TRADIÇÃO
A devoção a São Sebastião que movimenta o Marajó
LITERATURA
Dalcídio Jurandir e seu legado na cultura brasileira
REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.
DEZEMBRO 2O17 | EDIÇÃO NO 75 ANO 7 | ISSN 2237-2962
ROBÓTICA SUSTENTÁVEL
Integrantes de projetos sociais e instituições de ensino superior estão reciclando a sucata eletrônica de computadores, celulares e eletrodomésticos, descartados no lixo comum, para fabricar robôs que ajudam a desenvolver pesquisas científicas em diversas áreas da saúde, engenharia e meio ambiente na Amazônia
Gente que faz música, música que faz gente. Contém: Desenvolvimento de novos artistas Concertos abertos para a comunidade Promoção da cultura Dos 66 músicos da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, 34 foram formados pelo programa Vale Música. Joás da Costa, de 19 anos, é um deles. Ainda criança, ingressou no Vale Música em 2012, quando conheceu o eboé, se apaixonou pelo instrumento de sopro e dividiu seu fôlego entre os estudos e os ensaios. Esse é um exemplo que nos enche de orgulho e reforça a importância de se investir em cultura, na formação de plateia e no desenvolvimento de novos artistas. O programa Vale Música é patrocinado pela Vale via Lei Rouanet. Conheça mais sobre a história de Joás e de outras pessoas que crescem lado a lado com a gente. Acesse vale.com/ladoalado
Agência EKO Foto LED Produções
Joás da Costa, 19 anos. Ingressou no Vale Música em 2012 e, hoje, é integrante da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz
EDITORIAL
PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - JORNAL O LIBERAL DEZEMBRO 2017 / EDIÇÃO Nº 75 ANO 7 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo RONALDO MAIORANA Vice-Presidente ROSÂNGELA MAIORANA KZAM FERNANDO SETTE
REAPROVEITAR PLACAS E FIOS
Integrantes do projeto social Gileade, em Ananindeua, constroem robôs com sucata eletrônicas
FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe
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A reinvenção do lixo tecnológico Quando se fala em reciclagem do lixo é bem provável que logo nos venha à mente o reaproveitamento de papéis velhos, garrafas PET e latinhas de cerveja e refrigerante. Usados em larga escala na indústria da sustentabilidade, esses materiais, que antes iriam parar na lata do lixo, ganham um novo status socioeconômico, ajudando, inclusive, na geração de emprego e renda de comunidades Brasil afora. Mas a reutilização de componentes eletrônicos, provenientes de computadores, celulares e eletrodomésticos, também tem gerado novos produtos e novos caminhos sustentáveis. Aliado à educação ambiental e científica, o investimento em robótica na Amazônia, DEZEMBRO DE 2017
mesmo a passos lentos, tem aberto novas possibilidades, principalmente entre a população jovem do Pará. Projetos sociais, como o Gileade, no bairro Águas Lindas, em Ananindeua, e instituições, como o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), ensinam os estudantes a construírem protótipos de robôs feitos de sucatas eletrônicas para serem usados no desenvolvimento de pesquisas em áreas da saúde, engenharia e meio ambiente, por exemplo. O uso de lixo eletrônico, hardware e software livres para fazer a robótica a baixo custo tem se tornado um negócio de futuro e que pode ser rentável para as comunidades de baixa renda da Amazônia.
Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Jurídico Corporativo EDUARDO CORREA PINTO KLAUTAU Conselho editorial RONALDO MAIORANA ROSÂNGELA MAIORANA KZAM LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho, Instituto Mamirauá, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (acervo); Alinne Morais, Caio Oliveira. João Thiago Dias, Victor Furtado (reportagem); Carlos Borges, Fernando Sette, Paulo DeCarvalho, Pedro Peloso (fotos); Fabrício Queiroz (produção), Agenor Sarraf, Anderson Araújo e Inocêncio Gorayeb (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar e Leonardo Nunes (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Fernando Sette AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade. CNPJ (MF) 04.929.683/0001-17. Inscrição estadual: Isenta Inscrição municipal: 032.632-5 Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco Belém - Pará amazoniaviva@orm.com.br REALIZAÇÃO
NESTA EDIÇÃO
EDIÇÃO Nº 75 / ANO 7
FERNANDO SETTE
DEZEMBRO2017
32 Uma solução para o lixo eletrônico
A construção de robôs é uma alternativa para o descarte sustentável da sucata tecnológica CAPA REPRODUÇÃO
PAULO DECARVALHO / IPHAN
ARQUIVO PESSOAL
PEDRO PELOSO
E MAIS
20 28 40 48
FOTOGRAFIA
SOCIEDADE
QUESTÃO DE FÉ
O ESCRITOR
O biólogo Pedro Peloso
O doutor em História So-
A partir de janeiro, as festi-
Autor de grandes obras
também se dedica a regis-
cial Agenor Sarraf Pacheco
vidades de São Sebastião
como Chove nos Campos
trar a beleza amazônica
faz uma análise sobre a
ocorrem em pelos menos
de Cachoeira e Primeira
pelas suas lentes, resul-
intríseca relação homem
14 dos 16 municípios da
Manhã, Dalcídio Jurandir
tando em um trabalho
e natureza, enraizada na
região do Marajó, levando
marcou seu nome na
incrível sobre a região.
população marajoara.
esperança aos habitantes.
cultura brasileira.
OLHARES NATIVOS
OUTRAS CABEÇAS
COMUNIDADE
LITERATURA
4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 54 55 57 58
EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS ESTANTE AMAZÔNICA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS
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ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES
LÍVIA PRESTES / MUSEU GOELDI
BEM-VINDOS AO NOSSO LAR
A notícia de que o aquário do Museu Goeldi foi reaberto ao público após 13 anos foi a mais curtida em nosso Facebook na edição passada. FPABIO PINA
MISTÉRIOS DA MEIA-NOITE...
As fotos de Fábio Pina sobre a visitação noturna ao cemitério de Colares, no nordeste paraense, foram as mais curtidas no Instagram da revista em novembro.
CÉSAR FAVACHO/ MUSEU GOELDI
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TEXTOS VICTOR FURTADO E ALINNE MORAIS ACERVO IEB/ LUCAS FILHO
PRIMEIROFOCO
O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA
PELO FUTURO DA FLORESTA PARCERIA ENTRE IFPA E IEB PROMOVE O MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL DO MARAJÓ PÁGINAS 8, 9 E 10
FAUNA
ALERTA
O programa Quelônios da Amazônia registra aumento de quase 300% na população de tartarugas-da-amazônia na região entre 1980 e 2017. PÁG.12
Estudo da Nasa mostra que o derretimento de geleiras nos Polos Sul e Norte colocaria em risco cidades como Belém do Pará. PÁG.13
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PRIMEIRO FOCO
RESPEITO ÀS FLORESTAS 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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ACERVO IEB / LUCAS FILHO ACERVO IEB / MARCOS SILVA
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA campus Breves) e o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) estabeleceram uma parceria para fortalecer o Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF). É uma formação voltada para a área de gestão de recursos naturais, nos cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), e técnicos inseridos no eixo tecnólogo de Recursos Naturais. Inicialmente, o foco é levar os profissionais para atuarem no arquipélago do Marajó. A longo prazo, poderão trabalhar no MFCF de qualquer lugar. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, até 2016, o desmatamento já havia consumido 3,77% do arquipélago do Marajó, cerca de 400 mil campos de futebol. O IEB notou a importância de profissionais que possam mudar a realidade do desmatamento da região. Por isso procurou os estudantes do IFPA campus Breves. As duas instituições já tinham uma relação de parceria desde 2016. O novo termo de cooperação técnica foi publicado no Diário Oficial da União no dia 5 de dezembro. “O IEB entende que a qualificação de pessoas no tema do MFCF contribui para diminuir a pressão sobre a floresta. O Marajó é um território rico em recursos naturais e com comunidades dispostas a manter esse patrimônio. Esperamos fortalecer pessoas e organizações que atuam em favor da sustentabilidade no arquipélago”, comenta Manuel Amaral Neto, coordenador do IEB. Não é o primeiro passo dado para formação de profissionais voltados
ao MFCF. Em 2009, o IEB já tinha um termo de cooperação técnica com o IFPA, mas em Castanhal. O IEB assumia a responsabilidade de coordenar a disciplina de MFCF no curso de técnico de florestas. Um dos desdobramentos dessa relação foram quatro edições de cursos na modalidade FIC, três com ênfase na área florestal e um ligado à agroecologia. Ambos atenderam mais de 100 educandos de comunidades extrativistas e rurais do Pará. Desde o ano passado, o IEB e o IFPA campus Breves começaram a planejar formas de atender à necessidade de formação específica em MFCF. A terceira turma do Formar Florestal, realizada em 2016, contemplou alunos do território do Marajó. Em agosto deste ano, o IEB ajudou a moderar a oficina de construção do Projeto Político Pedagógico do Curso Técnico em Florestas Integrado ao Ensino Médio, previsto para iniciar em 2019. O FIC em MFCF será ofertado em 2018. Os debates reuniram cerca de 30 pessoas, a maioria da sociedade civil do Marajó. “Os poucos técnicos em floresta da região tiveram de estudar em Castanhal para concluir a formação. A necessidade desse profissional é visível no território. Por exemplo, a concessão para exploração na Floresta Nacional de Caxiuanã é de 40 anos. Lá, não há um técnico local.”, explica o coordenador do IFPA Campus Breves, professor Mário Médice. Para Mário um dos aspectos positivos da parceria é o enfoque sustentável que o IEB pode aportar, principalmente aos futuros técnicos florestais. “O IEB é um parceiro de
FORMAÇÃO AMBIENTAL
IFPA e IEB elaboram um planejamento específico que possam atender à fomação das comunidades do Marajó
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PRIMEIRO FOCO ACERVO IEB / LUCAS FILHO
FORMAÇÃO DE LÍDERES
A terceira turma do Formar Florestal, realizada em 2016, contemplou alunos do território do Marajó, que foram acompanhados pela equipe do IEB e IFPA campus Castanhal
longa data do IFPA. Tem uma equipe comprometida. Sua abordagem sobre o uso correto das florestas vai além da perspectiva econômica. Valoriza os saberes e costumes das comunidades tradicionais e agroextrativistas [público que o IFPA – Breves almeja atingir]. Buscamos ter sucesso nesse trabalho conjunto”, conclui. O IEB é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1998. Ao longo de sua trajetória, a instituição dedicou sua abordagem para a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais com base no fortalecimento de lideranças e organizações comunitárias. Daí essa proximidade com as comunidades e amplo debate público sobre como formar profissionais para a região do Marajó.
PROGRAMA FEDERAL
Em 2009, o governo federal instituiu o Programa de Manejo Florestal Comunitário e Familiar (PMFC). O manejo florestal é uma alternativa de renda para as comunidades rurais, que alia o uso eficiente e racional das florestas ao desenvolvimento sustentável local, regional e nacional. Quando foi criado, o programa visava permitir que ribeirinhos, indígenas, qui10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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lombolas, assentados e agricultores familiares recebessem capacitação, apoio técnico e recursos financeiros para trabalhar a floresta de forma sustentável, a partir dos planos de manejo comunitário. É por meio desses planos que os comunitários organizam a retirada de madeira e dos chamados Produtos Florestais Não Madeireiros (óleo, borracha, cascas, frutos...) sem esgotar a floresta. O público potencial do programa envolve os habitantes de quase 60% dos 210 milhões de hectares de florestas públicas do Brasil, o que inclui cerca de 512 mil indígenas que vivem em 105 milhões de hectares de terras, 3.524 comunidades quilombolas já mapeadas pela Fundação Cultural Palmares e 545 mil famílias assentadas na Amazônia Legal. O MFCF ainda enfrenta diversos obstáculos: a ausência de regularização fundiária; a dificuldade de acesso a linhas específicas de crédito; a lentidão na aprovação de planos de manejo, devido inadequação das exigências para aprovação à realidade dos comunitários; a reduzida escala de produção; e a precária infraestrutura para garantir o fluxo e o beneficiamento dos produtos florestais.
SUSTENTABILIDADE EM FAMÍLIA Diretrizes dos programas de manejo florestal comunitário e familiar no Brasil ▶ Desenvolvimento sustentável, por meio do uso múltiplo dos recursos naturais, bens e serviços das florestas ▶ Geração de trabalho e renda para os beneficiários ▶ Identificação e valorização das diversas formas de organização social, cultural e produtiva das comunidades, visando o respeito às especificidades dos beneficiários e dos diferentes biomas ▶ Promoção do acesso das comunidades aos institutos jurídicos que permitam a regularização da posse e do uso das áreas ocupadas nas florestas da União, quando este uso for permitido pela legislação em vigor ▶ Fomento à elaboração e implementação de planos de manejo como instrumentos aptos a orientar os manejadores na gestão adequada da produção sustentável ▶ Promoção de assistência técnica e extensão rural adaptadas ao manejo florestal comunitário e familiar ▶ Promoção da educação ambiental como instrumento de capacitação e orientação da juventude rural, visando estimular a sua permanência na produção familiar, de modo a assegurar o processo de sucessão ▶ Estimular a diversificação produtiva e a agregação de valor à produção florestal de base comunitária e familiar ▶ Fomento à pesquisa, ao desenvolvimento e à apropriação de tecnologias pelos beneficiários. FONTE: DECRETO FEDERAL 6.874/2009
TRÊSQUESTÕES
LUTA NA AMAZÔNIA
LIDERANÇA COMUNITÁRIA DE PORTO DE MOZ RECEBE PRÊMIO INTERNACIONAL tantes de órgãos federais e conseguiu aprovar um plano de manejo florestal comunitário para a Resex. O feito permitiu que os moradores da Resex pudessem extrair e comercializar madeira de maneira sustentável. Após tantas lutas e vitórias, a paraense agora comemora a premiação. “Sinto-me agradecida e emocionada. Valeu a pena todo esforço, a dedicação, as articulações, as parceiras. Esse prêmio é de todos”, diz ela. A premiação, que foi criada em 2012, é oferecida pelo The Collaborative Partnership on Forests (Parceria Colaborativa sobre Florestas). A iniciativa reúne voluntariamente em um acordo informal 14 organizações internacionais e secretarias com programas voltados às florestas. A missão do grupo é promover e fortalecer o compromisso político a longo prazo da gestão sustentável de todos os tipos de florestas.
Um projeto de financiamento coletivo da Pará.grafo Editora tem reeditado os livros do escritor e poeta paraense Dalcídio Jurandir, que tem um legado para a literatura brasileira, mas que o tempo tornou inacessível a muitas pessoas. Por meio do site www.catarse.me/dalcidiojurandir, os visitantes podem conhecer mais sobre o projeto de reedição. Dênis Girotto, da editora, fala um pouco mais sobre o futuro desse resgate artístico da literatura paraense. Dalcídio Jurandir é um grande escritor paraense. Mas o que levou a escolher as obras dele para reedições e por que começar com “Ponte do Galo”? Iniciamos a campanha de reedição das obras dalcidianas pelo romance “Ponte do Galo” por ser o livro há mais tempo fora de catálogo. O livro foi publicado em 1971 e nunca havia sido reeditado. A partir do financiamento bem-sucedido de “Ponte do Galo”, quais as próximas obras e relevância delas no acervo do autor? Dando continuidade ao projeto de reedições, optamos pelos romances “Três casas e um rio”, escolhido através de enquete na página da editora, e “Os Habitantes”, que dá continuidade ao “Ponte do Galo” e que nunca ganhou reedição. Ambos esgotados há décadas. A que se deve o sucesso desse financiamento coletivo digital? A figura de Dalcídio e a necessidade de literatura com identidade local ajudam neste sentido? A literatura de Dalcídio Jurandir é única, poética e marcante. O sucesso da campanha de reedição, acreditamos, se dá por conta do carinho
GLF / PILAR VALBUENA
que os leitores têm pela obra deixada por ele. Obra esta que retrata o cotidiano amazônico como nenhuma outra.
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ARQUIVO PESSOAL
Maria Margarida Ribeiro da Silva (abaixo), comunitária da Reserva Extrativista “Verde para Sempre”, em Porto de Moz, no Pará, recebeu o prêmio Wangari Maathai “Forest Champions”. O troféu é dedicado a pessoas que trabalham para conservar as florestas e melhorar a vida da população que depende desses espaços. Há mais de 10 anos, ela luta para que as comunidades extrativistas aproveitem economicamente e de forma sustentável os recursos das florestas. Nascida no município paraense de Porto de Moz, Margarida atua na Reserva Extrativista (Resex) “Verde para Sempre”, uma unidade de conservação de cerca de 1,2 milhão de hectares, área maior que o Líbano. Em 2006, após anos de discussões com órgãos públicos locais e reivindicações que não eram atendidas, Margarida foi a Brasília, dialogou com represen-
Os livros perdidos de Dalcídio Jurandir
PRIMEIRO FOCO
AGÊNCIA PARÁ
POPULAÇÃO DE TARTARUGAS CRESCE NA REGIÃO AMAZÔNICA Coordenado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o programa Quelônios da Amazônia (PQA) constatou um aumento de quase 300% na população de tartarugas-da-amazônia (Podocnemis expansa), desde o ano de 1980 - quando foram contabilizadas 2.715 fêmeas na região - até 2017. Para chegar a conclusão, os estudiosos monitoraram 10 mil fêmeas da espécie no período de 29 de setembro a 10 de novembro deste ano. As espécies escolhidas para o monitoramento estavam em idade reprodutiva e habitavam a região conhecida como tabuleiro de Monte Cristo, no Rio Tapajós, próximo ao município de Aveiro, no Pará. Segundo Raphael Fonseca, coordenador 12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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do PQA no estado, o aumento no número de animais é um sinal positivo para o meio ambiente. “Estamos muito satisfeitos com esse crescimento, pois ele indica que a redução observada no último ano foi revertida”, afirma. O Programa monitora cerca de 50 mil fêmeas de Podocnemis expansa em idade reprodutiva em oito estados brasileiros: Amapá, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Rondônia e Roraima. As equipes técnicas fiscalizam os locais de desova para evitar a caça, abrem uma amostra representativa de ninhos e registram medidas dos animais para avaliar as populações. A pesquisadora Priscila Miorando, da Universidade Federal do Oeste do Pará
(Ufopa), foi ao tabuleiro de Monte Cristo para acompanhar o trabalho realizado na região e conduzir pesquisas. A Podocnemis expansa é a maior espécie de quelônio da América do Sul e a única a possuir comportamento social descrito em estudos científicos. As fêmeas se reúnem na praia que se forma com a baixa do Rio Tapajós para prepararem seus ninhos. Alvo de caça e roubo de ovos, a espécie é protegida desde 1979, ano em que foi criado o PQA. O tabuleiro de Monte Cristo, considerado como área de reprodução da espécie, também é usado por tracajás (Podocnemis unifilis) e pitiús (Podocnemis sextuberculata), além de ser considerado um dos maiores do país.
DERRETIMENTO
ELESSEACHAM
Segundo simulação divulgada pela Agência Especial Americana (Nasa), o derretimento de geleiras nos Polos Sul e Norte e Groenlândia, aumentaria o nível dos oceanos em seis metros e mais de 290 cidades seriam afetadas. Entre as localidades que sofreriam o impacto está Belém. As simulações, realizadas com avançados recursos de computação reversa e mapeamento geotérmico pelo Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JetLab), mostram que o derretimento aumentaria o nível dos oceanos em até seis metros, o que causaria consequências catastróficas para todo o planeta. No caso de Belém, os especialistas explicam que a proximidade do Estado com o Equador, acabou por colocar o local na lista de cidades afetadas. O estudo mostrou ainda que não existe uma data específica para a catástrofe acontecer, pode ser em 100 anos ou em poucas semanas. No entanto, eles alertam que algumas cidades não estão
FOTOS: HELY PAMPLONA
BELÉM ESTÁ NA ROTA DE INUNDAÇÃO POR GELEIRAS DOS POLOS preparadas para sofrer uma variação tão rápida. Os pesquisadores explicam também que o aumento do nível do mar não será uniforme e vai variar de acordo com os lugares. “É como o efeito do carrossel. Se você está no centro com ele girando, praticamente não vê força nenhuma atuando. Ao contrário. Quanto mais se estiver nas extremidades mais se sente o efeito”, explicou David Zee, oceanógrafo, engenheiro ambiental e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em entrevista à Sputnik Brasil. O professor alertou ainda que além do nível do mar, o estudo da Nasa revelou também a gravidade e o risco do aumento da temperatura do planeta. Segundo ele, mesmo uma pequena variação de dois graus Celsius já seria o suficiente para causar a destruição de ecossistemas importantes, como as barreiras de corais e manguezais, fontes primordiais para o equilíbrio de toda a vida marinha.
Vestidos de pedrês
Várias aves apresentam uma plumagem pedrês em partes do corpo, no corpo inteiro, ou quando ainda são imaturas. Esta característica pedrês de cores entre branco, amarelo, marrom e preto geralmente está relacionada ao comportamento de defesa por camuflagem com o ambiente, solos e vegetação seca. O socó-boi (Tigrisoma lineatum), quando imaturo, apresenta o corpo todo pedrês. Sempre fica muito tempo estático, anda lentamente e confia na sua camuflagem. Diante do perigo voa por curta distância e novamente fica parado; se for novamente perturbado, então voa para a copa das árvores. Vive em lugares úmidos nas margens de ambientes aquáticos, onde se alimenta de insetos, peixes e outros pequenos animais. A marreca-cabocla (Dendrocygna antumnalis), que têm os filhotes branco e pretos, quando perturbada se embrenha no chão da mata e as vezes se faz de morta. Tanto a mãe como os filhotes se confundem com a vegetação e os folhiços do chão. Por INOCÊNCIO GORAYEB
AFP IMAGEFORUM DEZEMBRO DE 2017
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FATO REGISTRADO
Extrativismo de subsistência TEXTO E FOTOS INOCÊNCIO GORAYEB
A foto é de 1976, em excursão ao rio Urubu, afluente do rio Negro, no Estado do Amazonas. O destacado zoólogo Paulo Friedrich Buhrnheim (1937-2001), paulista que se radicou no Amazonas e que foi professor pioneiro do curso de pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e professor da Universidade Federal do Amazonas, assiste desolado os ribeirinhos desembarcarem porcos queixadas abatidos em caçada. Estes animais foram salgados e defumados para alimentarem as várias famílias da comunidade por dias. Nas amplas áreas rurais da Amazônia muitas comunidades de terra firme e ribeirinhas vivem do extrativismo da pesca e da caça e estas atividades 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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de subsistência são permitidas pela legislação. Apesar da desolação do pesquisador, atividades como o desmatamento, queimadas, poluição e outras agressões aos ambientes naturais são mais impactantes que o extrativismo de subsistência das comunidades nativas isoladas nesta vasta região. Os queixadas ( Tayassu pecari) são divididos por estudos morfológicos em cinco subespécies, entretanto, tal divisão não é confirmada por estudos genéticos. De hábitos diurnos e terrestres, é encontrado desde o sul do México até o nordeste da Argentina. Possui cerca de 1 metro de comprimento e pelagem negra com o queixo branco. Vive em bandos que chegam a somar mais de 300 indivíduos. Inicialmente, ocor-
ria por todo o Brasil, mas por ser uma espécie que exige amplos territórios e é muito sensível à caça, provavelmente já está extinta em alguns locais, como nos estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. A espécie é considerada a mais perigosa dos taiassuídeos e diferentemente de seus parentes caititus, os queixadas atacam de forma agressiva qualquer tipo de predador. Os queixadas, como outras espécies com ampla distribuição geográfica, sofrem diferentes impactos e estão sob diferentes graus de ameaça ao longo de sua distribuição no território brasileiro. Apenas na Amazônia o estado de conservação da espécie é “menos preocupante”.
PERGUNTA-SE
CULTURA
É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES
LIVRO ABORDA AS ORIGENS DO CARIMBÓ DE SOURE
Marcello Gabbay, professor paraense radicado em São Paulo, vai lançar, no início de janeiro, o livro “Música Popular e Comunicação Poética: uma história do carimbó no Marajó”. A publicação, resultado de quatro anos de pesquisa de doutorado e viagens ao arquipélago, documenta 100 anos de memória sobre a prática do carimbó em Soure, a maior cidade marajoara. O livro é divido em quatro perspectivas sobre o tema: a estética, a comunicacional, a ritualística e a política. Todas essas áreas são entrecortadas por relatos de campo e pelas histórias dos mestres e mestras da vida sourense. Além disso, a obra traz ainda o debate sobre dois temas: “A recuperação da história do ca-
Tomar açaí azedo faz mal?
Tem gente que só toma açaí depois que azeda um pouco. O costume é antigo e dúvida também, já que muitas pessoas associam
rimbó sourense” e “A afirmação da música popular como uma poderosa forma de comunicação poética, cuja força vinculativa ultrapassa a dos mecanismos tradicionais de comunicação, como o rádio e a imprensa”. Para o professor, o carimbó é uma área de grande importância para a cultura local, por isso deve ser valorizado em seus mais diferentes aspectos. “Deve ser entendido não como folclore, não apenas como manifestação popular, não apenas como dança ou música ‘de raiz’, mas como expressão, como comunicação”, explica ele. “E enquanto linguagem poética, o carimbó do Marajó expressa um valor estético, cuja função poderemos classificar como política ou engajada se tomamos em conta, acima de tudo, sua potência vinculativa”, diz.
o azedo ao estragado. O fato é que ocorre uma fermentação natural. Não tão diferente do que ocorre com o leite ao virar coalhada. A resposta, segundo a nutricionista Suenne Taynah Abe Sato, professora mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos e doutorando em Biotecnologia, é que não há risco comprovado. “É uma prática cultural antiga entre parte da população paraense, principalmente a ribeirinha. A literatura científica reporta que o açaí azedo consiste na bebida de açaí in natura, após processo de fermentação espontânea. Em estudos preliminares com açaí azedo, foi demonstrada a manutenção de algumas propriedades nutricionais, como antioxidantes e qualidade de gorduras, além de citações de relatos sobre a ausência de distúrbios gastrointestinais por parte dos consumidores”, explica a professora. Mas trata-se da fermentação natural e não provocada. Embora muitos alimentos fermentados sejam reconhecidos como seguros e benéficos à saúde, diz Suenne, o açaí azedo ainda não foi reconhecido legalmente como um alimento seguro. Por isso, o mais indicado é nunca exagerar. Mesmo que seja uma tradição. CARLOS SODRÉ / AGÊNCIA PARÁ
DIVULGAÇÃO/ AUTOR DO LIVRO
MANDE A SUA PERGUNTA
Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br
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EU DISSE
“Ali senti como se fosse um grito da natureza, por tudo aquilo que eu lutei a vida inteira para preservar a memória caruana” Zeneida Lima, sobre o filme “Encantados”, de Tizuka Yamasaki. Ambientada no Pará, a obra retrata a história de vida da pajé, escritora e educadora paraense.
“Falar sobre inclusão prefiro dizer inclusão do que diversidade - é só uma moda? Ou vai se tornar o padrão? Entendemos que todas as nossas histórias merecem ser contadas?” Viola Davis, atriz norte-americana, sobre a questão do preconceito.
REPRODUÇÃO
“O mundo está bem doido e preocupante. Tenho a impressão de viver um tempo que está chegando ao fim.” Gal Costa, cantora, ao comentar sobre os dias atuais em recente entrevista a Folha de S. Paulo.
“Essas descobertas destacam os riscos crescentes para as pessoas, as economias e a vida na Terra.” Patricia Espinosa, secretária executiva da Organização das Nações Unidas, sobre as mudanças climáticas no planeta.
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APPLICATIVOS
“O futuro é radical, no aspecto ambiental e no político.”
Açaí Delivery Belém Uma solução para quem quer encontrar o melhor açaí, pelo melhor preço e sem sair de casa. O app é uma espécie de iFood do açaí de Belém. Basta escolher o ponto de venda cadastrado no app e fazer o pedido. Dependendo da distância, é possível obter isenção na taxa de entrega. A comunidade de vendedores
Naomi Klein, jornalista, escritora e ativista canadense.
cadastrados e consumidores está crescendo. Gratuito, leve disponível apenas para Android.
Animais Dispersores da Floresta Amazônica App educativo em formato de jogo da memóREPRODUÇÃO
“Se decidirmos não nos mexer e não mudar a maneira como produzimos, investimos, nos comportamos, seremos responsáveis por bilhões de vítimas”
ria do Instituto Mamirauá. Gratuito e exclusivo para Android. Aqui, o usuário além de estimular a mente, aprende sobre sementes dos vegetais amazônicos e animais que ajudam na dispersão dessas sementes. E assim, como as florestas são povoadas e repovoadas com tanta diversidade.
Amazônia - a várzea e a floresta de terra firme Outro app educativo do Instituto Mamirauá. Só que neste, os usuários montarão quebra-cabeças enquanto aprendem, de forma
Emmanuel Macron, presidente
agradável, sobre dois ecossistemas da região
da França, em entrevista à rede
amazônica: as várzeas (florestas inundadas) e
de televisão norte-americana CBS
as florestas de terra firme. Exclusivo e gratuito
News. Na ocasião, ele comentou o
para Android.
modo de produção dos países de primeiro mundo.
FONTES: PLAY STORE E ITUNES
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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE
Atlas de sensibilidade ambiental No Brasil, a Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000, a Lei do Óleo, atribuiu ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) a responsabilidade na identificação, localização e definição dos limites das áreas ecologicamente sensíveis com relação à poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas, em águas sob jurisdição nacional. A partir dessa Lei, em 2004, o MMA elaborou as “Especificações e Normas Técnicas para a Elaboração de SAO Cartas de Sensibilidade Ambiental para Derramamentos de Óleo” na zona costeira e marinha. Esse processo culminou com a validação das “Especificações e Normas Técnicas para a Elaboração das Cartas” em um workshop ocorrido no Rio de Janeiro, em dezembro de 2001, nas dependências do Instituto Brasileiro de
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Petróleo e Gás (IBP). O evento contou com a presença de representantes do MMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Marinha do Brasil, órgãos estaduais de meio ambiente, setor petrolífero e Organizações Não-Governamentais (ONG). As Cartas SAO auxiliam na redução e na mitigação dos impactos ambientais causados por vazamentos de óleo e orientam os esforços de contenção, limpeza e remoção da substância. Isso ocorre por meio da identificação da sensibilidade dos ecossistemas costeiros e marinhos, de seus recursos biológicos e das atividades socioeconômicas que caracterizam a ocupação dos espaços e do uso dos recursos costeiros e marinhos nas áreas representadas. As cartas SAO já foram elaboradas para as seguintes
bacias: Ceará-Potiguá, Santos, Espírito Santo e Sul da Bahia. Em novembro de 2017 o Ministério do Meio Ambiente publicou o “Atlas de Sensibilidade Ambiental ao Óleo da Bacia Marítima da Foz do Amazonas”, coordenado por Valdenira Ferreira dos Santos, do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), Amilcar Carvalho Mendes, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e Odete Fátima Machado da Silveira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), esta já falecida. Este documento pode ser consultado e baixado no site do MPEG e do IEPA. Este Atlas é um importante documento com conteúdo básico e norteador para que os procedimentos devidos de investigação, licenciamento e prevenções de acidentes possam ser exigidos e implementados.
SIDNEY OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ
TEXTO INOCÊNCIO GORAYEB
ANTONIO CARLOS SEABRA MARTINS / ACERVO MUSEU GOELDI
DESENHOS NATURALISTAS
CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO
Mururu
O pica-pau-de-coleira A ilustração acima é de um pica-pau amazônico da espécie Celeus torquatus, descrito por Boddaert, em 1783. A figura é um dos milhares de desenhos do artista desenhista do Museu Goeldi, Antônio Carlos Seabra Martins (1942-1997). Existem quatro subespécies: C. torquatus torquatus, que ocorre do leste da Venezuela até as Guianas e nordeste da Amazônia; C. torquatus occidentalis, que ocorre do sudeste da Colômbia até o norte da Bolívia, na Amazônia brasileira até o Mato Grosso; C. torquatus tinnunculus, que ocorre no leste do Brasil nos estados da Bahia e Espírito Santos, e;
É uma planta da família Urticaceae (Bichetea officialis) que cresce nos terrenos alagadiços, cuja madeira é boa para estacas porque resiste a umidade. A planta também é boa para fazer casa de taipa com barro. Causa problemas por crescer na superfície dos rios podendo atrapalhar a pesca e a navegação. Mururu é também o nome dado a recipientes de armazenamento de grãos feitos de ramos da planta e capim seco cobertos com esterco de vaca. São importantes porque permitem o armazenamento por longos períodos, principalmente se forem protegidos da chuva. Mururu ainda é o nome dado aos caroços de milho que sobram na panela e que não estouram como pipoca. Outro significado do termo é relacionado a mal estar intermitente. Várias doenças ficam causando um estado constante de indisposição, moleza, fraqueza e desânimo, chamado de mururu. “Tem muita gente mururu neste planeta, gente que não reage ao calor, que não desabrocha”; “Esse teu mururu vai te atrapalhar em muitas coisas”. Por INOCÊNCIO GORAYEB
C. torquatus pieteroyensi, descrito em 1992 pelo ornitólogo do Museu Goeldi, David Oren, que ocorre no Pará, nas florestas da grande Belém. Duas espécies podem ser distinguidas das outras 12 espécies de Picidae que ocorrem na grande Belém, por serem de plumagem marrom (C. torquatus e C. elegans), porém, C. torquatus tem o peito preto. Alimentam-se de insetos e suas larvas e atacam cupinzeiros arborícolas. Somente a subespécie C. torquatus tinnunculus está ameaçada de extinção devido ao desmatamento da Mata Atlântica. Por INOCÊNCIO GORAYEB
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OLHARES NATIVOS
Amazônida do mundo
Biólogo de formação e fotógrafo por ocasião. Pedro Peloso é focado no estudo da biodiversidade e na biologia de anfíbios e répteis. Apaixonado pela natureza, viaja o mundo para documentar espécies desconhecidas, raras ou ameaçadas de extinção. Além de fotografar bichos, gosta de retratar o povo e a natureza. “Espero poder usar a fotografia como uma arma, potente mas pacífica, na luta pela preservação das florestas brasileiras, principalmente a Amazônia”, costuma dizer. Pedro nasceu em Brasília (DF), mas se mudou diversas vezes. Em 2007, veio parar na Amazônia pela primeira vez, morando em Belém por três anos, onde fez mestrado em Zoologia pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. Em 2010, mudou-se para Nova York, onde fez doutorado no Museu Americano de História Natural. Em 2014, voltou ao Pará, onde ficou até o meio de 2017, mais uma vez no Goeldi. Hoje, divide seu tempo entre Washington (EUA) e Belém. “Desde pequeno viajo pelo Brasil e sempre gostei de observar as pessoas e o jeito de viver do brasileiro. Na Amazônia, o povo parece ter uma conexão especial com a floresta e os rios - é um jeito diferente de lidar com a natureza comparado com o que eu vemos noutros cantos do país. É isso o
O povo e o rio
que busquei retratar neste ensaio.
Cada um tem o seu jeito de interagir com a natureza. Na Amazônia, desde cedo, aprende-se que o rio é o centro de tudo. É dali que tira-se o sustento e o lazer, o trabalho e o prazer. FOTO: PEDRO PELOSO 20 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Durante uma viagem a trabalho de Belém para a Estação Científica Ferreira Pena, em Caxiuanã, resolvi fotografar tudo o que me parecesse curioso ou interessante. O resultado aparece nas fotos deste trabalho.”
A estrada de água
Quem viaja de barco pela Amazônia não pode contar o tempo em horas, é capaz de enlouquecer. Melhor é contar em dias. FOTO: PEDRO PELOSO
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OLHARES NATIVOS
No balanço do rio Pela Amazônia, não se viaja no asfalto, mas sobre a água. Também não tem cama a gente dorme assim, pendurado. E no balanço da rede, quem manda é o rio. FOTO: PEDRO PELOSO
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Carona arriscada
Numa brincadeira perigosa, porém divertida, a meninada espera o barco passar e se agarra onde pode, sendo arrastados por vários metros. FOTO: PEDRO PELOSO
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OLHARES NATIVOS
Encontro de barcos Será uma família grande, ou será uma reunião? Uma festa, ou comunhão? FOTO: PEDRO PELOSO
Amigo inseparável
Por aqui não se vai longe sem um barco. Nem precisa ser bom, ou novo. Se flutua, a gente chega no destino, de um jeito ou de outro, num dia ou noutro. FOTO: PEDRO PELOSO 24 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Cadê o dono? É comum ver casas aparentemente vazias nas beiras de rios. Pode ser que o dono tenha ido viajar, pode ser que nunca tenha morado ninguém. Será que tem gente dentro? FOTO: PEDRO PELOSO
Experiência no remo
Muitos ribeirinhos passam boa parte das suas vidas em contato próximo com o rio. Conhecem cada meandro e cada furo em sua região. FOTO: PEDRO PELOSO. FOTO: PEDRO PELOSO
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OLHARES NATIVOS
Só observando
A passagem do nosso barco agita a o dia. Alguns acenam, outros se escondem – a maioria só observa. FOTO: PEDRO PELOSO
Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 26 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!
OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES FERNANDO SETTE
IDEIASVERDES
EU, ROBÔ SUCATA ELETRÔNICA É TRANSFORMADA EM MÁQUINAS AUTÔMATAS PÁGINA 32
IDENTIDADE
DEVOÇÃO
O doutor em História Social Agenor Sarraf Pacheco fala sobre a relação homem e natureza num cenário marajoara. PÁG.28
Comunidades do Arquipélago do Marajó se preparam para louvar São Sebastião nas festividades dos municípios. PÁG.40
OUTRAS CABEÇAS
Marajó na ótica de um marajoara O DOUTOR EM HISTÓRIA SOCIAL AGENOR SARRAF PACHECO FAZ UMA ANÁLISE PESSOAL E ACADÊMICA SOBRE UMA DAS REGIÕES MAIS FAMOSAS DO PARÁ
S AGENOR SARRAF PACHECO
é doutor em História Social (PUC-SP). Realizou Estágio Pós-Doutoral em Comunicação, Linguagens e Cultura (Unama). Professor Adjunto III da Universidade Federal do Pará (UFPA). 28 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
ou Agenor Sarraf Pacheco, nasci em 19 de junho de 1974, no rio Jaí, afluente do rio Macacos, no espaço rural do município de Breves, tradicionalmente chamado a “capital da Ilha de Marajó”. Minha mãe, Piedade Sarraf Pacheco, é filha de judeus marroquinos que, no século 19, chegaram ao Pará e vieram trabalhar em comércio, agricultura e extrativismo na região. Já meu pai, Pedro Castro Pacheco, é de descendência afroindígena. Esses mundos cruzados de povos e culturas, desde os laços de formação familiar, apontam uma constituição étnica plural de Marajó, desmontando o conceito precário de “Ilha de Marajó” para denominar o maior arquipélago fluviomarinho do mundo, formado por 16 municípios com mais de 500 mil habitantes. São formam o que venho chamando
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desde 2004 de Marajó das Florestas, formado por São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Breves, Bagre, Portel, Melgaço, Anajás, Gurupá e Afuá; e sete formam o Marajó dos Campos, constituído pelos municípios de Chaves, Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Ponta de Pedras e Muaná. Aos oito anos de idade, migrei com meus pais e seis irmãos para Melgaço, a Turquesa do Pará, e ali constituí a base da carreira estudantil, acadêmica e profissional. Tornei-me professor do antigo 1º grau, hoje Ensino Fundamental, e passei a ministrar a disciplina “Estudos Amazônicos” para alunos da 5ª série. A necessidade de conhecer melhor a história de Melgaço para poder ensinar àqueles discentes exigiu mergulhar, inicialmente, na pesquisa sobre a história local. As primeiras investigações fi-
zeram-me perceber que a população do município, apesar dos ancestrais laços com Breves, não era identificada e nem se identificava como marajoara. O movimento de assumir-se marajoara só foi iniciado na década de 1980, quando se começou a discutir a criação da Associação dos Municípios do Arquipélago de Marajó (Amam), com a inclusão de todas as unidades federativas da região. Assim, ao longo de minhas pesquisas, passei a problematizar os restritos e homogêneos sentidos que o termo “Ilha de Marajó” carrega para falar de uma região ancestral, estratégica para o Norte do Brasil, pois desde o período pré-colombiano tornou-se zona de conta de grupos etnicamente diferenciados, dotados de saberes, fazeres, crenças, línguas, costumes, sensibilidades de mundo, patrimônios materiais e
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imateriais, que constituíram uma poderosa civilização marajoara, assentada nas matrizes da tradição oral. Sites governamentais e não governamentais, por exemplo, sobretudo os voltados para políticas de propagação do turismo no Pará, reproduzem, geralmente, informações comuns que resumem o que instituições e grupos públicos ou privados denominam de “Ilha de Marajó”. Deste modo, nas representações propaladas pelas mídias impressas e digitais, as populações marajoaras são invisibilizadas, sobressaindo a construção de uma identidade natural única para todos os diferentes espaços do grande arquipélago. Completa esse quadro imagético o destaque dado para a criação de búfalos, a produção do artesanato de cerâmica, do queijo e as apresentações de danças para-folclóricas para estrangeiro e turista ver, sem focalizar saberes e sujeitos históricos que as produzem e as reinventam no passado e em tempos hipermidiáticos. A despeito da importância dessa produção cultural, ficam à
