Recolha de poemas do século XVI ao século XXI
Comunidade de Leitores, 9ºA Escola EB 2,3 de Arrifana, Santa Maria da Feira Ano lectivo 2008/2009
Trovas à morte de Inês de Castro
pai,
filhos
nam
conhecera,
nem me chorara ninguém. Eu
era
per
moça,
nome
menina,
Dona
Inês
Senhoras,
s'algum
senhor
de Castro, e de tal doutrina
vos
bem
servir,
e
vertudes,
de
meu
quiser
quem
tomar
tal
eu
lhe
o
galardam
Por
que
vej'o
descobrir
de
lhe
úa
tam
e
Triste
fazer
foi-m'o
fez
esta
dama,
por seu nojo e minha fim.
vos
dará
fama,
nam
coraçam
sem
piadade,
gram tam
paixam
crueldade sem
mim,
rezam? inocente,
fé,
príncepe,
amor
meu
senhor,
me mataram cruamente! minha
desaventura
contente
por
me
me
foi
pôr
para que, antes
dar
d'acabar-me, maior
em
d'alto se de
me
tristura
tant'altura, derribar-me;
matara
ter
tanto
alguém, bem,
em tais chamas nam ardera,
podia
ninguém
a
a
desejar,
por
me
servir;
foi
ordenar
corações
conformar
úa
vontade
Conheceu-me, quis-me
mim: olhar,
Começou-m'a
dous
dar
príncepe
trabalhou
o cause
lealdade,
nam
dá-la
Fortuna
de
A
paixam
lembrar
de
que, por ter muito fervente ó
me
nem
e
morte
revés.
saber
será
que
sem
dina
ó
Mercê
Fala D. Inês
cru
ser
que
s'estas trovas quereis ler.
tam
mal
amor.
si
Qual
Vivia
qu'era
do
deve
que
que
servidor,
quero
Sua
o
ou
conheci-o,
bem
e
eu
perdeu-me,
também
nunca
morte
té
vir. a
ele,
perdi-o; foi
frio
o bem que, triste, pus nele. Dei-lhe
minha
nam
senti
pus
nele
quis
fazer
sendo Por nunca polo foi
perda
fama; verdade
sua
vontade,
m'estas jamais qual
de
minha
mui
el-rei
liberdade,
fremosa
dama.
obras
pagar
quis
casar;
aconselhado qu'era
polo seu, de me matar.
forçado,
Estava como
mui
acatada,
sem
princesa
servida,
quanto mais a mim, que dam
porquê
em meus paços mui honrada,
culpa
de
por
tudo
mui
abastada,
matar
nam ser
molher;
sendo
mãi
rezam,
dos
inocentes
de meu senhor mui querida.
qu'ante vós estam presentes,
Estando
os quais vossos netos sam.
mui
bem
fora
em
Coimbra,
polos
de
de
vagar,
tal
cuidar,
d'assessego,
campos
de
Mondego
"E que tem tam pouca idade que,
se
não só,
cavaleiros vi somar.
de
mim
e
sua
Como as cousas qu'ham de ser
morrerám
logo
coraçam,
Olhe
entrestecer
fará
dam
no
comecei e
comigo
"Estes E
homens
tanto
que
só
dizer:
e
donde
iram?
pois
que
preguntei,
soube
logo
qu'era
Quando
o
tam
meu
vi
coraçam
el-rei.
apressado trespassado
foi, que nunca mais falei. E
quando
saí
à
vi porta
devinhando
da
o
com
gram
choro
lhe
fiz
úa
Meus
filhos
decia,
lhe
cortada disse:
que
possa o
que
metei
nisso
qu'é
de
senhor,
príncepe
"Lembre-vos que e
me que
-"Havei,
senhor,
mais
e
servidor,
erro
fizera,
que
padecera
filhos
tristes
"Mas, e
pois
e
eu
sempre
deveis,
ficaram buscaram
nunca
se
Usai
mam,
que havei
mais,
poderoso quebrantar
fazer;
errei
mereci
nam
deveis
coraçam
dor
quem deles paixam houvera;
que,
fraco
gram
tal
qu'este
órfãos
paixam a
tem,
por lhe querer grande bem.
a
bem
filho
sentirá
cortesia
temor
pai,
grand'amor
vosso
e
de
sois
o
bem
redor
olhai,
nam lhe deis tanta tristeza.
fora
desta triste piadade!" "Nam
também, do
crueza
Voss'Alteza:
queria;
de
orfindade
nisto
que
pus
saudade
quanta
s'algum
de mim com gram homildade; mui
bem
Que,
fala.
com
desemparados.
sala,
triste
criados
gram
morrer-lhe
que
forem
moiro, mais
de
dó,
vossa
lei,
quebrantais. de
rigor
rei,
nem
senhor,
piadade vontade, de
mim
nam me deis tam triste fim,
-"Senhor,
vossa
pois que nunca fiz maldade!"
é
de
reprender,
sem
necessidade,
El-rei,
vendo
houve
de
e
o
que
a
ele
viu
qu'eu nem E
como
mim
estava,
compaixam
nam
oulhava:
nam
errava
fizera
vendo
tive
traiçam.
quam
de
amor
ó
e
príncepe,
pôde
verdade lealdade
cuja
mais
a
sam, piadade
que a determinaçam; Que,
se
ca
seu
e
lh'eu
m'ele filho
entam
defendera
não
nam
com
amasse,
obedecera,
rezam
podera
dar m'a morte qu'ordenasse; mas
vendo
dês
que
que
nenhú'hora,
naci
nunca
nisso
quando
se
até'gora, me
falou,
disto
lembrou,
foi-se pola porta fora, Com
seu
rosto
co
propósito
muito
triste,
como
mudado, mui
mui
mui
cristam
e
Um
daqueles
consigo
esforçado. que
trás
trazia
companhia,
cavaleiro de
cuidoso, piadoso,
na
desalmado, dele,
mui
estas palavras dezia:
pois
que,
mudaram
vossa
vontade
lágrimas
dúa
molher.
E
quereis
com
filhos,
estê, de
qu'abarregado, como
senhor, vós
casado,
vosso
mais
me
filho?
maravilho
que dele, qu'é namorado. "Se
a
logo
nam
sereis
nem
farám
pois
tam
do
matais,
nunca
temido
que
mandais,
o cedo
conselho
Olhai
nam
quam
vos
mudais,
qu'era
havido.
justa
querela
tendes, pois, por amor dela, vosso sem
filho casar
quer
e
nos
estar
quer
dar
muita guerra com Castela. "Com
sua
morte
escusareis
muitas mortes, muitos danos; lagrimoso,
rei
dina
piadade
vós,
senhor,
e
vós
a
paz
e
para
descansareis, a
nós
dareis
duzentos
anos.
O
príncepe
filhos
de
será
fora
qu'agora
casará,
bençam de seja
terá, pecado; anojado,
amenhã lh'esquecerá."
irado, E el-rei
ouvindo ficou
seu mui
dizer, torvado
por se em tais estremos ver,
e
que
ou
um
havia ou
Desejava por a
lhe
forçado.
dar-me
vida,
ter
nem
sentia
fazer
outro,
nam
morte
de
merecida
nenhum
pena
mal; mortal
por ter feito tal partida.
Com as espadas na mam, m’atravessam o coraçam, a confissam me tolheram. este é o galardam que meus amores me dera Garcia de Resende
E a e
vendo
que
ele que
se
lhe
tod'esta tanto
o
dava culpa,
apertava,
disse àquele que bradava: "- Minha tença me desculpa. Se a vós quereis fazer, fazei-o sem mo dizer. qu’eu nisso nam mando nada, nem vejo essa coitada por que deva de morrer." Fim Dous cavaleiros irosos, que tais palavras lh’ouviram, Muii crus e nam piadosos, Perverssos desamorosos, Contra mim rijo se viram.
http://alfarrabio.di.uminho.pt/v ercial/resende.htm
Dónde vas el caballero, donde vas, triste de ti? Que la tu querida esposa muerta está que yo la vi. Las señas que ela ténia bien te las sabre decir: su garganta es de alabastro y sus manos de marfil.
Luis Vélez de Guevara, Reinar después de morir
A Fonte dos Amores Eis os sítios formosos, onde a triste Nos dias d’ilusão viveu ditosa; Eis a fonte serena, e os altos cedros Que os segredos d’amor inda lhe guardam. Oh! Quantas vezes, solitária fonte, Após longo vagar por esses campos Do plácido Mondego, nestas margens A namorada Inês veio assentar-se, E ausente de seu bem carpir saudosa, Aos montes e às ervinhas ensinando O nome que no peito escrito tinha! E quantas, quantas vezes no silêncio Desta grata soidão viste os amantes, Esquecidos do mundo e a sós felizes, Nos êxtases da terra os céus gozando! Pobre, infeliz Inês! breves passaram Os teus dias d’amor e de ventura. Ao régio moço o moço renderas, E o que em todos é lei, em ti foi crime. Eis do bárbaro pai, do rei severo, Se arma a dextra feroz, ei-lo que aos sítios Onde habitava amor conduz a morte. Distante do teu bem, ao desamparo, Ai! não pudeste conjurar-lhe as iras. Debalde aos pés d’Afonso lacrimosa Pediste compaixão; debalde em ânsias Abraçando teus filhinhos inocentes,
Os filhos de seu filho, a natureza Invocaste e a piedade: a voz dos ímpios, Dos vis algozes, te abafou as queixas, E o cego rei te abandonou aos monstros. Ei-los a ti correndo, ei-los que surdos Aos ais, aos rogos que tremendo soltas, No palpitante seio cristalino, Que tanto amou, oh bárbaros! os ferros, Os duros ferros com furor embebem. Prostrada, agonizante, os doces filhos Por derradeira vez unes ao peito, E de teu Pedro murmurando o nome, Aos inocentes abraçada expiras. Inda, infeliz Inês, inda saudosos Estes sítios que amavas te pranteiam. As aves do arvoredo, os ecos, brisas, Parecem murmurar a infanda história; Teu sangue tinge as pedras, e esta fonte, A fonte dos amores, dos teus amores, Como que em som queixoso inda repete Às margens, e aos rochedos comovidos, Teu derradeiro, moribundo alento. Soares de Passos Poesias Lisboa, Vega, 1983
http://cvc.instituto-camoes.pt/poemasemana/27/coimbra4.html
A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro
Da triste, bela Inês, inda os clamores Andas, Eco chorosa, repetindo; Inda aos piedosos Céus andas pedindo Justiça contra os ímpios matadores; Ouvem-se inda na Fonte dos Amores De quando em quando as náiades carpindo; E o Mondego, no caso reflectindo, Rompe irado a barreira, alaga as flores: Inda altos hinos o universo entoa A Pedro, que da morte formosura Convosco, Amores, ao sepulcro voa: Milagre da beleza e da ternura! Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa A malfadada Inês na sepultura.
Bocage
http://www.wook.pt/authors/detail/id/9129
À morte de Inês de Castro Da miseranda Inês o caso triste Nos tristes sons, que a mágoa desafina, Envia o terno Elmano à terna Ulina, Em cujos olhos seu prazer consiste. Paixão, que, se a sentir, não lhe resiste Nem nos brutos sertões alma ferina, Beleza funestou quase divina, De que a memória em lágrimas existe. Lê, suspira, meu bem, vendo um composto De raras perfeições aniquilado Por mãos do Crime, à Natureza oposto. Tu és cópia de Inês, encanto amado; Tu tens seu coração, tu tens seu rosto... Ah!, defendam-te os Céus de ter seu fado!
Bocage
Cantata à morte de Inês de Castro
Longe do caro Esposo Inês formosa Na margem do Mondego As amorosas faces aljofrava De mavioso pranto. Os melindrosos, cândidos penhores Do tálamo furtivo, Os filhinhos gentis, imagem dela, No regaço da mãe serenos gozam O sono da inocência. Coro subtil de alígeros Favónios Que os ares embrandece, Ora enlevado afaga Com as plumas azuis o par mimoso, Ora solto, inquieto, Em leda travessura, em doce brinco, Pela amante saudosa, Pelos ternos meninos se reparte, E com ténue murmúrio vai prender-se Das áureas tranças nos anéis brilhantes. Primavera louçã, quadra macia Da ternura e das flores, Que à bela Natureza o seio esmaltas, Que no prazer de Amor ao mundo apuras O prazer da existência, Tu de Inês lacrimosa As mágoas não distrais com teus encantos. Debalde o rouxinol, cantor de amores, Nos versos naturais os sons varia; O límpido Mondego em vão serpeia
Co'um benigno sussurro, entre boninas De lustroso matiz, almo perfume; Em vão se doira o Sol de luz mais viva, Os céus de mais pureza em vão se adornam Por divertir-te, ó Castro; Objectos de alegria Amor enjoam, Se Amor é desgraçado. A meiga voz dos Zéfiros, do rio, Não te convida o sono: Só de já fatigada Na luta de amargosos pensamentos Cerras, mísera, os olhos; Mas não há para ti, para os amantes Sono plácido e mudo; Não dorme a fantasia, Amor não dorme: Ou gratas ilusões, ou negros sonhos Assomando na ideia, espertam, rompem O silêncio da Morte. Ah!, que fausta visão de Inês se apossa! Que cena, que espectáculo assombroso A paixão lhe afigura aos olhos d'alma! Em marmóreo salão de altas colunas, A sólio majestoso e rutilante Junto ao régio amador se crê subida; Graças de neve a púrpura lhe envolve, Pende augusto dossel do tecto de oiro, Rico diadema de radioso esmalte Lhe cobre as tranças, mais formosas que ele; Nos luzentes degraus do trono excelso Pomposos cortesãos o orgulho acurvam; A lisonja sagaz lhe adoça os lábios; O monstro da política se aterra E, se Inês perseguia, Inês adora. Ela escuta os extremos, Os vivas populares; vê o amante
Nos olhos estudar-lhe as leis que dita; O prazer a transporta, amor a encanta; Prémios, dádivas mil ao justo, ao sábio Magnânima confere; Rainha esquece o que sofreu vassala: De sublimes acções orna a grandeza, Felicita os mortais; do ceptro é digna, Impera em corações... Mas, Céus! Que estrondo O sonho encantador lhe desvanece! Inês sobressaltada Desperta, e de repente aos olhos turvos Da vistosa ilusão lhe foge o quadro. Ministros do Furor, três vis algozes, De buídos punhais a dextra armada, Contra a bela infeliz, bramando, avançam. Ela grita, ela treme, ela descora; Os frutos da ternura ao seio aperta, Invocando a piedade, os Céus, o amante; Mas de mármore aos ais, de bronze ao pranto, À suave atracção da formosura, Vós, brutos assassinos, No peito lhe enterrais os ímpios ferros. Cai nas sombras da morte A vítima de Amor lavada em sangue; As rosas, os jasmins da face amena Para sempre desbotam; Dos olhos se lhe some o doce lume; E no fatal momento Balbucia, arquejando: «Esposo! Esposo!» Os tristes inocentes À triste mãe se abraçam, E soltam de agonia inútil choro.
Ao suspiro exalado, Final suspiro da formosa extinta, Os amores acodem. Mostra a prole de Inês, e tua, ó Vénus, Igual consternação e igual beleza: Uns dos outros os cândidos meninos Só nas asas diferem (Que jazem pelo campo em mil pedaços Carcases de marfim, virotes de oiro). Súbito voam dois do coro alado: Este, raivoso, a demandar vingança No tribunal de Jove; Aquele a conduzir o infausto anúncio Ao descuidado amante. Nas cem tubas da Fama o grão desastre Irá pelo Universo. Hão-de chorar-te, Inês, na Hircânia os tigres; No torrado sertão da Líbia fera, As serpes, os leões hão-de chorar-te. Do Mondego, que atónito recua, Do sentido Mondego as alvas filhas Em tropel doloroso Das urnas de cristal eis vêm surgindo; Eis, atentas no horror do caso infando, Terríveis maldições dos lábios vibram Aos monstros infernais, que vão fugindo, Já c'roam de cipreste a malfadada, E, arrepelando as nítidas madeixas, Lhe urdem saudosas, lúgubres endeixas. Tu, Eco, as decoraste, E, cortadas dos ais, assim ressoam Nos côncavos penedos, que magoam:
«Toldam-se os ares, Murcham-se as flores; Morrei, Amores, Que Inês morreu. «Mísero esposo, Desata o pranto, Que o teu encanto Já não é teu. «Sua alma pura Nos Céus se encerra; Triste da Terra, Porque a perdeu. «Contra a cruenta Raiva íerina, Face divina Não lhe valeu.
«Tem roto o seio Tesoiro oculto, Bárbaro insulto Se lhe atreveu. «De dor e espanto No carro de oiro O Númen loiro Desfaleceu. «Aves sinistras Aqui piaram Lobos uivaram, O chão tremeu. «Toldam-se os ares, Murcham-se as flores: Morrei, Amores, Que Inês morreu.» Bocage
D. Inês de Castro Choram ainda a tua morte escura Aquelas que chorando a memoraram; As lágrimas choradas não secaram Nos saudosos campos da ternura. Santa entre as Santas pela má ventura, Rainha, mais que todas que reinaram, Amada, os teus amores não passaram E és sempre bela e viva e loira e pura. Ô linda, sonha aí, posta em sossego No teu muymento de alva pedra tina, Como outrora na Fonte do Mondego.
Dorme, sombra de graças e de saudade, Colo de Graças, amor, moço menina, Bem-amada por toda a eternidade!
Afonso Lopes Vieira, D. Inês de Castro
http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/antonio_gedeao/vieira.html
Constança Constança vai morrer... Cercam-lhe o leito Inês e Pedro. Dulce está rezando, Co'a cabeça entre as mãos, junto dum tríptico... Constança vai morrer... - «Adeus, meu Pedro!» Co' uma sombra de voz exclama... E Pedro, Doido de comoção, branco de neve, Marejados de pranto os negros olhos, Enlaça-a febrilmente, e com soluços
Dá-lhe um violento, prolongado beijo. Ao fogo desse beijo, a moribunda Parece reviver! Coram-lhe as faces, Nos seus olhos fuzilam meteoros, Já não lhe falta o ar, sorri, contente, - É que esse beijo, o último, continha Todo o amor, toda a febre do primeiro! Oh! Que morte ditosa lhe deu Pedro! Mas eis que vê Inês... Oh, não, não deve Para a cova levar aquele beijo!
- «Anda cá, minha Inês...» diz co'um sorriso De infinita doçura; nos seus braços Acolhe a linda Inês, abraça-a muito, Dá-lhe o beijo de Pedro, e logo exala, Serenamente, o ultimo suspiro...
Eugénio de Castro
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ecastro.htm
Longe Coimbra do mês de Agosto, doente de languidez, não escondas mais o rosto com pena de D Inês. Mondego, cala o desgosto, não chores de viuvez - Ó Coimbra do sol-posto, cheia do sangue de Inês
A essa hora-funeral recordo certo punhal que tinha um cabo de opala. E vejo o rei português, beijando o corpo de Inês - tentando ressuscitá-la.
José Gomes Ferreira, Longe
http://www.astormentas.com/biografia.aspx?t=autor&id=Jos%c3%a9%20Gomes%20Ferr eira
Estavas Linda Inês
Até ao fim do mundo esta paixão, Amor! Colo de graça! Pele de pétala. Quando no Fim do Mundo abra os olhos, será para os teus ver - os meus - amor! Quanto tempo tarda o fim do Mundo! Sete séculos vão, à espera dele! e a adoçar-me a boca inda o morango do derradeiro beijo que nos demos! Tu chamaste por mim. Eu monteava. Falou-me ao coração o teu chamar, o teu clamar de "Pedro, que me matam!" Repentinas, choveram umas gotas, sem que o céu entoldasse qualquer nuvem. Apalpei-as e vi. eram vermelhas. Provei-as. Eram doces Logo parti, Amor, de espora fita, a socorrer-te a segurar-te a alma. O cavalo, o tordilho que afagavas Sempre que me levava a teus abraços parecia adivinhar que te morrias
e galopava em cascos de furor. Ouves, Inês, a minha voz, aí, nesse leito rendado que te dei? Inês, porque não falas, não respondes Cabeça de ouro e luz, cabeça amada? Ouves, carne de flor, boca de mel? Galopei, galopei, a socorrer-te. O lajedo, ao galope, viu estrelas, ao galope viu estrelas, mas só topei os filhos que choravam, mas topei só e soluçava a fonte: seixinhos, lá, de sangue esborrifados, e tu, que eras de lume, tu, friagem, e com o adeus escrito nos miosótis dos teus olhos pasmados de terror.
Tomás de Figueiredo, Estavas Linda Inês
http://www.editorialverbo.pt/lista_autor.asp?s=86&ctd=202
Antes do fim do mundo despertar, Sem D. Pedro sentir, E dizer às donzelas que o luar É o aceno do amado que há-de vir…
E mostrar-lhe que o amor contrariado Triunfa até da própria sepultura: O amante, mais terno e apaixonado, Ergue a noiva caída à sua altura.
E pedir-lhes, depois, fidelidade humana Ao mito do poeta, à linda Inês… À eterna Julieta castelhana Do Romeu português.
Miguel Torga, in Poemas Ibéricos
http://www.astormentas.com/torga.htm
Até ao fim do mundo
Era pedra e sobre essa pedra Ergueu-se o templo do amor atroz. Ele de fogo, ela a cordeira Toda cordura chamando o algoz.
Sangram as tubas: Inês é morta! Em meigo muito transmuta-a o pranto Do ermo amante que erra sozinho No seu deserto de diamante.
Nem ar sangrento buscam seus olhos Do corpo amado desfeitas pérolas; E como fera coro os ossos Da formosura que ao alto o espera
E em desatino da paixão lusa,
Perdida a alma que em Inês tinha, O fim do mundo ficou esperando Aos pés da morta, suo rainha. Natália Correia, Até ao fim do Mundo http://cvc.instituto-camoes.pt/poemasemana/13/natal2.html
INÊS MORREU Inês morreu e nem se defendeu Da morte com as asas da andorinha pois diminuta era a morte que esperava aquela que de amor morria cada dia aquela ovelha mansa que até mesmo cansa olhar vestir de si o dia a dia aquele colo claro sob o qual se erguia o rosto envolto em loura cabeleira pedro distante soube tudo num instante que tudo terminou e mais do que a inês o frio ferro matou a ele Nunca havia chorado é a primeira vez que chora agora quando a terra já encerra aquele monumento de beleza que pode pedro achar em toda a natureza pode pedro esperar senão ouvir chorar as próprias pedras já que da beleza se comovam talvez uma vez que os humanos corações consentiram na morte da inocente inês E pedro pouco diz só diz talvez satanás excedeu o seu poder em mim deixem-me só na morte só na vida a morte é sem nenhuma dúvida a melhor jogada que o sangue limpe agora as minhas mãos cheias de nada ó vida ó madrugada coisas do princípio vida começada logo terminada Ruy Belo
http://www.astormentas.com/biografia.aspx?t=autor&id=Ruy+Belo
Soneto de Inês Dos olhos corre a água do Mondego os cabelos parecem os choupais Inês! Inês! Rainha sem sossego dum rei que por amor não pode mais.
Amor imenso que também é cego amor que torna os homens imortais. Inês! Inês! Distância a que não chego morta tão cedo por viver demais.
Os teus gestos são verdes os teus braços são gaivotas poisadas no regaço dum mar azul turquesa intemporal.
As andorinhas seguem os teus passos e tu morrendo com os olhos baços Inês! Inês! Inês de Portugal. José Carlos Ary dos Santos
http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/ary_dos_santos/
Teceram-lhe a manto para ser de morta assim como o pranto se tece na roca Assim como o trono e como o espaldar foi igual o modo de a chorar Só a morte trouxe todo o veludo no corte da roupa no cinto justo Também como o choro lhe deram um estrado um firmal de ouro um corpo exumado O vestido dado como a choravam era de brocado não era escarlata Também de prato a vestiram toda era como um manto mais fino que roupa. Fiama Hasse País Brandão, Linda Inês, Inês de Manto http://www.netprof.pt/netprof/servlet/getDocumento?id_versao=16857
Quinta das Lágrimas
Meu amor é Pedro. E fui teu rei. Teu nome Inês. E foste minha. Como Inês sobre a pedra estavas nua e o meu punhal eu o enterrei no coração da lua. Como Inês só depois foste rainha.
Manuel Alegre, Obra Poética, Dom Quixote
http://www.manuelalegre.com/index.php?area=1500
VALE O AMOR TANTO
Vale o amor tanto
fúria que o assassino
o sacrifício a vida rente
abate sobre o convulso rosto
que nem as lágrimas o grito
o espasmo o corpo
a súplica o perdão
o luto que nos resta
servem para esquecer do ódio as primordiais raízes
Vale o amor
- matar tornou-se uma figura
- aquele primeiro olhar
de exaustão
os dedos que se tocam da História o suplício
Vale quanto se amado
o pesadelo informe
até ao desconcerto entregar à
A vingança o beijo
mão que escreve a descrição do dia a régia
o ser futuro escrito a eternidade inútil?
Inédito de António Mega Ferreira, in Jornal das Artes e das Letras, 10 de Janeiro de 2005
http://www.wook.pt/authors/detail/id/4053
Pedro lembrando Inês
passamos, subindo a margem em que descobri o sentido
Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a manhã da minha noite. É verdade que te podia dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou, até sermos um apenas no amor que nos une,
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor, de chegar antes de ti para te ver chegar: com a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu: a primavera luminosa da minha expectativa, a mais certa certeza de que gosto de ti, como gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
Nuno Júdice, in Pedro lembrando
ver-te mesmo quando te não vejo,
Inês, Dom Quixote
ouvir a tua voz que abre as fontes de todos os
http://www.wook.pt/authors/detail/i
rios, mesmo
d/5698
esse que mal corria quando por ele
«Mas é assim o amor» dizia ele, muitos anos depois, ele já salva por cena intempestiva de fidalgos e carta de perdão. Poupados os seus filhos, descansara também. Mas a paixão por ele era tão longa (roda de circunferência em torno de galáxia a não chegar, vulcão de luz e assombro), que acreditar no que ele lhe dizia: uma tarefa larga Estava-se, recordemos, em século ainda geocêntrico, de pensamento organizado em escalas, e o que ele lhe falava devia ter sentido para ela. Mas a paixão sentida era tão longa (linha de circunferência em torno de galáxia a não bastar) que o excesso de sentir se diluía no que era mais avesso: o dizer dele «Pôr-me-ias agora», perguntou-lhe, «em esquife ardente, e, como a uma viva obrigarias aias, cortesãos, a vir beijar-me os dedos como viva?». isto ela perguntou. Ele calou-se, interrogando o tempo. «Inês é morta», ecoou-lhe de longe um brado absurdo. «Inês é vida, aqui», ripostou ele, a sua voz rasgando as pedras do palácio. «Inês vive comigo há anos tantos e acordar a seu lado: escala certa, e a luta foi tão longa (roda de circunferência em torno de galáxia a não chegar) que há-de ser isto o amor. E arrancar corações: um acto inútil.» «E o que é o útil?», perguntou Inês – Ana Luísa Amaral, Imagias, Gótica, 2002
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