2 minute read

EDUARDO FERREIRA DE SOUZA - Santo André, SP

PROGRESSO E REAÇÃO

No final do século XIX surge no Brasil inovação tecnológica sem precedentes. Para ensinar a utilizar a novidade, técnicos franceses vieram ao Brasil treinar os professores nas técnicas de utilização.

Advertisement

Era o quadro-negro.

Parece mentira, não é? Afinal qual seria a dificuldade com uma lousa? Não sei quanto ao leitor, mas às vezes quando estou em apuros com o computador peço ajuda de meu sobrinho de dez anos que, solícito, resolve tudo com facilidade humilhante. Tão simples para ele é o uso da informática quanto apagar palavras de uma lousa.

É o que chamam hoje de protagonismo infantojuvenil na cultura digital. As crianças já nascem sabendo, aos adultos resta a trabalhosa tarefa de se adaptar.

O fato é que a lousa é apenas mais um meio de comunicação assim como essa parafernália toda, tablets, smartphones, lap tops.... Os veículos mudam e a pretensão é a mesma: aproximar as pessoas, facilitar o acesso aos semelhantes e suas informações.

Porque então essa impressão melancólica de solidão? Porque tanta depressão e suicídio?

Vejo pessoas meio em transe a perambular pelas ruas hipnotizadas, olhos fixos na telinha, dedos a teclar...

Tenho como amigo de rede social o vizinho do lado. Pela rede sei de suas férias, do último filme que assistiu e de suas preferências culinárias, no entanto, nunca passamos do “bom dia” ao nos cruzarmos no elevador... Percebo que a tecnologia não aproxima ninguém.

Na medida em que avança a evolução tecnológica parece que nos tornamos mais individualistas, mais egocêntricos até. Estamos bem mais centrados numa competição estéril para preencher os espaços das redes sociais de informações superficiais enquanto se expandem os espaços vazios da nossa existência deixados pela dinâmica fria da vida moderna que restringe a sociabilidade real.

O que os humanos querem desde a pré-história é o que as redes sociais fingem que são capazes de oferecer: afeto e atenção. E num estranho paradoxo, essa demanda escasseia na proporção em que se sofisticam os veículos e modalidades de comunicação.

É claro que não podemos mais prescindir da moderna tecnologia que criou a interação virtual entre outras facilidades. Mas quem disse que com ela não pode haver também a interação real, mãe da poesia? Ouvir presencialmente o outro é exercício de paciência, mas é bem mais gratificante que teclar, permite intercambio de sinais que vão muito além da oralidade. Olhos nos olhos beneficiam a empatia e linguagem corporal é a

dança poética da vida.

A solidão pode ser condição criadora. Porém, a solidão que vivemos hoje, fantasiada de convivência, nos torna uma multidão de sozinhos que habitam um mundo virtual onde não há os riscos e as delícias da convivência humana.

Ao contrário do que possa parecer não sou um saudosista. Ou melhor, não sinto saudade da lousa dos meus tempos de estudante, embora, como um Quixote da comunicação moderna, eu continue a ver poesia entre amigos que faço pelos bares e praças.

Às vezes arrisco cometer alguns versos, e sou leitor ávido de poesia. Entretanto, sei que antes que Cora Coralina e Manuel de Barros escrevessem eles observaram a poesia ao redor, e dela foram mediadores.

De que sinto mesmo saudade são dos meus amigos, das minhas amigas, da época de escola e de todas as épocas subsequentes. Poesia guardada na memória...

Todos esses amigos já devidamente adicionados ao meu Facebook e subtraídos irremediavelmente de meu convívio.

This article is from: