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PEDRO DINIZ DE ARAUJO FRANCO - Rio De Janeiro, RJ
PEDRO DINIZ DE ARAUJO FRANCO - Rio De Janeiro, RJ Cardiologista e escritor sendo Professor de Medicina aposentado.
EU, O SABIÁ E O BOMBEIRO
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Ia apanhar o automóvel. Dia passado com amolações. Pior, naquele dia não estava com vontade de entrar em discussões, o que é péssimo. Só me restava deplorar a insensatez dos que regram a vida universitária do País. Restava conversar e orar por sensatez. Não vinha bem naquela ensolarada manhã. A tarde o consultório. A vidinha dura de sempre. Eis que vejo galhos podres entre os automóveis, caídos das velhas figueiras. Vou me atrasar, pensei. Havia três guardas, um antigo servidor do hospital, um desconhecido e quatro escadas em ação.
Pasmem, atrasei-me e nem me zanguei. Três simples escadas de madeira, amarradas uma as outras, por cordas e cintos, para alguém poder atingir o alto de uma figueira. Eram seculares figueiras do meu velho hospital, minha casa desde aluno. Uma quarta escada, em ângulo, amparava as demais. Só que esta última estava sem estabilidade. Quatro homens seguravam as escadas e o quinto, em precário equilíbrio, subia para alcançar os galhos mais altos, alguns já podres. E o homem se arriscava e não atingia o ponto desejado.
_ Doutor, um sabiá ficou preso e está de cabeça para baixo, ali.
Olhei e não vi. O sol me dava nos olhos e não encontrei o sabiá laranjeira, meu conhecido de outros dias e tardes. E como gostei do que via! Cinco homens se arriscavam a quebrar o pescoço, arranhar um carro, arrumar aborrecimentos, para salvar um sabiá. O passarinho, despreocupado, talvez interessado em uma sabiá, ou ensaiando um canto, prendeu o pé e estava em má situação, pendurado, segundo me informaram os aflitos salvadores.
_ Pode tirar o carro, Doutor! _ Deixa p'ra lá, eu espero.
_ Se o Doutor tirar o carro, fica mais espaço para colocar aquela escada ali. Tirei o carro logo e, para não atrapalhar os outros automóveis, saí do Hospital Gaffrée e Guinle. Estava menos amolado que chegara ao estacionamento, depois de um dia difícil. Se os mais modestos arriscam a vida para salvar um sabiá, será que os ditos mais cultos não saberão salvar o ensino, o hospital, a cidade, o estado, o País e a Terra?
Não é pouco se agarrar ao destino de um sabiá, para mudar de ânimo, perguntarão. Conto que já ouvi o sabiá cantar pelas ave-marias, enchendo de encanto meu hospital. Portanto, a boa vontade daqueles homens foi bem recebida e me salvou o dia. Na manhã seguinte quis saber da sorte do sabiá. Que a minha curiosidade não fosse provocar alguma advertência aos salvadores. Encontro um deles no corredor vazio. _ E o sabiá?
O final podia ser melhor, ainda que a ave tenha sido salva. Quem subia nas escadas era um bombeiro, que se tratava no hospital.
Com a escada, onde estivera meu carro, pode chegar ao galho e salvou o passarinho. Fez questão de levá-lo. Este caso é antigo e o IBAMA ainda não atuava. E sabiás laranjeiras, de canto triste e lindo, comedores de insetos e frutos, dificilmente se criam em gaiolas, por maiores e mais ricas que sejam. Seu canto necessita de total liberdade, como todos nós sempre precisamos, para sentirmos a dádiva da vida. .