4 minute read

A crise ecológica e socioambiental

Ao que se refere ao ensino superior, evidenciamos a existência e atuação da UFOP como uma questão emblemática. Primeiramente, por nascer enquanto universidade pública, no ano de 1969, a partir da junção das tradicionais e centenárias Escola de Farmácia e Escola de Minas. “No ano de 1876, o cientista Claude Henri Gorceix fundou a Escola de Minas, primeira instituição brasileira dedicada ao ensino de mineração, metalurgia e geologia. Sediada no antigo Palácio dos Governadores, no centro de Ouro Preto, foi transferida, em 1995, para o campus Morro do Cruzeiro” (UFOP, 2023).

Remetendo para a atualidade, destacamos que a instituição ampliou-se ao longo das décadas posteriores ao seu surgimento. Atualmente, possui campus nos municípios de Ouro Preto (campus Morro do Cruzeiro, com inúmeros institutos, escolas e CEAD, sede da reitoria localizada nas proximidades do Centro de Convenções da instituição, museus e repúblicas no centro histórico da cidade), em Mariana (com os Institutos ICSA e ICHS) e em João Monlevade (com o Instituto ICEA). A multicampia é uma realidade estruturante da UFOP, e esse pro- cesso de ampliação ocorreu fortemente via Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) nas décadas mais recentes.

Nesse sentido, são inúmeros os desafios enfrentados, dentre os quais destacamos certa insegurança em relação à permanência nos espaços físicos atualmente utilizados, uma vez que, por exemplo, parte do local de instalação do ICHS em Mariana é de propriedade da Igreja Católica, que, em anos recentes, chegou a solicitar a devolução do espaço9. Após mobilização da comunidade acadêmica, instâncias de gestão da UFOP e público-municipais, a situação foi resolvida mediante reajuste no preço do aluguel da estrutura física utilizada10. Parte da estrutura utilizada pelo ICSA e ICEA era de antigas escolas municipais, sendo que, no mesmo terreno, novas edificações foram construídas via processo de expansão e financiamento do governo federal da época. No entanto, evidenciamos que muitas edificações ainda permanecem inacabadas, o que explicita a falta de espaços físicos para as atividades acadêmicas acontecerem de forma adequada.

Em meio aos dilemas para a existência e atuação da universidade pública na região, destacamos um paradoxo: a parceria público-privado. No espaço do campus Morro do Cruzeiro ocorreu a implantação e está em funcionamento um Instituto Tecnológico da mineradora Vale S.A.11, em que as formações ofertadas, especialmente em nível da pós-graduação, acontecem em parceria com a UFOP a partir do quadro docente da instituição. É um acúmulo histórico de lutas sociais em defesa da educação pública, que inclui a reivindicação de a universidade se aproximar da realidade local e território em que está inserida. No caso da UFOP, o território é marcado expressivamente pela atividade econômico-produtiva da mineração extrativista; no entanto, também é possível o questionamento em torno do significado de parcerias como essa com uma mineradora de altíssima lucratividade anual e que é causadora de crimes socioambientais nos territórios onde atua, tal qual ocorreu em Mariana e em Brumadinho.

Além disso, através das Fundações de Apoio, as instituições de ensino superior públicas vinculam-se e direcionam seu aparato docente, laboratorial, material e de conhecimento científico para os financiadores de suas pesquisas e projetos, e isso não significa dizer que esteja atendendo às demandas das comunidades locais e cumprindo sua função social; pelo contrário, majoritariamente, as pesquisas das áreas humanas e sociais aplicadas são desconsideradas no quesito financiamento e prioridade de execução com condições adequadas de equipe e insumos, o que acaba por dificultar que as legítimas demandas da sociedade, a partir do viés da classe trabalhadora, sejam atendidas e enfrentadas pelo conhecimento produzido nos espaços público-científicos. É relevante, ainda, mencionar que esse contexto acaba por influenciar sobre os locais de estágio acadêmico dos/ as discentes e, por vezes de forma direta, a oferta dos serviços e políticas socais públicas, uma vez que o poder institucional e de tomada de decisão se articula e se concentra nos interesses de quem financia e, consequentemente, controla o que é realizado, tanto no âmbito educacional como no da saúde, habitação, assistência social etc., o que impõe a necessidade de organização e luta coletiva.

Outra questão recente, que transcorre no âmbito político-governamental do Estado brasileiro e que requer nossa atenção, é a criação da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, instalada no Congresso Nacional no último mês de março. Sob a justificativa de necessidade de modernizar a legislação do setor, o deputado que ocupa a presidência dessa frente afirma:

Nós temos que cobrar do governo federal, dos municípios que recebem a Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral). Todo mundo vai ter que colocar a mão no bolso pra gente criar um fundo de sustentabilidade; à medida em que iniciar uma atividade minerária, já começar as pesquisas pelas universidades e pelos institutos de pesquisa (Agência Câmara de Notícias, 2023).

Percebe-se, portanto, certa naturalização na vinculação das instituições de ensino com as mineradoras a fim de garantir seus interesses, que perpassam a questão da ampliação das áreas mineradas e flexibilização das normativas de preservação ambiental e comunitárias.

Por trás da ideia de modernização do Código de Mineração, o intuito é fragilizar a fiscalização de áreas protegidas, dispensar o licenciamento em alguns casos e facilitar projetos de exploração e pesquisa mineral no país. As mudanças também visam facilitar a captação de recursos por mineradores no mercado financeiro (COMITÊ NACIONAL EM DEFESA DOS TERRITÓRIOS FRENTE À MINERAÇÃO, 2021).

Direcionando a reflexão para o lócus em evidência neste texto, podemos afirmar que as resistências classistas tornam a região do quadrilátero ferrífero reconhecida pela multiplicidade de sujeitos coletivos em atuação a partir de diferentes bandeiras de lutas, dentre as quais destacamos: direito à educação, direito à moradia, potencialização da cultura e preservação dos modos de vida tradicionais, enfrentamento à exploração da força de trabalho e por direitos trabalhistas, preservação ambiental, questão étnico-racial e combate às opressões de gênero, dentre outras. São associações de bairros, ONGs, movimentos sociais,

This article is from: