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crise ecológica e socioambiental
from Revista Universidade e Sociedade nº 72
by ANDES-SN | Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
de aprofundamento das contradições no momento seguinte, também na crise ambiental o capital busca transformar os obstáculos ambientais à valorização em barreiras a serem superadas sob determinação da valorização. Contudo, as crises de valorização e a crise ambiental possuem estatutos distintos.
Enquanto a crise de valorização tem um caráter cíclico, que se desenrola em um quadro tendencial de queda da taxa de lucro como seu fundamento último, a crise ambiental não se desenrola em uma dinâmica cíclica, mas sim cumulativa, apontando, mais que uma tendência, para o caráter necessariamente expansivo do capital que se desdobra em incorporação crescente da natureza à dinâmica do valor. Tal incorporação crescente da natureza efetiva-se tanto em entradas crescentes de parcelas da natureza no processo de valorização quanto em saídas também crescentes de rejeitos e dejetos no ambiente natural. Mas, sem derrogar esse caráter cumulativo e, consequentemente, destrutivo, a crise ambiental é enfrentada pelo capital por formas que designamos ecologização do capital.
Enquanto a crise de valorização tem um caráter cíclico, que se desenrola em um quadro tendencial de queda da taxa de lucro como seu fundamento último, a crise ambiental não se desenrola em uma dinâmica cíclica, mas sim cumulativa, apontando, mais que uma tendência, para o caráter necessariamente expansivo do capital que se desdobra em incorporação crescente da natureza à dinâmica do valor.
Sendo mais exatos na descrição dessa dinâmica, tem-se que o mencionado aprofundamento de parcelas crescentes da natureza na lógica mercantil continua a efetivar-se em determinados espaços, ao mesmo tempo em que formas ditas sustentáveis são implementadas em outros espaços. Ambas efetivam-se em espaços e tempos distintos, porém combinados, de forma destrutiva ou sustentável – sendo que sustentável é aqui compreendido de forma bastante reducionista. O que determinará a “escolha” por um ou outro caminho – destruição ou sustentabilidade – pelo capital será tão somente as potencialidades de valorização que cada um desses caminhos representa. Como demonstração dessa dinâmica contraditoriamente combinada, tem-se, no espaço agrário brasileiro, a articulação da expansão do agronegócio latifundiário, monocultor e agrotóxico-dependente com o estabelecimento de empreendimentos do então chamado capitalismo verde no campo: implantação de sistemas agroflorestais por empresas do capital agrário, produção de orgânicos em larga escala e até mesmo formas de inserção subordinada da agricultura familiar de base agroecológica no circuito mercantil de forma aprofundada. A determinação última sobre qual forma produtiva a ser adotada, no entanto, continua a ser determinada pelo conteúdo da valorização, isto é, em qual delas o fundamento último da capital – valor que se valoriza – tem mais potencialidades de efetivar-se.
Por ecologização do capital estamos designando a dinâmica contraditória e combinada por meio da qual o capital busca transformar obstáculos ambientais em barreiras a serem por ele superadas – superação enquanto supressão e aprofundamento. Nessa dinâmica contraditória e combinada de superação da crise ambiental, o capital adotará combinadamente processos que renovam a expansão destrutiva juntamente a outros que assumem potencialidades sustentáveis – ainda que de uma sustentabilidade fragmentada a determinados espaços e tempos – sempre sob a determinação do valor: superação dos obstáculos ambientais ao valor.
Tendo-se clara essa dinâmica combinadamente contraditória de relação do capital com a natureza no contexto da crise ambiental é que julgamos pertinente designá-la como ecologização do capital, posto que há efetivamente uma crescente inserção da natureza nos circuitos mercantis – o que renova e aprofunda dinâmicas já corriqueiras da referida relação capital-natureza e, simultaneamente, desenvolve novas formas para tal inserção por meio da abertura de fronteiras expansivas, representadas em seu conjunto pelo capitalismo verde: bioeconomia, reciclagem, produção orgânica e eficiência energética, dentre outras.
