas suas múltiplas dimensões. Nesta perspectiva o processo de criação plástica de Julião Sarmento poderia ser entendido como uma dinâmica homóloga de um processo de configuração de um território do desejo. A energia e a tensão que desencadeiam a tendencial identificação entre os dois processos são o factor motriz da atitude do artista, assegurando a natureza aberta e renovável do seu trabalho. Neste sentido as obras de Sarmento não são redutíveis a teses, hipóteses ou conclusões nem a um sistema de perguntas e respostas. As obras de Sarmento seriam um lugar de exposição e exploração de um território sem limites − o território do desejo − atravessado pelo pulsar de um ponto de vista pessoal.
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território de formulação e exercitamento da questão do desejo,
A referência ao desejo não implica necessariamente, na obra de Sarmento, a representação de figuras ou situações explicitamente sexuais ou sexualizáveis. Há no seu trabalho outras dimensões que se situam fora dos limites da figuração e que remetem para zonas mais secretas de solidão, memória, silêncio e escuridão. A sofisticação de Sarmento, misto de rigor e versatilidade, conduziu, ao longo da década de 90 a uma opção pela depuração, austeridade, sobriedade. Uma recusa de efeitos espectaculares. Em termos de cores encontramos quase exclusivamente o preto sobre branco, explorados através de um elaborado trabalho de sobreposições e transparências de que resulta uma grande riqueza de efeitos texturais. Também o regime de figuração abdica da truculência e agressividade. As figuras, apenas esboçadas, incompletas, rasuradas, são simples mas ambíguas, sóbrias mas incisivas. Inspiram ao mesmo tempo familiaridade
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Colecção Berardo e estranheza. Familiaridade porque remetem para a memória pessoal, as obsessões íntimas. Estranheza, porque surgem destacadas do contexto vulgar, elípticas, reduzidas ao essencial. Restos ou traços de uma experiência ou de uma visão. Formas do que chamamos a exploração do território do desejo. Uma combinação de solidão e paixão. Obsessão imperiosa e gesto suspenso. Se é verdade que tanto a religião como o erotismo apontam para o absoluto, escondendo-o, ao contemplarmos o vago aparecimento de uma figura sobre uma tela de Julião Sarmento percebemos que a insinuação do absoluto é sempre mais imensa do que o próprio absoluto.
Lourdes Castro Sombra Projectada de Micheline Presle O fascínio pelas sombras chinesas e pelos bizarros dispositivos de projecção da era pré-cinematógrafo foi recuperado nos anos 60. Esse renovado interesse radica no advento da era da electrónica e na reapropriação do háptico pelo óptico através de um imenso conjunto de novas tecnologias. Após décadas de primazia de uma cultura visual vinculada à imagem cinematográfica e fotográfica o “whim of the perverse” desses deslumbrantes dispositivos, mais próximos do mágico que do técnico, volta a povoar o imaginário contemporâneo. É evidente que a “Sombra projectada de Micheline Presle” é uma pintura. Mas é uma pintura da era do vídeo e do holograma. E o vídeo e o holograma formaram o novo referencial plástico da pintura. Da Op à Pop, passando pelo Nouveau Réalisme do qual Lourdes Castro é representante, surge todo um estilo de
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Lourdes Castro
Sombra Projectada de Micheline Presle 1991
contraste luz-sombra é determinante. Nada poderia ser mais diferente da percepção naturalizada que o paradigma fotográfico e cinematográfico propunha do que este universo imagético totalmente artificial e artificioso. Lourdes Castro, residente em Paris desde 1958, teve o privilégio de viver num dos focos deste fervilhar de novidades e tem imediatamente a perspicácia de as adoptar. Faz pesquisas várias sobre a sombra e o contorno e utiliza materiais como o plexiglas. A serigrafia será para ela um meio privilegiado de expressão porquanto permite gerir a linguagem da sobreposição de forma exímia. A sua linguagem formal culmina em teatros de sombras evocativos das sombras chinesas de que começámos por falar.
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imagens fantasmáticas e dispostas em “camadas” nas quais o
Aqui, como em muitas outras ocasiões, a história descreve uma elipse e o psicadelismo redescobre o novecento.
António Palolo Sem Título António Palolo atravessou todos os estilos da sua época ao longo do seu percurso artístico. Tendo iniciado a sua carreira referenciando-se na Pop e no psicadelismo, empreende mais tarde uma viragem pela abstração geométrica. A sua obra atravessa um prisma emocional tão diverso quanto aquele que se pode estender entre uma persistente re-invenção autoral e um desprendimento lirico. António Palolo Sem Título 1985
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Colecção Berardo Pedro Proença Sem Título Dono de um sarcasmo selvagem, Pedro Proença foi um dos mais corrossivos artistas de uma geração de artistas corrosivos. Co-fundador do movimento Homeostético, em meados dos anos 80, Proença afirmou-se pelo seu traço particular e pela sua extraordinária verve. Tudo na sua obra transpira derisão e ironia. As suas projecções demoniacas e demenciais investem a superfície da tela como se de uma praga se tratasse. Sempre acompanhadas de inscrições emblemáticas. A obra de Proença faz essa ponte improvável entre o super-ego e o id.
Pedro Proença Sem Título 1985
Ângelo de Sousa Sem Título Nome já histórico no panorama da arte e da pintura portugesa contemporâneas, Ângelo de Sousa é um explorador do cromatismo e das suas subtis matizes. Constrói os seus quadros em camadas ou velaturas, com base em cores primárias. Embora referenciado no minimalismo há algo do romantismo suprematista na sua exploração cromática. Como dizia Paul Cézanne “A cor é o lugar onde a mente e o universo se encontram”. Porque a cor pertence a esse patamar do prelinguístico, enquanto o desenho ou a forma são produto de um treino académico e de uma tradição disciplinar, foi pela cor e não pelo traço que a arte moderna se afirmou, e que a arte moderna afirmou o seu universalismo utópico. Esse universalismo e esse utopismo resistem na obra de Ângelo de Sousa e na sua busca desse ideal de unidade entre a mente e o universo.
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Ângelo de Sousa Sem Título 1985
Sem Título #116
Fernando Calhau Sem Título #116 1998
“The one direction in fine or abstract art today is in the painting of the same one form over and over again. The one intensity and the one perfection come only from long and lonely routine preparation and attention and repetition.”20 Fernando Calhau foi, em Portugal, o mais sério investigador das premissas do minimalismo e aquele que mais consequentemente abraçou o seu projecto de despojamento sistemático e aturada atenção ao vazio. O vazio, ou antes o seu enquadramento é o tema e a preocupação recorrente da obra de Fernando Calhau. Desde as polaroides tiradas na praia, onde desenha a caneta um quadrado imaginário que segue o seu proprio gesto, retratado como se fosse possivel desenhar em pleno ar uma moldura para o horizonte, até aos seus monocromos obsessivamente repetidos. O seu percurso é disciplinarmente dispar, abordando práticas tão diversas como o vídeo, o desenho ou o filme super 8, embora constantemente regresse à pintura, pedra angular da sua obra. Em todas essas técnicas procurou o “suporte”, ou seja a forma implicita que possibilita e provoca a forma explícita. Toda uma disposição monacal preside ao seu trabalho, que não é parco de humor, bem pelo contrário, mas que é prenhe de concentração, disciplina e detalhe. Não resistimos a citar novamente as palavras de Ad Reihardt que tão perfeitamente se reflectem na obra de Fernando Calhau.
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Fernando Calhau
“The one thing to say about art is its breathlessness, lifelessness, deathlessness, contentlessness, formlessness, spacelessness, and timelessness. This is always the end of art”21
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Colecção Berardo Pires Vieira Sem Título Pires Vieira iniciou o seu percurso nos anos 70 sob a influência dos ventos minimais que se faziam sentir no lair du temps, empreendendo composições abstractas e construções geométricas. O seu interesse pela relação forma-fundo aproximao do movimento support-surface, se bem que nos anos 80 a sua obra sofra uma viragem em direcção ao monocromatismo a que se seguiria uma crescente diversificação do seu campo de pesquisa e experimentação formal.
Ross Bleckner Growing Grass O movimento Neo-Geo, do qual Bleckner, Peter Halley e Ashley Bickerton são os mais famosos representantes, é a revisitação psicadélica do abstraccionismo geométrico. Como já varias vezes apontámos ao longo do presente texto a forma como uma determinada coisa é percebida radica porventura na perspectiva do observador bem mais do que na coisaem-si. Por outras palavras, o Neo-Geo pode ser formalmente próximo do expressionismo abstracto mas é conceptualmente filiado no apropriacionismo, uma vez que o Neo-Geo exibe um distanciamento irónico em relação à própria tradição de pintura abstracta de que se apropria. Essa tradição é, assim, assumida pelos representantes do Neo-Geo como um imenso repositório de formas a saquear, sendo que essas formas reaparecem aqui desprovidas do contexto legitimador que as sustentava discursivamente. Portanto essas formas reaparecem aqui como
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Pires Vieira Sem Título 1985
ser avaliadas. Utilizando, uma vez mais, o conceito de Slavo Zizek, looking awry, o qual tentaremos traduzir por “olhando de soslaio”, looking awry para o expressionismo abstracto vemos o Neo-Geo. Ou seja, olhando de soslaio para o expressionismo abstracto a majestade metafísica que deriva da sua pretensão de equivalência entre significante e significado aparece como puro decorativismo. E é essa apreensão irónica a herança do Neo-Geo. Tal não podia ser melhor expresso do que no próprio título que Bleckner elege: “Growing Grass”. Ross Bleckner Growing Grass 1982-1986
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formas e como formas somente, e é como formas que deverão
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Colecção Berardo METAMORFOSES DA ESCULTURA Os Anos 80 não foram apenas a década do “regresso à pintura”. Na realidade, e sobretudo ao longo da segunda metade da década, a pintura começou a saír da ribalta sendo o seu lugar ocupado pela escultura, a que aliás se seguiria, já no final da década, um novo protagonismo da fotografia. As diferentes vagas de “novas esculturas” que foram animando a década retomaram e actualizaram algumas das preocupações tradicionais da escultura, ao mesmo tempo que alargaram a seu campo de possibilidades, através da generalização de uma atitude cada vez mais desenvolta e engenhosa no que diz respeito à utilização de objectos (artísticos e não-artísticos) pré-existentes, à exploração de novos materiais e tecnologias e à diversificação dos processos de construção, instalação e assemblage. O conjunto de obras reunidas nesta exposição, muitas delas na grande sala das esculturas, com visão aberta sobre o mar e a montanha, inclui alguns dos melhores exemplos deste período. No que diz respeito à então chamada “nova escultura inglesa”, uma das referências mais consagradas desta época, destacam-se as obras de Tony Cragg, Richard Deacon e Anthony Gormley. Nomes marcantes da escultura contemporânea são também os espanhois Juan Muñoz e Susana Solano. Também em Portugal a década de 80 assistiu à afirmação de um notável conjunto de escultores, entre os quais José Pedro Croft, Rui Sanches e Rui Chafes. Suponho que conhecem a frase segundo a qual “a escultura é aquilo em que se tropeça quando se recua para apreciar um quadro”, e todos estamos conscientes da menorização, face à
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ocidental. Mas talvez mereça a pena abordar o porquê dessa menorização uma vez que tal pode ser bastante elucidativo para a compreensão da genealogia da escultura contemporânea. No seio do próprio cristianismo existiram desde sempre duas pulsões em conflito, um impulso erótico, bastante explícito nos excessos formais do catolicismo, e uma menos pagã motivação pela Agape, o amor divino que não necessita de objecto para se manifestar. Podemos entender a ideia de Agape como, precisamente, o amor des-erotizado, o amor a-sensual, que não procura possuir ou consumir o seu objecto pois é um amor absoluto, sem objecto. A confusão que se manteve ao longo dos séculos entre estes dois impulsos ou motivações criou vários mal-entendidos que se foram entranhando no senso-comum,
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pintura, que a escultura sempre sofreu ao longo da história
como seja a noção corrente de “amor platónico” no sentido em que se refere a uma relação não-sexual, ou soi disant, espiritual. Essa mesma confusão de impulsos ou motivações criou uma relação ambivalente com a arte em geral, e com a escultura em particular, que provocou a sua queda em desgraça e o seu consequente relegar para segundo plano desde a clássica época aurea até ao presente. A motivação platónica é uma motivação erótica e a génese do impulso erótico é o desejo, a vontade de possuir. Certo, esse desejo é um desejo teológico, um desejo pelo Ser e não por objectos particulares mas não deixa de ser desejo. E os objectos particulares não deixam de participar no processo, pois “quando o poeta se senta no tripé das musas”22 ele participa mais plenamente do Ser. Donde a natureza sensual da escultura clássica ser consequente em relação a um processo de ascese ao excitar a dimensão erótica do observador.
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Colecção Berardo A civilização é a disciplina do desejo como já dizia Freud, e muito, se não tudo, das civilizações se inscreve nas instâncias de sublimação que impõem. A doutrina erótica de Platão presupõe uma disciplinarização do desejo em que os objectos são hierarquizados segundo uma escala de valor, mas que se sustenta numa dialéctica entre o desejo e o seu objecto. Já a puritana noção de Agape é ostensivamente hostil a todo o sensualismo e hostil ao desejo seja sob que forma for. A sua forma suprema vai surgir, bastante mais tarde, resplandecente de calvinismo, na fórmula Kantina que avaliza o juízo do gosto: “um juizo estético é universal por ser indiferente ao seu objecto.” Por outras palavras, como não existe nenhuma motivação pessoal, vulgo desejo de posse, em relação a, digamos, um belo pôr do sol, eu posso afirmar não só que o pôr do sol é belo como sustentar a universalidade dessa afirmação no pressuposto que qualquer outro ser humano julgará o pôr do sol belo tout court, sem implicar nenhuma inclinação egotista nesse juízo. Maravilhosa fórmula esta, que inaugura a modernidade em todo o esplendor da sua estética asséptica. Não será de estranhar que a já malograda prática da escultura, sempre sob suspeita de paganismo e de instigação a pecados carnais, sofra o seu coup de grâce na modernidade. De facto, a história da arte contemporânea é a história da pintura contemporânea e da odisseia das suas aspirações teológicas. A escultura é uma nota de rodapé ou um capítulo menor. Certo, todos os grandes artistas foram também escultores, mas de David a Picasso, só porventura Rodin se impôs como apenas escultor. Quando chegamos a uma fórmula como seja “a escultura no campo expandido”23 atingimos o culminar do processo de desmaterialização que preconiza a total des-erotização da
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da percepção que só pode ser postulada num plano anterior à linguagem e à cultura e, make no mistake, toda a sensualidade é cultural. Assim, quando chegamos à nossa grande sala da escultura vemos a sua produção por um lado algo megalómana e vincadamente escatológica e por outro ambiciosamente liríca e aspirando a um equilibrio etéreo. Podemos tomar o pulso ao conflito que reina no seio da própria escultura, entre a gravidade dos seus materiais e a graça a que os mesmos almejam. Parafraseando Bergson, o conflito da matéria que aspira a ser memória.
Tony Cragg
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
experiência. O pressuposto fenomenológico procura uma pureza
Three Modern Buildings Um dos mais importantes escultores britânicos, Tony Cragg pertence à geração que iniciou a chamada renascença da escultura. Essa renascença implica uma escultura object based, ou seja objectos encontrados como ponto de partida para a edificação de conjuntos escultóricos. Nos anos 60 e 70 todo um novo tipo de materiais fez a sua entrada no mundo da arte graças à influência conjunta da arte povera e do conceptualismo. Um novo mundo de possibilidades começa a surgir e vai transmutar a prática da escultura. O público demonstra interesse nas peças de Carl Andre, feitas de tijolos, nas agulhas de Mario Merz e nas pedras alinhadas por Richard Long. Tony Cragg
Three Modern Buildings 1984
Partindo destas possibilidades Tony Cragg inicia um percurso baseado na apropriação de objectos e materiais que serão
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Colecção Berardo instalados no espaço da galeria. Mas aquilo em que Cragg revela verdadeiramente o seu génio criativo é na engenhosidade que introduz no campo do artístico. Engenhosidade é uma coisa que não é muito vista nos tempos presentes, conotada como está com um ideal cíentifico e positivista que o espírito irracionalista do pós-guerra tende a renegar. No entanto, à geração que cresceu nos anos 50 foram fornecidos Legos, Playmobiles e Fischer Prices, esses espantosos brinquedos que excitam a inventividade. Será essa geração que, ao crescer, vai continuar a abordar o mundo com a curiosidade algo selvagem com que uma criança empreende a laboriosa tarefa de desmanchar os seus brinquedos. Tal como Bruce Nauman e Chris Burden, Tony Cragg vai inaugurar esse novo campo do artístico que promete uma energia e um voluntarismo nos antípodas dos torturados artistas expressionistas. Chris Burden irá construir a sua própria televisão, ou um carro, Tony Cragg criará espantosos laboratórios e estruturas, investigando os mais variados materiais e explorando todas as possibilidades metafóricas da sua nova linguagem. Three Modern Buildings transmite-nos essa curiosidade inaugural segundo a qual o mundo é desconstruido nos seus mais básicos componentes para em seguida ser reerguido revelando a estrutura que permanecia oculta. No caso da presente peça, a estrutura modular da grelha arquitetónica que subjaz às grandes metrópoles modernas.
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Breed Richard Deacon trabalha entre a escala doméstica e a escala monumental. As suas obras são demasiado grandes para ocuparem um interior e, ao mesmo tempo, demasiado pequenas para serem escultura de exterior. Instaladas em salas, mesmo quando amplas, parecem-nos obras sobredimensionadas, cuja desproporção em relação ao espaço circundante é esmagadora. Outra característica das suas obras é serem sofisticadas e exímias execuções de engenharia em que o aço se contorce e equilibra como se a sua torsão fosse organicamente determinada e não o produto de um subtil trabalho de juntas e rebiques. As estruturas são anatomicamente perfeitas, e
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Richard Deacon
anatomicamente é a palavra correcta pois em todo o fascínio das suas junções e formas a escultura de Deacon mimetiza e mimoseia a anatomia humana e animal na sua impecável estruturação. Nas suas obras o metal ou a madeira são dobrados, contorcidos e cingidos de modo a assumirem delicadas e improváveis disposições, reminiscentes de laços ou novelos, cuja Richard Deacon Breed 1989
superfície é polida e laminada emprestando-lhes uma elegância barroca. Tudo em Deacon é barroco. O excesso, o gigantismo, a contorsão, o organicismo, numa palavra, enfim, a total volúpia da forma. A arte moderna sempre se debateu com o dilema entre esclarecer e deslumbrar, entre uma função didáctica e uma função encantatória. A função encantatória foi constantemente olhada com desconfiança, suspeita de produzir alienação. E a função didactica requer uma economia de recursos, pois todo o
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo excesso formal inunda os sentidos e tolda a interpretação. Mas sempre que o projecto de emancipação parece ter sido levado a bom porto eis que surge de novo essa pulsão pelo excesso que erode toda a economia estabelecida. Richard Deacon, vencedor do prestigiado Turner Prize em 1987 é um desses momentos, em que a volúpia pelo excesso irrompe na escultura e impõe o puro deslumbre duma alegoria sensualista.
José Pedro Croft Sem Título A ruína é aquilo que está entre a natureza e a história. Esse entre é um estranho lugar. José Pedro Croft tem sido o escultor do entre. As suas primeiras obras evocavam a ruína, o mausoleu ou a pedra tumular, mas progressivamente foram-se despindo de contéudo metafórico para se afirmarem como exercícios abstractos. Esses exercícios propõem sempre um entre: entre uma situação e outra ou entre uma posição e outra. Entre o equilibrio e o desequilibrio. As suas peças são geralmente situações limite, ou situações no limite, em que objectos ou construções atingem uma estabilidade impossivel ou improvável. As relações espaciais sempre estiveram no centro do trabalho de Croft. Uma das linhas condutoras da investigação do escultor é a questão da delimitação do que em cada forma é exterior e interior. Questão desenvolvida, quer na estrutura interna de cada peça, quer no jogo da sua articulação com o espaço que a acolhe. Porque, e esta é uma outra característica determinante do trabalho do autor, um dos efeitos últimos visados é sempre um
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José Pedro Croft Sem Título 1987
e entre cada peça, o espaço que a acolhe e o movimento do corpo e do olhar do espectador. Em trabalhos mais recentes, a utilização de espelhos vem trazer uma acrescida complexidade ao tratamento das questões do espaço e da interacção com o observador. Croft aprofunda este processo através da incorporação de objectos de mobiliário pré-existentes como sejam bancos, mesas e cadeiras. O autor promove assim um curto-circuito entre a citação monumental e os objectos de uso quotidiano. Mas, na escultura de Croft, as referências surgem sempre fora do seu contexto funcional e utilitário. O artista submete as formas que evoca a um trabalho de depuração que as aproxima de um sentido primordial, arquetípico, e que as aproxima
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
efeito de dinamização das relações espaciais dentro de cada peça
igualmente da simplicidade de formas geométricas elementares. Os objectos de Croft pertencem a um mundo paralelo.
Rui Sanches Sem Título Rui Sanches é um desconstrutor. Um escultor que desmembra e descarna os seus objectos para os reconstruir em seguida. Nesse processo a insustentabilidade do próprio conceito de construção é revelada ao tornar patente que aquilo que nos aparece unido é antes uma montagem ou junção de peças, pedaços ou camadas. O trabalho de Rui Sanches instaura uma dialectica fundamental entre o geométrico e o orgânico. De um lado uma análise estrutural das formas, tendencialmente geométrica. Do Rui Sanches Sem Título 2000
outro lado, a evocação de formas orgânicas, tendencialmente reportáveis aos corpos, aos seus fluxos e canais, convulsões
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo e circunvoluções. Na medida em que este aspecto ocupe a ribalta, o trabalho de Sanches faz apelo a uma coreografia da violência em que o corpo se manifesta como excesso obsceno relativamente à geometria e à representação. O assunto principal do trabalho de Sanches seria então o exercitamento de processos materiais de construção cujos resultados revelam que os espaços, os corpos, as leituras que eles fazem uns dos outros e as leituras que cada um de nós faz de espaços e corpos, próprios e alheios, não são uma expressão natural de uma qualquer entidade estável mas sim, sempre, o resultado desses mesmos processos materiais de construção. Qualquer deslocação da relação entre um corpo e um espaço permite relançar de novo sobre novas bases toda a dinâmica da leitura. Trata-se de apostar na infinitude das possibilidades de leitura dos espaços pelos corpos.
