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NANCI OTONI OLIVEIRA DE FARIA - Nova Lima, MG
NANCI OTONI OLIVEIRA DE FARIA - Nova Lima, MG Professora de Língua Portuguesa e Orientadora Educacional
A (IN) DESEJADA
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Nascimentos e despedidas. Qual será o lado poético da vida? Nascemos e despedimos deste mundo num piscar de olhos e, na maioria das vezes, despreparados. Vivemos e arriscamos a vida no curto espaço de tempo que nos é permitido existir como se a eternidade fosse o planeta Terra. Não somos capazes de encarar a morte que em múltiplos momentos nos é apresentada. Vivendo do passado ou no futuro perdemos a chance de desfrutar o agora, o presente onde está o lado poético de todas as coisas, de todas as memórias. No entanto, a vida, ou a morte deixa em cada um de nós o seu recado que está além da inteligível compreensão humana. De maneira singular, cada pessoa que nasce, ou que morre sente o misterioso esplendor da vida que flui, ou que se esvai, de forma bem peculiar.
Nasceu uma linda menina. O povo foi ver e se encantou. Tudo como o positivista poetizou. Morreu uma senhora. O povo foi ver e se revoltou. Tudo como o pessimista também poetizou. Mas qual a real diferença entre esta ou aquela? A vida ou a morte? Depende muito do olhar poético com que a gente percebe e encara cada uma delas.
Grande mistério naquele nascimento! A mulher já havia perdido a esperança de ter um gurizinho correndo pela casa e alegrando imensamente o ambiente. Choro e rezas, decepções e esperança tudo era regado a lamento antes do retorno ao médico e também diante dos procedimentos. Foram nove anos de ida e nove anos de volta sem qualquer positividade em tudo que era proposto pela equipe médica. Sofreu intensamente... A esperança se camuflou, o dinheiro a limitou, o marido contrariado a abandonou. Mas com o tempo ela se resignou.... Com a nova casa montada, mudou de cidade e dois animaizinhos ela apadrinhou. A fé que a mantinha viva foi a única coisa que não a fez desacreditar do seu criador.
Depois da casa nova montada, da mudança de emprego e de cidade, do adiamento do sonho de ser mãe, teve sua vida completamente transformada. Conheceu uma pessoa por quem dizia não sentir e almejar mais nada, mas suas entranhas cobravam-lhe o direito de outro ser existir e ali fazer morada. Sendo assim, ela se entregou ao amor. Foram alguns encontros furtivos, quase às escondidas e três sementinhas foram plantadas no útero daquela mulher que não tinha mais esperança de conhecer o lado poético e tão sonhado da vida.
A vida de trabalhadora, de mãe leoa e de companheira fiel poetizou sua vida durante trinta anos... Mas agora tudo desabou. Tornou-se uma pessoa dependente de muitos cuidados após a chegada daquela doença malvada. Foi deixada nas mãos de cuidadores e de médicos na esperança de melhora. Como nunca reclamava, a família achou normal o pouco amor que lhe dedicava. Afinal eles a cobriram de todo o conforto, não lhe deixavam faltar nada. Recebia uma migalha de carinho quando os filhos já crescidos a visitavam e um pouco de amor do marido nos raros momentos que ainda a
procurava. Sentia-se um estorvo para a família, mas sabia que cada um tinha o seu “que fazer” e isso a confortava. Como lhe foi permitido celebrar inúmeras vezes a vida, conhecer o amor e uma família linda isso a acalentava. Não era tão velha ainda, mas tinha muito a agradecer apesar da doença que insistia em firmar morada. Tentou viver por mais um tempo das doces lembranças do passado em que múltiplas vezes a vida fora sublimada. Curtiu muito esses momentos, mas se despediu da vida com um sorriso na cara quando a (in) desejada chegou sutilmente e a arrebanhou para outra realidade.
Apesar da grande revolta do povo por estar à mercê da indesejada, o sorriso da falecida dizia o contrário: houve um lado poético da vida desde o momento que nasceu até o momento que foi ao encontro do inesperado. Agora estava em paz no jazigo envolto numa luz clara e serena que sugeria ao poeta eternidade. Ela trazia na face leves marcas de expressão que permearam alguns momentos felizes e outros nem tanto aqui nesta efêmera morada.
No primeiro caso, a vida foi celebrada na chegada, no nascimento de uma criança muito desejada; no segundo, foi na morte de uma senhora, na despedida, no resgate de uma vida bem vivida, às vezes sofrida, e no final solitária. Mas cada uma delas, mesmo envolta em mistério, celebrou em algum momento o lado poético da vida vivido por ela.