margem da ideia de “ilha” Melgaço, Portel, Bagre e Gurupá e toda riqueza populacional, histórica, cultural, memorial desses municípios, os quais continuam lutando pelo reconhecimento da identidade marajoara. No imaginário da concepção de “Ilha”, a geografia física predomina sobre a dimensão geopolítica e cultural no sistema de classificação tradicional cunhado para falar do Marajó e seus moradores. Um exemplo emblemático e um drama de identidade vive o município de Portel. Se geograficamente parte de seu imenso território de 25.384,865 km² estaria no continente, não é possível narrar histórias antes e depois da colonização e as lutas por emancipação e desenvolvimento desvinculadas de disputas e alianças com os municípios de Melgaço e Breves. Por identificar restrições, silenciamentos e contradições discursivas frente à concepção de “Ilha do Marajó”, em pesquisa de mestrado comecei a interrogar narrativas e imagens historicamente confeccionadas sobre o batismo colonial da região, interpretada quase
“A presença negra, continuamente reproduzida pelo sistema das fazendas de gado, cavalo e búfalo, fez emergir terreiros de umbanda onde orixás, santos e encantados mesclaram-se fortemente.” DEZEMBRO DE 2017
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OUTRAS CABEÇAS
sempre como uma parte de terra recortada e cercada por águas, isolada, cuja paisagem física, exótica e única invisibiliza o principal patrimônio dos municípios, os marajoaras, populações conformadas em diferentes matrizes étnico-raciais e seus contatos interculturais em diferentes tempos e espaços. Assim, se geograficamente não é mais possível falar em ilha, pois cada um dos 16 municípios da região é conformado em muitas ilhas, historicamente o uso do termo reafirmou isolamentos e formas de dominação de suas paisagens e gentes. Na esteira de um olhar interrogativo, venho problematizando convenções e discursos da tradição oficial, muitas vezes incorporados por habitante de fora e de dentro da região. A atitude tem aberto possibilidades para reconhecer a estratégica importância assumida pelos Marajós em seus variados tempos históricos, com destaque para a produção de saberes, tradições orais, alimentos, mão-de-obra e artesanias que sustentam a vida e a cultura amazônica. Não é raro ouvirmos turistas e visitantes evocarem a frase: “Ah, eu vou lá pra Ilha do Marajó”; como se o percurso da viagem provocasse uma transmigração para um território distante, não paraense e não amazônico. Para ler trajetórias históricas e socioculturais de municípios marajoaras, valorizando diferenças, especificidades, sem esquecer semelhanças, especialmente nas doloridas experiências de colonizadores que escravizaram e dizimaram populações atávicas, africanas e muitas de suas práticas culturais, nas incipientes políticas públicas implementadas na região, na reprodução contínua de ações coronelistas e clientelistas pelas gestões municipais, passei a operar a partir do mestrado, com a nomenclatura “Marajós” ou “Marajó das Florestas” e “Marajó dos Campos”, no intuito de desmontar aquela visão paradisíaca e análoga inventada e disseminada acerca da região. Por esse interesse, os termos “Marajó das Florestas” e “Marajós dos Campos” foram 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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assumidos para evidenciar outras paisagens, tradições, saberes, fazeres e movimentos geo-históricos e socioculturais urdidos por dentro e pelas margens da região. Denise Schaan e Cristiane Martins, em apresentação do livro “Muito além dos Campos: arqueologia e história na Amazônia Marajoara”, ao mencionarem o inventário de sítios arqueológicos realizados nos municípios de Bagre, Gurupá, Melgaço, Portel e Santa Cruz do Arari, entre julho de 2008 e fevereiro de 2009, reconheceram esforços que empreendi por esgarçar representações estáticas dessa área estratégica da Amazônia Oriental. “Se todo mundo já sabia que o Marajó tinha essas duas fisionomias paisagísticas distintas, Pacheco veio a denunciá-las por meio da pesquisa histórica social, mos-
trando onde esses Marajós se encontram e onde se diferenciam”. Essas evidências apontam os Marajós como multifacetados, construídos por grupos sociais diferentes que, em épocas distintas, ergueram os pilares materiais e imateriais para sustentar o que, hoje, compreendemos como seus patrimônios culturais. Do ponto de vista de uma economia do trabalho e sistema de crenças, diferenças e semelhanças entre Marajó das Florestas e Marajó dos Campos traduzem uma região de florestas onde predominaram as drogas do sertão sob o trabalho de variadas nações indígenas, duramente exploradas e exterminadas, a produção da farinha, a cultura seringueira com a contribuição de migrantes nordestinos, muitos deles
descendentes de negros escravizados, os quais ajudaram na conformação da mão de obra local. Igualmente, no Marajó das Florestas, fugas e deserções de indígenas e negros gestaram a formação de quilombos entre várzeas e terras firmes. Com o correr dos tempos, ali se intensificou a extração e exportação da madeira, palmito, coleta do açaí, entre outras atividades. No que tange à religião, para além do catolicismo português, a pajelança afroindígena plasmou crenças, práticas de cura e orientações sobre os rituais do cotidiano. Já no Marajó dos Campos, inicialmente sustentados pela força do trabalho indígena, recebeu expressiva presença negra com o comercio do gado vindo de Cabo Verde no século 17 e o nascimento das fazendas, assim como a presença do búfalo oriundo da Índia no século 19, ou a formação de pesqueiros em águas doce e/ou salgada, roças, plantações e extração de culturas diversas. A presença negra, continuamente reproduzida pelo sistema das fazendas de gado, cavalo e búfalo, fez emergir terreiros de umbanda onde orixás, santos e encantados mesclaram-se fortemente. De maneira mais intensa do que nas florestas, na região de campos, a formação e lutas no passado e persistências no presente das “terras de preto”, deu existência ao reconhecimento de uma diversidade de comunidades quilombolas. Neste complexo mundo, a descoberta, durante o doutoramento, da importância do arquipélago de Marajó no projeto de conquista portuguesa do vale amazônico e incentivado por inteligente leitura da região produzida pelo padre Agostiniano Recoleto Teodoro Madri, em 1979, que a batizou com a metáfora “El Corazón de la Amazonía”, levou-me a lê-la como Amazônia Marajoara. Assim, tanto no passado como no presente, os Marajós foram e continuam sendo a fronteira entre Pará e Macapá, Guiana Francesa e Pará, Macapá e Maranhão ou mesmo o ontem Grão-Pará e sua metrópole portuguesa e daí para as águas atlânticas, que ajudam a
“A dinâmica cotidiana dos povos marajoaras é profundamente marcada por saberes ancestrais capaz de articular humanidade e natureza a favorecer a continuidade de suas relações sociais.” alcançar outras Europas, Áfricas, Ásias em diferentes fronteiras físicas, simbólicas, econômicas, políticas e culturais. Da chamada periferia regional, procurei, então, enxergar por meio de diversos escritos e da própria historiografia paraense, como a Amazônia Marajoara foi ali noticiada. Quais lugares sociais lhe concederam configurações geopolíticas da região? A pesquisa, portanto, pretendeu recolocar os Marajós nas rotas de contatos com povos e culturas liminares, procurando evidenciar o valor não somente de sua posição geográfica, mas dos saberes de defesa que seus habitantes utilizaram, tanto no período colonial, para resistir a um modelo de colonização cristã, civilizador e uniformizador, linear e genocida, quanto na contemporaneidade, quando novos projetos evangelizadores e propostas de modos de vida modernos, pós-modernos e homogeneizadores ganham territórios. Nestes quadros, a região marajoara,
composta por uma variedade de relações históricas e socioculturais complexas, corresponde a um território plural, diferente e em conexões. Os espaços urbanos, por exemplo, são esquadrinhados pelo contínuo e tenso diálogo entre tradição e modernidade. Isso explica por que os habitantes parecem misturar com maestria novas tecnologias e saberes oriundos da dinâmica de rios, campos e florestas. O amálgama dessas relações forjadas no espaço urbano, assim como as lutas pelo direito à cidade, em pesquisa anteriormente desenvolvida sobre Melgaço, lemos a constituição do espaço urbano como uma “cidade-floresta” por alinhavar saberes, técnicas, linguagens e experiências de universos rurais e urbanos, emergindo uma outra cartografia das cidades marajoaras. Se a influência europeia e norte-americana é dimensão constituinte de territórios urbanos, as reelaborações, ressignificações e outros usos pautados na lógica rural e oral amazônica ali também plasmam modos de viver, trabalhar, festejar e morrer. Soure, por exemplo, para além de sua arquitetura física de traços franceses, é continuamente redesenhada por uma cartografia sensível que visibiliza modos de morar e fazer usos da cidade por filhos de culturas afroindígenas. Como pode ser notado, a dinâmica cotidiana dos povos marajoaras é profundamente marcada por saberes ancestrais capaz de articular humanidade e natureza a favorecer a continuidade de suas relações sociais, simbólicas, práticas religiosas e modos de subsistência. Este modo de viver e compreender o mundo não pode ser visto como cenas de um “Marajó que já era”, no dizer de Helena Tocantins, apesar das novas mudanças e reatualizações inauguradas pelo processo de urbanização e tecnologização de espaços urbanos e rurais. DEZEMBRO DE 2017
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ROBÔS DE SUCATA Reciclagem de componentes eletrônicos, que iriam para a lata do lixo, torna a Ciência mais acessível aos jovens paraenses
TEXTO CARLOS HENRIQUE GONDIM FOTOS FERNANDO SETTE 32 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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U
m projeto social sem fins lucrativos, que usa sucata para construir robôs, em um processo de inclusão de jovens e adultos da periferia. Não parece com aquelas iniciativas de países de primeiro mundo, invejada pelos brasileiros que pedem por uma educação melhor no País? Pois um grupo de educadores está tornando possível que a robótica – algo aparentemente distante de nossa realidade científica – aterrisse bem no meio do Conjunto Verdejante I, no bairro de Águas Lindas, em Belém. E o que é melhor: aproveitando materiais eletrônicos que seriam jogados no lixo. O projeto social Gileade, idealizado em junho de 2001 e constituído em novembro de 2003, nasceu como a Associação Bom Fim Futebol Clube, com foco apenas no desporto, mas teve seu caminho cruzado por voluntários que tinham experiência na área científica e ganhou novas perspectivas como centro de ajuda à população. “A associação já tinha uma diretoria e um grupo de associados, mas foi construída para trabalhar com futebol, inicialmente nomeada associação Bonfim. Tive a ideia de trazer outros parceiros para associar e ganhei como presidente em 2014. Quando assumi, mudamos o nome, e passamos a trabalhar também com meio ambiente e tecnologia”, explica Ricardo Gimenes, 42 anos, presidente do projeto social Gileade há 3 anos. Nessa parte da história, é importante introduzir nosso segundo personagem, Bruno Ricardo Santos, 40 anos, graduado em Física pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e mestre em Ensino de Física. Bruno é associado e voluntário no projeto Gileade e foi através dele que a iniciativa, que começou na escola estadual Professor Nagib Coelho Matni, também passou a fazer parte da realidade da comunidade de Águas Lindas. DEZEMBRO DE 2017
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“Surgiu uma ideia, no conjunto Jardim Sideral, em Belém, na escola Professor Nagib Coelho Matni, de criar o Plece (Projeto Lúdico de Ensino de Ciência e Engenharia). Ele visa à educação científica e tecnológica do jovem através de metodologias ativas da educação do século XXI. Uso a educação ‘maker’, do ‘faça você mesmo’, ‘ponha a mão na massa’”, explica o professor Bruno. O sucesso na escola ganhou visibilidade e ele viu a chance de multiplicar a ideia. “Após aparecermos em uma série nacional de TV , surgiu a oportunidade de levar a iniciativa para outras escolas. A Secretaria de Educação aproveitou a minha experiência para levar isso aos interiores”, relembra o educador. Ele conta que, posteriormente, foi formado o projeto Gileade, que trabalha com crianças em situação de risco social. “Surgiu a ideia de fazer o ‘Como bate’, um projeto de inclusão social nos bairros do Aurá e Águas Lindas, através do trabalho com a robótica. Seria inimaginável esse trabalho, devido ao custo, mas pensamos no projeto de forma sustentável.”, explica Bruno. Daí em diante, o professor conta que a mesma fórmula que deu certo na escola funcionou para os alunos do Gileade. E não foi difícil atrair interessados em nenhum dos dois locais, pois o trabalho com a robótica tornou-se opção para as aulas de artes e esportes, que normalmente são carro-chefe nos projetos de inclusão social. “É importante fazer a educação científica e tecnológica do jovem, especialmente os da periferia, em que o índice de violência é maior. Na periferia, existem alguns projetos mas geralmente são de cunho esportivo ou artístico. Então é preciso criar oportunidade para os que não se en34 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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OS PRIMEIROS PASSOS
Jovens integrantes do projeto Gileade aprendem a construir robôs com lixo eletrônico
caixam nesses nichos, por isso apoio a educação científica e tecnológica”, diz Bruno. “O jovem do século XXI é inquieto, ele nasceu inserido numa realidade diferente da minha. Nasci no século XX e tive uma educação do século XIX. Eu vi o celular, as redes sociais e as tecnologias nascendo, o jovem de hoje já nasceu com tudo lá. A lógica deles é outra, então não adianta questionar, por exemplo, o uso do celular em sala
de aula, pois faz parte do cotidiano, eles fazem as amizades através de redes. Dentro desse contexto, do jovem inserido na tecnologia, o jovem da periferia também anseia ter esse acesso. E não existem esses programas nas escolas, portanto é preciso emponderar esses estudantes e professores de ferramentas tecnológicas e digitais. Por isso, nosso projeto deu super certo”, conta orgulhoso o professor.
REAPROVEITAR DE MODO INTELIGENTE “Usamos a sucata eletrônica, hardware e software livres para fazer a robótica a baixo custo. Um robô comercial, que sairia a R$ 2.300, com o aproveitamento de material, sai a R$ 80. Esse material, que eles veriam apenas em uma feira científica, eles mesmos estão montando”. Assim resume o professor Bruno Santos qual o ponto de partida para os alunos darem vida aos seus conhecimentos sobre robótica dentro do projeto Gileade. Ele e o professor Ricardo Gimenes dissecam como numa realidade tão carente de itens básicos, como a alimentação, é possível que adolescentes manipulem e criem dispositivos complexos, pensem em pesquisas e até na conquista de prêmios. Gimenes conta que a sabedoria de quem já utilizava o lixo para sobreviver é parte importante para cultivar a cultura do reaproveitamento e também ensinou os voluntários do próprio projeto, que não tem ajuda certa do poder público, a utilizarem o pouco que recebem para somar renda. “Nós ganhamos alguns materiais, como computadores, mas nem sempre vêm bons. Como muitas pessoas que estão aqui trabalhavam no lixão, aprendemos muito com elas, que sabem, por exemplo, exatamente
o que aproveitar para venda das partes de um computador, então isso também é rentabilizado para o projeto”, conta Gimenes. O professor Bruno Santos explica, de forma didática, como o fantástico mundo dos robôs, certamente o futuro operacional da humanidade em quase todos os setores, ganha vida para os olhos atentos da turma de estudantes do projeto. “O arduino, um microcontrolador (uma espécie de “cérebro” do computador), tem código aberto, então se não quisermos comprar um, podemos criá-lo. Um conjunto de capacitores e resistores, que são partes fundamentais dessa estrutura, podem ser encontrados em impressoras, por exemplo. Com isso, já dá para fazer robótica”, esclarece Bruno. Ele mostra que a mágica acontece quando os voluntários unem consciência ambiental e criatividade. “Ainda falando de valores, o que seria o olho do robô, um sensor ultrassônico, custa no mercado em torno de R$ 120, mas conseguimos adquirir a R$ 6, buscando marcas pouco comerciais”. Após a reunião de materiais, é hora de trabalhar. Para tornar o entendimento de robótica mais acessível e atraente, a metodologia dos professores é aproximar seu uso ao cotidiano da turma. E é claro que nem tudo é simples para alunos que dependem do ensino público. “A parte da programação é difícil porque
O avanço do projeto Gileade
Ensino de informática ultrapassa os limites da Grande Belém
O projeto Gileade trabalha, atualmente, com 15 crianças na turma de robótica. Mas há outros projetos em andamento, como inserção à informática, que inclui outras crianças das comunidades. A meta é crescer como no projeto executado pelo professor Bruno Santos no bairro do Sideral, que em 2 anos envolveu mais de 60 alunos no estudo de robótica. Eles chegaram a disputar a V Copa de Sumô de Robôs, ficando em 3º lugar, superando robôs construídos por universitários. “O nosso robô, o ‘Nagibão’, com ajuda de estudantes da UFPA, pelo projeto de extensão ‘Robô na Escola’, ainda tirou a invencibilidade de um outro robô durante a disputa, apesar de ser feito de sucata”, conta. Junto com o professor Marcos José, coordenador geral do projeto “Robô na Escola”, Bruno Santos ainda fez a formação de 30 professores na Região Metropolitana de Belém, 30 professores em Igarapé-Miri, além de 30 professores em Marabá. Atualmente, mais 10 professores estão sendo formados em Benevides e Santa Izabel. “Isso fará com que o projeto chegue a mais lugares através de multiplicadores”. “Em Castanhal, já há um projeto de robótica, com professores que tiveram formação conosco em março de 2017, assim como em Marabá. Certamente, com a ajuda desses professores que passaram por formação com a gente, já atingimos mais de 100 alunos da periferia com esse projeto de tecnologia.”, calcula.
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os alunos têm um ensino deficitário, devido à precariedade da educação pública. A solução é trazer conhecimentos partindo do que eles sabem, como o sinal de trânsito.”, comenta Bruno. E ele segue explicando: “Ensinamos como eles podem acender e apagar uma lâmpada de LED, por exemplo. A partir daí, ocorrem as etapas e desafios. Eles começam a aplicar esse conhecimento de construção em outras situações mais complexas, como construir um sinal de trânsito – que são LEDs que acendem e apagam -; depois construir uma estrutura de sinalização de trânsito em um cruzamento, de forma que os carros não colidam e daí por diante. Eles têm que começar a dar soluções práticas para o problema e vão aprendendo novos códigos e comandos para que possam no final ser proponentes de um projeto”. O resultado desses exercícios é a capacitação dos alunos para projetos ainda mais completos na área da robótica e programação, além de algum entendimento sobre o conjunto: design e programação. “Ensinamos, por exemplo, a lógica de como programar um microcontrolador para que futuramente eles estejam capacitados a programar um arduino. Para construir as partes físicas de um robô, tenho que saber exatamente o que e como cada parte dele vai funcionar. Portanto, para podermos dispor os sensores na posição correta, é fundamental que os alunos aprendam primeiro a lógica da programação”, elucida o professor. “Quando eles aprendem sobre robótica, também acabam aprendendo História, Física, Química, Matemática, um pouco de design e arquitetura para montar um robô, além de lógica e algoritmos. Isso acaba fazendo com que eles apliquem essa teoria na vida”, conta Bruno Santos.
CORAÇÃO DE LATA SEGUE BATENDO Em ano eleitoral, a perspectiva não é de melhora em arrecadação de recursos para o Gileade. “O projeto é mantido por doações dos governos municipal, estadual e federal. Mas não há uma fonte fixa. Eventualmente, recebemos alguns recursos. 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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PROFESSOR DE VISÃO
Bruno Ricardo Santos é graduado em Física pela UFPA e mestre em Ensino de Física. Ele é voluntário no projeto Gileade e foi através dele que a iniciativa começou a ser realizada na escola estadual Professor Nagib Coelho Matni, em Águas Lindas, Ananindeua.
Ano que vem teremos que nos manter com o estoque que fizemos até agora. Teremos que vender materiais para ter alguma renda. No momento, estamos lixando algumas cadeiras, que recebemos de doação para vender”, explica o presidente do Gileade, Ricardo Gimenes. Mas a instabilidade de recursos não afeta a empolgação dos estudantes. Leonardo Martins, 15 anos, há 2 meses na turma de robótica e há mais de 1 ano no projeto Gileade, conta como se encantou com o mundo dos robôs. “Fiz o curso de informática básica, mas o curso de robótica foi o que achei mais legal. Aprendi sobre a construção do arduino, a montar um sinal de trânsito e vou ajudar a montar os robôs para participar de campeonatos.”, planeja o jovem. O Gileade também cumpre a função esperada pelos projetos sociais com a garotada: aproximar dos estudos e afastar da situação de risco.” A gente vai conhecendo cada dia mais e ainda melhora no meu aprendizado na escola, porque acabamos vendo conteúdos do inglês, matemática e outras matérias.”, explica Leonardo. Herlon Gurjão dos Santos, 15 anos, há apenas três meses no projeto, revela que seu gosto pelo esporte e os horários difíceis são questões que não afastam a vontade de mergulhar do mundo da tecnologia. “Eu tenho outros projetos, como o treino do caratê. Mas não vou descartar o estudo da robótica. Gosto dessa parte de robótica e de mexer nessas coisas. É difícil no começo, mas depois que você aprende fica fácil. A minha mãe que veio se informar porque um colega estava aqui. Ele parou, mas eu continuei”, conta Herlon. Os associados do projeto, entre professores e estudantes universitários, são também voluntários. O Gileade trabalha com crianças a partir de 12 anos e também adultos, sem limite de idade. Antes, a associação também disponibilizava aula de balé para crianças a partir de 6 anos, mas infelizmente não tem mais espaço para comportar a atividade. Quem quiser conhecer ou ajudar o projeto, pode acompanhar nas redes sociais: https:// pt-br.facebook.com/projetosocialgileade/ ou enviar um e-mail para projetosocialgileade@ outlook.com. O funcionamento é de segunda a sábado, das 8h às 17h. O endereço é a travessa Quinta, 259-317 - Águas Lindas, Belém, Pará.
OUTROS ROBÔS DE SUCATA Coordenadoras da área de “Robótica, sustentabilidade e educação” no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) as professoras Rejane Araújo, na instituição há 8 anos, e Selma Freire, há 15 anos, também focam na reciclagem para, junto com seus alunos, construir robôs com materiais reciclados. No IFPA, a vontade surgiu dos alunos dos cursos de Engenharia de Controle de Automação e do curso técnico em Eletrônica, em 2010. A ideia de usar material reciclado logo ganhou corpo e virou projeto. “Fizemos uma oficina chamada ‘Desconstrução Eletrônica’ para reaproveitamento, que culminou no projeto do ‘Lixo Eletrônico’. Isso casou com a ideia da robótica, porque é a partir desse lixo eletrônico que a gente consegue desenvolver diversos robôs sem ter que investir na compra de kits. Infelizmente, as verbas para pesquisa e ensino estão sendo cada vez mais cortadas no Brasil e não temos como comprar material.”, conta a professora Rejane Araújo, graduada em Engenharia Elétrica, pela UFPA, mestra em Engenharia Elétrica, pela UFPA e doutora em Controle e Automação pela Universidade de Santa Catarina. Num contexto econômico melhor que o do projeto Gileade, ainda que não ideal, alguns outros avanços ajudam os alunos a voar mais alto
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com a robótica no IFPA. O núcleo teve a recente aquisição de uma impressora 3D, que, unindo eletrônicos reaproveitados e peças projetadas, permitiu a construção de uma espécie de robô aranha, que as professoras chamam de “filho caçula”. Caio Vinícius Silva, 19 anos, estudante do IFPA há um ano e meio, conta que o “robô aranha” de quatro patas é alimentado por baterias de celular e suas partes principais nasceram na impressora. “Ele funciona via bluetooth e pode ser controlada pelo celular. Foi desenvolvido um aplicativo para isso. Entre as funções, ela se locomove para frente e para os lados, acena e até dança”, conta o estudante. Gustavo de Almeida, 18 anos, estudante do curso técnico de Eletrônica, explica com detalhes os processos até chegar ao projeto final e conta que até abajur pode virar componente de robô. “Aqui fazemos pesquisas dos componentes para dar melhor entendimento de como eles funcionam e para avaliar se podemos substituí-los. Retiramos materiais de impressoras, aparelhos antigos etc. Qualquer tipo de material eletroeletrônico vem para cá. A gente recebe os materiais, que podem ser também peças de decoração, como um abajur, por exemplo, e vai vendo as utilidades. Primeiro checamos se está funcionando ou não, através de teste, depois guardamos aqui para esperar os pedidos. Tudo é anotado. Eles (os alunos projetistas) procuram aqui componentes que teriam que comprar, e se nós temos, eles são cedidos”, diz. Gustavo detalha como o projeto abriu sua visão para cuidar do meio ambiente. “Fazemos um estudo bem avançado sobre como esse material se comporta na natureza, quais os danos, quais os procedimentos mais indicados para cada tipo de material. Também nos preocupamos muito com a segurança, para os alunos desenvolverem cuidados na hora de retirar alguns equipamentos. Ver se aquilo possui ou não carga, para evitar choques. É obrigatório, no laboratório, tomar medidas de segurança”, explica. Outro bom exemplo de reaproveitamento 38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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ESTÍMULO EM SALA DE AULA No IFPA, alunos como Caio Vinícius (acima) recebem todo o apoio das professoras Rejane Araújo e Selma Freire (abaixo), que coordenam a área de “Robótica, sustentabilidade e educação” no instituto
é contado por Anderson Péricles, 29 anos, estudante do curso de Engenharia de Controle de Automação. Ele conta que o robô chamado Spawn foi montado em 2009, quando o IFPA recebeu da Polícia Federal máquinas ilegais de caça níquel. “Era nossa função reaproveitar essas peças recebidas. Instalamos arduinos e transmissores nele (robô) para executar funções. Ele possui uma câmera de vídeo e garras que podem ser usadas para manipular qualquer coisa a distância. Há um aluno desenvolvendo uma pesquisa para controlar só o movimento de descida e subida do robô. Um projeto futuro é a automação dele, para que ele possa desenvolver funções sem supervisão”, adianta Anderson.
CONHECIMENTOS E CONSCIÊNCIA “Sobre o ‘lixo tecnológico’, o que ocorre é que a velocidade das atualizações de equipamentos é muito grande e as pessoas não estão sabendo onde descartar os materiais. Parte dos componentes dessas máquinas tem material tóxico, que não deve ser jogado no lixo. O que estamos fazendo é tentar informar a sociedade sobre o risco de descartar esses materiais”, afirma a professora Rejane Araújo, ao explicar que o trabalho com os jovens do IFPA, além de envolver estudo e uma pitada de diversão, também busca despertar alunos e sociedade para um problema que ganha grandes proporções, especialmente em países como o Brasil, que não tem projetos significativos para o descarte seguro e reaproveitamento do lixo eletrônico. “Há danos sérios que são desconhecidos. Fios elétricos são descartados e algumas pessoas tentam incendiá-los para extrair o cobre, mas pouca gente sabe que eles são revertidos de material antichama; esse material, quando queimado, exala substâncias tóxicas e até cancerígenas. A gente está tentando instruir as pessoas para que elas descartem de forma segura ou pressionem as autoridades respon-
sáveis para que providenciem esse descarte correto.”, detalha Selma Freire, graduada em Engenharia Elétrica e mestre em Engenharia Elétrica, pela Universidade de Campina Grande. Ela lembra que há leis no país para garantir, por exemplo, a logística reversa (em que as lojas recebem o material descartado de volta e encaminham para locais adequados, para reaproveitamento), mas elas não funcionam como deveriam. A consequência é uma população sem a instrução necessária, que descartar o lixo em qualquer lugar e correr riscos. “Com esse projeto (do reaproveitamento para robótica), não formamos só engenheiros técnicos, formamos engenheiros conscientes de como vão atingir o meio ambiente”, pontua a educadora. Cada robô é pensado com uma fi nalidade prática no IFPA. O grupo já tem um robô de monitoração, que se aproxima de locais perigosos, exatamente como os usados para desativar bombas. Mas as professoras pensam além. “Nossa perspectiva é avançar cada vez mais, pois a utilização da robótica na sociedade atual é importantíssima. Na medicina, por exemplo, médicos controlam robôs a distância para cirurgias. A questão da acessibilidade é outro mote; crianças e adultos podem ser auxiliados por robôs”, explicam as professoras Selma e Rejane. Caio Vinícius, um dos “pais” do “robô aranha”, planeja a construção de uma casa totalmente sustentável com a equipe de robótica, para 2018. “Teremos três frentes: da robótica propriamente dita; a robótica educacional, em que podemos visitar escolas e a frente de robótica de automação residencial, que são projetos de controle de iluminação e climatização, questões de segurança, como trava e destrava de portas, alarmes e sensores de presença. Nessa última frente, trabalharemos primeiro com protótipos e depois queremos partir para o projeto de uma casa sustentável, usando um container, por exemplo. Estamos começando a escrever esse projeto para conseguir o material”, planeja o jovem. E a ciência agradece.
EM FAVOR DO MEIO AMBIENTE
Os estudantes do IFPA descobrem novos usos para componentes eletrônicos por meio da sustentabilidade
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COMUNIDADE
Padroeiro do povo do Marajó
CONFIANÇA
Ao todo, 14 dos 16 municípios da mesorregião do Marajó têm festividades extensas em homenagem a São Sebastião
Devoção a São Sebastião faz parte da cultura da população TEXTO JOÃO THIAGO DIAS FOTOS PAULO DECARVALHO / IPHAN
A
nualmente, entre os dias 10 e 20 de janeiro, centenas de visitantes do estado do Pará e até de outros estados do país prestigiam as festividades de São Sebastião em pelos menos 14 dos 16 municípios da região do Marajó. Conhecido como o padroeiro dos vaqueiros, na região dos campos, dos pescadores, seringueiros e agricultores, na região dos furos, e como protetor e advogado do povo marajoara, o santo recebe homenagens que já são 40 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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reconhecidas, desde 2013, como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Pará pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). As festividades contam com um período preparatório chamado de “esmolação”, que consiste na peregrinação de um pequeno grupo de devotos, denominados “foliões”, pelas regiões ao redor do local da festividade, coletando donativos para o santo. Após esse período, a comemoração inclui procissões, ladainhas,
danças nos barracões, levantação do mastro com a bandeira da festa, lutas esportivas e arraiais. A devoção a São Sebastião ocorre de diversas maneiras e com diversos níveis de força no arquipélago. As celebrações de maiores proporções, que envolvem grande complexo estrutural com diversos setores da economia e cultura, como município, igreja, associações locais e outras instâncias, são a do “Glorioso São Sebastião”, em Cachoeira do Arari; a de
“São Sebastião da Vila do Arapixi”, em Chaves, ambas na região dos campos; a de “São Sebastião da Boa Vista”, na localidade homônima; e a de “São Sebastião”, em Breves, ambas na região dos furos. As demais são de menores proporções e se dividem entre aquelas vinculadas ou não à Igreja, já que muitas possuem caráter familiar e não estão oficialmente ligadas às paróquias locais. Apenas nos municípios de Ponta de Pedras e Bagre não há festividade. Em Cachoeira do Arari, é realizada há mais de 100 anos uma das festas de maior expressividade. Nem mesmo o Círio de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do lugar, atrai tantos participantes ou mobiliza tanto a comunidade. São realizados cortejos de mastros, rezas, procissões, missas, bingos, leilões, arraiais, corrida de cavalo, competições de luta marajoara, festa de aparelhagem, entre outros. A importância do santo na cidade de Cachoeira está de alguma forma ligada à tradição pecuarista da área, visto que é considerado protetor do gado contra as pestes, além de ser muito cultuado por vaqueiros e donos de fazenda. Há uma procissão específica, a procissão dos vaqueiros, na qual os cavaleiros sobre suas montarias desfilam pela cidade com a imagem do santo e, ao final do cortejo, homens e animais são abençoados em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Um dos pontos altos é o cortejo dos mastros que, em Cachoeira do Arari, são três: o dos homens, o das mulheres e o das crianças. O ciclo que envolve o ritual do mastro vai desde sua retirada da mata, ornamentação, cortejo até o local da festa, levantamento e derrubamento, no último dia de comemoração. Feito de madeira e decorado com a bandeira e com as cores do santo – vermelho, verde e branco - e, muitas vezes, ornados com flores e frutos, o mastro é símbolo de fartura e fertilidade da terra.
Entre as bebidas mais típicas que acompanham o trajeto do mastro estão o “leite de onça”, bebida de preparo caseiro, feita à base de álcool etílico e leite de búfala (preparado em Cachoeira do Arari); e a tiborna e o macaco, bebidas feitas a partir da fermentação da mandioca (Passagem Grande, Salvaterra). Também é comum ver o prato típico “frito do vaqueiro”, espécie de mistura de carne desfiada frita na própria gordura com farinha de mandioca. Todas essas atividades estão descritas no inventário das festividades de São Sebastião na Mesorregião do Marajó, elaborado pelo Iphan. Para Líliam Barros, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) que coordenou a sistematização do dossiê, a devoção ao santo está arraigada no contexto sociocultural marajoara, relacionando-se ao modo de vida da população. “Além de funcionar como marcador espaço temporal de organização da vida para os habitantes das localidades, as festividades representam momentos de relacionamento mais íntimo com o santo, seja por meio da experiência coleti-
va em cerimônias e momentos marcados de descontração ou por meio de experiências mais intimistas, como o pagamento de promessas a partir da realização de ladainha na casa de alguém, ou a visita da comissão ao longo de sua peregrinação nas fazendas. São múltiplos significados que não podem ser ditos de forma objetiva, mas que devem ser valorizados, uma vez que a devoção foi reconhecida como representativa para a população marajoara”, destacou. Líliam também aponta que a paisagem natural e cultural marcam a devoção no Marajó, a exemplo das cores que se destacam na região dos campos e o percurso dos rios na região dos furos. Em cada município, a festividade obedece um calendário específico e envolve diversos bens culturais, que vão desde a culinária até a música, conferindo brilho particular a cada uma delas. No entanto, há similaridades. “As festividades contam com modelo organizacional semelhante, que envolvem a conformação da comissão que peregrina nos campos ou nos furos; um corpo de repertórios musicais
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COMUNIDADE
FESTA EM JANEIRO
Em cada município do Marajó, a festividade de São Sebastião segue um calendário específico e com programação variada, como o levantamento do mastro do santo e a cavalgada
de ladainhas e folias cantados por esta comissão onde quer que andem; a organização da festividade com os membros específicos, como o festeiro, madrinha ou padrinho do mastro etc; realização de missas ou reunião devocional (no caso das festividades de tradição familiar), dentre outros aspectos”, explicou. 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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As festas de São Sebastião na Amazônia foram introduzidas pelos missionários jesuítas na época da colonização da região. As crônicas deixadas pelos padres da companhia atestam os ritos e símbolos que usualmente são marcas das festividades religiosas, como as bandeiras e os mastros.
HISTÓRIA
Um mundo próprio de lendas Histórias fantásticas que povoam o imaginário marajoara TEXTO CAIO OLIVEIRA FOTOS NAILANA THIELY ILUSTRAÇÕES CLEITON GOMES
"E
m Soure, há um tronco que sempre passa pelo rio, em pé, levado pela correnteza das águas que banham a cidade. As pessoas começaram a perceber que sempre que esse pedaço de madeira cruzava o rio Paracauari era o sinal de que alguém tinha morrido afogado. Quando o toco passava pelo rio, eles começavam a procurar e, realmente, alguém havia se afogado pela região, seja em Soure ou Salvaterra. Um dia, alguém se aborreceu e disse: ‘Esse
toco não vai mais anunciar coisa nenhuma!’, e o amarrou em uma balsa de combustíveis. O tempo passou e, um belo dia, lá longe, avistaram o toco passando pelo rio mais uma vez, na vertical. E, como sempre, outra pessoa tinha sido vítima de afogamento”. Esse relato chegou aos ouvidos da professora Maria Socorro Simões, doutora em Letras e coordenadora do projeto “Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense” (Ifnopap), da Univer-
sidade Federal do Pará (UFPA). A lenda do “Toco de Soure” é apenas uma das inúmeras histórias que o caboclo marajoara conta e reconta para tentar dar explicações aos fenômenos que o cercam. Além do fato de estar na Região Amazônica, um local riquíssimo em fauna, flora e fenômenos naturais, o arquipélago do Marajó por si só concentra um mundo próprio de lendas, convivências e experiências influenciadas pela vida nas ilhas que nunca serão encontradas em nenhum lugar do planeta. DEZEMBRO DE 2017
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HISTÓRIA
Na Amazônia Paraense, que tem sido o foco de trabalho da pesquisa de campo do Ifnopap, sempre há três possibilidades de alocar as narrativas: primeiro, o tipo de narrativa que dá conta do espaço coletivo de uma maneira particular, única, com alguns elementos que vão emergindo conforme a história vai sendo contada e recontada, como as lendas das Matintas Pereras e Cobras Grandes. Segundo, há aquelas narrativas de caráter muito pessoal, em que alguém conta uma história e vai entremeando com experiências próprias: “Eu vi a Cobra Grande naquele ano em que eu pesquei aquele peixe enorme” ou “Eu avistei o Toco passar pelo rio quando aquele navio afundou”. E existe ainda um grande número de narrativas que não são propriamente amazônicas, mas trazidas pelo colonizador e adaptadas com a vivência da região. O próprio Boto, por exemplo, traz elementos da cultura europeia, de um herói romântico, sedutor, que se apaixona pelas ribeirinhas. Banhado pelo Rio Amazonas e pelo Oceano Atlântico, o arquipélago do Marajó traz em seu território características extremamente particulares, como o fato de ser o maior arquipélago fluvio-marítimo do mundo. Em sua própria essência, apenas por existir, o Marajó pode ser considerado uma terra mágica, criada por encantos e repleta de mitologias próprias em seus campos, florestas e rios. A escritora paraense Eneida de Morais, encantada com as visagens e lendas que se escondiam em cada região do Pará, conta em uma de suas obras mais influentes a lenda sobre a origem mística da criação do arquipélago. Surnizuno, deus formoso que representava o grande rio Amazonas, era filho de Tungurana, o deus que amava a natureza. Um dia, Surnizuno despertou o amor avassalador de Nonhon, a virgem que guardava dentro de si todos os tesouros da terra e ela, cheia de amor, beijou-o na boca. Contudo, o beijo de Nonhon não interessava a Surnizuno porque ele não a amava e, da tremenda ira que a carícia da virgem despertou no deus, surgiu a pororoca. Como castigo pela audácia da virgem, Capu, 44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Conheça outras lendas do Marajó O VAQUEIRO BOAVENTURA Boaventura era um grande vaqueiro da fazenda São Sebastião, amigo de outro rapaz chamado Merá. Certo dia, Boaventura cruzou o lago Piratuba e desapareceu misteriosamente em suas águas. Anos depois, Merá se espantou com uma voz o chamando em um campo no meio do nada e, quando se virou, viu um homem que dizia ser Boaventura, nu da cintura para cima, com um chapéu de grandes abas escondendo o rosto. Ele quis dar as joias de um tesouro secreto para Merá, que não aceitou. Ainda hoje, dizem que o vaqueiro mora na poça d’água ao pé de um cajueiro que não seca nunca, onde antes era o Lago Piratuba.
PRETINHO DA BACABEIRA
Filho da traição da mulher de fazendeiro com um empregado, o menino foi jogado no rio após seu nascimento e adotado por Iara. Ele fez seu palácio no fundo do Igarapé Taucu, onde havia uma grande bacabeira, árvore que dá nome ao local. Conta-se que o Pretinho ia para a terra às vezes, assustando as pessoas que passavam pelo local de noite, aplicando pancadas na cabeça dos desavisados e desaparecendo no ar, voltando a surgir na bacabeira.
A COBRA DO MUCUNÃ E O FURO DO MIGUELÃO
Em uma área chamada Mucunã, em um braço do rio Paracuari, dizem que há uma cobra negra imensa, com olhos como dois faróis. Certa vez, um comerciante de origem turca chamado Miguelão, ao voltar de Soure para seu sítio de canoa, se deparou com o imenso animal no meio do rio. Ele pegou sua espingarda e atirou em um olho da serpente. Depois disso, Miguelão não podia mais sair do seu sítio, pois toda vez que tentava passar pelo rio ele via a cobra se aproximando. O homem teve que abrir uma vala por dentro do mangal que ficava na frente de sua propriedade para poder sair no outro lado do rio e despistar a cobra. Até hoje, existe ali um canal conhecido como Furo do Miguelão, que encurta a viagem pelo rio São Lourenço. DEZEMBRO DE 2017
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HISTÓRIA
a divindade da justiça, transformou o corpo de Nonhon em uma gigantesca ilha: a do Marajó. Tudo isso porque não se pode beijar impunemente o grandioso Amazonas. Sobre o corpo de Nonhon transformado em ilha, Paqueima, a deusa da madrugada, foi ordenada por Tunguragua a enfeitar a alvorada com um tom sangrento, o que explicaria o fato de os céus da ilha amanhecerem até hoje com um tom avermelhado. O interessante dessa lenda de criação é que, apesar de seu final aparentemente trágico, Nonhon agora está eternamente abraçada por seu amado, o Rio Amazonas, só que agora em forma de ilha, mesmo após ser castigada por sua ousadia de beijar o deus. Surnizuno, sempre que encontra com o corpo-ilha de Nonhon, tem seu ódio renovado ao lembrar da insolência da virgem, agitando suas águas e criando a pororoca. Outro detalhe é que Nonhon era a virgem que guardava todos 46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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os segredos e tesouros da terra dentro de si e, agora, essas riquezas estão disponíveis para todos os habitantes e visitantes do Marajó. Segundo Eneida, isso tudo acontecia naquele tempo, quando deuses, rios, florestas e pássaros falavam, sentiam e agiam – eram gente. Desde a ira de Surnizuno, criando o fenômeno da pororoca, aos céus vermelhos serem realmente tingidos de sangue, todos esses relatos foram criados da tentativa do marajoara de explicar os fenômenos que ele presenciava ao seu redor. Em uma terra criada pela magia, não é surpresa alguma que o habitante se sinta tão inspirado a contar histórias fantásticas. A professora Maria Socorro Simões destaca essa qualidade única ao dizer que “mesmo estando dentro da Amazônia, o território marajoara perde um pouco da contextualização amazônica para se tornar, particularmente, o Marajó”. Como já ficou evidente nas histórias
aqui reproduzidas, a geografia insular da região faz com que grande parte das histórias contadas pelos habitantes tenham os rios e mares como característica dominante. Por exemplo, o Boto é uma figura presente em todos os lugares da Amazônia. No arquipélago, contudo, há histórias interessantes não só com o boto masculino, mas com a boto-fêmea também. Enquanto que, para a ribeirinha, o animal encantado se transfigura em um homem sedutor, há relatos de que para o pescador, o homem se deita com a fêmea ainda em estado animal. O sexo do boto-fêmea é muito semelhante à genitália da mulher. Para a mulher, a consequência de ter relações com o boto era a gravidez, enquanto que para o homem, diz-se que o pescador que deita com a boto-fêmea adoece, tem dores de cabeça, febre, e até chega à morte muitas das vezes, isso se não tiver auxílio de algum curandeiro para lhe socorrer e quebrar o feitiço.
PERSONAGEM
A figura feminina tem papel importante nas lendas contadas no Marajó
PENSELIMPO
ARTE, CULTURA E REFLEXÃO
ESTRELA LITERÁRIA PÁGINA 48
MEMÓRIAS
NOVO ANO
O paraense Inglês de Sousa é o responsável por introduzir no Brasil a primeira obra literária do estilo francês conhecido como Naturalismo. PÁG.52
O professor Inocêncio Gorayeb analisa as perspectivas do Ensino, Ciência & Tecnologia para o próximo ano. PÁG.58
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REPRODUÇÃO
O ESCRITOR DALCÍDIO JURANDIR É UM ÍCONE CULTURAL DA AMAZÔNIA
LITERATURA
dalcídio universal O ESCRITOR PARAENSE MARCOU SEU NOME NA LITERATURA BRASILEIRA COM ROMANCES VOLTADOS PARA A AMAZÔNIA TEXTO CAIO OLIVEIRA 48 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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N
ascido no início do século 20, na Vila de Ponta de Pedras, Dalcídio Jurandir soube desde muito cedo que seu papel no mundo era descrever aquela terra encantada, aquele barro, de onde tinha saído. “Trabalhando o barro do princípio do mundo, do grande rio, a floresta e o povo das barrancas, dos povoados, das ilhas, da ilha de Marajó, ele o faz com a dignidade de um verdadeiro escritor, pleno de sutileza e de ternura na análise e no levantamento da humanidade paraense, amazônica, da criança e dos adultos, da vida por vezes quase tímida ante o mundo extraordinário onde ela se afirma”. Era assim que o romancista Jorge Amado, padrinho e amigo literário, saudava a inventividade de seu colega paraense que, tal como oleiro de cerâmica marajoara, usou as palavras para moldar aquele barro em uma criação de beleza única. A família de Dalcídio Jurandir deixou Ponta de Pedras quando ele tinha apenas um ano de idade, em 1910, e se mudou para Cachoeira do Arari. Ali, vendo a chuva encharcar aqueles campos, o menino cresceu com uma impressão muito forte da vida do ilhéu, deslumbramento que, mesmo após o caboclinho sair da ilha e ir morar na capital Belém e em outras cidades grandes do Brasil, nunca deixou sua alma. “Dalcídio Jurandir é um grande internacionalista, mas sua sensibilidade de grande romancista da Amazônia não pode ser considerada sem sua formação marajoara, sua formação belemense; são fundamentos para ele fazer o que fez, redescobrir a Amazônia a partir do romance”, comenta o professor Paulo Nunes, doutor em Letras, escritor, poeta e estudioso da obra do mestre marajoara. Mas até que Dalcídio tivesse esse
“Dalcídio Jurandir é um grande internacionalista, mas sua sensibilidade de grande romancista da Amazônia não pode ser considerada sem sua formação marajoara (...), redescobrir a Amazônia a partir do romance” reconhecimento de sua obra por parte de seus conterrâneos e de grandes expoentes da literatura, ele teve que percorrer um longo caminho. Com 13 anos, ele deixou para trás o arquipélago do Marajó e foi viver com sua família, em Belém. Mas a passagem do jovem pela capital paraense foi breve e, aos 19 anos, ele largou os estudos no colégio Paes de Carvalho e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar como garçom, lavador de pratos e revisor da revista Fon-Fon, este último, um emprego não remunerado, mas que fazia com que o jovem ficasse perto das letras e treinasse a escrita. Fica claro que, desde cedo, Dalcídio tinha um desejo de conhecer o mundo, sempre dando prioridade às experiências reais que a vida o podia proporcionar. DEZEMBRO DE 2017
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LITERATURA
Foi nesse período, meio que como nômade, nos anos finais da década de 1920, que ele conclui sua obra embrionária, “Chove nos Campos de Cachoeira”, mostrando que, ainda que longe, as imagens e sensações que Amazônia deixaram na alma do menino marajoara perduraram no coração do homem da capital. O livro é o primeiro da sequência de dez obras que o próprio autor chamava de “Ciclo do Extremo-Norte”. Nas páginas de Dalcídio, acompanhamos vários personagens que, em suas desventuras, traçam um mural fidedigno da vida amazônica, nos envolvendo nos dramas humanos dos habitantes, desde o ribeirinho, passando pelo habitante das palafitas periféricas da capital até a decadente classe alta do fim do Ciclo da Borracha. De todos esses espécimes dissecados por Dalcídio, o herói mais marcante talvez seja Alfredo, o cachoeirense que acompanhamos desde sua infância em Cachoeira do Arari até a vida adulta em Belém. Com o mesmo nome do pai de Dalcídio, Alfredo tem uma trajetória de vida que se confunde com a do autor. “Alfredo é aquilo que se chama de ‘alter ego’
(outro eu) de Dalcídio Jurandir Ramos Pereira. A personagem literária tem perfil biográfico, inspirado em Dalcídio Jurandir, mas ele, sua experiência de cidadão marajoara, brasileiro, se diluiu também em outros personagens; na minha opinião, há algo de Dalcídio em Eutanázio também, mas, Alfredo, sem dúvida, é a grande representação de Dalcídio”, conjectura o professor Paulo Nunes. Alfredo é apresentado criança em “Chove nos Campos de Cachoeira”, se muda para a capital, já adolescente, em “Belém do Grão Pará” e aparece pela última vez, adulto, em “Ribanceira”, último livro da saga do Extremo Norte. Se considerarmos a obra cíclica de Dalcídio, a evolução de Alfredo desde menino em Cachoeira até adulto, em Belém, passando por um breve período no Baixo Amazonas no romance “Ribanceira”, percebemos que a evolução do marajoara é também a evolução da Amazônia Paraense como um todo, em todas suas peculiaridades. Alfredo é uma testemunha ocular das transformações que a sociedade passa na primeira metade do século 20, as disparidades sociais causadas pelas crises
econômicas e fi nanceiras, oligarquias políticas e desigualdade social. Quando criança, Alfredo presencia a vida difícil no Marajó e as perspectivas de uma vida melhor na capital, Belém, lugar que habita os sonhos do menino como uma musa. Ao se mudar para a cidade grande, ele tem um choque de realidade ao perceber, lentamente, os problemas que compõem a metrópole. Nesse momento, em especial na década de 1920, a cidade de Belém vive um período de declínio econômico que afeta a situação financeira e social da família Alcântara, que abriga Alfredo em seu primeiro momento em Belém. As denúncias sociais estão marcadas em toda a obra de Dalcídio, que era militante político ativo e marxista praticante (chegando a ser preso em duas ocasiões quando retorna para Belém), fatos que influenciaram toda sua visão de mundo, aperfeiçoando seu olhar para a gente das periferias e classes oprimidas. Ao pintar em cores fortes a Amazônia Paraense, Dalcídio expande a visão do brasileiro sobre sua própria pátria, se tornando o guia que mostra ao mundo que o Brasil é tão complexo quanto os rios que serpenteiam a floresta. “De certo modo, não se pode falar
OS DEZ VOLUMES DO CICLO DO EXTREMO NORTE
“Chove nos Campos
“Marajó”
“Três Casas e um Rio”
“Belém do Grão Pará”
“Passagem
de Cachoeira”
Rio de Janeiro,
São Paulo,
São Paulo,
dos Inocentes”
Rio de Janeiro, Ed. Vechi
Ed. José Olympio
Ed. Martins
Ed. Martins
São Paulo, Ed. Martins
1941 50 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
1947 DEZEMBRO DE 2017
1958
1960
1967
no Brasil como federação e traçar um painel do romance brasileiro excluindo a Amazônia; e excluir a Amazônia e seus poetas e romancistas é um pecado. Dalcídio é assim, um autor que constrói um painel singular, contextual e político, sobre o Norte. Não falar do romance dalcidiano, não falar do romance amazônico é deixar o Brasil capenga. A Amazônia de Dalcidio é fundamental para o Brasil se ver de todo, com todas as letras, a partir do Norte”, comenta Paulo Nunes, que compara o marajoara a Graciliano Ramos: sempre representando o Brasil com suas mazelas, mas sem perder a qualidade literária, característica marcante da Segunda Geração do Modernismo Brasileiro. Enquanto Graciliano tem uma escrita dura, praticamente telegráfica, seca, como as vidas de seus personagens, Dalcídio permitia que as frases fluíssem, com as palavras chovendo e enchendo as páginas, cada autor mimetizando em seu texto as
MUITO ALÉM DO MARAJÓ
Dalcídio Jurandir tinha um desejo de conhecer o mundo, sempre dando prioridade às experiências reais que a vida o podia proporcionar
características geográficas da região que retratavam. Sem perder a magia e misticismo da região marajoara, Dalcídio faz um malabarismo entre o real e o irreal, entre a verdade crua a fantasia, apresentando o leitor a uma Amazônia que é ao mesmo tempo mito e realidade. Após tantos revezes em sua vida, seu retrato de uma terra tão misteriosa foi agraciado com o Prêmio Machado de Assis em 1972, concedido pela Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra de Dalcídio Jurandir e entregue pelas mãos de Jorge Amado. A trajetória cheia de obstáculos do escritor nos mostra que, ao deixar o seio de sua terra natal, o nativo das ilhas sempre vai encontrar um mundo completamente diferente de seu lar místico e imaculado, mas essa experiência aterradora pode se tornar um pouco mais fácil se ele trouxer dentro de si um pouco da magia das ilhas, das florestas e dos campos.
“Primeira Manhã”
“Ponte do Galo”
“Chão dos Lobos”
“Os habitantes”
“Ribanceira”
São Paulo,
São Paulo,
Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro,
Ed. Martins
Ed. Martins
Ed. Record
Ed. Artenova
Ed. Record
1967
1971
1976
1976
1978 DEZEMBRO DE 2017
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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS
Naturalismo à moda amazônica TEXTO FABYO CRUZ ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR
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DEZEMBRO DE 2017
Inglês de Sousa 1853 - 1918
O
escritor paraense Herculano Marcos Inglês de Sousa, nascido em 1853, no município de Óbidos, na mesorregião do Baixo Amazonas, é o responsável por introduzir no Brasil a primeira obra literária do estilo francês conhecido como Naturalismo. Em seus livros, Inglês de Sousa escreveu romances situados no cenário das cidades amazônicas, entre elas, a sua terra natal, descrevendo os habitantes, seus modos de vida, conflitos, a paisagem regional, o cultivo e a exportação do cacau nas décadas de 60 e 70 do século XIX. Antes de falecer, em 1918, na capital do Rio de Janeiro, Inglês de Sousa, que também foi advogado, professor, jornalista, contista e romancista, deixou uma rica produção literária, além de obras jurídicas e participação em jornais paulistas e cariocas. Segundo a História da Literatura Brasileira, oficialmente, o introdutor do Naturalismo no País foi Aluísio Azevedo (1857-1913), com o romance “O Mulato”, de 1881. No entanto, Inglês de Sousa, já em 1877, havia lançado “O coronel sangrado”, com marcações do Naturalismo. Por conta disso, parte da crítica especializada, como Lúcia Miguel Pereira, por exemplo, reivindica o pioneirismo do escritor paraense quanto ao estilo, diz o professor e escritor Paulo Maués Corrêa, que já publicou três livros sobre a escritura do obidense. “Esse não é um ponto pacífico entre os estudiosos, de modo que, independentemente de ser aceito como pioneiro, Inglês de Sousa expôs a sociedade amazônica numa perspectiva similar à adotada por Aluísio Azevedo, que apresenta a sociedade da capital maranhense, em “O Mulato”, e a sociedade do Rio de Janeiro, em “O Cortiço”. Nessas obras, o cenário também é praticamente um personagem, tal como ocorre nas obras do autor paraense, em que cidades como Óbidos (Pará) e Silves (Portugal), além de outras localidades, são também como personagens nesses enredos, tal a minúcia com que são tratadas”, afirma o pesquisador, formado em Letras pela
Universidade Federal do Pará (UFPA), onde fez mestrado em Estudos Literários e, atualmente, faz o doutorado na mesma área. Paulo Maués Corrêa comenta que, nas obras de Inglês de Sousa, é possível identificar a presença de três interfaces relevantes da Literatura na Amazônia: Literatura e História, Literatura e Erotismo e Literatura e Imaginário. “Uma das teses que defendo é de que essas interfaces presentes na obra de Inglês de Sousa são recorrentes nas obras posteriores de escritores que também são marcantes e compõem a tradição literária dessas bandas do país, como Bruno de Menezes, Abguar Bastos, Dalcídio Jurandir e Benedicto Monteiro. Isso para citar somente alguns dos mais conhecidos”, diz. A produção de Inglês de Sousa foi marcada pelo subtítulo geral “Cenas da vida do Amazonas”, sugerindo à ênfase que o autor deu ao ambiente amazônico e ao homem da região, segundo Corrêa. Conflitos que deixaram a Amazônia em polvorosa no século XIX, como a Guerra do Paraguai - para a qual o alistamento era tido como verdadeira sentença de morte - e a Cabanagem - episódio dos mais sangrentos da história – também estão presentes de modo singular e destacado em duas narrativas do Contos Amazônicos: “A Quadrilha de Jacó Patacho” e “O Rebelde”. Em ordem cronológica, o escritor obidense publicou as obras: “O cacaulista” (1876); “História de um pescador” (1876), “O coronel sangrado” (1877), “O missionário” (1891) e “Contos amazônicos” (1893). A produção literária de Inglês de Sousa possui grande relevância para o panorama geral da Literatura na Amazônia, afirma Paulo Maués Corrêa, por se tratar de um dos autores fundadores da sistematização dessa literatura, com uma produção em pleno compasso com o que acontecia, em termos literários no Brasil e na Europa, participando vigorosamente da estética naturalista no país, tendo o apogeu nas duas últimas décadas do século XIX. DEZEMBRO DE 2017
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ESTANTE AMAZÔNICA
Livros sobre a Amazônia produzidos na região
CARAJÁS: A DESCOBERTA Neste livro, o geólogo Erasto Boretti de Almeida reúne documentos históricos, imagens e depoimentos sobre a Serra do Carajás, no sudeste do Pará. Na obra, o autor conta detalhes de todas as etapas do trabalho de campo além de apresentar fotos e documentos de grandes episódios que ocorreram no local. Os aspectos sociais, ambientais, econômicos e estratégicos, além das curiosidades, usos e costumes da Amazônia da década de 1960 também são apresentados no livro. Almeida mostra ainda, em primeira mão, registros de anotações que ele fazia em sua caderneta durante o trabalho na região. Com o livro, público terá acesso a dados, como a primeira amostra da formação ferrífera, o primeiro pouso na Clareira N-1 e o boletim do laboratório com os resultados das primeiras amostras de ferro e manganês coletadas e analisadas em Carajás. Autor: Erasto Boretti de Almeida Páginas: 200 Editora: Oficina de Textos 54 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
DEZEMBRO DE 2017
EDUCAÇÃO DE MENINAS NO ASILO DE SANTO ANTÔNIO O livro de Maria do Perpétuo Socorro França e Benedito Costa registra aspectos da história da educação e nos convida a pensar sobre a instituição educativa, a educação e a instrução feminina, e, ainda, o estudo do projeto religioso e pedagógico proposto pela Igreja Católica às meninas pobres e às da elite no século XIX. Resgatando a trajetória das Irmãs do Instituto de Santa Dorotéia, os autores contam a história da infância de meninas em uma sociedade na distribuição das riquezas e bens culturais. Maria do Perpétuo Socorro França é pós-doutora em História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e docente da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Benedito Costa é doutorando na Universidade Federal do Pará (UFPA) e integrante do Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia. Autores: Maria do Perpétuo Socorro França e Benedito Costa Páginas: 163 Editora: CRV
O ANO EM QUE CONHECI MEUS PAIS EU PREFERIA TER PERDIDO UM OLHO Publicado pela editora Alameda, “Eu preferia ter perdido um olho”, de Paloma Franca Amorim, nasceu da reunião das crônicas publicadas no jornal O LIBERAL. As narrativas foram produzidas de 2008 a 2016 e mostram a relação da autora com Belém, a memória e as ausências. Escritora desde os 19 anos, quando já publicava contos e crônicas para o grande público, Paloma explica que a seleção dos escritos para a obra foi um processo natural e temático. Ela comenta ainda que suas narrativas breves que falam de temas do cotidiano acabaram formando um texto único e coeso que fazem do livro uma espécie de “romance fragmentado”. Autora: Paloma Franca Amorim Páginas: 253 Editora: Alameda
O primeiro livro do paraense Toni Moraes conta a jornada de Jonas Damasceno, um jovem que vive entre São Paulo e Belém. No decorrer da obra, o personagem segue na busca incessante de encontrar a verdadeira história de sua família, da qual foi separado durante o período da ditadura militar no Brasil. O livro se passa no final dos anos 1980, durante o período de redemocratização. No entanto, a história também lembra os anos mais pesados da ditadura militar e os tempos pós-AI5, além de mostrar aos leitores uma Belém antiga. Apesar de ser seu romance de estreia, Toni Moraes faz do livro uma soma de experiências pessoais e do mercado editorial. O autor trabalhou como revisor de diversas obras de ficção antes de publicar seu primeiro livro. Autor: Toni Moraes Páginas: 248 Editora: Monomito Editorial
FAÇA VOCÊ MESMO
colaR COM RETALHOS DE TECIDO
EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO PÚBLICA NO PARÁ IMPERIAL E REPUBLICANO
Autor: Sônia Araújo, Maria do Socorro Avelino e Laura Alves (org.) Páginas: 307 Editora: Eduepa Composto por onze capítulos, o livro destaca estudos de pesquisadoresOdehábito diversas vem de muito tempo: desde a Pré-História, Universidades da Amazônia Legal. Os textos produz adornos corporais nas mais dio ser humano organizados da obra consolidam estudos de tamanhos e cores. São colares, pulseiversas formas, sujeitos, instituições e de práticas ao longo ras, fivelas e anéis, que podem ter os mais variados sigdo período do Império a República brasileinificados, desde motivações estéticas às ritualísticas. ra. Os artigos dão ao leitor a dimensão de Como matéria-prima, já foram – e ainda são – usacomo a educação pública alcançava poucos das fibras, sementes, argila e ossos, além de materiais e era invisível para as políticas públicas dacomo o ouro, a prata e as pedras preciorequintados, época. A educação de mulheres de órfãos, sas.eHaja pescoço pra tanto colar! bem como as reformas educacionais Hoje ospela tempos são outros, mas ainda cultivamos qual o Estado passou também são alvo das pesquisas contidas no livro, organizado pelas professoras Sônia Araújo, Maria do So• Retalhos coloridos de malha; corro Avelino e Laura Alves.
Do que vamos precisar?
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Tesoura com pontas arredondadas;
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Cola de silicone;
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Peças para bijuterias;
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Fio encerado;
o uso de ornamentos corporais com diferentes significados. Dentre eles, passamos a usar os objetos como forma de demarcar nossa preocupação com o equilíbrio do meio ambiente. Muitos designers de joias ou ornamentos se utilizaram de materiais recicláveis, como tecidos, plásticos e papéis. E, nesta edição, a revista Amazônia Viva e as Oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará, ensinam o leitor a criar seu próprio adorno com materiais recicláveis. Que o colar traga um futuro mais sustentável a todos!
INSTRUTOR LUIZA NEVES / COLABORAÇÃO CLÁUDIA RÊGO / FOTOGRAFIAS JACKSONILSON DEZEMBRO DE 2017
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FAÇA VOCÊ MESMO
4 7
Selecione os retalhos de malha e corte em tiras de aproximadamente dois centímetros de largura. Em seguida, estique-as.
Junte a ponta da tira comprida com as pontas soltas da outra extremidade. Passe cola na tira pequena e enrole nas pontas unidas
2 5
Agora, organize as tiras nas cores desejadas, deixando uma mais comprida que as demais.
Espere secar mais um pouco. Para o final, escolha duas peças de bijuterias, uma grande e outra menor.
3
Corte, então, duas tiras em pedaços pequenos e, por fim, reserve-as. Passe cola num dos pedaços e enrole nas pontas das tiras de mesmo tamanho. Uma pausa: espere secar.
6
Corte o fio encerado, passe por dentro das peças de bijuteria: primeiro pela maior e, em seguida, pela menor, dando um nó para segurá-las.
Com a outra extremidade do fio, amarre na primeira tira do colar, cortando o excesso. Passe um pouco de cola para não desamarrar. Agora é definitivo: escolha uma pessoa para receber seu novo colar!
Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
DEZEMBRO DE 2017
RECORTE AQUI
1
ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável
LEONARDO NUNES
BOA HISTÓRIA
No meio do pitiú
Berta e Consola não se bicavam. Eram estrelas entre
as barracas de ervas, cada qual com dezenas de fotos com artistas e celebridades de televisão nas vendinhas que herdaram de suas mães, que haviam herdadas de suas avós, que aprenderam com as bisavós sobre as manhas das plantas que tinham no quintal de casa. E lá se vão aí quase dois séculos de coincidências entre as duas que cresceram na maior feira de Belém. Mas, naquela manhã abafada, as diferenças entre as duas afloraram. Berta ganhava os clientes com um bom papo e uma boa dose de picardia. Vendia sempre com um sorriso no rosto, uma frase feita e o encaixe de alguma saliência para as necessidades do freguês. Falta mulher? Esse banho aqui é tiro e queda. Quer que ele volte? Toma aqui o pega-não-me-larga. Levou um chifre? Dá um chá de tamacuaré. Atrativos do amor, a harmonia na família, a multiplicação de dinheiro, tudo ela sabia! Era uma jovem bruxa franzina, de cabelos tingidos, expansiva, serelepe. Já Consola tinha um enxerimento medido e uma risada con-
tagiante, como a de uma criança. A abordagem era mais afetiva. Ela enredava os que se aproximavam com uma simpatia fora do normal e, não raro, girava em volta do comprador com muito desembaraço e respeito. Era uma cabocla de pele escura e cabelos lisos, rechonchuda, sempre vestida como miss de festa junina. Por volta das dez, quando Belém parece estar dentro de uma panela de pressão, ele apareceu no corredor com um grupo. Bonitão, cozinheiro, famoso nacional e internacionalmente, Gastão mostrava o Ver-o-Peso a colegas da Alta Gastronomia. Consola viu primeiro e iniciou a abordagem/ sedução dos clientes em potencial. Berta não gostou. Era ela a mais conhecida e embaixadora do lugar. Soltou a voz de sua tenda e atraiu parte dos fregueses. Gastão pressentiu a guerra. Consola revidou com uma gargalhada estridente e sacudiu vidrinhos de banho-de-cheiro distribuídos, de imediato, a quem estava mais próximo. O bando, quando viu os brindes, abandonou Berta e se aglomerou ao redor de Consola. A vendedora iniciou a propaganda
sobre o feitiço das ervas. Mas foi interrompida quando Berta ligou a radiola e enfiou um carimbó rasgado de Cupijó e começou a rodopiar. O grupo começou a saracotear. Gastão sorriu e passou a mão na testa para enxugar o suor. Não resistiu e dançou também. Consola não tinha recursos para contra-atacar. Então, juntou-se aos bailantes e, debaixo dos toldos, girou a saia. Sem demora, Berta também iniciou a dança. O que era uma disputa por fregueses virou concurso de dança com as duas meninas-senhoras. A feira parou para ver, um mão-leve bateu a carteira de Gastão, mas ele nem se tocou, e se visse estava tão enfeitiçado de simpatia, no meio do pitiú, que nem ligaria. Quando acabou, elas cumprimentaram o público e se olharam com raiva. Cada qual deu uma rabanada de cabeça e voltou ao seu nicho. E ficou decidido que o grupo se dividiria para comprar lembrancinhas para que nenhuma fosse injustiçada. Na Pedra, a batalha das erveiras já era assunto de riso entre pescadores e urubus em mais um dia no Ver-o-Peso. DEZEMBRO DE 2017
Anderson Araújo
é jornalista e escritor
• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 57
NOVOS CAMINHOS
Perspectivas do Ensino e da Ciência para 2018 As Instituições de Ensino e Pesquisa (IEPs) possuem um número respeitável de profissionais de alto nível que contribuem com o desenvolvimento da pesquisa científica; a manutenção e o enri-
INOCÊNCIO GORAYEB é mestre e doutor em Entomologia, pós-doutor em sistemática zoológica e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi
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quecimento de laboratórios com equipamentos e testes de rotina, análises e estudos; o envolvimento de estudantes e profissionais em pesquisas de ponta e básicas; a melhoria da infraestrutura para ensino e pesquisa; a formação de recursos humanos em níveis de graduação e pós-graduação, com destaque a stricto-senso; a captação de recursos para todas estas ações e através de editais estaduais, nacionais e internacionais; a relação com demandas da sociedade e de empresas; a melhoria e definição de políticas públicas; o intercâmbio interinstitucional e internacional; e outros aspectos que poderiam ampliar muito esta lista. Contudo, as demandas da sociedade e das relações políticas, sociais, ambientais, científicas cresceram e continuam crescendo em taxa elevada, enquanto as IEPs vêm em trajetória inversa. As IEPs, já há vários anos, vêm experimentando limitações de orçamento, impedimentos de contratações de pessoal para repor os profissionais que se aposentaram e perdas das condições de manutenção e cuidados de rotina de infraestruturas, segurança e muitos outros problemas. Apesar desta situação as medidas implementadas e anunciadas para o futuro imediato são mais limitadoras e prenunciam perspectivas bem piores para DEZEMBRO DE 2017
o ano de 2018. O grito de socorro do Museu Goeldi foi um reflexo desta situação complicada que todas as instituições vêm experimentando. Serviços, estruturas, laboratórios e bases de pesquisas, já enxugados aos extremos, seriam imediatamente paralisados, alguns deles mantidos há muitos anos com sucesso e destaques internacionais de referência e excelência científica; o socorro evitou isso temporariamente. Estes comentários estão relacionados as IEPs do Pará e da Amazônia, mas o problema afeta outros estados. Entretanto, este panorama não está restrito a Ensino, Ciência e Tecnologia, as instituições públicas das áreas de meio ambiente, infraestrutura, saúde, saneamento e segurança, também experimentam problemas semelhantes. Estas últimas são sempre vistas como de urgência social e por isso devem ser maculadas para não sofrerem situações de descontinuidade. É duro constatar esta realidade e estar vivendo nesta situação, mas é ainda pior assistir paralelamente à realidade de recursos públicos que escoam pelos processos de corrupção instalados no Estado brasileiro. E estamos todos indignados com os muitos fatos noticiados, imaginemos a taxa real do que vem escoando além do noticiado. Dizem que na crise somos forçados a encontrar soluções que não são vistas em situações de bonança. Que isto afete a todos, instituições, cidadãos, práticas individuais e coletivas. Feliz e próspero 2018 para a Amazônia e o Brasil, oxalá fortemente renovador.
“As demandas da sociedade e das relações políticas, sociais, ambientais, científicas cresceram e continuam crescendo em taxa elevada”
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