Periferias: da militância ao ativismo | TFG FAUUSP

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PERIFERIAS da militância ao ativismo



ANA CRISTINA DA SILVA MORAIS Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

orientadora MARIA DE LOURDES ZUQUIM orientadores KARINA OLIVEIRA LEITÃO metodológigos JOÃO S. WHITAKER FERREIRA

PERIFERIAS da militância ao ativismo FAUUSP 2018



“A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.” Frei Betto



RESUMO

Este trabalho tem como objetivo compreender e mapear as atuais resistências políticas nas periferias de São Paulo. Para isso, recorre à cartografia de espaços ligados às lutas populares nos distritos do Campo Limpo e Capão Redondo e a quatro estudos de caso de iniciativas atuantes nessa região. Além disso, realiza reflexões acerca do que são as periferias hoje e da atuação do Arquiteto e Urbanista comprometido com a busca por uma sociedade menos desigual.


11 APRESENTAÇÃO

1 LUTAS URBANAS NAS PERIFERIAS DE SÃO PAULO 18

18 21

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1.1. TRÊS MOMENTOS a. CEBs, SABs e novos partidos: 1970-1980 b. Esvaziamento político e neoliberalismo: 1990 c. Redes e coletivos: 2000-2010 1.2. DA MILITÂNCIA AO ATIVISMO

2 O QUE SÃO AS PERIFERIAS HOJE?

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2.1. HETEROGENEIDADE

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a. Economia

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b. Sociedade

53 68

c. Território 2.1. “PERIFERIA [AINDA] É PERIFERIA”


3 UMA APROXIMAÇÃO COM O “CHÃO”: CAMPO LIMPO E

CAPÃO REDONDO

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3.1. LEVANTAMENTO CARTOGRÁFICO

89 3.2. O QUE ACONTECEU COM AS SOCIEDADES AMIGOS DE BAIRRO? 89

a. Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia

93

b. Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia

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c. Reflexões

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3.3. O QUE HÁ DE NOVO? É NOVO?

98

a. Espaço CITA

103

b. Historiorama

107

c. Quem é esse “novíssimo sujeito”?

110

d. Reflexões

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3.4. REFLEXÕES

4 ARQUITETO ÚTIL NA MILITÂNCIA E NO ATIVISMO PERIFÉRICOS 129

4.1. ARQUITETOS MILITANTES

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4.2. ARQUITETOS ATIVISTAS

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a. PIU do Terminal Campo Limpo: uma experiência

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b. Reflexões

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

161 ANEXOS



APRESENTAÇÃO Explicar de onde parte a motivação para este trabalho é complicado. Nasci em uma família de migrantes, que chegou em São Paulo na década de 1970 – minha mãe saindo de Minas Gerais, meu pai do Rio Grande do Norte. Chegando em São Paulo, como toda massa trabalhadora do período, meus pais foram jogados para a periferia da cidade, especificamente, para o Jardim Macedônia, no distrito do Capão Redondo, onde moramos até hoje. Na década de 1980, na luta por infraestrutura e melhorias urbanas, meus pais, por meio da Igreja Católica do bairro, aproximaram-se do PT, ajudando, assim, a construir o partido a partir do “chão”. Nasci em 1992 e meus pais militaram no PT até 2002 – ano em que Lula foi finalmente eleito presidente do Brasil –, assim, parte dos meus dez primeiros anos de vida foi vivida em reuniões de comunidade, campanhas políticas, comícios e mutirões, em que ficava claro para mim a luta de meus pais contra a despolitização da atuação da Igreja Católica e contra o clientelismo e burocratização que, na época, já começavam a tomar conta do partido. A emancipação de minha família nos movimentos de base possibilitou que eu, mesmo na periferia, crescesse em uma condição privilegiada, com foco na educação e sendo sempre instigada a ter uma concepção crítica da realidade. Por conta desse privilégio, consegui entrar numa universidade pública, num curso concorrido e elitizado, em que, em especial no início da graduação, haviam poucas pessoas de fora do círculo social da classe média paulistana. Dessa forma, o início do curso de Arquitetura e Urbanismo foi um choque, além de eu não entender do porquê a história de luta de minha família ser assunto de algumas disciplinas de Planejamento Urbano. Nesse contexto, uma das minhas maiores questões durante a graduação foi a maneira como as periferias são tratadas na academia, especificamente, na FAUUSP. De modo geral, devido

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ao fato dos bairros periféricos, desde meados da década de 1990, não constituírem um campo de estudo sólido dentro da área do Planejamento Urbano e Regional, as periferias são tratadas pela universidade como se ainda estivessem nas décadas de 1970 e 1980, período em que diversos arquitetos, incluindo alguns professores meus, estiveram ao lado do povo na luta por melhorias urbanas e infraestrutura. Além disso, ao longo da graduação, participei de alguns projetos de extensão universitária, em que, por meio do trabalho prático, emergiram diversas contradições da academia, nas quais eu e meus amigos graduandos também estamos incluídos. Em muitos desses trabalhos, em especial no início das atividades, acontecia uma espécie de choque de classes sociais, ficando claro as diferenças entre estudantes da Universidade de São Paulo e o povo. Com essa dicotomia, sempre me veio a dúvida: afinal, sou povo ou sou universidade? Num país em que universidade, em especial a pública, não é povo e o povo não é universidade, onde eu – moradora da periferia, filha de migrantes e estudante da FAUUSP – me encaixo? Colocado esses pontos, este trabalho – que tem como objetivo compreender e mapear as atuais resistências políticas nas periferias de São Paulo – parte de uma questão que sempre esteve presente em minha vida, as lutas políticas populares. Além disso, traz uma reflexão sobre o que são as periferias hoje, resultado das minhas inquietações de como os bairros periféricos são atualmente tratados pela universidade. Por fim, o trabalho reflete sobre a atuação do Arquiteto e Urbanista comprometido com a busca por uma sociedade menos desigual. Essa questão, na verdade, é uma reflexão de como eu enxergo minha própria atuação política como moradora da periferia e, agora, arquiteta e urbanista, acabando, assim, com a dicotomia que me perseguiu durante a graduação e compreendendo que sou, ao mesmo tempo, povo e universidade. Assim, em alguns momentos de elaboração deste TFG, alguns pontos

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foram difíceis de serem colocados, porque, a mim, pareciam ser bastante pessoais. Além disso, como parte de reflexões livres e quase pessoais, este trabalho não apresenta hipóteses a serem comprovadas ou refutadas e também não apresenta nenhuma proposta projetual, como talvez se espera de um Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo. Cabe ressaltar, no entanto, que as questões colocadas a seguir, de certa forma, têm como objetivo embasar uma atuação prática, em especial, do Arquiteto e Urbanista. Assim, este trabalho não nega a importância da proposta para as ciências sociais aplicadas. Pelo contrário, acredito que a proposta – não o “projeto autoral” desprendido da realidade – é uma ferramenta importante para construção de processos emancipatórios e libertários. Metodologicamente, o trabalho recorreu à cartografia de locais ligados às lutas populares em parte dos distritos do Campo Limpo e Capão Redondo e a quatro estudos de caso de iniciativas atuantes nessa região: Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia (ACAM), antiga Sociedade Amigos de Bairro (SAB); Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia; Espaço CITA, e Historiorama. Esse recorte territorial foi definido, em primeiro lugar, por ser onde moro e, portanto, já tinha uma inserção e conhecimento. Além disso é uma região que carrega um histórico de lutas populares e é bastante heterogênea socioeconômica e territorialmente, representando, assim, as atuais desigualdades das periferias. Os estudos de caso também foram definidos, principalmente, por uma aproximação pessoal. O Jardim Macedônia, onde estão dois dos casos, é onde moro e onde meus pais nasceram politicamente, ajudando a construir a antiga SAB. O Espaço CITA e a Historiorama são iniciativas das quais comecei a me aproximar no ano passado, ainda de maneira muito tímida, acompanhando, assim, as atividades que estão sendo desenvolvidas por eles. Além disso, os quatro casos são bons exemplos das diferentes iniciativas existentes hoje nas periferias. Dentro desses estudos de caso, foram realizadas

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quatro entrevistas qualitativas com membros dessas entidades. Ademais, para um melhor entendimento dos atuais movimentos sociais periféricos, foram realizadas outras duas entrevistas com agentes dessas lutas. Este trabalho está relacionado com o fechamento de três ciclos. Em primeiro lugar, um pessoal de fechamento de minha graduação. Depois, o fechamento de um ciclo da Reforma Urbana (MARICATO, 2014), ou seja, do processo iniciado durante a ditadura militar na luta de arquitetos e urbanistas nos bairros periféricos. Por fim, o fechamento de um ciclo progressista no governo federal, iniciado com a eleição de Lula, em 2002, e com seu fim marcado com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e consolidado, em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro. Dessa forma, com o encerramento desses dois últimos ciclos e o avanço do conservadorismo, vivemos hoje a necessidade de reconstrução do campo progressista brasileiro, compreendendo para isso os erros cometidos nos últimos anos e as atuais possibilidades de atuação. Este trabalho entra neste contexto, defendendo que essa reconstrução, como todo ciclo de insurgência política, deve partir das periferias e refutando a ideia de que é necessário “retomar o trabalho de base”, uma vez que, como será visto, a base – não a que se burocratizou – nunca deixou de se movimentar. Além disso, este trabalho também está inserido na necessidade de compreendermos o que são as periferias hoje. As eleições deste ano mostraram que parte do campo progressista não entendeu que nas últimas duas décadas as periferias se transformaram. Ainda mais, esse campo, de modo geral, não entendeu o que seu afastamento da realidade com sua ida para a institucionalidade significou para os bairros periféricos. Assim, para a reconstrução do campo progressista também é necessário o entendimento das atuais dinâmicas das periferias, questão que merece estudos mais aprofundados do que os realizados neste trabalho. Por estar inserido na necessidade dessa

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reconstrução, este trabalho focaliza as dinâmicas que ocorrem hoje nos bairros periféricos, buscando compreender os diferentes processos que resultaram na atual conjuntura em que vivemos. Em tempos de “Escola sem Partido”1 e perseguição aos ensinamentos de Paulo Freire, este trabalho também se coloca como uma afirmação política da importância do pensamento crítico embasado na realidade da maior parte da população brasileira para a construção de processos emancipatórios e libertários – como ocorreu com minha própria família. Ainda mais, coloca-se como uma afirmação da autonomia do povo periférico para a construção de sua própria luta e história, o que não impede, no entanto, que esse processo ocorra conjuntamente com outros campos da sociedade. O trabalho está estruturado em cinco capítulos. O Capítulo 1 contextualiza o histórico de lutas empreendidas pelo povo nas periferias de São Paulo. Assim, é colocado que nos bairros periféricos houve dois diferentes ciclos de insurgência política: um militante – iniciado nas décadas de 1970 e 1980 – e outro ativista – iniciado na década de 1990 e consolidado a partir dos anos 2000. Essa temporalidade, “da militância ao ativismo”, nomeia o trabalho. O Capítulo 2 reflete sobre o que são as periferias hoje, partindo do entendimento de sua heterogeneidade causada pelas desigualdades intraperiféricas. Para isso, recorre a diversos dados socioeconômicos e cartografias de São Paulo. O Capítulo 3 apresenta o levantamento cartográfico realizado em parte dos distritos do Campo Limpo e do Capão Redondo de locais ligados às lutas populares, bem como os quatro estudos de caso. Ainda que seja apresentado um histórico de lutas da região e dos casos, este capítulo focaliza o hoje para o entendimento das atuais iniciativas políticas em movimento nas periferias. O Capítulo 4 reflete sobre a atuação do Arquiteto e Urbanista comprometido com as problemáticas urbanas da periferia

Projeto que se coloca contra uma suposta “doutrinação ideológica” existente nas escolas e universidades públicas do Brasil.

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do capitalismo, buscando compreender a relação desse profissional com os dois diferentes ciclos de insurgência política periférica colocados pelo trabalho. Além disso, traça algumas possíveis direções para a atuação desse campo profissional. Por fim, o Capítulo 5 apresenta as considerações finais deste trabalho, colocando possíveis caminhos para a reconstrução do campo progressista.

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1. Lutas urbanas nas periferias de SĂŁo Paulo 17


1.1. TRÊS MOMENTOS a. CEBs, SABs e novos partidos: 1970-1980

As periferias da cidade de São Paulo, desde sua explosão demográfica na década de 19701, constituíram-se como territórios precursores de insurgência de ações e movimentos sociais populares. Pode-se dizer que esse processo é resultado das condições socioespaciais de precariedade e segregação colocadas às periferias, que forçam seus moradores à organização, à mobilização e à resistência. Durante as décadas de 1970 e 1980, essa emergência política veio de uma classe trabalhadora migrante, advinda, principalmente, do nordeste do país, expulsa do campo pela concentração fundiária, por um processo de modernização de alguns setores da produção rural destinada, em especial, à exportação e pela precariedade do trabalho (MARICATO, 1996). Essa população era atraída às cidades que se industrializavam, constituindo a nova força de trabalho de uma sociedade e economia urbanas. No entanto, contraditoriamente, enquanto construíam a cidade moderna ou prestavam serviços domésticos às classes altas e médias, esses trabalhadores pobres eram jogados para as periferias da cidade, distantes dos centros urbanos, onde passaram a viver em condições precárias, tendo, como única alternativa, autoconstruir, parceladamente em vários anos, sua moradia. Esse processo é chamado por Ermínia Maricato (1996, p. 43) de “urbanização com baixos salários”, em que “(...) nem os salários pagos pela indústria e nem as políticas públicas de habitação são suficientes para atender as necessidades de moradias regulares, legais”. Ou seja, nem o trabalhador formal da indústria, que recebia pelo menos um salário mínimo, conseguia arcar com o custo da moradia. Além da autoconstrução da habitação, essa classe trabalhadora 1 “De 1940 a 1980 a população urbana passa de 26,35% do total para 68,86%” (MARICATO, 1996, p. 40).

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precisou se organizar para conquistar serviços básicos como transporte, água, esgoto, energia elétrica, asfalto, educação e saúde. Em plena Ditadura Militar, essa organização popular se encobria em dois pontos: o fato de estar distante dos olhos do Regime nas periferias da cidade e a proximidade com a Igreja Católica. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) eram, nesse período, espaços formativos de emancipação, resistência e construção popular frente às questões urbanas. Segundo Frei Betto (1985, p. 7), as CEBs: São comunidades, porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertencem à mesma igreja e moram na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras. São eclesiais, porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidade de fé. São de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas-de-casa, operários, subempregados, aposentados, jovens e empregados dos setores de serviços, na periferia urbana.

Os sacerdotes das CEBs fundamentavam a ação coletiva da comunidade na Teologia da Libertação2, tendo “o pobre concreto, suas opressões, a degradação de suas vidas e os padecimentos (...) que sofre” (BOFF, 2014, p. 11) como ponto central. Dessa forma, a partir do método ver-julgar-agir, embasado na realidade local, na práxis e na dialética, buscavam, em comunhão, a libertação do povo oprimido morador da periferia. Paralelamente às CEBs estavam as Sociedades Amigos de Bairro (SABs). No geral, a SAB surgia depois da CEB de duas formas: pela

2 A Teologia da Libertação é uma corrente teológica cristã, originada, a partir da década de 1960, na América Latina e que parte de uma leitura das condições econômicas, políticas e sociais de opressão colocadas aos pobres, utilizando uma interpretação da vida de Jesus Cristo para formação e ação políticas. No Brasil, estão ligados a essa corrente nomes como os irmãos Leonardo e Clodovis Boff, Frei Betto, Paulo Freire, Pedro Casaldáliga, Paulo Evaristo Arns, Zilda Arns, entre outros.

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construção coletiva a partir dos moradores ligados à CEB que viam na SAB uma maneira de fortalecer e consolidar sua luta, ou, na conquista, por meio de eleições, da SAB clientelista já existente. A atuação das CEBs e das SABs teve seu ápice na década de 1980, num momento de abertura política e após a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) no ano de 1980, tendo sido fundamentais para o surgimento deste. Ainda que nem toda CEB ou SAB estivesse ligada ao PT, o Partido dos Trabalhadores catalisou suas pautas, organizando a luta da classe trabalhadora em um partido de esquerda com uma base popular legítima e combativa. Para o campo de estudo progressista do Planejamento Urbano e Regional, esse contexto foi fundamental para a formação de diversos urbanistas, como Ermínia Maricato, Raquel Rolnik e Nabil Bonduki, que se somavam à luta da classe trabalhadora nas periferias de São Paulo e foram responsáveis por consolidar um campo de estudo e atuação crítico sobre a cidade da periferia do capitalismo. Paralelo a isso, junto com a Assembleia Nacional Constituinte, foi a base do movimento pela Reforma Urbana, que possui “(...) como valor básico, a politização da questão urbana através da crítica e denúncia do quadro de desigualdade social que marca o espaço urbano das cidades do país” (SILVA, 1991, p. 7).3 Esse processo culminou em 1988 na eleição da candidatura petista de Luiza Erundina à Prefeitura do Município de São Paulo. Até os dias de hoje, essa gestão é referência por, mesmo governando com minoria na Câmara de Vereadores, instituir programas revolucionários como o FUNAPS Comunitário, que financiou a construção de moradias por mutirões autogeridos. Além disso, é uma gestão lembrada pela qualidade de seu corpo técnico, tendo como secretários nomes como Erminia Maricato, Marilena Chauí, Paulo Freire, Paul Singer, entre outros. Essas questões serão abordadas no capítulo 4. Arquiteto útil na militância e no ativismo periféricos deste trabalho.

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Para James Holston (2013), a experiência da classe trabalhadora de sofrer a cidade e de construir a cidade produziu novos tipos de cidadãos, criando alternativas às relações clientelistas de dependência. Ou seja, para o autor, as difíceis condições de vida dos pobres migrantes fizeram insurgir, a partir das lutas pela cidade, uma nova forma de cidadania, baseada em três processos centrais: O primeiro criou uma nova esfera pública alternativa de participação, através da qual eles exigiram suas necessidades em termos de direitos – direitos de cidadãos que contemplavam suas práticas urbanas e constituíam uma agenda de cidadania; o segundo forneceu uma nova compreensão da fundamentação desses direitos e de sua dignidade como portadores de direitos; e o terceiro transformou a relação entre o Estado e o cidadão, gerando novos arcabouços legais, instituições participativas e práticas de tomada de decisão (HOLSTON, 2013, p. 304).

O autor afirma ainda que, embora emaranhada com o passado, essa nova cidadania é uma evolução sem precedentes da democracia do Brasil e enfatiza “(...) que a esfera da participação cívica insurgente iniciada nos bairros empobrecidos autoconstruídos das periferias, na ilegalidade e na desigualdade, gerou uma transformação nacional da cidadania” (HOLSTON, 2013, p. 326), indo do local para o nacional. Um exemplo desse processo foi a Constituição Federal de 1988, que, a partir de uma demanda popular advinda do movimento pela Reforma Urbana, instituiu o capítulo referente à Política Urbana em seu texto – artigos 182 e 183 –, estabelecendo, assim, a função social da cidade e da propriedade. b. Esvaziamento político e neoliberalismo: 1990

A Constituição Federal de 1988 também marcou o início de um processo de alargamento de espaços para a participação da sociedade civil na tomada de decisões referentes às políticas públicas. Ocorreu, portanto, em certa medida, um deslocamento da energia

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de reinvindicação e protesto popular para a institucionalidade. No mesmo período, a partir da década de 1990, houve o avanço de medidas neoliberais de enfraquecimento do Estado preconizadas pelo Consenso de Washington e pautadas pela globalização e pela lógica de mercado. Esse processo conforma, segundo Evelina Dagnino (2004), uma “confluência perversa” entre um projeto político democratizante e participativo e outro neoliberal, que, mesmo sendo antagônicos, utilizam referências comuns como participação, sociedade civil, cidadania, democracia. Para a autora, a perversidade está colocada no fato da utilização confusa dessas referências e discursos, ocorrendo um deslocamento de significados e a consequente obscuridade entre referenciais utilizados em cada um dos projetos. Nesse contexto – após o impeachment de Fernando Collor de Mello e a posse de Itamar Franco em 1992 –, o advento do Plano Real em 1994 e a eleição de dois mandatos consecutivos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) consolidaram “(...) um projeto de Estado mínimo que se isenta progressivamente de seu papel de garantidor de direitos, através do encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade civil” (DAGNINO, 2004, p. 96). Na escala local, após o mandato de Luiza Erundina (1989-1992), ocorreu a eleição da dobradinha Paulo Maluf - Celso Pitta4 (19931996 e 1997-2000). Essas gestões, além dos escândalos de corrupção, ficaram marcadas pelo desmonte e privatização dos serviços públicos, como o Plano de Atendimento à Saúde (PAS) na área da saúde e o Projeto Cingapura na habitação, que abandonou os mutirões autogeridos da gestão petista para a construção em massa de unidades habitacionais, em um processo verticalizado, com o Na campanha de Celso Pitta para a prefeitura de São Paulo, Paulo Maluf cunhou a frase: “Se o Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim”. O mandato de Celso Pitta foi, historicamente, o mais rejeitado pelos paulistanos e essa frase foi relembrada diversas vezes nas candidaturas posteriores de Paulo Maluf.

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favorecimento de empreiteiras e desconsiderando a relação dos conjuntos com o entorno e o restante da cidade. Nesse cenário de enfraquecimento do Estado, as periferias assistiram ao aumento abrupto da violência urbana. O ano de 1992, entre outras coisas, ficou marcado pela intervenção da Polícia Militar na Casa de Detenção de São Paulo, episódio conhecido como Massacre do Carandiru, resultando na morte de 111 detentos. Para Tiarajú D’Andrea (2013, p. 54), esse episódio, a mais violenta ação da história do sistema prisional brasileiro, “evidenciou como nenhum outro a violência estatal contra populações marginalizadas”. Nos anos seguintes, a taxa de homicídios no município de São Paulo cresceu vertiginosamente, atingindo, em 1999, o pico de 66,8 homicídios a cada 100.000 habitantes (Gráfico 1). Nesse período, em 1996, o Jardim Ângela, na Zona Sul, foi considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o bairro mais violento do mundo, conformando com os distritos vizinhos do Jardim São Luís e Capão Redondo, área de estudo deste trabalho, o denominado “triângulo da morte”. Essa violência era causada, além da ação contraditória do Estado, pela disputa territorial pelo controle do tráfico de drogas entre diferentes facções e a guerra dessas facções contra a polícia. Dessa forma, nessa época, tiroteios e assassinatos eram comuns no cotidiano dos moradores das periferias. 80 70 60 50 40 30 20 10

2005

2004

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2002

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1996

1995

1994

1993

1992

1991

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1990

Gráfico 1: Taxa de homicídios a cada 100.000 habitantes entre 1990 e 2005. Fonte: DATASUS, Indicadores de Dados Básicos (IDB) 2011 para o Município de São Paulo.

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Somado a isso, na década de 1990, também ocorreu uma ofensiva contra as CEBs colocada pela Igreja Católica. Tendo como objetivo a derrubada da Teologia da Libertação na América Latina, acusada de heresia e de doutrinação marxista, o Vaticano, desde a década anterior, iniciou uma série de medidas para barrar o avanço dessa corrente sobre o continente. Em São Paulo, essa ofensiva ocorreu, concretamente, no ano de 1989, quando o Papa João Paulo II determinou o desmembramento territorial da Arquidiocese de São Paulo, comandada, até então, pelo franciscano Dom Paulo Evaristo Arns. Assim, a Arquidiocese de São Paulo foi separada em quatro novas Dioceses – Osasco, Campo Limpo, São Miguel Paulista e Santo Amaro. Com essa medida, o comando da Igreja Católica em São Paulo saiu de Arns e passou para bispos conservadores ligados ao Vaticano, que assumiram com o objetivo e orientação de acabar com as CEBs e, consequentemente, com a Teologia da Libertação. Dessa forma, padres progressistas atuantes nos bairros periféricos de São Paulo foram transferidos para outras regiões, resultando, aos poucos, na perda da ação política e formativa da Igreja5. Paralelamente ao enfraquecimento das CEBs e em consonância com a política neoliberal de diminuição do papel do Estado, durante a década de 1990, ocorreu, a partir da atuação de diversas Organizações não Governamentais (ONGs) e das Fundações Empresariais, o crescimento do Terceiro Setor. Assim, tendo como ênfase a filantropia e isentando-se da formação política, as ONGs se tornaram instrumentos ideais para “(...) setores do Estado empenhados na transferência de suas responsabilidades para o âmbito da sociedade civil” (DAGNINO, 2004, p. 101).

Paralelamente a esse processo, na década de 1990, houve o crescimento dentro da Igreja Católica da Renovação Carismática, tendo como seu maior expoente o Padre Marcelo Rossi. Com suas músicas animadas, pregações empolgadas e longe do debate político, pode-se dizer que essa corrente veio para substituir a Teologia da Libertação e barrar a perda de fiéis devido ao avanço das Igrejas Evangélicas Neopentecostais.

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Em resposta a esse cenário crítico de Estado enfraquecido, malufismo, violência e perda de espaços de formação política ligados às CEBs, começaram a insurgir grupos e coletivos culturais nos bairros periféricos de São Paulo. Segundo Silvia Raimundo (2017), entre os primeiros coletivos da cidade estão o Pombas Urbanas e o Buraco d’Óraculo, que surgiram, respectivamente, em 1989 e 1998, ambos na periferia da Zona Leste. Tiarajú D’Andrea (2013, p. 49) coloca que “(...) a explosão de coletivos artísticos na periferia e alguns outros processos correlatos só ocorreram por causa do contexto histórico da década de 1990”. Pode-se dizer, também, que esse novo ciclo de insurgência popular, em parte, é resultado da condição de “exílio na periferia” (SANTOS, 1990; MARICATO, 2000)6 imposta aos moradores dos bairros mais distantes. Portanto, o surgimento desses coletivos é resultado, além do cenário de crise da década de 1990, da condição de isolamento do morador periférico causada pela distância, pelo transporte público deficiente e pela desigual distribuição de infraestrutura e equipamentos pelo espaço urbano. Esses grupos e coletivos culturais periféricos surgem a partir da década de 1990, mas se consolidam a partir da década de 2000, assunto que será abordado no item a seguir. c. Redes e coletivos: 2000-2010

A partir da década de 2000, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidência, em 2002, que governou por dois mandatos consecutivos (2003-2010), desacelerou, de certa forma, o processo de privatizações corrente durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, aumentou o valor real do salário mínimo e instituiu programas sociais como o Bolsa Família e o Luz para Todos. No entanto, segundo Leda Paulani (2017, p. 96), isso não

Este termo foi usado pela primeira vez por Milton Santos, em 1990, no livro Metrópole Corporativa Fragmentada, tendo sido difundido, posteriormente, por Erminia Maricato.

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significou a reversão da agenda neoliberal em curso, o que ocorreu foi “a manutenção e mesmo o reforço da institucionalidade voltada prioritariamente à acumulação financeira (...) acompanhada de políticas sociais de alto impacto”. Nessa mesma década, em relação à política urbana, foi promulgado – em 2001, ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso – o Estatuto da Cidade, que regulamentou os Artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, e foi criado, em 2003, no primeiro ano do mandato petista, o Ministério das Cidades. Na escala local, em 2000, foi eleita para Prefeitura de São Paulo a candidata petista Marta Suplicy. Essa gestão, entre outras ações, concluiu alguns projetos iniciados na gestão Erundina pelo FUNAPS Comunitário e que haviam sido abandonados nas gestões Maluf - Pitta, construiu os Centros de Educação Unificados (CEUs), implantou o Bilhete Único e o Programa Vai e Volta de transporte escolar e aprovou, em 2002 e em 2004, respectivamente, o Plano Diretor Estratégico e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. Os mandatos de Lula, no Governo Federal, e de Marta Suplicy, no Municipal, consolidaram dois processos distintos, mas que estão profundamente imbricados. Primeiro, no campo da política pública, consolidaram a existência de espaços para a participação da sociedade civil na tomada de decisões. Especificamente na política urbana, a conformação desses espaços está embasada em marcos legais muito bem estruturados e que foram conquistas do Movimento pela Reforma Urbana – artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade. Ou seja, a partir da década de 2000, governos progressistas em um contexto neoliberal intensificaram o que Evelina Dagnino (2004) chama de “confluência perversa”, tornando, ainda mais nebulosa, o entendimento a que projeto político – democratizante e participativo ou neoliberal – esses espaços servem. Em segundo lugar, os mandatos de Lula e Marta Suplicy

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consolidaram um processo, já iniciado na década de 1990, de ida da base popular petista periférica para dentro dos gabinetes ou dos espaços participativos institucionalizados. Além disso, para parte da antiga base do PT a chegada de Lula ao poder significou, de certa forma, o alcance do objetivo de transformação social do país, afastando-se da militância e confiando na capacidade do partido para mudar a realidade brasileira. Assim, junto com o desmonte das Comunidades Eclesiais de Base, houve, nas periferias, o esvaziamento das ações políticas e da formação de base ligadas às SABs e ao PT. Ainda mais, a mesma base que, durante as décadas de 1970 e 1980, fez insurgir uma nova forma de cidadania (HOLSTON, 2013) foi cooptada pela institucionalidade, perdendo legitimidade popular e atuando, muitas vezes, em uma lógica clientelista que tanto criticara no passado. 80 70 60 50 40 30 20 10

2010

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0

1995

Gráfico 2: Taxa de homicídios a cada 100.000 habitantes entre 1995 e 2010. Fonte: DATASUS, Indicadores de Dados Básicos (IDB) 2011 para o Município de São Paulo.

Na década de 2000, ocorreu também a diminuição da violência em São Paulo, fazendo reduzir, gradativamente, a quantidade de homicídios na cidade – entre 2000 e 2010, a taxa de homicídios a cada 100.000 habitantes caiu de 58,5 para 15,1 (Gráfico 2). Parte disso talvez tenha sido resultado das políticas sociais instituídas pelo Governo Federal, da melhora econômica do país, do aumento da renda das classes mais pobres, da ampliação do acesso ao crédito, ou, até mesmo, das medidas de segurança pública instituídas pelo Governo do Estado. No entanto, o fato com maior responsabilidade

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na diminuição da violência talvez tenha sido o fortalecimento da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), em especial, após os ataques violentos de 20067. Feltran (2010, p. 69) defende que é nessa perspectiva que se compreende a diminuição das taxas de homicídios em São Paulo: (...) a morte de alguém só se decide em sentença coletiva, legitimada por tribunais compostos por pessoas respeitadas do “Comando”. A partir desse princípio instituído, aquele menino do tráfico que, há alguns anos, tinha a obrigação de matar um colega por uma dívida de R$ 5, para se fazer respeitar entre seus pares no “crime”, agora não pode mais matá-lo pela mesma razão. As punições são distribuídas sem a necessidade do homicídio ou, mais exatamente, necessariamente sem o homicídio.

O PCC unificou o comando do tráfico de drogas em São Paulo, acabando com os conflitos entre facções rivais, gerindo os conflitos internos do tráfico e fazendo alianças e acordos com as Polícias Civil e Militar8. Além disso, passou a fazer um controle territorial dos bairros onde atua, impedindo assaltos e violência contra moradores das periferias de São Paulo9. Nesse contexto de governos progressistas e diminuição da violência, ocorreu a consolidação da cultura como pauta de luta dos bairros periféricos. Sobre esse ponto, Silvia Raimundo (2017, p. 144) afirma que: Em 2006, o PCC realizou uma série de ataques no estado de São Paulo que resultou em 298 mortes. Acredita-se que essa ação se deu em retaliação à decisão do governo do estado de isolar líderes da facção em presídios de segurança máxima.

7

Mais informações em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/08/policiais-desp-recebem-ate-r-50-mil-do-pcc-aponta-investigacao.shtml>. Acesso em: 19 ago. 2018.

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Para Gabriel Feltran (2013, grifo do autor), “(...) a queda das taxas de homicídio, promovidas pela intervenção do ‘crime’ na regulação de conflitos nas periferias, é muito funcional aos administradores da segurança pública. É essa funcionalidade que fortalece ambos os regimes de ‘segurança’ e, portanto, perpetua o crime, quando se pensa que a punição dos pobres e a militarização das políticas sociais ‘defenderiam a sociedade’”. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/vinte-anos-de-pcc-em-sao-paulo-o-espacoentre-governo-e-crime/>. Acesso em: 19 ago. 2018.

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Uma pauta de luta [por direito de acesso a equipamentos de uso coletivo, infraestrutura e moradia] não foi substituída por outra, a cultura já era uma questão na década de 1970, apenas tomou uma importância maior devido, primeiro ao contexto mais democrático que permitiu parte da sociedade civil exigir políticas públicas específicas para essa área e segundo porque muitas reinvindicações ligadas às necessidades básicas já tinham sido conquistadas.

Assim, ainda no final da década de 1990, grupos ligados ao teatro insatisfeitos com os mecanismos vigentes de financiamento de ações culturais se uniram para reivindicar um financiamento público para a classe teatral, com o objetivo de “(...) apoiar a manutenção e a criação de projetos processuais, e de propiciar pesquisas continuadas no campo da produção teatral.” (DO VAL, 2015, p. 21). Assim, como resultado dessa luta, em 2002, foi instituído o Programa Municipal de Fomento ao Teatro (Lei Municipal nº 13.279/2002), que prevê para essa arte dotação orçamentária própria com correção monetária anual. Nesse mesmo período, entre 2001 e 2002, durante a gestão de Marta Suplicy, funcionou a Comissão Extraordinária e Permanente da Juventude na Câmara Municipal de São Paulo para debater exclusivamente políticas direcionadas aos jovens, considerando que, na época, eram as principais vítimas da violência (DO VAL, 2015). Como resultado desse processo, a partir do diálogo do Poder Legislativo Municipal com coletivos de jovens da cidade, foi criado em 2003 o Programa para Valorização de Iniciativas Culturais (VAI) para fomentar coletivos culturais, em especial, nas regiões periféricas. A criação da Lei de Fomento ao Teatro e do VAI funcionaram em uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que foram resultado de uma demanda da classe artística e da juventude, estimularam o surgimento e a continuidade de novos grupos e coletivos culturais periféricos, ajudando a consolidar, dessa forma, o mais recente ciclo

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de insurgência política das periferias de São Paulo. Na escala federal, a combinação contraditória de uma agenda neoliberal com políticas sociais de alto impacto do Governo Lula, segundo Leda Paulani (2017, p. 96), foi atenuada: (...) enquanto prevaleceu o crescimento econômico puxado pelas exportações e pelo efeito multiplicador daquele massivo conjunto de políticas sociais (...). O advento da crise financeira internacional ao final de 2008 e suas consequências para os países emergentes começaram a desmanchar essa conciliação, até então possível e à sua maneira virtuosa.

Assim, a partir do primeiro mandato de Dilma Rousseff, eleita em 2010, os efeitos da crise no Brasil começaram a se agravar. Consequentemente, o cenário político se desestabilizou, resultando, em 2013, em uma onda massiva de protestos em doze capitais e em muitas outras cidades, sendo um dos maiores levantes populares vividos pelo país. Essas manifestações tinham, na verdade, como foco inicial a luta contra o aumento das tarifas de transporte coletivo – encabeçada pelo Movimento Passe Livre (MPL) –, mas depois foram ampliadas, inclusive por setores conservadores, para questões como o mau uso do dinheiro público e a Copa do Mundo. Esses levantes impulsionaram o surgimento de novos movimentos sociais de direita – que não serão tratados neste trabalho, como o Movimento Brasil Livre (MBL) – e deram início ao processo que resultou no impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016, que havia sido eleita pela segunda vez em 2014. Na escala local, depois de duas gestões conservadoras de José Serra (2005-2006) e Gilberto Kassab (2006-2012), foi eleita, em 2012, a candidatura progressista de Fernando Haddad do PT (20132016). Durante essa gestão, além das manifestações de junho de 2013, houve a instituição da gratuidade no transporte público para estudantes de baixa renda e foram revisados o Plano Diretor Estratégico e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. Com

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relação à cultura, ocorreu a ampliação, em 2013, do Programa VAI e foi aprovado, em 2016, a Lei Municipal nº 16.496, que instituiu o Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo. Essa lei, a Lei de Fomento às Periferias, amplia o valor do fomento disponível por cada projeto quando comparada ao VAI e, para a distribuição dos recursos, considera as desigualdades do espaço urbano, constituindo, segundo Silvia Raimundo (2017, p. 240), “(...) a primeira Lei que distribui recursos públicos priorizando as regiões que historicamente sempre tiveram menos acesso a uma série de benefícios, inclusive dos fomentos”. Além disso, foi resultado de uma iniciativa popular, construída durante três anos por um grupo que, a partir de 2015, intitula-se Movimento Cultural das Periferias (MCP). O MCP é formado pela articulação de coletivos, grupos, artistas e frequentadores dos movimentos culturais de diversas periferias de São Paulo e, além da Lei de Fomento às Periferias, também conquistou, em 2014, o retorno da gestão das Casas de Cultura – que, há dez anos, estava nas mãos das subprefeituras – à Secretaria Municipal de Cultura. Com isso, a gestão desses equipamentos e seu uso por grupos e coletivos saíram da dependência de uma boa relação com o subprefeito (RAIMUNDO, 2017) e as Casas de Cultura passaram a integrar a rede municipal de equipamentos culturais, funcionando de acordo com as diretrizes da política cultural do município. Nesse mesmo período, em 2015 e 2016, respectivamente, ocorreram as ocupações das escolas estaduais e das Fábricas de Cultura nas periferias de São Paulo. A primeira ação foi uma resposta dos estudantes secundaristas a uma proposta do Governo do Estado de reestruturação da rede escolar e de fechamento de escolas. A segunda foi uma resposta dos jovens usuários das Fábricas de Cultura contra cortes de verbas, redução do tempo de atividades e demissão de funcionários empreitada pela Poiesis, Organização Social

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(OS) responsável pela gestão de alguns equipamentos de cultura estaduais.

1.2. DA MILITÂNCIA AO ATIVISMO Considerando esses três períodos, nota-se que há dois ciclos de insurgência política nas periferias de São Paulo. O primeiro, durante as décadas de 1970 e 1980, ligado às Comunidades Eclesiais de Base, às Sociedades Amigos de Bairro e a partidos políticos, em especial, ao PT, com pautas mais relacionadas aos direitos básicos, como habitação, mobilidade e saúde. O segundo, mais recente, corresponde a consolidação das redes e dos coletivos, principalmente, a partir da década de 2000, com pautas mais ligadas à cultura. Considerando esses ciclos, a década de 1990 funcionou como um momento de transição entre ambos. Sobre as redes e os coletivos, é necessário fazer duas ressalvas importantes. Primeiramente, ao analisar esse ciclo mais recente de insurgência, muitos autores o relacionam diretamente com as manifestações de junho de 2013, que estariam inseridas em um contexto mundial de diversos levantes ocorridos após a crise econômica internacional de 2008. No entanto, como visto, os coletivos periféricos de São Paulo começaram a insurgir a partir da década de 1990 como resposta ao cenário de pobreza e violência das periferias. Ou seja, os coletivos periféricos têm sua origem ligada a outros processos e momento histórico, existindo e atuando desde muito antes das manifestações de junho de 2013. Isso reforça o lugar das periferias como ponto inicial de insurgência de novos movimentos sociais e ações populares10. Em segundo lugar, ao analisar a insurgência dos coletivos, Carlos Cabe ressaltar que, para as periferias, as jornadas de junho de 2013, bem como as ocupações das escolas estaduais e das Fábricas de Cultura, respectivamente, em 2015 e 2016 foram importantes, porque trouxeram novos agentes, em especial jovens, para a luta política.

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Lima (2017) afirma que eles se mostram tendencialmente contrário à lógica do “empresariamento urbano”11. Em consonância com essa interpretação, Bernardo Neves et al. (2018) colocam que esses movimentos assumem um posicionamento contrário a projetos e políticas sobre as cidades envolvendo o conluio Estado-capital. Ou seja, para esses autores, e mais outros urbanistas, os coletivos seriam um tipo de resistência ao avanço neoliberal sobre o espaço. No entanto, se por um lado essa intepretação pode ser aplicada aos coletivos urbanos brasileiros atuantes em locais onde esse avanço neoliberal sobre o espaço é mais claro e evidente – como A Batata Precisa de Você, Movimento Parque Augusta, movimento de resistência ao Projeto Nova Luz (São Paulo), Ocupe Estelita (Recife), Ocupa Golfe (Rio de Janeiro) e Parque Isidoro (Belo Horizonte) –, por outro, é necessário tomar certo cuidado ao tratar dos coletivos originários das periferias das cidades brasileiras. Considerando as respectivas afirmações de Flávio Villaça (2001) e David Harvey (1996) de que o espaço socialmente produzido gera localização – valor de uso produzido pela aglomeração da infraestrutura urbana – e que o empresariamento urbano atua sob a lógica do investimento e do desenvolvimento econômico por meio de empreendimentos imobiliários pontuais e especulativos, concluise que a atuação desse Estado-capital sobre o espaço não está nas periferias das cidades brasileiras. Ou seja, a atuação desse Estadocapital neoliberalizante se concentra nas melhores localizações, mais rentáveis ao capital especulativo. Dessa forma, a afirmação de que os coletivos seriam um tipo de resistência ao avanço neoliberal sobre o espaço não pode ser aplicada às periferias. Porém, como visto no item anterior, o surgimento dos coletivos periféricos foi uma Termo apresentado por Harvey (1996, p. 53) para definir um modelo de gestão associado ao processo de desindustrialização e caracterizado, principalmente, “(...) pela parceria público-privada tendo como objetivo político e econômico imediato (...) muito mais o investimento e o desenvolvimento econômico através de empreendimentos imobiliários pontuais e especulativos do que a melhoria das condições em um âmbito específico”.

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resposta, entre outras coisas, ao arrocho neoliberal da década de 1990, que, como sempre, resultou em consequências mais intensas às periferias. Voltando aos dois ciclos de insurgência política popular dos bairros periféricos de São Paulo, Maria da Glória Gohn (2014, p. 14), ao conceituar movimento social, afirma que: Usualmente ele tem os seguintes elementos constituintes: demandas que configuram sua identidade; adversários e aliados; bases, lideranças e assessorias (...); práticas comunicativas diversas (...); projetos ou visões de mundo que dão suporte a suas demandas; e culturas próprias nas formas como sustentam e encaminham suas reinvindicações.

Essa definição se enquadra ao primeiro ciclo de insurgência apresentado neste trabalho, ligado às CEBs, às SABs e ao PT. A própria autora (GOHN, 2014) reconhece, no entanto, que, na atualidade, poucos movimentos sociais se configuram dessa maneira. Dessa forma, um movimento social não necessariamente precisa se adequar a estruturas previamente definidas, com adversários e aliados, bases e lideranças. Considerando que a realidade se alterou e com ela novas formas de ação social coletiva emergiram (GOHN, 2014), defende-se aqui que as redes e coletivos são os movimentos sociais ascendentes no atual momento do capitalismo, ainda que nas periferias esse processo tenha se iniciado em meados da década de 1990. Entre os dois ciclos de insurgência apresentados por este trabalho, há importantes diferenças. Segundo Maria da Glória Gohn (2014, p. 11-12): Na América Latina, especialmente no Brasil, os atuais movimentos sociais são distintos (...) dos movimentos do final da década de 1970 e parte dos anos de 1980 (movimentos populares reivindicatórios de melhorias urbanas articulados com pastorais, grupos políticos

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de oposição ao regime militar etc.), embora muitos dos atuais movimentos sejam herdeiros dos anos de 1980. Naquela década, os movimentos lutavam para ter “direito a ter direitos”. Como só podemos falar em direitos se contemplamos o universal, aqueles movimentos não estavam autocentrados, não miravam apenas a si próprios. Na atualidade, muitos dos novíssimos movimentos, ou ações civis denominados movimentos, não têm mais o universal como horizonte, mas sim o particular, os interesses imediatos, o direito de sua categoria ou grupo social.

Esse direito da categoria ou grupo social colocado pela autora diz respeito ao enfoque dado pelas redes e coletivos às questões identitárias e culturais, como gênero, raça e etnia, distanciando-se das pautas tradicionais da esquerda que envolve a luta de classes. Segundo Maria da Glória Gohn (2014, p. 64), como não há mais uma questão universal, “o sujeito coletivo se dilacera, fragmentase em múltiplos campos isolados”, enfraquecendo-se. Porém, considerando a afirmação de Flávio Villaça (2001, p. 70) de que “(...) o homem – as classes sociais – estrutura a cidade”, tratando-se de movimentos periféricos, que têm em sua identidade a periferia, a questão de classe obrigatoriamente estará presente, em maior ou menor nível. De acordo com a pesquisa Emergência Política Periferias realizada pelo Instituto Update (2018)12, o que ocorre é uma interseccionalidade entre as questões de classe, raça e gênero. Dessa forma, a união dessas pautas, junto com questões ligadas à sexualidade, embasa e impulsiona a atuação dos coletivos, como pode ser observado no trecho da entrevista de Jessica Moreira, integrante do coletivo Nós, Mulheres da Periferia, ao Instituto Update (2018, p. 67): (...) até então eu estava falando sobre o que é ser da periferia,

Disponível em: <https://emergenciapolitica.org/periferias/baixe-a-pesquisaperiferias/>. Acesso em: 26 nov. 2018.

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parece que a consciência de classe e território para mim ela veio muito antes da de gênero e raça. Eu me descobri negra muito tarde, eu sempre me entendi como mulher, mas assim, quais são os desafios e problemática de ser uma mulher negra da periferia? Acho que isso eu nunca tinha verbalizado até então.

Se para os movimentos sociais ligados ao primeiro ciclo de emergência política periférica a luta era pelo “direito a ter direitos”, pode-se dizer que, para o ciclo mais recente de insurgência, a luta é para atingir e acessar os direitos constitucionais fundamentais que ainda não foram garantidos nas periferias. Ou seja, de certa forma, as redes e coletivos buscam colocar em prática conquistas institucionais alcançadas pelos movimentos ligados às CEBs, às SABs e ao PT: “distantes estrutural e ideologicamente do alcance da maioria das políticas públicas, as periferias encontram fôlego na ação destes agentes que, com suas iniciativas, buscam materializar em práticas culturais e sociais a efetivação de direitos estruturantes” (INSTITUTO UPDATE, 2018, p. 26).

Outra diferença diz respeito à forma organizacional de cada ciclo. Enquanto, por exemplo, uma Sociedade Amigos de Bairro possui uma estrutura mais rígida com base e lideranças definidos, um coletivo, por outro lado, tem estruturas mais fluidas e horizontais, sendo comum uma mesma pessoa participar de diversos deles. Além disso – diferentemente de uma SAB em que os moradores se unem em torno de uma questão clara e objetiva como a melhoria da infraestrutura do bairro, o que, geralmente, leva anos para ser conquistada –, nos coletivos, “as pessoas se agrupam em torno de temas de interesse, às vezes de maneira temporária, e passam a investigar, produzir conhecimento ou ação a partir dessa identidade coletiva” (INSTITUTO UPDATE, 2018, p. 22). Como nos coletivos os temas de interesse podem ser os mais diversos, “(...) há uma pluralidade de movimentos que se diferenciam não apenas por suas causas, demandas e anos de existência, mas

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também por seus projetos e sua visão de mundo, por seus objetivos e suas articulações – internas e externas” (GOHN, 2014, p. 70). Dessa forma, por serem bastante heterogêneos, as redes e coletivos, diferentemente das CEBs e das SABs, são difíceis de serem definidos. Para Maria da Glória Gohn (2017, p. 629, tradução nossa), o primeiro ciclo de emergência periférica – das CEBs, das SABs e do PT – é composto por militantes, enquanto o segundo – das redes e dos coletivos – é composto por ativistas13: Cabe destacar que os ativistas se diferenciam dos militantes dos movimentos sociais das décadas passadas, que estavam unidos por ideologias e ideias políticas. Os ativistas não pertencem de maneira permanente a um grupo determinado. São coletivos (...) organizados por pessoas pouco conhecidas no mundo da política “oficial” (...). Embora possam estar presentes, as estruturas dos partidos políticos têm pouca visibilidade. Em muitos casos, eles são rejeitados, assim como as estruturas sindicais. Na maior parte, as manifestações acontecem fora dos partidos e sindicatos.14

Tratando dessa diferença entre militantes e ativistas, Bernardo Neves et al. (2018) recorrem às estruturas arborescentes e rizomáticas trazidas por Gilles Deleuze e Felix Guattari (2011). Para os autores franceses, a árvore, como imagem, segue uma lógica binária de reprodução, é o uno que se torna dois (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Assim, articula e hierarquiza, inspirando uma “imagem do pensamento que não para de imitar o múltiplo a partir de uma unidade superior, de centro ou de segmento” (DELEUZE; Alguns autores, como a própria Maria da Glória Gohn (2014), para diferenciar os dois ciclos, utilizam os termos “novos movimentos sociais” e “novíssimos movimentos sociais”, em referência ao livro de 1988 de Eder Sader Quando novos personagens entraram em cena.

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Esse distanciamento da política “oficial” pode estar mudando. Um exemplo é a Bancada Ativista, “movimento independente e suprapartidário de pessoas com atuação em múltiplas causas sociais, econômicas, políticas e ambientais que se uniram para eleger ativistas em São Paulo” (Disponível em: < http://www.bancadaativista.org/>. Acesso em: 12 jul. 2018). Nas eleições de 2018, elegeram para a Assembleia Legislativa de São Paulo uma candidatura coletiva com nove membros.

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GUATTARI, 2011, p. 24). O rizoma, por outro lado, “(...) é um sistema a-centrado não hierárquico” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 31). Assim, num rizoma, qualquer ponto se conecta a qualquer outro ponto, há uma multiplicidade que quebra a relação com o uno e a estrutura pode ser rompida, retomando sua ação a partir de uma ou outra linha (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Considerando essas estruturas, Bernardo Neves et al. (2018, p. 230) afirmam que: (...) os esquemas mais ligados à militância se utilizam de estruturas mais arborescentes, com tendências à unidade rígida, de comportamentos disciplinares mais claros, que reproduzem determinadas estruturas hierárquicas, incluindo sistemas normativos, estatutos e regimentos. Em contrapartida o ativismo possui características do rizoma e conta com estruturas evanescentes, difusas, fragmentadas, que se alternam contingencialmente, em rede, numa lógica de enxame bastante variável, criando sempre novas conexões e novos agenciamentos de

Figuras 1 e 2: Respectivamente, exemplos de estrutura arborescente e rizomática. Fonte: Adaptado de Neves et al., 2018, p. 231.

pautas, atores, modos de fazer.

ÁRVORE MILITÂNCIA

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RIZOMA ATIVISMO


É importante ressaltar, contudo, que essas estruturas e a separação entre movimentos militantes e ativistas não estão sendo utilizadas neste trabalho como definições fixas para os dois diferentes ciclos de insurgência política apresentados, mas sim como ferramentas que auxiliam na compreensão da realidade. Ou seja, um coletivo, por exemplo, não, necessariamente, enquadra-se numa estrutura ativista/rizomática e vice-versa. O que é notado quando se observa a realidade15 é que os coletivos tendem a ter estruturas mais ativistas/ rizomáticas. Essa tendência precisa ser enfatizada. No entanto, como dito anteriormente, a utilização dessas estruturas e definições – militantes/arborescentes e ativistas/rizomáticas – auxiliam na compreensão da realidade. Por exemplo, Gilles Deleuze e Felix Guattari (2011, p. 13) afirmam que “o rizoma nele mesmo tem formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas concreções em bulbos e tubérculos”. Essa afirmação junto com a observação da Figura 2 ajudam a explicar a heterogeneidade das redes e coletivos e o porquê é tão difícil defini-los e compreendê-los. Numa estrutura rizomática, como tendem a ser os coletivos, é difícil encontrar padrões. Ou seja, como não há um eixo estruturador, os coletivos, ou o rizoma, podem ser completamente diferentes entre si. Além disso, é necessário compreender que há um hibridismo entre esses diferentes movimentos. A militância e o ativismo “(...) se transmutam um no outro se contaminado, enredando coletivos, pautas, e, em diversos momentos, migrando táticas e estratégias militantes em ativistas e vice-versa” (NEVES et al., 2018, p. 230). Um exemplo disso é que, segundo Aluízio Marino (2016), o surgimento dos coletivos culturais está diretamente ligado ao processo de formação do espaço urbano periférico. As referências desses coletivos são “(...) os movimentos de moradia, as mulheres

Ver Capítulo 3. Uma aproximação com o “chão”: Campo Limpo e Capão Redondo deste trabalho.

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1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Ditadura Militar Ditadura Militar

Jânio Quadros

Luiza Erundina

José Sarney

Paulo Maluf

Fernando Collor

Itamar Franco

Fernando Henriq Cardoso

MILITÂNCIA | CEBs, SABs e Novos Partidos

1985 Fim da ditadura militar 1980 Fundação do PT

1989 Desmembramento da Arquidocese de São Paulo 1988 Constituição Federal 1988 Eleição de Luiza Erundina

1992 Eleição de Paulo Maluf 1992 Massacre do Carandiru

1996 Eleição de Celso Pitta


1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Celso Pitta

que

Marta Suplicy

Fernando Henrique Cardoso

José Serra Lula

Gilberto Kassab Lula

Fernando Haddad Dilma Rousseff

Dilma Rousseff

João Doria Michel Temer

2001 Estatuto da Cidade 2003 Ministério das Cidades 2000 Eleição de Marta Suplicy

2006 Ataques do PCC

2002 Eleição de Lula 2003 Primeiro VAI

2006 Reeleição de Lula

2010 Eleição de Dilma Rousseff

2016 Impeachment de Dilma Rousseff

2012 Eleição de Fernando Haddad 2013 Manifestações de Junho

2016 Ocupações das Fábricas de Cultura 2016 Lei de Fomento às Periferias

2015 Ocupações das Escolas Estaduais

Redes e Coletivos | ATIVISMO


e homens que batalharam por saneamento, creches, escolas, hospitais, entre outros serviços e equipamentos públicos” (MARINO, 2016, p. 34-35). Assim, para esse autor, ocorre, na verdade, uma ressignificação das lutas nas periferias. Esse ponto revela, mais uma vez, que a realidade não é tão dicotômica como a simples separação entre movimentos militantes/arborescentes e movimentos ativistas/ rizomáticos. Os dois ciclos de insurgência política periférica estão intrinsicamente relacionados com o contexto em que estavam inseridos quando começaram a emergir. Ainda mais, na verdade, são produto desse contexto. Assim, para compreender as atuais resistências políticas nas periferias de São Paulo, antes de tudo, é necessário compreender o que são hoje os bairros periféricos, assunto que será abordado no capítulo a seguir.

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Figura 3 (p. 40 e 41): Linha do tempo das insurgências políticas periféricas entre 1976 e 2018. Elaboração própria.


2. O que sĂŁo as periferias hoje? 43


Um, dois, três carros na calçada Feliz e agitada toda prayboyzada As garagens abertas eles lavam os carros Desperdiçam a água, eles fazem a festa (RACIONAIS MC’S, 1993)

Esse trecho de Fim de Semana no Parque, música de 1993 dos Racionais MC’s, que descreve um bairro de classe média de São Paulo na década de 1990, poderia, hoje, ser utilizado para descrever qualquer bairro periférico da cidade durante um final de semana ensolarado. O próprio Mano Brown (2018), o mais conhecido dos Racionais, em uma entrevista ao site GaúchaZH1, afirma que as músicas do grupo serviram em algum momento, mas hoje a realidade é totalmente distinta: “Não é como nos anos 1990, quando faltava comida nas mesas. Hoje as pessoas estão obesas, estão comendo demais (...)”. De fato, nas duas últimas décadas, as periferias passaram por transformações econômicas, sociais e territoriais. Essas mudanças aconteceram em um processo gradativo, engendrando diversos fatos e condições sociopolíticos brasileiros, que possibilitaram a transformação do cenário de violência e pobreza comum às periferias até o início dos anos 2000. Assim, considerando essas mudanças, neste capítulo, buscar-se-á fazer uma reflexão acerca do que são hoje os bairros periféricos de São Paulo, analisando as transformações na economia, iniciadas, principalmente, a partir de 2003, e suas consequências para a sociedade e para o território. Neste trabalho, considera-se o tempo de deslocamento como principal definidor do que se entende como periferias ou bairros periféricos, uma vez que, segundo Villaça (2011, p. 53), “(...) a otimização dos tempos gastos no deslocamento espacial (tempo) Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/musica/ noticia/2018/02/hoje-a-luta-das-pessoas-e-individual-nao-vejo-mais-luta-de-classesafirma-mano-brown-cjd4ro6d7064k01kexrlfigt4.html>. Acesso em 15 out. 2018.

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Figuras 4 e 5: Respectivamente, tempo médio de viagem por transporte coletivo para o conjunto de zonas do Centro de São Paulo e Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. Fonte: Adaptado de Giselle Mendonça (2012), com base na pesquisa OD 2007, e Fundação SEADE, 2010. Elaboração própria.

dos moradores das cidades é o mais importante fator explicativo da organização do espaço urbano”. O tempo de deslocamento está diretamente relacionado com a localização, que, como dito no capítulo anterior, é o valor de uso produzido pela aglomeração da infraestrutura urbana e “tal como qualquer valor (...) também é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzilo” (VILLAÇA, 2001, p. 72). Assim, as periferias estão nas piores localizações e mais distantes – com relação ao espaço e ao tempo – das regiões onde os empregos e serviços estão concentrados, porque a elas foi atribuída menor quantidade de trabalho. Dessa forma, as periferias, além de estarem distantes, considerando o tempo de deslocamento, das regiões que concentram empregos e serviços, são as áreas com os piores indicadores sociais e condições

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5 10 15 20 km

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de vida. Esses pontos podem ser observados, respectivamente, nos mapas das Figuras 4 e 5. Na primeira imagem, que apresenta o tempo médio de deslocamento de viagens com destino ao centro de São Paulo em 2007, nota-se que a maior parte dos bairros periféricos gasta mais do que 70 minutos nesse trajeto. Na segunda imagem, que apresenta o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS)2, nota-se que quase todas as áreas com vulnerabilidade média, alta e muito alta estão nas periferias. Assim, esses pontos juntos – tempo de deslocamento e condições de vida – definem o que se entende por periferias ou bairros periféricos neste trabalho. Considera-se também neste trabalho que, hoje, as periferias são áreas consolidadas, porque têm ocupação antiga, iniciada, principalmente, entre as décadas de 1960 e 1980 e apresentam estabilidade no crescimento demográfico quando comparadas às décadas passadas3, tendo sido consolidadas “(...) à força de persistentes microinvestimentos privados e lutas pela provisão de infraestrutura no sentido de superar a precariedade original” (ROLNIK, 2000, p. 86). Além disso, são sempre tratadas no plural, porque, hoje, como será visto, são áreas heterogêneas e desiguais. É necessário ressaltar que este capítulo, embora esteja tratando de transformações recentes na economia, não abordará a crise vigente no Brasil desde meados da década de 2010 por dois motivos. Primeiramente, porque ainda não é possível compreender os reflexos dessa crise para as periferias. Em segundo lugar, porque as transformações iniciadas a partir da década de 2000 ainda produzem impactos nos bairros periféricos, sendo maiores do que a crise recente. O IPVS é um índice síntese das informações socioeconômicas e demográficas apresentadas pelos Censos, que classifica todos os setores censitários do Estado de São Paulo em 6 grupos. Mais informações em: <http://indices-ilp.al.sp.gov.br/view/pdf/ipvs/ metodologia.pdf>. Acesso em: 24 out. 2018.

2

O distrito de Guaianases, por exemplo, na Zona Leste, entre 1980 e 1991, cresceu 61,4%, enquanto, entre 2000 e 2010, cresceu 5,5 %. Fonte: IBGE - Censos Demográficos 1980, 1991, 2000 e 2010.

3

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Também é necessário destacar que, tratando-se de periferias, o ideal seria sempre trabalhar com dados e informações da Região Metropolitana de São Paulo. No entanto, parte dos dados e informações trabalhada neste capítulo está disponível somente para o município. Dessa forma, em alguns momentos, foi necessário utilizar dados municipais e não metropolitanos, o que, no entanto, não prejudicou as análises realizadas.

2.1. HETEROGENEIDADE a. Economia

As políticas sociais desenvolvidas, a partir de 2003, pelos governos Lula e Dilma resultaram em consequências diretas à população periférica. Sobre esse ponto, Leda Paulani (2017) afirma que, enquanto o programa Bolsa Família, símbolo dessas políticas, foi o mais importante do ponto de vista da redução da pobreza absoluta, a elevação do valor real do salário mínimo – alcançando 85% entre 2003 e 2014 – foi o mais importante do ponto de vista da redução da desigualdade. Em decorrência dessas políticas sociais, de acordo com dados de Quadros (2010), entre 2003 e 2009, 11,7 milhões de indivíduos ocupados deixaram a situação de miséria, 7,8 milhões de pessoas passaram a ocupar o estrato de “massa trabalhadora”, tendo rendimento entre R$ 350,00 e R$ 700,00 mensais, e 10,4 milhões ascenderam à “baixa classe média”, a famosa “classe C”, com rendimentos entre R$ 700,00 e R$ 1.750,004 e que engloba um grupo bastante heterogêneo de profissionais, como balconistas, professores do ensino fundamental, auxiliares de enfermagem, auxiliares de escritório, recepcionistas, motoristas, garçons, barbeiros, cabelereiras, manicures, trabalhadores qualificados etc..

4

Rendimentos mensais em 2009.

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Como visto no capítulo anterior, essas políticas de alto impacto social foram combinadas com uma agenda neoliberal voltada prioritariamente à acumulação financeira (PAULANI, 2017). Assim, valendo-se da reestruturação do sistema financeiro – iniciada na década de 19605, que intensificou o fluxo das finanças – e da estabilidade monetária com a implementação do Plano Real, “(...) o crédito encontrou o terreno ideal para sua multiplicação e diversificação, alcançando, inclusive as classes sociais de baixo poder aquisitivo” (SANTOS, 2011, p. 78). Dessa forma, para as classes de renda mais baixa, houve a expansão, a partir do pagamento parcelado no crediário ou cartão de crédito, do consumo tanto de eletrônicos e eletrodomésticos quanto de automóveis e viagens de avião6. Processo chamado por Kauê Santos (2011, p. 87) de “popularização das finanças”, responsável, também, por dinamizar a economia dos bairros periféricos, estimulando a abertura de pequenos a grandes comércios e aumentando a oferta de serviços Ou seja, as políticas de alto impacto social, como o Bolsa Família e o aumento do valor real do salário mínimo, vieram casadas com o consumo possibilitado pelo acesso ao crédito. É necessário destacar, contudo, que não se pode resumir essas políticas sociais apenas ao consumo. Embora a maior parte delas não tenha trabalhado com a combinação do ganho de diversos tipos de capital7 – econômico, social e cultural –, o aumento da renda, seja pelo Bolsa Família ou pela elevação do valor real do salário mínimo, por si só significou,

Lei Federal n° 4.595 de 1964, que institui a reforma do Sistema Financeiro Nacional.

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Vale destacar que em uma pesquisa de 1977 intitulada A penetração dos bens “modernos" na habitação proletária: Estudo do caso Osasco na região da grande São Paulo, Erminia Maricato e Telmo Pamplona já afirmavam haver na casa proletária itens considerados “modernos” para a época, como fogão, geladeira e televisão.

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Algumas exceções talvez tenham sido o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e a política de cotas em universidades federais, políticas que facilitaram o acesso ao ensino superior das classes de renda mais baixa.

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para a população mais vulnerável, o acesso aos direitos mais básicos. b. Sociedade Figuras 6 e 7: Taxa de frequência bruta ao ensino superior (Razão entre o número total de pessoas de qualquer idade frequentando o ensino superior e a população na faixa etária de 18 a 24 anos, multiplicada por 100) em 2000 e em 2010, respectivamente. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Elaboração própria.

Essas mudanças na economia acarretaram, também, transformações sociais para as periferias. Eduardo Marques (2014), ao analisar as recentes mudanças demográficas da Região Metropolitana de São Paulo, afirma que, durante a última década, houve nas periferias uma acentuada redução das classes manuais e um crescimento das classes profissionais. Essa mudança, além de estar relacionada a um processo de crescimento do setor terciário na metrópole paulistana, é resultado do aumento da escolaridade nos bairros periféricos. Segundo Ana Paula Galdeano e Gabriel Feltran (2014), parte dos filhos de migrantes nascidos em São Paulo, com suas famílias estando consolidadas há anos na metrópole, trabalha no terciário

0 60% ou mais

0

10 km

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com carteira assinada e ingressam em universidades, desenvolvendo trajetórias muito distintas de seus pais. Nos mapas das figura 6 e 7, é possível observar que em distritos periféricos como Capão Redondo e Grajaú na Zona Sul, Parque do Carmo e José Bonifácio na Zona Leste e Jaraguá na Zona Norte, entre 2000 e 2010, houve o aumento de população frequentando o ensino superior. Esse crescimento em parte se deve às políticas que facilitaram o acesso ao ensino superior de classes de renda mais baixa, como o Prouni, o FIES e as cotas em universidades públicas, mas, principalmente, resulta da expansão de universidades privadas, que enxergaram no aumento da renda da “baixa classe média”, ou classe C, a possibilidade de crescimento para seus negócios. Ainda sobre os filhos de migrantes nascidos em São Paulo, Ana Paula Galdeano e Gabriel Feltran (2014, p. 128) afirmam que parte deles “(...) faz percursos alternados entre o trabalho formal e informal, precarizado, temporário”, enquanto outra parte jamais conseguiu se integrar ao mercado formal, construindo suas vidas entre o mercado informal ou ilícito. Ou seja, hoje, nas periferias, há uma heterogeneidade quanto aos níveis de escolaridade e tipos de empregos. Enquanto uma parte da população consegue ter acesso ao ensino superior, indo trabalhar, principalmente, no terciário, outra permanece sem formação formal, trabalhando de forma precarizada no mercado formal ou informal. Outro ponto importante para a transformação social das periferias nos últimos anos foi a queda da violência. Como visto no primeiro capítulo, entre 2000 e 2010, no município de São Paulo, a taxa de homicídios a cada 100.000 habitantes caiu de 58,5 para 15,18. O principal fator responsável por essa queda foi o fortalecimento do PCC, em especial, após os ataques violentos de 2006. O PCC, ao unificar o comando do tráfico de drogas em São Paulo e,

Fonte: DATASUS, Indicadores de Dados Básicos (IDB) 2011 para o Município de São Paulo.

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consequentemente, acabar com os conflitos entre facções rivais, deu fim ao cotidiano de mortes e tiroteios comum às periferias nos anos 1990. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo9, em 2017, com o objetivo de compreender os elementos que têm formado a visão de mundo e o imaginário social nas periferias da cidade de São Paulo concluiu que, hoje, há uma “intensa presença dos valores liberais do ‘faça você mesmo’, do individualismo, da competitividade e da eficiência”, ligados ao neopentecostalismo, ao empreendedorismo e ao consumo. Nos últimos quatro anos, em especial após o baixo desempenho de candidaturas petistas nas periferias de São Paulo, parece haver, por parte do campo progressista, uma tendência em associar os moradores periféricos às igrejas neopentecostais, ao discurso meritocrático e ao conservadorismo, como se, em uma análise superficial, a teologia da libertação das décadas passadas tenha sido substituída pela teologia da prosperidade. Ainda mais, nas análises ainda mais superficiais, parece que há uma tendência em culpar as periferias, berço historicamente petista, pelo crescimento da extrema direita nos últimos anos no Brasil. Sobre isso, Gisele Brito (2018)10, integrante da Rede Jornalistas das Periferias, afirma que, de fato, talvez haja um crescimento do conservadorismo nos bairros periféricos nos último anos, mas destaca que estamos em um momento em que toda a sociedade está se inclinando para a direita, elegendo candidatos conservadores como Donald Trump e Jair Bolsonaro como presidentes, respectivamente, dos Estados Unidos e do Brasil. Ou seja, o crescimento do conservadorismo não é um fenômeno periférico. Além disso, como

Pesquisa intitulada Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo. Disponível em: <https://fpabramo.org.br/publicacoes/publicacao/percepcoes-e-valorespoliticos-nas-periferias-de-sao-paulo/>. Acesso em: 28 nov. 2018.

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, ago. 2018.

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visto no capítulo anterior, são nas periferias também que, hoje, emergem ações e iniciativas ligadas a coletivos que trabalham questões como gênero e sexualidade. Segundo Pierre Dardot e Christian Laval (2016, p. 17, grifo dos autores), “(...) o neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma política econômica, é em primeiro lugar e fundamentalmente uma racionalidade”, que tende a estruturar e organizar não só a ação dos governantes, mas a conduta dos governados. Nesse contexto, a partir do final do século XX, emerge o “sujeito empresarial”, que, funcionando como uma empresa e tendo a concorrência como norma de conduta, “(...) deve maximizar seus resultados, expondo-se a riscos e assumindo inteira responsabilidade por eventuais fracassos” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 328). Assim, o individualismo, a competitividade e o discurso meritocrático também não são fenômenos periféricos. No entanto, a presença de religiões neopentecostais – que se expandiram a partir da década de 1990, em especial, entre os mais pobres11 –, de certa forma, estimula essa racionalidade neoliberal definida por Dardot e Laval (2016). Segundo Ana Paula Galdeano e Gabriel Feltran (2014, p. 130), “a conversão religiosa [para igrejas neopentecostais] fornece os valores que sustentam um estilo de vida voltado para a busca da abundância e do sucesso”, fomentando o consumo, o individualismo, a competitividade e o discurso meritocrático. Contudo, é necessário ressaltar que, nas periferias, as igrejas, neopentecostais ou não, funcionam, antes de tudo, como redes de sociabilidade, oferecendo suporte para suprir algumas carências da população mais pobre que não são atendidas pelo

Segundo dados do IBGE, em 1991, 9,0% da população brasileira se autodeclarava evangélica, enquanto, em 2010, esse número saltou para 22,2%. Além disso, as igrejas evangélicas pentecostais são o grupo religioso com maior proporção de pessoas que recebem até um salário mínimo, representando 63,7% de seus fiéis. Fonte: <https:// censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?id=1&idnoticia=2170&t=censo-2010-numerocatolicos-cai-aumenta-evangelicos-espiritas-sem-religiao&view=noticia>. Acesso em: 20 out. 2018.

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Estado.

Figuras 8, 9 e 10: Respectivamente, uso do solo predominante, renda domiciliar per capita e Índice Paulista de Vulnerabilidade Social para o distrito do Capão Redondo. Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, 2014, CENSO 2010 e Fundação SEADE, 2010. Elaboração própria.

O aumento da renda, o acesso à universidade e a empregos no terciário com a permanência de empregos precarizados e informais, a diminuição da violência junto com a consolidação do PCC, o conservadorismo em paralelo a pautas como gênero e sexualidade e, assim como acontece em todo mundo, o neoliberalismo como racionalidade (DARDOT; LAVAL, 2016) fazem, hoje, com que as periferias sejam bastante heterogêneas socialmente. Assim, diferentemente de décadas passadas onde era possível traçar um perfil do morador periférico – migrante, pouca escolaridade, trabalhador braçal –, hoje, os diversos graus de escolaridade, formas de trabalho, orientações políticas e religiosas dificultam tal definição, impossibilitando o desenho de um único perfil que seja coerente com a realidade. c. Território

Nesse contexto de transformações socioeconômicas, o território também se modificou. Antes de tudo, é necessário destacar que, hoje, as periferias são essencialmente desiguais. Assim como no restante da cidade, nas periferias, o espaço produzido gera localizações (VILLAÇA, 2001). Por exemplo, ao observar os mapas das Figuras 8, 9 e 10, é possível notar que o distrito periférico do Capão Redondo é bastante heterogêneo. De modo geral, nas proximidades da Estação

Res. horizontal de baixo padrão Res. horizontal de médiopadrão Res. vertical de baixo padrão Res. vertical de médio padrão Comércio e serviços Equipamentos públicos Escolas

R$ 0,00 R$ 6.000,00 ou mais

0-1 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6

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de Metrô Capão Redondo da Linha Lilás, área menos periférica do distrito, há uma oferta maior de comércio e serviços, mora uma população com maior renda e, consequentemente, há melhores índices de vulnerabilidade social. Em diversos distritos dos extremos da cidade, essas diferenças intraperiféricas foram reforçadas, nas últimas décadas, pela implantação de algumas infraestruturas urbanas, especialmente, as de transporte, como estações de metrô e terminais de ônibus. Talvez a transformação mais evidente nas últimas décadas dos bairros periféricos tenha sido a mobilidade urbana. Segundo Lúcio Gregori (2017, p. 173), para essa política, os governos Lula e Dilma trouxeram “(...) as mesmas contradições que carregaram no plano político e econômico”. Inserido no contexto de “popularização das finanças” (SANTOS, 2011, p. 87), junto com incentivos e renúncias fiscais para a indústria automobilística, entre 2003 e 2015, a frota de automóveis do município de São Paulo passou de 3,3 milhões para 5,3 milhões, aumentando cerca de 60%. No mesmo período, a frota de motocicletas do munícipio foi de 282 mil para 866 mil, crescendo mais de 200%12. Além disso, o preço da gasolina foi contido, estimulando, ainda mais, o uso de automóveis. Consequentemente, as periferias assistiram a uma explosão do congestionamento de suas ruas e avenidas. Pode-se dizer que, mais uma vez, os moradores periféricos pagaram o preço de um processo de urbanização, iniciado na segunda metade do século XX, baseado na especulação imobiliária e na racionalidade do lucro que loteou bairros para as classes populares, criando uma malha urbana descontínua e desconexa, semelhante a uma colcha de retalhos. Assim, além das ruas serem estreitas para um tráfego intenso de automóveis, há uma dificuldade de articulação entre o trânsito de bairros vizinhos.

Dados disponíveis em: <http://www.denatran.gov.br/estatistica/237-frota-veiculos>. Acesso em: 20 out. 2018.

12

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Figura 11: Trânsito na Estrada Pirajussara-Valo Velho. Foto: Ana C. Morais, 2018.

O atual trânsito de veículos das periferias é completamente anormal se comparado a qualquer bairro mais central de São Paulo. A quantidade de automóveis, as ruas estreitas, a falta de calçadas, a ausência de sinalização e a falta de fiscalização e controle geram um cenário caótico, em que infrações gravíssimas segundo o Código de Trânsito Brasileiro – como dirigir na contramão, conduzir motocicleta sem capacete e realizar manobras com motocicleta – são comuns no cotidiano periférico. Assim, atropelamentos e acidentes ocorrem com frequência. Nesse cenário de “terra de ninguém”, as desigualdades intraperiféricas também aparecem. Dessa forma, quanto mais para os extremos, pior o congestionamento e as infrações de trânsito, fato relacionado com, além da diminuição da fiscalização, a piora da morfologia para o tráfego de automóveis e a maior dificuldade de articulação entre o trânsito de bairros vizinhos nas áreas mais periféricas. Assim, o morador da periferia da periferia, além de morar mais longe, sofre ainda mais com congestionamentos. Além disso, o aumento da quantidade de veículos nas periferias modificou, de certa forma, a relação dos moradores com a rua e

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o espaço público. Mesmo que, ainda hoje, a rua seja um lugar de sociabilidade, o trânsito intenso e descontrolado de automóveis e motocicletas, junto com outros fatores como o aumento da sensação de insegurança, diminuiu o uso espontâneo da rua como lazer. Assim, os carros, estacionados ou em trânsito, tomaram o lugar das brincadeiras, dificultando os jogos com bola ou os passeios de bicicleta na rua, atividades comuns das crianças periféricas até meados da década de 2000. Figura 12: Sistema de Transporte Público sobre Rodas do Município de São Paulo. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo. Elaboração própria.

Corredores de ônibus Faixas exclusivas de ônibus 0

56

5 km

Terminais de ônibus municipal


Quanto ao transporte público, no município de São Paulo, a partir da gestão Marta Suplicy (2001-2004), seguindo o exemplo de Curitiba, começou-se a implantar o Sistema Tronco-Alimentador, que consiste na distribuição de terminais pelo território para a troca de veículos, organizando, a partir de uma hierarquização da demanda, as linhas do sistema de transporte. Assim, nos bairros mais periféricos circulam ônibus menores com destino a terminais, mais bem localizados, mas ainda periféricos. Para o sistema ter um bom funcionamento, junto com os terminais, deve-se implantar corredores e faixas exclusivas para ônibus. No entanto, ao observar o mapa da Figura 12, nota-se que, nos distritos mais periféricos, depois dos terminais de ônibus, de modo geral, não há muitos corredores ou faixas exclusivas, sendo que em alguns deles – como Cidade Ademar, Guaianases e Vila Medeiros – não há nenhuma dessas infraestruturas de transporte. Isso acontece, pois, além de, historicamente, os investimentos públicos em áreas mais periféricas serem menores, a morfologia desses bairros, com avenidas estreitas, dificulta a implantação de corredores e faixas de ônibus. Assim, mesmo em vias coletoras, onde a demanda seria para, no mínimo, uma faixa exclusiva de ônibus, a infraestrutura de transporte, muitas vezes, não pode ser implantada por falta de espaço. Por exemplo, em uma avenida com uma única faixa em cada sentido, não é possível ter uma delas exclusiva para o transporte coletivo. Em outros casos, a demanda é para a implantação de um corredor, porém, também pela largura da via, implanta-se uma faixa exclusiva de ônibus. Assim, carros e ônibus, diferentemente da maior parte da cidade, compartilham e disputam o mesmo espaço. A implantação do Sistema Tronco-Alimentador é um exemplo de política pública que reforçou as diferenças intraperiféricas. Em primeiro lugar, a chegada de uma infraestrutura de transporte em um bairro, por si só, já significa a valorização do preço da terra de suas redondezas. Além disso, mesmo tendo como objetivo homogeneizar os padrões de acessibilidade do município, os

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terminais, o seccionamento de linhas e a implantação de corredores e faixas exclusivas de forma desigual pelo território, devido aos motivos expostos no parágrafo anterior, resultou num sistema de transporte muito penoso ao morador mais periférico. Dessa forma, além desse morador, em uma parte de seu caminho, não contar com a infraestrutura adequada, sofrendo com o congestionamento nas redondezas do bairro onde mora, precisa pegar dois ônibus ou mais, com um tempo grande de espera, para Figura 13: Sistema de Metrô e Trem da Região Metropolitana de São Paulo. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo. Elaboração própria.

0

5 km

Linhas de trem Linhas de Metrô

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chegar às áreas mais centrais da cidade. Assim, muitas vezes, o curto trajeto entre a moradia e o terminal de ônibus periférico, somado com o tempo de espera, consome boa parte do tempo total do trajeto casa-trabalho/estudo/lazer/serviços. Na mesma lógica, funcionam os sistemas de Metrô e Trem (Figura 13). Mesmo as estações mais periféricas estão em áreas mais bem localizadas. Assim, o morador dos bairros mais distantes do centro, para chegar ao sistema de Metrô ou Trem, enfrenta o congestionamento anormal das periferias dentro de ônibus e microônibus lotados. Assim, para as periferias, a chegada de uma estação de Metrô, por exemplo, significa a melhora parcial do transporte, uma vez que, a maior parte da população periférica vai continuar sofrendo com o trânsito nas proximidades de sua moradia, levando muito tempo para fazer o pequeno trajeto casa-estação de metrô. Um modal interessante para parte dessa população mais periférica seria a bicicleta, uma vez que, o trajeto entre casa e terminal de ônibus ou metrô gira em torno de 5 km. Além disso, segundo a pesquisa Origem e Destino de 200713, 22% das viagens com bicicleta na Região Metropolitana de São Paulo são realizadas por conta do preço da passagem de transporte público. Assim, por ser um transporte gratuito, a bicicleta é uma boa opção para população com renda mais baixa e com boas condições físicas. No entanto, ao observar o mapa da Figura 14, nota-se que as ciclovias do município de São Paulo têm pouca ou nenhuma articulação com os terminais periféricos. Além disso, como toda infraestrutura de transporte, está concentrada nas áreas mais valorizadas, onde mora a população com maior renda. É importante destacar que, mesmo durante a gestão municipal progressista de Fernando Haddad (2013-2016) – responsável pela implantação da maior parte das ciclovias da cidade e conhecida pelo estímulo ao uso Pesquisa realizada pelo Metrô de São Paulo, disponível em: <http://www.metro.sp.gov. br/metro/arquivos/OD_2007_Sumario_de_Dados.pdf>. Acesso em: 22 de out. 2018.

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da bicicleta –, as periferias não foram abrangidas por tal política. Parte dessas infraestruturas de transporte – especificamente, alguns corredores, terminais de ônibus e estações de metrô – foi construída com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade, programa federal de investimento no transporte coletivo, que deveria diminuir o ônus do aumento da frota de carros e motocicletas iniciado em 2003. No entanto, como visto, por

Figura 14: Malha cicloviária do Município de São Paulo, Terminais de Ônibus Municipais e Renda Domiciliar Per Capita. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e CENSO 2010. Elaboração própria.

R$ 0,00 R$ 6.000,00 ou mais Malha cicloviária 0

60

5 km

Terminal de ônibus municipal


diversos motivos, esses investimentos não alcançaram os bairros mais periféricos. Por outro lado, as periferias foram as áreas que mais sentiram o impacto do incentivo à compra de automóveis. Ou seja, o investimento desigual destinado a essas duas políticas resultou numa situação caótica para toda a região metropolitana, mas, principalmente, para os bairros periféricos. Nessas áreas – além do crescimento do número de automóveis ter sido maior e a morfologia com ruas estreitas, tortuosas e sem conexão entre bairros vizinhos ser inapropriada para um fluxo intenso de veículos –, o investimento em transporte público foi menor, seja devido à histórica concentração desigual dos investimentos públicos nas áreas mais valorizadas ou devido à dificuldade em implantar infraestrutura de transporte adequada nas periferias. O aumento da renda e o acesso ao crédito, como dito anteriormente, dinamizou a economia dos bairros periféricos, estimulando a abertura de pequenos a grandes comércios e aumentando a oferta de serviços. Como pode ser observado nas Figuras 15 e 16, entre 2000

Figuras 15 e 16: Respectivamente, estabelecimentos formais nos setores do Comércio, Serviços e Indústria de Transformação em 2000 e 2016. Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações Sociais – Rais. Elaboração própria.

até 500 500-1.000 1.000-2.000 2.000-3.000 3.000-4.000 mais de 5.000 0

5

0

5 10 15 20 km

5

0

10 Km

5 10 15 20 km 61


até 10.000 10.000-20.000 20.000-30.000 30.000-40.000 40.000-50.000 mais de 50.000 0

10 Km

e 2016, em quase todos os distritos periféricos, houve o aumento 5 0 5 10 15 20 km 5 0 5 10 15 20 km no número de estabelecimentos formais nos setores do comércio e dos serviços. No distrito do Grajaú, por exemplo, nesse período, o aumento de estabelecimentos no setor do comércio foi de 175%, indo de 362 pontos comerciais para 996, enquanto no setor dos serviços esse aumento foi de 426%, indo de 138 estabelecimentos para 726. Consequetemente, a oferta de empregos formais nas áreas periféricas também aumentou (Figuras 17 e 18). Ainda no distrito do Grajaú, entre 2000 e 2016, o crescimento dos empregos formais no comércio e nos serviços foi de 145%, um aumento de 8.813 postos de trabalho. Considerando os estabelecimentos e empregos informais, comuns nas periferias, esses crescimentos devem ter sido ainda maiores. Essa maior atividade dos setores do comércio e serviços nas periferias ocorreu pela chegada de estabelecimentos de diversas escalas, responsáveis também por piorar o trânsito dessas regiões. Entre os maiores deles, estão os shoppings centers populares, como os Shoppings Metrô Itaquera (Figura 19) e Campo Limpo, localizados, em geral, próximos a estações de metrô, em áreas não tão periféricas

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Figuras 17 e 18: Respectivamente, empregos formais nos setores do Comércio, Serviços e Indústria de Transformação em 2000 e 2016. Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações Sociais – Rais. Elaboração própria.

Figuras 19, 20 e 21: Respectivamente, Shopping Metrô Itaquera, localizado próximo à Estação de Metrô de mesmo nome e da Arena Corinthians, ao fundo; Avenida Dona Belmira Marin nas proximidades do Terminal Grajaú; e comércios locais em bairro do Capão Redondo. Imagens: Respectivamente, Google Earth, 2018, Google Street View, 2017 e Ana C. Morais, 2018.


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e que constituem centralidades regionais. No comércio de rua, há centralidades semelhantes ao que Villaça (2001, p. 293) define como “subcentros”: O subcentro consiste (...) numa réplica em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em parte sem, entretanto, a ele se igualar. Atende aos mesmos requisitos de otimização de acesso apresentados anteriormente para o centro principal. A diferença é que o subcentro apresenta tais requisitos apenas para uma parte da cidade, e o centro principal cumpre-os para toda a cidade.

Esses subcentros periféricos, que, em geral, estão em áreas mais bem localizadas próximas a infraestrutura de transporte, são formados por lojas de grandes redes como Casas Bahia e Magazine Luiza, lojas populares de roupas e sapatos, bancos, farmácias, mercados atacadistas, entre outros. No geral, são centralidades mais antigas, mas que, nas últimas décadas, foram fortalecidas. São exemplos desses subcentros periféricos o início da Avenida Dona Belmira Marin nas proximidades do Terminal Grajaú (Figura 20) e alguns pontos ao longo do corredor de ônibus da Estrada do M’Boi Mirim no Jardim Ângela. Por fim, na escala do bairro, além de haver maior informalidade, é onde a transformação das últimas décadas das periferias é mais evidente. Se até meados dos anos 2000 os estabelecimentos nessas áreas eram poucos e pequenos, ligados às necessidades cotidianas como mercado, açougue, padaria e sacolão; hoje, há restaurantes, lojas de roupa, salões de cabelereiro, tabacarias (Figura 21). Mesmo nessas áreas locais, com vias estreitas e tortuosas, nos últimos anos, cresceu o número de estabelecimentos de médio ou grande porte, principalmente, mercados atacadistas, complicando, ainda mais, a situação da mobilidade dos bairros periféricos. As transformações socioeconômicas das periferias nas últimas

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Figuras 22 e 23: Índice Paulista de Vulnerabilidade Social do Município de São Paulo em 2000 e 2010, respectivamente. Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo e Fundação SEADE. Elaboração própria.

décadas, mesmo complicando a situação da mobilidade, resultaram na melhora das condições urbanas, havendo, em geral, uma diminuição da precariedade. Esse fato está relacionado, em primeiro lugar, à consolidação dos loteamentos clandestinos e irregulares dos anos 1960 e 1970, que, hoje, nada têm a ver com o cenário de falta de infraestrutura básica, como saneamento e asfalto, do passado. Em segundo lugar, está relacionado à melhora das condições de vida das favelas e assentamentos precários, seja por meio de investimentos privados ou por projetos de urbanização de favelas, que tiveram recursos federais alocados a partir da instituição do Ministério das Cidades, em 2003, do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), em 2005, e dos Programas de Aceleração do Crescimento 1 e 2, realizados entre 2007-2010 e 2011-2014,

0-1 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6

0

5

0

5 Km

5 10 15 20 km

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respectivamente. Essa melhora das condições urbanas e redução da precariedade pode ser notada nas Figuras 22 e 23, que apresentam o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) do Município de São Paulo em 2000 e 2010, respectivamente. No geral, as regiões periféricas apresentam melhora significativa, quase não havendo mais áreas com vulnerabilidade muito alta. No distrito Iguatemi, por exemplo, na Zona Leste, em 2000, a maior parte da área apresentava vulnerabilidade alta e muito alta, em 2010, no entanto, isso mudou para vulnerabilidade média e alta. O exemplo desse distrito mostra que, embora a situação de vulnerabilidade tenha melhorado, ainda é problemática, apresentando altas condições de vulnerabilidade social. Isso é reiterado por Eduardo Marques (2014, p. 30), ao afirmar que na Região Metropolitana de São Paulo: Certas áreas precárias pouco melhoraram, o padrão de universalização dos serviços é parcial e seletivo (espacial e socialmente), o estoque de precariedade habitacional é ainda muito elevado e os padrões estáveis de mobilidade urbana e de violência urbana são marcados por fortes desigualdades sociais.

Assim, mesmo que haja uma situação melhor comparada ao início da década de 2000, há, ainda hoje, a permanência de condições de vulnerabilidade e precariedade urbanas em São Paulo. A reiteração dessas condições talvez hoje seja causada, principalmente, pela valorização do preço da terra em áreas periféricas. Uma pesquisa intitulada Mercado imobiliário residencial em Paraisópolis: o que mudou nos últimos dez anos?, desenvolvida por pesquisadores da FAUUSP, concluiu que, hoje, as transações imobiliárias realizadas na favela acontecem de forma mais sofisticada, muitas vezes, pela intermediação de uma imobiliária (MEYER, et al., 2017). Além disso, segundo a pesquisa, nos últimos dez anos, Paraisópolis se verticalizou e a proporção de domicílios alugados passou de 12%, em

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Figura 24: Terreno de ocupação recente no Capão Redondo, conhecido como Portelinha pelos moradores ou como ocupação Olga Benário pela Frente de Luta por Moradia. Foto: Ana Cristina Morais, abr. 2017.

2000, para 30%, em 2010, contribuindo para o aumento do preço dos aluguéis. Ainda que Paraisópolis seja um exemplo particular devido ao volume de investimentos públicos recebidos pela área nos últimos anos, processo semelhante ocorreu nas periferias de São Paulo. Assim, em paralelo ao aumento da renda das classes mais baixas, houve a verticalização das periferias, a movimentação do mercado de aluguéis e, consequentemente, o aumento do preço da terra. Essa valorização talvez seja hoje a maior responsável pelo surgimento de novos assentamentos precários como o da Figura 24, no Capão Redondo. Nas duas últimas décadas, o aumento da renda junto com políticas públicas focadas na população mais pobre trouxeram novas dinâmicas para as periferias. Nesse contexto, as desigualdades intraperiféricas foram reforçadas, inclusive por políticas públicas que teriam o objetivo oposto, como o Sistema Tronco-Alimentador no transporte público. Assim, nesse período, as periferias passaram por avanços e retrocessos: se, por um lado, hoje, há maior oferta de

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comércios e serviços, por outro, há a piora do congestionamento; se, por um lado, houve a melhora das condições de vulnerabilidade e precariedade urbanas, por outro, novas dinâmicas produziram velhas precariedades. Ou seja, o período de melhorias econômicas e ampliação das políticas sociais, ainda que tenha elevado as condições de vida, não reverteu, de fato, as desigualdades. Na verdade, paradoxalmente, produziu novas desigualdades, sociais e territoriais, dentro e fora dos bairros periféricos.

2.1. “PERIFERIA [AINDA] É PERIFERIA” Em um texto publicado neste ano no site Esquina, Elisabete França (2018) – utilizando como exemplo uma fala do Secretário Geral da Fundação Feltrinelli, Massimiliano Tarantino, sobre a cidade italiana de Milão – defende que no Brasil, assim como Tarantino defende para a cidade europeia, o conceito de periferia deve ser “exorcizado e superado”. Segundo a arquiteta (FRANÇA, 2018), periferia foi um termo que começou a ser utilizado, por um grupo técnico coordenado por Padre Lebret, na década de 1950, para definir os bairros distantes do centro que começavam a ser ocupadas na época; desde então, o conceito caiu no gosto dos planejadores urbanos, principais responsáveis por difundi-lo. Para França (2018), o conceito – além de estar ligado a ideias formuladas na década de 1950, que o definiam como “fenômeno doentio do tipo canceroso” (SAGMACS, 1958 apud FRANÇA, 2018) – simplifica a leitura urbana, dificultando o entendimento da cidade como ela é. Além disso, para a arquiteta (FRANÇA, 2018), o conceito periferia hoje talvez só faça sentido para aqueles que “(...) encastelados nas suas salas de estudo, nunca tenham conhecido ou até ouvido falar da excelência (...)” das atuais produções artísticas e empreendedoras dos bairros onde vivem a população de renda mais baixa. Em primeiro lugar, é necessário considerar que o Brasil – semelhante a outras nações subdesenvolvidas –, durante o século

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XX, passou por um processo de industrialização e urbanização com baixos salários, que resultaram em situações de precariedade e ilegalidade urbanas particulares, produtos da divisão internacional do trabalho (OLIVEIRA, 1972; MARICATO, 1996). Ou seja, as cidades brasileiras são completamente distintas de qualquer cidade europeia. Assim, aplicar puramente uma fala sobre Milão a São Paulo é desconsiderar as particularidades das cidades brasileiras, como o fato da precariedade e ilegalidade urbanas serem questões estruturais de nossa sociedade. Além disso, relacionar o conceito periferia somente às ideias da década de 1950 e à academia é ignorar seu sentido político, atitude daqueles que “encastelados em suas salas de estudo” desconhecem a realidade ou a enxergam como lhes convém. Segundo Tiarajú D’Andrea (2013), a partir das décadas de 1970 e 1980, o termo periferia passou a ser utilizado pelos movimentos sociais populares por meio da interação entre eles e intelectuais que se dedicavam à questão urbana. Para Giselle Tanaka (2006, p. 90), esses movimentos são os principais responsáveis pela consolidação do termo, carregando um sentido político e social transformador e abrindo “(...) um campo de análise da cidade centrado nos conflitos e antagonismos sociais de caráter urbano”. Mais tarde, na década de 1990, o termo foi apropriado por moradores periféricos, em especial jovens, que, por meio da produção artística, principalmente, ligada ao hip hop, utilizavam o conceito periferia de forma crítica e radical para denunciar para o resto da sociedade a realidade de crise e violência do período (D’ANDREA’, 2013). Nesse cenário, surgem os grupos Racionais MC’s, Facção Central e RZO. Tiarajú D’Andrea (2013, p. 177) – contrapondo-se completamente à ideia de Elisabete França (2018) de que o conceito periferia não é digno da qualidade das atuais produções artísticas e empreendedoras dos bairros onde vivem a população de renda mais baixa – afirma que, hoje, falar em periferia “(...) denota a existência em seu interior de quatro elementos: pobreza, violência, cultura e potência”. Assim,

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o próprio conceito sintetiza a atual produção periférica. Além disso, a maior parte dos agentes dessa produção utiliza o termo como identidade, pautando suas ações a partir dele. Ainda mais, afirmar que o termo periferia não tem relação com a algo de excelência e qualidade como é a atual produção periférica é, além de um desconhecimento da realidade, um preconceito. Porém, é necessário concordar com Elisabete França sobre o fato de que a leitura simplificada e dicotômica de cidade entre centro x periferia pode dificultar o entendimento da realidade atual, uma vez que, como visto, hoje as periferias são áreas heterogêneas, onde vive uma população diversificada e onde há uma maior oferta de comércios, serviços e empregos quando comparada a décadas passadas. No mesmo sentido, Eduardo Marques (2014, p.25) afirma que essa interpretação “(...) não consegue dar conta dos processos recentes, marcados por centros e periferias no plural, nuances, lugares de transição e áreas mistas, mesmo que convivendo com regiões mais exclusivas”, o autor completa dizendo “(...) ser necessário escapar cada vez mais de interpretações duais, abrindo espaço para diversos tipos de espaços (e grupos sociais) intermediários na metrópole” (MARQUES, 2014, p. 30). Ou seja, no caso das periferias, é necessário compreender que hoje elas são desiguais e complexas, existindo áreas distintas no espaço intraperiférico. No entanto, o mesmo autor (MARQUES, 2014, p. 30) emenda afirmando que: Isso não significa o completo desaparecimento de uma estrutura grosseiramente radial e concêntrica em suas dimensões mais gerais, e muito menos das desigualdades socioespaciais que caracterizam São Paulo tão fortemente (...).

Assim, as periferias, ainda hoje, são as áreas urbanas mais violentas, com as piores oportunidades de educação e trabalho, com os piores indicadores sociais e onde vive a população mais vulnerável, como

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até 5 mais de 75

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Figuras 25, 26 e 27: Respectivamente, taxa de mortes por 100.000 habitantes, entre jul. 2016 e jun. 2017, Proporção da População de 18 anos ou mais com Ensino Médio Completo, 2010, e Índice de expectativa de vida, 2015. Fonte: Respectivamente, Folha de São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo e Rede Nossa São Paulo. Edição própria.

pode ser observado nas Figuras 25, 26 e 27. Portanto, o fato de hoje os bairros periféricos serem diferentes do que eram na segunda metade do século XX não significa que o termo periferia não faça mais sentido. É necessário tomar certo cuidado, contudo, uma vez que o uso do conceito periferia ao mesmo tempo que afirma a potência dos bairros periféricos como lugar de insurgência política de luta contra as formas de segregação socioespacial reforça a mesma situação de segregação. É considerando esse último sentido que Elisabete França (2018) afirma que não se deve mais utilizar o termo, fugindo, assim, da leitura dicotômica centro x periferia. Sobre esse ponto, contudo, Tiarajú D’Andrea (2013, p. 179) afirma que: (...) no momento em que se aplacarem as diferenças sociais entre centro e periferia, esta dicotomia terá um sentido apenas geográfico, esvaziando, assim, a necessidade de uma afirmação subjetiva, social e política por meio do termo periferia. Enquanto isso não ocorrer, periferia e periférico seguem vigentes.

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Dessa forma, fazendo menção à música de 1997 dos Racionais MC’s, defende-se aqui que “periferia [ainda] é periferia”.

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3. Uma aproximação com o “chão”: Campo Limpo e Capão Redondo 73


Realizadas as reflexões acerca do histórico de resistências e lutas urbanas e das atuais dinâmicas das periferias de São Paulo, é necessário, agora, uma aproximação com as ações e iniciativas que ocorrem hoje nesses territórios. Para isso, neste capítulo, tendo como recorte territorial parte dos distritos do Campo Limpo e Capão Redondo, serão apresentados um levantamento cartográfico de locais ligados a essas ações e iniciativas e quatro estudos de caso. Desses estudos de caso, dois têm suas origens ligadas aos movimentos militantes das décadas de 1970 e dois estão ligados aos movimentos culturais ativistas com origem na década de 1990. Parte dos locais militantes mapeados, hoje, tem uma atuação muito diferente da época em que foram fundados, distanciando-se das pautas reivindicatórias e da formação de base. Dessa forma, para compreender no que consiste, hoje, a atuação dessas organizações, fez-se necessário os estudos de caso. Foram escolhidos a Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia (ACAM) e o Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia, entidades que, durante a década de 1980, tiveram atuação forte e combativa. Dentro do ciclo ativista, foram escolhidos o Espaço CITA e o projeto Historiorama. Essas iniciativas são, respectivamente, uma ocupação cultural, talvez uma das mais importantes formas de resistência coletiva da atualidade, e um projeto de comunicação, linha de atuação relevante dentro dos movimentos ativistas periféricos. Para a realização dos estudos de caso, foram feitas quatro entrevistas1 com pessoas ligadas a essas iniciativas: Valdineia dos Reis e Verilde Silva, da Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia; Gabriela de Andrade, do Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia; Bando Trapos, coletivo que ocupa o Espaço CITA; e Tony Marlon, integrante da Historiorama. Além disso, especificamente para as duas organizações militantes, também foram realizadas A pesquisa seguiu a Resolução Brasileira n° 510/16, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a avaliação de ética em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais.

1

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pesquisas em acervos de jornais. Para o melhor entendimento dos movimentos ativistas periféricos, foram feitas entrevistas com Baltazar Honório, artista atuante desde a década de 1990 no Campo Limpo, e Gisele Brito, jornalista e integrante da Rede Jornalistas das Periferias. Sobre os distritos do Campo Limpo e Capão Redondo, vizinhos, respectivamente, dos municípios de Taboão da Serra e Embu das Artes, como toda a periferia da Zona Sul de São Paulo, carregam um histórico de lutas e resistências populares. Durante as décadas de 1970 e 1980, foram áreas importantes de ação das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, das Sociedades Amigos de Bairro e dos Clubes de Mães, tendo sido fundamentais para a formação da base militante da época a partir da articulação entre moradores, igreja, partidos políticos e intelectuais. A partir da década de 1990, também nos distritos do Campo Limpo e Capão Redondo, começaram a insurgir iniciativas e grupos culturais, que contestavam e denunciavam a realidade de violência e pobreza vivida pelas periferias no período. É no Capão Redondo, por exemplo, que nasceram os Racionais MC’s, grupo de rap responsável por tornar as ruas e bairros do distrito conhecidos por outras partes da sociedade. Hoje, o Campo Limpo e o Capão Redondo são palcos de diversas iniciativas ligadas a grupos militantes e ativistas, que têm em sua atuação o exemplo e inspiração do histórico de lutas da região. Por esses motivos, o estudo das atuais lutas e resistências urbanas desses dois distritos é relevante. O recorte territorial realizado por estre trabalho abrange o sul do distrito do Campo Limpo e o norte do distrito do Capão Redondo (Figura 28), área que, segundo dados do CENSO de 2010, possui, aproximadamente, 193.500 habitantes. Esse perímetro está delimitado ao norte pelas Ruas Professora Nina Stocco e Eurico de Azevedo Marques, ao sul pela Avenida Dom Rodrigo Sanches, ao leste pela Avenida Carlos Caldeira Filho e ao oeste pelo Rio Pirajussara, que delimita o município de São Paulo dos vizinhos

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Figura 28: Localização da área de estudo. Elaboração própria.

CAMPO LIMPO CAPÃO REDONDO

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5 km

Taboão da Serra e Embu das Artes. As principais vias dessa área são as Estradas do Campo Limpo e de Pirajussara-Valo Velho e a Avenida Carlos Lacerda. Nessa área, estão os CEUs Campo Limpo e Cantos do Amanhecer, a Praça do Campo Limpo e o Terminal de Ônibus de mesmo nome. Além disso, muito próximo, na borda leste, estão o Parque Santo Dias, a Linha 5-Lilás do Metrô, o Terminal de Ônibus Capelinha e o SESC Campo Limpo (Figura 29).

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Figura 29: Área de estudo: sul do distrito do Campo Limpo e norte do distrito do Capão Redondo. Elaboração própria.

Linha Lilás do Metrô Corredores de ônibus Faixas exclusivas de ônibus


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Essa área foi escolhida devido sua heterogeneidade, representando as atuais desigualdades e diferenças das periferias, presentes desde o início do processo de ocupação do território. A área do Capão Redondo, por ser mais periférica, foi ocupada, de modo geral, por uma população mais pobre. Essa diferença é observada ao analisar a morfologia da área de estudo (Figuras 30 e 31). Nota-se em alguns pontos do distrito do Campo Limpo, em especial nas proximidades da Estrada do Campo Limpo, a existência de lotes maiores de 10x25 metros. No Capão Redondo, no entanto, há a predominância de lotes populares de 5x25 metros. A partir da década de 1990, essa diferença entre essas áreas dos dois distritos foi reforçada por um crescimento imobiliário no Campo Limpo, devido a sua proximidade com os distritos da Vila Andrade e do Morumbi. Ocorre, assim, o lançamento de empreendimentos residências para a classe média, atraída por imóveis mais baratos

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0

100 m

Figuras 30 e 31: Respectivamente, morfologia de parte do Campo Limpo e de parte do Capão Redondo. Fonte: Bing Maps.


RESIDENCIAL HORIZONTAL DE BAIXO PADRÃO RESIDENCIAL HORIZONTAL DE MÉDIO/ALTO PADRÃO RESIDENCIAL VERTICAL DE BAIXO PADRÃO RESIDENCIAL VERTICAL DE MÉDIO/ALTO PADRÃO COMÉRCIO E SERVIÇOS INDÚSTRIA E ARMAZÉNS RESIDENCIAL + COMÉRCIO/SERVIÇOS RESIDENCIAL + INDÚSTRIA/ARMAZÉNS

Figura 32: Uso do solo predominante. Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, 2014. Elaboração própria.

COMÉRCIO/SERVIÇOS + INDÚSTRIA EQUIPAMENTOS PÚBLICOS ESCOLAS TERRENOS VAGOS OUTROS SEM PREDOMINÂNCIA SEM INFORMAÇÃO

1895-1990 Figura 33: Renda domiciliar per capita e Lançamentos imobiliários residenciais. Fonte: CENSO 2010 e EMBRAESP. Elaboração própria.

Figura 34: Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo, 2010. Elaboração própria.

1990-1999 1990-2010 2010-2013 R$ 0,00 R$ 6.000,00 ou mais

0-1 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6

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e pela proximidade com as novas áreas de trabalho do “quadrante sudoeste” da cidade. Além disso, a partir da década de 2000, ocorre, no distrito, a expansão de empreendimentos comerciais e educacionais. A área do Capão Redondo, por outro lado, além de historicamente ter sido ocupada por uma população mais pobre, não foi ponto de atração das classes médias e ainda, em sua maior parte, mantém a característica de bairros populares autoconstruídos. É possível observar essas diferenças entre as áreas dos dois distritos nos mapas da página anterior. Na área do Campo Limpo, há uma maior mistura de usos e classes sociais que ocupam o território (Figura 32). Ao longo da faixa de ônibus da Estrada do Campo Limpo, há uma centralidade – um subcentro (VILLAÇA, 2001). Assim, há uma considerável oferta de comércio e serviços e a presença de moradias horizontais e verticais, de baixo a alto padrão. Na área do Capão Redondo, no entanto, há a predominância do uso residencial horizontal de baixo padrão, autoconstrução, e pouca oferta de comércio e serviços. A renda domiciliar per capita do Campo Limpo também é mais elevada (Figura 33). Além disso, é interessante notar que os lançamentos imobiliários se concentram nas áreas com maior renda. Essas condições refletem no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) (Figura 34), em que, de modo geral, a área do Capão Redondo apresenta piores índices quando comparada a do Campo Limpo. Dessa forma, devido a essa heterogeneidade, o perímetro de estudo deste trabalho corresponde a uma amostragem interessante das periferias consolidadas, em que desigualdades socioeconômicas, assim como no resto da cidade, estão colocadas.

Figura 35: Espaços militantes e ativistas. Elaboração própria. Espaços militantes

3.1. LEVANTAMENTO CARTOGRÁFICO

Espaços ativistas Linha Lilás do Metrô

O levantamento cartográfico (Figura 35) consistiu no mapeamento de atuais locais ligados aos dois ciclos de emergência política das periferias apresentados no primeiro capítulo deste trabalho. Assim,

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foram levantadas organizações militantes, com origens ligadas às CEBs e às SABs, e organizações ativistas, ligadas a redes e coletivos. Dentro do grupo de movimentos militantes, com histórico de pautas relacionadas aos direitos básicos, foram levantados Associações de Moradores, Centros Comunitários, Espaços de Economia Solidária, Sociedades Amigos de Bairro e Ocupações de Moradia2. Dentro do grupo de movimentos ativistas, com pautas mais ligadas à cultura, foram levantados Escolas de Samba, Espaços Culturais e Ocupações Culturais.3 No total, foram mapeados 41 locais, sendo 30 militantes e 11 ativistas. Essa maior quantidade de locais militantes ocorre, porque parte de coletivos e iniciativas ligado ao ciclo ativista não possui um espaço físico próprio, sendo comum o uso de redes sociais para organização interna e o uso de espaços compartilhados e/ou públicos para reuniões e realização de atividades. Por exemplo, o Espaço CITA, estudo de caso deste trabalho, é ocupado por diversos coletivos, que realizam diferentes atividades dentro da ocupação. Dessa forma, esses 11 locais levantados não representam o volume da atual produção ativista que ocorre no território, uma vez que um único local mapeado pode ser utilizado ou gerido por diversos grupos e coletivos e acolher diversas atividades. Dos 30 locais militantes mapeados, 23 são associações de moradores ou Sociedades Amigos de Bairro, quatro são centros comunitários, dois espaços de economia solidária e há uma ocupação de moradia. Dos 11 locais ativistas, sete são espaços culturais, dois ocupações culturais e dois escolas de samba. Foram levantados somente locais que ainda hoje estão em atividade. Isso não significa, no entanto, que atualmente esses espaços atuem como Associações de Moradores, Centros Comunitários, Espaços de Economia Solidária ou Sociedades Amigos de Bairro. Além disso, não entraram para o mapeamento a Turma da Touca e o Projeto Arrastão, porque, são iniciativas criadas por agentes externos às periferias.

2

Levantamentos feitos a partir da plataforma SP Cultura da Secretaria Municipal de Cultura, do Mapa das Organizações da Sociedade Civil do Ipea, das entidades cadastradas no Projeto Vivaleite do Governo do Estado de São Paulo, da base de dados com informações públicas do CNPJ, de redes sociais e de trabalho de campo.

3

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Figura 36: Espaços militantes e ativistas por ano de origem. Elaboração própria. Espaços militantes 1960 (2 - 7,4%) 1970 (2 - 7,4%) 1980 (13 - 48,1 %) 1990 (2 - 7,4%) 2000 (7 - 25,9%) 2010-2018 (1 - 3,7%) Espaços ativistas 1960 (0) 1970 (1 - 9,1%) 1980 (1 - 9,1%) 1990 (0) 2000 (0) 2010-2018 (9 - 81,8%) Linha Lilás do Metrô Corredores de ônibus Faixas exclusivas de ônibus


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Dos locais militantes mapeados4, 56% surgiram nas décadas de 1970 e 1980 (Figura 36), exatamente no período de emergência política da classe trabalhadora migrante recém-chegada a São Paulo, que lutava pela melhoria das condições de vida dos bairros onde viviam. 26% desses locais foram inaugurados durante a década de 2000. Uma hipótese para justificar esse número elevado é a gestão municipal de Marta Suplicy (2001-2004), talvez a eleição de uma gestão progressista tenha estimulado a consolidação de novas organizações comunitárias. Durante as décadas de 1960 e 1990, surgiram, em cada, 7% desses locais e, durante a década de 2010, apenas 4%. O único local definido como militante inaugurado na década de 2010 é a Agência Solano Trindade. Esse caso é interessante para elucidar como a separação entre locais militantes e ativistas realizada aqui se coloca mais como um exercício que auxilia na compreensão da realidade do que como uma separação dicotômica fechada. A Agência Solano Trindade foi definida como militante, porque é um espaço de economia solidária, com origem ligada à União Popular de Mulheres (UPM), organização fundada na década de 1960 para reinvindicação de melhorias locais. No entanto, é um projeto criado por jovens, em 2013, com o principal objetivo de “(...) garantir a viabilização financeira da produção artística da região de Campo Limpo e Capão Redondo para que alcancem sua sustentabilidade econômica”5. Assim, a atuação da Solano Trindade está intrinsicamente relacionada à atual produção cultural da região, integrando também o ciclo ativista de insurgência política periférica. Ou seja, há uma hibridização entre militantes e ativistas, não existindo uma separação clara entre os diferentes ciclos apresentados por este trabalho.

Para três locais militantes, não se descobriu o ano de criação. Dessa forma, as porcentagens apresentadas foram feitas com base nos dados dos 27 locais restantes.

4

Disponível em: <https://agenciasolanotrindade.wordpress.com/quem-somos/>. Acesso em: 30 out. 2018.

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Dos 11 locais ativistas levantados, 9 (82%) surgiram na década de 2010, o que confirma que a insurgência ativista dos movimentos de cultura é algo mais recente. No entanto, um dos locais mapeados – Bar do Mutcho, que realiza saraus e atividades culturais – foi inaugurado em 1990, demonstrando que os movimentos ativistas periféricos, embora mais recentes quando comparados aos movimentos militantes, já soma uma história de quase trinta anos. O único local ativista mapeado fundado na década de 1980, especificamente, em 1981, é a Escola de Samba Os Bambas, outro exemplo da hibridização entre militância e ativismo. As duas escolas de samba mapeadas6 foram definidas como locais ativistas, porque, essencialmente, têm a cultura como pauta principal. Contundo, as escolas de samba, historicamente, relacionam-se com as reinvindicações por melhorias das condições do bairro onde está inserida. A Escola Os Bambas, por exemplo, junto com a Igreja Católica, ajudou a criar a Sociedade Amigos de Bairro do Jardim das Rosas, que hoje não existe mais. Dessa forma, mais uma vez, destaca-se que a separação entre locais militantes e ativistas realizada por este trabalho é um exercício, existindo locais e ações que se enquadram ou estão inseridos nos dois ciclos de insurgência política periférica. Quanto à territorialidade, é possível observar na Figura 37 que, de modo geral, os locais militantes estão mais espalhados pelo território, enquanto os ativistas estão concentrados próximos à infraestrutura de transporte. Isso reflete no tipo de território onde se localiza cada um desses espaços. Os locais militantes, no geral, embora difusos, estão concentrados no sul da área de estudo, onde há maior vulnerabilidade social. Os locais ativistas, por outro lado, como estão, no geral, próximos à infraestrutura de transporte, estão em áreas com menor vulnerabilidade social.

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A outra escola de samba mapeada foi a Acadêmicos do Campo Limpo.

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Essa territorialidade ocorre, porque, como a maior parte dos locais militantes são associações de moradores, centros comunitários e Sociedades Amigos de Bairro, ou seja, núcleos organizados por bairros que, em sua origem, tinham relação direta com as condições de precariedade urbana, estão espalhados por todo o território, em especial, nas áreas mais vulneráveis. Além disso, o fato de estarem ligados, em sua origem, à Igreja Católica facilitou a criação desses espaços de forma difusa, uma vez que, praticamente, em cada bairro há uma igreja.

Figura 37: Índice Paulista de Vulnerabilidade Social e espaços militantes e ativistas. Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo, 2010. Elaboração própria. IPVS 0-1 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6 Espaços militantes Espaços ativistas

Linha Lilás do Metrô Corredores de ônibus Faixas exclusivas de ônibus

Outro ponto importante para essa territorialidade está relacionado com o fato de boa parte dos empregos da Região Metropolitana de São Paulo, durante as décadas de 1970 e 1980, ser do setor secundário da economia. Assim, parte dos moradores dos bairros periféricos, nesse período, trabalhava na indústria. Segundo Silvio Caccia Bava (1994), as greves sindicais de 1978-1980, a partir da articulação bairro-fábrica, impulsionaram o crescimento de organizações populares nos bairros, criando espaços de discussão nos locais de moradia dos trabalhadores da indústria. Ou seja, esses trabalhadores levavam para os bairros a consciência de direitos adquirida nas greves e encontravam no local onde moravam respaldo e apoio da Igreja Católica para a organização de base. Os locais ativistas, por outro lado, estão concentrados próximos à infraestrutura de transporte, porque, por promoverem atividades culturais como saraus e peças de teatro, constituem, diferentemente dos locais militantes, centralidades regionais. Assim, é interessante que estejam em áreas com fácil acesso. Na Figura 37, é possível observar que a principal centralidade cultural do perímetro são as redondezas da Praça do Campo Limpo, que desde a década de 1990 abriga diversas atividades e eventos culturais, como o Sarau da Ponte pra Cá, o Sarau do Binho, a Feira Literária da Zona Sul (FELIZS) e o Festival Percurso. O exemplo da Praça do Campo Limpo é interessante, porque é uma

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centralidade importante para os dois ciclos de insurgência política da região, sendo um dos principais símbolos de luta do Campo Limpo e Capão Redondo7. Para o ciclo militante, durante as décadas de 1970 e 1980, era um dos pontos onde se reuniam e se organizavam algumas SABs e Clubes de Mães. Além disso, era onde se realizavam grandes eventos, como comícios durante as campanhas eleitorais e encerramentos de Campanhas da Fraternidade8, onde se reuniam diferentes paróquias da Igreja Católica da região. Para o ciclo ativista, por outro lado, além de hoje ser a principal centralidade cultural da região, foi onde aconteceram as primeiras festas e shows durante a década de 1990 que originaram o movimento cultural do Campo Limpo e Capão Redondo. No Capão Redondo, um outro símbolo importante é o Parque Santo Dias, homenagem ao operário morto em 1979 na Zona Sul, pela Ditadura Militar, durante as greves daquele ano.

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A Campanha da Fraternidade é uma campanha realizada anualmente pela Igreja Católica e coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Criada em 1964, tem como objetivo trazer para igreja uma reflexão acerca de um problema concreto da sociedade brasileira, tendo sido uma ferramenta importante para a ação das Comunidades Eclesiais de Base.

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Figura 38: Maracatu Ouro do Congo na Praça do Campo Limpo. Foto: Sheila Signário, 2015.


3.2. O QUE ACONTECEU COM AS SOCIEDADES AMIGOS DE BAIRRO? a. Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia

TERMINAL CAMPO LIMPO

PRAÇA DO CAMPO LIMPO

CEU CAMPO LIMPO

Figura 39: Localização da Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia. Elaboração própria.

SESC CAMPO LIMPO CEU CANTOS DO AMANHECER

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ACAM Linha Lilás do Metrô Corredores de ônibus Faixas exclusivas de ônibus

PARQUE SANTO DIAS

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A Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia (ACAM) é a antiga Sociedade Amigos de Bairro do Jardim Macedônia, bairro do Capão Redondo que começou a ser loteado no final da década de 1960 e ocupado ao longo da década de 1970. A SAB foi fundada em 1976 por moradores ligados a um político da antiga Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e, em 1978, com auxílio da Igreja Evangélica Holandesa, adquiriu um terreno no centro do bairro para

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a construção de sua sede. No início da década de 1980, com a chegada do padre irlandês John McGrath, a Igreja Católica se somou às reinvindicações da SAB e, em conjunto, conquistaram a construção de um posto de saúde e uma creche no bairro. Em meados da década de 1980, no entanto, moradores ligados à Igreja e ao recém-criado Partido dos Trabalhadores, criticando a atuação clientelista e desvinculada das necessidades do bairro da SAB, lançaram uma chapa para concorrer à direção da entidade. Assim, com a vitória da chapa de oposição, a SAB do Jardim Macedônia, agora vinculada à Igreja Católica e ao PT, passou a ter como principal objetivo ampliar sua atuação para mais moradores, em especial jovens, embasando-se em um projeto de transformação da sociedade por meio da participação popular. Dessa forma, ao longo da década de 1980, foram realizadas diversas atividades, responsáveis pela conquista de novas melhorias para o bairro e por formar, por meio da práxis, os moradores que compunham a SAB e frequentavam a Igreja Católica. Dessas ações, destacam-se o sacolão e a padaria comunitários implementados, respectivamente, nos salões da igreja e na favela do bairro, localizada ao longo do Rio Pirajussara. Na década de 1990, a SAB do Jardim Macedônia sofreu o impacto da reestruturação de 1989 da Arquidiocese de São Paulo, que desmembrou territorialmente a direção da Igreja Católica, tendo como objetivo afastar padres ligados à Teologia da Libertação, acabando, dessa forma, com as Comunidades Eclesiais de Base9. Assim, ao longo dessa década, a atuação da SAB foi se desvinculando da igreja, o que afetou a renovação de sua base, uma vez que a Igreja Católica, a partir dos grupos de jovens, era o principal meio para Na Zona Sul de São Paulo, a única paróquia que não foi afetada por essa reestruturação, devido ao fato de ser a mais conhecida da região e referência para intelectuais e militantes de toda cidade, foi a Santos Mártires no Jardim Ângela, conduzida pelo Padre Jaime Crowe. Até hoje, a Santos Mártires segue sendo um lugar de luta, resistência e formação popular.

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Figura 40: Edifício da atual Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia. Foto: Ana C. Morais, 2018.

alcançar a juventude do bairro. No entanto, ainda nesse período, a SAB era lugar de disputa e construção política, acontecendo eleições concorridas por diferentes chapas ligadas ao PT. A partir da década de 2000, especificamente com os mandatos de Marta Suplicy (2001-2004) na prefeitura e de Lula (2003-2010) no governo federal, parte da base da SAB do Jardim Macedônia se deslocou para dentro de gabinetes petistas, enquanto outra se afastou por diferentes motivos. Nessa década também, em 2003, com apoio do Banco Bradesco, a sede da Sociedade Amigos de Bairro foi reconstruída (Figura 40). Hoje, como dito anteriormente, a antiga Sociedade Amigos de Bairro se chama Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia (ACAM) e tem a assistência social como principal linha de atuação. Dentro dessa linha, de segunda a sexta, são desenvolvidas duas atividades em parceria com a ONG Vocação, antiga Ação Comunitária: o Crêser e o Preparação para o Trabalho (PPT), que são, respectivamente, um projeto que oferece atividades socioeducativas no contraturno escolar para 90 crianças entre 6 e 14 anos e um curso para

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preparação de jovens entre 15 e 18 anos para o mercado de trabalho. Desde a década de 1980, a Ação Comunitária é parceira da antiga SAB, subsidiando atividades socioeducativas que ocorriam em paralelo com a luta pelas melhorias do bairro. Hoje, no entanto, a atual Vocação cobre apenas metade dos gastos da ACAM. Para o restante, é necessário realizar eventos e contar com o apoio de alguns pais que conseguem contribuir com R$ 50,00 por mês. No próximo ano, contudo, devido a uma reorganização da Vocação, a ONG não subsidiará mais as atividades realizadas na ACAM. Dessa forma, a manutenção da entidade e dos dois cursos que oferece está incerto. Segundo a atual presidente Valdinéia dos Reis (2018)10, já foram submetidos, em diferentes momentos, projetos à Prefeitura de São Paulo para estabelecer uma parceria com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, criando, assim, um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) na ACAM. No entanto, o projeto nunca foi aprovado. Assim como nas décadas de 1980 e 1990, hoje, são realizadas eleições a cada três anos para definir a coordenação da entidade. No entanto, diferentemente das disputas do passado, nas últimas eleições não houve concorrência, acontecendo um acordo entre pessoas ligadas à ACAM para a composição de chapa única formada por 16 membros. A maior parte dessas pessoas, contudo, não está no cotidiano da entidade, sendo que algumas nem moram mais no bairro. O que ocorre é, com algumas exceções, uma divisão entre quem compõe a chapa – no geral, assessores do PT – e quem, de fato, conduz e organiza a ACAM.

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, ago. 2018.

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b. Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia

TERMINAL CAMPO LIMPO

PRAÇA DO CAMPO LIMPO

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Figura 41: Localização do Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia. Elaboração própria.

SESC CAMPO LIMPO CEU CANTOS DO AMANHECER

Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia

TERMINAL CAPELINHA

Linha Lilás do Metrô Corredores de ônibus Faixas exclusivas de ônibus

PARQUE SANTO DIAS

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O Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia foi fundado em 1985 por mulheres do Clube de Mães da antiga Sociedade Amigos de Bairro, que, por meio do levantamento das carências locais, concluíram que havia a necessidade de um local para acolher as crianças durante o contraturno escolar. Assim, a partir da articulação do Clube de Mães com a prefeitura, foi cedido um terreno para a implantação do espaço, construído pelos moradores por mutirões durante finais de semana, com blocos de terra comprimida feitos no local. Desde o começo de suas atividades,

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Figura 42: Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia. Foto: Ana C. Morais, 2018.

o Centro Comunitário mantém convênio com a Prefeitura de São Paulo, iniciado com o projeto Orientação Socioeducacional ao Menor (OSEM). Como no início o Centro Comunitário estava vinculado à antiga Sociedade Amigos de Bairro, distantes cerca de 600 metros, também havia relação com a Igreja Católica. Na verdade, de modo geral, os moradores que participavam da igreja, da SAB e do Centro Comunitário faziam parte de um mesmo grupo que se organizava e se dividia entre as três entidades. Assim, o Centro Comunitário também era espaço de debate e formação, construído coletivamente e aberto a todos os moradores. Na década de 1990, o Centro Comunitário também sofreu com a reestruturação da Arquidiocese de São Paulo, passando, a partir de então, por um processo de esvaziamento de seu caráter político reivindicatório. Ainda nesse período, no entanto, o espaço passou a ser utilizado para reuniões e eventos pelos moradores do mutirão autogerido Monet, criado pelo programa FUNAPS Comunitário e construído no bairro. Hoje, a principal linha de atuação do Centro Comunitário é a assistência social, continuando com atividades socioeducativas diárias

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no contraturno escolar para 130 crianças entre 6 e 14 anos, divididas em dois turnos. Assim como na SAB, no Centro Comunitário, além de funcionários que trabalham e mantêm o espaço, há uma diretoria composta por aproximadamente dez membros. Hoje, a principal fonte de recursos do espaço é um convênio com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, que mantém no local um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA), responsável pelas atividades socioeducativas realizadas. No entanto, para a manutenção do espaço, assim como na SAB, é necessário complementar o orçamento com a realização de eventos, excursões e outras atividades. Ainda assim, por ter o apoio do Estado, a atual situação financeira do Centro Comunitário é mais estável do que da SAB11. c. Reflexões

Tanto a antiga Sociedade Amigos de Bairro quanto o Centro Comunitário do Jardim Macedônia, hoje, atuam de forma bastante diferente de quando foram idealizados, não havendo mais as atividades comuns do passado que, partindo de um olhar crítico para os problemas do bairro, formavam e emancipavam a comunidade. Assim como parte do campo progressista brasileiro, nas últimas décadas, esses dois espaços passaram por um processo de institucionalização e burocratização. Dessa forma, hoje, ao invés de serem locais coletivos de formação popular, são espaços que, de modo geral, resumem-se a atividades socioeducativas para crianças e adolescentes, funcionando como espécies de ONGs. De certa forma, considerando os ensinamentos de Paulo Freire (2015), Embora não seja objetivo deste trabalho, é interessante notar as diferenças entre um projeto subsidiado por uma ONG e outro por uma política pública. A ACAM, antiga SAB do Jardim Macedônia, que tem suas atividades custeadas pela Vocação, por conta de uma reestruturação dessa ONG, está com o futuro incerto quanto à manutenção nos próximos anos de suas atividades. O Centro Comunitário, por outro lado, que mantém uma parceria com a prefeitura, ainda que os recursos não sejam suficientes para a manutenção do local, por ser custeado por uma política pública, tem maior estabilidade quanto ao futuro de suas atividades.

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as atuações da SAB e do Centro Comunitário passaram de uma concepção problematizadora da realidade, que, a partir da práxis e da comunhão, reforça a mudança, para uma concepção bancária, que enfatiza a permanência das situações de opressão, mantendo as consciências imersas a elas. Sobre esse ponto, Verilde Silva (2018)12, coordenadora pedagógica da ACAM, afirma que: A Associação é aberta, a comunidade está aqui para ajudar, mas muitas das vezes a gente quer se reunir para reivindicar qualquer melhoria aqui no posto de saúde, que seja um médico, as pessoas não participam (...). Não era como antigamente que se juntava, que ia na Prefeitura todo mundo, fazia abaixo-assinado.

Sobre a relação, hoje, da atuação do Centro Comunitário com os problemas do bairro, Gabriela de Andrade (2018)13, gerente pedagógica da entidade, afirma que: (...) a organização ainda tem esse olhar crítico, ainda tem esse olhar aqui dentro do que a sociedade necessita. Mas ela não tem uma força, se ela não tem uma resposta da comunidade junto com ela, ela não consegue nada, porque é um sozinho lutando por um montante.

Ainda assim, dentro de seu alcance, as duas entidades buscam nas atividades que realizam incorporar um caráter formativo, como pode ser observado neste trecho da entrevista de Gabriela de Andrade (2018) concedida a este trabalho: Eu vejo que nós aqui nós somos uma potência a uma formação para essas crianças e esses adolescentes, uma referência, ensinamos eles serem pensantes, que chegam questionam, perguntam (...). A gente tem um bom número de famílias frequentes, (...) eles vêm

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, ago. 2018.

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, set. 2018.

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no encontro de famílias, que é sempre um encontro formativo e informativo, a gente sempre traz uma pequena formação para família e as informações que elas necessitam, que está dentro do contexto dela, dentro do cotidiano dela. Então é nesse sentido que a gente vai, formar cidadão, não somos só mais um que atende a necessidade, que alimenta e manda para casa.

Dessa forma, é necessário considerar que, ainda que o caráter formativo não tenha a mesma força do passado, a atuação das duas entidades, num bairro na periferia do Capão Redondo, tem sua importância. No meio das carências e vulnerabilidades sociais do Jardim Macedônia, atividades no contraturno escolar e de preparação para o mercado de trabalho são um apoio às famílias que, diferentemente da classe média, não conseguem pagar cursos para a formação e entretenimento de seus filhos. Além disso, pode significar um complemento na alimentação de uma criança ou a permanência do jovem distante do crime, preocupação comum de qualquer família periférica. Ainda mais, manter espaços e atividades como esses num bairro periférico, enfrentando a falta de recursos e diversas precariedades, é uma forma de resistência. Sobre as mudanças na atuação da SAB e do Centro Comunitário do Jardim Macedônia ao longo das últimos anos, é necessário considerar que, principalmente, durante a década de 1980, havia um contexto muito favorável para a participação popular: as condições urbanas do bairro eram extremamente precárias; na Igreja Católica, num momento em que 89,2% da população brasileira se definia como pertencente a essa religião14, haviam padres comprometidos com a luta e emancipação popular; era um momento de reabertura democrática; e, emergia um novo partido construído a partir das bases nas fábricas e bairros periféricos. Dessa forma, de fato, assim

Dado do CENSO de 1980. Fonte: <https://www.redebrasilatual.com.br/revistas/11/ocatolicismo-no-brasil>. Acesso em: 31 out. 2018.

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como na maior parte dos antigos locais militantes periféricos15, houve um processo de esvaziamento político formativo na Sociedade Amigos de Bairro e no Centro Comunitário do Jardim Macedônia. Contudo, é necessário considerar que, no passado, havia um cenário muito particular e que, portanto, esse esvaziamento é resultado de uma combinação de diversos fatores. Para Maria da Glória Gohn (2014), esse processo de esvaziamento político, principal resultado do deslocamento da antiga base para a institucionalidade dos gabinetes, que ocorreu nas organizações do Jardim Macedônia e, no geral, nos antigos espaços militantes, é uma das hipóteses que justifica a atual fragilidade dos movimentos sociais brasileiros. Dessa forma, a conquista do poder político pelos setores que antigamente estavam na oposição não significou o fortalecimento das organizações populares, pelo contrário, no geral, elas se enfraqueceram. Por outro lado, a conquista do poder por esses setores, como visto no capítulo anterior, transformou a realidade dos bairros periféricos, avançando, ainda que com contradições, na elevação das condições de vida e diminuindo precariedades urbanas – antigos motivos e combustíveis de luta e resistência.

3.3. O QUE HÁ DE NOVO? É NOVO? a. Espaço CITA

O Cantinho de Integração de Todas as Artes (CITA)16 é uma ocupação cultural localizada em frente à Praça do Campo Limpo e que surgiu em 2011 a partir da necessidade da Trupe Artemanha de Investigação Teatral17 em desenvolver um projeto contemplado É claro que há exceções, como a União Popular de Mulheres na área de estudo deste trabalho e a Paróquia Santos Mártires no Jardim Ângela.

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Mais informações em: <https://espacocita.wordpress.com/>. Acesso em: 04 nov. 2018.

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A Trupe Artemanha de Investigação Teatral surgiu em 1996 no bairro Jardim Clementino, no município de Taboão da Serra. A partir de 2005, o coletivo se radicou

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TERMINAL CAMPO LIMPO

PRAÇA DO CAMPO LIMPO

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SESC CAMPO LIMPO CEU CANTOS DO AMANHECER

Figura 43: Localização do Espaço CITA. Elaboração própria. TERMINAL CAPELINHA

Espaço CITA Linha Lilás do Metrô Corredores de ônibus Faixas exclusivas de ônibus

PARQUE SANTO DIAS

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pela 18a Edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. Esse projeto consistia na instituição de uma Escola Popular de Teatro no Campo Limpo, sendo necessário, para isso, um espaço para a formação de 17 jovens. Assim, em conversa com a Subprefeitura do Campo Limpo, foi cedido o espaço da atual ocupação, sendo a Trupe Artemanha responsável pelas melhorias no Campo Limpo, desenvolvendo projetos como o Festival Nacional de Teatro do Campo Limpo (FESTCAL) e produzindo espetáculos como Brasil, Quem Foi que Te Pariu? (2009 e 2011) e O Homem que Virou Suco (2012). Atualmente, o coletivo atua no nordeste do país. Mais informações em: <https://www.facebook.com/ trupeartemanha/>. Acesso em: 03 nov. 2018.

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Figura 44: Espaço CITA. Fonte: Google Street View, 2017.

dos dois antigos barracões de madeira. Segundo Welton Silva, Deco Morais e Joka Andrade (2018)18, ex-integrantes da Trupe Artemanha e atuais membros do Bando Trapos19, o local, antiga sede da Subprefeitura do Campo Limpo, estava abandonado, sem energia e água e com armários, mesas, documentos e entulhos espalhados pelo local. Depois de aproximadamente três meses da limpeza e início da ocupação, a própria Subprefeitura que cedeu o espaço começou a ameaçar a permanência do coletivo no local. Assim, em contraposição, foi realizada a Revirada Cultural da Resistência, 36 horas de atividades culturais no espaço, produzida por grupos e coletivos de vários bairros periféricos de São Paulo. Como resultado, foi conquistada a concessão de uso do local por três meses, vencidos em dezembro de 2011.

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, set. 2018.

Coletivo artístico do Campo Limpo formado por ex-integrantes da Trupe Artemanha depois que este migrou para o nordeste do país. Atualmente, é um dos coletivos responsáveis pela manutenção do CITA.

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Com o passar do tempo – em meio a ameaças do poder público, casos de preconceito da vizinhança e crises causadas pela falta de dinheiro –, foi se somando ao CITA outros coletivos para ocupar e gerir o espaço, como o Maracatu Ouro do Congo e a Escola de Notícias. Desde o fim do projeto da Escola Popular de Teatro, para manutenção do espaço, foram obtidos recursos por meio dos projetos ProaC Território das Artes, do Governo do Estado, e Ponto de Cultura, da Prefeitura de São Paulo, além de maneiras alternativas como a venda de cachorro-quente e bebidas em eventos no espaço e na Praça do Campo Limpo. Em 2013, em uma negociação com a Subprefeitura do Campo Limpo que, mais uma vez, ameaçava a permanência do CITA, foi cedido um dos barracões do local para a Secretaria Municipal da Saúde, que implantou um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no local. Além disso, foi feito um acordo verbal entre o CITA e a Subprefeitura, mantendo a ocupação cultural. Nesse período, com a ameaça de sair do espaço, o Bando Trapos – que estava em processo de montagem de um espetáculo dentro do projeto intitulado Três Eixos: Ocupar, Revelar e Difundir – adaptou a peça Mephisto Injustiçado, inicialmente programada para acontecer na rua, para o espaço, realizando, assim, um espetáculo itinerante, resgatando a história do CITA e trazendo a reflexão acerca de resistências nas periferias. De certa forma, o Espaço CITA, assim como todas as precariedades do Campo Limpo, é sujeito e objeto de criação dos coletivos que o ocupam. Hoje, o CITA é ocupado por nove coletivos: Bando Trapos, C9 Iluminação, Candongueiros do Campo Limpo, Cia Diversidança, Escola de Notícias, Maracatu Baque Mulher, Maracatu Ouro do Congo, Sarau da Ponte pra Cá e Via Vento Cia. Há, no entanto, certa sazonalidade, dependente do período que alguns coletivos são contemplados por projetos. Bando Trapos e Maracatu Ouro do Congo, contudo, independente de projetos, permanecem no espaço. Além disso, o CITA se mantém sempre aberto a coletivos e

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iniciativas, que usam o local como residência, passagem ou apoio, sendo, como diz seu nome, um espaço de integração, onde há trocas e diversidade de atividades. Dentre essas atividades, neste ano, ocorre com regularidade no local oficinas de percussão, tambor de mão, pandeiro, capoeira, maracatu, musicalização infantil, produção cultural, comunicação, roda de jongo, entre outros. Além disso, estão em andamento os projetos Bando Trapos Recebe e Caldos e Causos, que consistem, respectivamente, em receber no espaço o espetáculo de algum coletivo de teatro periférico de outras regiões da cidade e uma Mostra de Cenas realizadas pelo Bando Trapos a partir de um depoimento de um morador sobre a história do Campo Limpo. Depois de uma tentativa de gestão compartilhada do CITA entre os coletivos que o ocupam, com divisão igualitária e horizontal de responsabilidades, hoje, a gestão é realizada pelo Bando Trapos. No entanto, por se um espaço compartilhado, os coletivos ocupantes também são responsáveis por sua manutenção e limpeza. Segundo Joka Andrade (2018)20, membro do Bando Trapos, a gestão do espaço, por envolver muitas pessoas, é um processo que eles ainda estão buscando caminhos de como realiza-la, estando em constante experimentação. No entanto, o fato da gestão não ser realizada pelo poder público possibilita certa flexibilidade quanto aos horários e ao tipo de atividades realizadas, respectivamente, porque é possível expandir o horário de funcionamento do espaço dependendo da necessidade e porque, diferentemente das Casas de Cultura, por exemplo, não há burocracias que barrem a realização de alguma atividade no local. Hoje, a principal fonte de recursos para manutenção do CITA é o projeto Teatro na Periferia: Ocupação de Territórios e Imaginários, contemplado pela segunda edição do Programa de Fomento à

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, set. 2018.

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Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo. Dentro desse projeto, estão o Bando Trapos Recebe, o Caldos e Causos e o Circuito CITA, semana com atividades culturais no espaço e na Praça do Campo Limpo. Além disso, para complementação dos custos, cada coletivo que ocupa o local ajuda com uma contribuição mensal e em alguns eventos são vendidos lanches e bebidas. Desde dezembro de 2011, quando venceu o prazo da concessão de uso do local cedida pela Subprefeitura do Campo Limpo, o CITA busca um novo termo de concessão por um período de cinco anos, pedido que, no entanto, nunca foi atendido. Neste ano, em 2018, a ocupação está, mais uma vez, ameaçada pela Secretaria Municipal de Saúde, que pretende implantar nas proximidades da Praça do Campo Limpo um polo modelo de saúde e, para isso, usaria o local do CITA. Vale ressaltar que a saúde, devido sua importância colocada pela sociedade civil, é uma justificativa recorrente para se contrapor a pautas culturais. É necessário destacar que, após sete anos de ocupação, a permanência do CITA no local é importante por três motivos. Em primeiro lugar, somados os sete anos, já se investiu um montante de recursos públicos no espaço. Em segundo lugar, depois de enfrentar casos de preconceito, hoje, a vizinhança respeita e aceita o espaço, trabalho que leva tempo em ser realizado. Por fim, hoje o CITA é referência em resistência cultural periférica, sendo conhecido no Campo Limpo e em outras regiões da cidade. b. Historiorama

A Historiorama é um projeto de comunicação criado em 2018, no Campo Limpo, que tem como principal objetivo laboratoriar plataformas alternativas de comunicação e de distribuição de conteúdo21. Tendo como síntese a frase “pelo direito de todas e

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Mais informações em: <https://www.historiorama.com/>. Acesso em: 04 nov. 2018.

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todos contarem a sua história do mundo”, a iniciativa criada e desenvolvida por jovens periféricos busca fazer com que a periferia construa e consolide seus próprios veículos de comunicação, contando, dessa forma, sua própria história. A Historiorama tem em sua identidade e território de ação a periferia da Zona Sul de São Paulo, especificamente, o Campo Limpo, o Capão Redondo e o Jardim Ângela. Diferentemente dos casos apresentados anteriormente, essa iniciativa não é um local, portanto, não aparece na cartografia. A Historiorama começou a ser desenvolvida em 2017, a partir das inquietações do jornalista e morador do Campo Limpo Tony Marlon Santos, que depois de ter participado de projetos de uma agência22 e de uma escola23 de comunicação periféricas, concluiu que havia a necessidade de um veículo para a distribuição de conteúdo. Segundo o jornalista (SANTOS, 2018)24, hoje, diferentemente de anos atrás, as periferias têm meios para criar suas próprias estruturas. Para Tony Marlon Santos (2018), essas estruturas próprias também são necessárias para gerar um mercado de trabalho nas periferias, uma vez que, os jovens periféricos com curso superior vão disputar vagas de emprego com a classe média mais bem instruída formalmente, que mora nos bairros mais bem localizados e que, no geral, não vai sofrer preconceito de classe e raça, já ocorrendo, portanto, uma desvantagem. A equipe da Historiorama, hoje, é composta por cinco pessoas que se organizam de forma horizontal. Para reuniões e atividades, o grupo utiliza, principalmente, o Centro de Mídia e Comunicação Popular M´Boi Mirim25 e o Espaço CITA. Agência de Comunicação Maré Alta, criada em 2008 e desenvolvida dentro da ONG Projeto Arrastão, no Campo Limpo.

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Escola de Notícias, criada em 2011. É um dos coletivos que ocupam o Espaço CITA.

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, set. 2018.

Localizado no Jardim Ângela e criado em 2017 pelo coletivo Desenrola e Não Me Enrola, é um espaço aberto a coletivos e articuladores culturais locais. Mais informações

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Figura 45: Capa da segunda edição do jornal Embarque no Direito. Foto: Historiorama, 2018.

Atuando com comunicação, hoje, a Historiorama desenvolve dois projetos, o Embarque no Direito e a Rádio Feito Nós. O Embarque no Direito é um jornal comunitário, com tiragem de 20.000 exemplares, dirigido aos moradores com mais de 40 anos dos distritos do Campo Limpo, Capão Redondo e Jardim Ângela, distribuído gratuita e mensalmente pela manhã em terminais de ônibus da região. O jornal tem como objetivo traduzir e territorializar direitos constitucionais para essa população que está saindo da Zona Sul para trabalhar, “(...) dizer como é que um direito daquela pessoa se manifesta ou não dentro de onde ela mora” (SANTOS, 2018)26. Assim, em cada edição é definido um direito que será destrinchado e explicado de uma maneira fácil de ser entendida, buscando alcançar o morador que não está inserido dentro do meio dos movimentos sociais periféricos. Para a elaboração do Embarque no Direito, a cada edição é aberto um chamamento para que sete jovens periféricos, entre 16 e 29

em: <https://www.facebook.com/centromidiamboimirim/>. Acesso em: 04 nov. 2018. 26

Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, set. 2018.

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anos, definam a pauta, pesquisem o direito, escrevam e diagramem o jornal, recebendo, para isso, uma Bolsa Reportagem. Dessa forma, o jornal não é produzido pelos membros da Historiorama. Além disso, mais 16 jovens da região são remunerados para distribuir os exemplares para a população. O Embarque no Direito conta com o apoio institucional e financeiro do Fundo Zona Leste Sustentável27 e, a partir de outubro de 2018, mantém anúncios publicitários de produtos ou serviços que signifiquem oportunidades para seus leitores, tendo relação com a causa emancipatória colocada pelo jornal. O outro projeto da Historiorama, a Rádio Feito Nós, é um podcast semanal sobre assuntos relevantes para as periferias28. Assim, os programas tratam sobre temas diversos como empreendedorismo periférico, editais abertos, oportunidades e eventos, tendo como objetivo compartilhar essas informações com os moradores das periferias. Além disso, nos programas, geralmente, são realizadas entrevistas com pessoas que estão desenvolvendo projetos e iniciativas nos bairros periféricos. Dessa forma, a Rádio Feito Nós pretende, também, produzir memória oral da história das periferias. Durante o mês de outubro de 2018, o podcast contou com apoio da Fundação Tide Setubal, dentro do projeto chamado No Centro da Pauta, realizado em conjunto com os coletivos Alma Preta, Casa no Meio do Mundo, Desenrola e Não Me Enrola, Imargem, Periferia em Movimento e TV Grajaú - SP29. No entanto, a Rádio Feito Nós não conta regularmente com apoio financeiro.

Iniciativa fundada pela Fundação Tide Setubal e pelo Instituto Alana que tem como objetivo estimular empreendimentos inovadores nas periferias de São Paulo. Atuante desde 2005 na Zona Leste, a partir de 2018, começou a expandir seus trabalhos para outras regiões periféricas da cidade. Mais informações: <http://www.zlsustenta.org. br/>. Acesso em: 04 nov. 2018.

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Episódios disponíveis em: <https://soundcloud.com/feitonos>. Acesso em: 04 nov. 2018.

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Matérias disponíveis em: <https://www.facebook.com/hashtag/nocentrodapauta>. Acesso em: 06 nov. 2018.

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c. Quem é esse “novíssimo sujeito”?

Eder Sader, em seu livro, de 1988, Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo 1970-1980, demonstra como a prática política e social, embasada no cotidiano, dos movimentos das décadas de 1970 e 1980, definidos por este trabalho como militantes, fez emergir um “novo sujeito” coletivo – migrante, pouca escolaridade, trabalhador braçal, e morador dos novos bairros periféricos nas franjas urbanas30. Dessa forma, se, nas décadas passadas, nos movimentos militantes periféricos o sujeito tinha esse perfil, indaga-se: quem é o sujeito coletivo que insurge a partir dos movimentos ativistas das periferias, quem é esse “novíssimo sujeito”? Tiarajú D’Andrea (2013, p. 174), narrando o processo de surgimento de uma nova subjetividade nas periferias de São Paulo iniciado a partir da década de 1990, define esse “novíssimo sujeito”, que se expressa nas ações políticas dos movimentos e coletivos culturais periféricos, como “sujeito periférico”. Para ser definido como tal, deve assumir e ter orgulho de sua condição de periférico e agir politicamente a partir dela. Dessa forma, sua ação insurge a partir de um “(...) senso crítico com relação à forma como a sociedade está estruturada” (D’ANDREA, 2013, p. 175). O entendimento dessas questões estruturais da sociedade, como as condições de desigualdade e a segregação socioespacial ainda impostas aos bairros periféricos, talvez hoje seja o principal motivo de luta e resistência nas periferias. Esse fato está relacionado com as transformações urbanas e sociais ocorridas nos bairros periféricos nas duas últimas décadas. Hoje, como visto no capítulo 2 deste trabalho, as periferias estão consolidadas, não apresentando, de modo geral,

É interessante destacar que, para Sader (1988), esses “novos sujeitos” emergem em meio à crise das instituições (Igreja Católica, esquerda e sindicalismo), que, nas décadas de 1970 e 1980, são desfeitos e refeitos sob a ação de novos discursos e práticas realizada por eles.

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as carências do passado, como falta de água, luz, asfalto e transporte. Dessa forma, se antes as precariedades urbanas eram o principal combustível de luta dos “novos sujeitos” (SADER, 1988), hoje, inseridos em um contexto diferente do das décadas de 1970 e 1980, os “novíssimos sujeitos” lutam e resistem contra questões estruturais mais amplas. Por esse motivo, e pela permanência das condições de desigualdade e segregação socioespacial, emergem no discurso dos “sujeitos periféricos” (D´ANDREA, 2013)31 questões como genocídio da juventude negra, falta de oportunidades para os jovens, desigualdade territorial na distribuição de recursos públicos, entre outros. A maior parte desses “novíssimos sujeitos” coletivos nasceu em São Paulo, sendo, no geral, filhos ou netos dos migrantes das décadas de 1970 e 1980. Da mesma forma que vivenciam diferentes condições urbanas das que seus pais vivenciaram no passado, têm maior grau de escolaridade. De forma geral, esses “novíssimos sujeitos” cursam ou concluíram cursos técnicos ou superiores, os que não, no mínimo, concluíram o ensino básico. Nesse contexto, políticas como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e as cotas em universidade públicas são ferramentas importantes para o fortalecimento desse sujeito e, consequentemente, das atuais lutas e resistências periféricas. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Update (2018, p. 68), já citada neste trabalho, que entrevistou jovens que atuam politicamente hoje nas periferias de várias cidades do Brasil: Muitos dos entrevistados [pela pesquisa] até 30 anos conseguiram fazer faculdade através do Prouni, enquanto os acima de 30 falam do esforço desproporcional de terem pago cursos privados. A maioria dos fazedores, independente da idade, relata serem os

Para Tiarajú D’Andrea (2013), o “sujeito periférico” começa a insurgir a partir da década de 1990 por conta do cenário de pobreza e violência das periferias. Nesse período, contudo, as condições urbanas dos bairros periféricos também eram bastante diferentes das de hoje.

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primeiros da família a conseguirem se formar.

É interessante notar como que por meio dessas políticas de acesso ao ensino superior os dois ciclos de insurgência política periférica colocados por este trabalho – militante e ativista – se encontram. Parte do primeiro, ao chegar ao poder, mesmo que isso tenha significado o esvaziamento de sua ação política nas periferias, fortaleceu o segundo ao facilitar o acesso dos mais pobres ao ensino superior32. Além disso, a insurgência do ciclo ativista, como visto no primeiro capítulo, está relacionada ao distanciamento do ciclo militante de sua antiga base. Também, diferentemente de seus pais e avós, por terem maior qualificação, esses “novíssimos sujeitos” não trabalham com serviços braçais, fato relacionado também com o crescimento do setor terciário na Região Metropolitana de São Paulo abordado no capítulo 2 deste TFG. As formas de trabalho desses sujeitos é um ponto que vale a pena ser aprofundado. Diferentemente dos “novos sujeitos” (SADER, 1988) das décadas de 1970 e 1980 que concentravam sua ação política nas periferias, principalmente, durante os finais de semana, uma vez que precisavam conciliar militância com trabalho33, os “novíssimos sujeitos” buscam, no geral, unir seu ativismo com trabalho. Ou seja, buscam fazer com que seu ativismo seja sua fonte de renda, podendo, assim, dedicar mais tempo às causas que acredita. Por esse motivo, emerge na luta a defesa de editais públicos de financiamento, como o programa VAI e a Lei de Fomento às Periferias, conquistas dos movimentos periféricos. Além disso, devido essa união, ocorre a aproximação com o terceiro setor, fato também relacionado com o crescimento de ONGs e entidades filantrópicas a partir da década de 1990. Essa

Esse fato não pode ser utilizado, contudo, para barrar as críticas por parte dos atuais movimentos ativistas periféricos aos governos petistas.

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Muitos desses trabalhadores, especialmente as mulheres, em um período em que empregados domésticos não tinham direitos, dormiam durante a semana no serviço, retornando para casa somente aos finais de semana.

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aproximação agrega aos movimentos periféricos ativistas termos como “empreendedorismo social”, “negócios de impacto social”, “empreendimentos inovadores”, entre outros. Em parte, o uso desses termos pelos “novíssimos sujeitos” resulta da aproximação com o terceiro setor, no entanto, é necessário considerar que talvez também seja resultado do neoliberalismo que, conforme afirmam Pierre Dardot e Christian Laval (2016), antes de ser uma ideologia ou uma política econômica, é uma racionalidade. Inseridos nesse contexto, parte dos “novíssimos sujeitos” aproxima sua ação política ativista da lógica empresarial, constituindo uma espécie de “sujeito empresarial periférico”. Considerando os pontos apresentados, conclui-se que o “novíssimo sujeito” ou o “sujeito periférico” (D’ANDREA, 2013), no geral, possui as seguintes características: nascido em São Paulo, morador dos bairros periféricos consolidados, com ensino técnico ou superior e que tem em seu ativismo seu trabalho. É necessário considerar que esses “novíssimos sujeitos” são diferentes dos “novos sujeitos” das décadas passadas, fundamentalmente, porque estão inseridos em um outro contexto, resultante das transformações da sociedade brasileira ocorridas durante as últimas décadas e que trouxeram consequências, principalmente, para a população mais pobre34. Dessa forma, para compreender quem é esse “novíssimo sujeito” é necessário, antes de tudo, entender essas transformações e suas consequências. d. Reflexões

Os exemplos do Espaço CITA e da Historiorama e as considerações acerca do “novíssimo sujeito” coletivo trazem algumas questões. Em primeiro lugar, ainda que este trabalho tenha apresentado apenas dois casos de movimentos ativistas, nota-se uma variedade

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Assunto abordado no Capítulo 2 deste trabalho.

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de atividades e linhas de atuação, evidenciando que cultura deve ser entendido como algo amplo. O Espaço CITA, por exemplo, é ocupado por coletivos de teatro, dança e música, temas tradicionalmente enquadrados como cultura, mas também por um coletivo de comunicação, a Escola de Notícias, além de receber atividades sobre assuntos diversos, como sistema político, gênero e educação. Sobre essa questão, o jornalista Tony Marlon Santos (2018)35 afirma: (...) foi muito difícil desconstruir na minha cabeça que cultura não é o fazer artístico, demorou muito. Quem me desensinou isso foi (...) principalmente o VAI e o Gil Marçal [ex-coordenador do núcleo de fomento à cidadania da Secretaria Municipal da Cultura], que veio e falou: “não, cultura é esse produzir de sentido, é produzir sentido, criar sentido, ressignificar sentido”. Eu falei: “não, mas isso a comunicação também faz; o que a gente está propondo? A gente está formando jovens para olhar a comunicação, olhar o seu bairro a partir de uma outra perspectiva, olhar para a comunicação a partir de uma outra perspectiva (...)”. Eu falei: “ah, então isso é cultura!”.

Dessa forma, dentro dos movimentos ativistas culturais, há uma diversidade de linhas de atuação, incluindo grupos e coletivos que trabalham com temas que vão de teatro, dança, música e literatura a comunicação, cartografia, ilustração, gênero e assim por diante. Outro ponto importante – já abordado no primeiro capítulo deste trabalho, mas que precisa ser enfatizado – é que essas iniciativas não são novas. Embora tanto o Espaço CITA quanto a Historiorama sejam recentes, respectivamente, de 2011 e de 2018, ambos se originam de coletivos mais antigos. Como visto, o CITA surgiu a partir de uma demanda da Trupe Artemanha de Investigação Teatral, coletivo que surgiu em 1996. Já a origem da Historiorama

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Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, set. 2018.

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está relacionada com a Agência de Comunicação Maré Alta, criada em 2008. Assim, reforça-se aqui que os movimentos ativistas periféricos começam a insurgir a partir da década de 1990, tendo ganhado força, principalmente, a partir da década de 2000 por conta de editais e fomentos e, mais posteriormente, por conta de políticas de acesso ao ensino superior. Dessa forma, nos últimos dez anos, os movimentos ativistas são o principal polo de efervescência política nas periferias. Historicamente, as periferias carregam o estigma negativo de pobreza, violência e termos afins. Por esse motivo, quando se pensa em periferia, especificamente, no que hoje está sendo produzido pelos movimentos culturais, tende-se a imaginar algo de baixa qualidade, feito de forma amadora por pessoas sem instrução. Sobre esse ponto, o ator Deco Morais (2018)36, integrante do Bando Trapos, afirma: É engraçado, porque quando a gente pensa em Periferia, a gente acha que… (...) eu também achava que era uma coisa de menos potencial, que era... sei lá, você vê a periferia como uma coisa menor. E aí você vai se quebrando com isso. (...) Uns tapas na cara que a gente vai tomando e vai se quebrando, de achar que vai encontrar um bando de coitadinho, que está fazendo o teatrinho lá e que, quando você vai ver, você vê que não é nada disso, velho, o buraco é mais embaixo.

Em primeiro lugar, os quase 30 anos de história de produção cultural nas periferias, com as conquistas de editais para fomento e a busca de outras formas para angariar recursos, fizeram com que o movimento se profissionalizasse, sem perder, no entanto, a combatividade e resistência. Além disso, como visto no item anterior, parte dos “novíssimos sujeitos” ou “sujeitos periféricos” (D’ANDREA, 2013) tem formação técnica ou superior. Não que educação formal, de

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fato, signifique algo, mas, se diploma for importante para atestar qualidade, os movimentos ativistas periféricos contam com isso. Dessa forma, o que está sendo produzido hoje nas periferias não é algo amador feito por quem não tem noção do que está sendo feito. Pelo contrário, a disponibilidade de recursos, ainda que sejam precários, e a educação formal somadas à vivência das carências e adversidades dos bairros periféricos resultam em uma produção crítica, de qualidade e embasada na realidade em que está inserida. Assim, é necessário refutar a ideia de que o que está sendo produzido hoje nas periferias não tem qualidade. Para combater esse e outros preconceitos, os atuais grupos e coletivos periféricos buscam trabalhar com o imaginário coletivo, desconstruindo, principalmente, a imagem de que os próprios moradores periféricos têm do local onde vivem, seja sobre os movimentos culturais ou sobre carências e violências das periferias. Sobre isso, Nicoly Soares (2018)37, integrante do Bando Trapos, afirma: Eu acho que é todo um trabalho de imaginário. Trabalhar o imaginário tanto das pessoas que moram aqui perto em relação a violência, a imagem de cultura também, porque minha mãe, meu pai nunca assistiram uma peça de teatro. (...) Então, a gente tem que trabalhar o imaginário (...), a praça é segura, a cultura não é coisa de vagabundo.

Paralelo à reconstrução do imaginário coletivo, está o reconhecimento da condição de periférico e o sentimento de pertencimento. Segundo Baltazar Honório (2018)38, artista atuante desde a década de 1990 no Campo Limpo: (...) essa cultura de não querer se mostrar igual ou pertencente a este lugar que tem que ser destruída. O trabalho que foi feito e o que eu aprendi fazendo o trabalho que eu faço, que é ser ativista

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cultural, de fortalecer a cultura na quebrada através de economia solidária e outras coisas mais, é justamente esse ponto, de fazer com que as pessoas se entendam pertencentes a este lugar, entendeu? Todos eles têm suas culturas e elas tem que ser valorizados e não pode se negar de onde você vem, porque isso te atrapalha muito no seu desenvolvimento.

O ator Welton Silva (2018)39, integrante do Bando Trapos, complementa: É a questão do pertencimento, parece que as pessoas pensam “eu não pertenço aqui”. Por isso que o nosso projeto está ligado neste lugar. A maioria das pessoas que reside aqui no Campo Limpo são migrantes e você hoje é pertencente a este espaço, então conte a sua história, eu quero ouvir a sua história, (...) porque, quando eu me sinto pertencente a este lugar, eu participo. Então eu não me projeto no que a Rede Globo, no que as grandes mídias dizem o que é bom.

Ou seja, um dos objetivos do movimento ativista periférico, talvez o mais importante, é reconstruir o imaginário coletivo sobre as periferias, tanto do restante da sociedade quanto, e principalmente, de seus moradores. Dentro desse processo, para os moradores dos bairros periféricos, está o reconhecimento de sua condição e, consequentemente, o sentimento de pertencimento ao local em que vive. Para Tiarajú D’Andrea (2013), como visto no item anterior, assumir e ter orgulho da condição de periférico são características básicas dos “sujeitos periféricos”, que, a partir disso, passam a agir politicamente. Assim, reconhecer-se periférico é potência política. Ao agir nessa perspectiva, os “sujeitos periféricos” (D’ANDREA, 2013), a partir de uma concepção problematizadora da realidade, da práxis e da comunhão, ou da coletividade, tomam consciência das opressões a que estão submetidos, lutando contra as situações

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de dominação, conforme coloca Paulo Freire (2015). Dessa forma, a formação política por meio da prática é constante: (...) por ser movimento cultural de periferia, tem um cunho político ali, porque é de resistência, porque fazer cultura em São Paulo vindo de onde a gente vem é política, mano, porque não dá. Para a gente conseguir fazer cultura aqui no Campo Limpo, a gente tem que ocupar um espaço, então, querendo ou não, eu acredito, que ele seja um movimento cultural com cunho social, porque eles [coletivo de teatro Bando Trapos] querem ensaiar a peça, o espetáculo que eles estão planejando, mas eles estão pensando também no espaço, que é um espaço cultural que fomenta toda a região, também está pensando em trabalhar os grupos, trabalhar a galera que frequenta a Praça [do Campo Limpo], trazer atividades para essas crianças que estão ali. Então isso não é puramente do grupo de teatro. (SOARES, 2018)40

Além disso, considerando a afirmação de Villaça (2001, p. 70) de que “(...) o homem – as classes sociais – estrutura a cidade”, reconhecer-se como periférico engloba, indiretamente, o marcador social de classe. Assim, como visto no primeiro capítulo, se para os movimentos ativistas não periféricos pode ser aplicada a crítica de que há um distanciamento de questões estruturais da sociedade em detrimento de pautas como gênero e sexualidade, nas periferias, por outro lado, a todo momento, indiretamente, está sendo trabalhado diferenças de classe. Sobre esse ponto, Nicoly Soares (2018)41 afirma: A gente pode ler várias paradas, ler vários autores da luta de classes, mas o que a gente sabe de verdade está aqui, é o que a gente está vivendo. Você quer falar de luta de classe? Então fala de mim pegando busão para atravessar, pegar dois ônibus para chegar no lugar que tem gente que mora do lado. (...) Periferia, para mim,

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é isso, o que eles estão falando em mil teorias lá, de mil europeus da vida, a gente está vivendo na prática e a gente faz isso de uma forma (...) mais legítima (...), sabe? Eu acho que a periferia é toda essa militância bonita na prática. A gente não resiste porque “nossa, preciso da resistência, pessoal… vamos nos unir, pintar nossa cara”, não, a gente resiste, porque a gente não tem escolha.

Assim, cultura na periferia, antes de tudo, é resistência.

Além disso, realizar ações culturais nas periferias é se contrapor, constantemente, à estrutura do espaço socialmente construído, que produz periferias com carência de infraestrutura, equipamentos e serviços. Ou seja, é se contrapor, considerando as afirmações de Flávio Villaça (2011), à dominação social que ocorre por meio do espaço urbano. Como visto no primeiro capítulo, a insurgência de grupos e coletivos nos bairros periféricos é resultado, além do cenário de crise da década de 1990, da condição de “exílio na periferia” (SANTOS, 1990; MARICATO, 2000) imposta aos moradores dos bairros mais distantes. Dessa forma, é possível afirmar que os

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Figura 46: Faixa colocada no Espaço CITA. Foto: Trupe Artemanha, 2014.


movimentos ativistas periféricos nascem dessa condição e, ao mesmo tempo, a nega. Essa negação ocorre de duas formas: em primeiro lugar, vai lutar para que nas periferias haja oferta de espaços e atividades culturais, o que não é garantido pelo Estado; em segundo lugar, ao unir ativismo com trabalho, o movimento afirma que as periferias são locais de trabalho. Assim, subverte a lógica de que o morador periférico precisa se deslocar por horas para chegar ao local de entretenimento ou trabalho. Ou seja, contrapondo-se a ideia de que só as regiões mais centrais é cidade42, os movimentos ativistas periféricos, a partir de sua atuação prática, afirmam que periferia também é cidade. Nesse contexto, a decisão dos ativistas periféricos de trabalhar nas periferias é uma escolha política de resistência, pois, além de se oporem ao entendimento do que é sucesso para a sociedade capitalista, precisam enfrentar as carências de recursos para colocar em prática qualquer iniciativa. Por conta disso, como visto no item anterior, há a luta por editais, que são o meio para a construção de ações, não o fim como algumas análises superficiais colocam. No entanto, é necessário destacar que os editais operam em uma lógica complicada, porque, em primeiro lugar, remuneram mal o ativista (sendo que em alguns casos não há custeio de recursos humanos); há uma burocracia que, muitas vezes, dificulta o desenvolvimento dos projetos; há uma sazonalidade que mantém incerta o prosseguimento de atividades; e, por fim, como são poucos, estimulam a concorrência entre diferentes coletivos periféricos. Desse modo, na necessidade de haver outras formas de suporte financeiro além dos editais, junto com a aproximação com o terceiro setor, como visto no item anterior, ganham força pautas ligadas ao empreendedorismo. No entanto, antes de concluir, erroneamente, que ocorre nessa relação uma contradição, uma vez que alguns

É comum nas periferias, especialmente entre os mais velhos, falar “vou à cidade” para explicar que vai a algum bairro mais central.

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coletivos periféricos estariam atuando numa lógica neoliberal de enfraquecimento do Estado, algo tão penoso para as periferias, é necessário considerar que as iniciativas precisam de dinheiro para se manterem. Assim, dentro do contexto das periferias, buscar formas alternativas para sustentabilidade econômica é algo legítimo, ainda que estejam inseridas na lógica do neoliberalismo como racionalidade (DARDOT; LAVAL, 2016), em que toda a sociedade passa a operar como uma empresa. Tony Marlon Santos (2018)43 afirma que o sentido é “(...) conseguir hackear uma lógica de mercado para fins públicos”, sendo, dessa forma, um “empreendedor de fins públicos”44. Ou seja, o objetivo, diferentemente de uma empresa, não é o lucro, mas sim suprir as carências causadas pela atuação do Estado enfraquecida nas periferias. Assim, no geral, coletivos periféricos que usam termos e metodologias empreendedoras não atuam na lógica de enfraquecimento do Estado. Pelo contrário, muitas vezes atuam para que haja o fortalecimento de políticas públicas e garantia de direitos nos bairros periféricos.

3.4. REFLEXÕES Os estudos de caso evidenciam que, hoje, a atuação de antigas organizações militantes nos bairros periféricos, como a antiga SAB e o Centro Comunitário do Jardim Macedônia, é muito diferente da de quando essas entidades foram idealizadas45. Assim, de modo geral, por diversos fatores, diferentemente do passado, não são mais espaços de formação e emancipação popular. Por outro lado, as atuais inciativas ativistas, como visto, a partir da cultura, olham de maneira crítica para o contexto em que estão inseridas, pautando sua atuação 43

Entrevista concedida a Ana Cristina Morais. São Paulo, set. 2018.

Termo criado por Ronaldo Matos, membro do coletivo de comunicação do Jardim Ângela Desenrola e Não Me Enrola.

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É claro que há exceções, como a União Popular de Mulheres (UPM) no Campo Limpo

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a partir de uma concepção problematizadora da realidade periférica. Dessa forma, de modo geral, hoje, os movimentos ativistas são quem atuam politicamente nas periferias, assumindo, assim, um caráter formativo e emancipatório. Dessa maneira, os estudos de caso apresentados, bem como o levantamento cartográfico, mostram que, de fato, a leitura a partir de dois diferentes ciclos de insurgência política periférica – militante e ativista – está coerente com a realidade. Assim, de certa forma, considerando o enfraquecimento da luta ligada às CEBs, às SABs e aos partidos políticos e a efervescência dos movimentos culturais, há uma relação de militância/passado e ativismo/ presente. Isso não significa, no entanto, que a militância periférica tenha desaparecido completamente. Na verdade, as organizações militantes que permanecem combativas, hoje, têm sua atuação engendrada com o ativismo e pautas culturais, como a União Popular de Mulheres (UPM) no Campo Limpo que deu origem à Agência Solano Trindade, citada neste capítulo. Para melhor compreender as diferenças entre militância e ativismo, vale o rebatimento dos quatro estudos de caso apresentados com as estruturas arborescentes e rizomáticas de Gilles Deleuze e Felix Guattari (2011). Como visto no primeiro capítulo, segundo Bernardo Neves et al. (2018, p. 230): (...) os esquemas mais ligados à militância se utilizam de estruturas mais arborescentes, com tendências à unidade rígida, de comportamentos disciplinares mais claros, que reproduzem determinadas estruturas hierárquicas, incluindo sistemas normativos, estatutos e regimentos. Em contrapartida o ativismo possui características do rizoma e conta com estruturas evanescentes, difusas, fragmentadas, que se alternam contingencialmente, em rede, numa lógica de enxame bastante variável, criando sempre novas conexões e novos agenciamentos de pautas, atores, modos de fazer. e a Paróquia Santos Mártires no Jardim Ângela.

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ÁRVORE MILITÂNCIA

Dessa forma, considerando os esquemas das Figuras 47 e 48, os estudos de caso do ciclo militante – antiga SAB e Centro Comunitário do Jardim Macedônia – tendem a ter estruturas arborescentes. Por outro lado, os estudos de caso do ciclo ativista – Espaço CITA e Historiorama – tendem a estruturas rizomáticas. Essas diferenças são observadas, em primeiro lugar, na forma organizacional de cada grupo, em duas escalas, uma exterior e outra interior. Na escala exterior, os casos militantes, em especial a antiga SAB do Jardim Macedônia, mantêm uma relação com partidos políticos, que, de certa forma, hierarquizam e organizam as pautas e atuação desses espaços, fato que ocorria mais fortemente no passado. Observando a Figura 47, os partidos políticos seriam os pontos maiores e centrais, enquanto os estudos de caso seriam os pontos secundários, especificamente, os mais periféricos que estão na base da estrutura. Na escala interior, os dois estudos de caso militantes, como visto, organizam-se a partir de uma chapa eleita, mesmo sem haver concorrência, com presidente e outros cargos de liderança definidos. Ou seja, assim como o esquema arborescente, tem uma

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RIZOMA ATIVISMO

Figuras 47 e 48: Respectivamente, exemplos de estrutura arborescente e rizomática. Fonte: Adaptado de Neves et al., 2018, p. 231.


estrutura hierarquizada e, de certa forma, engessada. Os casos ativistas, por outro lado, como visto, não têm uma instituição maior a que estejam subordinados. Mesmo havendo relação, por conta da necessidade de recursos, com o poder público ou com instituições ligadas ao terceiro setor, estes não direcionam as pautas e atuação do Espaço CITA ou da Historiorama, por exemplo. Assim, como não há uma hierarquia externa, considerando a Figura 48, essas iniciativas poderiam ser qualquer um dos pontos. O Espaço CITA, no entanto, por congregar diferentes coletivos, seria talvez um dos maiores pontos do desenho. Na escala interior, como visto, tanto o CITA quanto a Historiorama buscam se organizar de forma horizontal, sem definir cargos de presidência e lideranças, característica que também pode ser observada no esquema rizomático. Outra questão que as Figuras 47 e 48 trazem – anteriormente abordada no primeiro capítulo, mas que agora precisa ser aprofundada – diz respeito à homogeneidade e heterogeneidade, respectivamente, das iniciativas militantes e ativistas. Dentro das iniciativas militantes, como há uma hierarquização e um eixo estruturador, no geral, as pautas de luta de cada espaço são semelhantes, sendo que, especificamente, durante as décadas de 1970 e 1980, estavam ligadas à garantia dos direitos básicos. Assim, como há certa homogeneidade, é possível delinear um perfil mais assertivo sobre a militância. Por outro lado, sobre o ativismo, Gilles Deleuze e Felix Guattari (2011, p. 13) afirmam que “o rizoma nele mesmo tem formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas concreções em bulbos e tubérculos”. Ou seja, entre as iniciativas ativistas, que na Figura 48 seriam os pontos, há uma diversidade de linhas de atuação, podendo existir coletivos que atuam com qualquer pauta ou questão. Dessa forma, diferentemente da militância, no ativismo, pela heterogeneidade, é difícil definir um

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perfil para as iniciativas ligadas a esse ciclo de insurgência política. Por fim, a última questão que as figuras trazem e que talvez não tenha ficado tão claro nos estudos de caso apresentados são as trocas entre as diferentes iniciativas do ciclo ativista, impulsionadas pela Internet e redes socais. Como pode ser observado na Figura 48, o ativismo funciona em rede. Assim, há trocas constantes entre diferentes iniciativas e coletivos. Um exemplo é a Rede Jornalistas das Periferias, que congrega diferentes agentes e coletivos periféricos que trabalham com comunicação. Dessa forma, os coletivos e iniciativas de diversas periferias de São Paulo estão em constante troca, muitas vezes, realizando ações conjuntamente. Como visto no primeiro capítulo deste trabalho, se para os movimentos sociais ligados ao primeiro ciclo de emergência política periférica a luta era pelo “direito a ter direitos”, pode-se dizer que, para o ciclo mais recente de insurgência, a luta é para atingir e acessar os direitos constitucionais fundamentais que ainda não foram garantidos nas periferias. Ou seja, de certa forma, as redes e coletivos buscam colocar em prática conquistas institucionais alcançadas pelos movimentos ligados às CEBs e às SABs. Especificamente a respeito do urbano, se antes, para o ciclo militante, estavam colocadas pautas referentes aos direitos básicos, como água, luz, asfalto e transporte; hoje, para o ciclo ativista, a partir de sua atuação prática de negação da condição de “exílio na periferia” (SANTOS, 1990; MARICATO, 2000), uma vez garantido, de modo geral, esses direitos básicos, a luta agora é para que as periferias sejam, de fato, cidade, onde hajam ofertas de entretenimento e trabalho. Além disso, como ocorre um distanciamento da luta pelos direitos materiais básicos, uma vez que se diminuíram as precariedades urbanas, consequentemente, nos movimentos ativistas periféricos, há um afastamento das pautas ligadas à habitação. Por outro lado, ganham força pautas relacionadas à apropriação de espaços públicos.

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Essa mudança de pauta da habitação para o espaço público também está relacionada com a territorialidade da militância e do ativismo. Como visto na cartografia apresentada, de modo geral, enquanto os locais militantes estão espalhados pelo território, os ativistas estão concentrados próximos às infraestruturas de transporte. Ou seja, as ações ativistas não ocorrem, necessariamente, nos bairros onde moram seus agentes, mas sim nas centralidades regionais periféricas. Consequentemente, somado às mudanças de atuação da militância periférica, atuais necessidades, especificamente, dos bairros mais periféricos que persistem até os dias de hoje, como o transporte público deficiente, não estão sendo debatidas por seus moradores, que hoje, por uma série de motivos, não estão organizados. Essa territorialidade também tem relação com a diferença de alcance entre os dois ciclos de insurgência política periférica. A maior capilaridade dos movimentos militantes no território, organizados por bairros, e, especialmente, sua antiga relação com a Igreja Católica facilitavam a difusão das pautas de luta entre os moradores das periferias nas décadas de 1970 e 1980, alcançando, inclusive e especialmente, os mais periféricos46. Por outro lado – ainda que, como visto, o levantamento cartográfico não demonstre o real volume da produção ativista periférica – a concentração desses movimentos próximos às infraestruturas de transporte dificulta a disseminação de suas pautas e a divulgação de suas atividades. Em contrapartida, há o uso da Internet e das redes sociais e tanto o Espaço CITA quanto a Historiorama buscam alcançar os moradores que não estão inseridos no meio dos movimentos sociais periféricos. As diferenças entre a busca por ter direitos e a busca pela efetivação dos direitos também vão alterar a relação dos movimentos sociais periféricos com o Estado. Se antes, nos movimentos militantes Isso não significa, contudo, que durante as décadas de 1970 e 1980 era a maior parte dos moradores das periferias que se organizavam politicamente. Pelo contrário, em cada bairro era uma parcela pequena de moradores que, de fato, estavam em movimento.

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das décadas de 1970 e 1980, a busca era para o alcance de alguns direitos básicos em um contexto de Estado quase ausente. Hoje, no ativismo, principalmente, por meio de editais de fomento, a luta ocorre, de certa forma, em paralelo ao Estado – embora este ainda esteja presente de forma enfraquecida, ou melhor, contraditória. Além disso, como os “novíssimos sujeitos” ou “sujeitos periféricos” (D’ANDREA, 2013) são mais bem instruídos formalmente, têm, de modo geral, uma noção mais clara de políticas públicas e funcionamento do Estado. Um exemplo desse processo é o Movimento Cultural das Periferias (MCP), que, atualmente, está se organizando para que o orçamento público municipal seja territorializado, ou seja, para que os recursos municipais não fiquem concentrados nas áreas mais centrais. Especificamente sobre a atuação, a autonomia em relação a instituições externas, em especial, partidos políticos, e o maior acesso à educação formal fazem com que, hoje, os movimentos ativistas periféricos sejam mais endógenos do que os militantes. Ou seja, se antes, nos movimentos militantes, havia a presença de sacerdotes da Igreja Católica e de figuras ligadas a partidos políticos, inclusive acadêmicos, que traziam temas geradores para o debate com os moradores dos bairros periféricos; hoje, nos movimentos ativistas, a instigação à reflexão, ao debate e à ação não partem de agentes externos às periferias, mas sim dos próprios “sujeitos periféricos” (D’ANDREA, 2013). Por fim, o último ponto a ser colocado diz respeito à mística. Nos movimentos militantes, comumente, ocorre um momento coletivo de performance cultural, com forte simbologia política, responsável por trazer de um modo lúdico a reflexão acerca das condições de vida e luta do povo. Esse momento é chamado de mística47. Nas CEBs, a mística estava na própria celebração da missa

No Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo, sempre antes de alguma atividade ou no início do dia, realiza-se a mística.

47

124


católica, especialmente, no momento de ação de graças. Com o enfraquecimento da Teologia da Libertação, a mística militante e sua simbologia política, praticamente, desapareceram dos bairros periféricos.

Tabela 1: Diferenças entre militância e ativismo. Elaboração própria.

Os movimentos ativistas, no entanto, hoje, por meio do teatro, dos saraus e dos slams realizam, constantemente, uma mística ressignificada. O espetáculo Brasil, quem foi que te pariu?, por exemplo, produzido e apresentado pela Trupe Artemanha, o primeiro coletivo a ocupar o Espaço CITA, traz uma reflexão da história do Brasil a partir da visão de dois escravos-tigres, traçando, ao longo da peça, analogias entre a vida dos dois escravos e o atual cotidiano dos moradores dos bairros periféricos. Dessa forma, o teatro, os saraus e os slams, carregados de simbologias e significados políticos, são a atual mística das periferias. Considerando as questões apresentadas, tem-se diversas diferenças entre militantes e ativistas, sintetizadas no quadro a seguir:

CICLO MILITANTE

CICLO ATIVISTA

estrutura arborescente

estrutura rizomática

“novos sujeitos”

“novíssimos sujeitos” / “sujeitos periféricos”

direitos básicos

cultura / cidadania

relação com partidos políticos

autônomos

verticalidade

horizontalidade

homogeneidade

heterogeneidade

busca por ter direitos

busca pela efetivação dos direitos

luta por infraestrutura e melhorias urbanas

luta contra a condição de “exílio na periferia”

militância aos finais de semana

ativismo como trabalho

habitação

espaço público

disperso pelos bairros periféricos

concentrado próximo às infraestruturas de transporte

atuação devido à ausência, quase total, do Estado

atuação paralela ao Estado presente de forma contraditória

exógeno

endógeno

mística: missa católica

mística: teatro, saraus e slams

125


126


4. Arquiteto útil na militância e no ativismo periféricos 127


A expressão “o arquiteto deve ser útil” foi utilizada por Ermínia Maricato em uma sessão sobre assessoria técnica realizada no Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ENANPUR) de 2009 (CARVALHO, 2016). Segundo Caio Santo Amore de Carvalho (2016, p. 6): “O arquiteto deve ser útil”, ter habilidade para dar respostas a problemas complexos – da produção do espaço urbano, do desenho das políticas públicas, da composição ou da gestão de equipes de grandes projetos e obras que têm influência sobre milhares de pessoas – mas também deve lidar com problemas (aparentemente) simples, terrestres – um arranjo adequado dos ambientes, um banheiro bem organizado, uma infiltração, uma trinca, uma abertura de janela que melhore condições de segurança ou salubridade de uma família.

Ainda mais, o “arquiteto útil” entende a necessidade de sua atuação política na luta por cidades socialmente mais justas, buscando, assim, trabalhar com os problemas urbanos, em diversas escalas, da realidade brasileira. Ou seja, o “arquiteto útil” é, antes de tudo, militante e/ou ativista. Como visto nos capítulos anteriores, houve nas periferias de São Paulo dois ciclos de insurgência política: um militante – iniciado em meados da década de 1970, com pautas ligadas aos direitos básicos – e outro ativista – consolidado a partir da década de 2000, com pautas ligadas à cultura. Dessa forma, este capítulo buscará compreender a relação do campo profissional da Arquitetura e Urbanismo, ou do “arquiteto útil”, com esses dois diferentes ciclos. Além disso, traçará algumas possíveis direções para a atuação desse profissional. Caio Santo Amore de Carvalho (2016) chama a atenção para o fato de o campo que trabalha com habitação e cidade ser amplo e envolver diferentes categorias profissionais, que, assim como os arquitetos e urbanistas, buscam consolidar em sua profissão uma

128


área de atuação embasada nas problemáticas urbanas brasileiras. Assim, esse campo é, necessariamente, interdisciplinar, envolvendo assistentes sociais, advogados, sociólogos e diversos outros profissionais, em especial, os de ciências humanas. No entanto, sem desconsiderar a importância de outras categorias profissionais, este trabalho focará na atuação do arquiteto e urbanista. Além disso, como trata de São Paulo, focará nas experiências acontecidas nas periferias dessa região metropolitana. Contudo, ressalta-se aqui a importância de arquitetos e urbanistas de outras regiões do Brasil, como Acácio Gil Borsoi e Carlos Nelson Ferreira dos Santos, que, ainda na década de 1960, atuaram, respectivamente, no Conjunto Habitacional de Cajueiro Seco, em Recife, e na urbanização da favela de Brás de Pina, no Rio de Janeiro.

4.1. ARQUITETOS MILITANTES A história da atuação do Arquiteto e Urbanista comprometido com os problemas urbanos da realidade brasileira se confunde com a história dos movimentos sociais urbanos militantes. Ainda mais, esses movimentos foram fundamentais para o surgimento de um campo de estudo e atuação crítico sobre a cidade da periferia do capitalismo, tanto que, em um texto direcionado aos estudiosos das problemáticas urbanas sobre os erros e acertos dessa área nas últimas décadas1, Erminia Maricato (2014) apresenta a trajetória dos movimentos urbanos para descrever a trajetória desse campo de atuação. Segundo a professora (MARICATO, 2014, p. 106), “a produção acadêmica crítica [sobre a cidade periférica], os movimentos sociais que construíram uma agenda de política urbana e as gestões municipais que desenvolveram projetos urbanos inovadores cresceram juntas e se retroalimentaram”. Em paralelo a esse processo, também estão as assessorias técnicas em habitação de Texto intitulado Formação e impasse do pensamento crítico sobre a cidade periférica, do livro O impasse da política urbana no Brasil, publicado em 2014.

1

129


interesse social. A partir de meados da década de 1970, como uma nova forma de ação política em meio ao Regime Militar, arquitetos e urbanistas passaram a militar nas periferias da cidade, ao lado da classe trabalhadora, que, nesse período, autoconstruía sua moradia e seu bairro apoiado pelas CEBs. De acordo com Pedro Arantes (2002, p. 174), “a emergência dos movimentos sociais urbanos e do novo sindicalismo abriam uma nova perspectiva para o engajamento dos intelectuais e jovens de classe média”. Sobre o início de sua atuação, em 1975, na periferia da Zona Sul de São Paulo, em Interlagos, Erminia Maricato (1983, p. 81) afirma que “o trabalho todo sempre foi feito em fim de semana (...). Eu precisava ir. Era uma necessidade que eu tinha de conhecer, de acompanhar aquele tipo de processo. Pelo menos era uma ligação com uma outra realidade”2. Nesse contexto, diante de um processo de urbanização acelerado, o ponto crucial para os arquitetos e urbanistas passou a ser o entendimento das cidades brasileiras, especificamente, da “cidade oculta” para a classe média, as imensas periferias autoconstruídas (ARANTES, 2002). Assim, “(...) era preciso tanto entender como ocorria aquela forma de produção do espaço quanto o significado político da nova mobilização popular” (ARANTES, 2002, p. 174). Desse modo, nesse período, formou-se na FAUUSP um grupo de pesquisadores – entre eles, Carlos Lemos, Maria Ruth Amaral Sampaio3, Ermínia Maricato4, Suzana Pasternak, Yvone Mautner5,

Depoimento publicado no texto Formação e prática profissional do arquiteto - três experiências em participação comunitária, da revista Espaço e Debates, de número 8, de 1983.

2

LEMOS, Carlos; SAMPAIO, Maria Ruth Amaral. Evolução formal da casa popular paulista. São Paulo: FAUUSP, 1978.

3

MARICATO, Ermínia. A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial, 1 ed. São Paulo: Alfa Omega, 1979.

4

PASTERNAK, Suzana; MAUTNER, Yvonne. Habitação da pobreza: alternativas de moradia popular em São Paulo. Cadernos de Estudos e Pesquisas PRODEUR, FAUUSP, n. 5, 1982.

5

130


Nabil Bonduki e Raquel Rolnik6 – que tinham como foco a moradia popular e se embasavam no papel da autoconstrução no rebaixamento do preço da força de trabalho no processo de acumulação periférica, alargando, assim, as interpretações colocadas por Francisco de Oliveira em 19727 (ZUQUIM; GRINOVER, 2018). Dessa forma, contrapondo-se à matriz teórica cepalina, inspirada na teoria da marginalidade e dominante nos estudos da época, construiu-se uma nova interpretação para o urbano na periferia do capitalismo, bem como um novo campo de atuação para o arquiteto e urbanista, embasados no cotidiano de luta e organização popular dos moradores dos bairros periféricos. Com a redemocratização do país, no início da década de 1980, essa atuação começa a se consolidar a partir da criação do PT – que, como visto, organizou a luta da classe trabalhadora em um partido de esquerda – e de novas experiências, das quais se destacam o Mutirão da Vila Nova Cachoeirinha, organizado junto com o engenheiro Guilherme Coelho e inspirado nas cooperativas uruguaias de habitação, e o Laboratório de Habitação da Faculdade de BelasArtes de São Paulo. A experiência desse laboratório, coordenado por jovens professores8, é interessante para elucidar contradições e conflitos que emergem na prática coletiva de projetos que envolvem diferentes agentes. No trabalho na favela Recanto da Alegria no Grajaú, professores e alunos da Belas-Artes, na experimentação de tecnologias alternativas e baratas, decidiram construir um centro comunitário em cúpula de tijolos. Com o passar do tempo, os moradores se afastaram dos mutirões de construção, passaram a depredar a estrutura e a usá-la como banheiro público. No final, o

BONDUKI, Nabil; ROLNIK, Raquel. Periferias - ocupação do espaço e reprodução da força de trabalho. 1 ed. São Paulo: FUPAM- FAUUSP, 1979.

6

OLIVEIRA, Francisco. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Estudos Cebrap, n. 2, 1972.

7

Faziam parte dessa equipe nomes como João Marcos Lopes, Nabil Bonduki e Vitor Lotufo.

8

131


projeto foi demolido.9 Também durante a década de 1980, em 1987, foi criado o Fórum Nacional de Reforma Urbana, que – unindo movimentos sociais, associações profissionais, entidades sindicais e acadêmicas, ONGs, membros da Igreja Católica e servidores públicos – “(...) buscou superar as reinvindicações pontuais e específicas e propor uma agenda unificada para as cidades” (MARICATO, 2014, p. 106). Como resultado dessa mobilização, na Constituição Federal de 1988, foi instituído o capítulo referente à Política Urbana – artigos 182 e 183 –, que estabeleceu a função social da cidade e da propriedade. No final dessa década, em 1988, com a eleição da candidatura petista de Luiza Erundina para a Prefeitura de São Paulo, parte desses arquitetos e urbanistas mobilizados foi ocupar cargos de decisão na municipalidade, colocando os moradores dos bairros periféricos, especialmente os organizados em movimentos sociais, como protagonistas das políticas públicas. A Secretaria de Habitação, especificamente, coordenada pela professora Erminia Maricato, abandonou, nesse período, a “(...) tecnocracia alienada dos problemas reais da cidade e comandada por escalões aliciados por construtoras e políticos clientelistas” (ARANTES, 2002, p. 186) vigente até então, para gerir a política habitacional de uma forma nova, tendo como diretrizes “(...) a inversão de prioridades, a democratização e transparência da gestão, a universalização da lei, o reconhecimento da cidade legal, a regularização fundiária e a urbanização de favelas” (ARANTES, 2002, p. 187). Dessa gestão, destaca-se o Programa FUNAPS Comunitário, já citado neste trabalho, que instituiu os mutirões como principal forma de produção habitacional pública da cidade. A Secretaria de Habitação da gestão de Luiza Erundina – em especial, o Programa FUNAPS Comunitário – elucida como os movimentos sociais urbanos, os arquitetos e urbanistas que Episódio contado por Pedro Arantes (2002), no livro Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões, com base em relatos de João Marcos Lopes.

9

132


buscavam trabalhar com a “cidade real” e as gestões municipais progressistas cresceram juntos e se retroalimentaram, como coloca Erminia Maricato (2014). As experiências inovadoras dessa gestão e de outros governos municipais petistas eleitos nas décadas de 1980 e 199010 constituíram o que Erminia Maricato (2014, p. 107) chama de “nova escola de urbanismo”, construída por arquitetos e urbanistas, além de outros profissionais, que, negando-se a trabalhar com a “arquitetura autoral”, deram um sentido social à profissão e mudaram a forma de intervenção estatal nos problemas urbanos a partir de: (...) urbanização de favelas, requalificação de áreas degradadas, regularização urbanística e fundiária, assistência jurídica gratuita e novas formas de segurança na posse do imóvel, construções individuais ou coletivas com assistência técnica de arquitetos e engenheiros, abertura de canais participativos na gestão urbana, prevenção e recuperação de áreas de risco geotécnico, esgoto condominial, componentes pré-fabricados de argamassa armada para infraestrutura ou equipamentos coletivos, novas técnicas de urbanização de córregos a céu aberto, e, especialmente, a perseguição a um novo arcabouço legal de planejamento urbano que inclui operações urbanas e zoneamentos especiais com finalidade social. (MARICATO, 2014, p. 107).

Na década de 2000, em decorrência desse processo, ocorreram conquistas institucionais importantes, como a promulgação do Estatuto da Cidade, em 2001, a criação do Ministério das Cidades, em 2003, e a aprovação da Lei Federal 11.888 de 2008, que “assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social” (BRASIL, 2008) . No entanto, no mesmo período, com os mandatos de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo (2001-2004) Destaca-se o município de Diadema, onde o PT conquistou sua primeira prefeitura na eleição de 1982.

10

133


e, principalmente, de Lula no governo federal (2003-2010), dentro do processo de ida da base petista para os gabinetes, como ocorreu nas entidades do Jardim Macedônia, consolidou-se um afastamento desses arquitetos e urbanistas dos bairros periféricos. Desse modo, junto com a institucionalização de canais para a participação social, há um enfoque, ainda vigente, na legislação urbanística, com, segundo Ermínia Maricato (2014, p. 155), “conceitos abstratos que são repetidos de forma oca”, em detrimento do trabalho “no chão” nas periferias das cidades. Assim, de modo geral, os arquitetos e urbanistas se afastaram da realidade em um contexto em que “(...) a esfera institucional parece ter ‘engolido’ as forças sociais antes mobilizadas contra ela” (MARICATO, 2014, p. 153). É claro que há exceções, como as assessorias técnicas, que permaneceram trabalhando com precariedades urbanas concretas, junto com movimentos sociais, em especial os de moradia, embora esses movimentos, nos últimos anos, também tenham passado por um processo de institucionalização e burocratização. Além disso, destaca-se aqui o trabalho realizado por estudantes em grupos de extensão ou escritórios modelos nas faculdades de Arquitetura e Urbanismo, que, muitas vezes de forma precarizada, participam de projetos e ações em bairros periféricos. Contudo, de modo geral, o pensamento crítico a respeito das periferias ficou estacionado nas décadas de 1970 e 1980, a ponto de, nos últimos quinze anos, os bairros periféricos terem passado por profundas transformações, como visto no segundo capítulo deste trabalho, mas que ainda não foram assimiladas, muito menos estudadas, por esse campo profissional. Nesse contexto de esgotamento dos governos urbanos inovadores e pragmatismo, Ermínia Maricato (2014) afirma que o atual momento configura o fim do ciclo da luta pela Reforma Urbana, período iniciado em meados da década de 1970 nos bairros periféricos durante a Ditadura Militar. O final desse ciclo talvez tenha sido consolidado com a vitória de Jair Bolsonaro, eleito, em 2018,

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presidente do Brasil.

4.2. ARQUITETOS ATIVISTAS Observando os dois ciclos de insurgência política periférica, se, por um lado, no ciclo militante, a trajetória dos movimentos sociais periféricos surgidos nas décadas de 1970 e 1980 se confunde com a trajetória dos arquitetos e urbanistas que deram um sentido social à profissão; por outro, no ciclo ativista, os arquitetos e urbanistas ainda não mantêm uma relação sólida com os movimentos desse período. Considerando que, hoje, vive-se o fim do ciclo da Reforma Urbana, outro, necessariamente, inicia-se. Assim, o fechamento do período iniciado em meados da década de 1970 não significa que a luta por cidades socialmente mais justas tenha se esgotado ou chegado ao seu fim. Pelo contrário, as cidades brasileiras continuam sendo desiguais e as precariedades urbanas, embora com algumas diferenças com o passado, permaneceram. Dessa forma, coloca-se a necessidade de construção de um novo ciclo pós-Reforma Urbana, que dê continuidade aos trabalhos com as problemáticas das cidades da periferia do capitalismo. Como esse novo ciclo ainda não está claramente colocado, não é fácil de ser compreendido. Dessa forma, pretende-se aqui, a partir do atual contexto brasileiro e de questões anteriormente apresentadas, colocar alguns pontos que indiquem possíveis caminhos de atuação para o “arquiteto útil” nesse novo período. Assim como o ciclo da Reforma Urbana foi construído junto com os movimentos sociais periféricos, defende-se que esse novo ciclo também seja construído a partir das periferias, especificamente, da população organizada, que, como visto no capítulo anterior, hoje são, principalmente, as redes e coletivos. Ou seja, defendese uma aproximação entre o campo da Arquitetura e Urbanismo comprometido com a luta por cidades menos desiguais e os movimentos ativistas periféricos.

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1970

1980

1990

2000

2010

MILITÂNCIA

REFORMA URBANA NOVO CICLO

ATIVISMO

Como visto no primeiro capítulo, esses movimentos começaram a insurgir durante a década de 1990, em um contexto de crise, violência e pobreza. Assim, se considerado que a aproximação dos arquitetos e urbanistas com esse ciclo começa quase trinta anos depois de seu surgimento, nota-se o quanto atrasada essa relação está11. Esse atraso se deve, em primeiro lugar, ao fato de, como visto, os arquitetos e urbanistas estarem muito ligados ao ciclo militante de emergência política periférica. Dessa forma, como afirmado no item anterior, junto com o distanciamento da base militante do “chão”, houve o afastamento dos arquitetos e urbanistas, que, por conta disso, deixaram de acompanhar o que de fato acontecia nos bairros periféricos. Em segundo lugar, esse atraso ocorre pelo fato da Arquitetura e Urbanismo ser um campo bastante elitizado12, fato que mantém as classes mais baixas e periféricas, que acompanham cotidianamente o que ocorre nos bairros dos extremos da cidade, É claro que isso não significa que arquitetos e urbanistas não tenham tido anteriormente nenhum tipo de relação com os movimentos ativistas periféricos. O arquiteto e urbanista e professor da FAUUSP Nabil Bonduki, por exemplo, em seu primeiro mandato como vereador da cidade de São Paulo (2001-2004), foi presidente da Comissão de Juventude da Câmara Municipal, que, a partir da articulação entre vereadores e jovens de diversas periferias, originou o Programa VAI. Nota-se, no entanto, que essa relação se deu de forma institucionalizada.

11

12

No vestibular de 2016 do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, por exemplo,

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Figura 49: Linha do tempo da Reforma Urbana. Elaboração própria.


longe da produção de conhecimento. Esse ponto talvez esteja mudando e talvez seja a principal diferença entre o ciclo da Reforma Urbana e o novo ciclo que se coloca. Com a política de cotas, o Prouni, o FIES e universidades privadas mais acessíveis, na última década, começou-se a formar arquitetos e urbanistas menos privilegiados socioeconomicamente. Dessa forma, esse novo ciclo tende a ser mais heterogêneo, abrangendo diferentes pontos de vista e percepções sobre o urbano. Além disso, a formação de “arquitetos úteis” e periféricos – ou, adaptando a definição de Tiarajú D’Andrea (2013), de “arquitetos-sujeitos periféricos” – pode ser um facilitador na aproximação do campo profissional com os atuais movimentos dos bairros dos extremos da cidade. Como visto no capítulo anterior, nos movimentos ativistas periféricos, há um afastamento das pautas ligadas à habitação. Se considerado que para o ciclo militante, no campo de pesquisa e atuação da cidade periférica, a habitação é o ponto central – embasado nos estudos da casa popular, das precariedades urbanas e no papel da autoconstrução no rebaixamento do preço da força de trabalho no processo de acumulação periférica, conforme coloca Francisco de Oliveira (1972) –, esse afastamento pode parecer que não haja motivos para que o arquiteto e urbanista participe do ciclo ativista de insurgência política periférica. Com o distanciamento da habitação como pauta, o arquiteto perde, de certa forma, a possibilidade de trabalhar com a articulação entre diferentes escalas – compreendendo desde questões estruturais da produção do espaço o último antes da unidade aprovar cotas socioeconômicas e raciais, dos 150 candidatos convocados para a primeira matrícula, 41,5% tinham renda familiar mensal maior do que 10 salários mínimos e apenas 9,5% se autodeclaravam pretos, pardos ou indígenas. Vale ressaltar que essa turma, antes das cotas, foi uma das mais heterogêneas. No vestibular de 2012, por exemplo, dos 150 candidatos convocados para a primeira matrícula, 55,3% tinham renda familiar mensal maior do que 10 salários mínimos – sendo que 23,3% tinham renda familiar maior do que 20 salários mínimos – e apenas 4,0% se autodeclaravam pretos, pardos ou indígenas. Fonte: Questionários de Avaliação Socioeconômica da FUVEST, 2012 e 2016. Disponíveis em: <http://acervo. fuvest.br/fuvest/2012/qase_1matr_car.pdf> e <http://acervo.fuvest.br/fuvest/2016/ FUVEST_2016_qase_1matr_car_fuvest_2016.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2018.

137


urbano a questões mais pontuais como a infiltração em uma parede. Por outro lado, como visto, ganham força pautas relacionadas à apropriação de espaços públicos, questão também importante para os arquitetos e urbanistas. Além disso, a atuação dos movimentos periféricos ativistas se coloca contra a condição de “exílio na periferia” (SANTOS, 1990; MARICATO, 2000) imposta aos moradores dos bairros mais distantes. Ou seja, o ativismo periférico está permeado por pautas de interesse para os arquitetos e urbanistas. Ainda mais, cabe aos arquitetos a construção de uma nova atuação nos bairros periféricos, com os dois pés muito bem fincados na realidade. Dessa forma, fica como exemplo e inspiração o trabalho dos arquitetos militantes nas periferias durante as décadas de 1970 e 1980, responsáveis pela criação do campo crítico de atuação e pesquisa sobre as cidades brasileiras. Considerando isso, a seguir será apresentado o relato de uma experiência ocorrida no último ano, da qual participei com coletivos e agentes dos movimentos ativistas da região do Campo Limpo em torno do Projeto de Intervenção Urbana (PIU) do Terminal Campo Limpo. a. PIU do Terminal Campo Limpo: uma experiência13

Em julho de 2017, a Prefeitura de São Paulo lançou a primeira consulta pública do PIU do Terminal Campo Limpo. Esse projeto, em processo de desenvolvimento e inserido no Plano Municipal de Desestatização14, determina a concessão do terminal à iniciativa privada15 e que a futura concessionária poderá “(...) remunerarse mediante a obtenção de receitas decorrentes de exploração comercial, direta ou indireta, de edificações na área de abrangência Para um relato detalhado, ver o Trabalho Final de Graduação de Pedro Lima (2018), Práxis de urbanismos libertários – projeto, processo, linguagem, apresentado à FAUUSP.

13

14

Lei Municipal no 16.703/2017.

15

Regulamentado pela Lei Municipal no 16.211/2015.

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TABOÃO DA SERRA

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TERMINAL CAMPO LIMPO

PRAÇA DO CAMPO LIMPO

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Figura 50: Perímetro de intervenção do Projeto de Intervenção Urbana do Terminal Campo Limpo. Elaboração própria.

0

200 m

do perímetro do raio de 600 m (seiscentos metros) do entorno do terminal” (PMSP, 2017)16, objetivando, assim, o reordenamento e reestruturação desse espaço urbano.17 No mesmo período de lançamento da primeira consulta pública,

Texto da consulta pública aberta em julho de 2017. Disponível em: <https://minuta. gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/piu-terminal-campo-limpo/>. Acesso em: 20 nov. 2018.

16

Não cabe aqui o aprofundamento em questões sobre o PIU do Terminal Campo Limpo, bem como de outros PIUs. Para isso, recomenda-se, além do TFG de Pedro Lima (2018), o Trabalho Final de Graduação de Flávia Nunes (2018), A trajetória recente da regulação dos processos de reestruturação urbana em São Paulo: o caso dos Projetos de Intervenção Urbana, também apresentado à FAUUSP, e os artigos que vêm sendo publicados na Plataforma observaSP: <http://www.labcidade.fau.usp.br/category/ observasp/>. Acesso em: 20 nov. 2018.

17

139


estavam acontecendo as primeiras reuniões da Rede da Praça do Campo Limpo – grupo formado por coletivos, agentes culturais, funcionários dos equipamentos públicos das proximidades, moradores e comerciantes que mantêm alguma relação com a Praça do Campo Limpo. O objetivo da Rede era discutir questões referentes aos problemas de manutenção e zeladoria da praça, traçando, assim, possibilidades para enfrenta-los. Comecei a acompanhar os encontros da Rede e levei o caso, até então desconhecido, do Projeto de Intervenção Urbana que estava sendo proposto para a área, convidando, posteriormente, alguns amigos da FAUUSP para acompanhar o PIU do Terminal Campo Limpo e as reuniões da Rede da Praça comigo18. Nos dois primeiros encontros que participei, em julho e agosto, com reuniões cheias para debater diversos assuntos, havia a curiosidade de todos sobre o PIU, suas possíveis implicações para a região e, consequentemente, para os agentes ali envolvidos. Nesse momento, com a empolgação causada pela curiosidade e as diversas necessidades da praça e da região, surgiu a ideia de elaborarmos coletivamente um Projeto de Intervenção Urbana popular, que atendesse as reais demandas da região e se contrapusesse ao projeto desenvolvido pela Prefeitura. Assim, foram sugeridas por todos diversas atividades desde levantamentos cartográficos a aplicação de questionários, que serviriam para a construção do PIU alternativo. No encontro de setembro, já mais esvaziado, houve a tentativa de realizarmos uma oficina dentro da reunião para elencarmos as demandas e as possibilidades da praça19. No entanto, pela dificuldade em realizar no horário da reunião uma outra atividade, a oficina não aconteceu. No mês seguinte, em outubro, dentro do 3o Circuito CITA – que tinha como tema A Praça do Campo Limpo é nosso quintal

Somou-se de fato às discussões Pedro Lima, também estudante de Arquitetura e Urbanismo e morador da região do Campo Limpo.

18

Oficina organizada pelo jornalista Tony Marlon.

19

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Figura 51: Encontro sobre o PIU do Terminal Campo Limpo realizado em outubro de 2017 dentro do 3o Circuito CITA. Foto: Mariana Terra, 2017.

– unimos a reunião da Rede da Praça com uma roda de conversa, especificamente, sobre o PIU, tendo como convidados a professora Paula Santoro da FAUUSP e Rafael Calabria do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) (Figura 51)20. Essa atividade, direcionada aos membros da Rede da Praça e aos moradores do Campo Limpo, alcançou, na verdade, mais as pessoas inseridas no círculo da Arquitetura e Urbanismo, comparecendo poucos membros da Rede da Praça. No evento, divulgado em redes sociais, além de alguns integrantes da Rede, compareceram técnicos, arquitetos e um grupo de estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhanguera do Campo Limpo, que, junto com a professora Bárbara Barioni, estava trabalhando com o projeto em uma disciplina. Assim, mesmo tendo sido diferente do imaginado, o debate foi interessante e trouxe novas possibilidades para o trabalho

A ideia inicial era realizar um debate entre a Rede da Praça, pesquisadores que estavam estudando os PIUs e representantes do poder público que estavam elaborando o projeto. Ninguém do poder público, no entanto, aceitou o convite.

20

141


com o PIU. Após esse encontro, com a abertura de um edital ligado à USP para projetos de extensão universitária, surgiu a ideia de criarmos um grupo de extensão junto com a Rede da Praça, os estudantes da FAUUSP21 e os professores da Anhanguera do Campo Limpo Bárbara Barioni e Rodrigo Noleto, para trabalharmos com o PIU. No entanto, em novembro, em uma reunião chamada para conversarmos sobre o projeto de extensão, somente os estudantes da FAUUSP e os professores da Anhanguera compareceram. Com a chegada do final do ano e a desmobilização da Rede da Praça, o projeto de extensão não foi submetido e as ideias ficaram para 2018. Desse modo, em 2018, tentando mobilizar novamente a Rede da Praça e retomarmos os trabalhos com o PIU, chamamos uma nova reunião em maio, em que, contudo, mais uma vez, só compareceram os professores e estudantes de Arquitetura e Urbanismo. Depois desse encontro tenso, em que tentamos compreender os nossos erros e nos perguntamos de o porquê restarem somente os arquitetos, o grupo se desmobilizou por completo, não acontecendo mais outros encontros. b. Reflexões

Para mim, essa experiência trouxe reflexões importantes sobre a minha própria atuação. Quando me aproximei da Rede da Praça do Campo Limpo e emergiu a possibilidade de trabalhar com um projeto urbano – depois de durante a graduação ter participado de alguns projetos de extensão, em que, como dito na apresentação deste trabalho, sempre ficava claro as diferenças entre estudantes e povo –, sentia que, pela primeira vez, essa dicotomia não se colocava. No Campo Limpo, eu não era/sou a estudante da USP, eu era/ sou a moradora do Jardim Macedônia que foi estudar na USP. Ou

21

Com apoio da professora Paula Santoro.

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seja, pela primeira vez no trabalho com um projeto urbano, eu não era alguém de fora que, como universidade, insere-se num lugar desconhecido. No entanto, com o decorrer do processo e a desmobilização da Rede da Praça, percebi que o fato de eu ser da região e não me sentir como um agente externo não impediu que cometêssemos erros recorrentes em projetos de extensão, causados talvez pela ansiedade e vontade em fazer as coisas acontecerem. Em maio de 2018, quando restaram, praticamente, só os arquitetos, parecia que as universidades, Anhanguera e USP, estavam lá para satisfazer seus fetiches de projeto participativo e, para isso, tentando criar uma mobilização que já não existia mais e que, portanto, não fazia mais sentido, questões que sempre critiquei nos projetos anteriores em que participei. Além disso, parecia que os arquitetos, grupo no qual me incluo, numa relação bastante dicotomizada e talvez arrogante e ingênua, queriam que todos os participantes da Rede da Praça se concentrassem em um projeto urbano tecnicista e abstrato, que ainda não se coloca como uma ameaça concreta ao território22. Flávio Villaça (2012, p. 19-20), buscando responder à pergunta recorrente feita por alunos “o que pode fazer o arquiteto diante dos problemas urbanos e habitacionais?”, aplica essa questão a outros campos profissionais: O que pode fazer o fisioterapeuta, o advogado, o torneiro mecânico, o farmacêutico, o dentista, o engenheiro, o veterinário ou o metalúrgico, por exemplo, diante dos problemas que encontra, quer na sua especialidade, quer na vida da maioria do povo brasileiro?

Respondendo a essa indagação, Villaça (2012, p. 20) afirma: (...) no seu trabalho, portanto no exercício da sua profissão, a

Vale ressaltar que nos bairros de classe média, esse entendimento de política urbana não é cobrado e, assim, a classe média não vai integrar a idealização e romantização de projetos participativos da universidade.

22

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maioria dos brasileiros pode fazer pouco para minorar os problemas do seu país (...). Isso porque ele sempre estará fadado – mesmo se trabalhar para o governo –, no mínimo, a atender as demandas do mercado e, por este, ser condicionado (...). Portanto, nessa situação, o profissional não tem condições de atuar de maneira como acha que deve. Tem poucas condições de lutar pela solução dos problemas do país. Na sua condição de trabalhador, ele não é livre para isso. Ele só é livre para atuar de acordo com o que pensa quando deixa o trabalho, quando vai para casa, quando é dono de si, quando é cidadão

Dessa forma, “(...) todo cidadão – uns mais, outros menos – pode e deve usar sua competência e sua especialidade como armas políticas” (VILLAÇA, 2012, p. 21), colaborando para a solução dos problemas do país. “É assim que qualquer profissional (...) pode colaborar na solução dos problemas de seus concidadãos. Essa colaboração está na sua atuação política, e esta ocorre fora do seu local e das suas condições de trabalho” (VILLAÇA, 2012, p. 21), seja por meio de alguma organização em seu bairro, algum coletivo ou partido político. Rebatendo as afirmações do professor Flávio Villaça (2012) com a experiência do PIU do Terminal Campo Limpo e considerando que se inicia um novo ciclo pós-Reforma Urbana, conclui-se que a atuação do “arquiteto útil” parte, na verdade, de sua atuação política como cidadão, não como arquiteto. Ou seja, antes dos projetos participativos e dos planejamentos insurgente, abolicionista ou subversivo, está a militância ou o ativismo. Por meio de sua atuação política cotidiana, engajada e combativa em busca de justiça social, o arquiteto, ou qualquer outro profissional, deve estar imerso na realidade, utilizando suas competências como arma política, conforme afirma Villaça (2012) (Figura 52). Assim, as especialidades dos arquitetos e urbanistas são meio para a construção da militância ou do ativismo, não fim.

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Figura 52: Cartografia colaborativa realizada durante dois debates abertos ocorridos durante o segundo semestre de 2018 dos quais participei junto com o Katu, coletivo da Zona Sul que trabalha com educação popular, o Movimento Passe Livre (MPL) e a Periferia Antifascista. Esses encontros, realizados na Praça do Campo Limpo, decorrem, de certa forma, das discussões de 2017 sobre o PIU e têm como objetivo debater como ficam as periferias no atual contexto de contingenciamento de investimentos públicos. Esta cartografia, utilizada como forma de chamar as pessoas que estão na praça para o debate, é um pequeno exemplo de como o arquiteto pode utilizar suas competências como arma política. Elaboração própria.

Dessa forma, para a construção desse novo ciclo pós-Reforma Urbana, cabe ao arquiteto e urbanista, sem grandes pretensões e vaidades, inserir-se como militante ou ativista nas atuais lutas e resistências políticas periféricas, que, como visto neste trabalho, correspondem, principalmente, aos coletivos e às redes. A atuação política como cidadão é um meio do arquiteto estar inserido no

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cotidiano e realidade da maior parte da população brasileira, compreendendo, assim, quais são as atuais dinâmicas desses territórios, que ainda não foram assimiladas pela academia e que, portanto, nesse novo ciclo, precisam ser estudadas e aprofundadas. A partir desse primeiro passo – da militância ou do ativismo –, alguns desafios, entre vários outros, que talvez apareçam são: criar uma atuação que também paute a habitação, ainda que nos atuais movimentos ativistas periféricos essa problemática não esteja claramente colocada; ao mesmo tempo, atuar politicamente nas periferias e ocupar os espaços institucionais que foram conquistados nas últimas décadas e que não podem ser perdidos; e, buscar compreender, alcançar e atuar com os trabalhadores que não estão organizados em associações, coletivos ou redes, fato que se coloca como desafio desde meados da década de 1970. Como a construção dessa nova atuação deve ocorrer por meio da prática, o erro, o embate e o conflito, necessariamente, irão fazer parte do processo. Vale ressaltar que daqui para frente, cada vez mais, a produção de conhecimento sobre cidades será realizada também por periféricos, o que, mesmo no atual momento de retrocesso político, é um grande avanço. Enfim, há uma série de desafios colocados para a construção de uma nova atuação política no campo da Arquitetura e Urbanismo, que – tendo como exemplo e inspiração os trabalhos realizados durante o ciclo da Reforma Urbana – deve se contrapor ao avanço em curso do conservadorismo, buscando, por meio da militância e do ativismo, experimentar diferentes práticas e formas de resistência.

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5. Considerações Finais 147


Colocada a necessidade de reconstrução do campo progressista brasileiro diante ao avanço em curso do conservadorismo e após os fechamentos do ciclo progressista no governo federal e do ciclo da reforma urbana (MARICATO, 2014), defende-se neste trabalho que essa reconstrução deve partir das periferias, das bases. Para isso, portanto, é necessário compreender os erros cometidos, especialmente, nas últimas duas décadas, sem, no entanto, ignorar os avanços e os acertos, e entender quais formas de resistência ocorrem hoje nas periferias, traçando, assim, possibilidades de atuação para daqui em diante. Como visto, houve nas periferias dois ciclos de insurgência política. Um militante, iniciado durante as décadas de 1970 e 1980, ligado às Comunidades Eclesiais de Base, às Sociedades Amigos de Bairro e a partidos políticos, em especial, ao PT, e com pautas mais relacionadas aos direitos básicos. E um outro ativista, mais recente, que corresponde a consolidação das redes e dos coletivos, principalmente, a partir da década de 2000, com pautas mais ligadas à cultura. A respeito do ciclo militante de insurgência política periférica, os estudos de caso da antiga Sociedade Amigos de Bairro e do Centro Comunitário do Jardim Macedônia demonstram que a ida da antiga base para a institucionalidade de gabinetes significou, nesses espaços, o abandono da formação e emancipação popular, comuns durante as décadas de 1970 e 1980. Cabe ressaltar, contudo, que durante essas décadas, especialmente a de 1980, havia um contexto muito particular para a militância: condições urbanas precárias, apoio da Igreja Católica, momento de reabertura democrática e emergência de um novo partido político construído a partir das bases. Assim, o esvaziamento político ocorrido nessas entidades é resultado de uma combinação de diversos fatores. No entanto, com isso, o ciclo militante, de modo geral, perdeu seu lastro popular, não existindo mais nas periferias, principalmente entre os mais jovens, uma identificação com os partidos e entidades ligados a essa militância.

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Por outro lado, é necessário reconhecer que a ida dessa antiga base para a institucionalidade, a partir de 2003 com a eleição de Lula no governo federal, significou também a melhora, ainda que com contradições, das condições de vida nas periferias devido, principalmente, ao aumento da renda e a políticas sociais de alto impacto. Assim, portanto, “nunca antes na história deste país”1, a população mais pobre teve acesso ao consumo como nas últimas duas décadas, que significou, para parte dessa população, o acesso aos direitos mais básicos. No entanto, nesse contexto, as desigualdades intraperiféricas foram reforçadas, inclusive por políticas públicas que tinham o objetivo oposto. Assim, em meio a avanços e retrocessos, o período de melhorias econômicas e ampliação das políticas sociais, ainda que tenha elevado as condições de vida, não reverteu, de fato, as desigualdades. Na verdade, paradoxalmente, produziu novas desigualdades, sociais e territoriais, dentro e fora dos bairros periféricos. O distanciamento do ciclo militante da realidade não significou, no entanto, que as periferias tenham deixado de realizar formação política. Pelo contrário, no cenário de crise durante a década de 1990, junto com o enfraquecimento do trabalho de base realizado nas décadas de 1970 e 1980, começaram a insurgir novas ações ativistas. Essas ações, como o Espaço CITA e a Historiorama, por meio, principalmente, da cultura olham de maneira crítica para o contexto em que estão inseridas, pautando sua atuação a partir de uma concepção problematizadora da realidade periférica e realizando, assim, formação política e emancipação popular. São essas ações que hoje estão ativas nas periferias. Como hoje as condições urbanas são melhores do que as das décadas de 1970 e 1980, os movimentos ativistas se distanciam da escala local do bairro, que, durante o auge do ciclo militante, era o

Frase usada por Lula diversas vezes para falar sobre as transformações passadas pelo país durante os mandatos petistas no governo federal.

1

149


foco da luta por melhorias urbanas e infraestrutura. Assim, como produto do atual contexto periférico, a atuação do ciclo ativista parte do entendimento de questões estruturais da sociedade, como as condições de desigualdade e a segregação socioespacial ainda impostas aos bairros periféricos. Nesse contexto, a arte é instrumento de luta para afirmar que periferia é cidade e que, portanto, não é necessário se deslocar por duas horas até as áreas mais centrais para ter acesso ao trabalho ou ao entretenimento de qualidade. Ou seja, a partir do reconhecimento de sua condição de periférico, os movimentos ativistas se contrapõem, constantemente, à estrutura do espaço socialmente construído, que produz periferias com carência de infraestrutura, equipamentos e serviços. Desse modo, buscando reconstruir o imaginário coletivo sobre os bairros periféricos, lutam contra a condição de “exílio na periferia” (SANTOS, 1990; MARICATO, 2000). No campo da Arquitetura e Urbanismo, como visto, a partir da década de 1970, a consolidação de um campo de estudo e atuação sobre as problemáticas urbanas da periferia do capitalismo ocorreu junto com o ciclo militante colocado por este trabalho, cometendo, inclusive, os mesmos erros das últimas décadas causados pelo enfoque na institucionalidade. Nesse contexto de esgotamento das conquistas institucionais e afastamento das periferias, Ermínia Maricato (2014) afirma que, atualmente, vive-se o final de um ciclo na luta pela reforma urbana. Assim, devido à permanência das desigualdades e das precariedades urbanas, embora com algumas diferenças com o passado, necessariamente, o início de um novo ciclo se coloca. Desse modo, cabe ao arquiteto e urbanista, por meio de sua atuação política como cidadão e tendo como exemplo o trabalho dos arquitetos militantes durante o ciclo da reforma urbana, construir uma nova atuação embasada na atual realidade dos bairros periféricos. Para isso, é necessário o entendimento das atuais dinâmicas das periferias, que nas últimas décadas passaram por diversas transformações que ainda não foram assimiladas por

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esse campo de estudo. Tendo os exemplos dos movimentos militantes e ativistas para a reconstrução do campo progressista, a primeira questão que surge é: formação de base ou luta por políticas públicas? A experiência do ciclo militante demonstra que uma não faz sentido sem a outra. A luta por conquistas institucionais só tem coerência quando está, de fato, aderida à realidade, ao “chão”, compreendendo quais são as reais demandas da maior parte da população. Assim, essa reconstrução deve estar embasada nas periferias, por meio da prática de processos formativos e emancipatórios. Dessa forma, essa reconstrução parte, no mínimo, do entendimento e respeito pelos movimentos ativistas periféricos, já que hoje são quem estão em atividade política nas periferias. Considerando as atuais ações desenvolvidas pelos movimentos ligados a esse ciclo, a afirmação de que para a reconstrução do campo progressista é necessário “retomar o trabalho de base” não faz sentido, porque a base – não a que se burocratizou – nunca parou de se movimentar. Essa movimentação, no entanto, ainda não foi assimilada por parte dos agentes ligados ao ciclo militante, o que demonstra muito sobre seu afastamento da realidade. Cabe, portanto, a aproximação entre os ciclos militante e ativista, o que não significa, contudo, que não deva haver o embate e o conflito entre eles. Pelo contrário, num processo quase de reconhecimento, as contradições precisam aflorar para compreender os erros e os acertos cometidos nos últimos anos e as possibilidades de atuação daqui para frente. Especificamente, no campo dos estudos urbanos, além da militância ou ativismo como forma de atuação política, é necessário a retomada – e aqui sim essa palavra faz sentido – dos estudos dos bairros periféricos. O entendimento das transformações ocorridas nas duas últimas décadas e, portanto, do que são as periferias hoje são necessárias para embasar a atuação do próprio campo progressista. Enfim, este TFG não teve como pretensão traçar uma direção

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assertiva para todo o campo progressista, do que deve ser feito ou não. No entanto, fecha-se este trabalho, desenvolvido durante este ano complicado, defendendo que, daqui para frente, mais do que nunca desde a ditadura militar, é necessário uma atuação prática embasada na realidade da maior parte da população, que, no caso das cidades, são as periferias. Assim, para se contrapor ao conservadorismo, à repressão e aos cortes de direitos, é necessário se afastar das relações clientelistas e das disputas de poder que tomaram conta de parte do campo progressista nos últimos anos, construindo, por meio de erros, acertos e conflitos, uma nova atuação prática.

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159


160


Anexos 161


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4

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Avenida Carlos Lacerda

13 CEU CANTOS DO AMANHECER

27

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15

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JARDIM SÃO LUÍS

CAPÃO REDONDO

PARQUE SANTO DIAS

162 0

250 m


LOCAIS LEVANTADOS

MILITANTES ANO DE FUNDAÇÃO

NOME

TIPO

1

Associação Cidadania Ativa do Jardim Macedônia - ACAM

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1974

2

Agência Popular Solano Trindade

Economia Solidária

2013

3

Associação dos Moradores da Favela Capelinha

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1987

4

Associação dos Moradores do Parque Vera Cruz e Adjacências

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1989

5

Associação de Moradores do Jardim Rosana

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

-

6

Associação Comunidade da Cidadania do Jardim São Januário

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

-

7

Associação Comunitária dos Moradores do Parque Sonia

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

2005

8

Associação de Moradores da Cidade Auxiliadora e Adjacências

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

2004

9

Associação de Moradores em Busca de Melhorias Comunitarias - Ambmec

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1978

10

Associação do Inocoop

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

-

11

Associação dos Moradores da Favela do Jardim Ypê

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1996

12

Associação dos Moradores do Bairro Jardim Walquiria

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1984

13

Associação dos Moradores do Jardim Mitsutani

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

2007

14

Associação dos Moradores do Jardim Piracuama

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1986

15

Associação Esportiva, Cultural e Habitacional dos Moradores do Jardim Maria Sampaio ‘’Estrela Azul’’

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

2008

163


16

Associação Estaçãoo Sacode Planeta dos Moradores do Jardim Valquiria

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

2009

17

Associação dos Moradores do Conjunto Habitacional Campo Limpo

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1981

18

Banco Comunitário União Sampaio

Economia Solidária

1987

19

Movimento Comunitário Estrela Nova

Centro Comunitário

1980

20

Ocupação Olga Benário/Portelinha - FLM

Ocupação de Moradia

2007

21

Centro Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia

Centro Comunitário

1985

22

Organização Cultural, Social e Artística do Jardim Umuarama - SAJU

Centro Comunitário

1981

23

Sociedade Amigos de Bairro do Jardim Samara e Adjacências

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1986

24

Sociedade Comunitária Do Jardim Valquiria

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1989

25

Sociedade Amigos de Bairro do Jardim Novo Oriente

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1982

26

Sociedade Amigos de Bairros da Cidade Auxiliadora e Adjacência - Sabaca

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

2003

27

Sociedade Amigos de Parque Ypê e Adjacências

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1969

28

Sociedade de Amigos de Bairro do Jardim Sete Lagos

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1994

29

Sociedade de Amigos do Jardim Leonidas Moreira

Associação de Moradores/ Sociedade Amigos de Bairro

1986

30

União Popular de Mulheres de Campo Limpos e Adjacências

Centro Comunitário

1960

164


ATIVISTAS ANO DE FUNDAÇÃO

NOME

TIPO

1

Acadêmicos do Campo Limpo

Escola de Samba

2013

2

Bar do Mutcho

Espaço Cultural

1990

3

Caverna do Dragão 1

Espaço Cultural

2011

4

CITA - Cantinho de Integração de Todas as Artes

Ocupação Cultural

2011

5

Davila Nós Somos

Espaço Cultural

2013

6

Exclamação Multiespaço de Arte Cultura e Convivência

Espaço Cultural

2010

7

Galpão Cultural - Território do Povo

Ocupação Cultural

2015

8

Horta Cores E Sabores

Espaço Cultural

2015

9

I Love Laje

Espaço Cultural

2014

10

Os Bambas

Escola de Samba

1979

11

Setenta e 1

Espaço Cultural

2014

165





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