Braxília: o espaço poético de Brasília por Nicolas Behr

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ÍLIA

O espaço poético de Brasília por Nicolas Behr

Ana Karine Siqueira

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BRAXÍLIA - O espaço poético de Brasília por Nicolas Behr. Autora: Ana Karine Siqueira Orientador: Sérgio Rizo Dutra Banca: Ana Elisabete Medeiros, Augusto Cristiano Esteca e Eduardo Rossetti. Brasília, 2016 Ensaio Teórico sobre o espaço poético Braxília, cidade apresentada pelas poesias de Nicolas Behr. 1.braxília 2.brasília 3.nicolas behr 4.poesia

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BRA

ÍLIA

O espaço poético de Brasília por Nicolas Behr

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sumário 7 Introdução 11 Brasília 17 Nicolas Behr 28 Braxília 39 Conclusão 48 Bibliografia

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imagine Brasília não-capital não-poder não-brasília assim é Braxília BEHR, Porque construí braxília. 1993.

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introdução Neste trabalho discute-se a relação entre a cidade de Brasília com o espaço construído pela poesia de Nicolas Behr. Busca-se compreender como os aspectos físicos da cidade afetam o poeta e sua poesia. Quais são as relações entre os dois espaços, o real e imaginário, concreto e literário? Behr recorre à poesia para dialogar com a cidade e solucionar os conflitos que ela causa em si. Sua poesia é uma reação aos sentimentos provocados por Brasília, não só sua configuração morfológica, mas também seu simbolismo e caráter mítico. Chega a Brasília de Cuiabá em 1974 e a partir de 1977 já produz e distribui suas poesias. O impacto causado por Brasília no poeta é fruto também de suas origens. Não ser brasiliense, conhecer a cidade na sua adolescência, estabelece uma base comparativa, aquela que será alicerce para seu choque diante o novo. Através dos anos suas publicações ganham profundidade e embasamento teórico, permitindo em 1993 lançar a inédita Braxília, continuação da utopia. Braxília é apresentada no livro Poesília poesia pau-brasília, aprofundada pela publicação Braxília revisada Vol. I. Cria Braxília, cidade-palavra, não como uma fuga, mas uma tentativa de adicionar elementos a Brasília. Por vezes ambas se confundem e acontecem simultaneamente. Em outros momentos, Braxília é a negação de Brasília: “cidade não-poder. cidade não-capital”. A racionalidade, a setorização exacerbada, e a burocracia não existem em Braxília. Busca-se averiguar os frutos de uma análise da cidade através da representação artística. A influência da racionalidade, da setorização sobre a poesia da cidade. Braxília permite vislumbrar mais do que uma proposta física, uma proposta cutural. Por vezes Brasília é representada e divulgada como um lugar estéril, inabitado e artificial. O sentimento de solidão é presente em diversas produções artísticas, nas músicas e poesias.

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No principio era o ermo Eram antigas solidões sem mágoa. O altiplano, o infinito descampado1

Quando aqui chegamos, havia uma grande extensão deserta. Apenas o silêncio e o mistério da natureza inviolada.

Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.2

Apesar de também poetizar sobre a solidão, o vazio (a superquadra / nada mais é / do que a solidão / dividida em blocos3), a produção de Behr vai além das imagens fixadas de Brasília, e joga com seus significados, criando novos. Extrapola as imagens estabelecidas e cria uma completamente nova, Braxília. Braxília só poderia ter sido criada por alguém que ama e que se relaciona com Brasília visceralmente. Ela é reconhecimento do que Brasília tem de melhor, ao mesmo tempo em que expõe suas piores mazelas. Deseja-se promover outra abordagem ao debate acadêmico, incrementando a já extensa base técnica de avaliação do espaço urbano com uma abordagem mais humana. Busca-se a percepção e representação do plano urbano por campos de conhecimento distintos ao urbanismo. Acredita-se assim encontrar o saber empírico do usuário. A representação artística pode ser entendida como uma referência para o entendimento da cidade, considerando o artista como alguém que sintetiza aspectos corriqueiros que podem não 1  MORAES, Vinicius de. O Planalto Deserto. By Antonio Carlos Jobim. Brasília,

Sinfonia da Alvorada. Columbia, 1961. LP, Album, Mono, Six. 2  KUBITSCHECK, Juscelino. Discurso de JK na inauguração de Brasília (1960). Brasília, 1960. Disponível em < http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=discurso-de-jk-na-inauguracao-de-brasilia-1960> Acesso em: 30 set. 2016. 3  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 75.

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ser percebidos pelo técnico. Sobre o técnico, Kothe discute em Ensaios de Semiótica da Cultura como a especialização induz a crença de que o válido é o que o arquiteto pensa sobre a arquitetura. Por um lado a leitura do técnico se vicia nas linguagens de códigos em que foi treinado, e por outro o cidadão comum que não busca fazer um esforço de decifração. “Para ser um bom arquiteto e não apenas um técnico, é preciso aprender mais que técnicas de construção, não menosprezar outras formas de leitura que não as do arquiteto.” 4 A leitura do artista se difere da do técnico. “A arte é, no entanto, diferente dessa estetização do poder civil, religioso ou militar. A arte não tem por escopo legitimar ninguém.”5 O artista utiliza seu talento e habilidades para passar uma mensagem acerca do espaço. Mensagem geralmente bem interceptada por aqueles que compartilham das mesmas referências básicas, não mais acadêmicas, porém de vivência. Behr fala sobre a legibilidade da cidade de Brasília e a de seus poemas: seus poemas, diferentes de Brasília, são (até) “para analfabeto ler”. Esse trabalho nasce de uma inquietação. Antes da pesquisa que viria consolidá-lo, seu ponto de partida é fruto de uma vivência pessoal. Sou de Brasília, cresci aqui. Brasília não era maquete, era meu lar. O espaço não me sufocou e os monumentos branquíssimos não me eram novidade. Encarei e enxerguei Brasília depois que morei em outra cidade. Assim como Behr, nascido em Cuiabá, agora também tinha outra referência que estabelecia em mim uma base comparativa. Vi alguns dos meus questionamentos espelhados na poesia do Nicolas Behr. Mais do que responder a uma pergunta, quero agregar questionamentos, causar no leitor inquietação como eu senti. Não se assume aqui o papel de técnico apresentada pelo professor Kothe, de supor que se resolvem todas as questões com a técnica6. Aqui não se trata os assuntos como se tivessem começo, meio e fim. A subjetividade é o meio pelo qual se desenvolve Braxília, reconhecer a cidade e reconhecer-se na cidade. É também ferramenta da poesia. Esse ensaio busca ser poético, assim 4  KOTHE, Flávio R. Ensaios de semiótica da Cultura. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. p. 181. 5  Idem. p. 196. 6  Idem. p. 302.

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como a definição de Kothe: Quem tem disciplina é o trem nos trilhos: ele é tratadista. Mas o pássaro que faz suas danças pelo ar, esse tem a liberdade do ensaísta7. O poeta foi escolhido considerando sua contribuição para o cenário literário do centro-oeste e do Brasil e por sua relação pessoal com Brasília. Behr possui uma vasta produção dedicada inteiramente a Brasília, analisada em diversos artigos e teses principalmente pelos campos da história, literatura e comunicação. O trabalho contribui acrescentando a todas essas análises a vertente arquitetônica. Inicia-se fazendo uma contextualização histórica de Brasília, musa inspiradora de Behr. Pessoas e processos implicados em sua realização são referenciados de diversas formas em sua poesia. A partir desse apanhado será possível compreender os personagens, as análises e críticas levantadas por Braxília, como a setorização afeta sua poesia, ou a reação que o vazio causa no morador. Em seguida, uma breve biografia de Nicolas Behr relaciona os acontecimentos de sua vida com as suas poesias escritas. É possível conferir em vários momentos questões pessoais ligadas diretamente à sua produção. Os vários anos morando em Brasília e o aprofundamento no estudo da cidade através de variadas fontes são fatores cruciais na evolução de suas poesias. O espaço de Braxília é apresentado pelas poesias de Behr acompanhadas pela discussão dos assuntos levantados. Apresenta-se Braxília, o que ela é e como foi construída. Quais são suas características, onde se encontra e onde se distancia de Brasília. Pela pesquisa averiguamos que a poesia é fruto da vivência pessoal de Behr. Carrega consigo características do criador: é irreverente e subversiva, instrumento de resistência. Braxília além de ser construída pela palavra é também uma construção coletiva.

7 Idem. p. 276.

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capítulo 1

Brasília

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A criação de uma nova capital no interior do Brasil remota ao período colonial brasileiro, sendo inscrita na Constituição de 1891. O nome Brasília foi sugerido por José Bonifácio de Andrada e Silva, que é a forma em latim de dizer “Brasil”. Em 1921, em contexto nacionalista em comemoração ao centenário da independência, é colocada a pedra fundamental para conformação da cidade, no sítio da cidade de Planaltina. Na década de 50 a cidade se torna parte da agenda política de um jovem em ascensão. Eleito em 1955, Juscelino Kubitscheck articula a criação da cidade, criando a Companhia Urbanizadora da Nova Capital, NOVACAP, e convida o arquiteto Oscar Niemeyer para as atribuições arquitetônicas e urbanísticas. Vários resultados eram esperados com a transferência da capital. Além da ideia de combate à corrupção, entendida como um “mal crônico” da cidade do Rio de Janeiro, justificava uma política desenvolvimentista e ainda permitiu criar uma imagem de país dinâmico e contemporâneo. A solução para as polêmicas que envolviam a decisão do plano urbanístico, como a concentração de um projeto de tamanha escala em um único profissional ou a proposta de convidar Le Corbusier para desenvolver o projeto, foi a criação do concurso para o ‘Plano Piloto’, movimentado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, aberto em setembro de 1956. A cidade surge em um contexto de difusão dos ideais modernistas. Todos os vinte e seis projetos apresentados são exemplos da arquitetura moderna. O Relatório do Plano piloto de Brasília apresentado por Lucio Costa foi anunciado vencedor em março de 1957. Havia uma adesão unânime aos princípios da Charte d’Athenes (1933), além de outras influências urbanísticas como o plano de Griffin para Camberra (1911), projetos de Le Corbusier como Plan Voisin, 1925, Ville Radieuse, 1935, reconstruções francesas após a segunda guerra mundial, new towns inglesas, etc.8 O arquiteto franco-suíço Le Corbusier publica na Carta de Atenas os fundamentos nos quais se baseiam o urbanismo moderno. Aqui se adota a visão da cidade como um organismo vivo que deve ser organizado de forma funcional a fim de atender às necessidades do homem moderno. O documento apresenta as quatro principais funções do urbanismo: assegurar habitações para a população, or8  LEME, Maria Cristina da Silva [coordenadora], et al. Urbanismo no Brasil 1895 – 1965. São Paulo: Studio Nobel, 1999. p. 231.

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ganizar os espaços de trabalho, promover áreas de lazer e estabelecer uma rede que permita a conexão entre as partes, respeitando as prerrogativas de cada uma. Essas quatro funções do urbanismo é um espelho da visão que se tem do homem moderno, o homem que habita essa cidade: ele habita, trabalha, recreia e circula. Nos desenhos de Lucio Costa estão claramente indicados os elementos de composição axial através de eixos. A partir de dois eixos viários que se cruzam, um monumental, sentido leste oeste, e outro rodoviário, sentido norte e sul, a cidade é conformada. As habitações foram dispostas ao longo do eixo rodoviário nas chamadas ‘superquadras’ de aproximadamente 350 por 350 metros. Cada superquadra é composta por blocos de apartamentos dispostos ortogonalmente ente si, sobre pilotis e com número máximo de pavimento. O máximo alcançado são seis pavimentos, que decaem gradativamente conforme o caimento da topografia em direção ao Lago Paranoá. As superquadras são então separadas em duas ‘asas’, norte e sul, simétricas em relação ao eixo monumental. Entre as superquadras, em vias perpendiculares ao eixo rodoviário, são dispostass as áreas de comércio local. As atividades previstas para a cidade foram dispostas simetricamente e próximas ao eixo monumental em diferentes setores: comercial, bancário, hoteleiro, hospitalar, de diversões, etc. Nos setores comerciais e bancários o gabarito máximo é de 16 pavimentos. No eixo monumental os ministérios contam com sete pavimentos cada, enquanto o Congresso Nacional tem 27 pavimentos. O projeto de Lucio Costa justapõe a técnica urbana e rodoviária, respondendo à intenção explícita de JK em fazer uma cidade para o automóvel. Leme9 relaciona essa solução à cidade linear de Soria y Mata. As escalas de Brasília apareceram posteriormente ao Relatório do Plano Piloto. Foi em 1974 quando já se estudava as escalas de Brasília no I Seminário de Estudo dos Problemas Urbanos de Brasília, que Lucio Costa esclarece que às três escalas que já eram estudadas se acresce uma quarta, portanto são quatro: a escala 9  LEME, Maria Cristina da Silva [coordenadora], et al. Urbanismo no Brasil 1895 – 1965. São Paulo: Studio Nobel, 1999. p. 233.

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monumental, a gregária, a residencial e a bucólica10. A escala monumental abrange o centro cívico e de trabalho, de caráter austero, ao longo do eixo monumental. A escala gregária é centro de comércio e serviços, idealizada a fim de ser espaço para encontro urbano, comporta os setores comerciais, bancários, hoteleiros, de autarquias, hospitalares e de diversões; Na escala residencial as habitações de baixa densidade, prédios sobre pilotis, se articulam em grandes bolsões de área verde, denominados Unidade de Vizinhança. A escala bucólica configura espaços de lazer e permeia toda a cidade com a predominância de espaços livres. Nela se encontra o lago Paranoá e os parques, além de contribuir com a qualidade de vida do ambiente urbano e permitir uma visualização do horizonte. O horizonte e o céu fazem parte da paisagem de Brasília. A ideia de conceber Brasília é criar um símbolo cívico. Lucio adapta o desenho urbano racionalista à composição urbanística beaux-arts, simétrica e monumental. O caráter almejado não é de uma cidade moderna qualquer, não apenas como URBS, mas como CIVITAS, possuidora dos atributos inerentes a uma capital..., portanto dessa atitude fundamental decorrem a ordenação e o senso de conveniência e medidas capazes de conferir, ao conjunto projetado, o desejável caráter monumental11. Ora, monumental significa afastado da escala humana, característica que se confere em todo o planejamento. O vazio destaca o objeto, o monumento. A paisagem resultante da cidade é uma paisagem de objetos, oposta a uma paisagem de lugares. Na paisagem de objetos o vazio é predominante. Como consta no livro Urbanismo no Brasil 1895-196512, Brasília apresentou um modelo de ocupação de solo que não permite a definição de um tecido urbano contínuo nem o acréscimo de novas áreas urbanas. A cidade resultante é disposta em jardins, com preponderância do sistema viário sobre a rua tradicional, indefinição 10  SENADO FEDERAL. I Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília. Brasília:Senado Federal, 1974. 11  COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. ArPDF, Codeplan e DePHA. Brasília: 1991. 12  LEME, Maria Cristina da Silva [coordenadora], et al. Urbanismo no Brasil 1895 – 1965. São Paulo: Studio Nobel, 1999.

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entre espaço público e privado, o apogeu do edifício isolado (aumento das distâncias urbanas, encarecimento da infraestrutura e transporte coletivo) e a monumentalização da arquitetura cotidiana. Em 1987 foi listada como patrimônio da humanidade pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura - e em 1990 tombada pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília ao ser reconhecida como patrimônio recoloca a questão da identidade diante da condição moderna13. Por ser a materialização mais fidedigna dos princípios da Carta de Atenas, incorpora também todas as críticas feitas ao movimento moderno. Após dez anos de seu relatório, Lucio Costa defende a implantação literal do plano urbanístico. Como apontado por Saboia e Medeiros, “as alterações e modificações eram vistas como uma deturpação da identidade brasiliense estabelecida em 1957”. A cidade que se preserva pela UNESCO é aquela concebida a partir das quatro escalas. Entre os discursos que se levantam da segunda metade da década de oitenta à primeira do século XXI, há aqueles que desmistificam a “pretendida imutabilidade do projeto original”14, reconhecendo as necessidades de modificações e adaptações que qualquer cidade sofre ao longo do tempo. Lembrando que […] não se funda uma cidade: ela é um fenômeno em permanente mutação que detém inclusive um grau de autonomia que faz da imprevisibilidade quanto ao futuro a sua marca registrada. Brasília, apesar de desenhada na prancheta foi pouco a pouco se descolando dessa origem… sabemos que as políticas culturais que têm no patrimônio material suas bases tinham a ideia de identidade a ser preservada ou restaurada e pouco ou nada utilizaram do conceito oposto, o da invenção de uma identidade.15 A inscrição de Brasília como patrimônio institucionaliza o discurso ideológico de legitimar a cidade como obra de arte acabada. 13  SABOIA, Luciana; MEDEIROS, Ana Elisabete. Brasília, discurso ou narrativa? Questões sobre a preservação e identidade cultural. In: SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, 9, 2011, Brasília. p. 3. 14  Idem. p. 5. 15  Prefácio de Brasilmar Ferreira Nunes in: RIBEIRO, 2005: p. 16 apud SABOIA; MEDEIROS, 2011: p. 5.

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Porém, como verificada pelas autoras nas análises de Carpintero ou Leitão e Fischer, há uma grande distinção entre o plano de 1957 e o que foi construído depois. Ainda assim, permanece o projeto de Costa como parâmetro para os sucessos e fracassos de Brasília. Em Brasília, discuro ou narrativa? As autoras desenvolvem a separação entre discurso e narrativa aplicadas a Brasília. Brasília é configurada e edificada a partir de diversas narrativas ao longo do tempo: a narrativa do relatório em 1957, a inauguração em 1960, a consolidação da Asa Sul, a W3 e o Parque da Cidade, na década de 1970, o reconhecimento da UNESCO em 1987, a metrópole terciária na década de 1990 e assim sucessivamente. Aliás, muitas dessas narrativas não estavam previstas no plano original de 1957, como o Parque da Cidade, projeto de Burle Marx.16 A construção da identidade de Brasília é, portanto, extremamente dinâmica, mesmo se tratando de um espaço projetado, pois é através do habitar do projeto que “a cidade torna-se fato e fenômeno cotidiano”17. Brasília não pode ser resumida a normas rígidas ou interpretações descontextualizadas de sua configuração urbana e cultural. Em 1984, Lucio Costa reconhece a temporalidade da identidade de Brasília, quando depõe sobre a rodoviária: Isto tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano (...) Na verdade, o sonho foi menor que a realidade. A realidade foi maior, mais bela.18

16  SABOIA, Luciana; MEDEIROS, Ana Elisabete. Brasília, discurso ou narrativa? Questões sobre a preservação e identidade cultural. In: SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, 9, 2011, Brasília. p. 8. 17  Idem. 18  COSTA, L. Registro de uma vivência. 2.ed. São Paulo: Empresa das Artes, 1997. p 311.

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capĂ­tulo 2

Nicolas Behr

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Nikolaus Humbertus Josef Maria Von Behr. Nasceu em Cuiabá em 1958. Passou a infância na cidade de Diamantino, Mato Grosso, onde os pais imigrantes europeus eram fazendeiros. Aos dez anos retorna para a capital do estado onde permanece até 1974 quando a família se muda para Brasília em busca da “capital da esperança” prometida por JK. Encontra a cidade recém-construída durante a sua adolescência, choque que gera uma relação conflituosa com a cidade: Brasília é minha obsessão poética. A cidade é uma folha em branco, pois se escreveu pouco sobre essas superquadras e blocos. Acho fácil escrever sobre a cidade, pois ela gera no poeta uma série de conflitos, que resultam em poemas.19 A poesia é então uma forma de tentar solucionar esses conflitos, uma forma de dialogar com a cidade: “[...] ela [a cidade] foi muito ‘agreste’, foi muito agressiva comigo e eu talvez com ela também” 20. A representação da cidade através da subjetividade poética tem suas origens em Baudelaire, onde o poeta descreve a cidade moderna e se torna referência para obras que buscam retratar centros urbanos. Baudelaire nos apresenta a figura do flaneur21, mais do que um autorretrato, a cidade não é descrita por um indivíduo alheio e externo ao ambiente, e sim por aqueles que a “perambulam”. A experiência do cotidiano e os conflitos na/da cidade reafirmam a importância da experiência in loco. Flaneur é um estado de participante da vida urbana. Mesma reflexão entre sujeito e cidade se confere na obra Paulicéia desvairada onde Mario de Andrade funde o sujeito lírico à cidade de São Paulo. Sobre essa forma de representação João Luiz Lafetá afirma: A vida moderna desvaira o poeta, e este transfere seu desvairismo para a vida moderna. A cidade não surge apenas como o “correlato objetivo” (Eliot) dos 19  BEHR, Nicolas. Brasília é minha obsessão poética – entrevista com Nicolas

Behr: depoimento. [7 de fevereiro, 2014]. Brasília: Revista Amálgama. Entrevista concedida a Viviane C. Moreira. 20  BEHR, Nicolas. Diálogos – arquitetura e poesia: depoimento. [6 de junho, 2016]. Brasília: UnBTV. Entrevista concedida a Eduardo Rossetti. 21  Do verbo francês flâner, que significa perambular. Dicionário Larousse.

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sentimentos do eu, pois tais sentimentos existem em função da cidade, de modo que a autodescrição tem de ser também a descrição da cidade {...} diante da paisagem citadina o poeta não registra simplesmente a face externa que seus olhos enxergam, mas procura em suas sensações, nas impressões que a cidade deixa dentro dele, as marcas que revelem a imagem única e dúplice de ambos.22 A partir de 1977 lança seus livros e vende pelas ruas da cidade que se consolidava. Gilda Furiati23 analisa a produção de Nicolas classificando-a em três fases. A primeira fase - de agosto de 1977 a novembro de 1980 - compreende o que a crítica literária classifica como poesia marginal, fruto de uma “geração mimeógrafo”. Os poetas da geração mimeógrafo criavam, editavam, produziam, distribuíam e vendiam os próprios livros. A literatura marginal foi também um movimento de resistência e combate ao período da ditadura militar e inaugura a manifestação da poesia brasileira contemporânea. Como resposta ao medo, o humor e a trivialidade se destacam. Antônio Carlos de Brito, Cacaso, comenta sobre a poesia da geração da qual também fez parte: Uma poesia alegre, que troca o mofo e o esquecimento das estantes por uma participação mais viva na cena cultural, uma poesia que sai para as ruas, que se vale das formas de sobrevivências as mais variadas e sugestivas24. Oito mil cópias de “Iogurte com farinha” foram vendidas de mão em mão. Na década de 70 o cenário da contracultura crescia no país e a juventude de Brasília ocupa os espaços com poesia, movimento punk, rock n’roll e hippie combatendo a imagem estéril e fria da cidade. A estratégia da produção independente era também uma forma de manifestação e possibilitou uma nova aproximação entre poeta e leitor. Behr afirma25 que a escrita da poesia é uma “atitude 22  LAFETÁ, João Luiz. A representação do sujeito lírico na Paulicéia desvairada.

In: BOSI, Alfredo. Leitura da poesia. São Paulo: Ática,1996. p. 53. 23  FURIATI, Gilda Maria Queiroz. Brasília na poesia de Nicolas Behr: idealização, utopia e crítica. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. 24  CACASO. Tudo da minha terra – bate papo sobre poesia marginal. In: Almanaque. São Paulo: Brasiliense, 1978. p. 38. 25  BEHR, Nicolas. Brasília é minha obsessão poética – entrevista com Nicolas Behr: depoimento. [7 de fevereiro, 2014]. Brasília: Revista Amálgama. Entrevista concedida a Viviane C. Moreira.

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muito solitária”, que o retorno e contato do público enriquecem o poeta, processo que considera fundamental para a prática literária. Nessa primeira fase da sua produção, confere-se o conflito do poeta recém-chegado com o recém-construído. Os versos conferem um olhar de deslumbramento sobre os monumentos de Oscar Niemeyer e o projeto urbanístico de Lucio Costa. O Relatório do Plano Piloto de Brasília do urbanista é o texto de maior influência nesse momento. Inicialmente, sua poesia se apropria de aspectos essencialmente físicos da cidade que é reforçado pelos recursos de linguagem utilizados. Os versos são curtos em consonância com a padronização espacial e concretismo da cidade moderna.

blocos eixos quadras senhores, esta cidade é uma aula de geometria26

Como analisada por Francisco Kaq27, o poema de Iogurte com Farinha apresenta a paisagem da cidade através do olhar construtivista. O apelo aos destinatários (“senhores”) introduz solenidade sugerindo um tom irônico. É reconhecida a singularidade e beleza racional da cidade. Não se confere nessa primeira fase uma caracterização de tempo. Os poemas discutem a imagem da maquete e relatam a angústia do morador sem identidade. Nicolas compartilha um dado empírico pessoal – seu endereço - no título do livrinho mimeografado de julho de 1980: 303F415. Apesar de ser uma informação particular, causa contradição por ser esvaziada de singularidade: Ao contrário de ruas e bairros que têm uma aura ou sabor próprios (evocados por seus nomes), as superquadras são basicamente idênticas. Desqualificado 26  BEHR, Iogurte com farinha. 1977. 27  KAQ, Francisco. As cidades de Nicolas Behr. UnB Revista, Brasília, nº5, ano II, 106-110, mar. 2002.

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o sujeito, talvez uma nova voz se faça ouvir. É quiçá a cidade que aprende a falar – e toma consciência de si mesma28. Behr se apropria dessa linguagem de códigos. Experimenta com os recursos da linguagem com mais propriedade nas fases seguintes. Em Poesília – poesia pau-brasília, utiliza a linguagem como enigma, ressignificando substantivos e adjetivos. A semelhança entre os códigos permite que o poeta os recombine a fim de decifrar Brasília. Entretanto, ao invés de respostas, novas questões são levantadas:

SQS415F303 SQN303F415 NQS403F315 QQQ313F405 SSS305F413

seria isso um poema sobre brasília? seria um poema? seria brasília?29

Os endereços e códigos de Brasília são modificados pela poesia. No poema Aconteceu na 103, o endereço – o código - é o que identifica o indivíduo. Em outro poema Behr utiliza as vias estruturais de Brasília para atribuir qualidades à Suzana. Percebe-se que o poeta-sujeito é inspirado pelo desenho de Lucio Costa, a sensualidade de Suzana é inerente ao desenho do plano piloto.

28  Idem. 29  BEHR, Poesília – poesia pau-brasília. 2002. p. 9.

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ACONTECEU NA 103 o porteiro do bloco i da 103 sul pegou a filha do síndico do bloco o da 413 norte com o cara do 302 do bloco d da 209 sul dentro do carro do zelador do bloco f da 314 norte30

naquela noite suzana estava mais W3 do que nunca toda eixosa cheia de L2

suzana vai ser superquadra assim lá na minha cama31

No final da primeira fase o verso utiliza da linguagem e repetição para apresentar as formas da cidade. O poema conduz o leitor ao interior de uma superquadra, passando pelo quebra mola e banca de jornal, finalizando com a composição formada pela palavra bloco indicando a regularidade e repetição do conjunto edílico no fim do percurso. 30  Idem. p. 60. 31  Idem. p. 38.

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Superquadras na entrada um quebra-molas e uma banca de jornais

blocos, blocos, blocos blocos, blocos, blocos blocos, blocos, blocos32

Nas fases seguintes há a abordagem de assuntos ligados ao poder e exclusão espacial, associando-os aos limites impostos pela imagem da cidade sobre o morador. As reflexões do poeta-sujeito são mais profundas e embasadas em leituras teóricas. Em agosto de 1978 Behr foi preso e processado pelo DOPS por “porte de material pornográfico”. Foi julgado e absolvido no ano seguinte. De Iogurte com Farinha até 1980 foram dez livrinhos mimeografados, que antecipam um hiato de treze anos sem publicações poéticas. Durante esse período realizou atividades ligadas a sua profissão de ambientalista. Dedica-se ao cultivo, venda e estudo de espécies nativas do cerrado. É sócio-propietário da Pau-Brasília Viveiro Eco loja. Em 1982 trabalhou na fundação da primeira ONG ambientalista de Brasília, o MOVE – Movimento ecológico de Brasília. Em 1986 inicia trabalho na FUNATURA – Fundação pró-natureza – onde permaneceu até 1990. Nicolas volta a publicar em 1993. A produção compreendida desta data até 1997 é classificada por Furiati33 como segunda fase. Ao longo de sua pesquisa a autora confere que a mudança na produção de Behr está aliada a uma nova bibliografia focada em questões sociais e etnográficas. Behr percebe que suas críticas e descontentamentos não eram mera 32  BEHR, Brasiléia desvairada. 1979. 33  FURIATI, Gilda Maria Queiroz. Brasília na poesia de Nicolas Behr: idealização, utopia e crítica. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.

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especulação própria e sim um posicionamento em relação à concepção urbanística moderna. Essa concepção gerou a falta de um espaço voltado para o pedestre e a segregação entre centro (Brasília) e periferia (cidades satélites). Corresponde a uma fase de reflexão crítica do poeta: “Eu engoli Brasília”. A metáfora de Behr ultrapassa o projeto antropofágico moderno de engolir outros poetas e autores, mas engole também a própria cidade, suas avenidas, quadras e monumentos, no intuito de apropriar-se dela.

eu engoli brasília

em paz com a cidade meu fusca vai por esses eixos, balões e quadras, burocraticamente, carimbando o asfalto e enviando ofícios de estima e consideração ao sr. Diretor34

O sujeito-poeta toma consciência da cidade do poder e da burocracia. A exclusão espacial é tema recorrente nessa fase, fundamentada pela tese de doutoramento em Antropologia do norte-americano James Holston35 na universidade de Yale. Com uma visão ácida e crítica, o autor absorve o caráter burocrático e administra34  BEHR, Porque construí braxília. 1993. 35  HOLSTON, James. A cidade modernista – uma crítica de Brasília e de sua utopia. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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tivo de Brasília, enquanto caminha “burocraticamente”, “carimbando” o asfalto. Diferente da primeira fase onde poetizava sobre os marcos geográficos e construções, a poesia agora se direciona aos personagens. No poema que inaugura a segunda fase, abrindo o livro Porque construí Braxília, a dedicatória é feita ao operário de Brasília.

dedico este canteiro de obras (jardim-operário) aos esquecidos de deus que construíram esta cidade de brasília e que, um dia, construirão comigo, em sonho e sem dor, a cidade de Braxília (pronuncia-se brakslha, canalha)36

Esse personagem esquecido do discurso oficial e até “de deus” é relembrado por Behr também na figura do candango em outros poemas. Nesse livro de trinta e uma poesias, treze são dedicadas à cidade de Brasília, incluindo aquelas que introduzem Braxília. Na terceira fase da produção, período que compreende entre 2001 e 2004, Behr desconstrói o discurso oficial e mítico, assim 36  BEHR, Porque construí braxília. 1993.

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como desmitifica os personagens de Brasília. O poema assume um discurso político e de crítica social, em tom menos leve. A arte de Brasília (é pra inglês/arquiteto ver) enquanto o poema pode ser lido (até) por analfabetos. Personagens heroicos no marketing de Brasília são tocados pela ironia fina e recursos de trocadilho do poeta. O poema sugere que se eliminem os “efeitos arquitetônicos”, fazendo alusão a Oscar Niemeyer, joga com as palavras costa e peito (Lucio Costa), e defende que JK desça do seu pedestal. Escondido nos jogos de palavras, o paisagista Burle Marx é citado quando “flores burlescas (Burle) zombam de jardins marxistas (Marx)”. O ultimo personagem a ser citado é o político mineiro Israel Pinheiro, a quem foi confiado, por JK, o cargo de presidência da Novacap, empresa responsável por construir Brasília: “todos sofrem no país de israel.”.

arte pra arquiteto ver poema pra analfabeto ler37 abortar planos estourar balões cegar tesourinhas trazer costa no peito oscar de efeitos arquitetônicos jotaká desce daí flores burlescas zombam de jardins marxistas todos sofrem no país de israel38 37  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 51. 38  Idem, p.73.

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Essa desmistificação é etapa importante na elaboração da crítica da cidade. Segundo Kothe39, a consagração de personagens – artistas, pensadores, santos e estadistas – é uma maneira de impedir o questionamento, de criar um tabu. E quanto mais se impede o pensamento crítico e a problematização, mais problemático é seu fundamento. Nessa terceira fase são publicados cinco livros. Os versos incorporam a desilusão e exlusão do projeto urbanístico. Os textos estruturadores desta fase são construção de Brasília: modernidade e periferia, de Luiz Sérgio Duarte da Silva, Brasília: A fantasia corporificada, de Brasilmar Ferreira e as Crônicas sobre Brasília de Clarice Lispector, do livro Para não Esquecer.

39  KOTHE, Flávio R. Ensaios de semiótica da Cultura. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. p. 195.

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capítulo 3

Braxília braxília não braxília é sonho braxília foi construída com a língua

BEHR, Porque construí braxília. 1993.

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Braxília é apresentada pela publicação Porque construí Braxília, referência direta ao Porque construí Brasília, de JK. A publicação inaugura a segunda fase da produção de Nicolas. A proposição da cidade poética é um resultado do amadurecimento do poeta em relação aos questionamentos que já eram presentes na primeira fase de sua publicação. Mas, o que é Braxília?

imagine Brasília não-capital não-poder não-brasília assim é Braxília40

Brasília não é mais a “maquete”, leitura que foi apresentada fortemente na primeira fase do poeta. Em entrevista concedida a Eduardo Rossetti, UnBTV, Behr compara Brasília com um esqueleto que foi disposto no chão que em seguida recebeu sua carne, nervos, sangue, dando-o vida. O esqueleto, a maquete, foi humanizado pelas pessoas, pelas árvores, pela arte. A cidade deixa então de ser artificial, se torna mais orgânica.

Brasília não envelheceu abrasileirou-se41 Coexistindo e resistindo, está Braxília: “Cada um pode criar a sua cidade. Braxília é uma continuação de Brasília, porque Brasília teve um viés utópico. Braxília é uma continuação da utopia, do sonho, que a gente não deve abandonar nunca”42. Behr inventa outra cidade, “construída com a língua”: 40  BEHR, Porque construí braxília. 1993. 41  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 76. 42  BEHR, Nicolas. Diálogos – arquitetura e poesia: depoimento. [6 de junho, 2016]. Brasília: UnBTV. Entrevista concedida a Eduardo Rossetti.

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braxília não braxília é sonho braxília foi construída com a língua

2.354 línguas Polindo As escadarias Do palácio43

As poesias se direcionam menos aos aspectos físicos e mais em questões de cunho político e social. As figuras de linguagem são usadas com frequência (metáfora e metonímia). Na poesia supracitada, todos os povos (“as 2.354 línguas”) constroem a cidade utópica. A palavra língua ora representando a linguagem, idioma, e em seguida aplicada no sentido físico de línguas polindo as escadarias do palácio. A poesia de Berh joga com as palavras e com os sentidos que envolvem literatura (“poema para analfabeto ler” 44), diálogo e expressões populares. Sua poesia é uma tentativa de dialogar com Brasília, cidade que era por vezes ilegível:

43  BEHR, Porque construí braxília. 1993. 44  arte pra arquiteto ver poema pra analfabeto ler BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 51.

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Como decifrar tua caligrafia de postes e ventos?45

Braxília não é uma fuga, mas uma tentativa de adicionar elementos à Brasília. A criação da cidade poética possibilita a recriação ou reinterpretação de um passado que não havia sido contado. No livro Brasília: O mito na trajetória da nação46 o cientista social Márcio de Oliveira analisa a construção de Brasília como resultado de um “mito da nação”. Durante sua pesquisa em publicações e documentos, o autor averiguou que o governo responsável pela construção de Brasília foi também o historiador e jornalista dos fatos. Os discursos oficiais servem tanto para a propaganda do discurso progressista do governo como para garantir a transferência da capital. Para Furiati47, Braxília opera o “mito do recomeço”, trabalhando com a representação simbólica, “recolocando as ideias que estavam fora do lugar”48. Propõe-se a redescoberta de um passado oculto. Braxília também é suscitada pela memória, revela encantos que agora parecem se perder:

SAUDADES DE BRAXÍLIA soltar pipa no eixão nadar e pescar no Paranoá comer pastel na rodoviária 45  Idem. p. 83. 46  OLIVEIRA, Márcio de. Brasília: O mito na trajetória da nação. Brasília: Paralelo 15, 2005. 47  FURIATI, Gilda Maria Queiroz. Brasília na poesia de Nicolas Behr: idealização, utopia e crítica. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. 48  Idem.

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estacionar no setor comercial sul voltar da festa a pé, altas horas catar gabirobas perto da catedral namorar embaixo do bloco cruzar a L2 de patins e a W3 de skate pegar um grande circular e circular de mãos dadas com o banco ver estrelas, muitas estrelas pescar no riacho fundo, que hoje atravesso a pé49

Os pequenos prazeres do cotidiano de Braxília, “comer pastel na rodoviária” ou “namorar embaixo do bloco”, são formas de resistir e sobreviver, são vacinas contra a doença do poder da capital. Nessa cidade não há lugar para exclusão e poder.

Sou de Brasília, mas juro que sou inocente.50

É recorrente a temática do poder e como ele influencia o espaço construído e as dinâmicas da cidade. Para Kothe, “uma arquitetura não é emancipatória quando sua proposta é estetizar o poder do estado”51 e não há interesse por parte do governo em ter uma população que questione. A elite ocupa espaços em destaque no planejamento urbano e realizam seu trabalho em edifícios monumentais, de maneira a convencer a “plebe” de que lá habitam “deuses e semideuses”. 49  BEHR, Poesília – poesia pau-brasília. 2002. p. 54. 50  BEHR, inédito. 51  KOTHE, Flávio R. Ensaios de semiótica da Cultura. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. p. 193.

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Imagens arquitetônicas e urbanísticas costumam ser formas de doutrinação, declarações de valores, axiologias visuais, maneiras de manifestar preferências e declarar voto.52 O poder usa o recurso estético para se legitimar e parecer digno de admiração. Pretende-se ser algo grandioso, tornando os governantes intocáveis, enquanto deixa o resto da população embasbacada, querendo ser promovida a “servidor”, “como se sendo serviçais conseguissem se promover a imortais” 53. O imaginário coletivo brasileiro relaciona Brasília diretamente com a política e o poder. O pensamento comum é de que o brasiliense tá envolvido em falcatrua. Mesmo sendo já uma metrópole e centro cultural, o estigma de poder sobre Brasília é quase desarticulável. “Brasília também é isso, também é poder, mesmo que o poder não a mereça54”. O poeta comenta a relação do poder e Brasília falando sobre ressentimento dos “nativos” quanto ao “uso” da cidade de “terça a quinta”. “Usa a cidade sem ter nenhuma ligação afetiva, amorosa... Usa a cidade. Usa e vai embora” 55.

Os três poderes são um só: o deles56 Braxília é autogestionada. Utópica. O poeta admite que ainda vá demorar a alcançar uma cidade que não precise de ”aparatos repressores de controle social”. Braxília é uma cidade que não é a capital do país. Os artistas buscam separar Brasília do poder. Brasília foi criada em um momento de felicidade, entre duas ditaduras, (de Vargas e militar). Brasília é muito simbólica. Quer-se dissociar essa imagem: Existe aqui uma cidade alternativa, rebelde, roqueira, honesta, trabalhadora. Então Braxília seria o nome que Brasília poderia ter quando deixar de 52  Idem. p. 194. 53  Idem. p. 196. 54  BEHR, Nicolas. Diálogos – arquitetura e poesia: depoimento. [6 de junho, 2016]. Brasília: UnBTV. Entrevista concedida a Eduardo Rossetti. 55  Idem. 56  BEHR, Poesília – poesia pau-brasília. 2002. p. 55.

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ser capital57. A apropriação de Brasília é Braxília. Braxília são os atos espontâneos na cidade burocratizada. “Toda vez que acontece alguma coisa fora daquele setor, é Braxília acontecendo” 58. Ocupar os espaços é uma forma de reviver, ressignificar, o espaço coletivo, o quintal da cidade. É também uma maneira de declarar amor à cidade, assumi-la.

o poema é área pública invadida pela imaginação59 A setorização de Brasília aparece em diversos poemas nas três diferentes fases. Inicialmente, nos poemas curtos e diretos, relacionando a setorização com a racionalização da máquina e seu vocabulário.

SQS ou SOS60

no setor poético sul saio pela emergência no setor mortífero norte escapo pela válvula

57  BEHR, Nicolas. Diálogos – arquitetura e poesia: depoimento. [6 de junho, 2016]. Brasília: UnBTV. Entrevista concedida a Eduardo Rossetti. 58  Idem. 59  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 23. 60  BEHR, Iogurte com farinha. 1977.

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no setor de radioatividade sul aperto o botão de alarme

“vou entrar numas pra sair dessa e não cair em outra”61

Outro poema de Poesília utiliza o nome de um dos setores de Brasília para dar o tom humorístico dos versos. “Nicolas Behr não renega a cidade que o acolhe. Faz ela rir de si mesma, pra perder a sisudez, a indiferença e a empáfia.” 62 Ao supor que no setor de diversões há circo, o poeta recorre a uma de suas técnicas mais utilizadas para criação: ao subverter questões fixadas por Brasília a poesia surge irreverente, fruto de uma reorganização que gera novo conteúdo.

Onde você trabalha? trabalho no setor de diversões sul e o que você faz lá? sou palhaço63

61  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 74. 62  FREITAS, Conceição. Crônica da cidade – Quero ser Nicolas Behr. Correio

Brasiliense, 22 jun. 2012. Disponível em: <http://www.nicolasbehr.com.br/arquivos/cronica_da_cidade.pdf> Acesso em: 19 out. 2016. 63  BEHR, Poesília – poesia pau-brasília. 2002. p. 51.

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Kothe discute o simbolismo da cruz em Ensaios de Semiótica da Cultura, afirmando que a decisão da cruz traz consigo algo que remete a ideologia colonial ibérica. “se cria um congestionamento de tráfego e quatro partes para sempre separadas entre si” 64. Gera problemas práticos: além do congestionamento em horários de pico, dificulta a locomoção de ciclistas e pedestres.

Eixos Que se cruzam Pessoas Que não se encontram65 Fazer o traçado da cidade “como quem toma posse” do cerrado é a marcha para o oeste. Kothe nota que o pressuposto religioso do traçado pareceu aos envolvidos com a aprovação do projeto algo tão natural que nem se precisou discutir. Porem o autor problematiza sua simbologia que privilegia as religiões cristãs em detrimento das demais em um país onde a Constituição garante a liberdade religiosa. Arquitetos pensam que só fazem a projetação de coisas materiais, de fato projetam símbolos, visões de mundo e modos de vida. antes de qualquer traço, existem neles e através deles estruturas mentais, valores e postulados66·.

brasília nasceu de um gesto primário: dois eixos se cruzando, ou seja, o próprio sinal da cruz 64  KOTHE, Flávio R. Ensaios de semiótica da Cultura. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. p. 187. 65  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 11. 66  KOTHE, Flávio R. Ensaios de semiótica da Cultura. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. p. 222.

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como quem pede bênção ou perdão67

Behr reconhece o caráter religioso presente na cidade. O inicio de sua poesia é a transliteração das primeiras palavras do Relatório do Plano Piloto, seguidos pela proposição de que se pede bênção para o sucesso, ou perdão pelo fracasso. Em outros poemas do livro Braxília, continua explorando o caráter religioso e a “beatificação” dos personagens heroicos da cidade, sempre com ironia e crítica:

evangelho da realidade contra jotakristo segundo são lúcio

naquele dia, jotakristo, subindo aos céus num pé de pequi, disse aos candangos: felizes os que construíram comigo esta cidade pois irão todos para as satélites68

Gaston Bachelard trata sobre a antropologia da imaginação, apontando como a dialética de exterior e interior incentiva a expressão poética para obter significação em meio a repetição de espaços abertos. “o excesso de espaço sufoca-nos muito mais do que a sua falta”69 67  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 1. 68  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 86. 69  BACHELARD, Gaston. Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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Brasília É isso mesmo Que você está vendo Mesmo que você Não esteja Vendo nada70

Para o autor, contemplar a imensidão é uma característica filosófica do devaneio que determina um estado de alma que nos afasta do mundo mais próximo diante da infinitude. “... os poemas são realidades humanas; não basta referir-se a “impressões” para explicá-las. É preciso vivê-las em sua imensidão poética.”

o que mais fascina em brasília? a cidade ou o poder? o céu71 Fruto do fascínio do poeta, não deixa de ser alvo dos jogos de palavras. Behr combina duas expressões populares de modo a ressignificá-las: o consenso dos brasilienses de que “o céu é nosso mar” e a expressão popular “sem sal”, que significa o insosso, que é comum, sem atrativos diferenciados.

O céu É nosso mar Mar sem sal72 70  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 9. 71  BEHR, A teus pilotis. 2014. p. 20. 72  BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 25.

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conclusão Behr comenta sobre seu hiato entre 1980 e 1993, afirmando que se recolheu porque se sentia muito exposto após primeira fase de sua publicação e por ser frequentemente associado como “o poeta da cidade”. Quando volta a publicar em 1993, seus versos apresentam aprofundamento teórico e desenvolvimento da própria linguagem do poeta. Os versos que eram antes curtos e diretos se tornam mais longos e utilizam mais das figuras de linguagem para estabelecer comparações, ironias e subjetividades. Na publicação de retorno Porque construí braxília, somos apresentados à cidade poética do autor.

[...] o S que se converte em X assinala a busca da cidade que nunca foi. Mito inalcançável, cujo lugar foi usurpado pelo humano. Poetas – e Nicolas Behr não escapa – não sabem bem o que buscam. Soubessem, não seriam poetas, mas cientistas. De um lado, Behr faz de seu poema uma denúncia da ilusão: ‘Quem pensou que Brasília seria eterna dançou’. De outro, afasta-se das exigências da realidade, para fazer da poesia o caminho do impossível [...] que o X, vem assinalar. [...] Nesse segundo movimento, a capital ocupa o lugar divino. Pergunta-se, como se ajoelhasse: ‘que cidade é essa/ que amo/ mais do que eu?73.

O encontro com as mazelas de Brasília gera no poeta profundas decepções acerca de seu espaço de segregação e relação com o poder. Para além das críticas, Behr é apaixonado por sua cidade, fala dela como quem fala de uma amante.

brasília de carnes exatas emoções curvilíneas meu reto querer

73  CASTELLO, José. A Brasília de Nicolas Behr. O Globo, 18 dez. 2010.

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te desejo me desejas?74

Durante o estudo foi possível perceber que a produção de Behr avança conforme evolui seu relacionamento com a cidade. Por vezes Braxília e Brasília se confundem, é “namorar embaixo do bloco”, “nadar e pescar no lago Paranoá”. Em outros momentos Braxília é tão utópica que parece inatingível: quando será possível alcançar uma cidade autogestionada? Será possível? Braxília é um atestado de amor pela cidade. Diz, se desculpando, “Brasília precisa de mim” 75. Acredita que a cidade é incompreendida e injustiçada. Precisa do poeta e das pessoas para ser reconstruída. Não uma reconstrução física, mas uma reconstrução humana. Intervenções urbanas, ocupar o “canteiro coletivo”, atestar o amor pela cidade. Defender e estudar Brasília. Defender e reconciliar a população com o cerrado. Atitudes que são uma forma de resistência, de assumir a cidade julgada como fria e burocrática. Destruir a imagem de Brasília:

destruir Brasília foi a única forma que os brasilienses encontraram para preservá-la76

Braxília é o cotidiano de Brasília, é Brasília não-poder, não-capital. O que ama é seu cotidiano, sua poesia é fruto da vivência dos espaços urbanos. Na cidade que monumentalizou o cotidiano, o cotidiano corriqueiro e simples é a utopia. Braxília é a exalta74  BEHR, A teus pilotis. 2014. p. 80. 75  BEHR, Nicolas. #MINHABRASILIA – Nicolas Behr. Brasília. 2 jan. 2014. Entrevista concedida a Daniel Zukko. 76  BEHR, A teus pilotis. 2014. p. 20.

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ção da vida cotidiana. Publica em Poesília um relato corrido, criado como o fluxo das memórias. A poesia é completa de vivências, referências (“religião urbana”, como referência a banda legião urbana, por exemplo) autorreferências (a outras poesias) e lembranças das pessoas que construíram Braxília:

maria mercedes dos anjos alvim joga a chave, meu bem, joga o jorge você está aqui mas aqui não está ninguém aluisio batata, o flautista doce turiba & kiprokó por toda parte chico, mestre, agüentando a gente, e nas horas vagas, moendo carne vidas erradas, vidas passadas (doeu?) Detrito Federal e DF-car sexoral é bom no ponto de ônibus senta que vai demorar cabeças (viva néio lúcido, viva!) fazeolos vulgaris, for people pereira e sua mala (upj sabe!) sempre nove, ah sempre nove punk não se espanque azeitonas enguiçando as escadas rolantes da rodoviária

41


(azeitonas más, expulsas do paraíso dos pastéis) colina, a outra tribo, religião urbana um telefone pra quem mora no gama é pouco no plano pilouco ministéricas77 – saudades da leninha a descoberta do beijo na boca em goiânia, no carnaval, a primeira transa foi sobre a bandeira nacional tudo para todos damata queimou o filme da janis circuito: escola parque-galpão-beirute pela primeira vez – eu amo brasília – meus amigos mortos, alguns outros sãos e salvos na casa da noélia78 foi assim que construímos braxília foi assim que começamos a sentir saudades de vocês79

77  teus ministérios

minhas ministéricas BEHR, Braxília revisitada vol. I. 2004. p. 18. 78  Nossa Senhora do Cerrado protetora dos pedestres que atravessam o eixão às seis horas da tarde fazei com que eu chegue são e salvo na casa da Noélia. BEHR, Vinde a mim as palavrinhas. 79  BEHR, Poesília – poesia pau-brasília. 2002. p. 72-73.

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Braxília não é só construída pela palavra, mas também por pessoas. Assim como o poeta afirma que “Brasília é a maior realização coletiva do povo brasileiro”80, Braxília também é uma construção coletiva. Behr lista em sua poesia nomes que foram agentes da poesia marginal e da contracultura. Alguns, como ele, vieram pra Brasília logo após sua construção e ocuparam a cidade com poesia, musica e arte:

um poeta como nicolas behr brasília não verá tão cedo

radical, profundo, se entregando em cada linha, se expondo como nenhum outro poeta até hoje se expos. tipo rimbaud

seremos lembrados no futuro wagner hermuche, turiba, bené fonteles, odeth ernest dias, joão antonio, maura baiochi, eliana carneiro, cassia eller, hugo rodas, reza, nanche las casas, maravalhas, aluísio batata, renato russo, pereira, néio lucio, cassiano nunes, tt catalão, athos bulcão, fernando villar, vitor alegria, ivan silva, toninho maya, 80  BEHR, Nicolas. Diálogos – arquitetura e poesia: depoimento. [6 de junho, 2016]. Brasília: UnBTV. Entrevista concedida a Eduardo Rossetti.

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galeno, rômulo andrade, regina ramalho, francisco alvim, chico chaves, clodo, climério, clésio, renato matos, chacal, paulinho andrade, omar franco, eudoro augusto, vicente sá81

Braxília é, portanto, mais do que uma imagem poética, um movimento social. Nela, vários agentes contribuem na construção coletiva da identidade. Construção que questiona, ocupa os espaços, ressignifica valores e expõe o que é por vezes ofuscado pelo poder, burocracia e “discurso oficial”. Como resultado tem-se uma leitura que rompe com os paradigmas dogmatizados:

A leitura alternativa não é logo por si uma leitura melhor, correta, definitiva (o que não significa que ela não possa ser tudo isso). Ela permite, porém, que se faça a leitura do habitual em sua identidade, como algo que se identifica como tendo determinada perspectiva, que não é a própria coisa, mas apenas um modo de ver.82

É feita pelos “rebeldes, roqueiros, honestos e trabalhadores”. Behr compara o burocrata (que mora em Brasília) com o poeta (de Braxília):

81  BEHR, Poesília – poesia pau-brasília. 2002. p. 64. 82  KOTHE, Flávio R. Ensaios de semiótica da Cultura. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. p. 201.

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O BUROCRATA / O POETA a impessoalidade / o abraço a mesa / qualquer lugar a hierarquia / o verso livre a morosidade / a amorosidade a autoridade / o subversivo a lei / a imaginação o clips / a língua solta o repetidor / o criador o robô / o demasiadamente humano o estável / o instável a eficiência / a tolerância o funcionário / o libertário o cargo / o indefinido o protocolo / o poema no colo a inflexibilidade / a vara de bambu a carreira / o poeta sem meta a rotina / a ratoeira da retina o que repete / o que cria o carimbo / a inspiração o obediente / o visionário a regra / a ideia o indestrutível / o imortal o certinho / o mal diagramado

45


a decisão / o sentimento a certeza / o devaneio o burocratês / a linguagem a certeza / o eu nunca sei o jargão / o jorjão o bão a fila / o passe livre o previsível / o imprevisível o não / a possibilidade a obediência / a transgressão o ofício / o lírico o sim senhor / o trovador o conformado / o inconformado o processo / a licença poética a organização / o livre-pensar a estrutura / a literatura o poder / o outro querer o oficial / o banal a coerção / o espírito livre o determinado / o campo minado o monótono / o encantador a eficácia / a acácia o repressor / o lúdico o documento / este poema83

83  BEHR, A teus pilotis. 2014. p. 85.

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Brasília foi uma cidade criada pela ousadia. A ousadia faz parte da história de Brasília e de Behr. Em um momento o poeta embatia a repressão da ditadura, agora combate outros inimigos: a impessoalidade, a exclusão, a morosidade, a regra, o conformado, o poder, a coerção e as formas de autoritarismo. O poeta dá o nome a um espaço imaginário como se dissesse: se você não se encaixa em Brasília, pode vir pra Braxília. Usando os adjetivos do próprio poeta Braxília é: subversiva, libertária, demasiadamente humana, visionária, lírica, inconformada, lúdica. Lugar de livre-pensar e ser espírito livre.

a qual Brasília você pertence? à cidade-musa ou à cidade-mosca? à cidade dos parasitas ou a dos rebeldes parasitas?84

Diz-nos: tem mais de uma Brasília, a qual você pertence? Eu sou de Braxília.

BRASÍLIA PARA OS BRAXILIENSES!!!85

84  Idem. p. 71. 85  Idem. p. 79.

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referências *as publicações do Nicolas Behr estão organizadas em ordem cronológica. **a bibliografia utilizada para elaborar esse ensaio está em ordem alfabética.

Do autor: Iogurte com farinha – agosto de 1977. Grande circular – junho de 1978. Caroço de goiaba – julho de 1978. Chá com porrada – julho de 1978. Bagaço – maio de 1979. Com a boca na botija – junho de 1979. Parto do dia – julho de 1979. Elevador de serviço – agosto de 1979. Põe sai nisso! – agosto de 1979. Sempre viva – agosto de 1979. Posições – agosto de 1979. Entre quadras – agosto de 1979. Te amo 24 horas por segundo – dezembro de 1979. Brasiléia desvairada – setembro de 1979. Saída de emergência – setembro de 1979. Kruh – outubro de 1979. 303-F-415 – julho de 1980. L2novesforaW3 – novembro de 1980. Por que construí braxília – 1993. Beijo de hiena – 1993. Pelas lanchonetes dos casais felizes – 1994. Segredo secreto – 1996.

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Estranhos fenômenos: poesia reunida – 1977. Viver deveria bastar – 2001. Umbigo – 2001. Poesília (poesia pau-brasília) - 2002 Menino diamantino – 2003. Peregrino do Estranho – 2004. Braxília revisitada vol. I- 2004. Restos Vitais (coletânea) – janeiro de 2005 Vinde a Mim as Palavrinhas (coletânea) – junho de 2005 Primeira Pessoa (coletânea) – outubro de 2005. Iniciação à Dendrolatria – 2006

BACHELARD, G. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008. BASTOS, L.Camargo, M. Do fenômeno poético à experiência urbana. 114 f. Dissertação (Mestrado em Literatura) – Programa de Pós-Graduação em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. BEHR, Nicolas. Laranja seleta. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2007. ____. Poesília: poesia pau - brasília. Brasília: LGE, 2005. ____. Primeira pessoa. Brasília: LGE, 2005. ____. Braxília revisitada. Brasília: LGE, 2005. Vol.I. ____. Menino Diamantino. Brasília, 2003. ____. Brasília é minha obsessão poética – entrevista com Nicolas Behr: depoimento. [7 de fevereiro, 2014]. Brasília: Revista Amálgama. Entrevista concedida a Viviane C. Moreira. ____. Diálogos – arquitetura e poesia: depoimento. [6 de junho, 2016]. Brasília: UnBTV. Entrevista concedida a Eduardo

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Imagens Sumário e Capítulo 1: Fotografias de Marcel Gautherot Fonte: <http://www.archdaily.com/303639/the-construction-of-brasilia-photos-by-marcelgautherot> Capítulo 2: Fotografia de Alexandre Fortes. Fonte: <https://preegrafite.wordpress.com/2014/04/27/exposicao-retrata-personagens-que-daocara-a-brasilia/>

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