EDUCAÇÃO
Universidade do Estado do Pará completa 25 anos
MAIO 2O18 | EDIÇÃO NO 78 ANO 7 | ISSN 2237-2962
REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.
FEMINISMO
A cantora Liège defende suas ideias com música e atitude
O RESGATE
DE UM RIO Como a bacia do Tucunduba, a segunda maior em extensão de Belém, está sendo salva com ações socioeducativas e mudança de comportamento sobre o meio ambiente na zona urbana
EDITORIAL
UMA PUBLICAÇÃO DELTA PUBLICIDADE - JORNAL O LIBERAL MAIO 2018 / EDIÇÃO Nº 78 ANO 7 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo RONALDO MAIORANA Vice-Presidente ROSÂNGELA MAIORANA KZAM CARLOS BORGES
MENINAS DO RIO Juliana Cardoso, Letícia Luz e Micaela Valetim fazem parte da AME e estão mudando a realidade no entorno da segunda maior bacia hidrográfica de Belém
Por amor ao Tucunduba
FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe
A iniciativa corajosa de jovens estudantes da Universidade Federal do Pará fez com que o rio Tucunduba começasse a ser visto com outros olhos. A Associação Ame o Tucunduba (AME) foi criada a partir do espírito socioambiental de um grupo de universitárias, que se motivou a mudar a realidade da comunidade que depedende do rio. A bacia do Tucunduba tem 14.175 metros de extensão e é a segunda maior de Belém, cortando os bairros Universitário, Terra Firme e Guamá, além de parte de Canudos e do Marco. Considerado um “rio urbano”, o Tucunduba abriga um cenário de despejo de lixo, abandono e violência. Apesar das mazelas sociais, se tornou invisível com o passar dos anos.
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MAIO DE 2018
As mulheres da AME, no entanto, incentivam a criação de espaços de educação, consciência ambiental e debate, estimulando o engajamento dos moradores da área e despertando o sentimento de pertença pela bacia do Tucunduba. Nessas experiências comunitárias, o estímulo ao conhecimento de uma nova cultura de convivência com os rios urbanos é importante para a democratização do acesso a informações sobre os recursos hídricos da Amazônia. A atuação da AME no entorno do Tucunduba ainda é uma gota preciosíssima no oceano do descaso social. Mas ela é resultado de um amor responsável pelo ambiente, onde a falta de políticas públicas eficazes ainda flagela os amazônidas.
Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Conselho editorial RONALDO MAIORANA ROSÂNGELA MAIORANA KZAM LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Universidade Federal Rural da Amazônia, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (acervo); Filipe Sanches (edição de arte); Alinne Morais, Dayane Baía, Ferreira da Costa, João Thiago Dias, Jobson Marinho (reportagem); Carlos Borges, Celso Lobo, Fernando Sette, Nailana Thiely (fotos); Fabrício Queiroz (produção), Anderson Araújo e Thiago Almeida Barros (artigos) J.Bosco, Jocelyn Alencar e Leonardo Nunes (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Bacia do Tucunduba, bairro da Terra Firme, por Carlos Borges AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade. CNPJ (MF) 04.929.683/0001-17. Inscrição estadual: Isenta Inscrição municipal: 032.632-5 Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco Belém - Pará amazoniaviva@orm.com.br
REALIZAÇÃO
NESTA EDIÇÃO
EDIÇÃO Nº 78 / ANO 7
CARLOS BORGES
MAIO2018
32 O outro
lado do rio
A Associação Ame o Tucunduba ajuda a mudar a realidade das comunidades da periferia de Belém CAPA VITÓRIA LEONA/ DIVULGAÇÃO
MÁCIO FERREIRA / AGÊNCIA PARÁ
NAILANA THIELY
CELSO LOBO
E MAIS
18 28 44 48
FOTOGRAFIA
EDUCAÇÃO
NATUREZA
MÚSICA
O fotógrafo Celso Lobo
O reitor da Universidade
O Estado do Pará colhe
A cantora e compositora
apresenta uma galeria
do Estado do Pará, Rubens
bons resultados na prote-
Liège ganha cada vez
especial com cenas do
Cardoso, destaca o papel
ção ambiental ao investir
mais projeção na atual
cotidiano amazônico
da instituição que comple-
em ferramentas de mo-
cena cultural paraense ao
e mostra a força do
ta 25 anos de atuação na
nitoramento e no Parque
defender igualdade e res-
povo da região.
sociedade paraense.
Estadual do Utinga.
peito aos artistas locais.
OLHARES NATIVOS
ENTREVISTA
SUSTENTABILIDADE
PAPO DE ARTISTA
4 6 7 11 13 14 15 16 17 40 52 54 55 57 58
EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES APPLICATIVOS QUEM É? PERGUNTA-SE EU DISSE CONCEITOS AMAZÔNICOS SOCIEDADE MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS ESTANTE AMAZÔNICA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS
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ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES
ACERVO PEABIRU
FABIO PINA
OS PRETINHOS DO MANGUE
A foto dos foliões do carnaval ecológico de Curuçá teve o maior número de “likes” em nosso Instagram na edição passada
NAILANA THIELY MAIO DE 2018
A reportagem sobre as riquezas produzidas na floresta foi a mais curtida pelos nossos seguidores no Facebook
fb.com/amazoniavivarevista
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MANEJO SUSTENTÁVEL
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PRIMEIROFOCO
O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA
A PAIXÃO PELO FUTEBOL ENTRA EM CAMPO
COM A REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO 2018, OS BRASILEIROS SE VOLTAM PARA UM SENTIMENTO DE OTIMISMO E ESPERANÇA EM DIAS MELHORES NO PAÍS. DESTACAMOS A ATUAÇÃO DE PARAENSES NO MAIOR EVENTO DO FUTUBOL MUNDIAL. PÁGINAS 8 A 10
FIFA / DIVULGAÇÃO
SOCIOBIODIVERSIDADE
CONHECIMENTO
O professor Flávio Barros destaca a importância da capital paraense no debate sobre a diversidade cultural e biológica na Amazônia. PÁG.11
O biólogo Luiz Videira se dedica ao Clube do Pesquisador Mirim, projeto do Serviço de Educação e Extensão Cultural do Museu Goeldi. PÁG.14
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PRIMEIRO FOCO
CORAÇÕES PARAENSES NO MUNDIAL TEXTO FERREIRA DA COSTA
À
s portas da Copa do Mundo 2018, os brasileiros começam a preparar o coração para os jogos da seleção masculina do Brasil na Rússia, reacendendo a esperança ante dias tão conturbados na política e economia brasileira. Os paraenses são conhecidos pelo amor ao futebol e dois deles já tiveram a honra de vestir a camisa da seleção brasileira e entrar em campo na disputa de Copa do Mundo. Foram eles, Sócrates e Giovanni. Giovanni Silva de Oliveira, filho de Abaetetuba, nasceu em 4 de fevereiro de 1972 e era meia de armação. Iniciou-se jogando futsal no Clube do Remo e depois migrou para a escolinha de futebol da Tuna Luso Brasileira, onde se revelou e passou pelos juniores, destacando-se como exímio armador de jogadas e também atacante e goleador. O craque abaetetubense ascendeu ao quadro profissional tunante e jogou também no Remo e Paysandu, por empréstimo. Esteve em Portugal, em 1992, no Vitória de Guimarães, mas só ficou por 15 dias, retornando a Belém, alegando que o técnico CRAQUE DO PARÁ
O jogador Giovanni nasceu em Abaetetuba e defendeu a seleção brasileira em 1995, sob o comando do técnico Zagallo 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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o colocou no time para jogar fora de sua posição, como centroavante, quando ele era meia armador. Em 1993, Giovanni esteve no Remo e integrou o time azulino que conseguiu o 8º lugar no Brasileirão, a melhor campanha remista em todos os tempos. Em 1994, o craque foi para o Paysandu, e em seguida, para o São Carlense (SP). Após se destacar em um jogo contra o Palmeiras, despertou o interesse do Verdão no seu concurso. Ficou poucos dias, pois estranhou o frio intenso da Pauliceia e abandonou o Clube, já que o craque fi-
cou em um hotel. Sem avisar ninguém, regressou a Belém. Com a desistência do Palmeiras, o Santos entrou no páreo e conseguiu o empréstimo do jogador junto à Tuna, com passe fixado em R$ 300 mil. Na Vila Belmiro, Giovanni passou por tratamento especial, fez exames de laboratório e preparação física especial, ganhou musculatura. No dia 22 de outubro de 1994, Giovanni estreou pelo Santos na vitória sobre o Botafogo (SP), por 2 x 0. Serginho Chulapa era o técnico.
ARQUIVO O LIBERAL
Na temporada de 1995, Giovanni viveu a sua melhor fase, passando a ser o grande comandante do time santista. O Peixe só perdeu o título do Brasileiro por um erro de arbitragem, mas Giovanni foi eleito pela Revista Placar o craque do Campeonato. Giovanni marcou 17 gols. Nesse mesmo ano, Giovanni foi convocado para a seleção brasileira por Zagalo. Em 1996, Giovanni atingiu a marca de 100 gols pelo Peixe e o Santos o negociou junto ao Barcelona, por R$ 8 milhões (custou ao Santos R$ 300 mil). Em 1997, Gioivanni ajudou o Brasil a conquistar a Copa América. No Barcelona, Giovanni integrava uma constelação de craques e o time da Catalunha foi campeão da Copa do Rei e campeão da Liga Espanhola. Em 1998, Zagalo chamou Giovanni para a Copa do Mundo, e ele entrou de cara no time que estreou contra a Escócia. Jogou só o 1º tempo e foi sacado do time por Zagalo, sem qualquer explicação. O Brasil foi vice-campeão mundial, perdendo para a França. Giovanni voltou ao Barcelona e ficou até 1999, indo jogar na Grécia onde foi ídolo no Olympiakos, onde recuperou o seu exuberante futebol. Giovvani fez seu “pé-de-meia”, aplicou o di-
nheiro ganho e hoje vive com tranquilidade em Santos, apostando na ascensão de um filho que joga nas categorias de base do Santos e tem futebol idêntico ao do pai. Na seleção do Brasil, Giovanni jogou 18 partidas, sendo 14 oficiais e quatro amistosos. A seleção brasileira jamais perdeu uma partida com Giovanni em campo.
O FILÓSOFO E A BOLA
Nascido em Belém, Sócrates hoje figura no panteão dos jogadores que já defenderam a seleção brasileira, sendo considerado um dos melhores atletas de todos os tempos
SÓCRATES
Sócrates Brasileiro de Souza Vieira de Oliveira tinha nome quilométrico e futebol também. Nasceu na Santa Casa de Misericórdia do Pará, em Belém, em 19 de fevereiro de 1954. Sua posição era a de meia-atacante. Craque refinado. Jogou 63 partidas pela seleção brasileira, com 41 vitórias, 17 empates, cinco derrotas. Marcou 25 gols. Jogou nas Copas de 1982 e 1986, quando encantou o mundo na seleção brasileira dirigida por Telê Santana, mas havia um carrasco no caminho do Brasil... Paolo Rossi. Foram 10 partidas em Copas do Mundo, com oito vitórias, um empate, uma derrota. Sócrates marcou nas duas Copas, quatro gols. O craque nasceu em Belém. Seu pai era funcionário da Receita Federal e sua vida foi levada por várias capitais no exercício de sua profissão. Assim, quando a MAIO DE 2018
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PRIMEIRO FOCO
REPRODUÇÃO / ESTADÃO PRESS / ARQUIVO O LIBERAL
JUÍZES DO NORTE
A história da Copa do Mundo de futebol também conta com a maestria do apito de árbitros paraenses. Ao lado e no centro, Gama Malcher. Abaixo, Gilberto de Almeida Rego.
mãe de Sócrates estava grávida do futuro craque, ela e o marido residiam em Belém, daí Sócrates ser paraense de nascimento, mas na verdade ele viveu sua infância por poucos anos em Igarapé-Açu e juventude em outros Estados, fixando, sua família moradia em São Paulo, onde despontou para o futebol no Botafogo, de Ribeirão Preto. Depois foi para o Corinthians, jogou no Flamengo, foi ao exterior e regressou ao Brasil.
ARBITRAGEM
Gilberto de Almeida Rego era paraense, mas radicado no Rio de Janeiro, tendo se constituído no 1º árbitro brasileiro a apitar jogos de Copa do Mundo. Em sua primeira edição, disputada no Uruguai, a Copa do Mundo de 1930 teve a participação do árbitro paraense Gilberto de Almeida Rego. Segundo relatos do historiador Roberto Vieira, Rego foi protagonista de um equívoco no confronto entre Argentina x França. Quando o time francês se dirigia ao gol para empatar a partida, o árbitro terminou o jogo, porém, 6 minutos antes do tempo regulamentar. Após protesto dos franceses, Gilberto de Almeida Rego se desculpou e reiniciou a partida, mas de nada adiantou, a Argentina 10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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venceu pelo placar de 1 x 0. Rego ainda voltou a apitar outros 2 jogos dos donos da casa. Uruguai 4 x 0 contra a Romênia, e a semifinal contra a Iugoslávia, que saiu na frente em pleno estádio Centenário, mas não resistiu aos anfitriões, que venceram por 6 a 1. Nestas duas partidas, no entanto, a arbitragem de Rego foi perfeita. Como auxiliar, ele ainda atuou na partida França 4 x 1 México. REPRODUÇÃO
FAMA
Alberto Monard da Gama Malcher Filho nasceu em Belém, em 3 de março de 1920. Seu pai, José Malcher, foi uma glória do esporte italiano, como grande árbitro de futebol, bem como seu tio, Achiles da Gama Malcher. Assim sendo, filho e sobrinho de dois grandes árbitros, Alberto Malcher também seguiu a carreira dos parentes. Gama Malcher começou a apitar jogos em Belém, na década de 40 e se transferiu para o Rio de Janeiro. Entrou para o Quadro de Árbitros da Federação Metropolitana de Futebol (RJ), ganhando status. Entre os primeiros 50 jogos que apitou, Malcher Filho citava partidas válidas pelo Torneio Campeão dos Campeões, no Chile, Campeonato Sul-Americano, Copa Rio, Copa Rio Branco, Taça Oswaldo Cruz, Campeonato Pan-Americano (México) e Copa do Mundo de 1950 (Espanha 2 x Chile 0, no Maracanã, Chave B, semifinais, na data de 29.06.1950, gols de Bassora e Zarra). No México, no encerramento do Pan-Americano, recebeu uma medalha de ouro: “Que la Virgem de Guadalupe proteja ao mejor arbitro del II Pan-Americano.”
TRÊSQUESTÕES RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO
SOCIOBIODIVERSIDADE PRECISA DE MAIS RECONHECIMENTO TEXTO JOBSON MARINHO
Há 30 anos, a capital paraense se tornou um ícone no debate sobre a diversidade cultural e biológica. Em 1988, durante a criação da Sociedade Internacional de Etnobiologia e do I Congresso Internacional de Etnobiologia, pesquisadores e povos indígenas elaboraram a declaração de Belém - documento que até hoje é considerado um código de ética a ser seguido por pesquisadores da área. De 7 a 10 de agosto, Belém receberá o XVI Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia, o XII Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, a I Feira Mundial da Sociobiodiversidade e a IX Feira Estadual de Ciência e Tecnologia. O professor Flávio Barros, doutor em Biologia da Conservação e diretor geral do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF-UFPA), explica importância da Declaração de Belém para o reconhecimento de saberes e povos tradicionais.
Quais desafios ainda precisam ser superados nas propostas levantadas pela carta? Como os eventos que ocorrerão em agosto vão contribuir? O maior desafio é o respeito e o reconhecimento da diversidade étnica existente no Brasil, pois a biodiversidade não existe e nem evolui apartada da cultura, do ser humano. Outro aspecto importante é a proteção dos territórios e da própria vida das comunidades tradicionais e indígenas. Estamos a assistir o extermínio de lideranças e o ataque aos territórios por meio da exploração desenfreada dos recursos naturais e da construção de projetos perversos ditos de desenvolvimento. Os quatro eventos em um serão fundamentais para estimular debates e troca de experiência entre pesquisadores, professores, estudantes, políticos, ativistas, gestores, povos e comunidades tradicionais.
DIVULGAÇÃO
Quais avanços a Declaração de Belém trouxe para o entendimento da sociobiodiversidade? Os principais avanços se vinculam ao compromisso da devolutiva dos resultados de pesquisas às comunidades. O documento foi fundamental para reflexão sobre os direitos dos povos tradicionais detentores de conhecimentos sobre a sociobiodiversidade, freando de certa maneira o acesso, muitas vezes ilegal, ao patrimônio imaterial associado à diversidade biológica. A declaração de Belém também compôs alguns artigos que constituem a Convenção da Diversidade Biológica.
Como a Etnobiologia pode ser uma aliada das pessoas que detém saberes tradicionais? Se a Declaração de Belém for observada com rigor e disciplina, os etnobiólogos poderão auxiliar de diferentes maneiras a luta dos povos tradicionais, por exemplo, com relação a repartição igualitária dos benefícios oriundos do acesso ao conhecimento tradicional e com relação a proteção e garantia dos seus territórios e territorialidades, soberanias e bem viver.
DOUTOR EM BIOLOGIA
O professor Flávio Barros é diretor geral do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF-UFPA)
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PRIMEIRO FOCO
IGOR BRANDÃO / AGÊNCIA PARÁ
ASSOCIAÇÃO BIOTEC AMAZÔNIA DESENVOLVE NOVOS NEGÓCIOS Com o objetivo de incentivar o uso sustentável dos recursos biológicos da Amazônia e desenvolver cadeias produtivas da biodiversidade na região, a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e Tecnológica (Sectet) elaborou o programa BioPará. No ano passado, a Sectet selecionou, por meio de um chamamento público nacional, a organização social Associação BioTec Amazônia para executar a gestão do programa no Estado. Ao longo deste ano, a organização - qualificada na área de desenvolvimento científico e tecnológico – vem realizando palestras com consulto-
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res e mostra de bioinvenções para fomentar ações de desenvolvimento de empresas inovadoras e sustentáveis no âmbito amazônico. Além do apoio ao empreendedorismo com base em produtos da biodiversidade, a BioTec RONALDO ROSA
Amazônia também desenvolve ações com as comunidades tradicionais com o objetivo de valorização do conhecimento e inovações por elas gerados. O diretor presidente da Associação BioTec Amazônia, José Seixas Lourenço, explica que a ideia geral do BioPará e da própria associação é garantir o desenvolvimento sustentável com qualidade de vida para a população da região. “Queremos transformar essa imensa riqueza da nossa biodiversidade em produtos, processos, patentes, de tal maneira que se possa PARCEIROS
O diretor presidente da Associação BioTec Amazônia, José Seixas Lourenço (centro), busca parcerias com instituições interessadas em desenvolver projetos e pesquisas
RONALDO ROSA
APPLICATIVOS
Hand Talk Tradutor para Libras DESENVOLVIMENTO
Representantes de universidades e instituições científicas colaboram com a BioTec nos estudos na região
gerar emprego e renda a partir disso”. Em março, a Associação BioTec inaugurou sua nova sede no Parque de Ciência e Tecnologia Guamá - PCT Guamá, em Belém (PA). Na ocasião, representantes de universidades e instituições científicas estiveram presentes para discutir novos caminhos para a pesquisa e inovação na região. José Ribamar Marques, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, que trabalha com produção de búfalos e genética de animais silvestres, afirma que a BioTec Amazônia é uma grande catalisadora da produção e dos órgãos que estão
financiando a pesquisa. “A Amazônia tem condições de produzir certificadamente todas as suas necessidades, desde que nós tenhamos condições de bons projetos e financiamentos. Quem vai ajudar, quem vai fazer essa junção dos órgãos que estão financiando, dos bancos, dos grandes empreendedores é justamente a BioTec Amazônia”, afirmou José Ribamar. Agora, a BioTec busca estabelecer novas parcerias com instituições interessadas em desenvolver projetos, estudos e pesquisas com foco nas áreas de biodiversidade, biotecnologia e bionegócios. AGÊNCIA PARÁ
Com o assistente virtual Hugo, é possível traduzir em instantes textos em português para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). O app reconhece texto escrito, voz e até mesmo frases em imagens, como placas de trânsito. É uma ferramenta eficiente de comunicação entre surdos e ouvintes. Gratuito para Android e iOS.
Trello Com esta ferramenta fica mais fácil organizar tarefas do dia a dia. O Trello é uma plataforma onde é possível gerenciar projetos usando listas, quadros e checklists. O app também permite o compartilhamento da tarefa sua equipe, notificando os envolvidos sempre que uma nova etapa da atividade for concluída. Gratuito para desktop, smartphones e tablets.
Posture Ginástica Laboral
MAIS PELA CIÊNCIA
Pesquisadores do Parque de Ciência e Tecnologia Guamá também são parceiros da BioTec
Este aplicativo permite que trabalhadores de ambientes administrativos, linhas de produção ou de transporte manual de cargas tenham acesso a aulas e exercícios de ginástica laboral. A atividade contribui para evitar Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e aumentar a produtividade no trabalho. Gratuito para Android e iOS. FONTES: PLAY STORE E ITUNES
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QUEM É
Luiz Videira: Uma vida dedicada à educação científica TEXTO PAULO HENRIQUE GADELHA FOTO FERNANDO SETTE
Luiz Fernando Fagury Videira, ainda criança, aos oito anos, já se interessava por botânica, arqueologia, museologia, educação e demais ciências, mesmo sem saber, até então, o que significavam corretamente esses conhecimentos. Hoje, Luiz Videira é biólogo, técnico do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Belém, e já acumula 30 anos de atividades dedicadas à educação em museus. “Em 1985, ainda como estagiário, comecei minhas atividades no Museu e me 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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efetivei lá, como técnico, em 1988, quando me tornei biólogo. De lá para cá, procurei investir e me aprofundar nessa área de educação em museus, que se tornou, para mim, uma grande paixão”, conta o educador. Luiz Videira atuou, entre 1994 e 1995, na assessoria do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, onde, dentre outras atividades, participou da elaboração e execução de projetos educativos, elaboração de jogos, cartilhas e outros materiais.
Parte considerável da trajetória do biólogo tem sido dedicada ao Clube do Pesquisador Mirim, projeto educativo do Serviço de Educação e Extensão Cultural do MPEG, que tem como proposta a socialização do conhecimento, por meio da aproximação de crianças, adolescentes e jovens ao universo da ciência. O projeto é voltado a estudantes dos ensinos fundamental e médio de todas as redes, e Luiz Videira atua nele desde a criação, em 1997, sendo o atual coordenador. De acordo com o técnico do Museu, “o Clube do Pesquisador Mirim, desde a sua inauguração, vem estimulando o interesse de crianças e jovens pelo mundo da ciência, despertando nesses estudantes curiosidades que possam ser lapidadas, para, quem sabe, se tornarem grandes profissionais futuramente. E poder participar e colaborar para o desenvolvimento de um projeto com esse objetivo é muito gratificante”. As atividades do Clube são variadas, contemplando, além de educação, ações envolvendo ludicidade. Quando os estudantes passam a integrar o projeto, eles são apresentados aos espaços do Museu, conhecem a história da instituição e as pesquisas e projetos desenvolvidos no espaço, fundado em 1866. Para 2018, na programação do Clube do Pesquisador Mirim, estão previstas as formações dos grupos de estudos “Biodiversidade amazônica”, “Amazônia: histórias e memórias”, “Arte e ciência no Museu” e “saberes amazônicos”. Ao término de cada curso realizado no projeto, os participantes – alunos e instrutores – compartilham e discutem os resultados dos produtos desenvolvidos, entre jogos e kits educativos e livros, que podem conter contos, poemas e outros gêneros. Pelo Museu Goeldi, Luiz Videira publicou os livros “Répteis da Amazônia”; “Passeio na Ilha do Combu” (1990); e “Passeio na Aldeia” (1992), além do catálogo “Ações Educativas do Projeto Educação Ambiental e Patrimonial” (2010).
CAIO GALLUCCI
PERGUNTA-SE É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES
ARTE
EVENTO REFORÇA LAÇOS CULTURAIS
GRANDE MÉRITO
A cantora Fafá de Belém será empossada embaixadora dos Laços Belém/ Portugal
DIVULGAÇÃO
dos Laços Belém/Portugal. Na manhã do dia 8, a Estação das Docas receberá exposições de artesanato e história luso-brasileira. À tarde, o Teatro Maria Sylvia Nunes será palco de workshops, além de um espetáculo poético como ator Alexandre Borges. A partir das 17h do dia 8, o tráfego de veículos será interditado no complexo Feliz Lusitânia para que o público transite entre as primeiras edificações da capital e saboreie pratos oferecidos pelos restaurantes que integram a feira. Às 19h, Fafá de Belém homenageará a música lusitana com um show de fados na Igreja Santo Alexandre. DIVULGAÇÃO
ATRAÇÕES
O renomado chef português Vítor Sobral assinará o jantar de abertura do evento. O ator Alexandre Borges (à direita) vai declamar poemas em Belém.
THIAGO GOMES / AGÊNCIA PARÁ
Contrariando a afirmação frequente de que o solo da região amazônica é pobre, o geógrafo brasileiro Carlos Walter Porto-Gonçalves, no ensaio Amazônia: encruzilhada civilizatória (2017), defende que “os solos da Amazônia não são ricos nem pobres, são simplesmente compatíveis com a floresta”. A exuberância amazônica é fruto de um metabolismo complexo formado pelo clima, solo e floresta. Assim, a água da chuva passa pela copa das árvores e leva a matéria orgânica ao solo, dando origem ao húmus que sustenta a própria vegetação. Quando a floresta é desmatada, as fortes chuvas e o calor intensificam processos químicos que endurecem a superfície. Assim, a chuva sobre o solo mais rígido “lava” os nutrientes já escassos – inviabilizando a agricultura nessas áreas. De acordo com esta perspectiva, dizer que o solo da Amazônia é pobre faz sentido apenas quando se considera a terra separada da floresta. Além disso, cerca de 14% do solo da região tem variações consideradas ricas para a agricultura, como as áreas de várzea e as terras pretas da Amazônia. MANDE A SUA PERGUNTA
Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br
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FREEIMAGES
Belém foi uma das primeiras cidades fundadas pelos portugueses na Amazônia, em 1616. Até hoje, a influência dos antigos colonizadores está presente na arquitetura, culinária e festas populares da capital paraense. Para reforçar os bons aspectos do encontro entre as duas culturas, o projeto “Laços”, da Prefeitura de Belém e Unesco, trará uma programação especial para a cidade nos dias 7 e 8 de junho. O renomado chef português Vítor Sobral assinará o jantar de abertura do evento no dia 7, no Parque da Residência. Na ocasião, cantora Fafá de Belém será empossada embaixadora
O solo da Amazônia é pobre?
EU DISSE
Dráuzio Varella, médico, sobre o Sistema Único de Saúde brasileiro, em entrevista para a BBC Brasil em Londres.
MARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL
“Num país com a desigualdade do Brasil, temos uma parte da população com condições econômicas bastante favoráveis que não deveria usar o SUS. Deveria deixá-lo para quem não tem outra alternativa”.
“Não falta Constituição, não falta direito. Falta fazer com que a Constituição vire a vida de todos os brasileiros” Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, em palestra para estudantes do Centro Universitário de Brasília (UniCeub).
“Ser criativo é fazer funcionar nossa cabeça. A gente é muito mais criativo do que imagina.” Roberto Justus, empresário e publicitário, durante palestra na Feira do Empreendedor, em Belém.
“Que você é gay não importa. Deus te fez assim e Ele te ama assim, a mim não importa. O Papa te ama assim, você tem que ser feliz com quem você é”. Papa Francisco a Juan Carlos Cruz, vítima de abuso praticado por um padre pedófilo no Chile. 16 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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EU DISSE ARQUIVO O LIBERAL
“As pessoas pensam que a obesidade é um problema dos ricos. Não é. Ela afeta também os pobres, que baseiam suas dietas em produtos mais baratos, concentrados em açúcar e farináceos.Vamos perder uma geração se continuarmos aceitando a obesidade sem uma intervenção pública”. José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e criador do Fome Zero, em entrevista à BBC Brasil.
CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO
Garrafada
Utilizadas em várias partes do país, as garrafadas são remédios caseiros feitos a partir da combinação de plantas medicinais em uma espécie de vinho ou chá, geralmente embalado em garrafas reaproveitadas. Os remédios são indicados para tratamento de males como infecção urinária, gastrite, reumatismo e outros. Para cada doença, a dosagem das ervas é diferente e algumas misturas também prometem potencializar a fertilidade. Em Belém, as garrafadas vendidas pelas erveiras do Ver-o-Peso são famosas e prometem não apenas tratar doenças, mas também ajudar em situações do cotidiano, trazendo sorte
“É inevitável que nós vamos precisar de regulação”. Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, em depoimento na Câmara dos
“Ao menor sinal de desinteresse, retribua. Suma. ” Ana Maria Braga, apresentadora de TV,
durante seu programa matinal. O conselho da apresentadora viralizou na internet.
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no amor e sucesso profissional, por exemplo. A historiadora Lucielma Silva, em um artigo publicado no ano passado sobre o trabalho das vendedoras de cheiro nas feiras de Belém no século XIX, diz que os jornais da época evidenciam que a venda das garrafas terapêuticas nesse período já era aceita pela população e pelos próprios órgãos públicos. Hoje, as garrafadas dividem especialistas. Enquanto alguns médicos receitam os remédios caseiros como complemento à medicina tradicional, outros desconfiam da eficácia e do modo de fabricação do produto.
OLHARESNATIVOS
Sensibilidade ao extremo
Celso Lobo é um mestre na arte de captar a realidade amazônica. Destacado e premiado em exposições na Noruega, Áustria, Portugal e França, o fotógrafo capta com sensibilidade e apuro técnico as cenas da região com os olhos de quem conhece e vive a realidade, mas mantém o cuidado de não embotar a percepção e transforma a luz em imagem como vem de fora e se surpreende como o que vê. A natureza, as gentes e o costume do Pará estão no centro de suas experimentações. Na seção-ensaio desta edição de “Olhares nativos”, os rios, as casas de palafita dos ribeirinhos, a vida dos caboclos, a fauna, a flora e a relação com o ambiente. De cara, o deslumbre da simplicidade da vivência religiosa e delicada na pequena Caraparu durante o Círio de Nossa Senhora da Conceição, a fé sobre as águas de um povo que mantém suas tradições como pilar de sua existência. FOTO: CELSO LOBO MAIO DE 2018
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OLHARES NATIVOS
À espera da esperança Da janela, a espera pela imagem que traduz esperança e gratidão para quem não desceu o igarapé para acompanhar a romaria de dentro das canoas, mas agradece a graça alcançado ou pede contrito para melhorar a vida. Nas embarcações, a devoção de quem faz questão de acompanhar o cortejo de perto embaixo das sombrinhas a remar. FOTO: CELSO LOBO
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Águas crepusculares
Vem do rio a vida da floresta e o sustento do caboclo. Não é à toa o respeito e a reverência de cada homem e cada mulher ao pai de todos, o grande fluxo, que oferece não só a água, mas o peixe, o diversão e paz da segurança de ter a imensidão líquida por perto. Na imagem, a transição, não se sabe se do crepúsculo ou da alvorada, e o lançar da rede em busca do alimento. FOTO: CELSO LOBO
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OLHARES NATIVOS
A generosidade do rio
O rio é generoso e, se respeitá-lo, será assim por longo tempo para quem precisa dele. A cena é comum em tantas cidades amazônicas que nasceram e cresceram às margens dos grandes rios. Um homem volta para casa levando nos ombros, orgulhoso e de consciência tranquila, o prêmio por ter acordado ainda na madrugada para pescar. FOTO: CELSO LOBO
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Sob o estigma do preconceito
Ordinário, agourento, agente da morte. Nada disso, o urubu é nosso irmão. Vigilante dos céus, mantenedor da limpeza, recolhedor do que não serve mais. Carnívoro e indicador indisfarçável das cidades mal geridas. Na foto, uma pose imponente do vira-lata dos ares ou, meramente, a hora de secar as asas no sol para novos voos. FOTO: CELSO LOBO
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OLHARES NATIVOS
Animal emblemático
Nem lenda nem mito. O boto cor-de-rosa é uma atração à parte por onde dá o ar da graça. Bicho livre nos rios, símbolo de fertilidade e virilidade, protagonista de histórias sensuais passadas no boca a boca, de geração em geração. Herói-vilão de livros e filmes, cantado nos festivais de Juruti, o mamífero é figura comum para quem mora às margens do rio da Amazônia. FOTO: CELSO LOBO
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Aves encarnadas
Eles colorem a paisagem e já deram nome para empreendimentos turísticos. O vermelho da plumagem dos guarás contrasta com rios escuros e florestas verdes da região, proporcionando um espetáculo visual sem comparação para quem testemunha a cena. FOTO: CELSO LOBO
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OLHARES NATIVOS
Um homem e seu cavalo
O século 21 chegou com toda a tecnologia e promessas de facilidades, mas nas beiras de rios das pequenas cidades da Amazônia vigora outra lógica, outro ritmo, outra relação com a água, as plantas e os animais. FOTO: CELSO LOBO
Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 26 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!
OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES CARLOS BORGES
IDEIASVERDES
MENINAS SUSTENTÁVEIS GRUPO DE UNIVERSITÁRIAS DA UFPA CRIA PROJETO DE SALVAMENTO DO RIO TUCUNDUBA PÁGINA 32
CONSCIENTIZAÇÃO
IDENTIDADE
O reitor da Universidade do Estado do Pará, Rubens Cardoso, ressalta a colaboração social da instituição, que completa 25 anos de criação. PÁG.28
Pinturas em embarcações marajoaras revelam a criatividade de artistas com uma tradicional técnica de pintura ribeirinha. PÁG.40
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ENTREVISTA
“Universidade se renova a cada dia” A UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ COMPLETA 25 ANOS DE FUNDAÇÃO EM MAIO. O REITOR RUBENS CARDOSO DESTACA O PAPEL DA INSTITUIÇÃO NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE PARAENSE E AS PERSPECTIVAS PARA A UEPA NOS PRÓXIMOS ANOS.
A
TEXTO DAYANE BAÍA FOTOS NAILANA THIELY
Universidade do Estado do Pará (Uepa) festeja 25 anos neste mês de maio. Ao longo deste ano, haverá programações comemorativas em alusão ao Jubileu de Prata da instituição. Distribuída em 20 campi, ela promove ações afirmativas para a diminuição das desigualdades sociais no Estado. Conversamos com o reitor Rubens Cardoso sobre a história e a trajetória de crescimento da entidade que contribui diariamente com o desenvolvimento do Pará. Confira a entrevista:
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Como ocorreu a criação da Uepa? Decorreu da necessidade de atendimento à demanda do próprio ambiente acadêmico e da sociedade de um modo geral. De um lado, o contínuo da trajetória de mudança no “estado da arte” e, do outro, o crescente contingente de estudantes que se reprimia pela limitação de vagas e concentração da Uepa na capital. Podemos ter como marca o mês de maio do ano de 1993, quando se instituiu a lei que criou a Universidade, a partir da Escola Superior de Enferma-
“A maior conquista é estar em 16 municípios paraenses. Não é fácil levar cursos da área de saúde para cinco cidades diferentes, sendo três delas com a graduação em medicina, que é mais intensiva em capital humano”
FORMAÇÃO
O reitor da Uepa, Rubens Cardoso, afirma que a instituição surgiu da necessidade de atendimento à demanda do próprio ambiente acadêmico e da sociedade paraense
Belém. Então não era fácil ter um projeto pedagógico diferenciado para levar para o interior, atender as peculiaridades locais, ter professor qualificado para fazer o que a Universidade se propunha, sobretudo além do ensino, a pesquisa e a extensão. Precisávamos formar capital humano e investir em municípios polarizadores ou naqueles que apresentavam contrapartidas para a instalação e manutenção do novo campus. Havia tratativas, interesses diversos dos representantes legais da população dos municípios junto ao Governo do Estado e se estabeleciam algumas prioridades. O ano de 1995 é um marco inicial dessa instalação, quando começamos a sair da capital do Estado e hoje estamos em 16 municípios num total de 20 campi, sem contar com os 32 polos do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB).
NAILANA THIELY
gem, que existia desde 1944; da Faculdade de Medicina; da Escola Superior de Educação Física, ambas de 1973; e da Faculdade de Educação, criada em 1983 e que já nasceu com unidades em Belém e no município de Conceição do Araguaia. As faculdades não possuem obrigatoriedade de fazer pesquisa e extensão, ou ter um quadro de mínimo de professores com qualificação de doutorado, por exemplo. A Uepa veio também com um grande desafio de interiorizar a educação superior no Pará. Ela precisava, então, se expandir para formar e capacitar recursos humanos para a complexa tarefa da transformação estrutural da sociedade e do desenvolvimento do Estado.
E hoje, qual é a importância da Uepa para esses municípios? »Abrir um curso superior em uma localidade longínqua, na época, não atraia a iniciativa privada. Então, à medida que interiorizamos, fixando-nos em um município-polo, facilitamos que o jovem dos arredores se desloque para lá, seja porque tem um parente, ou porque o custo de vida é mais barato, diferente de uma capital. Isso também permite que o aluno ou o profissional enxergue de outra forma a realidade local, estudando-a e problematizando-a para criar soluções e inovação para a superação de obstáculos que dificultam o desenvolvimento. A Universidade precisa estar cada vez mais próxima das necessidades da sociedade e fazer uma combinação agridoce entre a educação, a cultura, a arte, o erudito com o “aqui e o agora”, ou seja, com o que está acontecendo em seu entorno, com os problemas emergentes.
Quais demandas a Uepa veio atender? A Universidade estava sendo recém-criada, as faculdades funcionavam em
Quais conquistas o senhor pode destacar ao longo desses 25 anos? Acreditamos que a maior conquista é estar MAIO DE 2018
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SUSTENTABILIDADE
em 16 municípios paraenses. Não é fácil, por exemplo, levar cursos da área de saúde para cinco cidades diferentes, sendo três delas com a graduação em medicina, que é mais intensiva em capital humano e equipamentos, um curso mais longo e, na medida em que eles foram se interiorizando para Santarém e Marabá, fomos ampliando também as residências médicas. Entretanto, foi extremamente desafiador fazer isso. Havíamos experimentado, num primeiro momento, colocar cursos de Enfermagem em Paragominas, Tucuruí, Santarém e Conceição do Araguaia e isso não deu muito certo porque não tínhamos “pernas” para aquela ocasião. Depois fomos amadurecendo. Isso trouxe desafios que a cada dia se ampliam. Significa ouvir e interagir com as questões e anseios locais e, ao fazer isso, ter produtos e serviços que sejam apropriados como transformadores daquela realidade. Se a
Universidade não fizer isso, essa conquista não é muito importante. Como o senhor enxerga as perspectivas de futuro para a instituição? Com otimismo. O que, por si só, não resolve os problemas. Mas pessimismo atrapalha. A Uepa tem por obrigação ser otimista e acreditar naquilo que faz. Historicamente, sempre operamos na Amazônia com uma agenda que não nos favorecia. Menor densidade populacional e renda per capita, níveis de escolaridade, número de doutores baixos, etc. Precisamos transformar isso de forma positiva. No caso particular do Pará, temos uma série de mecanismos institucionais que estão se movimentando e se somam de forma sinérgica, sejam a Lei de Inovação; o Pará 2030; o Parque de Ciência e Tecnologia (PCT Guamá), a localização das
sedes de instituições de desenvolvimento e o Fórum das Instituições de Ensino e Pesquisa do Pará. Precisamos dessa base, algumas leis, programas para enxergar o futuro, mas, sobretudo, da vontade substitutiva entre as organizações para fazer, com competência e inteligência, aquilo que o Estado, a região amazônica necessitam. Vejo a Universidade cada vez mais atenta às demandas da sociedade e mais entrelaçada com outros órgãos em parcerias para resolver problemas complexos. Qual a programação para as comemorações dos 25 anos da Uepa neste ano? Pensamos em reconhecer o papel dos profissionais que, desde 1944, fazem a educação estadual superior no Pará. Celebrar o Jubileu de Prata, mas sem se distanciar de todo o esforço feito no passado pelas faculdades isoladas. A Universidade traz no seu
EXPERIÊNCIA
Rubens Cardoso diz que é preciso celebrar os 25 anos da Uepa, mas sem se distanciar de todo o esforço feito no passado pelas faculdades isoladas antes da criação da instituição
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“A Uepa tem por obrigação ser otimista e acreditar naquilo que faz. Historicamente, sempre operamos na Amazônia com uma agenda que não nos favorecia.” DNA essas características, então faremos uma comemoração que retrate um pouco isso, do ponto de vista interno. Estamos com outras ações científicas e de extensão para sinalizar que esses 25 anos têm sido feitos com a crença de que somos capazes e estamos construindo um futuro melhor. O contribuinte aqui deixa o seu dinheiro, de forma indireta, para que possamos funcionar. Esse esforço vale à pena, já que não compete à esfera do Estado, o Ensino Superior e sim, à União. Então se temos isso, a sociedade precisa ver na Universidade a resposta para alguns anseios, não só na formação dos seus filhos e netos, mas na qualidade de vida que vai agregando ao estado, pela transformação dos egressos que temos a cada ano e pelos resultados acadêmicos. Precisamos também dar brilho aos olhos dos estudantes do Ensino Fundamental e Médio para que eles tenham na Uepa a possibilidade da materialização do seu sonho profissional. Buscamos fazer isso na Feira Vocacional, por exemplo. Contribuímos com 22% das vagas das instituições públicas de ensino. Estamos aqui há 25 anos, mas queremos que eles venham para trazer oxigênio e novas inquietações. A Universidade se renova por meio dos questionamentos que surgem a cada dia. MAIO DE 2018
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QUANDO RENASCE UM RIO Grupo de universitárias transforma a realidade no entorno da bacia do Tucunduba, dando mais vida às águas que correm dentro de Belém TEXTO ALINNE MORAIS FOTOS CARLOS BORGES 32 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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C
om 14.175 metros de extensão, a bacia do Tucunduba é a segunda maior de Belém. Localizada na porção sul da cidade, ela corta os bairros Universitário, Terra Firme e Guamá além de parte de Canudos e do Marco. Geralmente associada a espaços de despejo de lixo, abandono e violência, poucas pessoas sabem que por ali corre um rio: o Tucunduba. Chamado de “rio urbano”, pois está dentro da cidade e sofre com a interferência humana, o Tucunduba se tornou invisível com o passar dos anos. E foi para resgatar esse espaço e reconectar as pessoas a esse ambiente que nasceu, em 2016, a Associação Ame o Tucunduba (AME). Formada por jovens mulheres, a organização tem como missão criar espaços de educação que incentivem o engajamento, a vivência e a interação da sociedade com a bacia do rio Tucunduba. Elas também buscam incentivar uma nova cultura de convivência com os rios urbanos além de fomentarem a democratização do acesso a informações sobre os recursos hídricos. A ideia de criar a AME partiu de Micaela Valentim e Juliana Cardoso, ambas formadas em Oceanografia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Elas participaram da oficina “Favela Resiliente”, organizada pela ONG Fa.Vela, no bairro da Terra Firme, e se voltaram para o Tucunduba. “A proposta dessa formação era que se pensasse em soluções para a
problemática da água dentro da periferia. E como a oficina foi realizada na Terra Firme, e o Tucunduba é o coração do bairro, ele acabou que se transformou no nosso objeto de atuação”, conta Juliana. A atividade integrava a fase preparatória para o 8º Fórum Mundial das Águas. Atualmente, além das oceanógrafas, a AME conta também com outras cinco integrantes - Leticia Luz, estudante de Geologia; Amanda Almeida, de Arquitetura; Karoline Barros, de Engenharia Sanitária e Ambiental; Acsa Castro e Camila Magalhães, ambas estudantes de Oceanografia. Todas são da UFPA. “Elas abraçaram a causa e foram entrando para a AME. E a nossa ação foi muito orgânica. A gente fez, viu que tava dando certo, viu que era importante e continuou”, conta Micaela.
PROJETOS DE SALVAMENTO
Atualmente, o trabalho da AME gira em torno de três projetos principais: a
“Expedição Tucunduba”, o “Faça Você Mesmo” e o “Fala, Tucunduba”. Cada atividade tem uma proposta diferente e, por meio de suas particularidades, ajuda a reconectar as pessoas ao Tucunduba e torna esse espaço menos invisível dentro da capital. A “Expedição Tucunduba”, realizada desde abril de 2017, oferece aos participantes roteiros desde a nascente até a foz do rio. O objetivo é que por meio do passeio as pessoas possam conhecer o cenário das águas da região e assim passem a perceber as particularidades presentes dentro do curso do Tucunduba. A atividade é dividida em dois dias. No primeiro, os participantes têm uma formação teórica sobre água, saneamento básico e rios urbanos. Já no segundo dia, eles vivenciam a expedição em si e fazem um passeio por cinco pontos do rio: o da nascente, no bairro do Marco; o de Canudos; o da Terra Firme; o do Guamá; e o da UFPA, onde fica a foz. “Em cada ponto a gente para e cada uma de nós faz um comentário sobre a realidade daquele espaço”, diz Micaela Valentim.
TUCUNDUBA RESISTE
Micaela Valentim, Juliana Cardoso e Letícia Luz integram a AME e defendem iniciativas socioambientais em uma realidade que carece de políticas públicas MAIO DE 2018
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CAPA
O projeto “Faça Você Mesmo” é realizado pelo grupo desde dezembro de 2016. Ele tem como principal objetivo revitalizar e ocupar, com a ajuda da comunidade, os espaços que ficam às margens do Tucunduba e que até então estavam abandonados. A ideia é que por meio da ação esses locais possam se tornar pontos de encontro e conexão entre as pessoas e o rio. Já o “Fala, Tucunduba” é a mais nova aposta da AME. Voltada para um público de 17 a 35 anos, a atividade foi pensada para ser um projeto de mobilização, educação e capacitação de jovens e adultos para que eles atuem de forma mais participativa na gestão dos recursos hídricos da região. “Em resumo, esse projeto será um curso sobre a gestão de águas urbanas, só que não será um curso nos formatos padrões. A proposta é que a gente realize oficinas colaborativas com diferentes formatos a cada dia de curso”, adianta Micaela. A primeira edição do “Fala” será realizada, gratuitamente, de junho a setembro deste ano, aos sábados. Durante o período, os participantes vão ter acesso a atividades ministradas em conjunto por colaboradoras da AME, profissionais do campo social e ambiental e da educação popular. Os interessados em participar já podem se inscrever por meio de formulário online disponibilizado nas redes sociais da associação.
RESULTADOS SATISFATÓRIOS
Mesmo com um curto tempo de atuação, a AME já consegue mensurar resultados. De acordo com o último balanço feito pela associação, as ações realizadas já mobilizaram mais de 300 pessoas e ofereceram 34 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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cerca de 100 horas de atividades para os mais diferentes públicos. Só do “Faça você mesmo” já foram realizadas 14 edições, todas no bairro da Terra Firme, nas proximidades do canal da Celso Malcher. Entre os principais resultados obtidos com essa ação estão a revitalização de uma área que era usada para descarte de lixo e a implantação de uma horta comunitária, resultado de uma oficina de plantio. O projeto também já realizou no local mutirões de limpeza e pintura de muros, além de rodas de conversas, oficinas educativas sobre rios urbanos, brincadeiras infantis, exposição de fotos, apresentações culturais e piqueniques comunitários. No total, o “Faça” já mobilizou cerca de 150 pessoas entre moradores da área, oficineiros e voluntários. Atualmente, o projeto passa por uma fase de reformulação para que os moradores do entorno possam participar de forma mais ativa das ações. “Logo no início a gente ia, chamava as pessoas que moravam ao redor para participar, mas elas não aderiram muito, eram mais as crianças e o público de fora que participavam. Então, justamente por esse motivo, é que o ‘Faça’ está nesse processo de reformulação”, diz Micaela. Já com a “Expedição Tucunduba”, o principal resultado foi a mudança de postura das pessoas diante da temática do Tucunduba. Ao fim de cada passeio, as integrantes da AME pedem feedbacks para os participantes e, entre as principais respostas sempre ouvem que as pessoas passaram a ver o rio de outra forma RIO FLAGELADO
A bacia do Tucunduba tem mais de 14 km de extensão, sendo a segunda maior de Belém. Em seu entorno, um cenário de pobreza, violência e descaso público
e conseguiram enxergar os caminhos que ele faz dentro da cidade. Inicialmente, a Expedição era realizada em parceria com a UFPA e tinha como foco as escolas públicas dos bairros que compõem a bacia do Tucunduba. No entanto, com o passar do tempo, a demanda cresceu e hoje já são realizadas expedições para públicos distintos, como educadores, profissionais da área ambiental e a população no geral. Lúcia Santana da Silva, chefe do serviço de educação do Museu Paraense Emílio Goeldi, foi uma das participantes da Expedição realizada em conjunto com o Museu. Ela lembra que a experiência ajudou a mostrar as diferentes faces do Tucunduba dentro de Belém. “Durante a Expedição, vimos uma parte onde esse rio está preservado; parte em que ele já estava em formato de canal; parte onde está sendo realizada a macrodrenagem; e, vimos também, uma parte que já está com um margeamento, com arborização e, que você já vê que é um rio mais navegável”, diz. “A proposta era a gente ter essa percepção, desse rio que muda a partir de um processo de urbanização histórico”, completa Lúcia.
UM OUTRO OLHAR
Para as integrantes da AME ajudar a sociedade a enxergar o Tucunduba como um rio que ainda vive dentro do aglomerado urbano da capital, é uma luta constante. No entanto, cada vez que elas conseguem esse feito, é uma grande vitória. Micaela Valentim afirma que a relação do paraense com o rio é histórica, no entanto, com o passar dos anos os rios que estão dentro da cidade e que sofreram as interferências do homem foram se tornando “invisíveis”. “Quando se fala de rio, nós pensamos no rio Guamá, na Ilha do Combu,
porque essa é uma visão que vem da nossa ancestralidade ribeirinha e que está presente no nosso cotidiano. Só que também estão presentes no nosso dia a dia esses rios urbanos”, diz. “Nós sabemos que é difícil para as pessoas enxergarem o Tucunduba como um rio”, completa. Criada no bairro da Terra Firme, a oceanógrafa lembra que no começo também teve dificuldade de fazer essa ligação. Ela, que passava todo dia pela ponte da Celso Malcher para entrar e sair do bairro, lembra que nunca teve nenhuma relação afetiva com o espaço e só despertou para a temática depois da formação que participou em 2016. “Quando isso aconteceu eu senti uma necessidade cidadã de mostrar esse outro lado do Tucunduba para as pessoas”, conta. Já para Juliana Cardoso, a relação com Tucunduba e com os demais rios urbanos da capital começou da não relação. Ela, que mora no bairro da Pedreira, ligado à bacia do Una, explica que sempre percebeu a relação de medo e abandono que as pessoas tinham com esses espaços e, a partir daí, passou a querer mudar essa situação. “Vi surgir ali um desafio que era esse, de transformar a relação das pessoas com esses espaços”, conta ela. Para Letícia Luz, uma das integrantes da AME, ver o Tucunduba como um rio também foi uma grande descoberta. Ela, que já tinha certo interesse pela temática dos rios urbanos, abraçou a causa e hoje acredita que é possível sim mudar o olhar das pessoas para esse espaço e transformar essa relação. “Para isso é necessário tempo, esforço político, trabalho de vários atores e principalmente investimento, porque não é um processo barato”, explica. MAIO DE 2018
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O crescimento urbano desenfreado – e frequentemente desordenado - somado à falta de investimentos do poder público e à ausência de campanhas de conscientização da população fez com que os rios urbanos fossem se perdendo cada vez mais dentro da cidade. A inexistência de sistemas de saneamento e o descarte de resíduos na maioria desses espaços acabou por contribuir para esse abandono. Micaela Valentim explica que esse aspecto visual que é atribuído a esses locais acaba por influenciar muito no olhar das pessoas para aquele ambiente. Ela destaca que dentro de Belém existem rios que são atrativos, como a Baía do Guajará, e existem outros, como o Tucunduba, que as pessoas querem se afastar e esconder. No entanto, as integrantes da AME afirmam é necessário abrir o debate sobre a temática do Tucunduba e sobre a questão dos rios urbanos de Belém. Atualmente, a cidade conta com outras 13 bacias hidrográficas urbanas além do Tucunduba. E esses espaços, muitas vezes associados a problemas como o alagamento, podem na verdade, ser a solução. Micaela alerta para a função de captação da chuva que os rios têm. Ela explica que a má gestão desses rios urbanos acabou fazendo com que esses espaços perdessem boa parte dessa função e isso, acarreta sérios problemas para a capital. “Quando você acimenta esse rio, toda água da chuva que poderia ir para esse local, vai para casas e ruas e acontece todo o caos que ocorre quando chove em Belém”, afirma. “Então, queremos que seja planejada e pensada uma forma de atender tanto às demandas da sociedade que vive nesse meio quanto às demandas desse espaço, que pode oferecer essa ferramenta de solução”, diz. As integrantes da AME sabem que 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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UNIDAS PELO MEIO AMBIENTE
As universitárias Acsa Castro e Camila Magalhães aderiram à causa de Micaela e ingressaram na AME. Hoje, o Tucunduba se tornou um exemplo de resistência social e mudança de mentalidade a partir de iniciativas voltadas para o bem comum
mudar o olhar da sociedade para esses espaços e fazer repensar a relação que a cidade tem com esse ambiente é um processo longo, que deve durar anos. No entanto, para Juliana Cardoso, quanto mais cedo começarmos a discutir sobre o assunto, mais mudanças positivas podemos ter no futuro. Para ela, assim como para Micaela e para Letícia, começar a pensar nessa temática, que é tão recente, vai ajudar com que no futuro, possamos ter uma cidade mais sustentável e que valorize os rios urbanos. “Existem cidades em que esse processo de valorização desses rios já foi feito ou está em andamento, então é possível fazer isso acontecer”, explica. Para Micaela, ver jovens, assim como as integrantes da AME, atuando em favor dos rios urbanos, como o Tucunduba, dá uma ideia de continuidade e garante que a luta por esses espaços persista. “A gente já conhece muita gente que luta pela causa do Tucunduba há 20 anos, mas, ver a juventude trabalhando mostra que o processo vai continuar, e isso é importante, porque a cidade não vai parar, essas pessoas vão passar e precisa ter alguém vindo aí, cobrando as coisas, e sendo responsável pela cidade que tá surgindo”, afirma. Para as integrantes da AME, a ação que elas realizam no Tucunduba é um pequeno passo para uma grande mudança. Juliana conta que a forma que o projeto é desenvolvido, com as ações educativas e intervenções físicas, garante um modelo ação que pode ser replicado em outras bacias, outras cidades e até outros países. Assim, aos poucos, elas ajudam a despertar o olhar das pessoas para além dos rios já conhecidos e conseguem dar mais vida as águas que correm dentro de Belém. MAIO DE 2018
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SAÚDE ANIMAL
MARIO GUERREIRO
Uma clínica tecnológica Ufra oferece consultoria agrícola gratuita a produtores paraenses TEXTO JUSSARA KISHI
U
m ambiente que funciona como um elo entre a comunidade e a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e, ao mesmo tempo, proporciona aos alunos de graduação em Agronomia uma aprendizagem prática. Este é o objetivo da Clínica Tecnológica PET, inaugurada recentemente no campus da Universidade, em Belém. O novo espaço, de iniciativa do Pro38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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grama de Educação Tutorial em Agronomia (PET Agronomia/Ufra), busca prestar consultoria gratuita a produtores rurais, empresas e comunidade em geral, que serão atendidos diretamente por estudantes com supervisão de consultores profissionais. A ideia é tornar a Ufra um ponto de referência ativo para atendimento e busca de informações por parte da sociedade. O tutor do grupo, professor Rafael Viana, explica que a ideia da clínica é utilizar
a metodologia do aprendizado baseado no problema. O atendimento terá a participação de três atores principais: o consultor ou tutor, sendo responsável recepcionar o paciente e tutorar os estudantes em como solucionar o problema; o treinando, sendo este o discente responsável por solucionar o problema; e o paciente, o qual possui o problema a ser solucionado. “O objetivo é atrair produtores rurais e empresas que porventura tenham algum problema real
ria de Pesca. Para Daniel Nogueira, estudante do 5º semestre de Agronomia, a clínica é uma oportunidade única para expandir os conhecimentos adquiridos no curso e colocá-los em prática junto aos produtores rurais. Segundo ele, muitas vezes a consultoria se torna o primeiro trabalho do aluno recém-formado, mesmo carecendo de um treinamento mais específico durante sua formação. “A clínica vai dar a oportunidade de fazer com que o aluno seja um agente de mudanças e de solução de problemas”. O estudante, que participa do PET Agronomia desde 2017, afirma que todos ganham com a iniciativa: “O produtor terá acesso a soluções de problemas de forma gratuita com acompanhamento técnico da Universidade. Já os alunos estão devolvendo o conhecimento para a sociedade, atuando dentro das propriedades, ajudando a solucionar problemas e a melhorar a produtividade e, consequentemente, ajudando o consumidor final. Além disso, a clínica poderá alavancar ainda mais o nome da Universidade, mostrando que ela está formando alunos competentes e capazes de solucionar questões do meio rural”. Para Ana Carolina Melo Ribeiro, aluna do 7º semestre de Agronomia e membro do grupo há três anos, a expectativa é que as atividades da Clínica a tornem apta a ingressar no mercado de trabalho como consultora agrícola. “A Clínica permitirá a inclusão de profissionais de diversas áreas de atuação e os discentes poderão usar o espaço para reforçar o que têm aprendido em sala de aula e nos estágios”, diz.
AGÊNCIA PARÁ
que possa ser resolvido por treinandos na presença de tutores”, explica. Segundo ele, trata-se de um projeto de extensão, mas que transversaliza ensino, pesquisa e extensão. Na prática, o atendimento se dará em seis etapas: o cadastramento e o relato do problema, feito nos ambientes virtual ou físico; a classificação do problema; o agendamento de atendimento; o atendimento em si, que será feito presencialmente na clínica; o estudo de caso e diagnose, etapa que abrange levantamento de hipóteses, estudo literário, análise de exames e estudo em grupo; e a entrega do produto, que é a resolução do problema. Os estudos vão envolver o uso de laboratórios da Universidade e coleta em campo. Inicialmente, serão atendidos problemas relacionados às áreas de fitopatologia, fruticultura, plantas daninhas, grãos, paisagismo, meio ambiente, solos e mecanização agrícola. “Se a pessoa vem com um problema de doença de planta, por exemplo, nós vamos a campo coletar a planta, fazer o isolamento, levar para o laboratório etc. O grande ativo dessa ação é o aprendizado adquirido com a resolução de um problema real”, destaca o professor. Além de solucionar problemas da comunidade externa, o foco é treinar os estudantes para se tornarem consultores. “Ainda temos essa deficiência dentro de todas as universidades, que é a de não ensinar o aluno a ser consultor, e a clínica vai ser uma maneira de remediar essa questão”, diz. A ideia é, no futuro, ampliar as atividades da clínica também para atendimento em outras áreas, tais como Engenharia F lorestal e Engen ha-
MARIO GUERREIRO
MARIO GUERREIRO
APOIO À GESTÃO
Setores, como o da Pesca, serão beneficiados com o conhecimento da equipe da clínica tecnológica da Ufra
SERVIÇO A Clínica Tecnológica PET funciona no Prédio Central da Ufra, em Belém, e está localizada no hall do Instituto Ciberespacial (ICIBE). A clínica atende em horário comercial, de segunda a sexta. Mais informações: http://petagronomiaufra.wordpress. com e facebook/petagronomiaufraa
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SOCIEDADE
TEXTO JOÃO THIAGO DIAS FOTOS NAILANA THIELY 40 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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A ARTE EM FORMA DE LETRAS E
Embarcações do Pará servem de vitrine para o talento de artistas ribeirinhos da região do Marajó
mbarcações marajoaras dos mais variados tipos serviram para revelar a criatividade de artistas com uma tradicional técnica de pintura tipicamente ribeirinha nos municípios de Soure, Salvaterra, Ponta de Pedras, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho e Breves. Os chamados “abridores de letras” estão presentes em várias regiões do estado do Pará e são pessoas simples, que batizam as embarcações, pintando o nome no casco com letras bastante coloridas e enfeitadas para chamar atenção e embelezar ainda mais os rios da Amazônia. A atividade, que geralmente passa de pai para filho, foi documentada em vídeo no Marajó por meio do projeto “Letras Que Flu-
tuam”, responsável por mapear esses profissionais em diversos municípios ribeirinhos. O material foi transformado no documentário “Marajó das Letras – Os Abridores de Letras da Amazônia Marajoara”, que já foi apresentado nas localidades dos registros, em Belém e também foi exibido no ano passado, em Lisboa, Portugal, na exposição “Como se pronuncia ‘design’ em português: Brasil hoje”. O documentário de 29 minutos mostra o cotidiano das famílias desses abridores de letras, com a forma de aprendizado e de ensino das técnicas e com exposição de como essa manifestação está ligada ao rio. O trabalho dá continuidade às atividades de pesquisa do projeto, que
foram registradas no primeiro documentário, feito em 2014, realizado nas regiões de Barcarena, Abaetetuba e Igarapé-Miri, além de Belém, onde o foco foi a técnica da pintura. Na etapa atual, o destaque ficou para alguns personagens, dentre eles Rosemiro, que intercala o trabalho tradicional da pintura com pincel e a técnica mais “moderna” da pistola; Carlos Alberto, que pinta letras com o suporte do computador; e o pedagogo Rossini, proprietário de um estaleiro, onde constrói os barcos, que inspirou vários sobrinhos a seguirem a profissão de abridores de letras. Na maioria das artes, é pintado o nome do dono da embarcação ou o nome do pai ou da mãe dele. Em termos de renda, a pintura de barcos é mais expressiva em locais com estaleiros MAIO DE 2018
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SOCIEDADE
tradicionais, como Abaetetuba e IgarapéMiri. Por isso, para sobreviverem, os artistas pintam não apenas barcos, como também fachadas e outros suportes, como faixas de propaganda. Além disso, muitos deles também são artesãos. No Marajó a técnica de pintura varia entre pintores mais tradicionais, que desenham a letra de maneira mais estruturada, com diagramas, e pintores mais livres, que apenas colam fita crepe na base e topo da letra e fazem o acabamento com réguas improvisadas ou mesmo à mão livre. Nessa região, a atividade está muito associada à pintura de paisagens, mas o projeto constatou o crescimento rápido da pintura com pistola, conhecida como grafite, que se tornou muito característico por conta das rabetas, embarcações rápidas pilotadas por jovens que querem se 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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diferenciar por meio do excesso de cores e desenhos ousados, inclusive com a pintura do logotipo de marcas famosas. No arquipélago do Marajó, a equipe do projeto “Letras Que Flutuam”, coordenada pelas designers Sâmia Batista e Fernanda Martins, entrevistou 46 artistas, divididos entre abridores, pintores de paisagens e grafiteiros. Nos seis municípios visitados, o trabalho foi dividido em três momentos: mapeamento com entrevistas estruturadas para entender aspectos sobre como o artista aprendeu a desenhar letras, se ele sobrevive do ofício e repassa aos mais jovens; filmagem das atividades; e compartilhamento da produção com a comunidade local. Além de letras, os artistas expressam o bucolismo da paisagem marajoara com extremo romantismo. Os campos, os rios,
o vaqueiro marajoara, a flora e a fauna são os elementos mais retratados e servem não só de registro da natureza como também de expressão estética humana em meio à natureza massiva. Segundo Sâmia Batista, o projeto atua com o objetivo de preservar e valorizar o trabalho da técnica gráfica tradicional da Amazônia. “A pintura de letras de barco e de paisagens naturais são elementos marcantes da nossa visualidade. O que tem acontecido é que outras técnicas de comunicação vêm gradativamente se sobrepondo à pintura manual, como é o caso da pintura com pistola e a impressão em lona e adesivo. O projeto procura, então, mostrar que a estética da pintura manual é uma característica muito expressiva na região amazônica e deve ser considerada como elemento de análise do mesmo patamar da arquitetura,
DESIGN POPULAR No Marajó, o projeto Letras que Flutuam entrevistou ribeirinhos e pescadores, que “abrem” frases em suas embarcações
da gastronomia e de outras manifestações culturais”. Para isso, em todos os municípios marajoaras mapeados, foram convidados artistas da cidade para pintarem um painel retratando aspectos do lugar, para que a população pudesse perceber como o trabalho deles é importante. Para as designers, o principal resultado é o reconhecimento do valor do trabalho dos artistas. Como exemplo, elas levaram dois deles para São Paulo, durante a mostra Rumos, realizada em 2017, no Itaú Cultural, na avenida Paulista. Lá eles tiveram a oportunidade de pintar ao vivo e apresentar sua maneira de trabalhar a um público totalmente diverso, que ficou fascinado com o talento e criatividade deles. Outro resultado decorrente do projeto é que os artistas agora são chamados para pintar em outros suportes além dos barcos, recebendo encomendas de arquitetos, decoradores, estilis-
tas, tatuadores e outros profissionais que percebem a letra decorativa amazônica como um elemento carregado de identidade nortista. Para difundir ainda mais o trabalho que foi catalogado no Marajó, a equipe do projeto já está se preparando para inscrever o documentário em festivais no Brasil e exterior, além da realização de oficinas para ensinar as técnicas da pintura, convites de instituições interessadas ou eventos cujo tema passeie pelas artes gráficas, design e comunicação popular. Outra expectativa é de estabelecer um projeto de negócio social junto com os abridores, para que eles tenham outras oportunidades de renda a partir da pintura de letras em barco em outros suportes. E também há a busca por parcerias com associações culturais e secretarias de cultura. O interesse da dupla de designers pela arte ribeirinha surgiu pelo fato de elas con-
siderarem a letra como o elemento mais elementar do design. “A tipografia carrega discursos importantes na história, assim como a moda, a arquitetura e outras produções humanas. Na Amazônia, a permanência de uma estética europeia (na letra de barco) em função da atividade de artistas anônimos é um dado curioso para se relatar e estudar, ainda mais pelo fato de que esse saber continua sendo repassado de pai pra filho em função da permanência da carpintaria naval tradicional”, comentou Sâmia. O projeto surgiu a partir de um levantamento fotográfico realizado por Fernanda Martins desde 2004, quando se mudou para Belém. Ao chegar, percebeu que as letras de barco tinham uma relação formal com a Tipografia Vitoriana do século 18, cuja influência se deu, na Amazônia, no período da Borracha por meio da comunicação visual em rótulos, cartazes e jornais de estética europeia. MAIO DE 2018
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SUSTENTABILIDADE OUTRAS HISTÓRIACABEÇAS
O meio ambiente de cara nova
ANTÔNIO SILVA / AGÊNCIA PARÁ
O Pará avança na proteção ambiental ao investir em modernas ferramentas de monitoramento e na reinauguração do Parque Estadual do Utinga
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Pará está de olho na floresta. E o olhar é muito preciso. A cada 24 horas, o Sistema de Satélites Planet envia para o Centro Integrado de Monitoramento Ambiental (Cimam), em Belém, imagens com três metros de resolução para serem analisadas pelos técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas). Os programas e ferramentas mostram uma nova face do sistema de proteção ambiental no Pará, mais tecnológica e interligada com o que de mais moderno existe no planeta. E os resultados desse investimento já começam a aparecer. O mais recente 44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Ranking da Transparência Ambiental, divulgado pelo Ministério Público Federal, colocou o Pará em primeiro lugar. O resultado foi conseguido graças a um Sistema de Alerta do Desmatamento Automatizado da Lista do Desmatamento Ilegal (LDI) e uma Plataforma Simples Ambiental. Os dois já em funcionamento. Os sistemas fazem parte da estratégia de fortalecimento da Gestão Ambiental e combate ao desmatamento ilegal no Pará. Em março de 2017, o Estado inaugurou uma moderna estrutura com o propósito de desenvolver novas metodologias para produção de conhecimentos na esfera am-
biental, em tempo real. O Cimam revê os modelos de produção, viabiliza a economia sustentável, preserva a legalidade, combate a pobreza e a desigualdade e apresenta soluções efetivas para a manutenção da maior reserva de biodiversidade do planeta, a Floresta Amazônica. Os dados gerados através dessas imagens dão subsídios para detectar crimes ambientais como desmatamento, auxiliando os técnicos no desenvolvimento do monitoramento de empreendimentos e de atividades potencialmente degradadoras, por meio de alertas e relatórios, para subsidiar a fiscalização ambiental in loco. Além dele, outra ferramenta que o Estado
O Estado investe em ações tecnológicas, mas lembra também de aproximar o cidadão de ações que o aproximem da natureza, criando harmonia entre o homem e o meio ambiente. Numa programação quase obrigatória, todos os dias, o Parque Estadual do Utinga, em Belém, recebe milhares de pessoas para atividades de conscientização e contato direto com o meio ambiente. Com uma área total de 1393,088 hectares, o equivalente a 1.400 campos de futebol, o parque preserva um pedaço da rica biodiversidade da Amazônia e ajuda a desenvolver atividades científicas, culturais, de educação ambiental e de turismo e lazer. Nele, os visitantes encontram mais de 400 espécies de animais, 151 espécies de plantas, dois grandes lagos que abastecem 70% da população da Região Metropolitana de Belém e ainda podem realizar várias atividades esportivas, como o rappel, o tree climbing e o boia cross. É possível, ainda, aventurar-se em alguma das nove trilhas, caminhar, correr, andar de bicicleta ou simplesmente contemplar a natureza. Os secretários Thales Belo, da Semas, e Thiago Valente Novaes, Ideflor-Bio, vêm trazendo ideias novas para o sistema de gestão
IGOR BRANDÂO / AGÊNCIA PARÁ
DE BEM COM A NATUREZA À frente do Ideflor-Bio, Thiago Valente Novaes comemora a rebertura do Parque Estadual do Utinga.
IGOR BRANDÂO / AGÊNCIA PARÁ
EM RESPEITO À NATUREZA
ambiental paraense e levado o estado a vários bons resultados no setor. Thiago Valente trabalha no Ideflor desde 2008. No último dia 5, o instituto paraense foi anunciado como um dos líderes nacionais no Ranking da Transparência Ambiental do Ministério Público Federal (MPF). A pesquisa avaliou as informações disponibilizadas para o público por 104 instituições federais e estaduais, com base em agendas prioritárias, como a exploração florestal, a agropecuária, as hidrelétricas, a regularização ambiental e a situação fundiária no Brasil. “A excelente colocação é reflexo do compromisso do Governo do Pará com a transparência das políticas públicas relacionadas ao ambiente”, comemora Valente. De estagiário a secretário de Estado de Meio Ambiente, Thales Belo tem uma carreira marcada pela inovação na Semas. Um dos marcos desse trabalho foi a criação do Sistema de Alerta do Desmatamento automatizado da Lista do Desmatamento Ilegal (LDI) e a Plataforma Simples Ambiental, que fazem parte da estratégia de fortalecimento da Gestão Ambiental e combate ao desmatamento ilegal no Pará, executada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e o Programa Municípios Verdes (PMV). Criado a partir do projeto “De Olho na Floresta”, o sistema LDI faz o monitoramento do incremento florestal (reflorestamento, restauração e regeneração), permitindo avaliar o cumprimento do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e o acompanhamento da meta estadual do Desmatamento Líquido Zero, que é um dos objetivos do Programa de Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento (Pregeed). Já a Plataforma Simples Ambiental foi criada pela Semas para cadastro e emissão da Dispensa de Licenciamento Ambiental, do Licenciamento Ambiental Declaratório e do Licenciamento Ambiental Simplificado no âmbito estadual. Os municípios que decidirem aderir ao regime simplificado poderão utilizá-lo na sua esfera de gestão, desde que comprovem capacidade técnica, estrutura e
MACIO FERREIRA / AGÊNCIA PARÁ
usa para proteger o meio ambiente da região intensifica o combate às emissões dos gases o efeito estufa. É o Plano de Prevenção, Controle e Alternativas ao Desmatamento (PPCAD), que visa desenvolver o ordenamento territorial fundiário e ambiental, o zoneamento ecológico-econômico, a política e governança fundiária, criação e consolidação de áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) e Cadastro Ambiental Rural. As ações, resultados e o reconhecimento fazem parte de um trabalho de renovação que o governo vem fazendo, ao longo dos anos, nos organismos que cuidam do bem estar ambiental do Estado, principalmente a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio).
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ANTONIO SILVA / AGÊNCIA PARÁ
SUSTENTABILIDADE OUTRAS HISTÓRIACABEÇAS
CARLOS SODRÉ / AGÊNCIA PARÁ
MACIO FERREIRA / AGÊNCIA PARÁ
AVANÇOS NO ESTADO O titular da Semas, Thales Belo, busca inovar a gestão ambiental no Pará com a aquisição de tecnologias modernas para a proteção da biodiversidade
engajamento nas políticas e metas de gestão ambiental, para que possam monitorar e fiscalizar as atividades licenciadas. A facilidade deste processo é que nestes municípios o licenciamento passa a ser feito on-line, não necessitando de deslocamento do produtor até o órgão ambiental, podendo fazer direto da sua residência ou escritório. O investimento em tecnologias de monitoramento e ferramentas visa o aperfeiçoamento da gestão ambiental e o fortalecimento da governança territorial no estado e municípios. A base dessa nova política de transparência é baseada no diálogo e na cooperação com a sociedade local. Instrumentos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Programa de Regularização Ambiental (PRA) e a Descentralização da Gestão Ambiental, por exemplo, acompanhados por uma Política de Transparência, têm permitido o acompanhamento das ações ambientais de forma plena. “É bom salientar que garantimos a pu46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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blicidade direta das nossas ações, mas também atendemos a demanda formal de instituições. A tendência é que, com a maior publicidade dos atos, caia o trâmite de documentos físicos dentro da secretaria, o que gera redução de custos e, claro, maior agilidade no repasse de informações”, atesta o secretário Thales Belo. Esse trabalho ganhou, inclusive, o slogan ‘Meio ambiente transparente, sustentabilidade garantida’”, conclui Thales Belo.
BONS RESULTADOS
O resultado positivo reflete o investimento do Estado em operações de fiscalização ambiental. Somente no ano passado, 214 operações foram realizadas, resultando em 48 mil hectares em áreas embargadas por desmatamento ilegal, 1.248 autos de infração emitidos e apreensão de 52 mil m³ de madeira em tora, que equivale a aproximadamente 2.675 caminhões cheios e 4 mil m³ de madeira serrada lotavam 200
caminhões. E ainda mais cinco serrarias foram desmontadas, 20 empreendimentos fechados, 42 caminhões apreendidos, por transporte ilegal de produtos florestais, assim como quatro tratores, 12 balsas e sete rebocadores. Esses números são resultantes de operações como a “Novembro Verde”, “Demeter” e “Rios”. De acordo com os últimos dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), somente no território paraense da Floresta Amazônica o desmatamento diminuiu em 19%, o equivalente a 579 quilômetros quadrados. Entre 1º de agosto de 2016 e 31 de julho de 2017, foram 2.413 km² de desmatamento. No mesmo período do ano anterior, o desmatamento da floresta no Pará foi de 2.992 km² – uma diferença de 579 km². Esta foi a maior redução em área desmatada, dentre os nove estados que compõem a Amazônia Legal.