Nesse caso, o das formas de esverdeamento da produção, tem-se efetivada de maneira mais explícita a conversão de obstáculos ambientais à valorização em barreiras que o capital vai continuamente supe- rando – suprimindo e aprofundado as contradições aí vigentes – o que nos leva a indagar se a ecologização do capital teria a potencialidade de aturar de forma contra-arrestante à crise do capital. Nessa colocação, a ecologização do capital comporia o quadro das contratendências à crise do valor já identificadas por Marx (2017, p. 1): 1. aumento do grau de exploração do trabalho; 2. compressão do salário abaixo do seu valor; 3. barateamento dos elementos do capital constante; 4. superpopulação relativa; 5. comércio exterior; e 6. aumento do capital acionário. E, a esse quadro de contratendências, investigaremos a possibilidade de inclusão de uma sétima: a ecologização do capital.
Por certo que não há condições para aprofundarmos neste espaço na análise da queda tendencial da taxa de lucro elaborada por Marx (2017), mas tão somente apontar que, na dinâmica das crises capitalistas, atuam a referida tendência e as contratendências, cujas articulações concretas devem ser compreendidas na processualidade em que o capital supera os obstáculos que lhe são postos por seu próprio movimento expansivo, isso porque defendemos que tal processualidade da crise capitalista pode contribuir para a compreensão da crise ambiental e da articulação entre ambas.
Superar aqui tem um sentido específico, que conjuga simultaneamente suprimir e recolocar, ou seja, o capital supera os obstáculos à valorização suprimindo-os e, ao mesmo tempo, recolocando-os em níveis mais aprofundados. Essa apreensão da crise, quando considerada em face dos limites naturais, leva-nos a inferir que não a crise ambiental propriamente dita, mas sim o enfrentamento dela pelo capital deva ser compreendido em sua processualidade tendencial e profundamente contraditória. Dito mais claramente: o capital solapa necessariamente as condições naturais de vida humana no planeta ao expandir-se – e essa é uma dinâmica direcionalmente identificável, como se demostrará adiante. Mas a forma como o capital caminha nessa direção é que precisa ser identificada em seu caráter combinado e contraditório.
Ora o capital simplesmente destrói o ambiente, ora ele incorpora processos ambientalmente sustentáveis; enfim, contraditoriamente, o capital combina tais dinâmicas. E tudo isso determinado pela fluidez da valorização. Destruição e ecologização são, portanto, faces contraditórias de uma dinâmica determinada pelo valor e, conforme pretendemos investigar, com potencialidades contra-arrestantes à tendência de queda da taxa de lucro, base das crises do capital. Destruição e ecologização articulam-se no movimento de superação dos obstáculos à valorização, movimento no qual tais obstáculos são contraditoriamente suprimidos e recolocados em determinações mais aprofundadas.
Nesse sentido, capitalismo verde, economia circular, bioeconomia, desenvolvimento sustentável, agroecologia, bem viver e justiça ambiental, dentre outros, são termos que, por mais que tenham diferenças entre si, são efetivamente formas de manifestação da ecologização do capital. A crítica que não apreende que a ecologização em curso – por mais que assuma formas variadas (inclusive aparentemente críticas) – é a ecologização do capital revela-se incapaz de apreender a plasticidade mutante do capital combinada à sua processualidade destrutiva e, portanto, mostra-se inapta a desdobrar-se em práxis que aponte para a indissociabilidade da crítica ecológica e da crítica ao valor.
É sob essa determinação que os fundamentos últimos da ecologização do capital devem ser buscados na sociabilidade que a coloca em movimento. Para isso, a crítica à ecologização do capital tem na obra madura de Marx (2013; 2017) seu referencial basilar por ser aquela na qual a sociabilidade do capital é desvelada em seus fundamentos elementares. Marx possibilita-nos desvelar a lógica expansiva do valor como fundamento da ultrapassagem dos limites –não apenas aqueles ambientais – pelo capital. Marx permite-nos compreender que é o valor que determina tanto a ocorrência de obstáculos à sua continuada valorização quanto às formas de suas superações. Destruição e ecologização estão, portanto, submetidas às determinações do valor e, por isso, a crítica à ecologização deve apreendê-la como tal.
Certamente, as consequências ambientais do capitalismo não são o foco central da crítica de Marx, mas isso não significa dizer que a crítica ambiental esteja ausente da obra marxiana. Mesmo que não seja denominada como tal, está lá. Partindo da interpretação da obra marxiana por Foster (2011), o ecossocialista Ian Angus (2020, s/p) identifica que