MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 3. Ed.; tradução: Humberto Mariotti e Lia Diskin; São Paulo: Palas Athenas, 2003. 288 páginas Primeira edição em 1987 A reflexão é um processo de conhecer como conhecemos (p. 29). Toda experiência é modificadora, em especial em relação a nós, embora às vezes as mudanças não sejam completamente visíveis (p. 189). Como seres humanos só temos o mundo que criamos com os outros (p. 268). Não é o conhecimento, mas sim o conhecimento do conhecimento, que cria o comprometimento (p. 270). Ideia central Conhecer o conhecer através de um approach nem representacionista nem solipsista, mas da contabilidade lógica a partir da observação da ontogenia de uma unidade autopoiética (dinâmica interna + interação). Premissas A certeza é uma ilusão: “toda experiência de certeza é um fenômeno individual cego em relação ao ato cognitivo do outro, numa solidão que [...] só é transcendida no mundo que criamos junto com ele.” (p. 22). O fenômeno do conhecer é indissociável da nossa experiência de mundo: “não se pode tomar o fenômeno do conhecer como se houvesse ‘fatos’ ou objetos lá fora, que alguém capta e introduz na cabeça. A experiência de qualquer coisa lá fora é validada de uma maneira particular pela estrutura humana, que torna possível ‘a coisa’ que surge na descrição” (p. 31). Trecho essencial do livro (p. 108 e 109): Como observadores, distinguimos a unidade que é o ser vivo de seu pano de fundo e o caracterizamos com uma determinada organização. Com isso, optamos por distinguir duas estruturas, que serão consideradas operacionalmente independentes entre si – o ser vivo e o meio – e entre as quais ocorre uma congruência estrutural necessária (caso contrário a unidade desaparece). Nessa congruência estrutural, uma perturbação no meio não contém em si uma especificação de seus efeitos sobre o ser vivo. Este, por meio de sua estrutura, é que determina quais as mudanças que ocorrerão em resposta. Essa interação não é instrutiva, porque não determina quais serão seus efeitos. Por isso, usamos a expressão desencadear um efeito, e com ela queremos dizer que as mudanças que resultam da interação entre o ser vivo e o meio são desencadeadas pelo agente perturbador e determinadas pela estrutura do sistema perturbado. [...] como cientistas, só podemos tratar com unidades estruturalmente determinadas. Isto é: só podemos lidar com sistemas nos quais todas as modificações estão determinadas por sua estrutura – seja ela qual for –, e nos quais essas modificações estruturais ocorram como resultado de sua própria dinâmica, ou sejam desencadeadas por suas interações.
Definições Representacionismo: “considera que o conhecimento é um fenômeno baseado em representações mentais que fazemos do mundo” (Mariotti, p. 8), o que implica na separação entre sujeito e objeto e na premissa do sujeito isento (p. 8 e 9), segundo o representacionismo o mundo é anterior à nossa experiência e independente dela (p. 10). Distinções: ato de separar e distinguir uma unidade (ser ou objeto) de um fundo (p. 47). Unidades podem ser geradas por réplica (p. 69), cópia (p. 71) ou reprodução (p. 72). Organização: “relações que devem ocorrer entre os componentes de algo, para que seja possível reconhecêlo como membro de uma classe específica.” (p. 54) (ex.: organização casa). Estrutura: “componentes e relações que constituem concretamente uma unidade particular e configuram sua organização.” (p. 54) (continuação do ex.: estrutura de madeira, aço ou concreto).
Autopoiese: organização que produz de modo contínuo a si própria através de uma dinâmica interna e de uma interação contínua com o meio (p. 52). O que define um ser vivo é o fato dele ser uma organização autopoiética e autônoma (capaz de especificar sua própria legitimidade) (p. 55), sendo que o produto de qualquer unidade autopoiética é a si própria, não sendo possível separar seu ser e fazer (p. 57). A experiência é indissociável da estrutura (p. 28), “o conhecimento depende da estrutura daquele que conhece.” (p. 40). Fenomenologia biológica: os fenômenos que as unidades autopoiéticas geram em seu funcionamento dependem de sua organização e de como esta se realiza (estrutura), e não da condição física de seus componentes que determinam seu espaço de existência (fenomenologia física atuante na mesologia) (p. 61). Fenômenos históricos: “cada vez que, num sistema, um estado surge como modificação de um estado prévio.” (p. 67). Fenômeno hereditário: “reaparecimento de configurações estruturais próprias de um membro de uma série na série seguinte.” (p. 79). Por outro lado, os aspectos estruturais diferentes da unidade original são chamados de variações reprodutivas (p. 80). Ontogenia: “história de mudanças estruturais de uma unidade, sem que esta perca a sua organização.” (p. 86), tais mudanças estruturais são fruto tanto da dinâmica interna da unidade quanto da sua interação com o meio. A transformação ontogenética só cessa na desintegração da unidade. Acoplamento estrutural: história de mudanças estruturais (ontogenia) mútuas entre duas ou mais unidades autopoiéticas (p. 87). O acoplamento estrutural com o meio é uma condição de existência de qualquer unidade (p. 88). O acoplamento estrutural permanece enquanto houver compatibilidade ou comensurabilidade entre a estrutura da unidade e do meio, atuando como fontes de perturbação mútuas que desencadeiam mudança de estado (p. 112). Acoplamentos estruturais de 3ª ordem são aqueles que ocorrem entre unidades autopoiéticas dotadas de sistema nervoso (p. 200), sendo os fenômenos sociais aqueles que ocorrem neste tipo de acoplamento (p. 214). Domínios: das mudanças de estado (altera a estrutura, mantém a organização); das mudanças destrutivas (perda da organização); das perturbações (desencadeiam mudança de estado); das interações destrutivas (resultam em mudanças destrutivas) (p. 110). Adaptação: compatibilidade entre organismo e meio (p. 115). Enquanto as mudanças de estado acontecerem há adaptação, quando a mudança é destrutiva cessou a adaptação. Filogenia: “sucessão de formas orgânicas geradas seqüencialmente por relações reprodutivas. As mudanças experimentadas ao longo da filogenia constituem a alteração filogenética ou evolutiva” (p. 117). Deriva natural: cursos possíveis de manutenção do acoplamento estrutural que garante a adaptação da unidade através da manutenção de sua coerência interna em face das perturbações do meio (p. 124 a 132). Determinismo versus previsibilidade: a condição estruturalmente determinada de um dado sistema não implica que este seja previsível, isso porque a previsão é feita por um observador que necessariamente interfere no sistema observado ao ter a intenção de observálo, e assim causa uma perturbação que pode levar a alteração da estrutura do sistema. Além disso, existem as limitações eventuais de incapacidade de observação e lacunas conceituais (p.136 e 137). Solipsismo: concepção da filosofia clássica segundo o qual só existe a interioridade de cada um (p. 150).
Contabilidade lógica: abordagem no fio da navalha que refuta o representacionismo e o solipsismo e propõe uma forma de compreender a observação do processo de percepção e comportamento: Como observadores, podemos ver uma unidade em domínios diferentes, a depender das distinções que fizermos. Assim, por um lado podemos considerar um sistema no domínio de funcionamento de seus componentes, no âmbito de seus estados internos e modificações estruturais. Partindo desse modo de operar, para a dinâmica interna do sistema o ambiente não existe, é irrelevante. Por outro lado, também podemos considerar uma unidade segundo suas interações com o meio, e descrever a história de suas interrelações com ele. Nessa perspectiva – na qual o observador pode estabelecer relações entre certas características do meio e o comportamento da unidade – a dinâmica interna desta é irrelevante (p. 150 e 151). [...] Nenhum desses dois domínios possíveis de descrição é problemático em si. Ambos são necessários para o pleno entendimento de uma unidade. É o observador que os correlaciona a partir de sua perspectiva externa (p. 151). [...] O êxito ou fracasso de uma conduta são sempre definidos pelo âmbito de expectativas especificadas pelo observador (p. 154).
O sistema nervoso não é solipsista nem representacionista; não é um computador, não tem entradas e saídas, não é possível fazer um download de dados diretamente no cérebro. O sistema nervoso constrói um mundo conforme a dinâmica interna da sua organização interage com as perturbações do meio (p. 188). A aprendizagem não é fruto de inputs, mas sim do histórico de interações, sendo que (p. 191 e 192): [...] as condutas inatas e as aprendidas são, na qualidade de comportamento, indistinguíveis em sua natureza e realização. A distinção está na história das estruturas que as tornam possíveis. Portanto, a possibilidade de classificálas como uma ou outra dependerá de termos ou não acesso à história estrutural pertinente.
Comportamento: “mudanças de postura ou posição de um ser vivo, que um observador descreve como movimento ou ações em relação a um determinado ambiente.” (p.152). “Em princípio todo comportamento é uma visão externa da dança de relações internas do organismo.” (p. 185). Conhecimento: a avaliação da existência ou não de conhecimento é relativa a um observador, ou seja, este identifica numa interação um comportamento que considera efetivo ou adequado (p. 194 e 195). Comunicação: “desencadeamento mútuo de comportamentos coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social.” (p. 214). Comunicação não é transmissão de informação (não existe input nem output), comunicação é coordenação comportamental (p. 218). Conduta cultural: “estabilidade transgeracional de configurações comportamentais ontogenéticamente adquiridas na dinâmica comunicativa de um meio social.” [...] “se refere precisamente a todo o conjunto de interações comunicativa de determinação ontogenética que permitem uma certa invariância na história de um grupo, ultrapassando a história particular dos indivíduos participantes.” [...] “O cultural é um fenômeno que se viabiliza como um caso particular de comportamento comunicativo.” (p. 223). Domínio lingüístico: não necessariamente ligado ao uso de palavras, mas sim ao tratamento, por um observador, de um comportamento como se fosse uma palavra que relaciona tal comportamento à linguagem humana (p. 229). Linguagem: “Operamos na linguagem quando um observador percebe que temos como objetos de nossas distinções lingüísticas elementos do nosso domínio lingüístico.” (p. 232). “[...] existimos num domínio semântico criado pelo nosso modo lingüístico de operar. [...] A linguagem permeia, de modo absoluto, toda a nossa ontogenia como indivíduos.” (p. 233 e 234). A linguagem permite a descrição de si mesmo e, portanto, a reflexão, a consciência e a mente (p. 232, 233 e 245). “[...] a consciência e o mental pertencem ao domínio de acoplamento social, e é nele que ocorre a sua dinâmica.” (p. 256). Ética: reflexão sobre a legitimidade da presença do outro (p. 269). Questões
Não se pode esperar de uma unidade aquilo que a dinâmica da sua organização não determina? As possibilidades de mudanças estruturais são prédeterminadas pela dinâmica da organização da unidade? Conduta cultural não é exclusividade da condição humana? Conduta cultural é diferente de cultura? A estruturação do “eu” é derivada da unidade social tornada possível pela linguagem?
Bibliografia citada MATURANA; VARELA. De máquinas y seres vivos: uma teoria de La organización biológica.