PENSELIMPO
ARTE, CULTURA E REFLEXÃO
UMA VOZ DO FEMINISMO A CANTORA E COMPOSITORA LIÈGE FAZ DA MÚSICA UMA BANDEIRA DA IGUALDADE PÁGINA 48
VITÓRIA LEONA/ DIVULGAÇÃO
MEMÓRIAS
IDENTIDADE
A artista Graça Landeira uniu arte e educação com refinamento cultural, concectando-se com sua realidade ao redor. PÁG.52
No artigo do jornalista Thiago Barros, o indígena Daniel Munduruku apresenta a situação atua dos povos tradicionais do Brasil. PÁG.58
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PAPO DE ARTISTA
Visão feminina sobre tudo TEXTO ALINNE MORAIS
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VITÓRIA LEONA
A cantora e compositora Liège conquista espaço na cena cultural paraense levantando a bandeira da igualdade e respeito à produção artística local
restes a viver um momento único na carreira, Liège desponta como um dos destaque da música paraense. A artista, que recentemente lançou o single “Santa Mulher” e o videoclipe “Cabelo”, agora se prepara para o lançamento de seu primeiro disco, que será uma homenagem homônima à cantora. O trabalho, que ainda está em fase de pré-produção, contará com dez faixas autorais e ainda não tem data de estreia. Desde cedo, Liège sempre esteve cercada de música. Seu avô, Joanilson Baker, foi precursor da “Rádio-Cipó” no Pará; já a avó, Joana Agrassar, hoje com 93 anos, sempre teve talento com instrumentos como cavaquinho, órgão e violão. A mãe da cantora também tem ligação com o meio musical e trabalhou como locutora na adolescência. O tio, Hugo, era poeta com diversos livros publicados, além de compor canções dos sambistas Demônios da Garoa. Em meio a tantos talentos, a paraense despertou para a música desde cedo e começou a cantar ainda na infância. Aos 11 anos já usava o violão do irmão e, de forma autodidata, aprendeu a tocar. Nessa mesma época, Liège também fez sua primeira composição. Profissionalmente, a artista só foi descoberta quatro anos depois, por Rui Paiva, baterista da banda Álibi de Orfeu, que a levou para cantar em bares de Belém. Anos depois, com o nascimento da filha Lis, Liège deu uma pausa na carreira, no entanto, a artista nunca parou de compor. Ela voltou aos palcos depois de algum tempo, incentivada por amigos e músicos, como o violonista Salomão Habbib que, ao ver as composições da artista, a fez prometer que ela investiria em trabalhos autorais. A canção “Toute la Vie”, feita por Liège para homenagear a filha, foi o início dessa nova fase. Em 2016, ela artista teve a oportunidade de lançar o primeiro EP, “Filho de Gal”. Com quatro músicas que aliaram o pop rock a MPB e aos ritmos regionais, o trabalho foi disponibilizado em todas as plataformas digitais e até hoje reverbera positivamente na carreira da paraense. A direção musical do EP foi de Dan Bordallo. Em seus trabalhos, Liège procura colocar composições que tratam de temas atuais e do universo feminino. Em cada canção, a artista versa sobre liberdade de expressão, sexual e de gênero, além de falar sobre diferenças sociais e defender o direito de liberdade de cada pessoa. MAIO DE 2018
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PAPO DE ARTISTA VITÓRIA LEONA
Você está prestes a viver um momento muito importante em sua carreira com o lançamento de seu primeiro disco, o “Liège”. Como está a expectativa? O disco ainda está na fase de pré-produção e ajustes. A expectativa é de que ele traga um novo direcionamento a minha carreira e me abra porta pra cenários musicais extra Belém. E o que o “Liège” vai trazer ao público? O álbum trará a minha perspectiva de vida sobre as experiências que vivencio ou por mim mesma, ou por intermédio de pessoas ou fatos próximos. Numa linguagem por vezes direta, por vezes irônica, por vezes metafórica e bem humorada. O álbum teve uma fase de pré-produção feita nos Estados Unidos, como foi esse processo? O disco teve início de pré-produção durante quatro meses nos EUA. Várias composições foram feitas nesse período de residência artística por lá. E quanto a sonoridade do álbum, podemos esperar canções no mesmo estilo de seu EP anterior ou teremos alguma novidade? Algumas canções se assemelham sim, mas teremos novidades. Será uma sonoridade bastante pop, aliada a MPB e com black soul music também. Você já tinha gravado um EP anteriormente além de outras canções ao longo de sua carreira mas, acredito, que a experiência de gravar um álbum seja diferente. Como está sendo para você esse momento? O álbum é um filho. Seja ele de 4 ou 10 músicas. A gente fica cheio de expectativa, ansioso e feliz, cheio de planos e até medos, mas é um processo delicioso e único. 50 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
“Falo do feminino porque é meu lugar de fala, mas tento sempre colocar minha visão de mundo, sobretudo nas canções e sempre com uma visão positiva, otimista e que provoque a reflexão em quem ouve.” livre e me guie.”
E quais foram as suas principais referências e influências para a criação do “Liège”? De Gil (Gilberto Gil) a Tulipa Ruiz e a black soul music. Recentemente você também lançou o videoclipe “Cabelo” e o single “Santa Mulher”. Eles têm alguma relação com o disco? “Cabelo” e “Santa Mulher” são os trabalhos que fazem parte desse caminho até o lançamento. São conteúdos gerados para o meu público, que vão aproximá-los da minha carreira em sua totalidade. Fazem com que eu esteja em movimento enquanto o disco cheio não nasce. São trabalhos aliados a grandes pessoas da arte de Belém e isso me orgulha muito também. No clipe “Cabelo”, a direção da Adrianna Oliveira e toda a equipe me engrandeceu muito artisticamente, me ampliou os horizontes, referências e estética visual. Em “Santa Mulher”, eu finalmente coloquei no mercado uma produção com o Félix Robatto, que foi um dos primeiros artistas já estabelecidos na cena musical paraense a me apoiar. No geral, seu trabalho tem canções que falam muito sobre questões do universo feminino. Você acha importante usar a música como uma ferramenta para passar uma mensagem mais social? Totalmente importante. Falo do feminino porque é meu lugar de fala, mas tento sempre colocar minha visão de mundo, sobretudo nas canções e sempre com uma visão positiva, otimista e que provoque a reflexão em quem ouve. Em tempos tão difíceis, de cerceamento de liberdades, violência e múltiplos preconceitos, não encontrar uma maneira, seja ela qual for, de retratar e fazer pensar a respeito é um desperdício e chega a ser irresponsável, na minha opinião. E de onde vem a inspiração para compor suas músicas? Eu acredito completamente que sou FOTOS: VITÓRIA LEONA
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ONONNONONO
MIta inctotam, apienis atem dis vel ipsam, qui dolor aspe si cus rem vide sam facienda expersp erferi que pa que nullut optate re repre cust arumquam, secto cuptatem nos
um canal de mensagem assim como todas as pessoas com os mais diversos dons. Então eu tenho intuições e as composições muitas vezes vêm sem que eu as procure. Me sinto muito privilegiada e tenho muita consciência desse papel. Seu trabalho nos apresenta uma mistura de sonoridades, com uma MPB mais contemporânea que tem um toque de pop e de ritmos regionais. De onde veio a ideia de fazer um som assim? Eu sempre tive referências musicais muito diversas porque não tenho preconceito musical. Tenho minhas preferências, óbvio, mas procuro ouvir tudo, entender cada contexto e aprender com aquela sonoridade. Isso fez com que eu compusesse os mais diversos temas, ritmos e estilos e, para ter um conceito sem que se perdesse a essência do que eu sou musicalmente, o lugar da MPB contemporânea me serviu muito bem porque me deixa livre pra misturar essas influências. Hoje você também é vista como uma das artistas de des-
taque dessa nova safra da música paraense. Como é para você ser colocada nessa posição? Eu me sinto muito honrada, sabe?! Lutei e sigo lutando ferozmente para estar produzido e conquistando meu espaço com meu trabalho. No Norte, estar em evidência infelizmente ainda é um privilégio. Queria que todos tivessem a oportunidade de estarem ativos e sendo vistos, respeitados e apoiados em suas produções artísticas. O nascimento de sua filha, Lis, foi um grande momento para você. Como a maternidade a influenciou profissionalmente? A Lis chegou e eu nem titubeei em só olhar para esse momento, me dedicar para maternidade mesmo. E isso foi essencial para hoje eu estar muito convicta sobre aonde e como eu quero estar. Ser mãe me tornou uma mulher ainda mais guerreira e consciente das minhas capacidades. Muito mais empática com outras mulheres e me fez entender que eu sou feminista, artista, mulher e livre pra fazer minhas escolhas e arriscar. MAIO DE 2018
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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS
elegância cultural na Amazônia TEXTO JOÃO CARLOS PEREIRA* ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR 52 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Graça Landeira 1940-2002
O
nome Maria da Graça Landeira Gonçalves guardava dois destinos. Completo, tal como aparecia nos documentos, representava a pessoa jurídica, brasileira, paraense, nascida em 18 de janeiro de 1940, filha de Raimundo do Amaral Gonçalves e Otília Landeira Gonçalves. Reduzido para Graça Landeira, transformou-se em um ícone de cultura, bom gosto, elegância, refinamento e referência no setor educacional. Quando morreu, em novembro de 2002, na beira da piscina de sua casa, em Salinas, vitimada por um ataque cardíaco, estava na fase mais produtiva de sua trajetória profissional e dava início a um processo de simplificação da vida, voltando-se para a contemplação do belo e ao aprimoramento dos valores espirituais. Aluna do “Paes de Carvalho” e da Universidade Federal do Pará, onde graduou-se em Sociologia, Graça Landeira era um exemplo de que alguém, nascido numa família sem muitos recursos, poderia, através do estudo, alterar o próprio destino. Foi professora na Escola Normal e na Universidade Federal do Pará. Pós-graduou-se em Ciência Política na Universidade de São Paulo e gostava de lembrar que havia sido aluna de Fernando Henrique Cardoso e de Florestan Fernandes. Bem quista e respeitada – era uma das poucas unanimidades do bem nesta terra. Também lecionava e coordenava curso nas Faculdades Integradas do Colégio Moderno. Quando o dono das Ficom e do Colégio Moderno, o professor Clodomir Grande Colino, decidiu vender as duas instituições, associou-se a Marlene Vianna, Antônio Vaz Pereira e Nazaré Cavaleiro de Macedo para assumir o controle das Faculdades e do Colégio. Efetivada a compra, transformou-se em empresária do setor educacional. Unidas, as Ficom e o Cesep formaram a Unama, da qual era sócia e Pró-Reitora de Administração. Apaixonada pelo fazer artístico, criou um Núcleo Cultural, que produzia música, dança, teatro, folclore, literatura e artes
plásticas na Universidade. Sob sua orientação, a Unama conseguiu revitalizar a prática das Pastorinhas. A menina de seus olhos, contudo, era a Galeria de Arte. O espaço que criou nunca foi “batizado” e parecia destinado para uma homenagem pronta desde sua origem, aguardando apenas a (triste) hora de acontecer. Surgia, assim, a galeria “Graça Landeira”. Conhecedora e colecionadora de obras de arte, reuniu um precioso acervo de telas de artistas paraenses e objetos de seu estilo favorito, o “art nouveau”. Católica, era devota de Nossa Senhora (constantemente, rezava, sozinha, na Capela dedicada à Senhora das Graças), praticava a caridade silenciosa (muitos gestos de pura bondade só foram revelados após sua morte, por servidores do Moderno e da Unama, que choravam pelos cantos e consolavam-se, perguntando o que seria deles, agora que sua protetora havia partido) e encantava-se com a vida enclausurada das freiras Carmelitas Descalças, de cujo carmelo se tornou amiga e benfeitora. Quando o visitou pela primeira vez, entregou uma longa carta, pedindo orações pelos amigos, pelos funcionários da Unama e do Moderno, por sua família e, de modo especial, pela única filha e maior amor de sua vida, Etiane Borges. Para ela mesma não solicitou nem uma “Ave, Maria” sequer. No momento preciso de sua morte, a Superiora arrumava a mesa de trabalho e encontrou aquela carta, escrita há alguns anos. Estranhando que a correspondência estivesse fora do local em que deveria ficar, reuniu as freiras e, sem saber o que se passara em Salinas, pediu: “a professora Graça deve estar precisando das nossas orações. Parem tudo e vamos rezar por ela”, disse a religiosa. Nessa hora, Graça Landeira já estava entrando no céu. *João Carlos Pereira é jornalista e professor. Pertence à Academia Paraense de Letras e ao Conselho Estadual de Cultura do Pará. É editor da revista “Landeira”. MAIO DE 2018
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ESTANTE AMAZÔNICA
Livros sobre a Amazônia produzidos na região
CARTAS DE AMOR FRANCISCO MIGNONE E MARIA JOSEPHINA MIGNONE HERÓIS DE NOVIGRATH De autoria da paraense Roberta Spindler, “Heróis de Novigrath” é uma obra original para quem gosta de aventura e fantasia. Tendo como base o mundo dos e-sports - modalidade de competição profissional de jogos eletrônicos - o livro atualiza para os dias de hoje a tão conhecida batalha do bem contra o mal. Na obra, o jogo eletrônico Heróis de Novigrath é uma sensação mundial. Após receber a visita de Yeng Xiao, um dos principais personagens do jogo, o jovem Pedro Gonçalves, ou EpicShot, descobre que nem tudo é o que parece e que o mundo de Novigrath é mais real do que ele imagina. AUTORA: Roberta Spindler PÁGINAS: 296 EDITORA: Editora Suma 54 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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Em uma época na qual poucos ainda escrevem cartas, principalmente as românticas, a pianista paraense Maria Josephina Mignone apresenta no livro “Cartas de Amor” 140 correspondências que foram trocadas entre ela e o marido, Francisco Mignone, durante duas décadas. Além dos registros escritos, a obra também conta com fotos e textos sobre o romance do casal, assim como poesias que Francisco escreveu para homenagear a amada. Aos 95 anos, Maria Josephina produziu a obra para que o público pudesse conhecer Francisco Mignone, considerado o maior regente das Américas. Ela também quer deixar registrado, para a posteridade, sua vida romântica e cotidiana com o artista. AUTORA: Maria Josephina Mignone PÁGINAS: 405 EDITORA: Rubin Mignone Musica
UM GREGO AGORA NU: ÍNDIOS MARAJOARAS E IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA A escritora paraense Anna Maria Alves Linhares aborda o uso dos simbolismos marajoaras no Pará e em todo território nacional. A obra contextualiza como foram e são utilizados esses simbolismos desde a antiguidade até os dias atuais. O livro é resultado da tese de doutorado da escritora. Para compor a produção, ela seguiu pistas da trajetória da cerâmica e dos desenhos produzidos pelos índios marajoaras.Também buscou arquivos e diversas outras fontes de pesquisas, como documentos oficiais da antiguidade e recortes de jornais sobre o tema. AUTORA: Anna Maria Alves Linhares PÁGINAS: 280 EDITORA: Editora CRV
VER-O-PESO - ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS NO MERCADO DE BELÉM - VOLUME 2 A antropóloga Wilma Marques Leitão reúne uma série de artigos escritos por 15 pesquisadores de diferentes áreas sobre o Ver-o-Peso. Na obra, todos os trabalhos apresentam a preocupação de tratar o local sob a perspectiva do patrimônio. No total, o livro apresenta nove artigos com diferentes abordagens. Oito tratam do mercado sob aspectos diferentes, como história, valor, culinária, economia, conhecimentos tradicionais, relações sociais, transmissão de saberes, imagens e cores. Já o nono, escrito por Sérgi Garriga e Manoel Guárdia, da Universitat Politécnica de Catalunya, apresenta um modelo de modernização de mercados colocado em prática na cidade de Barcelona. AUTORA: Wilma Marques Leitão (Org.) PÁGINAS: 250 EDITORA: Editora Paka-Tatu
FAÇA VOCÊ MESMO
EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO PÚBLICA NO PARÁ IMPERIAL E REPUBLICANO
enfeite infantil para portas
Autor: Sônia Araújo, Maria do Socorro Avelino e Laura Alves (org.) Páginas: 307 Editora: Eduepa Composto por onze capítulos, o livro destaca estudos de pesquisadores de diversas Universidades da Amazônia Legal. Os textos organizados da obra consolidam estudos de sujeitos, instituições e de práticas ao longo do período do Império a República brasileira. Os artigos dão ao leitor a dimensão de como a educação pública alcançava poucos Reciclar, reutilizar e customizar o que se tem em casa de preservação ambiental e redução do consumo, trazee era invisível para as políticas públicas da muito divertido e econômico. Como uma mos com este passo a passo mais uma dica para ter uma pode se tornar época. A educação de mulheres e dede órfãos, forma incentivar adultos e crianças a terem atitudes vida mais sustentável reutilizando itens de casa. bem como as reformas educacionais pela qual o Estado passou também são alvo das • Pedaço de tecido americano ou outro tecido pesquisas contidas no livro, organizado pelas professoras Sônia Araújo, Maria do Soliso de algodão corro Avelino e Laura Alves.
Do que vamos precisar?
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Retalhos de tecidos
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Tesoura com pontas arredondadas
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Cola de silicone
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Régua
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Lápis preto
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Galho seco
CRISTIANO AMORIM COORDENADOR DE ARTES PLÁSTICAS E ÁUDIO VISUAL/ OFICINAS CURRO VELHO LUIZA NEVES -TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL/FCP VICTOR BARRA - FOTOGRAFIAS ASCOM/FCP CLÁUDIA MELO – INSTRUTORA OFICINAS CURRO VELHO
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FAÇA VOCÊ MESMO
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Marque o tecido americano nas dimensões 30 x 40 cm e recorte-o
Recorte os elementos escolhidos para compor a imagem (pássaros, flores, nuvens, arco-íris, etc)
Em cada ponta do galho seco amarre uma fita lisa ou estampada com aproximadamente 2cm de largura x 50 cm de comprimento para pendurar o painel
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Corte tiras do tecido estampado com 1 cm de largura para fazer as bordas do painel
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Decore livremente o painel, colando os recortes com cola de silicone para criar a imagem.
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O enfeite infantil está pronto para decorar a porta ou parede de um lindo quarto
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Cole as tiras de tecido recobrindo todas as bordas do painel.
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Dobre aproximadamente 1,5 cm da borda superior do painel e passe um fio de cola para inserir o galho seco
Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. O Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
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RECORTE AQUI
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ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável
BOA HISTÓRIA
Café
querda e o cheiro de naftalina e lembranças se juntou ao do cômodo, uma mescla do piso de madeira encerada com as partículas de pó quase invisíveis a flutuar do chão ao forro do pé direito alto somado ao odor de algo que havia se perdido e ela não entendia o que, nem se importava também. Era o dormitório do filho mais novo, um menino tolo e frágil na infância, mas resoluto e audaz quando homem. Estava em algum lugar do mundo não sabido por ela no momento, nada que um ralho pelo Whatsapp não consertasse. Remexeu, remexeu e achou o apetrecho. Tinha sido um presente de casamento dado por Conceição. Fazia muito tempo e ela se lembrou do velho, agora morto, quando ainda era um desengonçado rapazola metido num terno cinza e enorme encrenca, paralisado no altar. Como as coisas mudam, ela pensou. Fosse hoje seria mais um episódio de uma noite. Mas, naquele tempo, não. Mexeu com a moça de família, tem que casar. Ela nem tinha essas pretensões com Armando. Achava-o tolo, sem futuro, um moleque de missa em calças de tergal, levado sempre
pela mãe. Flertava com Aristides, o Ari, mais velho, que já morava fora há muito tempo e vinha cada vez menos passar as férias no meio do mato. Ela fingia desdém, porém não deixava de reparar nas roupas dele compradas em lojas na capital, diferente das que todo mundo usava por lá, naquele fim de mundo, feitas ainda à mão pelas costureiras. Tinha um sorriso bonito, porte de jogador e falava as gírias modernas. Ela suspirava. Mas, um flagra do pai com Armando colocou o casalzinho em apuros. E, como mandava o figurino, casaram-se e foram morar naquela casa para sempre, até ele morrer de insuficiência renal há uns dez anos. De posse do objeto nas mãos, olhou a prata escurecida, agora uma máquina de lembrar, muito mais do que qualquer outra função para qual tivesse sido produzido. Como ele, havia tantos outros no armário e pelos vãos daquele sobrado que ficou enorme. O tempo alarga a morada da gente, pensou. Vão os filhos e o marido. Restam os fantasmas. Não os sobrenaturais, mas os criados pela memória. Os que moram nas tralhas, como aquele bule de argento. Ela percebeu que, quando casou, ainda era factível presentear com um acessório doméstico simples e o presente ser amado
e guardado como um tesouro. Hoje as pessoas fazem listas impessoais e deixam na porta de uma loja para amigos escolherem, pensou, antes de se dirigir à cozinha. Pôs a água para ferver e pegou o pó de café. Não demorou a cozinha ficou tomada pelo aroma. E ela se pôs sentada à mesa, em silêncio, apreciando o vapor cheirosíssimo. Foi uma longa noite e ainda haveria um dia pesado pela frente. Mais uma vez projetou os pensamentos de tal modo que viu Conceição soprando a xícara na sua frente, como sempre fazia nos fins de tantas tardes. Era o último café que fazia para a comadre, engendrado com um afeto sincero de uma amizade de anos e anos. Agora estava a amiga deitada no esquife no salão paroquial, de olhos fechados numa eternidade enfadonha, a mesma que trocou tantas confidências e sofrimentos cotidianos com ela e teve a sorte de casar com Auricélio, hoje o respeitável e mais antigo médico daquele pequeno confim a qual ela passou os últimos 70 anos. Pôs o líquido fervente na garrafa térmica, fechou bem, lavou e guardou o bule prateado e foi cumprir a despedida doída da companheira e o incômodo encontro com o viúvo.
LEONARDO NUNES
Foi até o armário do quarto vazio. Nem era dia ainda. Abriu a portinhola da es-
MAIO DE 2018
Anderson Araújo
é jornalista e escritor
• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 57
NOVOS CAMINHOS
“Eu não sou índio”
THIAGO BARROS
é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros 58 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •
Daniel é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), um dos mais prestigiados centros de ensino superior e produção de conhecimento da América Latina. Também pós-doutor em Literatura, é autor de 52 livros. Recebeu diversas premiações nacionais e internacionais e tem o título de comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República. Em artigos e palestras, Daniel, de 54 anos, costuma repetir a frase – uma afirmação constante do avô: “Se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente”. Para ele, o presente é o momento certo para atuar politicamente, sobretudo para reforçar a necessidade de descolonização do pensamento fixado no DNA cultural brasileiro. Em um evento literário internacional no ano passado, em Cachoeira (BA), com desenhos no rosto e colares, Daniel afirmou: “Apesar dessa minha aparência eu não sou índio. Não existem índios no Brasil”. Daniel, na verdade, se identifica como Daniel Munduruku, com sobrenome homônimo à etnia da qual faz parte. No momento em que levanta um debate sobre a problemática da identidade indígena no mundo contemporâneo, Daniel abre espaço para outra discussão recorrente quando se trata da cultura do outro, sobre enxergar a cultura do outro a partir de uma cultura que faz parte de estrutura dominante que invisibiliza identidades. Daniel é Munduruku, etnia que habita em maior número áreas nos estados do Mato Grosso, Amazonas e Pará e que começou a ter contato mais MAIO DE 2018
intenso com não-índios a partir da intensificação do ciclo da borracha. Desde então, as relações reproduzem a lógica colonizadora que subalterniza os sujeitos à classificação de “índio”, com toda a carga estereotipada e abastecida por um histórico genocida da empreitada portuguesa e dos “brasileiros natos”. A denominação “índio” e todos os elementos que ela carrega fazem parte de uma criação que inviabiliza história, cultura, língua e saberes de centenas de etnias. Uma classificação que inferioriza, na qual não se vê o outro como consciente da própria história, cultura, língua e saberes. Ao afirmar que não é “índio”, Daniel Munduruku nega a identificação que lhe é imposta por outros – no âmbito civil e até institucional. “A palavra ‘índio’ não retrata a minha experiência”, reforça o escritor, que também é graduado em filosofia e licenciado em história e psicologia. Ele reforça que não existe unidade dentro do comum indígena. Pelo contrário, como enquadrar as experiências de centenas de etnias em um padrão, por mais que compartilhem regiões geográficas e seus modos de vida partam de alguns troncos semelhantes? Como o tempo do indígena é o tempo presente, Daniel Munduruku, a exemplo de várias lideranças indígenas, atua politicamente como representante de si mesmo, de seu povo, sem a intermediação de terceiros, e se posiciona discursivamente com destaque pela produção literária. Parafraseando o filósofo Jacques Rancière, a política faz aparecer sujeitos antes não considerados como interlocutores.
“A denominação ‘índio’ e todos os elementos que ela carrega fazem parte de uma criação que inviabiliza história, cultura, língua e saberes de centenas de etnias. Uma classificação que inferioriza.”
P.S.: Com agradecimento especial às contribuições do professor-doutor Leandro Lage.
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