Revista Amazônia Viva ed. 73 / setembro de 2017

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ALERTA NO RIO

NILSON CHAVES

Espécies aquáticas exóticas põem em risco as águas da região

O artista paraense que canta as coisas amazônicas como ninguém

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

SETEMBRO 2O17 | EDIÇÃO NO 73 ANO 7 | ISSN 2237-2962

DE OLHO NA PRESERVAÇÃO Uma das mais antigas relações entre homem e animal, a falcoaria ajuda a reabilitar e a proteger aves de rapina, como o gavião-carijó. Fora do habitat natural, essas espécies se encontram sob forte risco de ameaça nos grandes centros urbanos da Amazônia.


Cuidando de vidas e do futuro Contém: 1.371 pessoas atendidas em 2017 Atendimento integral a família Acolhimento assistencial Atendimento à famílias, desde a maternidade, até a terceira idade. Esse é o trabalho da Estação Conhecimento de Tucumã, no Pará, que ao longo da sua história já atendeu milhares de pessoas e atualmente recebe 1.371 participantes. Dona Edna é uma das beneficiadas do programa, que é uma iniciativa da Fundação Vale. Ela, o marido e seis filhos são acolhidos pela ação. A infraestrutura oferece atendimento médico, nutricional e odontológico, além de reforço escolar, atividades lúdicas, esportivas, aquáticas, musicais e de teatro e dança. Caminhar de mão dadas com a comunidade é crescer lado a lado. Inovar é fazer melhor.

Conheça essas e outras histórias no vale.com/ladoalado


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Dona Edna, e a família são atendidos pela Estação Conhecimento de Tucumã.


EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA SETEMBRO 2017 / EDIÇÃO Nº 73 ANO 7 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA CARLOS BORGES

VIVACIDADE

O gavião-caboclo é uma das aves de rapina reabilitadas pelo Grupo Harpia

UM OLHAR ATENTO SOBRE A AMAZÔNIA

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe

A presente edição de nº 73 que você tem em mãos inaugura o sétimo ano de publicação da Revista Amazônia Viva. E com um olhar apurado, como o das aves vivazes da nossa região, a exemplo do gavião-caboclo na foto acima, é que, pretensiosamente, chegamos até aqui, atravessando o vasto céu de possibilidades de divulgação das lutas, conquistas e avanços de nossa gente amazônida, que defende a biodiversidade, a cultura e produz ciência de qualidade ao Norte do Brasil. Ao longo desse tempo, procuramos mostrar uma Amazônia que não estava sendo pautada e queremos continuar levantando voos cada vez mais altos nessa jornada. Para celebrar esta edição de aniversário, fizemos uma reportagem especial sobre a falcoaria, uma das mais antigas artes de treinamento de aves de

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rapina e que mostra a intensa relação entre homem e animal no meio ambiente. No Estado, o Grupo Harpia, que trabalha em parceria com instituições como a Universidade Federal Rural da Amazônia e o Batalhão de Polícia Ambiental do Estado do Pará, é a única associação da Região Norte do país a trabalhar com a técnica que envolve resgate, reabilitação e treinamento desses animais. Por meio da falcoaria, além da preservação das aves de rapina ameaçadas pelos riscos da zona urbana, é possível evitar prejuízos ambientais e econômicos, sendo eficaz no controle de pragas e zoneamento de áreas aeroportuárias, evitando acidentes entre outras aves e aviões. O salvamento desses animais é só um entre vários exemplos do quanto a Amazônia ainda precisa ser conhecida e propagada.

Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho, Instituto Mamirauá (acervo); Alinne Morais, Camila Santos, Jobson Marinho, Vanessa Van Rooijen, Victor Furtado (reportagem); Bruno Carachesti, Carlos Borges, Fernando Sette, (fotos); Anderson Araújo e Thiago Almeida Barros (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar e Leonardo Nunes (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Gavião-carijó, por Carlos Borges AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

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PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 73 / ANO 7

CARLOS BORGES

SETEMBRO2017

32 Os donos do céu

AVES DE RAPINA SÃO REABILITADAS NO PARÁ POR MEIO DO TRABALHO DE VOLUNTÁRIOS CAPA

48

MARIVALDO PASCOAL/ DIVULGAÇÃO

BETTO SILVA/ NORTE ENERGIA

CARLOS BORGES

BRUNO CARACHESTI

28

E MAIS

20

44

IMAGENS

PROTEÇÃO

MEIO AMBIENTE

MÚSICA

O fotógrafo Bruno

A professora da Ufra e

O Programa de Conserva-

O cantor e compositor

Carachesti faz um ensaio

mestre em ciência animal,

ção e Manejo de Quelônios

Nilson Chaves é um dos

especial sobre a vida dos

Rosália Souza, fala sobre

da Norte Energia moni-

principais nomes da mú-

moradores de Maracanã e

os riscos do cultivo de es-

tora espécies na área dos

sica paraense e que exalta

a relação com o Porto do

pécies aquáticas exóticas

reservatórios da Usina

as belezas e sentimentos

Cafezal, no município.

para a fauna da região.

Hidrelétrica Belo Monte.

do povo amazônico.

OLHARES NATIVOS

ENTREVISTA

SUSTENTABILIDADE

PAPO DE ARTISTA

4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 54 55 57 58

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

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ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

NAILANA THIELY/ ASCOM UEPA

FERNANDO SETTE

CONHECIMENTO POPULAR

A reportagem sobre a aproximação entre a Ciência e o Saber tradicional foi a mais compartilhada em nosso Facebook em agosto

ESCRITOR A entrevista com o professor Paulo Maués Corrêa (“Um caboclo escritor”,

JOSÉ ADERNEIRA

Papo de Artista, agosto de 2017, edição nº 72) mostra que ele é um paladino da literatura feita no Pará. Ao resgatar e registrar as memórias, crenças e histórias do povo amazônico, o professor Paulo está prestando um grande serviço à cultura brasileira. Parabéns. José Ricardo Monteiro Belém-Pará Para se corresponder com a redação da Amazônia Viva envie comentários, dúvidas, críticas e sugestões para o email RÚSTICA PAISAGEM

A foto dos meninos brincando de bola em Salvaterra, no Marajó, de autoria do leitor José Aderneira, foi a mais curtida em nosso Instagram na edição passada. NAILANA THIELY SETEMBRO DE 2017

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TEXTOS VICTOR FURTADO E ALINNE MORAIS CESAR FAVACHO

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA

UM MUNDO FEITO DE COBRE

ESCULTURAS FEITAS COM FIOS METÁLICOS PELO ARTESÃO EDILSON JÚNIOR MOSTRAM A BELEZA DA BIODIVERSIDADE EM FORMA DE ARTE PÁGINA 8 E 9

GENÉTICA

CALENDÁRIO

Pela primeira vez, pesquisadores decodificaram o genoma da onça-pintada e do leopardo, conhecendo mais sobre o passado evolutivo dos felinos. PÁG.13

Um dos alimentos mais consumidos pelos paraenses, o açaí agora é celebrado oficialmente no dia 5 de setembro. PÁG.15

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PRIMEIRO FOCO

ARTE QUE RECICLA

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DAR VIDA AO INANIMADO

O artesão Edilson Borges Teixeira Júnior, de 22 anos, constrói estátuas de insetos e outros animais usando fios de cobre encontrados no lixo

FOTOS: MÁRIO GUERRERO/ ASCOM UFRA

FOTOS: CESAR FAVACHO

Quando um ventilador ou máquina de lavar param e são abandonados em ferros-velhos e assistências técnicas, o artesão paraense Edilson Borges Teixeira Júnior, de 22 anos, encontra material para esculturas. É algo que ele já faz há 12 anos. Primeiro como brincadeira, então como hobby e agora profissionalmente. É um trabalho que auxilia na reciclagem de um dos metais de uso mais antigo e que já vem se tornando escasso e, parcialmente, um problema ambiental e de saúde. Para Edilson, são apenas as células de um mundo inteiro que se passa na cabeça dele. O artesão mora no bairro Terra Firme, em Belém. Ao longo da principal via do bairro, a avenida Perimetral da Ciência, há vários vendedores de sucata. É deles que consegue a matéria-prima a um preço mais acessível, ajudando também na reciclagem. Mas já possui fornecedores que são fãs das esculturas e que já fazem escambos com ele. Um é técnico de ventiladores e outro de máquinas de lavar. Quando um aparelho já está “condenado”, trocam os motores dos equipamentos por peças de cobre. Os fios do metal novos, em lojas especializadas, saem caros demais e dificultariam a aquisição do material, propósito de reciclagem e, consequentemente, os valores para venda. Dos motores, Edilson tenta usar tudo além dos fios de cobre. E assim, acaba reciclando outros metais também para fazer bases, ornamentos, cenários e estruturas. Daí já faz tempo desde que deixou de usar fios de cobre de telefones. Foi como apren-


deu, com a mãe dele, que também é artista, mas voltada à pintura. “Um dia estava em Barcarena com ela. E ela disse que ia me ensinar algo legal. Pegou um fio de cobre de telefone e fez um boneco para mim. Aí comecei a brincar, fui fazendo coisas pra ele, roupas e então comecei a fazer os meus próprios bonecos”, lembra, num relato com tom de carinho. Sapeca como muitas crianças, começou a “sabotar” os ventiladores da casa. Causava curtos-circuitos e, quando não ligavam mais, pedia para desmontá-los e tirar o motor e os fios de cobre. O mais extremo que chegou a fazer foi desmontar uma miniatura de um carro da Ferrari para tirar o cobre e fazer os próprios brinquedos. O pai, que deu o presente, na hora se chateou. Porém, nunca tirou do filho o incentivo para a arte. “Acho que a habilidade manual é de família. Minha mãe pintora e meu pai trabalha com tosa de cães e gatos”, diz. Logo passou a fazer os próprios brinquedos. Os bonecos de super-heróis eram próprios. Ele pensou em designs originais e mantém alguns até hoje, sendo aperfeiçoados. Atualmente, faz action figures totalmente articuladas e muito resistentes. Venceu uma frustração de criança pela fragilidade dos brinquedos que ganhava. Um dos maiores orgulhos dos personagens que existem foi Samus Aran, da série de videogames Metroid. Mas outros heróis estão na cabeça dele, com poderes e histórias. Algo que um dia ele gostaria de ver se transformarem em desenhos animados, histórias em quadrinhos, jogos. Com o tempo, passou a fazer coisas mais complexas e descobriu que conseguia reproduzir algo que sempre o encantou na natureza: insetos.

Desde então começou a fazer vários e pesquisar. Um dos primeiros e a recordação mais antiga do portfólio é um louva-deus. Foi quando começou a frequentar o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e conheceu o biólogo César Favacho. O pesquisador o levou para conhecer as coleções de insetos da região e ele foi buscando reproduzir todos em fios de cobre. Isso apenas aumentou a vontade do jovem artesão e técnico em agrimensura (profissão que abandonou por falta de mercado e valorização) de ser biólogo. É um dos sonhos que ainda quer realizar. Entre alguns dos insetos preferidos já reproduzidos estão o escaravelho Lucanus cervus, um dos maiores do continente europeu. Outro foi o besouro-arlequim (Acrocinus longimanus). Também reproduziu saúvas raras da Amazônia e o maior orgulho foi uma espécie brasileira de louva-deus, a Callibia diana. Esse inseto foi uma das maiores peças já produzidas e foi até apresentada em um congresso, em Manaus (AM), de estudos de louva-deuses da região tropical. Em 12 anos, já foram quase mil esculturas. O acervo atual tem cerca de 60 e as encomendas chegam periodicamente. Todo o trabalho é exibido no perfil dele no Instagram (@esculturasdecobre). As menores peças, medindo uma média de 6 cm, custam pouco mais de R$ 10. As esculturas mais complexas e maiores, com cerca de 30 cm, chegam a R$ 200. Mas apesar da plataforma de venda, alguns dos principais expositores e apoiadores do trabalho hoje são a esposa e os três filhos, que adoram todas as peças e fazem questão de dizer quem as fez.

TALENTO E SUSTENTABILIDADE Além de insetos, Edilson também confecciona espécies, como tubarões.

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PRIMEIRO FOCO

REPRODUÇÃO

INCÊNDIOS AFETAM FORMIGAS E CONVERTEM FLORESTA EM SAVANA Incêndios frequentes no sul da Amazônia alteram severamente não só a estrutura e composição da floresta, mas também a fauna, especificamente as comunidades de formigas. Essa alteração é preocupante porque indica que outros grupos de animais são potencialmente afetados de maneira similar além de mostrar que várias funções ecossistêmicas e interações biológicas podem ser prejudicadas. A informação é de um estudo publicado na revista “Biological Conservation” por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Charles Darwin University, da Austrália. Mudanças no uso da terra, juntamente com eventos climáticos extremos, tornam as florestas tro10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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picais úmidas mais inflamáveis. Estes incêndios podem degradar severamente a floresta e, no longo prazo, convertê-la em savanas derivadas – florestas degradadas pela ação humana – caracterizadas por uma vegetação pouco diversa, com dominação de gramíneas e árvores espaçadas. O grupo de pesquisadores investigou quais os impactos dessa mudança sobre a fauna utilizando formigas como modelo de estudo. A espécie foi escolhida por sua abundante população além de sua importância ecológica e como bioindicadora, o que significa que as mudanças observadas nestas comunidades refletem alterações que provavelmente ocorrem em outros grupos da fauna. O trabalho foi realizado na Fazenda Tanguro, em Mato Grosso, local

AMIGUINHAS DA NATUREZA

O grupo de pesquisadores investigou quais os impactos das queimadas e mudanças climáticas na Amazônia sobre a fauna utilizando formigas como modelo de estudo

em que o IPAM desenvolve pesquisas sobre a interação entre mudanças climáticas, floresta e agricultura. O experimento aconteceu em uma área de 150 hectares dividida em queimada anualmente entre 2004 e 2010 (exceto 2008); queimada trienalmente; e área não queimada que serviu como controle. Ao todo foram coletadas 187 espécies diferentes de formigas, 113 na área controle, 94 na área queimada anualmente e 121 na área queimada trienalmente. Com o experimento, os pesquisadores atestaram que nenhuma espécie típica de savana foi encontrada na área controle, enquanto que estas espécies ocorreram 61 vezes nas áreas queimadas. Além disso, teve uma queda de 50% na abundância de espécies típicas de floresta nas áreas queimadas.


TRÊSQUESTÕES

FAUNA E FLORA

RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

PESQUISA REGISTRA 381 NOVAS ESPÉCIES NA AMAZÔNIA

Com mais de dois séculos de história, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré passou por várias mu-

antrópicas como desmatamento, agropecuária e grandes obras de infraestrutura. Com a maior floresta tropical remanescente, a Amazônia é reduto para uma diversidade de espécies e habitats. Para a produção do relatório, foram considerados os limites da Amazônia Hidrográfica, a Amazônia Ecológica e a Amazônia Política como área de amostragem. João Valsecchi do Amaral, diretor técnico-científico do Instituto Mamirauá, ressalta a importância do conhecimento da biodiversidade da Amazônia para a identificação de áreas ou espécies. “Essas são informações fundamentais para garantir que os processos ecológicos e evolutivos sejam compreendidos e permaneçam, de modo a assegurar a sobrevivência das espécies”, diz.

danças. A duração da procissão principal diminuiu, mas a festa cresceu em número de romarias e alcance a Ananindeua, Marituba e regiões ribeirinhas. O filósofo, teólogo e economista Mario Tito Almeida, professor da Universidade da Amazôia (Unama) e doutorando em Relações Internacionais, fala sobre as mudanças na festa e o que se esperar para o futuro do “Natal dos Paraenses”. O que torna o Círio tão especial, que une tanta gente? Num mundo de violência e de intolerâncias de vários tipos, o Círio faz vivenciar valores que engrandecem o ser humano: solidariedade, esperança, fé e compaixão. Existe uma regra de ouro comum a todas as religiões: faça aos outros aquilo que você gostaria que se fizesse a você. Quais as grandes mudanças históricas no Círio de Nazaré? O Círio foi deixando de ser apenas o evento de um dia e de festas nas duas semanas seguintes para se transformar num evento grandioso, que acontece ao longo ano com intensa participação popular. As procissões tiveram sua gestão cada vez mais profissionalizada, com definição clara de datas, percursos, paradas e patrocinadores. Por quais mudanças o Círio ainda deverá passar? O principal ponto é incrementar o turismo religioso, fazendo com que o Círio seja vivido ao longo de LEONARDO KERBER/ INSTITUTO MAMIRAUÁ

todo ano. Isto significa transformar o complexo da Basílica Santuário de Nazaré num centro de peregrinação nos moldes dos grandes locais no mundo como o Santuário de Aparecida, Fátima e Lourdes. Há que haver maior sinergia entre poder público, autoridades eclesiásticas e empresas para a definir estratégias e ações concretas neste sentido.

FÓSSIL Parente da espécie descoberta Pacarana (Dinomys branickii) no zoológico do Parque Ambiental Chico Mendes, no Acre

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RAYANNE BULHÕES / UNAMA

O Instituto Mamirauá e o World Wide Fund for Nature (WWF) lançaram recentemente o relatório “Atualização e Composição da lista Novas espécies de Vertebrados e Plantas na Amazônia (2014-2015)”. O documento traz entre suas principais conclusões o registro de um total de 381 novas espécies de plantas e animais, número que representa uma média de uma nova espécie registrada a cada dois dias. No total foram encontrados 216 plantas, 93 peixes, 32 anfíbios, 19 répteis, uma ave, 18 mamíferos e dois mamíferos fósseis. Todas essas espécies foram descobertas entre 2014 e 2015. O número expressivo demonstra importância dos investimentos em pesquisa científica na Amazônia. Historicamente, a região tem sofrido o impacto de ações

Um Círio que transforma


PRIMEIRO FOCO

FERNANDO SETTE

FORMADOR DE ENGENHEIROS E GEÓLOGOS NA AMAZÔNIA Neste ano, o curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Pará (UFPA) celebra cinco décadas da formação de sua primeira turma. Mas, o que poucos sabem, é que o professor e doutor Alberto Catasse Kalume foi o primeiro coordenador da área e ajudou a fortalecer a iniciativa desde o início, em 1963. O engenheiro também participou ativamente da criação do curso de Geologia, em 1964. No curso de Engenharia, Kalume ajudou na contratação de professores e preparação de materiais e grades curriculares da área. “Até então só existia engenharia civil na região então tivemos que montar tudo desde o começo e trouxemos até professores de fora”, lembra ele. “Fizemos de tudo para o curso funcionar”, afirma. O mesmo procedimento também 12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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foi feito para o curso de Geologia, que recebeu um grande apoio da Petrobras. O empreendimento cedeu alguns profissionais que atuaram como professores no início do curso. Para o professor, a implantação dessas duas áreas na Universidade foi de extrema importância para o desenvolvimento da região. “O Pará é uma grande potência mineral e os geólogos formados aqui ajudaram muito no desenvolvimento dessa área com estudos e pesquisas”, explica. “E o de engenharia também teve uma importância muito grande, hoje, 50 anos após a primeira turma, temos vários profissionais que passaram por esse curso e agora ocupam lugares de destaque”, conta ele. Kalume lembra ainda que consolidar os cursos foi um processo difícil,

ele explica que a falta dos professores foi um dos principais problemas. No entanto, o engenheiro destaca que juntos todos superaram as barreiras iniciais e conseguiram manter as áreas, que hoje são bem concorridas dentro da Universidade. “Foi um trabalho muito penoso mas, vencemos. Hoje já existem cerca de 3 mil engenheiros e 2 mil geólogos”, diz. Engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Kalume trabalhou na fábrica de aviões no Galeão e em São Paulo atuou na indústria automobilística. Voltou para Belém em 1961 pela vontade de ficar perto da família e aplicar seus conhecimentos na região. Integrou ainda o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (CREA) e ganhou diversas medalhas de honra ao mérito por seus feitos.


ELESSEACHAM

PELA 1 A VEZ

POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL

Pela primeira vez, pesquisadores decodificaram o genoma da onça-pintada (Panthera onca) e do leopardo (Panthera pardus), jogando luz sobre o passado evolutivo desse grupo de animais cuja história de sobrevivência e adaptação é pouco conhecida. A pesquisa foi publicada na revista científica Science Advances e mobilizou uma equipe nacional e internacional de instituições, como a Mamirauá, do Amazonas. O material genético da onça-pintada (foto abaixo) para a análise foi extraído de um macho da espécie, resgatado ainda filhote no Pantanal e que atualmente reside no Zoológico Municipal de Sorocaba, em São Paulo. Feita a decodificação, os pesquisadores compararam os genomas da onça-pintada e do leopardo com os das outras espécies do gênero Panthera, que abrange também leões, leopardos-das-neves e tigres. Por meio do estudo foi possível então estimar o tempo

CESAR FAVACHO

GENOMA DE ONÇA-PINTADA É DECODIFICADO de separação entre as espécies na “árvore” evolutiva. Com base nos dados, os pesquisadores concluíram ainda que o grupo de felinos que originou as onças se separou dos ancestrais dos leões e leopardos há aproximadamente 3,5 milhões de anos. A pesquisa apontou ainda que mesmo após a separação membros de espécies diferentes continuaram cruzando entre si, o que garantiu a perpetuação da espécie. O estudo revelou também que esses acasalamentos mistos foram importantes para moldar os genomas dos felinos atuais. “Com a decodificação do genoma da onça-pintada, foi possível descobrir aspectos sobre a interação da onça com outras espécies de felinos, que, ao longo de milhões de anos, deram vigor à espécie”, afirma Emiliano Ramalho, líder do Grupo de Pesquisa Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia do Instituto Mamirauá e coautor do artigo.

Entre folhas e solo

EMILIANO RAMALHO/ INSTITUTO MAMIRAUÁ

O inseto acima, geralmente, não é visto pelas pessoas. Os imaturos são larvas que vivem em águas correntes de igarapés pequenos e os adultos, como o da foto, eclodem e ficam na vegetação próxima da água. Eles se confundem com folhas amareladas da vegetação e do solo. É um megalóptero da família Corydalidae da espécie Chloronia hieroglyphica, que ocorre no Brasil, nos estados do Amazonas e Pará, além da Guiana Francesa, Venezuela, Panamá, Peru e Argentina. Tanto as larvas como os adultos são predadores de outros insetos. Gorayeb (1978) registrou pela primeira vez na ciência que as larvas do gênero Chloronia são predadoras vorazes de imaturos de insetos aquáticos e de piuns (insetos da família Simuliidae, de importância médica que picam humanos e que também se criam em águas correntes). A maioria dos adultos que existem em coleções foi coletada de noite, atraídos à luz nas proximidades de igarapés. Por INOCÊNCIO GORAYEB

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FATO REGISTRADO

Coletas na copa da floresta TEXTO E FOTOS INOCÊNCIO GORAYEB

Em 1982, José Rafael e Inocêncio Gorayeb publicaram um artigo descrevendo um novo método para coleta de insetos na copa das florestas. Hoje, essa armadilha suspensa é um dos meios difundidos e utilizados por entomólogos no mundo todo. Várias espécies novas foram coletadas com esta armadilha, tanto na copa como nos outros estratos verticais da floresta. Na época, os pesquisadores queriam fazer coletas na copa das florestas, mas os métodos conhecidos não eram sim14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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ples nem eficientes, então inventaram esta nova armadilha. Ela é simples, construída com tecidos e com canos PVC, de baixo custo, pode ser içada à copa de forma simples e pode ser facilmente transportada. Na década de 80, o Museu Paraense Emílio Goeldi fez inventários da biodiversidade na Serra dos Carajás e a armadilha foi utilizada com sucesso nestes estudos. Uma pesquisa sobre a estratificação de insetos nos estratos verticais da floresta também foi desenvolvida e

publicada, sendo pioneira. Hoje, a descrição dessa armadilha não seria publicada sem antes ser patenteada, mas naquela época não se pensava em proteção do conhecimento e patenteamento. O importante é que a inovação foi difundida e utilizada para o avanço do conhecimento científico da biodiversidade das florestas tropicais. A foto é de 1982, no vale do rio Pojuca, alterado pela ação de garimpeiros, na Serra Norte, Carajás, Pará. Vê-se a armadilha suspensa instalada na copa.


5 DE SETEMBRO

PERGUNTA-SE

AÇAÍ GANHA UM DIA ESPECIAL NO CALENDÁRIO DO PARÁ

É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES

Um dos alimentos mais consumidos pelos paraenses, o açaí ganhou um dia inteiramente dedicado a ele no calendário de comemorações estaduais. A data, 5 de setembro, foi estabelecida pela lei nº 8.519 e coincide com a comemoração do Dia da Amazônia. O fruto contém substâncias que oferecem ação antioxidante, protegendo as células sadias do organismo. No Pará, ele é a base da alimentação e parte da cultura sendo consumido com farinha de mandioca ou de tapioca, peixe, carne entre outros acompanhamentos que garantem uma combinação tipicamente regional. Atualmente, a Associação de Batedores de Açaí de Belém (Avabel) estima que existam cerca de dez mil pontos de venda de açaí na região metropolitana. A data comemorativa é uma vitória para esse grupo e motivo de alegria pois,

Gato come mato para curar dor de barriga? Não é estranho flagrar um gato comendo mato,

lembra o fruto tão querido e importante para a população. Com o decreto assinado o dia passa a fazer parte do calendário de eventos do Pará. A própria associação adianta que já está preparando um festival para a próxima comemoração. Dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), mostram que o Pará gera mais de um milhão de toneladas de açaí por ano. A produção movimenta cerca de R$ 580 milhões nesse período. As atividades com o fruto ainda proporcionam mais de 200 empregos em todo o estado. O fruto divide a data com o Dia da Amazônia, que lembra a maior reserva natural do planeta e uma das maiores riquezas da humanidade. O bioma possui cerca de cinco milhões e meio de quilômetros de floresta e uma enorme biodiversidade.

grama ou qualquer tipo de vegetal. É curioso, já que se trata de um animal carnívoro. Então a cultura popular associou a uma espécie de processo curativo para dores de estômago. E a sabedoria do povo está quase 100% certa. A única parte sem comprovação científica é que dores no estômago, ou em qualquer órgão do sistema digestivo dos gatos, passam com a ingestão de vegetais. Mas a prática felina é para amenizar problemas digestivos sim. “O que sabemos é que os gatos são carnívoros. Então, ao ingerir o mato, ele regurgita, ou seja, vomita. Como não é herbívoro, o estômago rejeita. O que as pessoas relatam, mas isso já é conhecimento popular, é que o animal apresenta uma melhoria após isso. É compreensível, caso ele tenha ingerido algo anteriormente, tanto bola de pêlos quanto algo que tenha feito algum mal e é expelido”, explica a professora Nazaré Fonseca, da Clínica Médica de Cães e Gatos da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra).

RENATO CARVALHO / FREEIMAGES

ANDERSON SILVA / AGÊNCIA PARÁ

MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

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EU DISSE DIVULGAÇÃO

“Ninguém nasce odiando outra pessoa em razão da cor da sua pele, cultura ou religião. As pessoas podem ser ensinadas a amar.”

“Nunca pensei que veria isso no país, o Brasil rompido ao meio por essa coisa ridícula chamada política.” Ney Matogrosso, cantor, durante a homenagem que recebeu no 28º Prêmio da Música Brasileira.

Barack Obama, ex-presidente dos EUA, sobre os confrontos em Charlottesville. A mensagem de Obama, que utilizou trechos de uma entrevista de Nelson Mandela, já é a mais curtida da história.

“Existe uma guerra contra a Amazônia. O governo quer colocar à venda uma área grande de reserva mineral. Senadores, vocês têm a chance de evitar isso na votação que vai haver. E nós estaremos de olho. Não existe plano B.” Sonia Guajajara, representante da comunidade indígena em protesto feito no Rock in Rio, durante o show da cantora americana Alicia Keys.

“O Cerrado está sendo mais desmatado que Amazônia” Mauricio Voivodic, engenheiro florestal e diretor-executivo do WWF Brasil. 16 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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APPLICATIVOS

“O que me move é fazer essas microrrevoluções através da minha arte”

BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

SKY MAP

Aíla, cantora paraense, em entrevista ao Correio 24 Horas, sobre o seu trabalho.

Uma planetário completo no smartphone. Basta ligar o GPS e apontar a câmera para as estrelas para saber os nomes delas, constelações, nebulosas, planetas e aprender tudo sobre o assunto. Há ainda galerias de imagens. A interface é bem acessível e intuitiva. Uma boa ferramenta para entusiastas de astronomia, astrologia e ensino de ciências no ensino fundamental. Gratuito para iOS e Android.

MORECAST Um dos apps mais completos sobre clima. A interface é bem intuitiva e acessível. É possíJULIA RODRIGUES / DIVULGAÇÃO

“Isso é a Amazônia. Não podemos deixar que acabem com essa força. Nós dependemos disso pra viver. É a água que a gente bebe, é o ar que a gente respira.” Regina Casé, atriz e apresentadora, no Twitter, em manifestação contra decreto presidencial que extingue Reserva Nacional de Cobre e seus Associados, na divisa entre o Pará e o Amapá. Devido à pressão popular, a Justiça Federal suspendeu a decisão de Michel Temer.

vel usar praticamente todos os recursos que um smartphone possui atualmente para interagir com as diferentes formas de previsão climática, como globo 3D e alertas de fenômenos. Para saber de tudo, da umidade do ar a direção dos ventos, temperaturas em graus Celsius ou Fahrenheit. Gratuito para Android e iOS.

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

INOCÊNCIO GORAYEB

Carapanãs de Cametá TEXTO INOCÊNCIO GORAYEB

Os mosquitos, chamados de carapanãs na Região Norte, são insetos da família Culicidae, ordem Diptera, e compreendem cerca de 3,6 mil espécies no mundo. As subfamílias Anophelinae e Culicinae agrupam espécies de importância médica. No Pará existem 152 espécies de um total de 220 na Amazônia. Em junho deste ano, uma dissertação de mestrado foi defendida sob o título “Carapanãs (Diptera: Culicidae) em ambientes de várzea e terra firme na cidade de Cametá, baixo Tocantins, Pará, Brasil”, no Programa de Pós-graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (PPGBAIP) da Universidade Federal do Pará (UFPA). A dissertação foi desenvolvida na entomologia do Museu Paraense Emílio Goeldi por Samanta Barra dos Santos, sob a orientação de 18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Inocêncio Gorayeb, com apoio do Instituto Evandro Chagas, representando pelo pesquisador Hamilton Monteiro. O trabalho mostrou os carapanãs em seis pontos dentro dos ambientes de várzea e terra fi rme, em área urbana, periférica e rural. Foram feitas quatro campanhas de campo em um período anual, utilizando os métodos de coleta por atração humana, armadilhas CDC e redes entomológicas. Coletas foram feitas para analisar os horários de ataque as pessoas. Os dados foram analisados estatisticamente para conferir a correlação com a variação de fatores climáticos. Um total de 33 espécies foram coletadas atacando humanos. A espécie mais abundante foi Culex quinquefasciatus, com 75,4% do total. Ela tem importância

por ser vetora da filariose bancroftiana e do vírus Oropouche. Outras espécies importantes foram Anopheles nuneztovari (vetor da malária) e Aedes aegypti (vetor da dengue, febre amarela, chikungunya e zika). Os carapanãs também transmitem encefalites e outras arboviroses. Causam ainda incômodo e estresse aos humanos e animais e suas picadas são portas abertas para a entrada de outros agentes de doenças. Não se tem registro de outra cidade brasileira que tenha um levantamento de carapanãs. Os dados deste trabalho são importantes informações para o monitoramento e a vigilância epidemiológica e também porque apresentam registros em áreas urbanizadas e periferia da cidade e dos diversos ambientes e épocas do ano.


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

Samplear

ANTÔNIO CARLOS SEABRA MARTINS / ACERVO MUSEU GOELDI

A natureza pelo traço de Antônio Martins A ilustração acima é do desenhista Antônio Carlos Seabra Martins, que trabalhou no Museu Paraense Emílio Goeldi por 34 anos, até 1997, como ilustrador e desenhista. Ele ilustrou livros, artigos científicos, teses, exposições e os fascículos da série “Para Colorir”. No livro “Aves da Grande Belém”, de Novaes & Lima (1ª Edição 1998; 2ª Edição 2009), ilustrou 315 espécies, mas o número de desenhos chega a 500, porque desenhou os dois sexos e detalhes de certas características das espécies. Ilustrou o livro “Brasil 500 pássaros”, publicado em 2000 por ocasião dos 500 anos do descobrimento do país. Além de pássaros, Martins ilustrou mapas, esquemas, letreiros e outras obras. Suas pranchas apresentam as espécies com riqueza de detalhes por

seus traços acuidosos, sempre com um segundo plano com partes do ambiente. Os pássaros foram desenhados em posições que refletem o comportamento de como são vistos na natureza. A prancha apresentada é da espécie Chlorostibon notatus (beija-flor-de-garganta-azul) que ocorre no Brasil (do Pará ao Rio de Janeiro), no nordeste da Colômbia, norte e leste da Venezuela, Guianas, Trinidade e Tobago. Sua obra é um patrimônio do Museu Goeldi, da Amazônia, do Brasil e da ciência, e reflete as características desta instituição de 152 anos, que mantém a tradição de pesquisas de história natural, da biodiversidade, da conservação e da sociodiversidade da Amazônia.

É um neologismo que vem da palavra inglesa “sample”, que significa “amostra”. Samplear significa compor, gravar e modificar sons por meio de um sampleador, aparelho eletrônico que permite gravar, alterar e reproduzir sons. É possível fazer uma composição ou arranjo musical com uso desse recurso. Contudo, no Pará, o verbo “samplear” ganhou uma conotação adicional, também relacionada com o mundo musical, mas gradativamente foi se popularizando no linguajar da sociedade. Isso ocorreu depois que a cantora Gaby Amarantos difundiu o clipe da música “Xirley”. Uma parte da letra diz: “Ela vai preparar café coado na calcinha só pra lhe enfeitiçar e se tu for na aparelhagem tu vai ver só... Eu vou samplear, eu vou te roubar!” Desde então, samplear também significa brilhar, estrelar, se amostrar. O termo é usado ainda no sentido de que um artista ou alguém está ficando famoso, está sampleando. Algumas frases com aplicação do verbo samplear: “Com esse negócio de treme, luzes e brilhos coloridos reluzindo e relampeando, café coado na calcinha e seu talento musical e vocal, a Gaby sampleou”; “O feitiço do tamaquaré, a garça namoradeira e o urubu malandro no meio do pitiú, a voz forte, afinada e o carimbó chamegado, samplearam a Dona Onete no Brasil e no mundo.” O termo também dá nome à websérie “Sampleados”, que mantém a batida do tecnobrega para formar o “mashup”, uma mistura feita pelas mãos de Will Love, da Gang do Eletro. Os episódios do Sampleados têm a participação de Wanderley Andrade e de jovens artistas como Nanna Reis e vários outros. Tudo no Pará agora está sampleando.

Por INOCÊNCIO GORAYEB

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OLHARES NATIVOS

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Um porto cheio de vida

Maracanã é um município paraense localizado na zona litorânea do Estado. Conhecida pelas belas praias, a cidade a pesca um dos carros-chefes da economia local. O fotógrafo Bruno Carachesti estava de férias no município e resolveu dar um giro para fazer algumas fotos logo nas primeiras horas da manhã. Ele foi bater no Porto do Cafezal, onde fez registros impressionantes do cotidiano dos moradores de Maracanã. “Saí durante a manhã para tentar ‘caçar’ umas fotos. Dei uma volta de carro pela cidade e parei no Porto do Cafezal, onde vários barcos saíam com destino às praias vizinhas. Na ocasião, encontrei um barco muito disputado, muitas pessoas entravam e até uma moto foi levada pela embarcação”, conta o fotógrafo. Nas páginas a seguir, conheça um pouco mais sobre o lugar pela lentes de BRUNO CARACHESTI SETEMBRO DE 2017

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OLHARES NATIVOS

Em cada barco um destino

Os “popopôs” partem pelo rio Maracanã adentro levando as lutas diárias do povo da cidade. FOTO: BRUNO CARACHESTI 22 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Introspecção

O olhar perdido do ribeirinho sobre as águas do rio Maracanã FOTO: BRUNO CARACHESTI

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OLHARES NATIVOS

Silêncio

O caboclo mergulha em seus pensamentos durante a travessia do rio FOTO: BRUNO CARACHESTI

Contemplação

A paisagem amazônica é convidativa para momentos de reflexão FOTO: BRUNO CARACHESTI

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Meio de transporte

As rabetas também são bastante usadas pelos habitantes de Maracanã FOTO: BRUNO CARACHESTI

Tranquilidade

Os moradores de Maracanã viajam pela calmaria do rio que banha o município FOTO: BRUNO CARACHESTI

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OLHARES NATIVOS

Cotidiano

Os dias se passam no embalo das lutas diárias no Porto do Cafezal FOTO: BRUNO CARACHESTI

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 26 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES CARLOS BORGES

IDEIASVERDES

NOVOS VOOS A FALCOARIA RECUPERA A SAÚDE DE AVES DEBILITADAS NA AMAZÔNIA PÁGINA 32

ALERTA

SUSTENTABILIDADE

As pesquisadoras Rosália Souza e Palmira Ferreira falam sobre os riscos da introdução de espécies aquáticas exóticas na Amazônia. PÁG.28

Programa de salvamento de espécies da Norte Energia monitora quelônios e peixes na área da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu.

PÁG.42


ENTREVISTA

A

criação de animais aquáticos de outras regiões do mundo tem se tornado frequente no Pará. Contudo, quando espécies exóticas em cultivo escapam para os rios da Amazônia, os animais nativos correm sérios riscos ambientais. O assunto tem preocupado instituições governamentais e de pesquisa. No final de agosto, a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) realizaram o I Seminário Técnico de Cultivo de Espécies Exóticas, com o objetivo de discutir soluções para os problemas ambientais causados pela introdução de animais de fora na bacia amazônica. Para entender as questões que envolvem o cultivo de espécies exóticas, a professora da Ufra e mestre em ciência animal, Rosália Souza, e a gerente de licenciamento de projetos de fauna, aquicultura e pesca da Semas, Palmira Ferreira, concederam uma entrevista especial para a Amazônia Viva. Confira a seguir:

Quais são os impactos que vocês enxergam devido ao cultivo de espécies exóticas na região? Palmira: Do ponto de vista ambiental, esse cultivo traz uma gama de consequências e impactos negativos para os animais nativos, uma vez que as espécies exóticas escapam para a natureza podem trazer doenças, dominar o ambiente, concorrer por alimento, por abrigo e por toda a sorte de recursos, correndo o risco de ocupar o lugar da espécie de ocorrência natural. 28 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Invasores ameaçam rios da região CULTIVO DE ESPÉCIES AQUÁTICAS EXÓTICAS PREOCUPA GOVERNO E PESQUISADORES, COMO ROSÁLIA SOUZA, DA UFRA TEXTO JOBSON MARINHO FOTOS CARLOS BORGES


Rosália: A gente não sabe como a espécie exótica vai se comportar no nosso ambiente. Nós temos casos no Brasil como o do mexilhão-dourado, que foi introduzido na região sul. O molusco se reproduziu muito, encontrou temperatura e condições ambientais favoráveis e dominou, não tem predador natural para ele. E é isso que não queremos que aconteça por aqui. Nós estamos em uma região com grande biodiversidade. Então se uma espécie como a tilápia, que pertence à família dos Ciclídeos, é introduzida aqui, ela pode começar a cruzar com as espécies de Ciclídeos da Amazônia e a gente não sabe o que vai resultar disso, a genética das espécies locais pode ser comprometida. A tilápia também é um peixe que cresce rápido, em um ano você pode criar até três ciclos. Em cinco ou seis meses ele já atinge o tamanho de abate e, com três meses de vida, já está se reproduzindo. Além disso, a fêmea da tilápia incuba os ovos na boca, fazendo com que a mortalidade das crias seja baixíssima. Essas características fazem com que ela domine o ambiente. Não

estamos aqui levantando bandeira contra o cultivo. O que queremos é trabalhar com a menor probabilidade de escape para a natureza. A gente tem que aprender com os erros dos outros, o resto do Brasil e do mundo que introduziu espécies exóticas hoje está tendo problemas com isso. Queremos que o produtor tenha a opção de criar tilápia, panga, bagre africano, mas que crie com segurança para que o pescador ribeirinho, ao jogar a vara para pescar, continue pegando o filhote, as pescadas, e que ele não pegue só tilápia. No fim de agosto, a Ufra e a Semas realizaram um seminário técnico para discutir o assunto. Quais os resultados do evento? Palmira: Nesse primeiro seminário, priorizamos uma discussão técnica, de nivelamento e estruturação de base para a normatização do cultivo de espécies exóticas. Conseguimos um público bastante representativo das universidades, técnicos da área, órgãos de governo, associações e cooperativas de produtores e secretarias municipais de meio ambiente. Nesse seminário,

“O cultivo traz impactos negativos para os animais nativos, uma vez que as espécies exóticas escapam para a natureza podem trazer doenças, dominar o ambiente, concorrer por alimento” Palmira Ferreira, Semas

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o objetivo foi encontrar um caminho para a legalização dos cultivos existentes com o máximo de responsabilidade ambiental. Quanto mais responsável ambientalmente, mais sustentável a atividade se tornará.

CRÈDITO

ENTREVISTA

Rosália: A gente também queria levar o que existe hoje de tecnologia para agregar na instrução normativa. Discutimos bastante as fases do cultivo, desde a aquisição, produção, comercialização e transporte. Nós temos que pensar na segurança em todos esses momentos, para evitar o escape para o meio ambiente. Uma das ideias que surgiram no seminário é a de criar um selo de sustentabilidade, certificando as cadeias produtivas que forem sustentáveis e protegidas. Muitos produtores já entendem essa situação e, se nós orientarmos como é o correto, com certeza eles vão se enquadrar. Como é a legislação para esses produtores? Existem entraves legais envolvendo o cultivo no Pará? Palmira: Nós temos, sim, um entrave legal. Nossa política aquícola e pesqueira está definida na lei 6.713 de 2005, que foi regulamentada um ano depois pelo decreto 2.020, de 2006. A legislação diz que o cultivo de qualquer espécie aquática em sistema aberto está proibido no Pará. No entanto, quando a lei define essa proibição, ela não define como seria o permitido. Como a lei não é tão clara, nós recorremos para as questões técnicas, mas a parte técnica não tem um consenso que diga como seria um sistema aberto, semifechado ou fechado de cultivo. Por conta disso, chegamos num ponto do direito ambiental que é o “in dubio pro natura”: na dúvida, a decisão tem que ser pelo que for mais benéfico para o meio ambiente. E nesse momento, por conta de tantas dúvidas, o melhor seria não liberar, digamos assim. O órgão ambiental não tem o papel de se posicionar contra ou a favor do cultivo, mas o nosso limite é o que a legislação estabelece. Precisamos trabalhar juntos e encontrar a melhor forma para a criação dos animais, para que a gente 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RISCO PARA FAUNA NATIVA

Espécies como o camarão-marinho (Litopenaeus vannamei), o camarão-gigante da-malásia (Macrobrachium rosenbergii) e tilápia (Oreochromis niloticus) são as espécies exóticas mais cultivadas no país


“Nós temos que pensar na segurança para evitar o escape para o meio ambiente. Uma das ideias é criar um selo de sustentabilidade, certificando as cadeias produtivas” Rosália Souza - Ufra não chegue num ponto em que seja necessário proibir esse cultivo. Hoje, os órgãos de fiscalização têm uma boa estrutura para chegar nas localidades que fazem esse cultivo? Como está ocorrendo a fiscalização? Palmira: A Semas está preocupada, neste momento, em ajudar as secretarias municipais a se estruturarem para assumir também esse papel fiscalizatório, que deve ser dividido entre órgãos federais, estaduais e municipais. A gente está em um cenário de muita carência dos municípios, que são os entes que estão mais próximos. Mas o que posso garantir é que a Secretaria está fiscalizando até onde pode. Existem bons pacotes tecnológicos de cultivo para as espécies nativas? Rosália: Quando a gente compara com as exóticas, infelizmente não. E aí a minha crítica como academia vai tanto para o governo

do Estado quanto para o federal por não investirem em pesquisas relacionadas às nossas espécies nativas. Para uma espécie exótica, como a tilápia, existem melhoramentos genéticos que fazem um peixe atingir o peso de abate com quatro meses de vida. Essa tecnologia você não tem para as espécies nativas. Outra coisa, a tilápia tem mercado e uma cadeia estabelecida. Para a espécie nativa, falta estabelecer toda essa cadeia, desde a larvicultura até a comercialização. O produtor não vai criar uma coisa que o mercado não conhece. Nós temos que oferecer ao produtor uma alternativa que não vai dar prejuízo para ele. E não adianta levar tecnologia se ele não souber utilizar, tem que levar assistência técnica. O mercado só vai crescer dessa forma e investimento é o que está faltando na Amazônia como um todo. Na Ufra, existem projetos desenvolvendo pacote tecnológico para espécies nativas?

Rosália: Sim. Temos um galpão trabalhando com tambaqui e também estamos começando experimentos com pirarucu em um sistema fechado com uso sustentável da água. Com a tilápia, vamos começar o desenvolvimento de um filtro de saída para que os ovos e larvas não escapem do cultivo para os rios e igarapés. De que forma a sociedade pode colaborar com as questões relacionadas ao cultivo das espécies exóticas? Rosália: O consenso é muito difícil, né? A sociedade quer a opção de escolher, de experimentar espécies diferentes, mas é preciso entender que para todas as nossas escolhas existe um preço. A oferta de espécies exóticas de peixe e camarão a um custo mais baixo gera emprego e dinheiro para os municípios, sem sombra de dúvida, mas a pergunta que eu faria é se a sociedade está disposta a pagar esse preço e correr os riscos ambientais que o cultivo traz quando não é feito de maneira segura. SETEMBRO DE 2017

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UMA NOVA VIDA A arte milenar da falcoaria reabilita aves de rapina e reforça a relação entre homem e natureza na preservação do meio ambiente

TEXTO VANESSA VAN ROOIJEN FOTOS CARLOS BORGES

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É

comum encontrar em filmes e séries televisivas com temática medieval ou de fantasia, aves de rapina que atuam como parceiros de caçadores e lutadores, por exemplo. Essa referência não é à toa. Praticada há cerca de 4 mil anos a.C. a falcoaria é considerada uma das relações mais antigas entre homens e animais, e que ganhou força na Idade Média. E esse tipo de amizade é presente nos dias atuais entre Osco, Kendra, Kali e Darwin, como são chamados carinhosamente os gaviões-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus), de 6 e 2 anos, a falcão-de-coleira (Falco femoralis), de 4 anos, e a coruja suindara (Tyto furcatta), de 5 anos, respectivamente, e os integrantes do Grupo Harpia, uma associação paraense dedicada à arte que utiliza técnicas de adestramento de aves de rapina, principalmente com a finalidade de captura de presas. Esses animais são oriundos de criadouros legalizados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e passaram pelo processo de falcoaria. A bióloga Aline Alves é treinadora de Kendra e Kali. Ela explica que as aves, por mais que morem legalmente com humanos, não são humanizadas. Isso porque saíram do criadouro com uma idade da qual puderam passar pelo cuidado dos pais. “Elas já têm a visão dos pais, que são da mesma espécie, então não há o reconhecimento do homem como uma outra ave. Além da sua utilização para o adestramento do animal, a falcoaria acaba estabelecendo uma relação de parceria entre o falcoeiro e a ave”, diz. Aline afirma que Kendra e Kali reconhecem os treinadores como humanos, ou seja, como algo alheio à sua espécie, sem a relação de parentesco familiar.

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UMA RELAÇÃO NAS ALTURAS

CARLOS BORGES

Aline é uma das integrantes do Grupo Harpia, a única associação da Região Norte do país a trabalhar com a técnica. A bióloga explica que, diferentemente de Osco, Kendra, Kali e Darwin, outras aves tratadas pelo grupo passam pelo processo de reabilitação por meio da falcoaria. “Esse processo é essencial para o desenvolvimento das aves e adaptação para retorno ao habitat natural. O tratamento com elas é diferente no sentido de prepará-las para a liberdade, mas o reconhecimento de que são espécies diferentes dos humanos é o mesmo”, afirma Aline. Ela lembra que apresentar hábitos humanos para o animal pode ser prejudicial para a futura soltura da ave, pois, além de influenciar negativamente na identidade dele, isso acaba interferindo no processo de independência da ave e, consequentemente, na sua função biológica na natureza. A falcoaria é utilizada para a reabilitação de aves rapinantes, controle de fauna de pragas, educação ambiental e caça de animais não nativos. Os treinamentos são utilizados como ferramenta para o manejo das aves, seja para a caça, alimentação, condicionamento, reabilitação ou qualidade de vida de animais cativos. De acordo com o presidente do Harpia, o biólogo Felipe Furtado, o uso da falcoaria também é uma alternativa eficaz para o controle de fauna em zonas aeroportuárias, portos, fábricas armazéns, galpões, hospitais, supermercados ou qualquer lugar onde exista a presença intensiva de pombos e outras pragas urbanas. As aves de rapina são treinadas para afugentar e capturar os invasores, evitando prejuízos para o meio ambiente e economia. “O treinamento aplicado para reabilitação e controle possui alguns pontos diferentes, mas na essência é o mesmo. Aves sendo treinadas para captura intencio-

A bióloga Aline Alves é treinadora de aves de rapina, como Kendra, a gavião-asa-de-telha, no Grupo Harpia. Para a voluntária, ganhar a confiança do animal é essencial para a realização do trabalho.


VOANDO POR AÍ

Saiba quais são as espécies mais encontradas no meio urbano do Pará

CORUJA-MURUCUTUTU

SUINDARA

Pulsatrix perspicillata

Tyto furcata

Presente em todo o Brasil, é comum encontrá-la em florestas altas e de galeria. Alimentação: Se alimenta de insetos, anfíbios, répteis, pequenos mamíferos e aves. Características: Mede entre 43 e 52 cm e pesa entre 500 e 1.250 gramas. Causa de resgate: A coruja murucututu é a ave mais recebida e apreendida pelo Batalhão de Polícia Ambiental do Estado do Pará, em Belém, principalmente vítima de criação ilegal em cativeiro.

Presente em todo o país, esse animal tem o hábito de fazer o ninho em edificações humanas, como forros de prédios e galpões abandonados. Alimentação: Se alimenta basicamente de pombos e roedores. Características: Possui em média 36 centímetros de comprimento e 75 e 110 centímetros de envergadura. Causa de resgate: Além dos barulhos feitos pelos filhotes no ninho, essa coruja é relacionada a um mito cultural, sendo chamada de “rasga-mortalha”, por isso, a principal causa de recebimento ocorre após agressões feitas por esses animais, resultado da rejeição e medo das pessoas. FOTO: GRUPO HARPIA

FOTO: CARLOS BORGES

GAVIÃO-CARIJÓ Rupornis magnirostris

É uma das espécies mais comuns no Brasil e pode ser encontrada nos mais variados ambientes. Esse animal teve uma forte adaptação nos centros urbanos devido a grande oferta de presas e a pequena quantidade de predadores naturais. Alimentação: Sua localização reflete na alimentação, pois consome desde insetos até aves. Características: Mede de 31 a 41 centímetros de comprimento e pesa de 250 a 300 gramas. Causa de resgate: A maioria dos animais recebidos foi agredida por humanos no momento em que se aproximam de lugares urbanos dos quais possuem criadouros de aves menores, como periquitos ou pintinhos. FOTO: CARLOS BORGES

CORUJINHA-DO-MATO Megascops choliba

Também pode ser encontrada em todo o Brasil. É uma das corujas mais comuns em cidades, parques urbanos e fazendas. Habita capoeiras e beiras de matas secas ou úmidas. Alimentação: Caça grandes insetos como gafanhotos e mariposas. Características: Mede entre 20 a 22 centímetros e pesando entre 97 e 160 gramas. É uma das menores corujas do Brasil e são relativamente dóceis e pequenos. Seu canto lembra o de um sapo-cururu. Causa de resgate: A maioria dos casos de recebimento é de filhotes retirados do ninho para serem criados. Porém, como são aves sensíveis e com uma dieta alimentar muito única, elas adoecem e as pessoas entregam para o BPA. FOTO: NFSP

OUTRAS ESPÉCIES: Entre outras aves recebidas, mas em número menor se comparadas à espécies acima estão o gavião-pedrês (Buteo nitidus), o falcão-cauré (Falco rufigularis) e o gavião-caracoleiro (Chondrohierax uncinatus). A principal causa de recebimentos são colisões com edificações humanas, atropelamentos, choques em rede elétrica e outras acidentes relacionados a área urbana. FONTE: BATALHÃO DE POLÍCIA AMBIENTAL DO ESTADO DO PARÁ SETEMBRO DE 2017

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nal de presas”, explica Furtado. As aves que agem no controle de fauna em aeroportos e outros locais são provenientes de criadouros autorizados. Diferente das aves de reabilitação, que geralmente são oriundas de resgate e apreensões, e que não atuam em controle de fauna. Felipe Furtado diz que o objetivo da falcoaria é fazer com que a ave exerça ao máximo possível suas funções naturais e que cada técnica é aplicada de forma específica de acordo com a espécie. O biólogo diz que a falcoaria é realizada de duas formas. Para as aves em reabilitação, as técnicas são utilizadas como simulação de uma fisioterapia, pois, por meio do treino, o animal pode retornar ao preparo físico ideal e desenvolver a musculatura, requisitos mínimos para sucesso na natureza. Já para as aves que passam por treinamento para caça, o estudo sobre a espécie é a primeira recomendação dada pelo presidente do Grupo Harpia. “É preciso estudar bastante sobre aves de rapina e falcoaria antes de adquirir uma ave, pois todo o processo de treino tem que ser feito com muita competência, caso contrário, é possível desenvolver vícios e taras na ave, que podem ser impossíveis de corrigir”, alerta. De acordo com Furtado, a duração do treino pode variar entre os indivíduos e pode levar de três semanas a dois meses. A utilização de equipamentos corretos, tanto para a ave quanto para o falcoeiro, é essencial. Luvas, balanças, colete, peças de atrelamento na ave, jesses, anklets e destorcedores são alguns dos materiais de proteção utilizados. “Com a ave em punho, existem várias etapas que devemos percorrer, como amansamento, ambientação, controle de peso, voo ao punho, lure ou isca. E, por fim, a caça, um dos objetivos da falcoaria”, diz o presidente do Grupo Harpia. Segundo Felipe Furtado, no dia 16 de novembro de 2010, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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FOTOS: GRUPO HARPIA

CAPA

ALÇAR NOVOS VOOS

O Grupo Harpia, fundado pelo biólogo Felipe Furtado (abaixo, à direita), faz desde o tratamento até o treinamento das aves resgatadas na região


PARCERIAS AJUDAM A SALVAR ANIMAIS AMEAÇADOS O Grupo Harpia foi criado em 2015 para atuar na conservação e reabilitação das aves de rapina. Além da falcoaria, também realiza cursos e orienta pessoas sobre o manejo correto desses animais. O grupo trabalha também na reabilitação de filhotes. Fantoches são utilizados para simular a presença dos pais e estimular a alimentação dos animais pequenos. Felipe Furtado explica que dessa forma não é possível criar vínculos do animal com o ser humano. “Após o desenvolvimento da ave, ele é estimulado a desenvolver técnicas de voo e caça para que se tornem independentes e serem soltos na natureza”, diz. Para o presidente do grupo, o mais interessante é que os fundadores são especialistas em outras áreas da zoologia. “Alguns são especializados em mastozoologia (trabalham com mamíferos) e outros em herpetologia (especialistas em répteis). Porém, a paixão pelas aves caçadores fez com que todos se unissem em prol da falcoaria”, revela.

A junção de profissionais de diversas áreas e especialidades faz com que o Grupo tenha hoje uma diretoria formada por três biólogos, três médicas veterinárias e uma estudante de Medicina Veterinária. Além disso, conta com dois estagiários e dois voluntários. Atualmente, o grupo também conta com parceiros como o Batalhão de Polícia Ambiental do Estado do Pará (BPA), o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Castanhal, a Universidade Federal Rural do Pará (Ufra), a Faculdade de Castanhal (FCAT), a Associação Brasileira de Falcoaria, a Associação Nordeste de Falcoaria e a Falcoeiras BR. Segundo Felipe Furtado, com o surgimento do Grupo Harpia, foi possível fazer parcerias com instituições de alguns estados do Norte, como Amapá e Tocantins, que trabalham diretamente com a acolhida de aves de rapina. No Estado, o apoio do BPA gera resultados satisfatórios. “Por ano, o BPA recebe diversas ocorrências de resgate de corujas e gaviões, sendo por motivos mais diversos. Esses animais são direcionados para tratamento veterinário e depois para reabilitação no Grupo Harpia”, diz. Ele conta que, somente em 2016, a parceria já ajudou a recuperar mais de 50 aves. Sem esse trabalho, os animais seriam condenados a ficar em cativeiro o resto da vida. Diversos são os motivos para que os animais sejam levados para tratamento e reabilitação. A criação ilegal, feita por pessoas que roubam ninhos e criam os animais de forma criminosa promove o adoecimento das aves pela falta de manejo correto. Colisões em prédios ou ação antrópica (casos de aves atingidas por pedras e tiros de chumbo, por exemplo) também são causas para o tratamento. Há ainda a entrega voluntária por pessoas que encontram os

CARLOS BORGES

a Cultura (Unesco) estabeleceu a arte da falcoaria como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade. “A falcoaria é considerada um de nossos maiores bens imateriais e perpetua uma eterna aliança entre o homem e ave, ou seja, entre homem e natureza”, afirma. Ele conta que há registros de pinturas rupestres que evidenciam o uso da prática e que foi transmitida de geração em geração até hoje.

AVES X PÁSSAROS

Você sabia que aves e pássaros não são a mesma coisa? Segundo a tutora do Hospital Veterinário da Ufra, professora Ana Silvia Ribeiro, na verdade todos são aves, porém, nem todos são pássaros. “Os pássaros são da ordem dos Passeriformes e possuem características diferentes das aves, que são as de rapina (animais de caça e com características dominantes como as garras e o bico)”, diz. Dentre as características que diferenciam os pássaros estão o tamanho, sendo, geralmente, de pequeno porte e hábitos alimentares variados (frutas, insetos e répteis). Já as aves de rapina são, em sua maioria, carnívoras e características, como canto ou reprodução de fala, são inexistentes. SETEMBRO DE 2017

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CAPA

GUERREIROS ALADOS

FOTO: GRUPO HARPIA

O falcão-cauré (à esquerda) e o falcãode-coleira chegaram debilitados ao Harpia e hoje se encontram em perfeitas condições de saúde. Na página ao lado, integrantes do grupo participam de atividades de educação ambiental aliada à falcoaria.

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uma ave ter que passar pela correção de uma fratura, que leva tempo. Por isso, tem que ficar muito tempo parada. Após a recuperação não podemos simplesmente soltá-la”, diz a médica veterinária. Ela afirma que é preciso ensinar o animal resgatado a voar novamente, caçar e se sentir segura no ambiente. É nesse momento que entra o trabalho do Grupo Harpia. Segundo Rafaelle Santos, o setor de animais silvestres do hospital funciona desde 2002. Quanto ao tratamento, desde o início deste ano, o hospital veterinário já atendeu pelo menos 77 aves em geral. Desse total, 16 foram rapinantes, como corujas, gaviões e falcões. Além do atendimento clínico, o hospital promove atividades para melhorar a qualidade de vida dos animais recuperados, como alimentação adequada e banhos de Sol matinais.

CONSCIENTIZAÇÃO PARA PRESERVAR AS ESPÉCIES

Segundo o presidente do Grupo Harpia, Felipe Furtado, devido à urbanização e avanço da fronteira agrícola, as florestas têm cada vez mais perdido espaço para as cidades, resultando na degradação do ambiente natural de várias espécies. “A perda de habitat é o principal fator conflitante entre homens e animais. Essas aves, sem

FOTOS: GRUPO HARPIA

animais, na maioria das vezes feridos. Felipe Furtado diz que o Grupo Harpia, em parceria com o BPA, ajudou no resgate e manejo de um uiraçu-falso (Morphnus guianensis). “Essa espécie é considerada mais rara que o gavião-real (Harpia harpyja). Podemos encontrar o uiraçu-falso em florestas conservadas ou com pouca alteração, chamadas de primárias e secundárias”, afirma. Além do trabalho de resgate, acolhimento e distribuição das aves de rapina pelo BPA, o Grupo Harpia conta com o apoio do Hospital Veterinário de Animais Silvestres da Ufra. A médica veterinára Rafaelle Santos é membro do Harpia e residente do hospital. Ela une o trabalho de assistência clínica ao processo de falcoaria. Ela diz que o trabalho no hospital veterinário consiste em atender os animais que são encaminhados pelo batalhão ambiental e demais órgãos legalizados. “Aqui no hospital eles são atendidos, examinados, tratados, e quando possível, devolvidos a natureza através do órgão ambiental responsável pelo resgate do animal”, conta. Além da atuação na parte médica, Rafaelle também tenta melhorar a qualidade de vida das aves de rapina durante o período de internação. Dessa forma, a equipe do hospital visa providenciar equipamentos para o melhor manejo dos animais e utilização de algumas técnicas da Falcoaria para tentar treinar os animais e manter o condicionamento físico delas. “Imagina

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CAPA

ter onde se abrigar e alimentar, acabam se refugiando nas cidades”, afirma. É nesse momento que, por causa do constante encontro entre animais e homem, que eles podem sofrer agressões intencionais, como pauladas e pedradas, por exemplo, ou indiretas, como atropelamento, colisão com estruturas urbanas ou eletrocussão. Para o biólogo, uma sociedade ambientalmente educada e consciente saberá agir em situações desse tipo de conflito. “O simples ato de acionar o resgate quando encontrar uma ave de rapina em situação de calamidade já é de grande préstimo”, garante Felipe Furtado. De acordo com a professora e médica veterinária Ana Silvia Ribeiro, tutora do Programa de Residência em Medicina de Animais Selvagens da Ufra, dois dos grandes motivos de ferimentos das aves de rapina na área urbana são o contato com linhas de pipas enceradas durante o verão e a falta de informação da população ao se deparar com os animais. “Essas aves são vistas como

FOTOS: CARLOS BORGES

predadores, por isso, as pessoas rejeitam e têm medo, principalmente em casas onde há criação de pequenos animais. A conscientização e a orientação são necessárias para que a população entenda a importância dessas aves”, afirma. As aves de rapina são animais do topo de cadeia alimentar em constante conflito com o homem. Por serem carnívoros e controladores, são extremamente importantes porque fazem o equilíbrio ecológico. “As aves que se adaptaram as cidades são importantes controladores de pragas, como, por exemplo, os pombos e ratos. Assim prestam um

grande serviço a população”, diz. A coruja suindara, conhecida popularmente como “rasga-mortalha”, está relacionada a um mito cultural, no qual as pessoas a relacionam com a morte de alguém próximo. Por isso, passam a ser agredidas pelos humanos. “O que poucos sabem é que essa ave ajuda a conter a população de pragas na cidade, como ratos. Uma família de cinco animais (pai, mãe e filhotes) que está fixa em um ninho em cima de uma prédio, pode consumir em três meses até 1,2 mil ratos. Essas aves ficam no ninho por tempo hábil para

DEDICAÇÃO LÁ NO ALTO

A médica veterinária Ana Silvia Ribeiro (acima, à esquerda) é tutora do Programa de Residência em Medicina de Animais Selvagens da Ufra. Também médica veterinária, Rafaelle Santos faz parte do Grupo Harpia e é residente do Hospital Veterinário de Animais Silvestres da Ufra.

COBRAS MERECEM ATENÇÃO

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Outro objetivo dos voluntários do Grupo harpia é promover, por meio da educação ambiental, a consciência de que as serpentes não devem ser maltratadas quando encontradas em área urbana ou de floresta

GRUPO HARPIA

Neste ano, o Grupo Harpia lançou uma campanha de conscientização e preservação de serpentes, que também estão ameaçadas devido à perda de habitat e ampla disponibilidade de presas no ambiente urbano. Felipe Furtado revela que a preocupação surgiu ao ser comum ouvir falar sobre cobras encontradas em quintais ou

NÃO PRECISA TER MEDO


os filhotes voarem”, diz Ana Silvia. A professora dá algumas dicas para as pessoas que encontrarem algum animal silvestre nas áreas urbanas. “O ideal é chamar o órgão ambiental responsável. Eles são capacitados para fazer a abordagem e contenção de forma correta dos animais. As pessoas também podem ligar para o 190 e informar sobre o encontrado, dessa forma, o órgão ambiental será avisado e direcionado para o local”, orienta. A médica veterinária pede para que as pessoas não se aproximem do animal ou que não tentem contê-lo. “Algumas pessoas não têm conhecimento sobre o procedimento correto e podem machucar

os animais, que têm o organismo e a estrutura corporal mais sensíveis, podendo ocorrer fraturas ou outras lesões”, alerta. Ana Silvia lembra ainda que mexer em ninhos de animais ou manter aves em cativeiro é crime ambiental. O hospital da Ufra trata diversos animais que foram machucados devido à má contenção dos humanos. Uma jovem coruja-murucututu, que está em reabilitação no hospital, teve a asa quebrada, quando ainda era um filhote, ao ser retirada sem o procedimento correto do ninho. “A murucututu foi tratada e encaminhada para um órgão ambiental. Lá a situação dela

tornou-se ainda ainda mais triste quando, ao ser liberada em um espaço sem proteção adequado, foi ataca por uma cutia, que feriu a outra asa saudável, resultando na amputação do membro”, conta Ana Silvia. Hoje, a coruja vive no hospital veterinário com uma asa lesionada e outra amputada, não podendo mais ser solta em seu habitat natural. A história da jovem murucututu é só um exemplo entre vários que ocorrem diariamente. Por isso, a conscientização de todos é fundamental para a preser vação da vida e bem estar dos animais silvestres na Amazônia.

Serviço

Se você encontrar um animal silvestre e precisa de ajuda para o resgate, entre em contato com o Grupo Harpia ou

jardins e que acabam sendo abatidas por moradores que não têm informações sobre os procedimentos corretos para retirada do animal do local. “As serpentes têm adentrado as cidades em busca de alimento e como já são animais que apresentam alto grau de repúdio pelo homem, são agredidos e mortos pela população que carece de informações. Por serem animais cercados de mitos, superstições, lendas e forte influência negativa dos filmes, quando são avistados, causam frenesi na população”, conta. Furtado diz que o objetivo da cam-

panha é conscientizar a comunidade que está em constante conflito com as serpentes sobre o modo certo de agir. “Geralmente, os animais resgatados encontram-se em estado crítico de saúde e muitos deles morrem antes mesmo do resgate chegar”, lamenta. “Atualmente, contamos com diversas serpentes legalizadas no plantel do Grupo Harpia. São animais apresentados em eventos de educação ambiental, que têm igual força para conservação das espécies, pois são tão ameaçados quanto as aves de rapina”, completa.

o Batalhão da Polícia Ambiental (BPA). O Grupo Harpia não tem sede fixa. Os trabalhos são realizados durante saídas em campo e de acordo com as demandas, por isso, é necessário o agendamento prévio por telefone. GRUPO HARPIA: E-mail: ghfalcoaria@gmail.com Facebook: /grupoharpia Instagran: /grupoharpia Contato: (91) 98437-1905 BATALHÃO DA POLÍCIA AMBIENTAL (BPA): E-mail: bpaeapmpa@gmail.com Contato: (91) 3276-5230 Horário de funcionamento: 8h às 16h.

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PESQUISA

Manga reaproveitada FERNANDO SETTE

Filtro fabricado com caroços da fruta podem ser usados para tratamento de água para consumo

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ovida por inquietação, uma paraense conquistou o 3º lugar no Prêmio Nacional Mútua/Anprotec de Inovação e Empreendedorismo 2017. Ingrid Monique Oliveira Teles, desenvolveu um filtro inovador com carvão ativado a partir de caroços de manga para aplicação no tratamento de água para consumo, além de mostrar uma nova destinação para o aproveitamento do fruto. O prêmio foi entregue durante a 74ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (SOEA), que ocorreu no início de setembro, em 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Belém, durante o 4º Congresso Técnico Científico da Engenharia e da Agronomia (Contecc), que reuniu estudantes, professores e pesquisadores de todo o país e revelou talentos por meio de projetos inovadores. Em paralelo ao evento, aconteceu a ExpoSoea, feira que reúne estandes das instituições do Sistema Confea/ Crea, com a participação de representantes dos 27 conselhos regionais de Engenharia e Arquitetura do país e de entidades nacionais e regionais. A pesquisa, desenvolvida nos laboratórios da Estácio de Belém pela

aluna egressa de Engenharia de Produção, levou menos de um ano e surgiu a partir de uma inquietação durante uma visita a uma das ilhas próximas a Belém. “Uma vez tive a oportunidade de acompanhar o Círio Fluvial, com isso pude conhecer uma ilha que fica de frente para Belém, lá eu me deparei com um senhor tomando banho com a água do rio e aquilo me fez questionar como era a água que eles bebiam?”, diz a paraense. Após algumas semanas, a então estudante, reparou na quantidade de mangas desperdiçadas

REAPROVEITAR ATÉ O CAROÇO

As sementes das mangas podem ser aproveitadas para melhorar o consumo da água pelo ser humano


de produtos que em breve serão divulgados, junto ao carvão ativado (filtro). “A equipe que se juntou comigo é composta por dois colegas de Engenharia de Produção da Estácio, a Áurea Milene Teixeira Barbosa dos Santos e Wilson Antônio Ferreira Costa, e a Paula Martins dos Santos, de Engenharia de Alimentos da UFPA. Dentro do espaço tecnológico vamos receber mentorias para que em breve, possamos comercializar nossos produtos. Vamos dar nossos primeiros passos como Startup”, comemora Ingrid. “Ficamos muito felizes em poder contribuir orientando um projeto tão relevante quanto esse. Sempre falamos em sala de aula, para alunos de todos os semestres, sobre a importância desse olhar atento do aluno, ao que pode se transformar numa pesquisa com resultados importantes para a sociedade, como o da Ingrid. Nossos espaços estão sempre à disposição dos alunos”, diz a professora de engenharia de Produção e orientadora do trabalho, Diana Furtado. “Um projeto tão relevante como esse, é fruto de muita dedicação e trabalho com competência. A iniciação científica ajuda nossos alunos a desenvolverem suas ideias inovadoras e a Ingrid Teles sempre teve esse olhar atento para solucionar problemas das comunidades por meio da Engenharia de Produção. O resultado do projeto, com a premiação merecida, retrata a qualidade com a qual nossos alunos saem da faculdade para o mercado de trabalho”, considera a coordenadora do curso de Engenharia de Produção da Estácio.

DIVULGAÇÃO / ESTÁCIO

pelas grandes Avenidas, como a Nazaré, caminho diário para a faculdade. “A partir daí, conversei com a professora Diana Furtado e, com isso, tivemos a ideia de fazer o carvão ativado oriundo do caroço da manga para filtro ecológico, e fazer a comparação com outros filtros sustentáveis como os feitos com o caroço de açaí. Então, fomos contemplados com uma a bolsa de iniciação científica, e começamos os trabalhos de confecção do carvão”, detalha a engenheira. Para a realização do projeto foram utilizadas 15 mangas, aproveitando 100% da fruta. Com a utilização das cascas do produto, foi produzido uma farinha, que está em processo de análises para decidir onde melhor se encaixa. Da polpa da manga foi feito doce em massa e dos caroços, produzido o carvão ativado para o filtro ecológico feito de garrafa pet, areia e o carvão ativado. Com as 15 mangas, foi obtido 69,75 g de carvão ativado, sendo que no filtro foi utilizado 10g, para filtrar 5l de água, 2,5l de água da chuva e 2,5l da água da Baia do Guajará. Sobre os próximos passos, Ingrid conta que pretende patentear o projeto e também dar continuidade, buscando parcerias para aperfeiçoar a ideia e quem sabe, desenvolver outras. “Agora o projeto ganhou um espaço no parque tecnológico na Universidade Federal do Pará (UFPA). Lá, além do carvão ativado (filtro), vai ser colocado em prática um outro projeto que é o aproveitamento de 100% das frutas. Para esse outro projeto já tem uma equipe formada que ajudará nos processos e produção

INOVAÇÃO SUSTENTÁVEL

Ingrid Monique Oliveira Teles desenvolveu um filtro de carvão ativado a partir de caroços de manga para aplicação no tratamento de água para consumo. A ideia lhe rendeu um prêmio científico.

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SUSTENTABILIDADE

Nos passos dos tracajás

FOTOS: BETTO SILVA/NORTE ENERGIA

Tecnologia via satélite ajuda a conservar quelônios no rio Xingu

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Programa de Conservação e Manejo de Quelônios da Norte Energia realizou mais uma etapa do trabalho de conservação de espécies na área dos reservatórios da Usina Hidrelétrica Belo Monte. As equipes de biólogos e técnicos instalaram rádios com transmissão de sinais via satélite em oito tracajás e soltaram os espécimes em dois pontos do Rio Xingu acima da barragem do empreendimento. Com os aparelhos, será possí-

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vel observar a movimentação dos animais e, assim, obter mais informações para traçar estratégias de conservação dessa espécie. Foram acoplados aos cascos de sete fêmeas e um macho, da espécie Podocnemis unifilis, rádios com Sistema de Telemetria, que emitem sinais que são captados por satélite e, após tratamento digital, mapeiam a localização e deslocamentos dos animais ao longo do rio. Em uma base, profissionais captam as informações de cada

tracajá por até nove meses, período em que duram as baterias do equipamento. Este trabalho é inédito em ambientes fluviais no Brasil, tendo similaridade apenas com o projeto Tamar, na costa brasileira, cujo foco são as tartarugas marinhas. A operação foi realizada no Rio Xingu em julho deste ano. O gerente do Meio Físico e Biótico da Norte Energia, Aloísio Ferreira, explica que o mesmo trabalho foi executado em 2014 e 2015 com dez animais

POR ONDE ANDAM AS TARTARUGAS

O programa de Conservação e Manejo de Quelônios da Norte Energia realiza trabalho de conservação de espécies na área dos reservatórios da Usina Hidrelétrica Belo Monte


de maior porte, as tartarugas-da-amazônia (Podocnemis expansa), espécie que também é objeto dos projetos de conservação de quelônios da empresa, juntamente com os tracajás e os pitiús (Podocnemis sextuberculata). “O acompanhamento remoto da movimentação dos animais será fundamental para identificar padrões da espécie que, por sua vez, darão subsídios para promover estratégias de conservação das espécies nas áreas de influência da Usina Hidrelétrica Belo Monte”, afirma. O Programa de Conservação e Manejo de Quelônios é uma atividade do Projeto Básico Ambiental (PBA) de Belo Monte e abrange também o acompanhamento da reprodução de tartarugas-da-amazônia no Tabuleiro do Embaubal, no município de Senador José Porfírio na

Área de Influência Indireta, a jusante do empreendimento. Com esta ação de monitoramento da chegada dos quelônios nas praias, desova e nascimento dos filhotes, mais espécimes contam com maior proteção durante a reprodução, momento em que os animais ficam vulneráveis à caça predatória. A Norte Energia também ajuda no combate à exploração predatória desses animais na região por meio de convênio com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Senador José Porfírio. Os recursos da empresa servem para pagamento de funcionários e insumos para realizar as ações de fiscalização, assim como também contribuiu para construção de um posto avançado para coibir possíveis caçadores que atuam na região.

MONITORAMENTO DE PEIXES

Cinco espécies de peixes estão sendo monitoradas com ajuda de transmissores de rádio e acústicos, ao longo de mais de 300 km do rio Xingu, na área de influência da UHE Belo Monte. Desde junho, biólogos e técnicos contratados pela Norte Energia estão implantando transmissores em pirararas, barba-chata, curimatás, surubins e filhotes a fim de observar a movimentação e possíveis alterações nas rotas migratórias dessas espécies depois do enchimento dos reservatórios da usina. As campanhas de marcação ocorrerão até dezembro e, até lá, 400 espécimes serão soltos no rio com os implantes. Os peixes serão monitorados continuamente até dezembro de 2018. SETEMBRO DE 2017

LOCALIZAÇÃO PRECISA

Rádios com Sistema de Telemetria, que emitem sinais captados por satélite, foram acoplados aos cascos dos animais, que terão a localização mapeada ao longo do Rio Xingu.

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SUSTENTABILIDADE BETTO SILVA / NORTE ENERGIA

Mais de 180 transmissores já foram instalados e os animais devolvidos ao rio, sendo 94 próximos ao sítio Belo Monte, 47 a jusante do sítio Pimental e 46 no reservatório do rio Xingu. Por meio de rádio receptores e hidrofones instalados onze sítios específicos de detecção, o monitoramento realizado pela da Norte Energia registrará a rota das principais espécies migratórias que habitam o Xingu e, assim, poderá constatar possíveis mudanças nos hábitos desses animais depois da construção de Belo Monte. As espécies monitoradas são as que se movimentam em longas distâncias para se reproduzir. As equipes de monitoramento orientam pescadores da região a coletar peixes adultos e entregá-los nos postos de trabalho científico às margens do Rio Xingu. Cada animal é identificado e regis46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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trado a partir da espécie, sexo, peso, comprimento e data de captura. Após o registro, é implantado o transmissor, que emite sinais de rádio e acústicos. Esses dados são captados por antenas e hidrofones a uma distância de até um quilômetro e armazenados em computadores. Posteriormente, as informações são usadas pelos pesquisadores para entender como os peixes se deslocam nos reservatórios de Belo Monte e nos trechos de rio a montante e jusante do empreendimento. Os peixes da pesquisa também ganham uma pequena identificação externa, onde estão orientações e um número de contato telefônico para acionar caso o animal venha a ser capturado involuntariamente. Os biólogos e técnicos também estão em contato com as comunidades de pescadores para esclarecer sobre a importância do trabalho e da devolução

desses equipamentos. Uma das funções da pesquisa também é observar o funcionamento do Sistema de Transposição de Peixes (STP), construído no Sítio Pimental a fim de garantir o deslocamento das espécies no Rio Xingu após a implantação desta barragem. O sistema conta também com antenas que captam os sinais de dos transmissores e com monitoramento por câmera dos peixes que sobem ou descem o rio pelo STP. O monitoramento de Ictiofauna no Rio Xingu também foi realizado pela Norte Energia antes do enchimento dos reservatórios de Belo Monte, em 2012. Na época, cerca de 400 indivíduos de pirararas, surubins, piraíbas, curimbas e pacu-seringa também receberam equipamentos de telemetria a fim de acompanhar a movimentação desses animais na região onde Belo Monte vinha sendo construída.

ANIMAIS VIGIADOS

As espécies de peixes monitoradas são as que se movimentam em longas distâncias para se reproduzir


ARTE, CULTURA E REFLEXÃO CRISTINO MARTINS / ARQUIVO O LIBERAL

PENSELIMPO

A VOZ DA AMAZÔNIA O CANTOR E COMPOSITOR NILSON CHAVES É UM DOS PRINCIPAIS ARTISTAS REGIONAIS DO BRASIL PÁGINA 48

MEMÓRIAS

CULINÁRIA

O cantor e radialista paraense Walter Bandeira foi um dos maiores expoentes da cultura paraense. PÁG.52

O jornalista Thiago Barros fala sobre o potencial da gastronomia de Belém aliada à economia verde e sustentável. PÁG.58

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PAPO DE ARTISTA

Senhor AMAZÔNIA NILSON CHAVES É FAMOSO DENTRO E FORA DO PARÁ POR CANTAR AS BELEZAS NATURAIS E HUMANAS DO NORTE DO BRASIL. AO PREFERIR SER CONSIDERADO UM CANTOR E COMPOSITOR AMAZÔNICO, E NÃO SOMENTE PARAENSE, ELE EXPRESSA O SENTIMENTO DE UM AMOR GENUÍNO E REGIONAL. TEXTO ALINNE MORAIS

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A

utor da música “Sabor Açaí”, dos populares versos “põe tapioca, põe farinha d’água, põe açúcar, não põe nada...”, o cantor e compositor Nilson Chaves é um dos grandes defensores da música da Amazônia, como ele mesmo faz questão de destacar. Com 43 anos de carreira, o artista já acumula cinco vinis, 17 CDs, cinco DVDs, além de um prêmio Sharp e uma indicação ao Grammy Latino. Nilson, dono de vários sucessos com temática amazônica, despertou para a música ainda na adolescência, influenciado por grandes artistas locais e nacionais. Em Belém, participou de inúmeros festivais além de se aventurar pelo teatro. Em 1968, deixou a capital e partiu para o Rio de Janeiro, onde gravou o primeiro compacto de sua carreira ao lado do grupo Manga Verde. Tempos depois, passou a se dedicar ao trabalho solo e em 1981 fez a estreia de seu primeiro vinil “Dança de Tudo”. O projeto uniu a tradição da música brasileira às raízes amazônicas, uma característica que até hoje é preservada no trabalho de Nilson. Atualmente, o artista se dedica ao seu mais novo projeto “Avenida Musical Norte/Sul”, feito em parceria com o poeta gaúcho Carlos Di Jagua-

“Tenho uma fascinação especial nos encontros com artistas. Eles são uma troca importantíssima de experiência e riqueza pessoal. Sempre fiz isso, já dividi palco com muitos artistas brasileiros e amazônicos” rão. O disco, que está sendo divulgado no Brasil inteiro com uma turnê homônima, apresenta canções que mostram a forte influência da música regional, com pitadas da world music, dois estilos que tão bem se fundem na obra do cantor, considerado a voz da Amazônia.

CRISTINO MARTINS / ARQUIVO O LIBERAL

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PAPO DE ARTISTA

Como começou sua relação com a música? Eu tinha 13 anos. Meu pai tinha uma aparelhagem de som - naquela época não existia treme terra (risos) - e ele era sempre contratado para fazer festas. Eu, curioso, comecei a escutar os discos que ele não levava para os bailes e descobri João Gilberto, Maysa, Dolores Duran, entre outros artistas e, a partir daí, me apaixonei pela música.

“Um compositor sempre está atento a tudo que acontece em volta. Nós, amazônicos, cantamos o flagrante, as belezas e os sentimentos da gente da Amazônia.”

Além desses artistas, quais outras influências e inspirações? Gosto de Chico Buarque, Caetano [Veloso], Gil [Gilberto] e os mineiros em geral. Maestro Waldemar Henrique, Guilherme Coutinho, Galdino Pena e Jesus Paes Loureiro também tiveram sua importância na minha formação porque eles eram as referências da época e, portanto, aprendi muito com eles. E quando você entrou de forma profissional para o mundo artístico e da música? Objetivamente considero que esse marco foi na minha primeira gravação. Fui pro Rio em 1968 e em 1974 gravei o primeiro compacto de um grupo que eu participava que se chamava Manga Verde. A partir dali eu considerei o começo de tudo. Antes, 1967 até 1964, eu considero aprendizado.

MARIVALDO PASCOAL/ DIVULGAÇÃO

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Ao longo de mais de quatro décadas de carreira você acumula parcerias com diversos artistas locais e nacionais. O que cada encontro acrescenta à sua trajetória? Tenho uma fascinação especial nos encontros com artistas. Eles são uma troca importantíssima de experiência e riqueza pessoal. Sempre fiz isso, já dividi palco com muitos artistas brasileiros e amazônicos e, particular-

mente, tenho inúmeros parceiros musicais de compor e adoro essa experiência. E de todos esses encontros, teve algum em especial que te marcou mais? Todas são importantes, todos são meus parceiros. Thiago de Mello, Celso Viáfora, Jamil Damous, Vital Lima, Cristóvão Araújo, Joãozinho Gomes, Ana Terra, Carlos Correia, Ana de Holanda, Luiz Carlos Sá, Eliakin Rufino, Anibal Beça, Flávio Venturini, Carlos Di Jaguarão, Martin César, Paulinho Pedra Azul, Zeca Baleiro, Edgar Macedo, Marcos Quinan, Felipe Cerquize, entre tantos outros, são alguns desses poetas e músicos. Todos eles têm admiração e respeito pela música da região. Dentre os tantos projetos e parcerias que você desenvolveu ao longo de sua carreira o Trilogia, feito com Lucinnha Bastos e Mahrco Monteiro, é um dos grandes destaques que acabou de completar 15 anos. O que ele representa para você? E em algum momento vocês acreditaram que ele chegariam tão longe? A Trilogia é um presente do destino, da vida. Somos eternamente gratos por nossa união, somos parceiros de música, palco, amizade, de respeito, de amor e de torcida. Tudo que fiz em minha vida fiz com paixão. Então não pensamos em quanto tempo iria durar e sim no prazer de estarmos juntos e felizes, e assim, naturalmente duraria sem a pressão de ter que durar. Além do Trilogia, você desenvolveu ainda muitos outros trabalhos. Atualmente, você está se dedicando a algum em específico? Estou lançando um CD novo [Avenida Musical Norte/Sul] em parceria com o poeta gaúcho Carlos Di Jaguarão. O lançamento começou por Minas, com um show em setembro, seguiu por Belo Horizonte e a ideia é levar para outros lugares. Esperamos que as músicas desse novo disco possam ser importante para as pessoas.


CRISTINO MARTINS / ARQUIVO O LIBERAL

COLECIONADOR DE CONQUISTAS

Com 43 anos de carreira, Nilson Chaves já acumula cinco vinis, 17 CDs, cinco DVDs, além de um prêmio Sharp e uma indicação ao Grammy Latino

Você é um grande defensor da música feita na Amazônia com canções que exaltam o regionalismo e os costumes da terra. De onde vem a inspiração para compor? Da observação. Do coração. Um compositor sempre está atento a tudo que acontece em volta. Nós, amazônicos, cantamos o flagrante, as belezas e os sentimentos da gente da Amazônia. E para você, como é defender a música do Norte? Uma honra, um orgulho, um prazer imenso. Não sou só defensor da música do Pará e sim sou defensor da música amazônica em geral. O Pará é o meu berço mas, a Amazônia é a minha verdade. Sou apaixonado pela região em geral. Não sou somente compositor paraense, me considero um pouco mais, sou um compositor amazônico. Quem conhece minha obra musical sabe o que estou dizendo.

MARIVALDO PASCOAL/ DIVULGAÇÃO

Você é um dos grandes expoentes da música no Pará e na Amazônia e hoje observamos uma renovação nesse cenário. Como você avalia o mercado musical local atualmente? E como podemos valorizá-lo ainda mais? Acho maravilhosa essa nova geração. É uma continuidade para a nossa música antenada com o seu tempo e cheia de belas criações. E podemos ajudar na valorização da nossa música não deixando que ela vire apenas um sucesso mentiroso e temporário. SETEMBRO DE 2017

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

A voz maestral do Pará TEXTO CAMILA SANTOS ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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WALTER BANDEIRA 1941 - 2009


U

ma das vozes mais marcantes do Pará. Assim ficou conhecido Walter Bandeira, artista multitalentoso que cravou seu nome na história das artes no Estado e influenciou gerações, seja na música, no rádio ou na dramaturgia. Nascido a 31 de agosto de 1941, Walter Bandeira tinha duas graduações, Filosofia e Letras, mas fez história mesmo com sua voz, que utilizava de forma maestral nos palcos, como cantor e ator, e no rádio, como locutor. Mais tarde, outra paixão tomou conta de sua vida, a de ser professor da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA). A trajetória de Walter Bandeira na música começou na segunda metade da década de 60. Durante aqueles anos e na década de 70, o artista se apresentou em diversos clubes e salões de Belém, como Assembleia Paraense, Tênis Clube do Pará e Clube do Remo. Viu de perto a ascensão de divas da música paraense, como Fafá de Belém, Jane Duboc e Leila Pinheiro. Mas foi na década de 80 que seu talento ganhou ainda mais repercussão pela cidade e fora dela, se apresentando com o grupo Gema, ao lado de Nego Nelson, Bob Freitas, Dadadá, Kzan Gama e Sagica. O grupo fez temporadas em algumas casas noturnas famosas da época, como Maracaibo e La Cage. A atriz Yeyé Porto conheceu Walter Bandeira numa das inúmeras apresentações no Maracaibo, em 1983. Após voltar várias vezes, acabou ficando amiga do artista. “Ele gostava de interagir com as pessoas. Gostava do palco”, recorda. A grande paixão de Walter Bandeira, segundo a atriz, era cantar. Porém, ele descobriu mais tarde outro amor, que era lecionar. Dava aulas de Voz e Dicção na ETDUFPA. Seu talento também versava com as artes plásticas. Walter produziu várias aquarelas, que chegou a expor. Ele também trabalhou como radialista. Certas vezes, brincava dizendo que não gostava do ofício, mas que continuava a pedido dos outros. “Ele gostava, sim. Jamais faria algo que não gostasse de fazer. Gosta-

va do convívio com as pessoas, gostava do microfone”, conta Yeyé. A Filosofia, uma de suas graduações, ele aplicava em tudo na vida, mas especialmente no ofício de professor, nas aulas de teatro. Para a cultura paraense, Walter Bandeira deixou um legado rico, que só um artista multitalentoso poderia fazer. “O Walter era atemporal. Continuou fazendo sucesso até ele partir. Era uma pessoa muito querida pela generosidade e paciência que tinha com as pessoas, com o mundo. Como artista, gostava tanto de cantar que não se importava se cantava no Maracaibo ou no CAN, com alguém que tava começando ou já consagrado”, afirma Yeyé Porto. Mesmo tendo feito história como cantor, Walter Bandeira não tinha muitos registros gravados. O artista costumava falar que não gostava de gravar, pois aquilo se tratava apenas de um registro parado, como uma fotografia, que não definia quem ele era. Na verdade, o que ele não gostava, conta Yeyé Porto, era a questão burocrática envolvida no processo. O artista preferia estar com o público, interagir com ele. Mas, em 1989, Walter lançou o álbum “Clichê”. Vinte anos depois, em 2009, ele lançou um novo trabalho. O álbum “Guardados e Perdidos”, uma parceira com o pianista Paulo José Campos de Melo, foi a despedida formal de um dos maiores artistas paraenses. Por conta de um câncer no pulmão, a voz de Walter Bandeira calou-se em 2 de junho daquele mesmo ano. O corpo se foi, mas ficou a herança de um artista que foi carisma e alegria até os últimos dias. “Ele se manteve tranquilo, sereno até o fim. Sempre de bom humor”, conta Yeyé Porto. “O último álbum foi feito com muito carinho. Foi o melhor registro que alguém poderia fazer antes de partir”, complementou. A vida e obra de Walter Bandeira viraram tema do documentário “Deboche”, de Robson Fonseca, lançado em dezembro do ano passado, como parte do projeto “Walter 75”, idealizado pela arqueóloga Edithe Pereira, como forma de manter viva a memória do artista no Estado. SETEMBRO DE 2017

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AGENDA

ORTODONTIA

CRISTINO MARTINS / AGÊNCIA PARÁ

AUTO DO CÍRIO

Por um pedido de paz

Uma das mais tradicionais manifestações culturais do Estado, o Auto do Círio chega à 23° edição e vai percorrer as ruas da Cidade Velha no dia 6 de outubro, a partir das 19 horas. Neste ano, o evento pede paz na cidade com o tema “Por uma Belém de Fé”. A concentração do Auto será na praça do Carmo. De lá, o cortejo

seguirá para frente do Museu do Estado do Pará. No total, o evento terá seis estações. Durante todo o percurso, os participantes vão encenar atos voltados para um pedido de paz. O Auto surgiu para revitalizar culturalmente o Centro Histórico de Belém, proposta que vem se concretizando até os dias atuais. Em 2006, a manifestação recebeu o título de Bem Imaterial do Estado do Pará, associado ao Círio de Nazaré, pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan). Informações na página facebook. com/autodocirio.

O 11° Congresso da Associação Brasileira de Ortodontia será realizado de 11 a 14 de outubro, no Hangar, na avenida Dr. Freitas, Marco. O evento contará com cursos, simpósios, minicursos, oficinas e conferências. Mais informações em abor.org.br.

CINEMA “O estranho que nós amamos”, de Sofia Coppola, pode ser visto de 5 a 8 de outubro, no Cine Líbero Luxardo, na avenida Gentil Bitencourt, 650, Nazaré, às 16h. Ingressos por R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia). Informações em facebook.com/cineliberoluxardo

EXPOSIÇÃO Exposição “Ypú – Olho d’água”, de Lucas Gouvêa, até 11 de outubro, na Galeria Ruy Meira, na Casa das Artes, Praça Justo Chermont, 236, Nazaré. A visitação é gratuita e pode ser feita das 9h às 18h. Durante a mostra o público poderá conferir objetos interativos, videoinstalações, projeções e brinquedos ópticos que trazem elementos como a água e a imagem.

FILOSOFIA

LUIZ BALTAR / ARTE PARÁ 2015

ARTE PARÁ 2017 O Arte Pará chega à 36° edição e será realizado no período de 5 de outubro a 30 de novembro, na Casa das Onze Janelas, na rua Siqueira Mendes, Cidade Velha. Para o evento, cerca de 20 artistas convidados pela curadoria devem mostrar suas obras. A mostra já se consolidou como o maior salão de arte da região Norte do País e a cada edição reúne um número maior de visitantes fomentando ainda mais o campo 54 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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artístico e cultural do estado. Durante a programação diversos formatos de arte podem ser vistos desde fotografias até instalações e videoartes. Paulo Herkenhoff está a frente do Arte Pará há mais de uma década. Curador e crítico de arte, ele foi um dos pioneiros do vídeo brasileiro na década de 70. Além dele, Vânia Leal também é curadora da mostra. Informações em facebook.com/ArtePara.

III Semana Acadêmica de Filosofia da Universidade do Estado do Pará, de 3 a 6 de outubro, no Centro de Ciências Sociais e Educação da Uepa, na travessa Djalma Dutra. O evento tem como tema “O Apagar das Luzes – (dês)construção, crises e desafios do mundo contemporâneo”, e vai contar com apresentação de trabalhos e minicursos. Informações e inscrições em filosofiauepa.wixsite.com/iiisafil.

CONGRESSO De 12 a 14 de outubro a coordenação do curso de Zootecnia da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), campus de Paragominas, promove o “IV congresso de Zootecnia da Amazônia”. O evento será realizado no Auditório Inocêncio Oliveira, localizado no Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas. O evento tem como objetivo a troca de experiências e a valorização do profissional zootecnista da Amazônia. Informações em ivcongressodezoote.wixsite.com/Paragominas.


FAÇA VOCÊ MESMO

Tear de papelão

O tear é um dos mais antigos equipamentos de costura e tecelagem e agora você poderá produzir várias peças para decorar a casa, escritório com um equipamento artesanal fácil de fazer com papelão. Com ele, ensinado nas Oficinas Curro Velho, será possível fazer toalhinhas de mesa, enfeites, tapetes... Para começar, o material será mais básico: apenas com um simples fio de malha vermelho. Assim que a natureza da técnica é aprendida, percebe-se como é possível alternar cores, tecidos e texturas, resultan-

Do que vamos precisar?

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do em trabalhos com modelos mais personalizados, complexos e, consequentemente, mais bonitos. Com um baixo custo, tudo o que será necessário para montar o tear será um pedaço de papelão e alguns restos de linha. Numa época de livros de colorir arte para acabar com o estresse de adultos, esta atividade pode ser relaxante. Para as crianças, uma brincadeira que ensina como é feito um tecido, além de estimular coordenação motora, criatividade e outros sentidos.

Papelão Régua Lápis Barbante Fio de malha ou tecido em tira Tesoura com pontas arredondadas

INSTRUTOR: SÔNIA BARROS / COLABORAÇÃO: DILMA TEIXEIRA E LAÍS AZEVEDO / FOTOS: IONALDO RODRIGUES SETEMBRO DE 2017

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FAÇA VOCÊ MESMO

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Amarre a ponta do barbante em torno do primeiro dente.

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Passe a régua entre os fios do tear, deixando um fio por baixo e outro por cima, sucessivamente.

Repita o processo até formar o tapete no tamanho desejado. Depois, corte os barbantes que ficaram na lateral.

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No restante do papelão, faça marcações com o lápis na borda superior e inferior. Use a régua para medir, marcando a 3 cm da borda e com 2 cm de distância entre cada ponto marcado.

A partir do ponto amarrado, comece a trançar em zigue-zague, passando o barbante por trás dos dentes. Isso formará uma sequência de fios lado a lado na parte da frente e, nas costas, um tracejado nas bordas.

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Com a tesoura, faça cortes retos, da borda até cada ponto marcado, formando assim os dentes por onde você passará o barbante.

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Prepare a navete. Enrole o fio de malha (ou a tira de tecido) em torno da navete, formando um “8”. Faça isso até preencher ela toda. Esconda as pontas por dentro do trançado já feito.

Passe a régua novamente entre os fios do tear, desta vez, o fio Exponha ao mas Sol durante deixado por baixo deve ficar por 5 dias, tomando cuidado cima e o que antes ficou por cima para não tomar chuva. da régua, deve ficar por baixo.

Levante a régua formando um túnel. Depois, passe o fio de malha (com o auxílio da navete) através do túnel formado pela régua. Depois, baixe e tire a régua.

Amarre as pontas dos barbantes, formando a borda do tapete.

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Arremate as pontas do fio de malha escondendo-as entre os fios trançados do tapete. Pronto, você já pode fazer pequenas confecções e de forma sustentável.

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. O Curro Velho fica localizado na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RECORTE AQUI

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Separe uma tira do papelão e faça cortes nas duas extremidades em formato de “V”, fazendo com que fique dentada. Isto é chamado “navete”. Separe para usar depois.


BOA HISTÓRIA

Vileta

Havia três demônios travestidos de crianças. Ou seria o contrário? A verdade é que os moleques eram umas pestes e todo mundo reclamava. Quinho era o destemido, Garrafa, o rei da confusão, e Pescoço, o engraçado. Juntavam-se e não tinha para ninguém. A cidade era minúscula ainda. Pelo menos, o que eles tinham como os limites daquele mundo alagado embaixo e empoeirado em cima. Eram eles os donos dos quintais e não havia cerca ou muro que resistissem às diabruras do trio. Na vizinhança, não havia uma casa sem queixas dos três anjos. Era a zoada das piras intermináveis que iniciavam-se às sete e varavam às onze. Esses meninos não têm mãe? Era o que perguntavam. Os cercados de caibro eram inexistentes para todos eles. Passavam feito sabão pelos vãos. Piscasse o olho e os três estavam dentro dos domínios alheios, atazanando gatos ou olhando para o céu, como quem espera um disco voador. Nem a fortaleza coroada de cacos de vidro, a Casa da Doutora, escapou.

LEONARDO NUNES

Nunca adoeciam. Se chovesse, estavam eles nas biqueiras ou saltando das pontes de madeira nas águas imundas do canal. Era o que chamavam de reino ensopado. Pescoço era o melhor nadador e Quinho o fôlego Número Um, como no comercial de bebida. Garrafa deixava a valentia de lado e só observava nessas horas. Tinha pavor de explodir com a barriga d’água, a doença dos caracóis. A avó botava medo. O universo da poeira era ladeira acima na avenida. Iam pouco, mas iam. Depois do almoço, deixavam a comida sentar, sempre na rua. Quando a moleza passava, subiam até a Marquês, uma rua larga de piçarra com casas altas construídas em cima de pequenos morros. Lá, amorcegavam os caminhões para arriscar quem morreria primeiro. Ninguém morria, claro. Um dia tomaram coragem e um bom banho, puseram a melhor roupa e foram para Marquês esperar o Vileta, o lendário ônibus cor de creme e seus quadrados marrons e laranja na lataria.

Ficou como a lembrança mais viva para o trio depois que Pescoço se mudou. Eles espicharam, cada qual no seu canto, cada um com seu caminho, até saberem quase nada um do outro. Anos depois, Pescoço retornou. Mais sério do que nunca. Estudado, com quilos a mais e sem o apelido. Foi visitar a tia Helena. E perguntou sobre os parceiros. Quinho estava preso havia cinco anos. Entrou pelo cano nas amizades subsequentes à infância de ouro. E Garrafa agora era história por causa da bravura de sempre. Pescoço olhou a rua, que agora era de asfalto. Quase não havia mais quintais para invadir, frutas para roubar, telhas para partir, vizinhos para reclamar. E a cidade, para Everton, o homem no qual Pescoço se tornou, ganhou um silêncio doído depois das tristes novidades e se encolheu nas brumas empoeiradas daquela viagem feliz no fundo do ônibus. Era um maio sem chuvas, uma raridade em Belém. SETEMBRO DE 2017

Anderson Araújo

é jornalista e escritor

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NOVOS CAMINHOS

Gastronomia na economia verde Jaci, em uma viagem ao centro da Terra ao lado de Iassytatassú, foi mordida por um monstro. As lágrimas der-

THIAGO BARROS

é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros

ramadas pela deusa Lua, na mitologia Tupi, banharam uma parte da floresta cheia de pés de mandioca, dando origem ao tucupi. O sumo usado pelos indígenas desde tempos imemoriais, extraído das raízes da planta, tempera grande parte dos alimentos típicos da Amazônia até hoje. De mítico, o líquido amarelo virou item da gastronomia de alto nível no Brasil e no exterior, conquistando grandes chefes de cozinha e turistas. Não à toa que Belém, principal núcleo de desenvolvimento culinário da região, foi eleita cidade criativa da gastronomia pela Unesco, a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. O que encanta quem não é da região é toda a aura fantástica acerca da alimentação cotidiana dos amazônidas, suas heranças multiculturais, a aproximação com a natureza e os saberes tradicionais - como a técnica para extrair o “veneno” do caldo do tucupi, na verdade o ácido cianídrico. O trabalho que proporcionou projeção mundial à gastronomia amazônica, especialmente a desenvolvida no Pará, faz parte de uma convergência de esforços ao longo de décadas, numa cadeia que começa nos produtores tradicionais, segue com organizações da sociedade civil e se materializa, também, em políticas públicas. Existe um ambiente favorável à consolidação desta vocação. E os próprios moradores da região, sempre atentos às novidades de fora, começaram a redescobrir e valori-

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zar as receitas locais. A riqueza da gastronomia amazônica e dos variados ingredientes tem ligação direta com a biodiversidade que a floresta tropical úmida abriga e se respalda em uma lógica de produção inversa à de monoculturas desenvolvidas em fronteiras agrícolas como a da soja, que invade o sul da região. Os produtos de uma gastronomia sustentável têm reduzido impacto ambiental e beneficiam cadeias de produção local, mas ainda são minoria em nosso cotidiano. Esse novo mercado - a exemplo do crescimento da alimentação de base orgânica no país inteiro - abre janelas para ações que priorizem o desenvolvimento regional, tendo como referência a economia verde. Esses produtos são gerados a partir de três eixos que se encaixam muito bem à “marca” gastronomia amazônica e agregam valor diante de um público consumidor internacional cada vez mais engajado e exigente: baixa emissão de gases do efeito estufa, eficiência no uso de recursos naturais e investimento na inclusão social. Só é possível chegar a esse tipo de produto final, na prática, solidificando o equilíbrio de quatro capitais: humano, físico, natural e institucional. O resultado é o bem-estar, que se mantém a partir do empoderamento de comunidades, da adoção de mecanismos que proporcionem uma diferente forma de utilização dos recursos naturais. Em todas essas dimensões, o Pará, por exemplo, tem boas inIciativas, mas elas precisam ser ampliadas, criando raízes. E a gastronomia amazônica tem tudo para se tornar referência a outras iniciativas.

“O trabalho que proporcionou projeção mundial à gastronomia amazônica faz parte de uma cadeia que começa nos produtores tradicionais, segue com organizações da sociedade civil e se materializa em políticas públicas”


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