Juan Muñoz After Degas II A crise do sujeito tornou-se um dos lugares comuns mais consensuais dos comentários sociológicos às sociedades contemporâneas. Através dessa expressão designa-se um sentimento da condição humana contemporânea que corresponde ao esgotamento quer da concepção natural e tradicional de indivíduo, quer da concepção moderna e progressiva de indivíduo. De acordo com uma concepção tradicional a situação do homem era um dado natural. A concepção moderna rompe com esta ilusão de harmonia primordial fornecendo uma alternativa que remete para uma maximização da informação
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Juan Muñoz
After Degas II 1997
permanente e acelerado aperfeiçoamento em termos funcionais e performativos: o progresso. Hoje o progresso no sentido moderno parece ter atingido os seus limites. Por outro lado também já não é possível o refúgio regressivo nas utópicas harmonias naturais. O que nos importa aqui é ponderar o modo como esta crise do sujeito se pode traduzir em problemas formais concretos, na prática da escultura e estabelecer um paralelo com tópicos de abordagem do trabalho de Juan Muñoz. A crise do sujeito corresponde a uma indeterminação e deriva das instâncias de localização e contextualização desse sujeito. Instâncias que antes eram percebidas como estabilizadas e articuladas num todo legível e pacificado.
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
e da capacidade de dominar os contextos. Na via de um
Temos então duas ordens de problemas. Problemas de determinação das localizações espaciais. Problemas de operacionalização das funções corporais. Convergindo ambos no problema da determinação de um estatuto contemporâneo da figura humana. Trata-se de problematizar uma forma de representação da figura humana e uma forma de localização e enquadramento do observador em que a pessoa humana descola do seu lugar de sujeito e é exposta aos efeitos da manipulação das determinações espaciais. Discutir as formas possíveis da figuração de um corpo em crise. Sabendo que a possibilidade desse corpo depende da viabilização de um espaço em relação ao qual ele se possa situar: um chão, os ritmos do padrão de um chão, uma parede, um corrimão contra uma parede, um rasto de sombras, o sonho de um quarto, a possibilidade de uma casa. Escultura, arquitectura, cartografia.
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo Um trabalho concreto. A formulação ideológica de pontos de vista é substituída pela investigação dos lugares a partir dos quais se vê: torres, minaretes, varandas. A proposta de uma trajectória definida é substituída pela construção de territórios, mapas, solos. Que são propostas e incitações à deriva, à organização e perda de rumos. Trata-se de elaborar uma cartografia da sobrevivência, sabendo que, no limite, a sobrevivência é impossível. O último ponto de vista é sempre o da morte.
Rui Chafes Perder a Alma As primeiras exposições de Rui Chafes, nos finais dos anos 80, tomaram a forma de instalações. Esculturas/construções em que se adivinhava uma primitiva origem orgânica e que ocupavam completamente as salas de exposição, apostadas em subverter as escalas, avançar para além do espaço que as acolhia, e destruír assim a estabilidade de uma atmosfera ou casulo protector. A seguir, Chafes começa a realizar esculturas que nos sugerem cápsulas de já mortos recém-nascidos ou próteses de destroçadas máquinas humanas. Nos trabalhos realizados nos anos 90 ressalta a disciplina e austeridade formais. Desde logo na adopção do ferro pintado de preto ou cinzento, como material único, e da simetria, como princípio básico de construção e apresentação das peças. Os corpos - humanos, vegetais, animais - e os instrumentos - de guerra, tortura, agressão - , na sua fisicidade orgânica, são postos cada vez mais à distância. O que se acentua são as linhas de força que os definem, os eixos de tensão que os dinamizam, o
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Rui Chafes
Perder a Alma 1998
Linhas de força, eixos de tensão, fios de violência, tornam-se a verdadeira matéria do desenho das esculturas de Rui Chafes. Em trabalhos mais recentes, a escultura de Chafes libertase do chão e das paredes e, sem perder o seu peso e densidade essenciais, eleva-se para se apropriar do conjunto do espaço e do próprio ar que a envolve.
Anthony Gormley Bearing Anthony Gormley utiliza-se a si próprio como molde para as suas densas figuras de chumbo, as quais não são, no entanto, de nenhuma forma auto-referenciais. Imbuido de um misticismo
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
secreto desenho dos filamentos de pura violência que os animam.
difuso Gormley cria seres primordiais, figuras humanoides desprovidas de traços de carácter, expressões ou distinções particulares que se situam nesse plano indeterminado que é a intersecção de culturas. Contemporâneo das filosofias New Age e do interesse pelas teorias orientalistas como o Budismo, Gormley reflete no seu trabalho a dissolução do paradigma ocidental baseado na expressão e aflora um desprendimento ascético. Tal como em Bearing no geral do seu trabalho são as questões essenciais que aparecem referenciadas. A maternidade, por exemplo, que Anthony Gormley
Bearing 1993
aparece aqui numa evocação uranica expressa na figura de cócoras que gera um ser bem maior do que ela própria. Ao mesmo tempo esotéricos e ecléticos, os seres de Gormley evocam posições e situações referenciadas no mito, gerindo um limiar universalista no limite da legibilidade. Ou seja, as suas opacas figuras parecem sugerir que o individualismo é uma
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo ilusão, e que, por entre as silhuetas que o neolítico desenhava nas grutas, as figurações totémicas, e os manequins em fibra de vidro do Bloomingdales perspassa uma mesma pulsão primordial pelo indiferenciado.
Susana Solano Lilá As esculturas de Susana Solano são em geral densas e orgânicas. Tal inscreve-se numa tradição ibérica que privilegia o corpo e o escatológico como temática. Solano, no entanto, distancia-se dos seus conterrâneos pela sua abordagem sexuada desse universo. Entre a flor e a vulva Lilá é um intrigante objecto cuja conotação sexual não pode passar despercebida. Toda a questão do feminino perspassa por esta obra. Ela reclama uma identidade e uma diferença porventura impossíveis antes da década de 90, no sentido em que só no pós-feminismo se pode reclamar uma identidade pela diferença. Existe ainda na obra de Susana Solano um referencial gótico, também comum na sua geração de artistas espanhóis, que se percebe pela escuridão das formas, quais anémonas noturnas, que transportam conotações bem mais perturbadoras, se nelas quisermos entrever o círculo cinzento dos abutres ou demais necrofágos que se despenham sobre as suas presas ou a pelagem de ratazanas reunidas em grupo. Lilá situa-se entre a flor e a praga. Neste cruzamento entre o erotismo e a morbidez a obra de Solano exprime o seu potencial unheimlich, essa curiosa palavra pela qual Freud descreve a sobreposição do fascínio com a
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Susana Solano Lilá 1998
atração háptica e repugnância cultural.
Shirazeh Houshiary Birth of Light from Shadow Shirazeh Houshiary nasceu em Shiraz, no Irão, em 1955. Os seus trabalhos estão enraizados no misticismo da cultura islâmica, particularmente na poesia de Jalalu’ddin Rumi, um místico Sufi do século XIII. O Sufismo centra-se na busca do conhecimento de si, Sufi querendo precisamente dizer “o caminho” ou “a direcção”. Este é também o centro do trabalho de Houshiary que trata a arte como uma odisseia de autodescoberta, baseada na imaginação, que ela descreve como ‘the
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
repulsa e através da qual contemplamos Lilà com um misto de
creative force of the universe’. ‘An artist,’ segundo Houshiary ‘is someone who is capable of unveiling the invisible, not a producer of art objects.’ The Birth of Light from Shadow é um conjunto de círculos concêntricos em cobre que evocam esse despertar primeiro das forças do universo, bem como a antiga crença na indiscernibilidade dos opostos. É de um universo animista que a Shirazeh Houshiary
Birth of Light from Shadow 1992
escultura de Houshiary nos fala, um universo no qual a distinção entre o orgânico e o inorgânico ainda não foi estabelecida e cujos elementos essenciais partilham da sua anima mundi. Os seus objectos utilizam os mais variados materias, sobretudo metais, como cobre, zinco ou aço, mas também palha ou lama, numa tentativa de tocar as cordas do universal e de atingir uma unidade fundadora através do enfâse na complementaridade. Donde a “omnipresença do pensamento” nas produções biomórficas da artista, que exprimem uma projecção narcísica do
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo eu no mundo e postulam que terra, fogo, ar ou água são forças vivas e participantes. E que a tensão que existe entre o vísivel e o invisível, entre a escuridão e a luz, é a tensão essencial, a força motora do cosmos, sendo o papel do artista ser o seu profeta.
Alberto Carneiro Mântrica Caminhos da Floresta Artista que trabalha a Land Art, Alberto Carneiro partilha duma inclinação mística que estabelece uma relação de pertença entre o corpo e o meio ambiente. Buscando a continuidade entre o eu e a natureza, procura “se reencontrar nas raizes de si mesmo”, por meio da construção de marcas ou percursos que inscrevem a presença do artista no seio da floresta e ao mesmo tempo instalam a floresta no seio do artista. A riqueza e especificidade do trabalho de Alberto Carneiro resulta da sua capacidade de convocar e articular de um modo consistente diferentes registos de aproximação artística à natureza e à paisagem que, a maior parte das vezes, nos aparecem separados. Enumeremos alguns dos filões que podem ser evocados. -A tradição da escultura em madeira, privilegiando a capacidade escultórica de modelação manual e enaltecendo os valores telúricos da ligação aos materiais e formas orgânicas da natureza. -O experimentalismo vanguardista da “land art”, dando a primazia à experiência directa da relação física entre o artista e a natureza através de viagens ou caminhadas de que as obras de arte surgem, sobretudo, como um testemunho.
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Alberto Carneiro Mântrica. 1987-88
Alberto Carneiro
Caminhos da Floresta 1985
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
-A arte conceptual e a sua preocupação de inscrever em cada obra de arte uma auto-reflexão sobre o processo de conceptualização e o processo de significação que lhe permitem apresentar-se como obra de arte. -Uma tradição de especulação metafísica relativamente à natureza, tal como ela se manifesta designadamente nalgumas correntes de pensamento orientais. Julgamos, no entanto, que se quisermos compreender a unidade profunda do trabalho de Alberto Carneiro deveremos procurá-la não tanto através de uma sempre possível combinatória aplicada de categorias críticas classificatórias mas através da identificação de uma forma peculiar de relacionamento e busca de coincidência entre a memória de uma experiência sensível de imersão total num espaço natural e uma actividade concreta de produção e análise de formas (físicas ou discursivas, objectos, imagens ou textos) em função de determinados espaços e materiais dados. Ao mecanismo fundamental através do qual se opera esta identificação podemos chamar reminiscência produtiva.
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo Keith Harring Sem Título (Head through Belly) Witold Gombrovicz dizia que a pornografia exprime a vontade do homem de ser “jovem” em oposição à arte, por exemplo, que exprime a vontade do homem de ser deus. Assim, a pornografia é o anseio pelo imperfeito, pelo inconstante ou pelo inconsequente. Keith Harring é, assim, o artista enquanto pornográfo, não tanto pelo conteúdo –cuja componente sexual é neutralizada pela abstracção do grafismo como pela forma da sua obra, mais próxima do graffiti e do design gráfico do que da pintura. Como que provocando um curto-circuito esquizofrénico na estratégia da comunicação, Keith Harring recria a estilização
Keith Harring
Sem Título (Head through Belly) 1987-89
figurativa da corporate image para dar corpo a delírios e desejos assaz pessoais, sendo a normatividade da linguagem gráfica subvertida numa profusão psicadélica de signos e sinais cuja interpretação não pertence a nenhum código que não seja o vasto repositório da cultura pop.
Wim Delvoye Betonmolen Obra barroca e excessiva, a escultura de Wim Delvoye é uma escultura no limite, no limiar do trágico, a escassos milímetros da ininteligível linha de fronteira após a qual se resvala no patético e no caricatural. A escolha da designação “trágico” está longe de ser casual. Por trágico, aqui, entendemos uma escultura que anseia por cumprir o seu destino poético numa época em que esse mesmo destino poético se revestiu de sarcasmo. O resultado
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Wim Delvoye Betonmolen 1992
Jenny Holzer I am a Man
Jenny Holzer I am a Man 1987
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
é toda uma faustosa e disfuncional megalomania. A chave de interpretação para a obra de Delvoye será, sem, dúvida, um distanciamento irónico em relação ao passado histórico que apropria mas a ironia reveste-se aqui de uma dupla face. De uma tensão entre um sentimentalismo nostálgico e um mal-disfarçado desprezo. Ou seja entre o sarcasmo e a admiração a obra de Delvoye mantém uma estranha relação passional com toda a tradição da escultura ocidental. Reflexivamente, entre o sarcasmo e a admiração, toda a tradição da escultura ocidental mantém uma estranha relação passional com a obra de Wim Delvoye.
“Protect me from what I want” tornou-se o slogan de toda uma geração, e retroactivamente o slogan que uma geração aplicou a todas as outras que a precederam. É o slogan que aparece como o reverso do “triunfo da vontade” esse outro slogan que marcou a primeira metade do século XX. É também o slogan que aparece como o insidioso subtítulo do “triunfo da vontade” quando a vontade se transforma em vontade de consumo. Em Jenny Holzer que “o meio é a mensagem” torna-se auto-evidente. Nem será necessário retornar mais uma vez a Benjamin e avançar a sua análise que a arte é doravante, desde os primórdios da industrialização e respectivas tecnologias de reprodução, uma experiência de choque. O slogan é, afinal, a literatura transformada em choque. A literatura da era da electrónica, portanto. E a era da electrónica, com toda a sua concepção do sujeito como um terminal de informação conectado com outros
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo
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terminais de informação numa rede global, postula que toda a mensagem apareça como um imperativo ou como uma ameaça. Assim são as mensagens de Jenny Holzer e tal é a ambiguidade patente na palavra “ENTER” que pisca num painel de leds da presente peça, “I am a Man”.
Stephan Balkenhol Man with Green Shirt A escultura de Stephan Balkenhol é de uma naïve rudimentariedade, que poderia ser confundida com toda uma tradição popular não fosse pelo inquietante gigantismo que lhe é conferido pelo exagero da escala. Esse inquietante gigantismo remete para o universo do carnavalesco e tudo o que nele nos aparece como corrosivo e desestabilizador. E esse será porventura o punctum na obra de Balkenhol, aquilo que transporta as suas esculturas de uma mansidão quotidiana para um limiar de ruptura, pois a sua aparente vulgaridade é precisamente aquilo que nelas é invulgar. Num mundo revestido de plexiglas as toscas e amadoras figuras de Balkenhol ressoam toda uma tradição sacrílega de recusa pela norma e pela conformidade. E o seu aspecto de bricolage (re)aparece como uma estratégia de resistência.
Stephan Balkenhol
Man with Green Shirt 1988
Pylos
John McCracken
Pylos 1965
Em John McCraken o minimalismo dilui-se no pósmodernismo em geral. A gestalt que a produção minimal tinha abordado segundo uma perspectiva fenomenológica, revelando as complexidades culturais inerentes à percepção que não será afinal “pura”, torna-se aqui metafórica. Numa primeira análise nada poderia estar mais distante do que a produção minimal e a interpretação metafórica. No entanto já era patente nos trabalhos de Morris, Judd, ou LeWitt que a sua condição era contingente e não ideal. Que as suas formas e instalações radicam num determinado tempo e espaço e remetem para um determinado observador. Esse posicionamento aqui e agora revela uma condição alegórica porquanto a alegoria é a consciência da transciência ela própria. E é através dessa consciência que nos permitimos considerar que, afinal, toda a arte é minimal depois do minimalismo.
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
John McCracken
Jorge Molder NOX Roma costumava recriar efigíes dos seus imperadores mortos para realizar as suas cerimónias fúnebres. Assim, era o duplo, o doppelganger, e não o verdadeiro corpo do falecido o alvo de todas as homenagens. Através dessa subtil operação de
Jorge Molder
(Fotografia da Série NOX) 1999
reduplicação do finado pretendia-se afirmar que embora o rei tenha morrido o rei nunca morrerá. É essa tradição que, tendose perpetuado pela França e Inglaterra medievais, voltamos a
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo encontrar na mórbida prática de fotografar os cadáveres, posando como que ainda em vida, que se propagou na Europa de 1800. “Je suis un autre” é o óbvio subtítulo para a série de autoretratos de Jorge Molder, mas Jorge Molder fotografa-se enquanto esse Outro, ou enquanto o outro como essência vítrea. Não importa quais as figurações que o outro assuma, entre o film-noir e o romance vitoriano, o que importa é a assunção do outro como aquele que se libertou do corpo enquanto “the flesh statues in which our spirits are chained”24 para abraçar plenamente a sua condição espectral. Sendo que a sua condição espectral é a condição da fotografia ela própria.
AUDITÓRIO Gilbert & George March Mais do que artistas Gilbert & George são entertainers, sendo o seu trabalho amplamente referenciado na tradição da Practical Joke ou da Stand up Comedy. É dentro desta tradição que a dupla inicia o seu percurso com as clássicas Singing Sculptures, em que Gilbert e George, vestidos de igual se apresentam como esculturas vivas, e cantantes. Adoptam desde então a imagem típica do gentleman inglês, ou melhor dizendo, da pequena burguesia que aspira ao status do gentleman inglês, de fato e chápeu, tal como já o haviam feito Buster Keaton ou Charlie Chaplin, e sempre de igual, num piscar de olho a Dupont e Dupont. Tudo aquilo em que a dupla britânica toca é subvertido com humor, mas dizer que a sua vocação é chocar subestima os seus
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Gilbert & George March 1986
de Gilbert & George é irónica, pois enquanto o cinismo implica uma atitude mundana em que afirmamos para nós próprios uma total descrença e distância afectiva mas mantemos uma adesão social, ironia é, por assim dizer, the labour of love, no sentido em que a ironia mima o seu objecto, pois projecta-se sobre ele por identificação, mas ao fazê-lo aproxima-se por ventura demasiado, gerando um excesso afirmativo que revela o que de rísivel antes permanecia despercebido. Não é novidade que existe uma tensão erótica no imaginário do realismo socialista: basta reparar nos biceps contornados sob os justos uniformes dos heróis do proletariado para a sentir. No entanto, tal pertence ao domínio do implicito e remete para a interpretação que por sua vez remete para o observador. Ora
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
talentos de corrosão. Muito mais do que cínica a abordagem
quando Gilbert & George alinham os seus amigos, caracterizados como operários em March torna-se flagrante que o realismo soviético se tornou uma fantasia erótica; e nenhuma fantasia pretende ridicularizar o seu objecto. Pelas mesmas razões, March é uma fotografia pintada, prática que é considerada heresia por qualquer fotógrafo sério, por todo o universo kitsch que transporta consigo. O kitsch é no entanto aquilo a que Gilbert & George chamam lar, pois o kitsch implica a saudade da inocência e a consciência da sua irrecuperabilidade que, tal como as fotografias pintadas, remetem para uma época que nunca existiu se não em pequenas pombas de loiça e em sonhos de artistas, quando estes artistas têm a pureza de alma de terem sonhos de costureirinha.
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo EXTERIOR Fernando Botero Male Torso Family Scene Fernando Botero criou a imagem do seu estilo à volta das bonacheironas figuras que tanto pinta como molda em bronze. Totalmente consequente ao nível desse estilo não existe nenhuma distinção entre o seu percurso como pintor e o seu percurso como escultor. As referidas figuras remetem para um universo da satíra social, o seu gigantismo sendo imediatamente associado ao campo do caricatural. No entanto, existe um pequeno detalhe que cauciona a pertença de Botero ao mundo artístico e não ao
Fernando Botero Male Torso 1992
mundo da comunicação como seria natural a um autor satírico ou caricaturista. Esse pequeno detalhe é o imenso silêncio a que as figuras de Botero se remetem. Silêncio que acentua e se acentua pela densa gravidade das personagens. Tudo é, assim, imóvel em Botero. Como se de naturezas mortas se tratasse, é-nos dado a contemplar uma total suspensão dos gestos, das expressões ou das posições. Como que sucumbindo ao seu próprio excessivo peso, as personagens mantém a sua pose para um fotógrafo ausente, ausentando-se de si próprias no processo. Botero cresceu e foi criado na Colômbia, em Medellin, mas seria talvez um abuso psicanalítico afirmar que a sua arte exprime a dimensão tragicómica de um país dilacerado pela violência, pobreza e desespero social. No entanto, podemos
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Fernando Botero Family Scene 1969
dos transeuntes que, ao serem abordados pelos reporteres estrangeiros, respondem com brevidade e indiferença. Como se todo o seu sofrimento já tivesse todo sido interiorizado nesse olhar e debaixo da sua pele, ou como se eles proprios já fossem tudo isso e já nem se apercebessem. Voltemos ao peso. A essa imensa densidade que contraria toda a possível “insustentável leveza do ser”. Nada é leve em Botero. Tudo é grave, sólido, e estático.
Alexander Calder Sem Título
Alexander Calder Sem Título 1968
Alexander Calder é o mais excelso representante do cinetismo em escultura. As suas pequenas experiências ganharam a designação de mobiles ao serem baptizadas por Duchamp e permanecem como um caso único nos percursos artísticos do século passado. Os mobiles são pequenas delícias de delicadeza e destreza, feitos de uma assemblage de várias partes e movidos por pequenos motores eléctricos. São também um prodígio de ingenuidade numa época bastante dada à amargura. Curiosamente a presente obra de Calder não é de todo um dos seus mobiles mas sim uma gigantesca e sólida escultura em aço pintado. Qual aranha metálica a enorme massa impõe-se pela sua monumentalidade. Mas, curiosamente, não deixa de participar
PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
reconhecer o olhar vácuo das suas figuras no olhar vácuo
nas aspirações cinéticas da restante obra de Calder, se bem que de forma apenas insinuada. É um stabile, termo inventado por Hans Arp para nomear os Calders que não se mexem, pois
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PINTURA E ESCULTURA NA COLECÇÃO BERARDO
Colecção Berardo
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chamar-lhes esculturas seria ficar aquém da percepção de como o movimento é essencial neles. Algures entre a ficção científica e a reminiscência histórica Calder produz uma forma que alterna entre a aparência de um abrigo protector e a de um predador alienígena. Como se fosse possível cruzar o baldaquino de São Pedro com Cronenberg. Calder consegue, numa espécie de estado de graça, reconciliar o que à partida é irreconcilíavel. A sua obra sempre foi utópica, mas a utopia em Calder nunca se revestiu de imperativos fascizantes, nem de postulados impositivos. Talvez seja estranho olhar para a presente peça e pensar em tolerância mas é tolerância que nos ocorre para descrever o trabalho de um autor cuja escultura se reapropriou da engenharia e que recuperou o movimento e a imaginação para a produção artística. Num século tão marcado por tantos e tão vastos confrontos, a presença desta peça, como marcação privilegiada no espaço exterior desta mostra, é uma forma de anunciar uma perene esperança e nostalgia pelo futuro.
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Calasso, Roberto in The Ruin of Kasch, pag. 239 Kittler, Friedrich in Discourse Networks 1800/1900, nossa tradução. 3 Título de obra de Marcel Duchamp. 4 Antigo poema japonês, citado de memória. 5 Rosalind Krauss, The optical Unconcious, MIT 1998 6 Michael Fried, Art and Objecthood, Artforum -Summer 1967 7 Michael Fried, Absorption and Theatricality, The University of Chicago Press, 1980 8 Michael Fried, Absorption and Theatricality, The University of Chicago Press, 1980 9 Michael Fried, Art and Objecthood, Artforum -Summer 1967 10 Michael Fried, Art and Objecthood, Artforum -Summer 1967 11 Spengler, Osvald in The decline of the West 12 Kandinsky, Wassily in On the Spiritual in Art 13 Kuspit, Donald in Kiefer’s Grey 14 idem 15 Crone, Rainer in Clemente 16 Owens, Craig The Allegorical Impulse in Post-Modernism, p. 205 17 Owens, Craig The Allegorical Impulse in Post-Modernism, p. 205 18 Sontag Susan, Against Interpretation, p.7 19 Hughes, Robert in Nothing if not Critical 20 Reinhardt, Ad, Art as Art, in Art International , December 1962, quote taken from Art in Theory- An Anthology of Changing Ideas, ed. by Charles Harrison and Paul Hood, Blackwell, 1998 21 Reinhardt, Ad, Art as Art, in Art International , December 1962, quote taken from Art in Theory- An Anthology of Changing Ideas, ed. by Charles Harrison and Paul Hood, Blackwell, 1998 22 Tradução livre de passagem das Leis de Platão, esta mesma passagem é habitualmente usada para sustentar o argumento de que Platão assumia sim que a arte pudesse participar do Ser num grau superior ao das coisas comuns, ao invés daquilo que é vulgarmente veiculadao como a posição do platonismo face à arte. 23 Termo usado por Rosalind Krauss para referir obras que se inscrevem espacialmente num plano entre a arquitectura e a paisagem, como não-arquitectura e não-paisagem. 24 Paul, Jean in Hesperus a novela na qual o termo doppelganger é pela primeira vez utilizado. 1
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Obras
Colecção Berardo
FRANCIS BACON (Irlanda – 1909 - 1992) Oedipus and the Sphinx after Ingres, 1983 Óleo sobre tela 198 x 147,5 cm
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STEPHAN BALKENHOL (Alemanha - 1957) Man with Green Shirt, 1988 Madeira de faia e tinta 250,2 x 72 cm
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GEORG BASELITZ (Alemanha - 1938) Blonde ohne Stahlhelm- Otto, 1987 Óleo sobre tela 198,5 x 154 cm
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ROSS BLECKNER (EUA - 1949) Growing Grass, 1982-86 Óleo sobre tela 274,3 x 213,4 cm
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FERNANDO BOTERO (Colômbia, 1932) Family Scene, 1969 Óleo sobre tela 210 x 194,5 cm
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Colecção Berardo
FERNANDO BOTERO (Colômbia, 1932) Male Torso, 1992 Bronze 403 x 338 cm
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Colecção Berardo
ALEXANDER CALDER (EUA, 1898-1976) Sem Título, 1968 “Stabile” – aço pintado 490 x 630 x 330 cm
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Colecção Berardo
FERNANDO CALHAU (Lisboa, 1948-2002) Sem titulo (#116), 1998 Acrílico sobre tela de linho 190 x 190 cm
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Colecção Berardo
ALBERTO CARNEIRO (S. Mamede de Coronado, 1937) Caminhos da Floresta (10 quadros para o ano 2000), 1985 Carvão e grafite sobre tela 135 x 200 cm
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Colecção Berardo
ALBERTO CARNEIRO (S. Mamede de Coronado, 1937) Mântrica, 1987-88 Escultura em madeira de cedro e tola 260x110cm
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Colecção Berardo
LOURDES CASTRO (Portugal, 1930) Sombra Projectada de Micheline Presle, 1965 Pintura a óleo sobre “ciré” preto 89 x 130cm
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Colecção Berardo
RUI CHAFES (Portugal, 1966) Perder a Alma (Losing the Soul), 1998 Instalação constituída por sete esculturas em ferro pintado Dimensões variáveis
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Colecção Berardo
SANDRO CHIA (Itália, 1946) Pittore Sculture, 1983 Óleo sobre tela 234 x 198,5 cm
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Colecção Berardo
FRANCESCO CLEMENTE (Itália, 1952) Retrato de David Salle, 1981 Fresco sobre fibra de vidro 210 x 129,5 cm
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Colecção Berardo
FRANCESCO CLEMENTE (Itália, 1952) I Vocali (AEIOU) A = Eat, 1989 Óleo sobre tela 119 x 140 cm
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Colecção Berardo
FRANCESCO CLEMENTE (Itália, 1952) I Vocali (AEIOU) E = Love, 1989 Óleo sobre tela 119 x 140 cm
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Colecção Berardo
FRANCESCO CLEMENTE (Itália, 1952) I Vocali (AEIOU) I = Die, 1989 Óleo sobre tela 119 x 140 cm
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Colecção Berardo
FRANCESCO CLEMENTE (Itália, 1952) I Vocali (AEIOU) O = Sleep, 1989 Óleo sobre tela 119 x 140 cm
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Colecção Berardo
FRANCESCO CLEMENTE (Itália, 1952) I Vocali (AEIOU) U = Remember, 1989 Óleo sobre tela 119 x 140 cm
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Colecção Berardo
TONY CRAGG (Inglaterra, 1949) Three Modern Buildings, 1984 Tijolos de Barro e Cimento
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Colecção Berardo
JOSÉ PEDRO CROFT (Porto, 1952) Sem Título, 1987 Mármore e bronze 325 x 100 cm
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Colecção Berardo
ENZO CUCCHI (Itália, 1950) Transporto di Roma, Cavalli, Cammelli Statue e Leoni, 1984 Óleo sobre tela 298x391cm
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Colecção Berardo
RICHARD DEACON (Inglaterra, 1949) Breed, 1989 Aço 189 x 275 x 285 cm
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Colecção Berardo
WIM DELVOYE (Bélgica, 1965) Betonmolen (cement mixer), 1992 Madeira esculpida 150 x 120 x 90 cm
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Colecção Berardo
ERIC FISCHL (EUA, 1948) Mother and Daughter, 1984 Óleo sobre tela 214 x 518,5 cm
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Colecção Berardo
GILBERT & GEORGE (Itália – 1943 & Inglaterra - 1942) March, 1986 48 Painéis fotográficos 243,8 x 609,6 cm
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Colecção Berardo
ANTONY GORMLEY (Inglaterra, 1950) Bearing, 1993 Chumbo, fibra de vidro, gesso, ar 245 x 98 x 83 cm
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Colecção Berardo
KEITH HARING (EUA, 1958-1990) Sem Título (Head Through Belly),1987-89 Esmalte sobre aço Ed. 2/3 143 x 142 x 130 cm
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Colecção Berardo
JENNY HOLZER (EUA, 1950) I am a Man, 1987 Painel electrónico de díodos amarelos e vermelhos, Ed 2/4 284,5 x 25,5 x 11,5 cm
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Colecção Berardo
SHIRAZEH HOUSHIARY (Irão, 1955) Birth of Light from Shadow, 1992 Cobre Diâmetro 90cm altura 266cm
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Colecção Berardo
JORG IMMENDORF (Alemanha, 1945) Anbetung des Inhalts, 1985 Óleo sobre tela 285 x 330 cm
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Colecção Berardo
ANSELM KIEFER (Alemanha, 1945) Elisabeth von Osterreich, 1991 Técnica mista e objectos de chumbo montado em madeira 195 x 301 cm
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Colecção Berardo
FERNAND LÉGER (França, 1881 - 1955) Composition, 1953 Óleo sobre tela 210 x 510 cm
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Colecção Berardo
MORRIS LOUIS (EUA, 1962) Beta Tau, 1961 Acrílico sobre tela 259 x 487,5 cm
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Colecção Berardo
JOHN McCRACKEN (EUA, 1934) Pylos, 1965 Madeira Lacada 88 x 142 x 18 cm
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Colecção Berardo
JORGE MOLDER (Lisboa, 1947) Fotografia da Série NOX, 1999 Fotografia a preto e branco 102 x 102 cm (cada foto)
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Colecテァテ」o Berardo
JUAN MUテ前Z (Espanha 1953-2001) After Degas II, 1997 Resina, tinta e motor
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Colecção Berardo
MIMMO PALADINO (Itália, 1948) Siempre Sera (tríptico), 1982 Óleo sobre tela 220 x 159,7 cm
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Colecção Berardo
ANTÓNIO PALOLO (Portugal, 1946-2000) Sem Título (Dez quadros para o ano 2000), 1985 Acrílico sobre tela 135 x 200 cm
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Colecção Berardo
A.R. PENCK (Alemanha, 1939) Ten Den Zen, 1983 Acrílico sobre tela 256,5 x 345,5 cm
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Colecção Berardo
PABLO PICASSO (Espanha, 1881-1973) Femme dans un Fauteuil, 1929 Óleo sobre tela 91,5 x 72,5 cm
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Colecção Berardo
PIRES VIEIRA (Portugal, 1950) Sem Título (Dez quadros para o ano 2000), 1985 Acrílico sobre tela 135 x 200 cm
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Colecção Berardo
PEDRO PROENÇA (Portugal, 1962) Sem Título (Dez quadros para o ano 2000), 1985 Acrílico sobre tela 135 x 200 cm
176
177
Colecção Berardo
GERHARD RICHTER (Alemanha, 1932) Abstraktes Bild, 1987, (No. 635) Óleo sobre tela 260 x 400 cm
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Colecção Berardo
DAVID SALLE (EUA, 1952) Saltimbanques, 1986 Acrílico e óleo sobre tela em duas partes 152,3 x 254 cm
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181
Colecção Berardo
DAVID SALLE (EUA, 1952) The Highest point in France, 1990 Acrílico e óleo sobre tela em duas partes 266,7 x 215,9 cm
182
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Colecção Berardo
RUI SANCHES (Lisboa, 1954) Sem título, 2000 Contraplacado de mogno 204 x 130 x 130 cm
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Colecテァテ」o Berardo
JULIテグ SARMENTO (Lisboa, 1948) #928 Wasting my time with you, 1991 Tテゥcnica mista sobre tela 290 x 407,5 cm
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Colecção Berardo
JULIAN SCHNABEL (EUA, 1951) Sem Título (Boni Lux), 1983 Óleo e gesso sobre veludo 304,8 x 304,8 cm
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Colecção Berardo
SUSANA SOLANO (Espanha, 1946) Lilà, 1998 Ferro e tecido metálico 30 x 308 cm
190
191
Colecção Berardo
ÂNGELO DE SOUSA (Portugal, 1938) Sem Título (Dez quadros para o ano 2000), 1985 Acrílico sobre tela 135 x 200 cm
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193
Colecção Berardo
FRANK STELLA (Massachusetts, 1936) Hagamatana II, 1967 Polímero sobre tela 305 x 457,3 cm
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195
Índice dos Artistas
Colecção Berardo
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Francis Bacon Stephan Balkenhol
152 154
Jorg Immendorf Anselm Kiefer
96 98 100 102 104 106 108 110 112 114 116 118 120 122 124 126 128 130 132 134 136 138 140 142 144
Georg Baselitz Ross Bleckner Fernando Botero Fernando Botero Alexander Calder Fernando Calhau Alberto Carneiro Alberto Carneiro Lourdes Castro Rui Chafes Sandro Chia Francesco Clemente Francesco Clemente Francesco Clemente Francesco Clemente Francesco Clemente Francesco Clemente Tony Cragg José Pedro Croft Enzo Cucchi Richard Deacon Wim Delvoye Eric Fischl Gilbert & George Antony Gormley
156 158 160 162 164 166 168 170 172 174 176 178 180 182 184 186 188 190 192 194
Fernand Léger Morris Louis John McCraken Jorge Molder Juan Muñoz Mimmo Paladino António Palolo A.R. Penck Pablo Picasso Pires Vieira Pedro Proença Gerhard Richter David Salle David Salle Rui Sanches Julião Sarmento Julian Schnabel Susana Solano Ângelo de Sousa Frank Stella
146 148 150
Keith Haring Jenny Holzer Shirazeh Houshiary
Índice dos Artistas
92 94
Ficha Técnica
Colecção Berardo
198
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: António Rosa Gomes, Presidente José Ismael Fernandes, Vogal
CATÁLOGO:
Publicado por ocasião da exposição “Grande Escala” da Colecção Berardo no Centro das Artes Casa das Mudas, 2004. Todas as obras reproduzidas neste catálogo pertencem à Colecção Berardo.
António do Vale da Silva Lobo, Vogal
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial do texto ou das reproduções em qualquer
Manuel Baeta de Castro, Vogal
forma ou por qualquer meio, electrónico ou mecânico, incluindo a fotocópia, a gravação, armazenagem de
Domingos Sancho Coelho dos Santos, Vogal
informação ou sistema de recuperação sem autorização prévia escrita dos seus editores.
Direcção do Centro das Artes Casa das Mudas António Rosa Gomes Área Financeira e Administrativa Zélia Pestana Susana Pereira Cláudia Camacho Área Jurídica João Santos Área Recursos Humanos Cariolina Brazão Área Edifícios e Infra-estruturas Paula Catanho Área Projectos e Comunicação Natércia Xavier EXPOSIÇÃO: Comissário
Ficha Técnica
PONTA OESTE – Sociedade de Promoção e Desenvolvimento da Zona Oeste da Madeira, S.A.
Textos Alexandre Melo Ana Teixeira Pinto Coordenação Editorial Natércia Xavier em colaboração com Isabel Alves, Coordenadora da Colecção Berardo e Zaid Abdali MDT - Colecção Berardo Design Gráfico ALS Design, Lda. Tradução José Gabriel Flores Impressão O Liberal - Empresa de Artes Gráficas, Lda.
Alexandre Melo Produção PONTA OESTE – Sociedade de Promoção e Desenvolvimento
PONTA OESTE – Sociedade de Promoção e Desenvolvimento da Zona Oeste Madeira, S.A.
da Zona Oeste da Madeira, S.A. em colaboração com
2000 exemplares
a Colecção Berardo – Sintra Museu de Arte Moderna
ISBN 972-8902-00-X
Coordenação
Depósito legal nº: 217364/04
Natércia Xavier em colaboração com Pedro Aguilar, Sub-director do Sintra Museu de Arte Moderna - Colecção Berardo Montagem Tti Lisboa – Serviços e Transportes para Museus e Colecções de Arte, Lda. em colaboração com Paulo Aguiar Restaurador Rodrigo Bettencourt da Câmara Transportes Tti Lisboa – Serviços e Transportes para Museus e Colecções de Arte, Lda. Seguros Secose – Correctores de Seguros, Lda.
Agradecimentos Dr. Alberto João Jardim, Presidente do Governo Regional da Madeira Dr. João Cunha e Silva, Vice-Presidente do Governo Regional da Madeira Comendador José Manuel Berardo, Presidente da Colecção Berardo Dra. Maria Nobre Franco, Directora do Sintra Museu de Arte Moderna – Colecção Berardo Dr. António Pedro Mendes, Registrar do Centro Cultural de Belém Arq. Paulo David, Projectista do Centro das Artes Casa das Mudas Eng. Luís Marques, Director da Obra Eng. Miguel Rodrigues, Sub-Director da Obra Eng. Paulo Aguiar e Sr. Manuel Elso, Fiscalização da Obra
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