4 minute read

MARIA IVANEIDE NASCIMENTO DA SILVA - Capanema, PA

MARIA IVANEIDE NASCIMENTO DA SILVA - Capanema, PA Universitária (UFPA) letras-Língua Inglesa.

UM QUÊ CHAMADO POESIA

Advertisement

Um dos primeiros livros que eu li nessa minha curta vida de aprendizado foi a formiga e a neve de João de Barro (1995) e ainda me desmancho em lágrimas sempre que chego na última página. Naquela época eu não sabia, mas havia motivos para isso, para essa conexão com o mundo como ser vivo e chamava-se criar raízes. Para algumas pessoas isso é uma coisa que se ganha ao nascer, para outros ao crescer, de todo modo, é quando você descobre do que é feito.

No meu caso aconteceu quando eu devia ter uns quatro a cinco anos, leitora nata, um prodígio dentro da minha sociedade. Morávamos em uma vila bastante simpática a qual me era chamada de meu paraíso. Sempre fui muito apegada as coisas que o mundo não podia explicar, menina curiosa como toda e qualquer criança eu vivia em um mundo totalmente bom e inocente mesmo que o mundo real ao meu redor não o fosse, não importava porque eu tinha aquilo que me levou a escrever este texto, eu era humana.

Bom, obviamente que eu era humana, nasci de um pai e uma mãe, de seus genes combinados para caber à mim um papel fundamental neste mundo, viver. Mas o que é viver?

Eu com meus altos quatro anos e meio, o auge da minha vida, vivia a me questionar sobre estas coisas. O sentido de estarmos aqui, de acordar, trabalhar, comer e dormir, todo santo dia. Também é muito óbvio que não perguntei isso aos adultos, eles sempre me pareceram muito alheios às coisas que eu podia ver, insípidos demais. Eles não apreciavam nada do que tinham, eles não gostam de banhar na chuva e nunca sorriam ao olhar para o céu, quer dizer, quem não sorri ao olhar para o céu, caramba?

Pois é, eu sorria e isso era um problema.

Os homens podem ser mal as vezes, o que provava que eu não era o problema, eram eles. Por que eles faziam isso? Eu não conseguia entender. Nas inúmeras vezes em que fui posta sobre o tecido áspero da cama e fiquei a olhar o teto imóvel enquanto coisas aconteciam é que descobri.

Lembro-me de ver Deus ali, de pé a me olhar sério na borda de seu reinado no meu teto, olhando especialmente para mim, só para mim. Isso era muito para uma reles mortal neste mundo sem humanidade como eu. Enfim, tudo começou ali. Somente Deus e eu, eu a questionar os porquês da vida humana na terra e ele a esclarecer as coisas.

Se eu explicasse isso hoje a um especialista da área certamente ele diria que isso foi uma forma de criar uma barreira para proteger meu psicológico. Que seja, não me importo. Eu fui contaminada, mas estava blindada o suficiente para continuar pura. E foi bem aqui que compreendi o erro. O porquê do homem estar caminhando para o precipício, o porquê dele estar perdendo sua humanidade.

Infelizmente desaprendemos a crer que somos observados e amados por Deus, cada um, cada um em especial e este é o erro. Quando somos arrebatados pela dor, pelo ódio, pela contaminação, nem todo mundo faz as perguntas para quem de fato pode responder. Os homens, em sua vida imperfeita temem questionar a quem é perfeito então simplesmente acontece.

Eu, como filha da terra, apegada aos meus medos e imperfeições estava lá, aos quatro anos e meio sendo arrastada para algo que não compreendia, algo que poderia acabar com a vida em mim. E teria funcionado se eu não apreciasse as coisas que poucos vêem. Se não sorrisse pro céu, se não tomasse banho na chuva, se não fosse filha de quem sou e não tivesse Deus acreditando fortemente em mim. Eu me tornaria um deles. Tal como Osama Bin Laden ou Adolf Hitler que no princípio não souberam como usar sua dor para se blindar do mundo.

Hoje, com meus vinte e tantos eu costumo dizer que não sinto dor pois aprendi a dar pouco valor ao que o homem causa, caso contrário eu não seria muito diferente dele e isso tudo porque a primeira pergunta que fiz à Ele naquela manhã fria de inverno esclareceu toda e qualquer dúvida que eu tinha ou viria a ter ao longo da vida.

E a resposta me causou um certo medo, afinal, eu era digna o bastante para carregar e assumir a responsabilidade que minha denominação tinha, eu era um ser humano. Humano o bastante para ver na dor uma maneira de criar o bem, de poetizar o que a vida tem seja ela boa ou razoável pois para um poeta não existe o mal ou ruim, existem olhares profundos demais para ser explicado de modo que os olhos falam.

Isso ocorre com tanta frequência que é como parte natural da vida, chorar por algo inexplicável, não sentir dor com o sangue, sorrir pro céu e uma série de coisinhas aleatórias que tornam um humano, ou melhor, um poeta.

Quando se nasce com isso ou se enlouquece ou cria raízes, no meu caso, eu criei raízes e isso fica tão evidente que quando questionada sobre um sonho, o único é educar. Meus primeiros alunos são os leitores, são aqueles que nascem com o quê chamado poesia e não sabem o quanto isso significa neste mundo caótico.

Pode até parecer estranho, mas algumas vezes, me imagino com quatro anos ainda. De vestido branco, cabelos curtos porque minha prima maluca quase pela minha cabeça, sentada em um daqueles bancos altos, com os pés descalços a balançar frente aos homens mais doentes que rastejavam por esse mundo. Olhando-os bem nos olhos com toda essa força que eu sei que tenho e perguntando:

-Você nunca pensou em ser poeta?

This article is from: