Nº
OUTUBRO 2O15 | EDIÇÃO NO 50 ANO 5 | ISSN 2237-2962
REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.
A SIMPLICIDADE DAS
CRIANÇAS Na semana em que se realiza mais um Círio especialmente feito para elas, mostramos como é importante incentivar e acompanhar os pequenos amazônidas na vivência das tradições culturais e de valores, como cidadania, amizade e respeito à natureza
GRAFENO
Novas pesquisas em direção ao futuro da região
ÇAIRÉ
O religioso e o profano na festa de Santarém
ECONOMIA
Fundo comunitário muda a realidade no Marajó
Nós valorizamos a
Os laços do Círio de Nazaré nos conectam de várias formas. Seja na mesma corda ou na mesma sintonia, somos uma rede humana de atos e ações. Somos movidos pela esperança. Estamos conectados um com o outro, com a cultura e com o mundo. A Vale acredita nessa pulsação. E faz parte dela. Temos orgulho de patrocinar há mais de treze anos essa manifestação, contribuindo para preservar esse Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Participe dessa festa. Use #ValeNoCirio nas redes sociais e veja sua mensagem na nossa corda virtual. vale.com/valenociriodenazare
do do CĂrio CĂrio
Para um mundo com novos valores. Para um mundo com novos valores.
EDITORIAL
PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA OUTUBRO 2015 / EDIÇÃO Nº 50 ANO 5 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM CARLOS BORGES
SINGELEZA
Sofia, cansada ao final da sessão de fotos para a capa desta edição
“Eu fico com a pureza da resposta das crianças...” O título acima pode até soar ób-
vivem em condições inapropria-
vio e clichê, mas quando se fala em
das de saneamento básico, 11,8%
criança brasileira, e ainda mais em
têm desnutrição crônica antes dos
criança amazônica, é quase impos-
cinco anos de idade e com taxa de
sível não se lembrar das primeiras
mortalidade infantil que chega a 21
palavras da canção “O que é, o que
mortes a cada mil nascidos vivos,
é?”, de Gonzaguinha.
somos convidados a refletir sobre
Estamos no mês dedicado às
a necessidade de políticas públi-
crianças do País. Estamos na sema-
cas mais eficientes para estas que
na pós-Círio de Nazaré e no próxi-
também são protagonistas do hoje
mo domingo Belém vive mais uma
e do amanhã da região. Diante das
romaria especialmente criada há 25
já sabidas mazelas sociais que essa
anos para o público infantil. Por “res-
parcela da população vive ao Norte
pirarmos um ar ciriano” nesses 31
do país, é preciso, além de agir, falar
dias de outubro, independentemente
sempre de esperança.
de religião - e com o sacro respeito aos
Sofia, a linda menina de 3 anos
demais segmentos de fé -, o evento ca-
que foi modelo para nossa foto de
tólico serviu de gancho para falarmos
capa, mora em um bairro periférico
em nossa reportagem de capa, que
de Belém com todas as dificuldades
chega à 50a edição, sobre a importân-
de uma cidade grande. Ela ficou tão
cia de transmitirmos a tradição cultu-
feliz em “ser anjo”, que pediu aos
ral, os bons valores e os sentimentos
pais para ir ao Círio deste ano, ves-
de amor ao próximo e à natureza aos
tida pela primeira assim. “Com sua
nossos pequenos amazônidas.
simplicidade, ela tem muito a nos
Em uma realidade em que atualmente vivem 9,4 milhões de crianFELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe 4 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
ças e adolescentes na Amazônia Legal, sendo que 91% delas sobreOUTUBRO DE 2015
Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Universidade Federal Rural da Amazônia, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho (acervo); Camila Machado, Fabrício Queiroz, Victor Furtado, Anderson Araújo, Moisés Sarraf, Sávio Oliveira, Arnon Miranda, Dominik Giusti, Natália Mello, Vito Gemaque, Fernanda Martins (reportagem); Moisés Sarraf e Fabrício Queiroz (produção); Fernando Sette, Roberta Brandão, Carlos Borges (fotos); Thiago Barros (artigo) André Abreu, Leonardo Nunes, Jocelyn Alencar, Sávio Oliveira, Márcio Euclides (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Sofia vestida de anjo, por Carlos Borges e Paula Lourinho AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.
amazoniaviva@orm.com.br
PRODUÇÃO
REALIZAÇÃO
ensinar”, me confessou o fotógrafo após a sessão de fotos. Então, isso é a vida, que é bonita e é bonita!
REVISTA IMPRESSA COM O PAPEL CERTIFICADO PELO FSC - FOREST STEWARDSHIP COUNCIL
NESTA EDIÇÃO
EDIÇÃO Nº 50 / ANO 5
CARLOS BORGES
OUTUBRO2015
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Incentivar o conhecimento As crianças da Amazônia e a importância de acompanhá-las no seu desenvolvimento sociocultural na construção de uma sociedade melhor. CAPA
OSWALDO FORTE
ROBERTA BRANDÃO
ROBERTA BRANDÃO
ROBERTA BRANDÃO
34 46 16 54 SOCIEDADE
CULTURA
O secretário executivo da
O Çairé é a maior festa
MUSEOLOGIA
Incubadora de Políticas
MÚSICA
da vila do Alter do Chão,
O museólogo Diogo Melo
Públicas da Amazônia, Fá-
O cantor e compositor
em Santarém, misturan-
pesquisa as origens da
bio Carlos da Silva, diz que
Marcel Barretto acredi-
do catolicismo e herança
identidade cultural dos
falta engajamento social
ta que a música é algo
indígena e revela perso-
povos amazônicos e
nas decisões em favor do
sobrenatural. Parceiro de
nagens típicos do
criou um espaço para
desenvolvimento regional,
vários artistas, ele está
lugar, que vão muito
aproximar estudantes da
principalmente no âmbito
prestes a lançar o primei-
além da tradicional
arqueologia da região.
socioambiental.
ro disco solo.
disputa de botos.
QUEM É?
ENTREVISTA
PAPO DE ARTISTA
COMUNIDADE
E MAIS 4 6 7 9 11 13 14 15 17 17 18 19 19 20 21 22 24 50 58 60 62 63 65 66
EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES AMAZÔNIA CONNECTION ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS AVES DA AMAZÔNIA COMO FUNCIONA CIÊNCIA OLHARES NATIVOS SUSTENTABILIDADE ARTE + PESQUISA MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS
OUTUBRO DE 2015
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ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES
HELY PAMPLONA
AÇAÍ Muito esclarecedora a reportagem sobre o tratamento e o branqueamento do açaí nosso de cada dia na edição passada. (“Açaí e tecnologia”, Capa, edição nº 49, setembro de 2015). Com toda tecnologia disponível, sentimos mais confiança em consumir o produto. Carla Moreira Belém-Pará
O CÉU CARREGADO ANTES DO AGUACEIRO
A foto de Hely Pamplona recebeu o maior número de curtidas em nosso Instagram na edição passada. O registro foi no Ver-o-Peso, antes da chuva.
A reportagem de capa da edição passada mostra como os avanços tecnológicos podem melhorar nossa cultura alimentar. Com os constantes casos de açaí contaminado pelo mal de Chagas, é preciso primar sempre pela qualidade dos produtos que chegam às nossas mesas. José Maximiliano Dantas Ananindeua-Pará
CARLOS BORGES
Com o intuito de colaborar com esta conceituadíssima revista, saliento que o Decreto nº 326/2012 mencionado nas páginas 37 e 39, da edição nº 49, setembro 2015, como sendo Municipal, na verdade é Estadual, publicado no Diário Oficial do Estado em 24.01.2012, Caderno 1, p.5. Walter Carneiro Breves-Pará
Caro, Walter. Obrigado pela valiosa observação. Após uma nova apuração sobre a informação vimos que, de fato, o Município de Belém apenas republicou o decreto estadual para validar seu selo de controle e qualidade. Perdoe-nos pelo equívoco. A TECNOLOGIA ALIADA AO AÇAÍ PARAENSE
BATALHÃO AMBIENTAL Acho muito importante para a sociedade reportagens como a que fala do trabalho do Batalhão de Polícia Ambiental do Pará, na edição de setembro. (“Para servir e proteger”, Comunidade, edição nº 49). Isso mostra um outro lado desta corporação tão importante para nosso Estado. Saulo Borges Belém-Pará
Nossa reportagem de capa na edição de setembro foi a mais curtida em nossa página de Facebook. Isso mostra como o povo do Pará gosta mesmo de uma boa tijela de açaí...
CARLOS BORGES
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OUTUBRO DE 2015
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Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.
O QUE É NOTÍCIA PARA A AMAZÔNIA
Cortejo para um mestre
O FAMOSO COMPOSITOR DE CARIMBÓ DA ILHA DE MAIANDEUA, CHICO BRAGA, DEIXA O LEGADO DE UMA VIDA APAIXONADA PELA MÚSICA E PELA LENDÁRIA PRINCESA DE ALGODOAL PÁGINA 8 E 9
MOBILIZAÇÃO
LITERATURA
TRANSPORTE
O Ministério Público de Contas do Pará integra campanha internacional de combate à corrupção. A iniciativa recolhe assinaturas para criação de um projeto de lei de iniciativa popular. PÁG.9
A segunda Feira Literária do Pará (FLiPA 2015) será realizada nos dias 17 e 18 deste mês. A poetisa Aldacinda Camarão será a patrona do evento cultural. PÁG.11
Nos 30 anos de operação no Pará e Maranhão, a Vale iniciou a operação definitiva do novo trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás. PÁG.15 OUTUBRO DE 2015
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UIRANDÊ GOMES / DIVULGAÇÃO
PRIMEIROFOCO
PRIMEIRO FOCO
Cantoria e despedida
J
que se ligam por uma estrada de terra percorrida somente a pé ou de carroça, ou através do rio Maracanã, numa viagem de rabeta, que pode durar até uma hora e meia. Na manhã do dia 7 de setembro, o eremita barbudo, com chapéu de pescador, sentou-se para admirar a praia da Princesa, como fazia diariamente ao lado de seus cães. E, olhando para o horizonte da paisagem que sempre cantou, morreu. Alguns vão dizer que Chico Braga foi ao encontro da Princesa, a lenda em forma de mulher e sereia que mora na praia de Algodoal, e que sempre inspirou as letras do mestre. Fran-
cisco Paulo Monteiro Braga morreu aos 65 anos por infarto. Com talento para compor carimbós não comerciais, os chamados de “pau e corda”, foi reconhecido tardiamente, gravando seu primeiro CD, “Tribo de Maiandeua”, em 2011. Também foi personagem do documentário, lançado em abril deste ano, “Mestres Praianos do Carimbó de Maiandeua”, de Arthur Arias Dutra. No dia seguinte à sua morte, os moradores de Algodoal fizeram uma coleta para comprar o caixão. O corpo, sem nenhum tratamento de serviços póstumos, foi colocado na urna funerária. As flores não foram compradas em formatos de coroas, eram arranjos
artesanais, colhidos nos jardins do vilarejo e arrumadas pelas mãos de pescadores, artesãos, comerciantes, turistas, admiradores e por todos que estavam na ilha. Enquanto o corpo era velado na ilha, moradores das vilas de Fortalezinha, Camboinha e Mocooca se arrumavam para participar do velório. No funeral, teve caju, cachaça e tabaco, cantoria, choradeira e gargalhada. Ora parecia despedida, ora uma zimba, uma gíria de carimbó para festança. A marcha fúnebre partiu e tornou-se um cortejo, que levou algumas centenas de pessoas pelas areias da frente da vila de Algodoal e, depois, tornou-se um traslado de barco, pelo rio Maracanã, até o
HOMENAGEM MUSICAL
O grupo de carimbó Filhos de Maiandeua se despediu de seu mestre da forma que ele sempre pediu: uma festa sem choro e lamentações
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OUTUBRO DE 2015
ROBERTA BRANDÃO
Já era noite no outro lado da ilha quando chegou a notícia da morte de um mestre de carimbó: Chico Braga. Em Fortalezinha, vilarejo de frente para a vila de Algodoal, na região do Salgado paraense, as informações foram recebidas por telefone, de Belém, após publicações nas redes sociais. A timeline de seus seguidores já estava repleta de homenagens ao mestre quando os moradores da vila tomaram conhecimento da partida de um grande compositor de carimbó e personagem da praia da Princesa. O tempo na ilha de Maiandeua é outro. Os fatos transitam entre quatro vilas de pescadores, Algodoal, Fortalezinha, Camboinha e Mocooca,
TRÊSQUESTÕES RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO
Dez medidas contra a corrupção A procuradora Silaine Vendramin, do Ministério Público de Contas do Pará, está à frente do projeto “10 medidas contra a corrupção” no Estado. A iniciativa é do Ministério Público Federal (www.dezmedicampanha “#Corrupçãonão”,
PERSONAGEM POP
Chico Braga foi um dos protagonistas do documentário “Mestres Praianos do Carimbó de Maiandeua”
presente em 21 países. A meta é conseguir 1,5 milhão de assinaturas para criar um projeto de lei de iniciativa popular. Por enquanto, foram em torno de 275 mil em todo o País e o Pará teve pouco mais de 4 mil.
cemitério localizado na vila de Camboinha. Os transeuntes tornaram-se passageiros nos barcos de vários tamanhos que realizaram o cortejo fluvial. A música, a cachaça e o fumo não pararam nem por um momento. Após navegar na travessia de Algodoal para Camboinha, o barco que trazia o corpo foi recebido por mais uma roda de carimbó. Sem o tratamento do formol, que po-
deria protelar o enterro, o povo teve que adiantar o final. Os homens que carregavam o caixão saíram em passo rápido por três quilômetros até o cemitério. Senhoras, senhores e crianças atrás. Após o enterro, mais carimbó, uma dose de cachaça, baforadas de cigarro no túmulo. Era riso, era choro, era uma emoção tamanha. Afinal, todos ali sabiam: partia um mestre de carimbó.
Como tem sido a adesão da população ao projeto? Foi surpreendente saber que as pessoas estão interessadas no tema. Realmente não esperávamos que a procura fosse tão grande. A população não aguenta mais a corrupção e quer, sim, de alguma forma, contribuir. A população está ávida por mudanças, eles estão indignados com a situação do País. UIRANDÊ GOMES / DIVULGAÇÃO
Quais são os argumentos para mostrar à população os malefícios da corrupção? A corrupção é um tiro silencioso que, muitas vezes, quem pratica não tem a dimensão de quantas vidas tirou. É preciso mobilizar a população. Estamos numa crise política há muito não vista com a operação Lava Jato, dentre outras, que afetam a credibilidade do Brasil e gera inflação e insegurança em nossa economia. Por que a corrupção está tão enraizada na sociedade brasileira? A impunidade alimenta a corrupção. É necessário algumas medidas mais enérgicas
NAS AREIAS DA ILHA
Dezenas de admiradores fizeram o cortejo com o corpo do mestre Chico Braga pelas praias de Algodoal
e mudanças na estrutura dos ritos processuais para diminuir os casos de prescrição penal e para que os julgamentos aconteçam de forma mais célere, com penas mais rigorosas.
OUTUBRO DE 2015
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ARY SOUZA / ARQUIVO O LIBERAL
PIERRE AZEVEDO / DIVULGAÇÃO
das.mpf.mp.br), parte da
PRIMEIRO FOCO
CERÂMICAS
CARCAÇAS DE PIRARUCU
Gurupá é celeiro para pesquisa arqueológica
As carcaças do pirarucu, hoje descartadas após a retirada dos filés do peixe, podem virar matériaprima para a indústria alimentícia. Cientistas brasileiros criaram uma maneira de transformar os restos de carne em uma substância líquida chamada “hidrolisado proteico de pirarucu”, capaz de enriquecer alimentos com baixo teor de proteína, como pães, cereais e biscoitos. O líquido também pode ser usado em alimentos para pessoas que não digerem a proteína do leite. A tecnologia é resultado de parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com a Universidade Federal do Amazonas e já está disponível para a produção e comercialização. O pedido de patente já foi feito ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial. FERNANDO ARAÚJO / ARQUIVO O LIBERAL
PARCERIA
EM DEFESA DOS CAMARÕES Brasil, Colômbia, Costa Rica, México, Suriname, Trinidad e Tobago assinaram o projeto Manejo Sustentável da Fauna Acompanhante na Pesca de Arrasto na América Latina e Caribe (REBYC II-LAC), que visa à gestão sustentável da pesca e a redução de desperdícios na captura de camarões. Um dos objetivos do projeto é acabar com a captura predatória, que é a pesca feita aleatoriamente. O plano tem duração de cinco anos e o objetivo de reformar a política nacional para reduzir este descarte de camarões, desenvolver tecnologia de pesca, além de colocar em prática alternativas sustentáveis para diminuir o desperdício de peixes. Essas medidas melhoram o modo de vida das comunidades. 10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Cerâmicas, carvões e amostras de solo podem parecer materiais sem importância aos desavisados. No entanto, para os estudiosos do projeto “Origens, Cultura e Ambiente” (OCA), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), desenvolvido no município de Gurupá, na ilha do Marajó, são janelas que podem ampliar o conhecimento da humanidade sobre as populações que viviam no território antes da chegada dos europeus. Os trabalhos arqueológicos do projeto foram iniciados na Reserva Ambiental do Jacupi, com apoio da Prefeitura Municipal de Gurupá. Segundo a coordenadora da iniciativa, Helena Lima, a região de Gurupá possui mais de 50 sítios arqueológicos identificados e es-
tima que haja um número muito maior ainda não descobertos. Embora sejam recentes, os estudos já apontam descobertas interessantes. As cerâmicas analisadas, por exemplo, indicam contatos culturais com povos do América do Sul. As pesquisas arqueológicas demonstram também que ainda há muito para aprender sobre sustentabilidade com as populações nativas que habitaram a Amazônia. Um exemplo, segundo Helena Lima, são as chamadas terras pretas antropogênicas, solos férteis de coloração escura que não existem na natureza por si só. São resultado de trabalho humano realizado há milhares de anos. Revelar o passado pode nos levar a construir outro futuro.
INFOGRÁFICO: MÁRCIO EUCLIDES / ILUSTRAÇÃO: SVILEN MILEV/FREEIMAGES
REAPROVEITAMENTO
FLIPA 2015
AMAZÔNIACONNECTION
Feira literária é vitrine para escritores locais revelar e lançar um autor inédito. A cada edição, a FLiPA homenageia um patrono. Neste ano, será a escritora marajoara, poeta e compositora de Muaná, Adalcinda Camarão, autora de obras como “Baladas de Monte Alegre” (1943) e “Vidência” (1943). “A FLiPA tem por missão principal divulgar o autor paraense e suas obras, apresentando e recebendo autores de cada lugar do Pará, popularizando o escritor-produtor, estimulando assim a criação de mercado do livro do autor local. É uma feira que divulga a literatura paraense e que ajuda a formar leitores e os aproximar dos autores paraenses, pois temos que valorizar o que é nosso”, diz Salomão Larêdo, autor de 40 obras publicadas e que apresentará seu mais novo trabalho: “Olho de Boto - Um Romance Homo(ama)zônico”. Para ele, a editora Empíreo e a Livraria da Fox, promotoras da feira, estão “no rumo e no prumo certos” quando o assunto é valorizar a literatura regional. CRISTINO MARTINS/ AGÊNCIA PARÁ
DESIREE GIUSTI/ ARQUIVO O LIBERAL
Doze escritores locais terão, na segunda Feira Literária do Pará (FLiPA), um agradável encontro de autores locais, espaço para apresentarem suas novas obras e interagir com o público que busca conhecer mais o trabalho regional. A feira será realizada nos dias 17 e 18 de outubro, na livraria da Fox, travessa Dr. Moraes, em Belém. Os nomes confirmados para a edição deste ano são Alfredo Oliveira, Álvaro Martins, Aline de Mello Brandão, Andrei Simões, Bella Pinto, Benny Franklin, Daniel Leite, Edyr Augusto, Flávio Oliveira, Juraci Siqueira, Roberta Spindler, além do idealizador do evento, Salomão Larêdo. A ideia para a FLiPA deste ano é ampliar os canais de interação entre os autores e o público. Também há duas premiações aos autores: Prêmio Nobre de Literatura, que homenageia um autor paraense relevante na cena literária, e o Prêmio Fox de Literatura, para os vencedores do concurso literário que busca
A REGIÃO EM CONEXÃO COM O MUNDO
Proteção holandesa dos índios do Alto Rio Guamá A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) realizou um intercâmbio para transferência de tecnologia com a Universidade de Wageningen, da Holanda, para que a equipe técnica da então Diretoria de Áreas Protegidas, tivesse condições de realizar diagnóstico sócioambiental e monitorar a extração ilegal de madeira que vem ocorrendo na terra indígena Alto Rio Guamá com imagens obtidas por radar, a partir de satélites orbitais. O foco são áreas invadidas. O uso do radar e os programas de computação de última geração permitem a identificação de focos de retirada seletiva de árvores. Geralmente madeiras de lei retiradas sem abertura de estradas, cuja retirada dificilmente é detectável com o uso das conhecidas imagens de satélite Com a reestruturação dos órgãos de governo, início do ano, a competência de apoiar a gestão ambiental e territorial de terras indígenas passou para o Ideflor-Bio - Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará que, por meio de sua Diretoria de Gestão da Biodibiversidade /Gerência de Sociobiodiversidade, irá, em breve, publicar em livro os resultados destes trabalhos realizados na TIARG com objetivo de proteção à diversidade biológica e cultural do Estado. A antropóloga Claudia Kahwage, participante do projeto, conta a importância da transferência de tecnologia e capacitação técnica. “Este projeto piloto, mesmo preliminarmente, indicou alta eficácia e que necessita ser entendido às demais áreas como parques estaduais e florestas estaduais, seja para proteção ambiental, seja para monitoramento e fiscalização de concessões florestais”, afirma.
LITERATURA
O escritor e jornalista Salomão Larêdo homenageia a muanense Adalcinda Camarão na segunda edição da FLiPA
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PRIMEIRO FOCO
“O Brasil é um país abençoado tera de aproximadamente 22 km por Deus. Aqui não há guerras, fura- de diâmetro. Já o Nova Iguaçu, encontrado cões, terremotos ou vulcões.” Quem nunca escutou essa máxima sobre na região da cidade de mesmo a famosa “sorte” do povo brasilei- nome, no Rio de Janeiro, ainda é oficialmente o segundo ro? No entanto, além de excessiva- não VULCÃO AMAZONAS vulcão em solo brasileiro, mas mente nacionalista, a frase está sendo estudado para é também falsa. Atualque seja comprovada a mente, sabe-se que o hipótese. A possibilipaís possui em seu dade surgiu devido à território dois vulgrande quantidade cões que, embora PARÁ de composição de rocamuflados, não Itaituba cha vulcânica enconpassaram despertrada no local. cebidos pelos geóCaso exista de fato, logos. o vulcão carioca, ao conO vulcão Amazotrário do amazônico, estará exnas, localizado entre os rios Jamanxin e Tapajós, em tinto e, portanto, não tem possiuma região próxima à cidade bilidade de entrar em erupção. paraense de Itaituba, foi desco- De acordo com cientistas, difiberto em 2002 e é datado de 1,9 cilmente o Amazonas voltará à bilhão de anos, o que o torna o atividade também, pois isso não mais antigo do mundo. Segundo ocorre há muito tempo. Entreestudiosos, seu cone chegou a ter tanto, o fato não é impossível. 400 metros de altura no auge das Nunca confiemos demais na erupções e hoje possui uma cra- quietude da natureza...
1,9 bilhão de anos
REFUGIADOS
CAPOEIRA NO ORIENTE Pesquisa divulgada pela Universidade do Leste de Londres mostra que a capoeira, arte afro-brasileira que recebeu no ano passado o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, tem impacto positivo sobre o estado físico e emocional de crianças e jovens refugiados. Com base em dados coletados de setembro de 2013 a maio de 2015, na Palestina e na Síria, as pesquisadoras concluíram que a capoeira, oferecida de forma contínua a crianças e adolescentes, leva à melhora e bem-estar ao desenvolver cinco pontos-chave: estabilidade emocional, tolerância, amizade, força interior e capacidade de brincar. BIDNA CAPOEIRA / DIVULGAÇÃO
Vulcão brasileiro é o mais antigo do mundo
ILUSTRAÇÕES: MÁRCIO EUCLIDES
NA AMAZÔNIA
ENCHENTES
JABUTI EM CIMA D’ÁGUA Na Amazônia, as cheias estão mudando o habitat dos jabutis em cima das árvores. Uma das únicas espécies terrestres entre os quelônios brasileiros, o jabuti-amarelo, também habita áreas que permanecem totalmente alagadas por quase cinco meses ao ano. O comportamento inédito da espécie
1,9 bilhão de anos
230 milhões de anos
200 mil anos
Surgimento do vulcão Amazonas
Surgimento provável dos dinossauros
Surgimento do Homo sapiens
foi divulgado no artigo publicado na edição de outubro da Oryx. Os pesquisadores afirmam que a descoberta, nunca registrada anteriormente, foi importante por demonstrar que os animais se adaptam bem a essa realidade, buscando alternativas para alimentação e para abrigos, além de conseguirem se deslocar satisfatoriamente a nado por longos trechos.
12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
OUTUBRO DE 2015
ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL
PATRIMÔNIO
VALE / DIVULGAÇÃO
Duas imagens no estilo barroco de Santa Teresa D’Ávila, esculpidas no século XVIII, foram devolvidas à Igreja do Carmo, em Belém, em cerimônia presidida pelo arcebispo metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira. A ocasião contou também com o lançamento do vídeo “Igreja do Carmo: Restauração e Conservação”. A iniciativa fez parte do “Projeto de Restauração e Conservação Igreja do Carmo”, responsável pela Arquidiocese de Belém, que conta com o patrocínio da Vale, via Lei Rouanet e recursos próprios. As esculturas estavam sendo restauradas desde o ano passado, quando foram encontradas durante as obras de reforma do templo, onde seu estado de deterioração estava avançado. O trabalho de recuperação e restauração do que foi possível ser feito nas imagens é assinado pela restauradora Tânia Veloso. Simultaneamente ao trabalho de restauração e após a conclusão das obras, neste ano, a Vale também desenvolveu um projeto de visitas guiadas em parceria com
FOTOS: CÉSAR AUGUSTO FAVACHO
Imagens barrocas são restauradas em Belém
Besouro cara de pau Nos troncos das árvores, o bichinho vai lá depositar seus ovos. É onde suas larvinhas vão se alimentar brocando a madeira. Daí vem seu apelido, besouro-casca-depau. Com uma coloração específica e a rugosidade do corpo, o besouro da família Cerambycidae se camufla perfeitamente na estrutura das cascas do tronco da árvore. E de lá só um olhar mais que treinado pode lhe identificar. Tanto que os entomólogos, cientistas que estudam os insetos, têm RESTAURO
Imagens de Santa Teresa D’Ávila são do século XVIII
um lema: “Mantenha seus olhos focados para os insetos, tenha certeza do que você
a Arquidiocese de Belém. A iniciativa teve como público-alvo alunos de escolas públicas e particulares, estudantes de arquitetura e a população em geral.
está vendo, então olhe novamente”. O que indica a existência de diversos processos ecológicos, como adaptações, camuflagens, mimetismos e comportamentos dos insetos. E na Amazônia, devido à alta biodiversidade. Os mecanismos evolutivos e adaptativos,
DESMATAMENTO
PROJETO DE LEI
assim, são mais abundantes. Um lema que
A redução do desmatamento da Amazônia no
A Comissão de Integração Nacional,
análise da realidade: olhe de novo e de novo
Brasil desde 2004 melhorou a qualidade do ar
Desenvolvimento Regional e da Amazônia
em toda a América do Sul, indica um estudo
aprovou a criação do Selo Verde Preservação da
publicado na revista Nature. Esse esforço
Amazônia, previsto pelo Projeto de Lei 5760/13,
teria resultado, ainda, na prevenção de 400
de autoria do Senado. Ficou estabelecida a
a 1,7 mil mortes prematuras de adultos a
obrigatoriedade de serem usadas matérias-
cada ano, de acordo com o trabalho realizado
primas de origem sustentável e a necessidade
por pesquisadores das universidades de
de adequação ambiental no transporte e na
Leeds e Manchester, no Reino Unido, do
comercialização do produto e na destinação
Massachussets Institute of Technology, nos
final dos resíduos. A ideia é incentivar o
Estados Unidos, e da Universidade de São
consumo sustentável. O PL considera como
Paulo. Com menos incêndios na floresta, a
integrantes da Amazônia Legal nove estados
quantidade de partículas nocivas liberadas
do Norte e do Centro-Oeste (Acre, Amapá,
na atmosfera caiu bastante, melhorando a
Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima,
qualidade do ar na região amazônica.
Tocantins, Pará e parte do Maranhão).
QUALIDADE DO AR
CONSUMO SUSTENTÁVEL
poderia ser aplicado a qualquer forma de e outras vez...
OUTUBRO DE 2015
• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 13
FATO REGISTRADO
INOCÊNCIO GORAYEB
Pedaço da identidade amazônica em uma vila de Tracuateua Um pedaço de cada vila do interior há de se deslocar para Belém nos primeiros dias do mês de outubro. Todo ano é assim: mesmo com o pequeno caos instalado na capital em função do aumento populacional repentino, há um pouco das esquinas interioranas na Cidade das Mangueiras. Um pouco do que há na foto. Em preto e branco, a imagem fora tomada na década de 1970. Nela, lê-se “Vila de Fátima”, no município de Tracuateua, nordeste paraense e resquício da estrada de ferro. É por isso que cada rua de terra,
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cada vento empoeirado e cada parede de taipa são a extensão da vida no interior da Amazônia levada à cidade. Elementos que remetem à infância de quem tomou o ramal e não voltou. No nordeste paraense com cheiro de maria-fumaça, nos intermináveis igarapés do Marajó, nas ilhargas de Abaetetuba, no “muito chão” das estradas da Amazônia, as vilas eram – e ainda são – comuns. Essa ideia de vila, que ainda resta pelas Amazônias. As casas eram como pequenos sítios com pomares de árvores frutíferas e pequenas hortas caseiras. As áre-
as do entorno eram matas originais e capoeiras que forneciam recursos do extrativismo florestal animal e vegetal. O clima, bem mais ameno do que nas cidades: não existiam edificações e asfalto; as noites sempre com temperaturas que baixavam aos 20°C e alta umidade relativa do ar. Comida de avó, alvorada para santo, conversa na soleira da casa e o silêncio da sesta. No mês de outubro, muitos, de vilas como esta, se deslocam para participar das festividades do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. E tornam o pequeno caos um pouco mais interiorano.
ESTRADA DE FERRO
Vale inicia operação do novo trem de passageiros europeus de qualidade, são mais modernos e contam com climatização em todos os carros. Já os banheiros receberam novo layout e tecnologias que priorizam o uso sustentável dos recursos naturais, como a substituição de papel toalha por ar quente para a secagem das mãos. O sistema de descarga é a vácuo, semelhante ao utilizado na indústria da aviação, o que reduz o consumo de água. Os novos carros também são equipados com monitores de vídeo. Com a entrada em operação da nova frota do trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás e a climatização de todos os vagões, os vendedores de alimentos às margens da ferrovia - conhecidos como “bandequeiros” - deixarão de comercializar seus produtos na janela do trem. Mas para criar uma alternativa de renda que melhore a vida dessas pessoas, a Fundação Vale implantou o Programa de Apoio à Geração e Incremento de Renda (Agir) EFC. Em parceria com instituições especializadas, a Fundação Vale promove capacitações e auxilia esses trabalhadores na busca por novos mercados consumidores.
ALECSANDRO MELO / FREEIMAGES.COM
A Vale iniciou a operação definitiva do novo trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que parte da Estação Ferroviária de São Luís (MA), com destino a Parauapebas (PA). A renovação do transporte de passageiros da EFC, que interliga os estados do Maranhão e Pará, é um marco para a mineradora. Neste ano, a empresa completa 30 anos de operações nos dois estados. Das novidades do trem da Vale, destaca-se o novo sistema de abertura e fechamento das portas externas, bem como as localizadas entre um vagão e outro, que são automáticas. A travessia entre os carros também ficou ainda mais segura e confortável. Foram adquiridos 39 carros, sendo seis executivos, 21 econômicos e 12 de serviços; equipados com lanchonete, restaurante, área especial para cadeirantes, bagageiro e gerador. Cada carro executivo da EFC tem capacidade para transportar 60 passageiros e, nos econômicos, 79 pessoas. Além disso, toda a composição tem detector de fumaça, aumentando a segurança dos usuários. Os vagões, que obedecem a padrões
PERGUNTA-SE POIS É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES
É seguro tirar água do ouvido coçando com pena de galinha? Um mito perigoso da medicina popular e veementemente contestado pelo farmacêutico bioquímico Paulo Galdino, professor mestre e coordenador do curso de Medicina Veterinária da Universidade da Amazônia. Ele pede que as pessoas nunca façam isso, pois podem adquirir sérios problemas no aparelho auditivo
VALE / DIVULGAÇÃO
e múltiplas infecções bacterianas. E não vai funcionar, pois não há qualquer tipo de substância ou estrutura na pena que absorva a água. “Nunca façam isso. As penas podem perfurar o tímpano das pessoas. Não tem qualquer comprovação clínica ou científica. Procure um otorrinolaringologista que fará o procedimento correto para limpeza”, alerta Galdino. “A pena é composta de queratina, substância gelatinosa e que favorece cultura de bactérias. Não dá para entender de onde a população tirou isso”, conclui.
MANDE A SUA PERGUNTA
MODERNO
Novo trem da Estrada de Ferro Carajás transporta os passageiros entre Maranhão e Pará com mais conforto e segurança
Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br
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QUEM É?
DIOGO MELO
O museólogo e a cultura da Amazônia TEXTO ARNON MIRANDA FOTO ROBERTA BRANDÃO
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ivulgar e resgatar conhecimentos sobre as origens da população amazônica faz parte do trabalho de Diogo Melo, museólogo da Universidade Federal do Pará (UFPA). O objetivo de seus estudos é reforçar a identidade cultural do povo paraense, aliando o conhecimento científico às memórias da região. Graduado em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário da Cidade, no Rio de Janeiro, Diogo se especializou em paleontologia, ciência que estuda os animais pré-históricos já extintos e fossilizados, que viveram há cerca de 30 milhões de anos. Querendo pesquisar mais do que os seres extintos e o ambiente em que viviam, ele fez o curso de Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2008, e é doutorando da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em Ensino e História de Ciências da Terra. No primeiro ano de doutorado, Diogo Melo foi selecionado no concurso
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para ser professor do curso de Museologia da UFPA. Logo começou um projeto de extensão, chamado “Memória, Ciência e Arte: Narrativas e Representações das Cerâmicas Arqueológicas na Manufatura de Icoaraci”, sobre as representações das cerâmicas do distrito de Belém na cultura local. Segundo Diogo Melo, o ceramista de Icoaraci Raimundo Cardoso, já falecido, é o precursor do estilo da cerâmica icoaraciense. O artesão havia ganhado um livro com imagens da cerâmica arqueológica marajoara e resolveu reproduzi-las. Técnicos do Museu Paraense Emílio Goeldi, gostaram das produções e abriram o acervo para que o mestre Raimundo Cardoso pudesse ver, estudar técnicas e reproduzir as réplicas das cerâmicas de várias regiões do Pará com precisão muito grande. “O interessante aqui é estudar o Museu Goeldi como uma instituição articuladora entre a cultura popular e o fazer cultural contemporâneo da cidade,
gerando o resgate de um conhecimento pretérito, de antes da colonização, que é colocado de novo no circuito contemporâneo de produção artesanal. Consequentemente, isso gera uma questão de identidade para Belém. E o projeto estuda e tenta difundir essas informações, seja em escolas, para professores e até para os ceramistas”, destaca Diogo Melo. Essa relação da arqueologia gerou a ideia do segundo projeto de extensão, chamado “Musealização e Geociências no Espaço ITEC Cidadão Bosques, Jardins, Pomar, Horta: um espaço de convivência da UFPA”, que propõe, por exemplo, ações de cunho arqueológico no sítio, atendendo especialmente alunos do ensino fundamental, e montagem de exposições para divulgar esse conhecimento. O trabalho tem base na formação social e cultural de Belém, com foco na formação de identidade. Com a paleontologia, o foco é a natureza, e com a Arqueologia, a entrada humana.
NOME
Diogo Jorge de Melo
IDADE 34 anos
FORMAÇÃO
Museólogo e mestre em Geologia
TEMPO DE PROFISSÃO 14 anos
EU DISSE
APPLICATIVOS
SIDNEY OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ
BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS
“Temos que sair da situação de colônia do Brasil e mudar o olhar sobre a Amazônia e sobre o Pará para que ambos sejam vistos por uma nova lente de preservação e progresso”
Projeto Água Viva
Simão Jatene, governador do Pará, ao enfatizar a mudança de mentalidade sobre os
feita e ver quanto tempo e água são gastos,
recursos hídricos. Belém será uma das sedes do 8º Fórum Mundial da Água, em 2018.
permitindo entender melhor o que foi usado
Uma espécie de calculadora dinâmica e social sobre o consumo de água por tempo em casa, trabalho ou qualquer outra coisa. Basta iniciar o app, apontar a tarefa que será
e o que foi desperdiçado, com algumas dicas
“As soluções locais inovadoras de baixo custo contribuem na batalha contra as mudanças climáticas e promovem o desenvolvimento sustentável”
para economizar. Os resultados podem ser usados num ranking do app. Plataformas: Android, iOS e Windows Phone Preço: Gratuito
LendsApp
Helen Clark, administradora do Prêmio Equatorial das Nações Unidas, ao apresentar
Um app desenvolvido com o objetivo de criar
os projetos vencedores desta edição.
uma rede social de empréstimos de diversas coisas, como livros, equipamentos, discos e
“A efetiva participação e inclusão da juventude é uma dimensão essencial para reduzir as desigualdades da região”
jogos. A ferramenta ainda mantém uma agenda de contatos para saber para quem foi feito o empréstimo e quando recuperar o objeto. Vem com suporte a múltiplas linguagens. Envia e-mails de lembrança para quem pediu
Jessica Faieta, subsecretária-geral da ONU e diretora do Programa das Nações Unidas
emprestado seus objetos. Plataforma: Android
para o Desenvolvimento (PNUD) para a América Latina e o Caribe.
Preço: Gratuito AFP / ARQUIVO O LIBERAL
DS Kids Projeto institucional do site Dieta e Saúde que traz uma série de programas de acompanhamento do crescimento e alimentação saudável das crianças. Pais poderão criar perfis com informações próprias, dos cuidadores e das crianças - peso, idade e
“Os organismos financeiros internacionais devem velar pelo desenvolvimento sustentável dos países” Papa Francisco diante da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
altura - para obter receitas mais atraentes e equilibradas, atividades físicas divertidas e consultas médicas. Plataformas: Android e iOS Preço: Gratuito
em Nova York, no mês passado. FONTES: PLAY STORE E ITUNES
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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE
INOCÊNCIO GORAYEB
As varinhas da conquista da ilha de Mosqueiro Verão de 1970. Ilha de Mosqueiro. Um sol a dourar as águas da baía do Sol. A lua a pratear as águas da baía do Marajó à frente de Soure. As festas no “Praia Bar” e no “Netuno”, points da juventude setentista ao lado dos hotéis do Russo e do Farol. E o navio Presidente Vargas a interligar os dois paraísos. Um signo que sintetiza aqueles verões era a varinha decorada, portada por rapazes e moças nos passeios vespertinos. Ah, as varinhas... As varinhas de amor ou varinhas
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da conquista eram galhos de vegetais, raspadinhas, adornadas com traços artísticos, de temática marajoara, no contraste entre as partes da casca removida. Nelas também havia o registro do ano em que foram feitas e, ainda, nomes e mensagens de enamorados. As tais varas eram retiradas de plantas como o capitiu (Siparuna guianensis Aubl.) e o taquari ( Mabea angustifolia Spruceex Beuth). Eram, também, um souvenir do veraneio. Em 2007, a arte-educadora Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy escre-
veu uma monografia tendo como objeto as varinhas. Em 2008, um pequeno artigo sobre as varinhas fora publicado no jornal “O Liberal”. Em 2013, o arte-educador Renato Vieira de Souza e historiador Agenor Sarraf Pacheco publicaram um artigo sobre o grafismo das varinhas. Se influenciadas pela produção acadêmica ou não, o certo é que as varinhas voltaram a ser comercializadas em feiras de artesanato em Mosqueiro. Pra saber se funcionam, só encontrando o amor por lá!
DESENHOS NATURALISTAS
CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO ILUSTRAÇÃO: SÁVIO OLIVEIRA
ACERVO DE OBRAS RARAS DO MUSEU GOELDI
Malinar, maldade inocente das crianças
ARTE SOBRE ARTE A pintura de Manuel de Oliveira Pastana retrata a representação de onças em peças arqueológicas
Vem do mal, mas não é maldade. Não é necessariamente um termo negativo, é quase engraçado. É como que uma pequena maldade, que de tão pequena não é maldade.
Onça-pintada em aquarela A pintura de Manuel de Oliveira Pastana se refere a uma peça arqueológica, que é a materialização cerâmica de um animal. A pintura, nesse caso, é a representação da representação. No desenho, a onça-pintada (Panthera onca). No acervo de obras raras do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), existem mais de 20 aquarelas feitas no decorrer do século XX tendo como tema peças arqueológicas: a arte sobre a arte. Pastana viveu entre 1888 e 1984, uma vida de quase um século. Discípulo de Theodoro Braga e Francisco Estrada, ele é reconhecido como um dos mais importantes artistas paraenses do século passado. Mestre e fundador da Academia Livre de Belas Artes do Pará, Pastana sabia que de sua paleta vinha uma certa amazo-
nidade, uma aquarela que só é possível a quem viu as luzes do Equador e dela extraía os melhores efeitos. Este apeuense, já que nascido antes da República na vila do Apeú, hoje parte do município de Castanhal, no Pará, era senhor de um traço firme e vigoroso, e se revelou um dos melhores desenhistas de seu tempo. Foi um dos que melhor fizeram retratos no Brasil. Tanto que em 1937 ganhou o diploma de honra e a medalha de prata na Exposição Mundial de Paris. Pena que pouco conhecido pelo Brasil. Mas quem passar pelo prédio do Ministério da Marinha, em Brasília (DF), há de ver um imenso retrato do Almirante Tamandaré, feito por Pastana. Uma alma do Norte radicada no centro da vida cultural do Brasil.
Entendeu? Tão comum, mas tão comum, que todo mundo já foi malino. Um pouco malino - ou na infância ou mais tarde. O verbo malinar é utilizado no Norte e também no Nordeste, onde o malino é aquele que realiza pequenas traquinagens, travessuras de moleque; menino mexelhão, que nem o Saci-Pererê. No Norte, o malino tem um sentido distinto, pois é aquele que gosta de incomodar, atazanar, fazer pequeníssimas maldades. A malina é a menina que morde ou belisca as demais quando entra na escola, o que exige atenção dos pais para a superação dessa fase em que o ego tem de aprender a existir com os demais. Já o zagueiro malino, por sua vez, é o menino que não perde a oportunidade de entrar de carrinho no adversário, o que exige atenção do árbitro pra não deixar o jogo desandar. E o final: malinar não é algo ruim. Quem nunca teve vontade de malinar um bebê? Calma, gente! É só aquela vontade de apertar bem as suas bochechas. Malinar é uma ação cotidiana, todo dia tem um caso: uma mistura de pequenas maldades que de tão pequenas não o são.
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AVES DA AMAZÔNIA
FICHA TÉCNICA
Cabeça-de-prata A Lepidothrix iris, popularmente conhecida como cabeça-de-prata, é uma ave passeriforme da família Pipridae, sendo chamada também como dançador-de-coroa-prateada. A espécie é encontrada exclusivamente no Brasil, com populações concentradas na Amazônia. Seu nome científico, Lepidothrix iris, significa: Ave com marcas no cabelo de arco-íris. A espécie mede cerca de 8,5 cm de comprimento. O macho é verde-brilhante com o alto da cabeça prateado e a fêmea apresenta o alto da cabeça verde, sem o brilho prateado do macho. A ave possui duas subespécies: a Lepidothrix
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iris iris (Schinz, 1851), que ocorre no leste da Amazônia brasileira, na região que vai de Belém até o norte do Maranhão. Já a Lepidothrix iris eucephala (Todd, 1928) é encontrada ao sul do rio Amazonas até a margem leste do rio Tapajós. Os seus habitats naturais variam de incomum a localmente comum em florestas úmidas de terra firme e capoeiras maduras. A cabeça-de-prata vive aos pares ou em pequenos grupos, no estrato inferior da vegetação florestal. Apesar da espécie se ambientar também em algumas áreas de capoeiras maduras, o desmatamento pode torná-la ameaçada de extinção.
Reino: Animalia Filo: Chordata Classe: Aves Ordem: Passeriformes Subordem: Tyranni Parvordem: Tyrannida Família: Pipridae (Rafinesque, 1815) Subfamília: Piprinae (Rafinesque, 1815) Gênero: Pepidothrix Nome científico: L. iris (Schinz, 1851)
FOTO: WILLISORNIS VIDUA / ALEXANDER CHARLES LEES FONTE: ALEXANDRE ALEIXO, CURADOR DA COLEÇÃO ORNITOLÓGICA DO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
COMO FUNCIONA
A apreensão de madeira ilegal TEXTO E ILUSTRAÇÃO SÁVIO OLIVEIRA
Diariamente, analistas ambientais do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) são res-
ponsáveis por licenciar, monitorar e fiscalizar o uso e a proteção dos recursos naturais, do Oiapoque
aos Chuí do Brasil. No Pará e Mato Grosso, estados que produzem 75% da madeira comercializada
no país, existe um sistema de gestão madeireira. Quando o sistema é fraudado, o Ibama entra em ação.
COM QUANTOS PAUS SE FAZ UM FLAGRANTE? Para chegar aos criminosos, o Ibama conta com ajuda da sociedade e órgãos de segurança
A denúncia da ilegalidade pode ser feita pelo telefone 0800-618080 e os dados do informante serão mantidos em sigilo
Com o Inpe*, o Ibama realiza análise de imagens via satélite, comparando a evolução das áreas florestais protegidas.
O Sisflora** é um órgão brasileiro responsável por rastrear os bens, desde a extração até o consumidor final.
Uma ilegalidade ocorre quando uma APP*** é explorada, geralmente em terras públicas ou áreas indígenas.
Espécies como angelim, cumaru e jatobá têm alto valor comercial. O ipê, por exemplo, vale US$ 5 mil por cada m3.
Uma das formas de encobrir a fraude é “esquentar” as toras, falsificando uma Guia Florestal “legalizando” a madeira.
Devido ao perigo e à dificuldade de acesso, o Ibama atua em conjunto com outros órgãos, como Polícia Federal ou Exército.
A ação deve ser em flagrante. No pátio da serraria ou madeireira, o fiscal do Ibama cruza informações da empresa no Sisflora.
A infração ocorre pelo transporte, venda e recebimento de toras ilegais. A multa é de R$ 300 por cada m3 de madeira extraída.
SIGLAS * Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ** Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais *** Área de Proteção Permanente
FONTE: PAULO MAUÉS, CHEFE DA DIVISÃO TÉCNICO AMBIENTAL DO IBAMA NO PARÁ
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CIÊNCIA CIÊNCIA
Em um futuro não muito distante daqui
Engenheiros eletricistas do Laboratório de Nanoeletrônica e Nanofotônica da UFPA se debruçam sobre as pesquisas com grafeno e cristais fotônicos para desenvolver novas tecnologias voltadas para a realidade amazônica TEXTO FERNANDA MARTINS FOTO ROBERTA BRANDÃO
N
NANOTRIBO AMAZÔNICA
O pesquisador russo Victor Dmitriev coordena as pesquisas de 15 alunos na UFPA
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mente”, diz. Já pensou em baixar um filme em altíssima definição em questão de segundos? Pois o doutor na área de Engenharia Elétrica e pesquisador no laboratório, Gianni Portela, pretende ajudar a humanidade nisso. Aos 31 anos, o pesquisador é autor de um projeto que visa a multiplicar - e muito - a velocidade da transmissão de dados via fibra ótica com a aplicação de cristais fotônicos bidimensionais. Este material sintético 150 vezes menor que a espessura de uma folha de caderno tem o poder de controlar ou manipular a luz de formas nunca antes imaginadas, graças à sua singular estrutura física, capaz de afetar o comportamento dos fótons de um jeito impossível de fazer com a tecnologia de hoje. “Os cabos de fibra ótica, como existem hoje, não permitem curvas acentuadas, pela forma como seus materiais conduzem a luz. Isso acaba limitando sua instalação e causan-
do perda na qualidade da transmissão. Trabalho aqui no desenvolvimento de interruptores multifuncionais que permitem a passagem do sinal óptico com perdas reduzidas, dimensões reduzidas, maior capacidade de transmissão com maior largura de banda”, explica Portela. Utilizando estas “nanochaves de liga e desliga” ele consegue fazer com que a luz se dobre em curvas de até 120°, algo inédito e que possibilita um aumento considerável na transmissão de dados. Essa tecnologia não apenas acelera o acesso à internet, mas beneficia também a fabricação de processadores superpotentes que colocam no chinelo o que há de mais moderno no mercado hoje. “Eles serão mil vezes menores, mil vezes mais rápidos e com consumo de energia mil vezes menor, devido à eficiência de sua estrutura, sem perdas de calor”, resume Victor Dmitriev. Prestes a defender sua tese de doutorado, ROBERTA BRANDÃO
em em seus momentos mais criativos a dupla de cartunistas norte-americanos William Hanna e Joseph Barbera, criadores do desenho animado Os Jetsons, imaginou o futuro prometido pela aplicação de nanoelementos, como o grafeno e os cristais fotônicos no desenvolvimento de novas tecnologias. E o que parece coisa de ficção científica, distante da realidade amazônica, vem sendo desenvolvido aqui mesmo, às margens do rio Guamá, no Laboratório de Nanoeletrônica e Nanofotônica da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Pará (UFPA). Os estudos conduzidos no centro de pesquisa podem resultar em um acesso ultrarrápido à internet, aperfeiçoamento de técnicas médicas e até uma nova geração de computadores, cujo formato ainda não se pode prever. Em uma sala de aproximadamente 20m² trabalham 15 alunos comandados pelo professor doutor em Engenharia Elétrica, Victor Dmitriev, russo radicado no Brasil há 25 anos e eleito pelos estudantes “o cacique da nanotribo amazônica”. “A Nanoeletrônica e a Nanofotônica objetivam não apenas a redução das dimensões dos dispositivos eletrônicos, mas também representam um novo paradigma diante do surgimento de novos materiais e fenômenos em escala nanométrica (10-9), os quais podem originar dispositivos com desempenho superior aos que existem atual-
Como o grafeno vai mudar o mundo que a gente conhece hoje Gadgets dobráveis Já pensou em responder um e-mail, assistir a vídeos e depois, no maior conforto, dobrar seu celular ou tablet em um prático rolinho que cabe em qualquer tamanho de bolso? O grafeno vai tornar isso possível graças às suas propriedades maleáveis. Por ser transparente, finíssimo e resistente, o material permitirá ainda que os aparelhos móveis tenham espessuras mínimas, sejam à prova d’água e de quedas.
Internet ultrarrápida Se depender do grafeno, todo o conteúdo da “nuvem” estará ao seu dispor em um piscar de olhos. Estudos mostram que a condutividade dos elétrons no grafeno é centenas de vezes mais rápida do que nos materiais atualmente utilizados na produção dos cabos de transmissão de dados para a internet.
Poderoso anticorrosivo A ferrugem também poderá ser coisa do passado. O grafeno vem sendo aplicado no desenvolvimento de produtos que servirão como uma camada de proteção para materiais suscetíveis à corrosão. Resultado: placas, cabos e pilares de ferro que poderão ser aplicados desde a construção civil até a naval sem necessidade de substituição ou reparos.
Camisinha hi-tech A Universidade de Manchester trabalha no desenvolvimento de um preservativo à base de grafeno. Fino, leve e ultrarresistente, o material tornará possível um preservativo que não estoura e ainda permite o aumento considerável das sensações, eliminando o efeito “chupar bala ainda na embalagem”.
Revolução médica Por ser biocompatível, o grafeno poderá auxiliar a medicina de formas ainda incontáveis. Para citar um exemplo, suportes revestidos por grafeno para estimular o crescimento de nervos periféricos lesionados no cérebro podem ser o novo caminho para regeneração dos tecidos do sistema nervoso.
ILUSTRAÇÕES: ANDRÉ ABREU
NÃO SERÁ MAIS FICÇÃO
Clerisson Nascimento foi atraído pela grande vedete da ciência do amanhã: o grafeno. Para entender do que se trata este componente quase milagroso, olhe para um lápis. Imagine uma partícula do grafite, que é tridimensional. Agora, pense na menor faca do mundo cortando uma fatia bidimensional desta partícula, da finura de um átomo. Isto seria um grafeno e, apesar da descrição, ele só pode ser sintetizado em laboratório, pois ainda não foi inventada a tal faca. “Para fazer nanotecnologia mesmo, a gente precisa adotar uma abordagem diferente. Em escala nano, os componentes assumem comportamentos diferentes. O grafeno demonstrou na prática ter propriedades que só se via em nível quântico. Ele é incolor, flexível, condutor, extremamente resistente e biocompatível. Estas características fazem com que possa ser aplicado em incontáveis funções”, observa. Em sua pesquisa, voltada para a área das telecomunicações, Clerisson busca aplicar o grafeno na exploração da banda de terahertz, frequência não explorada graças à inexistência de materiais que o permitam, desenvolvendo nanoantenas. Caso bem-sucedido, as aplicações desta tecnologia nos sistemas de comunicação seriam infindáveis. “Por exemplo, nanorrobôs inseridos na corrente sanguínea precisam comunicar-se entre si, e essa comunicação pode ser feita em terahertz com maior eficiência, pois são distâncias muito curtas. Em outras faixas de frequência é impossível fazer isso”, explica Dmitriev. Além disso, o uso da faixa de terahertz pode ainda se traduzir em uma rede wi-fi digna da velocidade proporcionada pelos cabos à base de cristais fotônicos pensada por Gianni. É a nanotribo integrada trabalhando pelo futuro do mundo. O trabalho desenvolvido no laboratório – parte do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia Fotônica para Comunicações Ópticas (Fotonicom), que reúne onze instituições de ensino superior e pesquisa de todo o país - é basicamente teórico, pois para colocar a mão na massa e desenvolver os protótipos seria necessário um equipamento que custa milhões de dólares e que poucas instituições de pesquisa no mundo possuem. Entretanto, o contratempo não desanima a turma de Victor Dmitriev, que devido ao destaque no trabalho e às parcerias com institutos internacionais, tem a perspectiva de desenvolvê-lo no futuro. OUTUBRO DE 2015
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OLHARES NATIVOS
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Paisagem
Uma árvore e o rio Tapajós compõem o belo cenário paradisíaco em Alter-do-Chão, no oeste paraense FOTO: FERNANDO SETTE
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OLHARES NATIVOS
Mosaico Homem se senta em uma das históricas calçadas de pedra de Belém FOTO: MARCELO KALIF DE SOUZA
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Labuta O vendedor de camarão conquista seu ganha-pão nas ruas da cidade FOTO: MARCELO KALIF DE SOUZA
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OLHARES NATIVOS
Noite Em uma estrada de Santarém, as luzes cortam uma janela na escuridão, convidativa e cheia de vida FOTO: SUSAN GERBER
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Igarapé Brincadeira de criança nas típicas águas amazônicas FOTO: FÁBIO PINA
OLHARES NATIVOS
Céu e água
O imenso rio Ajuruteua, que corta o município de Bragança, no nordeste paraense FOTO: LUIZ CASTELO
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Carreto Carregadores a caminho do trabalho no Ver-o-Peso FOTO: OSWALDO FORTE
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OLHARES NATIVOS
Pôr-do-sol Praia do Farol, na Ilha do Mosqueiro. Crepúsculo acompanhado com o barulho das ondas se quebrando. FOTO: DIEGO MICHEL
Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 32 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!
OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES FERNANDO SETTE
IDEIASVERDES
Festa cultural da fé O ÇAIRÉ REÚNE AS HERANÇAS DO CATOLICISMO E DOS RITOS INDÍGENAS EM UM GRANDE CALDEIRÃO DE FRATERNIDADE PÁGINA 46
POLÍTICAS PÚBLICAS
FORMAÇÃO
DINAMISMO
O secretário executivo da Incubadora de Políticas Públicas da Amazônia, Fábio Carlos da Silva, diz que falta mais engajamento social na região. PÁG.34
Crianças também são protagonistas das transformações necessárias para a construção de um futuro melhor. PÁG.38
Comunidades do Marajó estão aprendendo a partir da economia solidária a revalorizar os próprios recursos naturais. PÁG.50
ENTREVISTA
A
realidade social nos municípios da Amazônia ainda enfrenta um paradigma no que se refere ao seu desenvolvimento: a não participação ativa dos cidadãos nas tomadas de decisão que afetam diretamente o futuro do ambiente em que habitam. A existência de uma identidade cultural composta pelo ideal de representatividade contribui com o agravamento desse panorama. Com o avanço de pesquisas e diagnósticos, algumas iniciativas surgem como uma tentativa de reverter esse cenário. É o caso da Incubadora de Políticas Públicas da Amazônia (IPPA), criada a partir do Fórum dos Programas de Pós-Graduação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. O projeto surge como uma mola propulsora para os avanços que a sociedade amazônica vem buscando ao longo dos anos para os seus povos. A iniciativa vem para articular a Universidade, o setor produtivo, os governos e a sociedade civil nos nove estados em que as pesquisas da iniciativa estão sediadas: Acre, Rondônia, Roraima, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará e Tocantins. Concebido como um plano de identificação de problemas sociais nas regiões, a ideia é saltar os muros da academia e adentrar comunidades, fazendo um levantamento das dificuldades a partir de quem está convivendo com elas, em especial os atores sociais. Com o mapa de indicadores pronto, as soluções possíveis, os recursos necessários, sejam eles técnicos, científicos, de informação ou financeiros, são aventados. No total, 771 municípios foram diagnosticados pelos índices, que envolvem características políticas, socioculturais, econômicas e ambientais. Sobre o modus operandi do projeto, o professor Fábio Carlos da Silva, doutor em História Econômica e secretário Executivo da IPPA, conversou com a revista Amazônia Viva desta edição.
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“A melhor forma de contribuir é dar soluções” PARA O DOUTOR EM HISTÓRIA ECONÔMICA E SECRETÁRIO EXECUTIVO DA INCUBADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DA AMAZÔNIA, FÁBIO CARLOS DA SILVA, É PRECISO MAIS ENGAJAMENTO SOCIAL NAS TOMADAS DE DECISÕES EM FAVOR DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, PRINCIPALMENTE NO ÂMBITO SOCIOAMBIENTAL. TEXTO NATÁLIA MELLO FOTO ROBERTA BRANDÃO
AGÊNCIA PARÁ
“Construímos um índice de sustentabilidade dos 771 municípios estudados em quatro dimensões: político institucional, econômico, sociocultural e ambiental” A Incubadora de Políticas Públicas da Amazônia foi criada em 2012. Como foi a formação da entidade e que avanços podem ser destacados nestes três anos de trabalho? Com o apoio e financiamento do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), tivemos o “start” das ações. Quatro livros são resultantes dessa primeira etapa da Incubadora. Um Conselho Macro Regional é composto pelos nove coordenadores dos estados, mais o secretário executivo, que atualmente sou eu, além dos representantes do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) de Manaus e do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, e três agências de fomento e desenvolvimento: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e o Banco da Amazônia. Esse é o conselho maior, mas cada estado tem o seu conselho comitê gestor. Reunindo todos, detectamos as regiões so-
VULNERABILIDADE
Segundo a pesquisa do IPPA, áreas como a do Marajó ainda carecem de políticas públicas voltadas para um salto em qualidade de vida das populações locais
cioambientalmente mais vulneráveis da Amazônia, construímos um índice sintético de sustentabilidade dos 771 municípios estudados em quatro dimensões. No Pará, detectamos a região do Marajó como a mais vulnerável. Os quatro indicadores, político institucional, econômico, sociocultural e ambiental, mostraram que realidade nos estados? Todos são vulneráveis. O município
mais sustentável é Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá, Mato Grosso. O menos sustentável dos 771 municípios é Itupiranga, no Pará. O Pará e o Maranhão concentram os municípios menos sustentáveis. E, identificando por regiões, o Marajó, inclusive, há oito municípios dentre os 50 piores do Brasil, segundo a última divulgação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Melgaço é o pior dentre eles. Em nossos indicadores, Melgaço também está ruim, mas como a gente fez uma metodologia que envolve outras dimensões, os municípios mais vulneráveis são outros. OUTUBRO DE 2015
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ENTREVISTA
mos o Núcleo Regional da IPPA no Marajó, ele se transformou num representante da incubadora no campus da Universidade Federal do Pará, em Breves. Inicialmente compõem essa região sete municípios que são polarizados por Breves, da região Marajó de florestas, mais distantes de Belém. O próprio comitê funciona como um mecanismo para estimular a participação da população na construção das políticas públicas. Os atores sentam para construir o seu destino de forma compartilhada.
“A sociedade está acostumada a transferir a responsabilidade dos problemas para os outros. Temos que nos encaminhar a uma democracia participativa.” De que forma a IPPA pretende articular os diferentes atores sociais para construir soluções conjuntas e democráticas neste âmbito? Os comitês servem para isso, assim como as mesas, as oficinas, para articular esses atores. Quando instituí36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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O senhor pode exemplificar com algum caso, ou apresentar experiências de tecnologias sociais que ajudam a propor um novo modelo de desenvolvimento? Tem uma iniciativa de tecnologia social que é dos encauchados dos vegetais da Amazônia. Começou no Acre, seguiu para o Amazonas e agora está entrando no Marajó. É um projeto para tentar utilizar a matéria-prima das seringueiras da época da produção da borracha, o látex, que nessa região tem muito, para fazer artesanato. A tecnologia social é desenvolvida a partir do látex. Os homens saem para fazer a coleta de manhã e a produção é feita pelas mulheres. Isso motiva as famílias, porque elas passam a ter uma atividade, e permite a geração de renda. Os produtos não são muito caros e têm um mercado de fácil colocação. É uma iniciativa que dá uma dinâmica nova na comunidade e vem como um novo modelo de desenvolvimento. Como a sistematização das pesquisas sobre a realidade amazônica pode contribuir com a difusão do conhecimento sobre as questões locais? A melhor forma de contribuir não é só revelar os problemas, mas também encaminhar soluções. No Rio Grande do Sul, onde você tem outro capital social, se tem a participação forte das universidades lá, ajudando a comunidade a elaborar projetos a encaminhar soluções via conselhos. Eles criaram Conselhos Regionais de Desenvolvimento. E o estado foi regionalizado em 20 áreas, cada
ASCOM / IDEFLOR
uma delas tem um conselho, onde participa sociedade civil, governos, iniciativa privada e universidades. É a iniciativa mais bem-sucedida no Brasil, porque as universidades participam efetivamente, são atores de verdade. De que forma as pesquisas podem servir de forma efetiva na elaboração de programas e projetos de combate ao desmatamento de forma sustentável? No Pará, estamos fechando uma parceria com a Semas (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade) para apoiar o órgão e ajudar a construir planos de desenvolvimento e combate ao desmatamento. Existem 15 planos elaborados e desmembrados para os estados que não contêm projetos executivos, ou seja, não vão transformar nada nem diminuir o desmatamento. A ideia é ajudar não só os técnicos da secretaria, mas os técnicos das secretarias municipais dos municípios, definindo os problemas principais, elaborando os projetos executivos e construindo a governança desses planos. Aí poderemos identificar quais são os mecanismos para implementar, avaliar e controlar os planos, e encaminhar para possíveis fontes de financiamento.
REALIDADE O Pará e o Maranhão ainda concentram os municípios menos sustentáveis do País
Com todo o trabalho realizado pelo projeto, a elaboração dos índices e a aplicação das possíveis soluções, conseguimos já vislumbrar alguma melhora nos estados? A sociedade está acostumada a transferir a responsabilidade dos problemas que ela está enfrentando sempre para os outros. Temos que nos encaminhar a uma democracia participativa. É uma questão educacional, acima de tudo. Não é de curto prazo, porque mesmo que você elabore projetos para resolver problemas prioritários, o mais fundamental é a participação qualificada da sociedade para resolver os problemas que ela está enfrentando. Nas regiões onde você tem lideranças que têm um comprometimento mais voltado para os cidadãos, a formação educacional é voltada para construir cidadãos virtuosos. É a própria população, a sociedade local, que vai mudar o seu destino. OUTUBRO DE 2015
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Alegre inocência Sofia tem 3 anos de idade e este ano vai pela primeira vez ao Círio de Nazaré vestida de anjo
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Crianças da
Amazônia AS EXPRESSÕES POPULARES, O CONHECIMENTO SOBRE A A BIODIVERSIDADE E A AQUISIÇÃO DE VALORES CIDADÃOS E CULTURAIS SÃO ALGUNS DOS ELEMENTOS QUE AJUDAM NA FORMAÇÃO CRÍTICA E SOCIAL DOS PEQUENOS AMAZÔNIDAS TEXTO SÁVIO OLIVEIRA FOTOS CARLOS BORGES
É
domingo e o pequeno Romero acorda às quatro da manhã para cedo sair junto com os pais até a Catedral de Belém, no bairro da Cidade Velha. De lá, ele segue andando, fascinado, observando as milhares de pessoas que saem da igreja e acompanham a romaria religiosa. Até a casa onde mora, no bairro de Nazaré, o jovem romeiro caminha atento aos detalhes de uma das maiores manifestações populares de fé do mundo. Do amanhecer à beira da calçada até o anoitecer ainda com a mesa do almoço sendo servida com pato no tucupi e maniçoba, Romero enxerga o valor e o tamanho do Círio de Nazaré na cultura paraense. Desde a infância, em uma época em que nem existia a Romaria das Crianças, o antropólogo Romero Ximenes, 68 anos, permanece encantado pelo estudo da cultura amazônica e pela potência pedagógica da festa religiosa em homenagem à Virgem de Nazaré, principalmente entre os mais jovens. Para ele, a procissão do segundo domingo de outubro se agigantou de tal forma que se transformou na principal instituição cultural do Estado do Pará, renovada a cada geração pelos sentimentos de crianças e adolescentes. E a dimensão social da festa é alcançada graças aos afetos que as emoções
causam, em especial o principal sentimento da infância, a alegria. “O Círio não é triste ou lúgubre, é uma festa alegre, por isso que fascina as crianças. É uma religiosidade profunda que se manifesta alegremente. É um fervor religioso caracterizado pela carnavalização, ou seja, pela alegria. Ninguém está pensando na hora da morte, mas no momento da vida. Ao contrário da maioria das manifestações católicas, que são coisas de adultos e de idosos, o Círio se renova pela juventude e a romaria infantil é uma criação da Igreja como uma pastoral infantil para socializar as crianças”, afirma o professor da Universidade Federal do Pará. Fruto da “expressão do catolicismo popular amazônico”, como conceitua Romero Ximenes, a Romaria das Crianças, que em 2015 completa 25 anos, reproduz os valores cristãos entre os pequenos paraenses a partir dos símbolos próprios da grande festa, mas em menor escala, como a cordinha, por exemplo. Enquanto um elemento em que existem sensações opostas, como a dor e a gratificação, o principal elo físico entre a imagem e os fiéis demonstra que as emoções vivenciadas pelas pessoas são mais abstratas e complexas do que parecem. No trajeto entre a dor desejada e a superação, há o dilema da aprendizagem, segundo o antropólogo. OUTUBRO DE 2015
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CAMILA LIMA / ARQUIVO O LIBERAL
Como descrever a felicidade sentida, mesmo depois de várias quedas e até fraturas, ao equilibrar-se e sair pedalando uma bicicleta? Como explicar, após tantos baques e machucados, a satisfação em aprender um novo golpe de capoeira ou karatê ou numa partida de futebol? Qual o motivo da alegria após terminar um jogo, quando se está com a mão cheia de bolhas e calos de tanto jogar videogame? “Não é todo trauma que é sofrimento. Tem feridas que dão orgulho”, responde Romero Ximenes. Para ele, reconhecer a liberdade, o desejo e os direitos das crianças é o grande desafio da concepção do que é educação hoje. Desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, a ideia sobre esse pú40 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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blico mudou no Brasil. A doutrina antiga, que concebia a criança como uma tutela do Estado foi superada pela afirmação de que, na verdade, crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. E como tal, devem ter espaço na formulação de políticas públicas e ações com resultados mensuráveis, garantindo qualidade de vida efetiva. Políticas que devem ser destinadas a 9,4 milhões de crianças e adolescentes que vivem na Amazônia Legal atualmente. Desse universo, 91% sobrevivem em condições inadequadas de saneamento, 11,8% sofre de desnutrição crônica com menos de cinco anos e uma taxa de mortalidade infantil de 21 mortes a cada mil nascidos vivos. O resultado é um dos piores índices de qualidade de vida e acesso a direitos.
Dados que mobilizam o Movimento República de Emaús para a campanha nacional “Juventude Marcada para Viver”, com o intuito de enfrentar o extermínio de crianças e adolescentes, geralmente mestiços, mulatos e negros, moradores da periferia das grandes. A ação social, além de combater o discurso de criminalização e encarceramento direcionado para crianças e adolescentes, também luta para promover oportunidades que não são perpetuadas nas áreas mais pobres, como esporte e lazer. No bairro do Bengui, em Belém, o Emaús promove atividades pedagógicas de dança, música e teatro, regularmente, além de um curso profissionalizante de recondicionamento de computadores. Ações que não
TRADIÇÃO
Segundo o antropólogo Romero Ximenes, o Círio de Nazaré, por ser alegre, se renova de geração em geração graças à participação das crianças e adolescentes
excluem o dever do poder público, afirma Darivaldo Carvalho, coordenador de socialização. “Queremos fazer com que o Estado seja de fato o responsável por essas políticas públicas, com qualidade e responsabilidade. O que há direcionado para a juventude? O que a escola está oferecendo para a juventude? Se não forem as entidades sociais e centros comunitários a trabalhar, fica difícil”, argumenta. A solidariedade de Darivaldo Carvalho nasceu das experiências vividas na infância, juntos com irmãos, trabalhando na roça, quando morava no interior, e depois em feiras, quando veio morar na capital. A exposição ao trabalho infantil no passado o engajou ao apoio no presente. “Nós fomos frágeis diante da História e quando percebemos isso, a gente entende o que outro necessita. É mais fácil lidar com a situação do outro quando a gente também teve uma situação de violação de direitos”, observa. Certo dia, Darivaldo foi abordado na rua por um jovem, que lhe disse: “Tu te lembras de mim? Eu sou o Carlos. Hoje eu trabalho. Legal que vocês puderam me conduzir, me ajudar a fazer com que eu pudesse ser cidadão e protagonista da minha história, que eu pudesse mudar uma página de vida e dar um outro segmento, em direção à dignidade”. “Isso é muito bacana porque é muito bom poder ouvir que eu fiz parte da uma história. Ser promotor dos Direitos da Criança e do Adolescente é ser solidário a uma vida que precisa ser transformada”, diz. Que tal uma transformação agora? Imagine que você voltou à infância e está diante de uma jiboia de quase dois metros rastejando à sua frente, presa dentro de um aquário. Em seguida, um rato é jogado para dentro da caixa, junto com o réptil, sendo atacado e estrangulado em alguns instantes. Antes que a serpente conclua a digestão do roedor, uma pergunta é feita na sala: “Isso é violência?”. Agora, o aperto da jiboia foi simulado nos peitos e cabeças dos
SOCIAL
O Movimento República de Emaús busca promover e assegurar os direitos do público infantojuvenil por meio de campanhas de conscientização e atividades lúdicas e de profissionalização
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estudantes do Clube de Ciências do Museu Paraense Emílio Goeldi, da primeira turma, em 1987. A dupla “experiência”, feita pelo ainda jovem Luiz Videira, atual coordenador do Clube do Pesquisador Mirim, ocorreu durante o “Estudo do Comportamento da Jiboia”, primeira ação educativa promovida pelo clubinho do Museu. “Eu tive sorte porque comecei com um bicho feio, brabo e discriminado. Daí eu toquei nessa história da violência e eles captaram rápido, pois o animal come e você também. Eles não ficaram nem com pena, nem com raiva. Então desmistifiquei a ideia de que o bicho é mau. Aí essa menina aqui depois começou a querer pegar no animal e eu deixei,” conta Videira, apontando para a fotografia da época, feita em conjunto com o grupo pioneiro. No mesmo porta-retratos, o educador conta que atualmente um menino é pesquisador do Goeldi, outro é formado em Mineração e a curiosa garota atualmente faz o doutorado. Além deles, se desse para reunir todo mundo que participou da ação educativa em uma imagem, o fotógrafo teria que enquadrar mais de duas mil crianças reveladas pelo Clube do Pesquisador Mirim. A iniciativa de divulgação científica também já realizou incursões nos municípios de Ananindeua, Cachoeira do Arari, Igarapé-Açu e Parauapebas. Atualmente, o projeto educativo é realizado apenas em Belém, com seis turmas de cerca de 20 crianças, divididas por temáticas de pesquisa distintas. Com carga horária de três horas semanais, de março a dezembro, o Clube se equilibra entre o rigor da disciplina em salas de aula e a empolgação dos passeios em 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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batedor e professor
Heron Borges aprendeu o ofício com o pai e hoje ministra cursos de formação sobre a manipulação do açaí de acordo com o decreto municipal
BIODIVERSIDADE
No Clube do Pesquisador Mirim, do Museu Goeldi, crianças recebem iniciação científica e aprendem mais sobre a natureza que forma a Amazônia. Alguns estudantes chegam a seguir carreira profissional no campo da Ciência graças ao conhecimento adquirido no projeto.
atividades práticas. Neste ano, há outro grupo frente a frente com um aquário, mas dessa vez para estudar os peixes amazônicos. Mesmo com gritarias, todos dizem em harmonia que é preciso bastante trabalho em equipe para equilibrar o PH da água. “Haja responsabilidade!”, exclama a estudante Giovanna Barros, enquanto espera o resultado da medição de PH. A menina também acredita que com a divisão de tarefas, com membros colhendo pedras pequenas e outros maiores para adicionar ao aquário, fica mais fácil concluir o ambiente aquático até o final das reuniões.
Quando todas as temáticas encerrarem o período, é realizada uma grande feira com os produtos de cada uma, em uma exposição que reúne os participantes mirins e outras crianças que estiverem interessadas em conhecer o Clube. Durante uma das exposições passadas, César Felipe visitou o evento, se inscreveu e participou por um ano estudando os bastidores do Jardim Zoobotânico e no curso seguinte estudou insetos. “O projeto teve um sentido de iniciação científica na minha vida, porque depois do Clube eu pude conhecer mais o meio ambiente, a natureza e os animais. Assim eu pude OUTUBRO DE 2015
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descobrir a área que tinha vocação, a qual escolhi para a faculdade. Hoje sou formado em Ciências Ambientais, estagiei aqui, me formei e agora sou bolsista de nível superior”, conta o jovem cientista, que agora auxilia as outras crianças nas pesquisas. Com um ciclo completo, César afirma, que independente da escolha pela carreira, o Clube do Pesquisador Mirim é importante para cada criança que participa, pois o conhecimento vivenciado é uma experiência maior que a própria ciência estudada ali. “É essencial na vida de cada uma delas, não só as que escolhem a área ambiental, mas até quem prefere outras áreas têm um respeito pela natureza, pelo meio ambiente e pelo próximo”, defende o bolsista. Valores que foram decisivos quando a filha de um antigo funcionário do Museu Goeldi fora chamada de doida pela professora na escola, após um desentendimento com a turma. A crise fez com que a menina perdesse a vontade de estudar, parou de comer, começou a faltar aulas e o pai ficou preocupado. Após revelar a situação à coordenação, o marceneiro foi convidado a visitar o prédio do Clube e ela foi presenteada com um envelope surpresa. Ao chegar em casa, dentro do pacote haviam várias cartilhas para colorir. No dia seguinte, a menina recebeu um convite por telefone para frequentar as atividades e aceitou. O acolhimento também é um valor que ressoa no Projeto Cururu, que há doze anos atua na musicalização de crianças de 7 a 11 anos. Localizado no centro social da Paróquia de Santo Antônio de Lisboa, o Centrão, entre os bairros da Cremação e do Jurunas, a iniciativa se mantém apenas a partir de doações. Anualmente, a paróquia abre 30 vagas para aulas de canto, flauta, violino, viola, trompete e bateria. “O projeto existe para atender as crianças para que elas possam adqui44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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INCENTIVO
O Projeto Cururu ensina música para crianças de bairros periféricos de Belém. “Toda criança é capaz de fazer qualquer coisa, desde que seja estimulada cedo”, pontua Eliene Ferreira, coordenadora musical do projeto.
rir um meio de se expressar e de conviver com o outro. Toda criança é capaz de fazer qualquer coisa, desde que seja estimulada cedo”, pontua Eliene Ferreira, coordenadora musical do Cururu. Handel Alcântara conseguiu uma oportunidade cedo, ainda “girino”. Depois passou a dar aula voluntariamente ministrando lições de trompete e bateria no Projeto Cururu. Determinado, Paulo Victor, de 13 anos, espera seguir caminho semelhante ao do educador. Quando questionado sobre a relação com a música, a resposta é direta: “É uma opção de vida”, responde o menino. Caminho que ele escolheu há três anos, quando entrou no projeto por curiosidade. Atualmente, Paulo Victor conta que o aprendizado o sensibilizou para sons considerados estranhos no passado. “Antigamente eu julgava músicas diferentes, mas hoje ouço louvor, rock e funk”, conta. “A música favorece um ouvido mais apurado. E não é só uma questão musical, mas de escuta. Essa criança vai ouvir melhor quem está ao redor dela, não só em termos musicais, mas vai aguçar a sensibilidade dela para escutar a realidade. Se há um problema em casa ou com um amigo, eles ficam mais atentos pro outro. Por exemplo, se um está doente, eles vão na casa saber o que está acontecendo. Se alguém está atrasado, eles vão buscar. Além da facilidade para aprender, porque podem adoecer e ficar duas semanas sem vir pra aula, mas não perdem o ritmo”, explica a psicóloga Aline Pedrosa, que participa como professora de violino e viola no Projeto Cururu. As crianças não precisam esperar para ser o futuro do Brasil, pois são também o presente. Para isso, devemos acompanhá-las em sua formação cidadã e transmitir nossos valores para que tenham melhores oportunidades de crescimento, a fim de conhecer e entender a complexidade e diversidade da sociedade amazônica, seja na cultura, na ciência e na cidadania.
OPÇÃO DE VIDA
No projeto, alunos têm o direito de escolher os instrumentos que querem aprender e transformar sua realidade através da aprendizagem musical
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COMUNIDADE
Çairé, celebração santarena da cultura Ao unir catolicismo e herança cultural dos indígenas do Baixo Amazonas, a festa na vila de Alter do Chão vai muito além da disputa carnavalesca de botos TEXTO MOISÉS SARRAF FOTOS FERNANDO SETTE
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ó se falava na disputa dos botos de mais tarde, mas o calor do final do dia vinha de um panelão nos fundos do barracão do Çairé, onde as mãos se revezavam na feitura do caldo. As autoridades começaram a chegar. Primeiro o juiz, depois a juíza. Aí veio o procurador, um capitão, a dispenseira, uns mordomos e os alferes. Chegou, então, a procuradeira, seguida pela çaraipora. Já era o bastante. O tarol começou a zumbir, como que chaman-
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do devotos e turistas, e um cortejo se formou, reunindo uma vasta simbologia que poderia ser materialização da história cultural da região. À frente, o Çairé, a peça de cipós emaranhados, signo-máximo, Santíssima Trindade multicolorida, enredada em fitas. A disputa dos botos era só mais tarde. O cheiro do caldo se espalhou antes da festa. Era sábado, o penúltimo dia do Çairé, a centenária festividade da vila de Alter do Chão, município de Santarém, mar-
gens do Tapajós. Mas, antes, demos nomes aos botos. A tradição oral da vila narra o Çairé como uma manifestação dos índios boraris, que habitavam a vila no início do século XVIII, à época uma missão jesuítica. Há, claro, registro do Çairé noutras missões, ou seja, noutras aldeias, noutros lugares da Amazônia. O Çairé, representação da Santíssima Trindade, teria sido uma interpretação indígena do escudo português que desfilava pelas missões como demonstração do poder
do colonizador. “Nas missões, que ainda conservam o sairé, o fazem já com mais galantaria, porque o ornam e adornam com o enfeite de boas fitas de diversas cores, e lindas plumagens, espelhos e vários adornos”, escrevia o cronista jesuíta João Daniel no decorrer do século XVIII. Uma manifestação que seguiu incorporando diferentes elementos com o passar dos anos, dos séculos. Santo Antônio não reclamou, mas a paróquia, sim. Em 1943, a festividade de cores e religiosidade sincrética foi proibida pela Igreja Católica por ter ganhado mais destaque que as festas de santos da quadra junina. Apenas na década de 1970, por iniciativa dos moradores mais antigos da vila, o Çairé foi reavivado. E somente em 1999 a disputa dos botos Cor-de-Rosa e Tucuxi, com regulamento, torcidas e teatralidade, foi criada na vila, sendo fundida à programação da festa, que deixou o mês de junho, passando a setembro, quando as águas do Tapajós baixam, as praias surgem e o apelo turístico emerge.
LITURGIA POPULAR
As vozes agudas, como que voz única dentro do barracão, tocam a memória afetiva dos visitantes. É que depois do rito inicial, já na noite do sábado da festa, se inicia o cortejo que segue dan-
do voltas ao redor dos mastros, o dos homens e o das mulheres, à frente do barracão. Os paus ornamentados, marcas do início do Çairé, são a raiz da comunidade que vai da terra e mira o céu, com as bandeiras do Espírito Santo tremulando ao alto. Ao redor dos mastros, carregados de frutas e cachaça, o povo segue, ao som do tarol, dos reco-recos e dos cheque-cheques nos pés se arrastando pelos restos de terra que rasgam Alter do Chão. Maria Madalena, 70 anos, mordoma do Çairé, apontava para cada símbolo e dizia seu significado. Está no Çairé há 20 anos. “O almoço de domingo é pra abençoar e agradecer tudo o que aconteceu durante o Çairé”, explica, lendo a festa a partir das cores dos participantes. Juiz e juíza, autoridades máximas, vestem apenas roupas brancas. Procurador e procuradeira, branco e amarelo. Rezadeiras e rezadeiros apenas em branco. Foliões, que são os alferes, responsáveis pela música, bicolores, azul e branco. Os mordomos, camisa branca e calça verde; as mordomas, como Madalena, saia branca e blusa vermelha. E a çaraipora, que é quem carrega o Çairé, traja vestido branco com detalhes coloridos, que nem as fiteiras, as meninas que acompanham agarradas às fitas do Çairé.
ÇAIRÉ OU SAIRÉ? Não há consenso sobre a grafia do termo. As duas formas, Çairé e Sairé, são utilizadas atualmente. Não há acordo nem mesmo em Santarém. Em 1997, por exemplo, o termo foi grafado como Çairé. Em 2004, como Sairé. E, até este ano, como Çairé novamente. A palavra teria origem indígena em “çai”, que significa “salve”, e “eré”, algo como “tu o dizes” ou uma saudação na língua tupi. Essa pelo menos é uma versão. Outra, de acordo com Câmara Cascudo (1889), diz que Sairé é uma ciranda e Çairé, a manifestação religiosa. As narrativas de cronistas do período colonial e imperial também não chegam a uma explicação final. Essa lista de çairés e sairés quem faz é a pesquisadora Nair Santos Lima, na dissertação “A travessia do Sairé”, da Universidade Federal do Amazonas. O que há de certo, pelo menos, é que na Língua Portuguesa Çairé é a única palavra iniciada por “ç”.
CERIMÔNIA O Çairé é uma festa cheia de personagens e simbolismos, que em alguns momentos lembram as missas seguindo o preceito católico. Agradecimento e orações também fazem parte do evento. OUTUBRO DE 2015
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COMUNIDADE
Antes, porém, muita coisa já tinha acontecido na vila de Alter do Chão. Já haviam feito um puxirum, mutirão da comunidade em prol da feitura das barracas de comida e do barracão do Çairé. Depois, com as catraias da praia de Alter do Chão todas enfeitadas, foram cortar os paus do mastro no meio do mato. Dias antes, os mastros haviam sido fincados, em meio à disputa pra ver quem o fazia primeiro, homens ou mulheres. Cada capítulo da festa é uma festa. Daí pra frente, todo dia tem canto e reza pra Santíssima Trindade no barracão do Çairé, que fica ao lado do Lago dos Botos, espécie de “bumbódromo” da disputa dos botos, que fica na praça central da vila.
CÂNTICOS
Era um “agradecimento ao dia”, título da música, que embalava a abertura do rito do sábado, lembrando que “já se vai o alegre dia” e “já se vem a triste noite”. E o fim: “Os anjús estão rezando, o sinal da santa cruz”. Um canto tocado e entoado pelos foliões, dentre eles Iure Dias, 21 anos, educador físico, que integra os ritos religiosos do Çairé desde os 14 anos. Os dois avôs de Iure, Toni Valério Dias e Manuel Garcia, rezavam e cantavam o Çairé. Iure manteve a posição de alferes dos predecessores. “Muito embora se encontre registros de canto e dança de certos índios da Amazônia, aqui, o que se conhece como Çairé, é só o seu símbolo, o semicírculo de cipó torcido, envolvido com algodão, fitas e flores coloridas”, explica Iure, que esperava a hora de zumbir o tarol.
RITO FINAL
Ao final da noite, pouco antes de servida a janta, a dispenseira explicou que o caldo de carne levava coentro, cebolinha, pimenta-do-reino, cominho... Havia farinha na mesa. Os pratos foram servidos. A festa se encerrou na segunda-feira, quando ocorreu a cha-
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DIVERSIDADE
Seja no barracão, onde se faz danças e ladainhas, ou na rua, onde se levanta o mastro, o Çairé marca a identidade cultural do povo santareno
mada “quebra macaxeira”. Nesse dia e em outros momentos, se serviu o tarubá, bebida de mandioca fermentada, de origem indígena, produzida numa vila próximo a Alter do Chão. A bebida é forte! “Quem não está acostumado, fica logo bêbado”, disse uma participante. “A gente gosta. O Çairé é uma diversão pra gente”, finalizou a juíza Maria de Nazaré Farias de Oliveira, 62 anos, que se tornou juíza para substituir a irmã e permaneceu no posto. No Lago dos Botos, o vencedor de 2015 foi o Tucuxi. Gradativamente, se fundiu o Çairé centenário, manifestação da cultura popular, à disputa dos botos, modelo tal qual o Boi de Parintins. Às vezes, em meio à programação, o rito tradicional se perdia frente aos shows, à pirotecnia do espetáculo e a uma série de outros eventos paralelos. E se a disputa de botos fosse separada do rito no barracão? “Hoje, se quisessem separar Çairé, a parte da festa dos botos e a do rito, a maioria ia dizer não”, assegura Iure Dias. “Pra quem gosta de festa, tem festa; pra quem gosta de boto, tem boto. Pra quem gosta da parte religiosa, tem a reza”. OUTUBRO DE 2015
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SUSTENTABILIDADE
Uma nova dinâmica econômica no Marajó FUNDO COMUNITÁRIO DO AÇAÍ CRIADO COM CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DE R$ 1,00 VIABILIZA INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA E MELHORA A VIDA DE FAMÍLIAS DE COMUNIDADE MARAJOARA
O
ficialmente, o vilarejo ribeirinho de Santo Ezequiel Moreno, em Portel, Ilha do Marajó, foi criado em 2003, a partir de uma comunidade familiar católica, mas, desde 1960, há moradores na região. Atualmente 28 famílias residem no local. São cerca de 160 habitantes, a maioria crianças. Na entrada do lugarejo, a vegetação e os sedimentos da várzea não ajudam o tráfego dos barcos. “Houve épocas em que a prefeitura não queria mandar professores. Diziam que
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era difícil o acesso”, relembra o líder comunitário Teófro Gomes, 37 anos. Ele está à frente de uma rotina que é diária na vida das populações amazônicas: criar mecanismos de sobrevivência e reprodução em contextos com baixa incidência de políticas públicas e cenários ricos em recursos naturais. A comunidade ribeirinha está localizada na Gleba Acuti-Pereira, uma área equivalente a mais de 60 mil campos de futebol, sob a gestão do Estado e dentro
do território de Portel. O município sempre se destacou como um polo madeireiro no Pará. Em 2004, o desmatamento aliado à extração sem controle do palmito interferiu no habitat dos morcegos da região. Houve centenas de ataques pelo mamífero voador. Foram relatadas no mínimo 15 mortes decorrentes do vírus da raiva humana– transmitido pelo animal. “Aquilo parece que mexeu com o mundo. Até o vice-governador veio aqui”, conta Teófro.
Uma das vítimas estava a três quilômetros da comunidade Santo Ezequiel Moreno. Ela foi velada no vilarejo. A tragédia atingiu a todos. Em meio a uma série de intervenções de educação-ambiental o uso dos recursos naturais teve que ser repensado. Trocar a palmeira pelo fruto do açaizeiro foi a alternativa. No ano seguinte, a localidade começou a extrair açaí e viu que era mais rentável e sustentável do que o palmito. Em 2010, foram comercializadas na comunidade em torno de 11 mil latas (cada recipiente equivale a 15 kg) do caroço de açaí, ao valor médio de R$ 10. A dinâmica econômica, porém, contrastava com a estrutura da comunidade. “Notamos que vendíamos açaí sem planejar. Era ‘cada um por si e Deus por todos’”, diz Teófro Gomes, à época presidente da associação local. No mesmo período, notou-se que o centro comunitário precisava ser ampliado e, como de costume, os moradores se reuniram logo após a missa para planejar o que fazer. Foi naquele momento que a ideia veio à tona: “E se cada pessoa doar R$ 1 por lata vendida?” Estava lançada a proposta do Fundo Comunitário do Açaí. “Muitos não aceitaram. Houve desconfiança. Mas antes do final do ano [em 14 de junho de 2010], começamos a reformar nosso centro de reuniões com o dinheiro do fundo. Quando viram que deu certo, as pessoas começaram a contribuir”, diz Teófro, que hoje faz o curso técnico em Agropecuária no Instituto Federal de Educação do Pará (IFPA). Para ele, o papel do fundo comunitário não se restringe ao fortalecimento da autogestão e independência da comunidade. Ele é um instrumento de cobrança do poder público. “Na época, a prefeitura dizia que não tinha recursos para construir uma escola. Porém construímos um
centro comunitário que até hoje serve para abrigar o estudo dos meninos e meninas”, diz durante a reportagem realizada no prédio onde será instituída a primeira escola da comunidade, construída pela gestão municipal após cinco anos de criação do fundo. “Um real não compra um litro de açaí em Belém. Porém, um real multiplicado pela força e pela motivação da comunidade se torna muito, ganha volume a partir de uma relação solidária”, comenta Daltro Paiva, coordenador de projetos da ONG Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). Em setembro, o IEB realizou um intercâmbio na comunidade Santo Ezequiel Moreno, onde reuniu cinco lideranças comunitárias do Pará (São Félix do Xingu, Porto de Moz, Belterra) e Amapá (Itaubal e Laranjal do Jari). O grupo compartilhou suas experiências com fundos socioambientais, que são disponibilizados por diferentes instituições para fomentar, por exemplo, práticas sustentáveis de produção. Após três dias de viagem para participar do intercâmbio em Portel, a apicultora Lenice Bezerra, de São Félix do Xingu, sudeste do Estado, se impressionou com a paisagem marajoara. “Como conseguem viver com tanta água ao redor?”, admirou-se. Ao acessar um fundo socioambiental, Lenice investiu na produção de mel. “Quando implementei essa atividade (com abelhas) outras pessoas se interessaram por ela. É um trabalho de formiguinha, mas aos poucos vamos diversificando o lote (terra)”, conta a apicultora sobre o esforço empenhado num município em que a pecuária e seus
PRODUÇÃO
Com a criação do fundo comunitário, a venda de açaí aumentou e gerou uma melhor distribuição de renda nas comunidades
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SUSTENTABILIDADE
“Precisamos lutar por educação para o homem do campo” TEÓFRO GOMES
Líder comunitário em Portel
Ponte para educação
mais de dois milhões de cabeças de gado parecem ser hegemônicos. A atitude da moradora de São Félix do Xingu se assemelha à luta marajoara. Ambos buscam conhecimento e recursos para influenciar formas mais sustentáveis de reprodução econômica, as quais são pouco viabilizadas pelo Estado. Teófro e outras lideranças do Marajó participaram de eventos e intercâmbios como esses promovidos pelo IEB e outras organizações socioambientais. A troca de experiência não se restringe a aspectos técnicos, mas reúne também a dimensão política enquanto movimento social atuante e organizado. Maria Luiza Gomes, 29 anos, preside a Associação Agroextrativista do Rio Acuti-Pereira. Durante o intercâmbio, manteve 52 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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contato com história de luta das comunidades da Reserva Extrativista Verde para Sempre, em Porto de Moz. Os moradores impediam o trânsito de balsas carregadas com toras de madeira extraídas ilegalmente da região. “Nós fazíamos o mesmo no rio aqui em frente, mas com os pescadores que utilizavam malhadeiras fora do permitido pelo plano de uso da gleba”, explicou, lembrando-se da semelhança entre as formas de embate.“Além do açaí, a comunidade trabalha com abacaxi, bacuri e possui até uma miniagroindústria. Porém, o que se destaca é a organização social deles”, afirma o técnico local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater), Milton Costa, que há dois anos acompanha o desenvolvimento produtivo e sustentável dos comunitários.
O Fundo Comunitário do Açaí é acessado em casos de emergência médica, viagem com propósito de formação e participação de encontros para tratar de assuntos de interesse da comunidade. Porém, uma das principais funções dessa poupança é investir na estrutura local. Pedro da Silva Bahia pisa nas tábuas da ponte suspensa sobre a várzea e se recorda da época quando era preciso se equilibrar em restos de tronco lisos de ucuúba e açaizeiro, carregando sacas pesadas de farinha, produzidas na área de terra firme (também chamada de centro). No caminho de 600 metros, erguido em seis dias, Pedro revela um desejo comum na comunidade Santo Ezequiel Moreno: uma vida melhor para as crianças do lugar. “Nós do interior sofremos por falta de informação. Aqui sonhamos com educação de qualidade”, desabafa a líder comunitária Maria Luiza Gomes. A ponte foi um progresso que poucos acreditavam que seria realizado. Porém, se foi possível ligar a área de várzea ao centro, por que não ir mais longe? “Precisamos continuar lutando por educação para o homem do campo, para os filhos do Marajó. É a partir de uma formação voltada para nossa realidade que vamos descobrir realmente a riqueza e o recursos que temos para viver”, aspira Teófro. ESTA REPORTAGEM FOI PRODUZIDA PELA ONG INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO BRASIL A PEDIDO DA REVISTA AMAZÔNIA VIVA (TEXTO E FOTOS: LUCAS FILHO)
ARTE, CULTURA E REFLEXÃO ROBERTA BRANDÃO
PENSELIMPO
Arte caseira O CANTOR E GUITARRISTA MARCEL BARRETTO FALA DE SUAS PARCERIAS MUSICAIS COM A PEGADA DO PARÁ
PÁGINA 54
MOSTRA
POETA
EXPOSIÇÃO
O 34º Salão Arte Pará abre as portas para 16 artistas e coletivos apresentarem obras de diversas linguagens artísticas. PÁG.58
O jornalista e compositor Ruy Paranatinga Barata eternizou elementos amazônicos em suas músicas, poesias e romances. PÁG.60
No mês dedicado à festa de Nossa Senhora de Nazaré, o Polo São José Liberto expõe joias e imagens da padroeira do Pará. PÁG.62
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PAPO DE ARTISTA
G
Escolhido pela
PARA O CANTOR E GUITARRISTA MARCEL BARRETTO, A RELAÇÃO COM SUAS COMPOSIÇÕES É ALGO SOBRENATURAL. MOVIDO POR UM AMOR POR TUDO E POR TODOS, O ARTISTA CURTE UMA “SOFRÊNCIA”, MAS TAMBÉM DÁ VALOR AO SOM POP AGITADO DE SUA ALMA CRIATIVA. TEXTO DOMINIK GIUSTI FOTOS ROBERTA BRANDÃO 54 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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"A
música escolhe as pessoas”, acredita o cantor e guitarrista Marcel Barretto, que ainda adolescente começou a tocar junto com amigos em uma banda de reggae, em Belém. seguindo por essa lógica, foi, então, um escolhido: hoje, aos 24 anos, o músico possui canções autorais e está em fase de realização do primeiro disco solo. Mas para ele, tudo depende dos amigos que o levaram a crer na carreira artística e o incentivaram na sua produção musical. Ao lado de nomes regionais, como Ana Clara Matos, Camila Honda e Juca Culatra, Marcel se apresenta e busca parceiras sonoras. Suas composições, de tendência pop-eletrônica, são misturas de suas referências. Diz criar conforme seu ânimo, surpresas cotidianas, os movimentos diários da vida. Não há um tempo ou lugar, mas a experiência da criação, que, segundo ele, pode vir a qualquer momento. Sente agora o frio na barriga por estar formalizando seu trabalho. O músico é franco-brasileiro. Nasceu em Toulouse, no sul da França, quando os pais passaram uma temporada no país, e acha engraçada a condição. Com espírito leve e divertido, garante: “Marcel Barretto é um músico guitarrista, cantor e compositor e vai fazer isso até o último dia da sua vida!”.
Me conte um pouco sobre você. Você nasceu na França. Como é ser brasileiro nascido em outro país? Como foi essa vinda para cá? Sou franco-brasileiro, nasci em Toulouse, que fica no sul da França. O bom de ser brasileiro nascido em outro país é o close de poder falar francês fazendo biquinho (risos). Misturar a “brazucada” com o charme da França é demais. Meus pais são brasileiros e moraram uma época na França em função de trabalho e estudos. Acabei acontecendo por lá... Minha mãe diz que ela foi em um busca de um espírito francês.
DUPLA CIDADANIA
Marcel Barretto é franco-brasileiro. Nasceu em Toulouse, no sul da França, quando os pais passaram uma temporada no país.
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PAPO DE ARTISTA
Você começou sua carreira aos 16 anos, tocando em uma banda de reggae. Como foi esse início e de que forma seu envolvimento com a música foi se profissionalizando? Esse início foi maravilhoso, porque me juntei com a galera certa, pessoas que convivo e trabalho até hoje, como MG Calibre, Léo Chermont, Bruno Fernandez, Juca Culatra e outros. Como era o mais novo, todos eram muito cuidadosos e amigos. A música escolhe as pessoas, tive a sorte de ter crescido no meio da música através da minha mãe, que é musicista, e ter sido acolhido, fui tocando na noite com outras bandas e sempre tive uma queda por composição, música autoral sempre brilhou nos meus olhos. Até que me juntei com o Juca Culatra para tocar músicas autorais, e gravamos um CD. Foi com o meu amado irmão Juca Culatra, o mais doido de todos, que comecei a viajar e entender como funciona o processo mais profissional da música. Aqui em Belém você tem diversas parcerias com músicos e cantores. De que maneira esses contatos e trabalhos foram formando seu estilo, suas músicas? Afinidades a gente não escolhe, elas acontecem. Fui escolhendo o que era agradável aos meus ouvidos, meu universo. Meu estilo é formado da mesma forma. Ouço muita coisa, tento juntar tudo de uma forma pessoal, temporal e geográfica e reproduzir dentro do que gosto do que eu acho que seja de bom gosto.
REFERÊNCIAS
Acima, Marcel mostra a tatuagem no lado esquerdo do peito em homenagem a Robert Smith, do The Cure (logo abaixo). Juca Culatra é um grande parceiro musical.
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Você também compõe música e melodia. Os músicos dizem que cada um tem uma dinâmica própria. Como é o momento de criação para você? Meu momento de criação é toda hora, às vezes estou andando na rua, e vem um refrão, uma melodia, uma ideia na cabeça. Não existe um esforço para compor, é um chamado. É algo sobrenatural. Existe também a força dos sons que estou ouvindo no momento, que despertam a
“Ouço muita coisa, tento juntar tudo de uma forma pessoal, temporal e geográfica e reproduzir dentro do que gosto do que eu acho que seja de bom gosto” vontade de entender o que me toca, e, consequentemente, traz novas ideias, tudo faz parte. Um novo amor, um abraço, uma tristeza, um chifre, um abraço de uma mulher bonita, uma boa risada com um bom amigo... A composição está na minha vida. Sou um cara que curte rir, abraçar e me entregar para o momento, isso traz o melhor e o pior das pessoas, e eu sigo compondo. E como estão os projetos da carreira solo? Você vai lançar o primeiro disco. Como está esse processo, as músicas, as parcerias? Meu projeto solo está vivo, fértil e agora capitaneado pelo produtor executivo Juca Culatra. Lançarei o primeiro disco em breve, muita gente pergunta sobre ele, e me sinto muito querido O processo é sempre lento, até porque é o meu primeiro disco então estou fazendo muita coisa pela primeira vez, compor, gravar, mix , master e tal. Mas podem aguardar. Marcel Barretto é um músico guitarrista,
ELISEU DIAS / AGÊNCIA PARÁ
cantor e compositor e vai fazer isso até o último dia da sua vida! As músicas a vida traz. Meus mestres Carlos Eduardo Miranda, Iuri Freiberger, Tomas Magno, artistas e amigos próximos, entre outros, são o meu pente-fino, ouço muito as opiniões dos caras que amo e admiro. As parcerias são eternas e metamórficas, não teria como citá-las, mas tudo e todos são parceria, inclusive essa entrevista. Marcel, quais as suas referências musicais, de que forma isso acabou produzindo seu gosto e influenciou suas composições? A minha influência é tudo que é do mundo, clássicos, funk, eu gosto muito de funk. Amo Michael Jackson, Stevie Won-
der, Jhonny Hooker, e vários outros, mas fundamentalmente a banda que foi decisiva para que eu escolhesse ser músico: The Cure. Tenho até uma tatuagem do Robert Smith, no peito, ao lado do meu coração. Essa admiração é porque eles faziam um pós-punk romântico, meio deprê. O Robert Smith é pai do gótico. Vi que era possível fazer rock com uma guitarra rica, sem distorção, e também com palavras honestas. O Robert Smith é rei da sofrência. Quando ouvi “Boys Don’t Cry” e “Pain Song” foi quando comecei a querer tocar. E escolhi a guitarra, que é o instrumento da minha época. Sou de 1988 e os anos 90 são a época do barulho, do Nirvana. Todo garoto tinha uma guitarra elétrica, meus amigos tinham e
só eu levei a sério o relacionamento com a guitarra. Tenho referências do pop também como a banda Whiter Boy Alive, uma banda sueca, ouço muito, sempre, é atemporal. E também Caetano Veloso, que para mim é o “pai da liga”, músico mais completo que existe, inova e faz discos históricos até hoje. Belém vive uma efervescência cultural. Qual a sua relação com a cidade? Belém é a minha prisão domiciliar (risos). É o lugar onde estão as pessoas que mais amo, eu sou muito do amor, expansivo, universal. Sou muito apegado a essa cidade. Sou fã daqui, é a Los Angeles da Amazônia. Quero viajar fazer coisas fora, mas Belém é meu porto seguro. OUTUBRO DE 2015
NO PALCO
Marcel Barretto se apresentou no Terruá Pará 2103 ao lado do paraense Filipe Cordeiro
OUÇA
Marcel Barretto no SoundCloud
Marcel Barretto e Ana Clara
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ARTE + PESQUISA DIVULGAÇÃO / ARTE PARÁ
VISUALIZAÇÃO
Os visitantes do Arte Pará 2015 terão contato como diversas expressões artísticas, como como fotografia, vídeo e performance
O vigor da contemporaneidade O SALÃO ARTE PARÁ CHEGA À 34ª EDIÇÃO ESTE ANO E SE CONSOLIDA COMO GERADOR DO CONHECIMENTO E FORMAÇÃO CULTURAL NA AMAZÔNIA TEXTO DOMINIK GIUSTI
O
Arte Pará chega este ano à sua 34ª edição, com o vigor da contemporaneidade: 16 artistas e coletivos apresentam obras de diversas linguagens como fotografia, vídeo, performance, instalação no Museu do Estado do Pará (MEP), Casa das Onze Janelas e Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. A escolha dos nomes foi feita após mapeamentos e diálogos, com curadoria geral de Paulo Herkenhoff e curadoria adjunta de Armando Queiroz, para a regiões Norte e Centro-Oeste; Bitu Cassundé, para a região Nordeste; e Pablo Lafuente, para as regiões Sul e Sudeste, com a coordenação geral de Roberta Maiorana e Vânia Leal. 58 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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A dinâmica curatorial buscou a consistência poética e ainda a trajetória dos artistas, com o objetivo de apresentar uma exposição articulada com demandas contemporâneas da arte e que valorizam a solidez conceitual e a proposta estética de cada selecionado. “Esta edição apresenta um recorte equilibrado de uma agenda mais significativa para o mundo contemporâneo que vivemos. Os curadores adjuntos têm uma visão do que está ocorrendo no Brasil e também na área internacional, de modo que o Arte Pará representa este ano o que se faz no país, com escolhas muito precisas, que nos leva a considerar a unidade ecológica do mundo, suas relações políticas, sociais, mas também aquilo que
é o conhecimento e a produção sobre a natureza”, analisa o curador geral. Roberta Maiorana ressalta que o Arte Pará é também um projeto de arte e que caminha cada vez mais para ações colaborativas com instituições de pesquisa e arte e através da ação cultural e educativa. Desde o início de agosto, os mediadores que atuam nos espaços expositivos participaram de encontros com artistas e curadores em palestras realizadas no Sesc Boulevard. Além de permitir uma exposição de obras, o salão também se propõe à formação de novos agentes culturais, que são estudantes universitários de diversos cursos como arte, comunicação, história, museologia.
“Todo esse movimento que o Arte Pará cria, além de gerar uma construção de conhecimento e formação por conta do educativo renova a cada edição a formação ampliada de crianças, jovens, adultos, público de melhor idade, público especial, no sentido de refletir as diferenças, criando conexões práticas através da educação. Cada edição é diferente e as obras dos artistas vêm justamente para alinhavar a troca e conhecimento. A Fundação Romulo Maiorana sempre considerou o Salão Arte Pará no sentido de se firmar como um Projeto de Arte Educação”, explica Roberta.
EXPERIÊNCIA
HOMENAGEM
Como tradição no Arte Pará, este ano a artista homenageada será Anna Maria Maiolino. Nascida na Itália, em 1942, mu-
Serviço Arte Pará Visitação até 7 de dezembro de 2015 Museu do Estado do Pará e Casa das Onze Janelas Terças-feiras: entrada gratuita. Crianças até 7 anos, maiores de 60 anos e pessoas com deficiência acompanhadas não pagam. Grupos agendados de instituições formal e não formal também não pagam. Agendamentos: (91) 4009-8845 (de segunda a sexta-feira, das 9h as 16h). Visitação: de terça a sexta-feira, das 10h às 18h; sábado, domingo e feriados, de 9h às 13h. Ingressos: R$ 4,00 (inteira) e R$ 2,00 (meia entrada) Museu Paraense Emílio Goeldi Parque Zoobotânico - de quarta-feira a domingo, das 9h às 17h. Rocinha – de quarta-feira a domingo, das 9h ás 15h. Ingressos: R$ 2,00 (inteira) e R$ 1,00 (meia) Informações: (91) 3216-1142/ 1125 www.frmaiorana.org.br
APOIO
Mauro Correa, diretor comercial dos Supermercados Nazaré, que completa 18 anos de apoio este ano, destaca que fator fundamental para a parceria de longo período é o caráter educacional do Arte Pará. “Para nós, é muito relevante levar os estudantes para conhecer sobre artes, o que abre novos horizontes. O jovem precisa do ensino e também de atividades que complementem. Além disso, aliamos a nossa marca ao de um homem que marcou a história do Estado, Romulo Maiorana”, comentou. O diretor geral da Faculdade Integrada Brasil Amazônia (Fibra), Vicente Noronha, também enfatizou que a parceria que já ocorre há quatro anos se fortalece em função de propósitos comuns: estimular e divulgar o conhecimento e acesso à arte e cultura. “Essa também é a nossa missão e por isso queremos continuar apoiando. Além disso, nosso corpo de professores apoia o projeto e busca participar das atividades, já que são acadêmicos. E nos aliar à esse projeto engrandece o nosso nome”, disse. A Sol Informática e o Sindicato Transporte de Passageiros Belém (Setransbel) também apoiam a realização do evento.
DIVULGAÇÃO / ARTE PARÁ
Pablo Lafuente avalia que a mostra não há uma temática a ser seguida, tampouco um direcionamento que separe as regiões, mas que considera a extensão e densidade da prática artística no Brasil. “Fizemos uma pesquisa para uma exposição mais diversa, mais articulada, e com uma habilidade maior para estabelecer trocas entre diferentes linguagens e geografias. A pesquisa também ajudou a trabalhar com práticas artísticas, e não trabalhos”, diz. Bitu Cassunde destaca que sua experiência no mapeamento artístico na região Nordeste aponta para a dinâmica do circuito e experimentar novas estratégias. “Minhas escolhas evidenciam um recorte de artistas que em diferentes linguagens e proposições apontam proposta consistentes para problematizar questões do contemporâneo como: a diáspora, a cultura afro-brasileira, gênero e sexualidade, ruína e ficção, subjetividade e forma”, comenta. Armando Queiroz também avalia que o processo curatorial enfatizou uma postura investigativa, com olhar sensível para os artistas e suas produções. “Isso dá mais coesão ao resultado final, diferente de um certame competitivo. Dessa maneira, será possível uma reflexão, porque certamente os curadores criam relações entre obras e artistas selecionados”, define.
dou-se para o Brasil em 1960. Iniciou seus estudos artísticos na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde começou a desenvolver pinturas e xilogravuras. Em entrevista ao curador Paulo Herkenhoff, em 2001, ela disse: “Eu não sou uma artista que passa a limpo. Sou uma artista toda contaminada”. Com essa afirmação, é possível perceber que Anna Maiolino tem uma produção híbrida, com referências de diversas linguagens. “A polivalência de Maiolino se desdobra em pinturas, gravuras, desenhos, esculturas, objetos, livros, performance, filmes e instalações. (...) A arte é como a vida, que é um rio, que é a linha, que é um pensar, que é o fluxo de energia, que é o trabalho, que é a escrita, que é um rizoma, que é um labirinto, que é um corpo, que é a experiência, que é o ‘cheio do oco’, que é vida e a arte no processo de Anna Maria Maiolino”, escreve Herkenhoff.
ARTISTAS QUE VÃO EXPOR ESTE ANO Ayrson Heráclito (BA) Bárbara Wagner e Benjamin de Búrca (AL) Carlos Melo (PE) Cristiano Lenhardt (RS) Daniel Lie (SP) Elza Lima (PA) Fabiana Faleiros (RS) Francisco Klinger Carvalho (PA) Luiz Baltar Luiz Braga (PA) qUALQUER qUOLETIVO (PA) Rafael RG (SP) Romy Pocztaruk (RS) Virginia de Medeiros(BA) Wagner Barja (DF) Yuri Firmeza (CE) OUTUBRO DE 2015
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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS
O dono da rua feita de rio TEXTO VITO GEMAQUE ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR
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Ruy Barata 1920-1990
U
ma estátua em tamanho real sentada no Parque da Residência, antiga Casa do Governador, na avenida Magalhães Barata, em Belém, se mantém compenetrada. Os visitantes posam ao lado para tirar fotos. O homem homenageado até hoje é considerado um dos maiores poetas e compositores paraenses e que inspirou várias gerações – Ruy Barata. Durante sua vida, o santareno se dedicou à música, à poesia e à política. Grandes intérpretes cantaram as composições que Ruy fez com o filho, Paulo André Barata. A parceria rendeu composições como “Paranatinga”, “Paupixuna”, “Foi Assim” e talvez a mais famosa de suas criações, “Esse Rio é Minha Rua”. Os versos “Esse rio é minha rua/ minha e tua mururé,/ piso no peito da lua,/ deito no chão da maré” ficaram nacional e internacionalmente conhecidos pelas interpretações de Fafá de Belém, Nilson Chaves e Nazaré Pereira. A trajetória na literatura foi ainda mais fecunda com vários poemas publicados, sendo o mais notório “O Nativo de Câncer”. Ruy Guilherme Paranatinga Barata era filho único do também advogado e político Alarico Barros Barata e de Maria José Piranatinga Barata. O pai o alfabetizou e teve forte influência sobre o filho. Aos dez anos, Ruy se mudou para Belém para continuar os estudos. Em 1938, entrou para a Faculdade de Direito do Pará, e três anos depois se casou com Norma Soares Barata, com quem teve nove filhos. Ao concluir os estudos, ingressou no jornal Folha do Norte, de Paulo Maranhão, e começou a frequentar a roda de papo do Café Central, no centro de Belém, que reuniu nos anos 40 e 50, intelectuais como Mario Faustino, Benedito Nunes, Haroldo Maranhão e Waldemar Henrique. A primeira publicação literária de Ruy, “Anjos dos Abismos” (1943), com o apoio decisivo de Dalcídio Jurandir, é lançada nesse período. Depois da estreia, passa anos publicando poesias avulsas em folhas literárias locais. Nas décadas seguintes escreveu “A Linha Imaginária” (1951) e “Violão de Rua” (1962). Em 1946, ingressou no Partido Social Progressista (PSP) sendo eleito aos 26 anos, como deputado da Assembleia Constituinte do Pará. FONTE: A LINHA IMAGINÁRIA E OUTRAS LINHAS, RUY GUILHERME BARATA, SECULT, 2014.
Com o fim da II Guerra Mundial e a derrota do nazifacismo, Ruy se destaca como deputado em defesa dos Direitos Humanos dos povos do mundo e da Amazônia. A forte atuação o leva à reeleição em 1950, e em 1957 a deputado federal, defendendo a nacionalização do petróleo, grandes causas nacionais e a paz mundial, nos momentos cruciais da Guerra Fria. Em 1959, ano em que entra na militância clandestina do Partido Comunista do Brasil (PCB), a política se demonstra na produção literária com a saudação à revolução cubana no poema “Me trae una Cuba Libre/Porque Cuba livre está”. Sua obra adquire cada vez mais o tom político, denunciando a miséria e a injustiça social. Também no final dos anos 50, iniciou a construção de “O Nativo de Câncer”, o mais extenso de todos da sua obra literária com 527 versos decassíbalos. O poema-inventário é dividido em dois cantos com força épica que entrelaça a mitologia grega à Amazônia e a própria vida do poeta. Ao longo do tempo, Ruy Barata sempre retornava ao poema que ficou inacabado, modificando a pontuação, substituindo palavras, transformando ou suprimindo versos, mas sem alterar a estrutura do poema. Em 1964, ele sofreu a perseguição do regime militar. Foi preso, demitido do emprego no cartorário e aposentado compulsoriamente do cargo de professor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA), com menos de 10% dos ganhos. Passou a exercer a advocacia para sobreviver no escritório do pai. E, na vida artística, mostrou-se um exímio letrista para as melodias do filho, Paulo André. Os dois passaram a compor músicas que retratam a Amazônia urbana e rural. Com a promulgação da Lei da Anistia, em 1979, Ruy Barata retomou alguns direitos, aposentando-se como cartorário e sendo reintegrado ao quadro de docentes da UFPA. O santareno faleceu em 23 de abril de 1990, durante uma cirurgia em São Paulo, para onde viajara para coletar dados sobre a passagem de Mário Andrade por Belém, em 1927. Até hoje a estátua do Parque da Residência e a obra de Ruy Barata despertam o interesse de estudiosos, intelectuais e da nova geração de paraenses. OUTUBRO DE 2015
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AGENDA ANDERSON SILVA / AGÊNCIA PARÁ
CULINÁRIA A coordenação do concurso “400 anos de alimentação em Belém com enfoque na culinária e hábitos culturais relacionados” segue com o edital aberto. O concurso tem por objetivo estimular e valorizar a alimentação e ingredientes consumidos em Belém. Para isso, serão eleitos os melhores artigos acadêmicos sobre alimentação que contemplem os quatro séculos de história da cidade. Os detalhes podem ser acessados no site www. institutopaulomartins.org.br e as inscrições vão até 9 de dezembro. LITERATURA O grupo de pesquisa Estéticas, Performances e Hibridismos (ESPERHI) promoverá de 3 a 6 de novembro a III Jornada Nacional de
Círio, uma joia da cultura popular
Estudos de Literatura e Resistência. O evento é realizado duas vezes por ano no campus uni-
Com a proposta de contribuir para o fortalecimento do turismo religioso do Estado, bem como da econo-
versitário de Abaetetuba e, nesta edição, será
mia criativa nos segmentos do artesanato religioso, joias e design, o Espaço São José Liberto abrirá duas
discutido o tema “A resistência após 35 anos
exposições com acervos inéditos sobre o Círio, que compõem uma agenda integrada elaborada pela
de democracia!”. Para mais informações sobre
Secretaria de Estado de Turismo (Setur) e uma rede de parceiros.
submissão de trabalhos, taxas de inscrição
O tema da exposição de joias este ano é “Maria, luz do mundo”. Com cerca de 80 joias exclusivas, criadas e
e programação detalhada, acesse o site do
produzidas por empreendedores criativos, designers, ourives, lapidários e demais profissionais, as peças
evento jelre2015.wordpress.com.
ficarão expostas até 31 de outubro. Já a mostra “Nazaré e outras Marias” reúne 50 imagens de Nossa Senhora, pintadas à mão pela Entre-
INGLÊS
Santos Artesanato, que reúne cinco artesãs paraenses. A exposição ficará aberta até 2 de novembro, na
As inscrições para a segunda demanda do
Capela do São José Liberto. As imagens também serão comercializadas.
Test of English as a Foreign Language, o Toefl
As exposições ficarão abertas ao público no horário diferenciado do Espaço São José Liberto. No mês de
ITP, no segundo semestre de 2015, ainda es-
outubro: de segunda a sábado, das 9h às 18h30, e aos domingos e feriados, das 10h às 18h. O espaço não
tão abertas. Os próximos testes serão realiza-
abrirá no dia do Recírio (26). Entrada franca.
dos nos dias 25 de setembro, 5 de outubro, 19 de outubro e 23 de novembro. As inscrições
O Theatro da Paz vai se transformar em uma grande roda de carimbó em outubro. Pelo menos é o que anuncia a pro-
DIVULGAÇÃO
PINDUCA NO FIDA
são gratuitas. O aluno interessado deve acessar o site isf.mec.gov.br para fazer a inscrição. Na UFPA, as inscrições ficam abertas até o dia 23 de novembro.
fessora de dança Clara Pinto, à frente de mais uma edição do Festival Internacional de Dança da Amazônia, o Fida. O
AUDIOVISUAL
evento, que reúne nomes como Ana Botafogo e Carlinhos
O Toró – 1º Festival Audiovisual Universitário de
de Jesus, além de bailarinos de várias partes do mundo,
Belém é voltado para a produção audiovisual
será aberto no dia 20 deste mês, no Da Paz, com uma
de estudantes universitários e alunos de escolas
homenagem ao “rei do carimbó”, Pinduca. Os espetáculos
de cinema e audiovisual. Tem como objetivo
noturnos serão de 20 a 25 de outubro, com ingressos dis-
a difusão de obras audiovisuais realizadas no
poníveis na bilheteria do teatro ou em uma das unidades
meio acadêmico do País. O festival abrangerá
da rede de escolas Clara Pinto. Além das apresentações
diversas categorias a fim de contemplar a
de duos, solos e grupos de bailarinos de todo o Pará e de
diversidade de formatos presentes na produção
outros países, como Estados Unidos e Argentina, o Fida
audiovisual contemporânea, em permanente
oferece aos participantes oficinas para reciclagem em balé
processo de expansão. As inscrições vão até o
clássico, para amadores e profissionais. Ingressos a partir
dia até 15 de outubro. Mais informações no site
de R$ 20. Informações: (91) 3223-1744
nupaufpa.wix.com/festivaltoro.
62 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
OUTUBRO DE 2015
FAÇA VOCÊ MESMO
PINTURA VAZADA EM CAMISAS No mês do Círio de Nazaré, uma das tradições é usar um camiseta com alguma imagem alusiva à festividade e participar das procissões, missas ou para usar no dia a dia. E para driblar a crise econômica do País e estimular a criatividade, e quem sabe resultar até numa renda extra, as Oficinas Curro Velho ensi-
Do que vamos precisar?
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Folhas de papel sulfite 1 folha de acetato (pode ser substituída por chapa de raio-x) 1 estilete com travas 1 régua 1 caneta piloto
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nam como usar o estêncil, técnica que utiliza molde vazado, para criar camisetas personalizadas. É possível fazer novas peças ou customizar e recuperar peças antigas. O material usado poderá render várias camisetas. Claro, outras estampas poderão ser feitas depois, bastando usar a criatividade.
1 camisa branca Cola permanente Tinta para tecido (nas cores desejadas) 1 pedaço de papelão Fita crepe Pedaços de esponja Secador de cabelo
INSTRUTOR: CRISTIANO AMORIM / COLABORAÇÃO: LUIZA NEVES (TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL – ARTES VISUAIS) / FOTOS: WALACE FERREIRA OUTUBRO DE 2015
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FAÇA VOCÊ MESMO
4 7
Faça ou imprima o desenho desejado no papel sulfite, destacando com cores diferentes as partes que serão cortadas.
2
Posicione a folha de acetato sobre cada parte do desenho. Fixe em uma mesa com fita crepe e faça os recortes com estilete, formando o estêncil.
Posicione e centralize o primeiro estêncil na camisa e passe a fita crepe. Comece com estêncil que melhor define a imagem para melhor encaixe das outras cores.
5
Pinte o primeiro estêncil dando leves batidinhas com a esponja. Seque com o secador ou ao tempo e repita o processo com as outras cores.
Observe que a imagem da camisa se encontra em total conformidade com aquela desejada.
8
Após o processo de pintura, lavar 72 horas depois e curtir a sua nova camiseta.
3 6 9
Com o pincel, passe cola sobre um pedaço de papelão. Deixe secar ou acelere com um secador de cabelo e depois posicione o papelão por dentro da camisa.
Nas sequências das outras cores, é importante se obter uma perfeita visão da imagem para o encaixe correto.
Agora é só usar a nova camiseta para curtir o período do Círio.
Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará.
Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 64 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
OUTUBRO DE 2015
RECORTE AQUI
1
ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável
LEONARDO NUNES
BOA HISTÓRIA
Primos Emílio acreditava que a prima Sônia tinha um jacaré de estimação. Não entendia
muito bem as conversas sobre os parentes que moravam longe – referência sempre usada pelos adultos quando mencionavam a cidade dos parentes do Norte. No entanto, o menino fixou a imagem do réptil à menina que não conhecia. Compôs a cena primeiro com pavor, porque o lagartão que rascunhou em pensamento era enorme e horrível, com dentes pontiagudos e perigosos. Depois se convenceu que Sônia possuía um minijacaré, proporcional à idade dela. Gostava de pensar no animal andando de coleira nas ruas levado pela garota que não conhecia. Sônia nunca teve um jacaré, claro. Viu um uma vez no museu e perguntou porque ele parecia com uma pedra e desejou ter um no quintal para usar como banco. O pai explicou que não seria possível. Ela entendeu. Soube de Emílio, o primo que morava longe, também por
conversa dos pais. Ouviu: a r r a n h a- c é u s, selva de pedra. De novo as frases soltas de gente grande mais confundiram do que explicaram. Emílio encontrou Sônia já adulto, quando virou biólogo e contou a história do jacaré. Sônia caiu na gargalhada com a ideia estapafúrdia de andar com um jacaré por aí, ainda mais encoleirado. O agora rapaz havia saído da cidade dos arranha-céus para buscar o sonho de estudar os bichos que imaginava, já ciente de que a cidade era uma cidade muito parecida com a sua com prédios, carros, poluição. Com a diferença de ter um rio imenso como cartão-postal e mangueiras espalhadas em túneis, que ele venerava por amar a natureza. Soube que a prima também fantasiou as árvores de pedra e um Emílio australopiteco na infância. Se admirou de tamanha
imaginação da então priminha. Pouco tempo depois, Sônia partiria para outro país para estudar Sociologia. E ambos lamentaram o novo distanciamento, cada um em novo lugar com novo entendimento sobre espaço, e cientes de que as conversas dos adultos no passado só serviram para confundir os dois pobres inocentes. Fincado em sua paixão pela natureza, ficava o antes pequeno capitão-caverna urbano, agora barbudo homem da Ciência, na selva que nunca foi selva. Seguia a curumim, hoje cunhã exuberante, a enfrentar outras selvas de pedra sem jacarés em coleira, resoluta de que era seu o mundo e ia entendê-lo muito além de sua aldeia. OUTUBRO DE 2015
Anderson Araújo
é jornalista e escritor
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NOVOS CAMINHOS
Indígenas podem beneficiar todo o país Resultado de estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em
parceria com a Sociedade Alemã para a Cooperação Internacional (GIZ) volta a
THIAGO BARROS
é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros
vimento Limpo (MDL), aprovado no âmbito do Protocolo de Quioto. Cada crédito de carbono corresponde a uma tonelada de CO2.
Nos últimos anos, comunidades indí-
colocar os povos indígenas do Brasil em
genas brasileiras têm sido alvo cada vez
destaque na esfera de discussões sobre
maior de organizações internacionais
os temas ambientais mais relevantes. As
em busca de créditos de carbono, seja
instituições apontam que os territórios
para conseguir Certificados de Emissão
habitados por índios na Amazônia bra-
Reduzida (CER) - no Brasil, a compra e
sileira representam uma reserva de apro-
venda de créditos é feita em leilões na
ximadamente 13 bilhões de toneladas de
BM&FBovespa - ou nos mercados volun-
carbono, o equivalente a 30% do estoque
tários, que não geram pontuações para
de toda a floresta.
países signatários do Protocolo de Kyoto.
De acordo com informações do Ob-
Desde que os índios paiter-suruí de
servatório do Clima - rede de entidades
Rondônia confirmaram a primeira venda
da sociedade civil para discussão das
de créditos de carbono com certificação
mudanças climáticas no Brasil -, o rela-
internacional no Brasil, em 2013, a regu-
tório do Ipam e GIZ estima que 431 mi-
lamentação de projetos semelhantes é
lhões de toneladas de dióxido de carbono
tema de acirrada discussão: os créditos
(CO2) deixarão de ser emitidas até 2020
são dos indígenas ou a negociação deve
por conta da proteção gerada pelas terras
ser mediada pelas instituições ambien-
indígenas - que têm reserva total de 46,8
tais oficiais brasileiras? Em agosto deste
bilhões de toneladas de CO2. Contudo,
ano, o Instituto Chico Mendes de Con-
esse grande potencial não é compensado
servação da Biodiversidade (ICMBio)
por estar desarticulado do mercado de
suspendeu a implantação de projeto na
crédito de carbono.
Reserva Extrativista Tapajós/Arapiuns,
A criação de projetos voltados à redu-
no Pará, após protesto de 13 etnias que
ção de emissão de gases que aceleram o
vivem na área. Os indígenas cobram a
aquecimento do planeta ganhou força
demarcação de terras e afirmam que as
no início dos anos 2000, mas muitas co-
empresas envolvidas nas negociações de
munidades estão alheias a esta realidade
créditos querem impedir uso das flores-
por falta de políticas públicas adequadas
tas como subsídio.
e regulamentação. A lógica é a seguinte:
Impasses como este reforçam a ne-
cada tonelada de CO2e (a letra “e” significa
cessidade de atenção urgente do governo
equivalente) não emitida ou capturada da
sobre o que a manutenção de terras indí-
atmosfera em países em desenvolvimento
genas favorece. A monetarização de cré-
como o Brasil podem ser negociadas com
ditos de carbono pode auxiliar na dimi-
nações que precisam cumprir metas.
nuição da vulnerabilidade dessas áreas
O acesso ao mercado internacional
e reforçar a proteção às florestas, o maior
de créditos de carbono, no entanto, de-
patrimônio brasileiro. Se os povos indíge-
pende da conquista de certificação, de
nas forem beneficiados, todo o restante
acordo com o Mecanismo de Desenvol-
do país também será.
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OUTUBRO DE 2015
O acesso ao mercado internacional de créditos de carbono, no entanto, depende da conquista de certificação
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