4 minute read

crise ecológica e socioambiental

Marx se utiliza de uma comparação entre uma produção que faz uso das vantagens proporcionadas por uma queda d’água como força motriz frente a outra que se utiliza da energia a vapor para a mesma função. A queda d’água possibilitará ao capitalista que a utiliza a obtenção de um lucro extraordinário frente a seu concorrente: “o lucro extra dos produtores que empregam como força motriz as quedas d’água naturais se comporta, de início, como qualquer lucro extra”, isto é, “esse lucro extra é também igual à diferença entre o preço de produção individual desses produtores favorecidos e o preço de produção social geral, regulador do mercado, de toda essa esfera da produção” (MARX, 2017, p. 705). O valor da mercadoria produzida com auxílio da força de trabalho é menor porque “sua força produtiva maior se mostra no fato de que, para produzir a mesma massa de mercadorias, ela necessita de uma quantidade menor de capital constante, uma quantidade menor de trabalho objetivado que as outras; além disso, ela requer uma quantidade menor de trabalho vivo (MARX, 2017, p. 705). Esse lucro extraordinário advém não de um investimento produtivo, mas tão somente do aproveitamento da vantagem proporcionada por um recurso natural

Ainda que a solução capitalista para a crise ambiental caracterizada como mercadorização dos limites ambientais represente uma oportunidade de expansão – para usar um termo afeito aos círculos capitalistas –, há que se considerar, entretanto, a forma como a natureza necessariamente se insere no processo de valorização, isto é, a natureza não gera valor novo, restringindo-se a transferir valor à mercadoria, o que revela que a crise ambiental é um importante elemento da crise do valor e justifica sua apreensão dentro da totalidade do movimento expansivo do capital.

Relacionando essas considerações como a exposição aqui realizada, identificamos que os limites não são simplesmente limites naturais ao capital, mas fundamentalmente limites que, mesmo na condição de elementos naturais, são limites decorrentes da dinâmica expansiva do capital, isto é, são limites à valorização. Os limites naturais ao capital exprimem parte da lógica contraditória do próprio capital. Também apontamos que essa relação capital-natureza deva ser considerada concretamente, tendo em vista que, dependendo da maneira como o capital se relaciona com a natureza, ela pode tanto favorecer aos processos de acumulação quanto obstaculizá-los.

Ainda que a solução capitalista para a crise ambiental caracterizada como mercadorização dos limites ambientais represente uma oportunidade de expansão – para usar um termo afeito aos círculos capitalistas –, há que se considerar, entretanto, a forma como a natureza necessariamente se insere no processo de valorização, isto é, a natureza não gera valor novo, restringindo-se a transferir valor à mercadoria, o que revela que a crise ambiental é um importante elemento da crise do valor e justifica sua apreensão dentro da totalidade do movimento expansivo do capital. Desvincular a apreensão da crise ambiental da crise do valor acarreta a não compreensão do movimento real e articulado de ambas – crise ambiental como decorrência da lógica expansiva do valor e soluções capitalistas para a crise ambiental como elementos contratendenciais à crise do valor. Porém, o mais importante é que, sendo a renda decorrente do valor, a crise do valor não pode ser efetivamente resolvida por meio da fuga para a renda, reforçando a tendência geral de crise do valor – o que reforça a processualidade contraditória de superação das crises pelo capital: supressão e recolocação dos obstáculos e contradições. Falando mais diretamente da ecologização do capital, temos sinteticamente a seguinte situação: 1) a natureza não possui uma condição de obstáculo ou vantagem abstratamente definida; 2) tal condição é definida historicamente em um dado contexto sociotécnico que é mutável; 3) ainda assim, o movimento expansivo do capital acaba por conduzir ao crescimento dos obstáculos ambientais à valorização, o que constitui a crise ambiental; 4) a ecologização do capital seria a resposta capitalista a tal situação, o que se materializa por meio da adoção combinada de formas destrutivas ou sustentáveis de relação com a natureza, cuja prevalência combinada – sustentabilidade ou destrutividade – decorre tão somente da potencialidade de cada uma em franquear a superação dos obstáculos ambientais à valorização; 5) por relacionar-se apenas indiretamente ao valor e, mais efetivamente vinculada à renda, a ecologização do capital pode tão somente atuar como tendência contra-arrestante da crise capitalista, não derrogando a tendência de crise que é imanente a esse modo de produção; e 6) por ser determinada pela valorização e não pelo ambiente (pelo capital e não pela natureza), a ecologização do capital não suprime o caráter ambientalmente destrutivo do modo de produção capitalista.

Em outras palavras, o capital, mesmo demonstrando enorme capacidade adaptativa quanto aos limites ambientais, permanece atrelado à tendência de tencioná-los em suas máximas potencialidades, o que é uma condição imanente da lógica da valorização, porque, como já verificamos, essa lógica é determinada pela dinâmica do valor, sendo secundárias suas consequências ambientais.

Assim, de forma análoga à constatação marxiana de que o valor de uso é suporte do valor, a ecologização seria tão somente um suporte ao valor. Por certo que a incorporação da natureza em escala continuamente ampliada ao capital reforça os desdobramentos ambientais dessa incorporação no horizonte das possibilidades destrutivas do capitalismo, mas, justamente por ser tendencial, não nos é permitido concluir nem quando nem se necessariamente essa dinâmica ambientalmente destrutiva levará à derrocada do capital. O que, não custa reforçar, deve ainda ser articulado ao caráter do desenvolvimento capitalista, que tem sido capaz, ainda, de combinar tendências contraditórias: destruição em um lugar e sustentabilidade em outro, mas todas subordinadas à valorização.

ANGUS, Ian. O apartheid ambiental é a norma no Antropoceno. Portal Ecodebate, 18/05/2020.

Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2020/05/18/o-apartheid-ambiental-e-a-norma-noantropoceno/. Acesso em: 02 jul. 2020.

FOLADORI, Guillermo. Limites do desenvolvimento sustentável. Campinas (SP): Editora da Unicamp/São Paulo: Imprensa Oficial, 2001.

FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social: Volume 2. São Paulo: Boitempo, 2013.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política, Livro I - O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

__________ . O Capital: Crítica da economia política, Livro III - O processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017.

MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. Florianópolis: Editora de UFSC, 2001.

O’CONNOR, James. ¿Es posible el capitalismo sostenible? In: ALIMONDA, H. Ecologia Politica: naturaleza, sociedade y utopia. Buenos Aires: CLACSO, 2002.

POSTONE, Moishe. Tempo, trabalho e dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. São Paulo: Boitempo, 2014.

RUDy, Alan. The Dialectics of Capital and Nature. In: Capitalism Nature Socialism 5(2): 95-106; Junho de 1994. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/233314193_On_the_Dialectics_of_ Capital_and_Nature/link/57e3f5e408aef0fe404126a9/download. Acesso em: 02 dez. 2019.

SÁ BARRETO, Eduardo. O capital na estufa: para a crítica da economia das mudanças climáticas. Rio de Janeiro: Consequência, 2018.

This article is from: