Paulo Raposo Andrade et al. Leonor de Lencastre (ed.)
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Prefácio: Álvaro Siza
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Casa Queira Deus
ois o presente […] é um presente sempre em expansão, para trás e para adiante. Tanto evoca quanto profetiza. […] O homem nunca está apenas no presente. Se apenas se liga ao passado, torna-se arcaico. Se apenas procura viver no futuro, torna-se utópico. A solução para as relações do Homem com o tempo parece estar no reconhecimento do tempo como uma realidade tríbia; e como o homem vive imerso no tempo, ele próprio é um ser –um estar sendo, diria talvez Gasset– Tríbio.» —Gilberto Freyre, Futurologia (1966).
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« 2a edição
he alliance of the regional with the language born of a period has been fruitful in every age›, escreveu há pouco Sigfried Giedion num dos seus grandes livros. É também o critério de Lewis Mumford. O de Mukerjee, na Índia. Foi, em dias já remotos, o empenho dos Regionalistas ao mesmo tempo tradicionalistas e modernistas do Recife. Empenho que os levou a [...] conciliarem em arte o modernismo com o tradicionalismo.» —Gilberto Freyre (em 1951), comentando o Manifesto Regionalista 25 anos depois de sua primeira publicação. Hoje, passados quase noventa anos, a idéia continua válida e motivou a arquitetura de ‹Queira Deus›
Biblioteca Submersa
Casa Queira Deus Invenção & Tradição em Arquitetura
Paulo Raposo Andrade et al. Leonor de Lencastre (ed.) Prefácio: Álvaro Siza
2a edição
Casa Queira Deus Invenção & Tradição em Arquitetura
Obras publicadas na Biblioteca Submersa:
Epigramas Paulo Raposo Andrade Recife: Biblioteca Submersa, 2016.
A Casa Sonhada • Memórias Sobrepostas: Um Pintor e Uma Arquiteta La Maison Rêvée • Mémoires Superposées: Un Peintre et Une Architecte The Dreamt House • Overlaping Memories: A Painter and An Architect Isabel Rebello de Andrade • Prefácio: Paulo Raposo Andrade Porto: Edições João Sá da Costa, 2016.
Casa Queira Deus • Invenção & Tradição em Arquitetura [2a edição] Paulo Raposo Andrade et al. • Prefácio: Álvaro Siza • Leonor de Lencastre (ed.) Recife: Editora Universidade Federal de Pernambuco, 2016. Fórum do Recife • Arquitetura & Reminiscência Andrade+Raposo arquitetos • Prefácio: Francisco Brennand Recife: Editora Universidade Federal de Pernambuco, 2016.
Casa Mínima e Projeto [1a e 2a edição] Mônica Raposo et al. • Prefácio: Moisés Andrade Recife: Editora Universidade Federal de Pernambuco, 2012 e 2016.
A Casa Ruben A. • Obra de João Andresen: Arquiteto Português do Século XX Joaquim Pedro Alpendurada • Prefácio: Moisés Andrade • Posfácio: Paulo Raposo Andrade Porto: Civilização Editora, 2009.
‹Queira Deus› • Invenção & Tradição em Arquitetura Paulo Raposo Andrade et al. • Prefácio: Álvaro Siza • Paulo de Lencastre (ed.) Porto: Civilização Editora, 2007.
A Moldura Arquitetônica Paulo Raposo Andrade Recife: Biblioteca Submersa, 2007.
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ncheu-se-me de água o quarto os livros bóiam no teto... Saio à rua e não há rua que a cidade está submersa...» —Edmir Domingues: Cidade Submersa, ou Variações sobre Tema Antigo, desde Atlântida e Lemúria, 1958.
Universidade Federal de Pernambuco Reitor: Anísio Brasileiro de Freitas Dourado Vice-Reitor: Sílvio Romero Marques Diretor da Editora: Lourival Holanda Vice-Diretor da Editora: Fábio Andrade Comissão Editorial Presidente: Lourival Holanda Editor Executivo: Eduardo Cesar Maia Titulares: Alberto Galvão de Moura Filho, Allene Carvalho Lage, Anjolina Grisi de Oliveira, Dilma Tavares Luciano, Eliane Maria Monteiro da Fonte, Emanual Souto da Mota Silveira, Flávio Henrique Albert Brayner, Luciana Grassano de Gouvêa Melo, Otacílio Antunes de Santana, Rosa Maria Cortês de Lima e Sonia Souza Melo Cavalcanti de Albuquerque. Suplentes: Charles Ulisses de Montreuil Carmona, Edigleide Maria Figueiroa Barretto, Ester Calland de Souza Rosa, Felipe Pimentel Lopes de Melo, Gorki Mariano, Luiz Gonçalves de Freitas, Madalena de Fátima Pekala Zaccara, Mário de Faria Carvalho, Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva, Silvia Helena Lima Schwanborn e Tereza Cristina Tarragô Souza Rodrigues.
Andrade, Paulo Raposo (1968-) et al. Casa Queira Deus • Invenção & Tradição em Arquitetura Recife: Editora Universidade Federal de Pernambuco, 2016. 64 p. • 200 x 160 mm ISBN: 978-989-20-6593-3 • Depósito Legal: 418 172/16 1. Arquitetura Brasileira; 2. Teoria da Arquitetura; 3. Biblioteca Submersa; 4. Andrade + Raposo arquitetos CDD 720.92 Título Casa Queira Deus • Invenção & Tradição em Arquitetura Autores Paulo Raposo Andrade + Andrea Câmara + Paulo Figueiredo + Mônica Raposo + Moisés Andrade Prefácio Álvaro Siza Projeto Gráfico Paulo Raposo Andrade + Roberto Bandeira Edição Leonor de Lencastre + Paulo de Lencastre + Rodriggo Ramos Dias © 2016 Biblioteca Submersa © 2016 Andrade + Raposo arquitetos © 2016 Paulo Raposo Andrade © 2016 Álvaro Siza © 2016 Editora Universidade Federal de Pernambuco Direitos reservados, conforme a lei em vigor. Editora Universidade Federal de Pernambuco livraria@edufpe.com.br Distribuição: Livraria Figueirinhas Rua do Freixo, 643 • 4300-217 • Porto • Portugal correio@liv-figueirinhas.pt Impressão: Gráfica Maiadouro • Maia • Portugal
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s autores agradecem a Álvaro Siza, Luís Valente de Oliveira & Carlos Castanheira.
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ara José Paulo e Miguel Ângelo, Francisco e Paulo, Francisco e Miguel.
Sumário 13 Prefácio: Moderno e Brasileiro ‹Queira Deus›
15
Arquitetura A Casa 19 O Mobiliário 28 O Ferro 35 39 Posfácio: Tradição, Inovação e Significado Adenda
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Lista de Figuras
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Bibliografia
Imaginar a Evidência (Em homenagem pelo aniversário de Álvaro Siza no dia 25 de junho de 2015) No papel ainda branco já habita o poema. Descobrir, desvelar: Eis o trabalho da pena. Como aquele escultor para quem já havia no opaco do mármore, o Davi que seria. Pois assim desenhar, até que a linha revele O Espaço da Arquitetura: branco, liso, leve. —Paulo Raposo Andrade
Prefácio
Moderno e Brasileiro O
tema deste livro refere-se —como o título indica— à relação entre invenção e tradição, sempre presente, conflituosamente que seja, ao longo da história da Arquitectura (pessoalmente prefiro o termo inovação; a invenção decorre de antecedentes sucessivos, mais do que de súbita iluminação). Essa relação está implícita na moderna arquitectura brasileira, referência natural do projecto Queira Deus. Evocando a história do Engenho e da sua arquitectura, o texto evoca as circunstâncias da construção de uma modernidade solidamente enraizada nas tradições e na identidade multicultural do Brasil. Apoiando-se em escritos do Lucio Costa, Armando de Holanda, Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, analisa e consciencializa os pressupostos e movimentos subjacentes à efectiva fundação de uma tradição moderna e dinâmica da Arquitectura. Descreve um percurso a um tempo de libertação e de continuidade face a outra tradição —secular— e à sua evolução no tempo. (Em ‹Moderno e Brasileiro›, Lauro Cavalcanti descreve com rigor o despontar do modernismo no Brasil: na luta por uma arquitectura que contemple identidade e universalidade, tradição e invenção. Ou inovação.) A interpretação histórica latente está sintetizada na frase transcrita de Carlo Levi: «O futuro tem um coração antigo».
No projecto de arquitectura, Paulo Raposo Andrade recupera os traços fundamentais da implantação e articulação do conjunto do Engenho, internamente e na sua relação com o território. Traços consolidados pela ampliação do eixo definido pelas ruínas existentes —chaminé, casa e restos de muros— às quais se acrescenta o novo pavilhão. (A linguagem arquitectónica de corpo acrescentado não resulta de uma submissão formal àqueles fragmentos; antes, procura a expressão que a ruptura funcional exige.) A sequência de volumes ao longo desse eixo reforça a entrega do conjunto arquitectónico a largos horizontes. Ficará —testemunho de um projecto, apaixonada e pormenorizadamente exposto nas páginas deste livro— a obra realizada.
Álvaro Siza
•
Porto, 6 de Agosto de 2007
Manoel Umbelino Ferreira da Silva (1851–1918) com sua mulher e filhos. A sua filha Haidée (1883-1978), a penúltima da esquerda para a direita, nasceu em Tapacurá, casou com D. José de Lencastre e foi a única que lhe deu netos.
C
onta a história que, na segunda metade do século XIX, Manoel Umbelino Ferreira da Silva, o então Morgado de Tapacurá, prometeu à mulher, quando esta ia de viagem para Portugal, que na sua volta encontraria um novo engenho nas terras que lhes pertenciam mais a sul, para lá da mata. A mulher, algo incrédula, terá respondido «Queira Deus que seja verdade!». Quando a mulher voltou, ele entregou-lhe o novo engenho batizado ‹Queira Deus›.
‹Queira Deus›
O
Engenho Queira Deus faz parte —com os engenhos Tapacurá e Caluanda— de um conjunto histórico de três engenhos secularmente associados no cultivo da cana e da produção de açúcar em terras de São Lourenço da Mata, importante área açucareira de Pernambuco desde o início do período colonial. [1]
A história de Tapacurá, o mais antigo dos três engenhos, remonta ao século XVI. Em 1566, Domingos Bezerra, colono dos mais antigos, que aportara ao Brasil em 1546, recebe das mãos de Dona Brites de Albuquerque, viúva de Duarte Coelho, primeiro Donatário de Pernambuco, a sesmaria das terras que hoje constituem Tapacurá e engenhos vizinhos. Um século mais tarde, em documento datado de 1655 —intitulado Traslado do rendimento das pensões, redízima e vintena e outras coisas mais que esta Capitania de Pernambuco pagava ao donatário Dom Miguel de Portugal […] Conde de Vimioso— [2] Tapacurá está entre os Engenhos da Freguesia de São Lourenço, e ‹pagava dez mil-réis em dinheiro› ao donatário da capitania. No início do século XVIII foi nele instituído um morgadio, no qual se integrou uma família portuguesa originária de Paços de Ferreira, no Noroeste de Portugal. São os descendentes desta antiga linhagem luso-brasileira, de nome Ferreira da Silva Lencastre, que mantêm na família o patrimônio histórico dos engenhos Tapacurá, Caluanda e Queira Deus até os dias de hoje.
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[1] O Engenho Queira Deus localiza-se no Município de São Lourenço da Mata, área metropolitana do Recife, a capital de Pernambuco. Dista cerca de 30 quilômetros do aeroporto internacional do Recife e 40 quilômetros da cidade de Olinda. A entrada sul faz-se no km 7 da rodovia BR-408, atravessando o vizinho Engenho São José, da Usina Petribu. A entrada norte, a mais antiga e tradicional, faz-se pela estrada vicinal da povoação de Matriz da Luz, atravessando a Mata Atlântica do vizinho Engenho Tapacurá. [2] Documento transcrito e analisado por Evaldo Cabral de Mello em Uma Relação dos Engenhos de Pernambuco em 1655, Separata da Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 1976. Na sua Caracterização dos Sítios Históricos, o Governo do Estado de Pernambuco atribui a pertença do Engenho Tapacurá a Manuel Fernandes Cruz, já em 1645 (cf. Plano de Preservação dos Sítios Históricos da Região Metropolitana do Recife).
[3] Típico engenho pernambucano, em quadro de Frans Post, pintor da corte holandesa de Maurício de Nassau (1668).
No morgadio, o senhor dos três engenhos sempre morou em Tapacurá —um típico engenho colonial pernambucano, constituído da Casa-Grande, Capela, Moita e Senzala. [3] A Casa-Grande e a Capela, bem como edificações remanescentes da antiga Senzala, mantêm-se conservadas. Da Moita, que deixou de moer em 1945, ficaram ruínas, nas quais se destacam as duas Chaminés e a gigantesca Roda-d’água de ferro fundido, importada de Inglaterra. [4] Em relação a Tapacurá, o engenho-sede, Queira Deus sempre foi o engenho da quimera, longínquo, algo esquecido, entregue, normalmente, à administração de terceiros. [5]
[5] Contrato de administração do Engenho Queira Deus: «Contrato que fazem Manoel Umbelino Ferreira da Silva, proprietário dos Engenhos de Tapacurá e Queira Deus, e José de Barros e mulher Rosa Dias. Manoel Umbelino Ferreira da Silva entrega a José de Barros e mulher o seu engenho de Queira Deus, sito na freguesia da Luz, para administrar por tempo de cinco anos com as seguintes condições: obriga-se a entregar-lhes o engenho moente [...] obrigando-se o José de Barros e mulher a safrejar mil e quinhentos pães de açúcar por ano [...]
Deixou de moer cana bem mais cedo que Tapacurá. A singela Casa-Grande logo tornou-se ruína, e a terra passou a ter na amplidão do horizonte a sua principal riqueza.
Tapacurá, 1 de Maio de 1892».
[4] ‹Moita› ou ‹Fábrica› é a edificação que abrigava a moenda e as caldeiras para o fabrico do açúcar.
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O que mais impressiona nesse engenho é a paisagem, marcada pela preservada Mata Atlântica de rica fauna e flora, e pelo Açude de Queira Deus, um extenso e recortado manto de água com mais de 40 hectares. É uma terra suavemente ondulada, sem grandes planuras, mas também sem abruptos desníveis. Ontem como hoje, numa história sem tempo, perde-se no horizonte o mar verde da cana, animada aqui e ali por pastagens de gado. Sempre foi assim desde que esta terra foi batizada ‹Queira Deus›... [6] Hoje, já integrado à área metropolitana do Recife, o Engenho Queira Deus tem um futuro marcado pela inserção urbana, pelo abandono da sua tradicional vocação canavieira e pelo provável desenvolvimento de projetos de habitação, lazer e turismo —cultural, ecológico e de aventura. É nesse contexto que, no ano de 2002, é elaborado um projeto para tratamento do conjunto arquitetônico do Engenho. Naquele momento, conservavam-se ainda —sobre uma pequena elevação entre canaviais e pastagens— ruínas remanescentes da Casa-Grande e da Moita, esta última com a sua Chaminé ainda de pé.
[6] Sempre foi assim desde que esta terra foi batizada ‹Queira Deus›...
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[7] Papel-moeda usado na Mercearia do Engenho Tapacurá. A cédula de 1.000 réis traz a efígie de Atenas; a de 300 réis, a de Mercúrio.
Naquele momento, conservavam-se ruínas remanescentes da CasaGrande e da Moita, esta última com a sua Chaminé ainda de pé.
A
arquitetura popular apresenta em Portugal, a nosso ver, interesse maior que a ‹erudita› […] É nas suas aldeias, no aspecto viril das suas construções rurais a um tempo rudes e acolhedoras, que as qualidades da raça se mostram melhor […] Tais características, transferidas na pessoa dos antigos mestres pedreiros ‹incultos› para a nossa terra, longe de significarem um mau começo, conferiram desde logo, pelo contrário, à arquitetura portuguesa na colônia, esse ar despretensioso e puro que ela soube manter, apesar das vicissitudes por que passou».
«
—Lucio Costa, 1938, Documentação Necessária.
V
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endo aquelas casas, aquelas igrejas, de surpresa em surpresa, a gente como que se encontra, fica contente, feliz, e se lembra de coisas esquecidas, de coisas que a gente nunca soube, mas que estavam lá dentro de nós.»
O
«
—Lucio Costa escrevendo a Manuel Bandeira em 1929, citado em Casa-Grande & Senzala, 1933.
futuro tem um coração antigo.» —Carlo Levi, 1956.
Arquitetura
[8] ‹Síntese› [Do grego synthesis, ‹composição›] 1- Reunião de partes em um todo; fusão, composição. 2- Operação mental que procede do simples para o complexo. 3- (Filosofia) Fusão de uma tese e de uma antítese numa proposição nova que retém o que as anteriores têm de legítimo combinando-as mediante a introdução de um ponto de vista superior (ver Dialética).
A Casa
—Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
O
projeto arquitetônico determinou a restauração das ruínas da Casa-Grande e a consolidação das ruínas da Moita. Pretendia-se menos recuperar uma funcionalidade definitivamente perdida e mais reforçar a perenidade simbólica desse conjunto arquitetônico que, situado no coração da propriedade, é a alma humana do Engenho.
[9] Ver Sigfried Giedion, Space, Time and Architecture: The Growth of a New Tradition, 1941, e Christian Norberg-Schulz, The New Tradition, 1991. [10] Objet trouvé: Em referência a obras dadaístas e surrealistas construídas a partir de ‹objetos encontrados› tomados na sua forma original (ex.: a Roda de Bicicleta de Duchamp).
A idéia que orientou o projeto foi a de uma arquitetura de Síntese [8] —entre novo e antigo, local e universal, invenção e tradição —entre a velha tradição da arquitetura colonial brasileira e a ‹nova› tradição da arquitetura moderna —coincidentia oppositorum. [9] Assim, evitou-se qualquer tentativa de reprodução do passado ou reconstrução nostálgica da antiga arquitetura. Tomando a antiga casa restaurada como objet trouvé, [10] foi criado um novo Pavilhão incrustado à construção original. Como numa colagem cubista [11] —construída na tensão entre partes aparentemente desconexas— estabeleceu-se, a partir do existente, uma poética da diferença: Estabilidade, simetria, consonância, opacidade e frontalidade estática (características da arquitetura da antiga casa restaurada) versus instabilidade, assimetria, dissonância, transparência e tetradimensionalidade dinâmica (características da nova arquitetura). Da síntese dos contrários resulta a unidade arquitetônica. [12]
[11] Guitarra, Pablo Picasso, 1913.
Até porque um dia, ambos, o velho e o novo, serão antigos…
[12]
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norte›
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[13]
[14] 1-Sala; 2-Quarto; 3-Gabinete; 4-Banheiro; 5-Sanitário; 6-Cozinha; 7-Terraço.
[15] O novo Pavilhão ocupa o lugar onde já tinha existido uma extensão agregada à Casa original —da qual restava apenas a base maciça, cujos muros de arrimo foram, em parte, aproveitados na nova construção, e cujo piso foi revestido com lajotas cerâmicas, assentadas ‹à galga› nos bordos externos e nos degraus das escadas.
A ruína da antiga Casa, construída com alvenaria de pedra calcária e tijolos cerâmicos maciços, foi restaurada. O espaço interior foi liberado da compartimentação original para abrigar apenas uma Sala, um Quarto de dormir, um Gabinete e um Banheiro. As paredes foram rebocadas e caiadas de branco. O telhado original —que já não existia— foi recomposto com estrutura de madeira e telhas cerâmicas tipo ‹capa e canal›. (Na sala fica aparente a telha-vã; os demais cômodos na Casa antiga têm laje de forro a 2.26 m de altura.)
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O novo Pavilhão é constituído de um grande Terraço —uma sombra generosa aberta para a paisagem e para a brisa— apoiado por uma Cozinha e um Sanitário expressos volumetricamente como prismas ortorrômbicos incrustados na extensão da base maciça sobre a qual assenta a casa. [15] Essa nova parte arquitetônica —como num gesto de deferência à construção pré-existente— está inserida atrás e abaixo da antiga Casa, acomodando-se ao declive natural do terreno e constituindo uma surpresa que —oculta do primeiro olhar do visitante— só se revela nos momentos finais do percurso de aproximação à obra. [16] Confirmando espacialmente a importância da construção original, o acesso aos ambientes do novo Pavilhão se dá através da antiga Casa.
[16] Uma surpresa que só se revela no final do percurso de aproximação...
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O desnível de 70 centímetros (vencido com 4 degraus) entre o piso do novo Pavilhão e o da antiga Casa, se, por um lado, garante a inserção respeitosa das novas construções, mantendo a antiga Casa —mais alta— em condição de protagonismo arquitetônico, por outro lado, expressa espacialmente a tensão entre o novo e o pré-existente, aumentando o grau de variedade na experiência dos espaços interiores. A coberta assimétrica do Pavilhão é constituída de uma laje plana de concreto armado. O deslocamento lateral dessa coberta em relação ao eixo de simetria transversal da antiga Casa, e também a geometria deformada dos volumes ortorrômbicos da Cozinha e do Sanitário —pintados em diferentes tons de amarelo, criando efeitos trompe l’oeil de luz e sombra— introduzem novas instabilidades, assimetrias e dissonâncias. [17]
[18] Como recomendava Armando de Holanda: «Comecemos por uma ampla sombra, por um abrigo protetor do sol e das chuvas tropicais; por uma sombra aberta, onde a brisa penetre e circule livremente, retirando o calor e a umidade […] criando agradáveis áreas externas de viver: terraços, varandas, pérgolas, jardins sombreados; locais onde se possa estar em contato com a natureza e com o céu límpido do Nordeste […] Áreas sombreadas e abertas desempenham a função de filtros, de coadores da luz, suavizando suas asperezas e tornando-a repousante, antes de atingir os ambientes internos […] As casas dos antigos engenhos e fazendas brasileiras possuíam esses locais sombreados: varandas corridas em torno do corpo da edificação, ou ao longo da fachada principal.» —Armando de Holanda, Roteiro para Construir no Nordeste, 1976.
[17] O Pavilhão… novas instabilidades, assimetrias e dissonâncias.
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A despeito das instabilidades introduzidas, a reprodução, no pórtico do novo Pavilhão, do branco caiado das paredes espessas e maciças da Antiga Casa, e também a uniformidade das esquadrias —todas em madeira de lei e pintadas de azul— sugerem consonâncias que restabelecem a unidade das partes arquitetônicas.
[19] Fachadas Populares do Nordeste Brasileiro, Anna Mariani, 1987.
O resultado é uma arquitetura policêntrica, na qual a informação depende da posição e do movimento do observador em múltiplas possibilidades de experiência do objeto arquitetônico. Uma arquitetura que descarta hierarquias absolutas e incorpora a Complexidade como valor do Espírito de Época, concretizando a visão de mundo ‹aberta› construída pelas vanguardas artísticas e científicas do início do século XX — como o Cubismo, que libertou a pintura da perspectiva estática do Renascimento; ou a Física da Relatividade, que superou o universo fechado da Física Clássica.
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« foi assim que, preparado pela embriaguez da festa e da dança, eu vi pela primeira vez que as fachadas das pobres casas populares eram, como as roupas vestidas pelos Negros-dançarinos, protestos contra a miséria, a cinzentice, a feiúra e a monotonia. Vi pela primeira vez que, coloridas como eram em amarelo-ocre, vermelho-sangue, azul-pavão, amarelo-ouro, verde-bandeira, e até no rosa ou roxo-púrpura que, antes, por preconceitos, eu tivera tanta dificuldade em aceitar, aquelas casas, em sua maioria feitas de taipa rebocada e pintada, eram também jóias em ponto grande como as que eu sonhava, jóias que, em dados momentos, também rebrilhavam ao Sol de modo a que Deus as avistasse com alegria.» —Ariano Suassuna. In Ana Mariani, 1987.
E
« m sua autenticidade e em seu processo de adaptação ao meio, a arquitetura tradicionalmente portuguesa do Recife: honesta arquitetura cheia de boas reminiscências orientais e africanas, inclusive a da cor, a dos verdes, azuis, roxos, amarelos e vermelhos vivos dos sobrados altos, das casas de sítio, das próprias igrejas.»
3m
[20] O arranjo dos ladrilhos é tanto mais irregular e assimétrico quanto mais distante da antiga Casa.
—Gilberto Freyre, Manifesto Regionalista, 1926.
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[21]
O vigoroso cromatismo adotado na arquitetura de Queira Deus resgata valores da nossa tradição cultural, evidentes tanto na arquitetura colonial dos centros urbanos como na arquitetura vernacular dos sertões nordestinos. [19] Os pisos internos, tanto na Casa antiga como no novo Pavilhão, são revestidos de ladrilhos hidráulicos vermelhos —com motivo linear em branco— que, em certa medida, recriam as antigas tijoleiras de barro cozido. Enquanto na Casa os ladrilhos são dispostos de forma regular e uniforme, no Pavilhão o arranjo vai-se tornando gradativamente assimétrico e irregular quanto mais distante da antiga Casa. A direção do traço branco dos ladrilhos reforça sutilmente o eixo Chaminé–Casa–Pavilhão. [20]
25
[22]
Chaminé e Casa-Grande —precisamente alinhadas— são consubstanciais e constituíram desde sempre uma unidade arquitetônica. A intervenção realizada intensifica essa relação. Não se sabe o porquê, na ruína da Casa a simetria predominante era perturbada pela posição assimétrica da porta na fachada oeste. Agora, a sequência original ‹janela–janela– porta› foi alterada para ‹janela–porta–janela›. Reforçou-se assim o eixo de simetria definido pelo alinhamento da Casa com a Chaminé, característico da linguagem clássica que foi matriz da arquitetura antiga. Paradoxalmente, o reforço da simetria original evidencia —por contraste— as assimetrias e dissonâncias agora introduzidas com o acréscimo das novas partes arquitetônicas. O novo Pavilhão prolonga o eixo original ‹Chaminé–Moita– Casa-Grande›, que agora passa a ser ‹Chaminé–Casa– Pavilhão›. A pequena escada que dá acesso, a partir do Terraço do Pavilhão, à parte mais baixa do terreno, sugere o prolongamento virtual desse eixo no espaço natural para além da própria construção. [24]
norte ›
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[23] Chaminé, ruínas da Moita e CasaGrande: uma unidade arquitetônica.
26
O preciso novo alinhamento das portas e das escadas que vencem os desníveis entre as partes reforça esse eixo, criando Molduras Arquitetônicas para as paisagens exteriores. A obra arquitetônica é assim concebida, não apenas como objeto plástico contemplável, mas também como espaço condicionador da experiência de seus ocupantes, conduzindo o olhar e determinando visibilidades significativas. [25] [26] Reconstruída e recriada, a Casa-Grande volta a contemplar a Chaminé do seu engenho, a pastagem, o canavial, ao fundo a mata…
[26] Pavilhão em Veneza, Eduardo Souto de Moura, 2012. Ver A Moldura Arquitetônica, 2007.
[25]
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[27]
27
M
[28] « antenhamos os interiores despojados, na bela tradição da casa do Nordeste, criando ambientes cordiais, que estejam de acordo com o nosso temperamento e com os nossos modos de viver.»
O Mobiliário Antes de mais nada, decidiu-se reduzir o mobiliário ao mínimo indispensável, num espírito de austera simplicidade, para criar espaços interiores desimpedidos e funcionalmente flexíveis. [28] Cozinha e sanitários foram reduzidos à configuração mais simples, sem mais que louças, ferragens e equipamentos indispensáveis.
N
« uma terra onde se tem o privilégio de viver no mundo da natureza durante todo o ano, pode-se dispensar o equipamento interior das habitações norte-americanas e européias, repletas de móveis e objetos.»
Separando o Gabinete da Sala, está um Armário fixo de múltiplas portas que —abrindo em direções diferentes: para a Sala, para o Gabinete e para a passagem do Banheiro— atende às necessidades de guarda de livros, roupas e objetos. [29]
—Armando de Holanda, Op. Cit.
O
[29] « armário e suas prateleiras, a escrivaninha e suas gavetas, o cofre e seu fundo falso são verdadeiros órgãos da vida psicológica secreta. [...] No armário vive um centro de ordem que protege toda a casa contra uma desordem sem limite. Reina aí a ordem, ou antes, a ordem aí é um reino. A ordem não é simplesmente geométrica. [...] O poeta que escreve bem sabe:
O
‹ rdem. Harmonia. Pilhas de lençóis no armário, Lavanda na roupa limpa.›
O
‹ armário está cheio de roupa limpa Há até raios de lua que posso desdobrar.› » —Gaston Bachelard, A Poética do Espaço, 1957.
28
[30]
Na execução, foram empregadas placas de madeira compensada sem nenhum revestimento (apenas tingidas de amarelo nas faces exteriores, mantendo visíveis os veios naturais da madeira). Os puxadores são de madeira maçica de Maçaranduba (Manilkara huberi) e os parafusos de latão. Todas as partes e os materiais são mantidos aparentes, revelando o sistema de montagem por encaixe. Modulado segundo a proporção áurea e desenhado num exercício de verdade construtiva, o Armário integra-se na arquitetura do todo estabelecendo ‹rimas plásticas› com os volumes amarelos no Pavilhão, com o desenho dos ladrilhos do piso e com as fechaduras em chapa de latão nas portas de entrada. [30] [31] Também foi desenhado especialmente para a Casa um conjunto de Mesa e Bancos combinando duas madeiras de lei: Jatobá (Hymenaea stigonocarpa) e Pau-amarelo (Vochysia haenckeana). O uso do ‹amarelo› apenas nas peças de travamento concretiza o princípio da verdade construtiva, esclarecendo, pelo contraste cromático, a razão estrutural do desenho.
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[31] «Com o tema das gavetas, dos
cofres, das fechaduras e dos armários, vamos retomar contato com a insondável reserva dos devaneios da intimidade.»
«
A
s imagens da intimidade que são solidárias das gavetas e dos cofres, solidárias de todos os esconderijos em que o homem, grande sonhador de fechaduras, encerra ou dissimula seus segredos.» —Gaston Bachelard, Op. Cit.
[32] …« As casas dos antigos engenhos e fazendas brasileiras possuíam esses locais sombreados: varandas corridas em torno do corpo da edificação, ou ao longo da fachada principal.» —Armando de Holanda, 1976.
A grande Mesa é composta de dois corpos longitudinais que podem ser separados, para funcionar como aparadores laterais, liberando um vazio central no espaço da Sala. Todas as partes podem ser transportadas da Sala para o Terraço, transformando-o numa grande sala de refeições aberta à paisagem. [32] A Mesa (assim como o Banco) é construída pela combinação de planos ortogonais e diagonais: os tampos são ortogonais, e os apoios verticais estão dispostos diagonalmente. (No Banco é o inverso: as peças verticais dos apoios ortogonalmente alinhados contrastam com as diagonais dos planos do assento.)
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[33]
Em cada uma das duas metades que formam a Mesa, o encontro do plano horizontal do tampo com o plano diagonal do apoio vertical possibilita o transpasse, encaixe e travamento pela barra de Pau-amarelo, que funciona como uma viga enrijecendo a longa tábua do tampo no vão de 3.66 m entre os apoios. Quando juntas as duas metades, os topos das barras de Pau-amarelo aparecem como duas linhas de cor, marcando o eixo longitudinal da Mesa. O ‹Banco Queira Deus› é uma espécie de híbrido entre o Banco Caipira e os móveis de Rietveld. [34] [35]
[34] ...Uma espécie de híbrido entre o Banco Caipira e os móveis de Rietveld...
O assento côncavo do Banco Caipira —solução típica do mobiliário vernacular brasileiro— é adotado como solução ergonômica no Banco Queira Deus.
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Na clara articulação das suas partes construtivas, o Banco aproxima-se das soluções de Rietveld. A trave em Pau-amarelo é um ‹fecho› que, por encaixe, sem uso de pregos ou parafusos, estabiliza todo o conjunto. [36] Todo o desenho é regulado pela proporção áurea expressa no número φ. As medidas adotadas são as da ‹Série Vermelha› do Modulor de Le Corbusier (...11, 16, 27, 43 cm). O Banco inteiro está inscrito num cubo virtual com 43 cm de lado. [37] Objeto-símbolo da arquitetura de Queira Deus, o Banco incorpora a austeridade rústica da arquitetura dos engenhos. Sintetiza uma idéia que orientou todo o projeto: superar a falsa oposição entre tradição e modernidade, integrando valores locais e universais, populares e eruditos.
43 cm
[36]
Completando o mobiliário, foram adotadas Redes —solução indígena adaptada ao ambiente tropical. [38] [39]
[37]
[35]
33
[38]
[39] Móveis de Rietveld e Redes: no espírito de mobilidade e polivalência funcional, penduradores de rede chumbados às paredes em diversos pontos da Casa asseguram a possibilidade de repouso e dormida também na Sala e no Terraço.
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O Ferro O Engenho Queira Deus não tinha ferro. O ferro de Tapacurá era usado no gado dos três engenhos da família. [40] Data de 2000 o primeiro desenho de um ferro para Queira Deus, esboçado pelos arquitetos numa altura em que o restauro da Casa-Grande não estava sequer previsto.
[40] Ferro de Tapacurá, desenhado por D. Manuel Umbelino de Lencastre (1918–1990), arquiteto, neto de Manuel Umbelino Ferreira da Silva, o fundador do Engenho Queira Deus. O desenho de D. Manuel foi feito, por volta de 1940, a partir de um ferro pré-existente, tendo sido usado nos marcos topográficos de Tapacurá, Caluanda e Queira Deus.
[42] Ariano Suassuna, Ferros do Cariri: Uma Heráldica Sertaneja, 1974.
E
[41] Ferro de Queira Deus: estudos. O ferro de Queira Deus seguiu em aspectos fundamentais a tradição da ‹heráldica sertaneja›, ilustrada por Ariano Suassuna no seu Ferros do Cariri. [42] Nessa tradição, um ferro novo surge a partir de uma alteração que um descendente introduz no ferro do seu pai ou ancestral familiar. A alteração é denominada ‹diferença›. A parte não alterada do desenho original —que constitui a base do novo desenho criado— denomina-se ‹mesa›.
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« m 1970, no texto-manifesto que lançou oficialmente o Movimento Armorial, Ariano Suassuna chamava a atenção para a existência, no Brasil, de uma rica heráldica, presente desde os ferros de marcar bois do Sertão nordestino aos emblemas dos clubes de futebol de nossas cidades grandes, passando pelas bandeiras das Cavalhadas, pelos estandartes dos Maracatus, dos Caboclinhos ou das Escolas de Samba. A ligação com essa heráldica seria um dos pontos de partida para a realização de uma arte nova, erudita e de caráter brasileiro —a arte armorial.» —Carlos Newton Júnior, Uma Heráldica de Rudes Brasões, 2001.
[43] Tradicionalmente são 21 as ‹divisas›, designadas com nomes próprios: tronco, puxete, galho, haste, i aberto, i fechado, flecha ou chopa, pé-de-galinha, cruz, martelo, batim, meio-batim, quadro, enxada, escada, lua ou roda, meia-lua, baú, balança, asa, flor.
Na evolução dos ferros de geração para geração, normalmente as ‹diferenças› resultam do acréscimo ou da subtração de grafismos chamados ‹divisas› —que formam um verdadeiro alfabeto da heráldica dos ferros nordestinos. [43] [44] O ferro de Queira Deus também pode ser entendido como resultante da introdução de ‹diferenças› no ferro de Tapacurá —eliminando o monograma ‹TA› e mantendo a ‹mesa› constituída pelo círculo (uma ‹roda›, na linguagem tradicional). Assim, o novo ferro —tal como o de Tapacurá— é um monograma, feito com as inicias Q e D.
—Ariano Suassuna, Op. Cit.
[44] A evolução por ‹diferenças› pode fazer-se por redução ou acréscimo, como demonstra o exemplo seguinte, documentado por Virgílio Maia. O primeiro ferro —de Esmerino Gomes Coelho, criador de gado cearense— é um monograma onde se podem distinguir um ‹E›, um ‹G› e um ‹C›. No ferro seguinte, do filho de Esmerino —José Clodoveu de Arruda Coelho— foi retirado o ‹C› (curiosamente a inicial do único nome que herdou do pai). No terceiro ferro, de outro filho de Esmerino —José Houet de Arruda Coelho— é retirado o traço que faz o ‹G›, ficando apenas o ‹E› do pai. Francisco José de Arruda Coelho, filho de José Houet, simplesmente retomou o ferro mais complexo do seu avô Esmerino. Não é raro um neto — ou, às vezes, até um filho mais novo— retomar o ferro de seu avô ou de seu pai, sobretudo se o ancestral mais velho já não possui gado quando o jovem inicia a sua criação.
—Virgílio Maia, Rudes Brasões: Ferro e Fogo das Marcas Avoengas, 2004.
[45] Como prática identitária essa é uma solução que, se limitada a um conjunto de letras sem nenhuma dimensão figurativa, tende a resultar numa marca ‹fria›, que não cria associações mentais, longe dos afetos e, por isso, da memória. Aliás —como aponta Suassuna— na tradição dos ferros sertanejos, as marcas mais interessantes são aquelas que — mais que simples monogramas— aproximam-se misteriosamente de signos herméticos, alquímicos, zodiacais. O desenho da marca de Queira Deus incorpora —além da lógica abstrata do ‹monograma›— a dimensão figurativa do ‹ideograma›. [46] Os seus elementos constitutivos têm valor simbólico ligado ao objeto do sinal. A ‹roda› é um círculo: símbolo universal da Divindade, que assume também conotação de símbolo solar, reforçado pelos ‹raios› constituídos da haste do ‹D› e da perna do ‹Q›. [47] [48]
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Em 2005, concluída a construção da casa, renasceu a preocupação de um sinal gráfico para Queira Deus. Partiu-se do ferro, agora tomado —além da sua função original— como emblema da obra.
Queira Deus
Queira Deus
Agora, é a incorporação da cor que reforça por redundância a dimensão figurativa: sobre o verde ‹canavial›, o amarelo ‹solar› —curiosamente a cor com que, no passado, se marcava a terra de Queira Deus nos mapas e marcos topográficos e, hoje, a cor dos inesperados volumes ortorrômbicos da nova intervenção arquitetônica.
A procura da ‹marca› de Queira Deus —entre a estilização do design de um logotipo contemporâneo e a rudeza da construção dos ferros sertanejos— foi como que o relembrar do caminho percorrido, uma espécie de assinatura que nos recorda, quando a retraçamos em seu detalhe, todo o trajeto de uma obra. *
da criação de identidades visuais, a expressão mais comum da oposição abstrato vs. figurativo: ‹Monograma› é um sinal identitário que parte da letra ou das letras iniciais do nome a que se refere para criar um sinal visual, na origem abstrato. ‹Ideograma› é um sinal de origem figurativa que parte de elementos do mundo sensível associados ao objeto a que se refere. Por exemplo, a escrita chinesa é ideográfica porque as suas palavras são sinais estilizados de elementos do mundo sensível que transmitem a ‹idéia› que designam.
Ideogramas chineses ‹Sol›, ‹Montanha› e ‹Árvore›: forma arcaica vs. forma atual.
[47]
*
[46] ‹Monograma› vs. ‹Ideograma› é, na prática
*
O projeto da Casa, dos Móveis e do Ferro… a arquitetura de Queira Deus concretizada nessas três escalas, realiza a idéia da gesamtkunstwerk —a obra total. [49]
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A ‹figuratividade› —definida pela semiótica como a ligação de um sinal ao mundo sensível— é um critério fundamental, permitindo uma interação entre a parte escritural e a parte icônica da marca, favorecendo a memorização pela percepção única, compactada num só estímulo, de um conjunto alargado de informações.
IBM vs. Apple: abstração vs. figuração. —Paulo de Lencastre, O Livro da Marca, 2007.
[48] Deus est Circulus: idéia antiquíssima, presente nos Mistérios Órficos, no pensamento de Platão e, depois, no Neoplatonismo, na mística alemã e no Romantismo. —Manfred Lurker, Dicionário de Simbologia.
[49] Gesamtkunstwerk: A idéia da ‹obra de arte total› influenciou vanguardas da arte moderna como o Expressionismo e a Bauhaus —que integrava em seus cursos desde a arquitetura do edifício até as artes gráficas, passando por design do mobiliário e objetos necessários à vida moderna.
O que será, sempre foi.»
«
—Louis Kahn
Chegou o tempo de reunir o antigo no novo.»
«
—Aldo van Eyck
Nossa tarefa é outra: Criar hoje o passado de amanhã.»
«
—Oscar Niemeyer
O passado reaparece porque é um presente oculto.»
«
—Octavio Paz
F
« or the times they are a-changin’» —Bob Dylan
M
« as o Tempo Linear é uma invenção do Ocidente; O tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções, sem começo nem fim.» —Lina Bo Bardi «
All ages are contemporaneous.» —Ezra Pound
L
« evado por meu entusiasmo na defesa das leis da invenção, tomei o passado como minha testemunha, o passado que foi meu único mentor e que continua sendo meu mestre.» —Le Corbusier
A
« quilo que veio a ser é o que virá a ser; e o que se tem feito é o que se fará; de modo que não há nada de novo debaixo do sol. Se é feita alguma coisa da qual se diz: ‹Veja: isto é novo›, ela já existia nos tempos passados.» —Eclesiastes 1: 9–10
Posfácio
Tradição, Inovação e Significado
T
radição vs. Inovação, Permanência vs. Mudança, Passado vs. Futuro… —são pólos definidores de uma tensão intrínseca ao Presente da criação artística, no processo de transformação que, com o tempo, constitui a História da Arte e da Cultura.
Essa tensão —que ocupou Giedion nos seus últimos anos, resultando nas obras que ele subtitulou A Contribution on Constancy and Change [50]— define temas cruciais nos campos da Teoria da Arte e da Filosofia da Cultura. Em 1887, Adolf Göller, num ensaio intitulado Qual a Causa da Perpétua Mudança Estilística na Arquitetura? indagava: «Qual é a força motriz na história da beleza criada pela mão humana, a força que tem impelido nações e, inexoravelmente, as impele ainda num processo de perpétua mudança estilística?» Dizia Göller: «Nem as formas criadas pela Natureza nem as criadas pela mão do homem surgiram prontas, tais como as vemos no presente. […] Mas, sim, aparecem como resultado de longos processos de evolução que remontam ao passado mais remoto. Tanto no universo das formas naturais quanto no das formas criadas pelo homem, observa-se o surgimento, desenvolvimento e desaparecimento de famílias de formas, em contínua sucessão. Que influências externas e que leis internas levam as
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[50] Sigfried Giedion, The Eternal Present: The Beginnings of Art; The Eternal Present: The Beginnings of Architecture —A Contribution on Constancy and Change, 1957.
[51] No final, Göller indica que a questão da Mudança das Formas e a questão do Juízo Estético estão relacionadas (as formas mudam quando já não nos satisfazem esteticamente): « ual é a razão do prazer que encontramos em determinadas formas, e não em outras? Apesar de antiga, essa questão ainda não tem resposta».
Q
[52] A. Ozenfant, Foundations of Modern Art, 1928. [53] «O surgimento do mercado de arte e a
própria dinâmica da sociedade capitalista, onde o consumismo crescente impõe a obsolescência acelerada das mercadorias, tiveram sua parte nessa obsessiva busca do novo que se tornou, nas últimas décadas, o valor fundamental e único das vanguardas artísticas». —Ferreira Gullar, A Questão do Novo, 1993.
«
«
A
incapacidade da crítica em reconhecer o valor da pintura impressionista, quando esta surgiu, gerou nos críticos futuros um complexo de culpa e uma intimidação tal que, hoje, tudo o que se anuncia como novidade a crítica se sente obrigada a aprovar».
formas animais e vegetais a […] uma evolução contínua? Essa é uma questão […] para a qual a ciência vem, há anos, buscando resposta. Muito menos atenção tem sido dada à questão análoga: Qual é a força motriz na história da beleza criada pela mão humana, a força que tem impelido nações e inexoravelmente as impele ainda num processo de perpétua mudança estilística? Hoje esta questão se impõe a todos os que acompanham o desenrolar da arquitetura no nosso século. Eu gostaria de fazer dessa questão o objeto deste ensaio, no qual buscarei identificar as causas […] pelas quais muda com o tempo nossa sensibilidade às formas de qualquer estilo arquitetônico». [51] Seria a mudança contínua uma necessidade inevitável e intrínseca ao fenômeno cultural? Ou, ao contrário —pensaram assim Hegel e Mondrian— constituiriam as mudanças um processo de evolução teleologicamente destinado a alcançar um estado final —o «fim da história»— possivelmente definido por formas ‹permanentes›, soluções ‹definitivas› para o problema da invenção artística?
A instituição da novidade como valor
Seja a mudança necessária ou circunstancial, em que medida a visão que se tem dessa questão condiciona a natureza e a qualidade das formas culturais produzidas?
—Ferreira Gullar, O Fim da Arte, 1993.
Tema Antigo, Problema Contemporâneo
fundamental da arte tornou-se uma espécie de terrorismo que inibe o juízo crítico e garante a vigência impune de qualquer idéia idiota.»
Na exposição internacional Documenta 12 (2007), as atenções da mídia e do público estiveram centradas na obra apresentada pelo artista Peter Friedl: uma girafa empalhada. Depois que o tubarão de Hirst foi vendido por quase sete milhões de libras esterlinas, corpos de animais vêm se tornando frequentes no mercado da arte de vanguarda.
Essas foram e continuam sendo questões fundamentais para o esclarecimento teórico do fenômeno artístico. Hoje é assim mais do que nunca —quando a cena contemporânea na sociedade de consumo é caracterizada pela hiper-aceleração dos processos de transformação cultural, numa verdadeira ‹ânsia do novo›, que se institui como valor fundamental da criação artística. Já em 1928, Ozenfant reclamava: «Hoje a palavra ‹novo› é o mais alto elogio, mesmo quando aplicada ao pior lixo. É fácil demais parecer ‹novo› perpetrando coisas que os mes-
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tres nunca se permitiriam, mesmo que nelas tenham pensado. Que imbecilidade, esse preconceito do hediondo ser chamado belo, simplesmente por ser novo». [52]
[54] Um antagonismo de extremos simetricamente opostos, mas igualmente equivocados: o passadismo e a ânsia do novo.
O resultado imediato disto é a sucessão de ‹ismos›, ‹tendências›, modismos, levando a uma saturação de formas e imagens e à situação paradoxal de superabundância quantitativa e pobreza qualitativa. [53] Por outro lado, quando reações contrárias à ânsia do novo resultam em tendências conservadoras (como historicismos passadistas ou regionalismos radicais), configura-se um antagonismo de extremos simetricamente opostos, mas igualmente equivocados. [54] Tradição, Inovação e Movimento Moderno Como apontam diversos autores, não é possível entender a presente situação sem considerar o processo de renovação realizado pelas Vanguardas artísticas do Movimento Moderno. Diz Ferreira Gullar: «O novo é, por definição, conjuntural, circunstancial e efêmero. Conjuntural e circunstancial porque uma coisa só é nova em determinado momento e em determinadas circunstâncias […] Decorre daí que o novo é efêmero, mesmo porque seria uma contradição, em termos, imaginar-se um novo permanente. Logo, o novo é uma qualidade externa (não essencial) às coisas, e a busca do novo pelo novo, uma empresa fútil. Não obstante, essa busca determinou em boa parte a atividade artística do século XX. Como se explica isso?». [55] Alguns chegam a acreditar que a atual ânsia do novo seria consequência inevitável da renovação realizada pelas vanguardas modernistas, radicais na rejeição dos historicismos praticados nas academias. [56] E aqui reside um equívoco: o entendimento errôneo de que o Movimento Moderno pretenderia uma rejeição absoluta das tradições artísticas que lhe antecederam. Nada
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Valencia, 1996 / Cambridge, 1986.
[55] Ferreira Gullar, A Questão do Novo, 1993. [56] «Queremos destruir os museus, as
bibliotecas e as academias de todas as espécies» —Filippo Marinetti, Manifesto Futurista, 1909. Guillaume Apolinnaire, L’Antitradition Futuriste: Manifeste-synthèse, 1913.
[57] Le Corbusier, Entretien avec les Étudiants des Écoles d’Architecture, 1943.
[58] Walt Withman, When I Heard the Learned Astronomer, 1865.
E
[59] « sta foi a era do pseudomonumental. A maior parte do século XIX pertence-lhe. Os modelos do passado não eram mais —como foram na Renascença— integrados numa nova visão artística, produzindo assim resultados originais. Havia uma rotineira utilização de formas históricas. Eram indiscriminadamente usadas em todo o lugar, para todo tipo de construção. Por terem perdido o seu significado intrínseco, foram-se desvalorizando; tornando-se meros clichês sem conteúdo emocional. E clichês não são usados por artistas criativos, apenas por ecléticos profissionais.» —Sigfried Giedion, The Need for a New Monumentality, 1944. Antes disso, no passado mais remoto, certas « formas simbólicas —‹Coluna›, ‹Arco›, ‹Cúpula›, ‹Frontão›…— eram ‹figuras arquitetônicas› reservadas para situações especiais. A banalização de tais elementos resultou na perda de sua capacidade significativa.
mais distante da verdade. O que pretendeu o Movimento Moderno foi resgatar as ‹coisas essenciais›, as causas primeiras e as fontes originais, obscurecidas pelo formalismo predominante na cultura acadêmica. (O historicismo acadêmico —disse Corbusier— «embotou nossa apreciação dos Gregos e Romanos, do mesmo modo que o catecismo obscurece o brilho das Escrituras».) [57] A demanda por um retorno às ‹coisas essenciais›, em rejeição aos formalismos rebuscados de uma civilização que dava sinais de decadência (Spengler falaria no ‹declínio do ocidente›), fundamentou não apenas a Arte e a Arquitetura do Movimento Moderno, mas se deu paralelamente em outros campos da Cultura. Na Filosofia, podemos lembrar Rousseau (uma influência importante no pensamento de Corbusier, como demonstrou Max Vogt). E também a Fenomenologia de Husserl, cujo lema foi ‹De volta às coisas em si› —Zu den Sachen selbst (Os pioneiros da arquitetura moderna designaram seu movimento ‹A Nova Objetividade› —Die Neue Sachlichkeit). Na literatura, Walt Withman sintetizou poeticamente a idéia:
Quando ouvi o douto astrônomo Quando me apresentaram, em colunas, as provas, os algarismos, Quando me mostraram os mapas e os diagramas, para medir, para dividir e somar, Quando, de minha cadeira, ouvi o douto astrônomo que dissertava, muito aplaudido, na cátedra, Quão subitamente me senti inexplicavelmente aturdido e enfastiado, Até que, esgueirando-me para fora, me afastei sozinho No úmido místico ar da noite, e de tempo em tempo, Olhei em silêncio perfeito as estrelas. [58]
[60] Sigfried Giedion, Op. Cit. «
A
arquitetura moderna teve que tomar o caminho difícil [...] A Tradição tinha sido usurpada pelos representantes do gosto acadêmico dominante. As grandes obras da arquitetura do passado continuavam atemporais […] Mas não podiam servir [...] Estavam por enquanto congeladas na atmosfera frígida criada por esses arquitetos e seus patrocinadores que, para compensar a sua própria falta de capacidade expressiva, abusaram das formas eternas, pilhando-as da história.» —Sigfried Giedion, Op. Cit.
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Na Arquitetura, o que ocorreu é que ao longo do século XIX tinha se tornado imperativa uma reação à ‹degeneração das formas simbólicas›, banalizadas pelo emprego superficial e indiscriminado, como mera ‹roupagem decorativa›, na Arquitetura historicista. [59] É só por isso que —diz Giedion— «A arquitetura moderna teve que tomar o caminho difícil. Tal como a pintura e a escultura, teve de começar de novo. Teve de reconquistar as coisas essenciais, como se nada tivesse sido feito antes.» [60] Norberg-Schulz sintetiza: «Em termos gerais, podemos distinguir três fases no desenvolvimento da Arte Moderna: Destruição, Construção e Movimento. Essas fases não constituem uma sucessão temporal simples e podem ser entendidas como aspectos simultâneos de um processo integral. ‹Destruição› aqui significa […] uma abolição dos ‹símbolos degenerados›. ‹Construção› significa estabelecer uma nova base a partir da destruição, uma base que possa permanecer a despeito de qualquer mudança. ‹Movimento›, finalmente, implica ajustar-se ao mundo através da construção, para fazer justiça à situação pluralística de nosso tempo […] Para o desenvolvimento da ‹Nova Tradição›, destruição é necessária, mas somente como condição para a construção de uma nova base […] que ofereça a promessa de um novo ‹começo› ». [61] Esse ‹recomeço›, com a reconquista das ‹coisas essenciais›, constituiu ponto de partida para o desenvolvimento de uma ‹Nova Tradição› —a Tradição Moderna, capaz de uma síntese entre ‹Tradição› e ‹Inovação›, incorporando não apenas o legado das linguagens históricas, mas também o Regional, o Vernacular, o Primitivo e o Natural, como fundamentos para a invenção artística. [62] Das conquistas dessa ‹Nova Tradição›, constituem testemunhos concretos as obras de arquitetos como Corbusier, Mies, Kahn... Ou Álvaro Siza. [63]
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[61] Christian Norberg-Schulz, The New Tradition, 1991.
[62] ‹Nova Tradição› é a expressão que —não por acaso— constitui o subtítulo da obra maior de Giedion: Space, Time and Architecture: The Growth of a New Tradition, 1941. [63] Uma nova Síntese entre Tradição e Inovação, da qual constituem testemunhos concretos as melhores obras da arquitetura moderna.
Assembléia Nacional de Bangladesh, L. Kahn, 1962.
Inovação, Tradição, Informação e Significado Em se considerando o Problema do Significado da forma artística como caso específico do Problema da Comunicação, é possível encontrar na moderna Teoria da Informação instrumentos conceituais para o esclarecimento das leis que regulam os processos de transformação da forma na Arte e na Cultura —por mudança e permanência, Inovação e Tradição. A partir da formulação de Shannon —em A Mathematical Theory of Communication— a informação é definida como redução da incerteza por eliminação de possibilidades. [64] [64] Claude Shannon, A Mathematical Theory of Communication, 1948. A quantidade de informação é representada como um logaritmo de base 2. Por exemplo, a quantidade de informação do resultado de um sorteio com 16 resultados possíveis é igual a log216 = 4; 16 = 2 4 .
Assim, a quantidade de informação concretizada num determinado objeto ou evento é função de quantas possibilidades forem excluídas pela sua ocorrência. Por exemplo: o resultado do lance de um dado (que exclui 5 possibilidades) traz mais informação que o do lance de uma moeda (que só exclui 1 possibilidade). Por isso é que, embora outros modos de notação sejam possíveis, é padrão representar a quantidade de informação como um logaritmo de base 2, medindo-a em bits (de bi[nary] [digi] ts), necessários para representar as decisões binárias alternativas envolvidas na redução de possibilidades. Por exemplo, a quantidade de informação contida numa mensagem que informe o resultado de um sorteio com 16 resultados possíveis é medida em 4 bits de informação: log216 = 4; 16 = 24. Desse modo, a capacidade de informação de um evento ou objeto é função inversa de sua probabilidade. Um objeto ou evento trará tanto maior quantidade de informação quanto mais improvável for a sua ocorrência. (Dizer que o resultado do lance de um dado traz mais informação que o do lance de uma moeda porque exclui mais possibilidades, equivale a afirmar que o resultado do lance do dado concretiza mais informação na medida em que é menor a probabilidade estatística de sua ocorrência —1/6 vs. 1/2.)
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Inversamente, objetos ou eventos de ocorrência altamente provável terão menor potencial de informação. Se, caminhando num deserto, encontramos pedras no chão, não há nisto grande potencial de informação —já que a ocorrência de pedras no chão é o que seria de esperar. Porém, se encontramos pedras precisamente alinhadas num arranjo improvável, temos então um alto potencial de informação. [65]
[65] Gobi Desert Circle, Richard Long, 1996.
Aplicando isso ao campo da Arte, podemos chegar à seguinte conclusão: Se, ao longo de um período de tempo, aumenta a frequência —e, portanto, a probabilidade— de ocorrência de determinadas formas artísticas (o que é normal, por processos de repetição e influência, quando essas formas passam a ser preferidas pelos membros de um grupo social), tais formas terão gradativamente desgastada sua capacidade de informação. Quando esse processo de redução da capacidade de informação atinge um nível em que as formas ‹desgastadas› passam a constituir o que chamamos ‹clichês› ou ‹lugarescomuns›, é necessário e inevitável o surgimento de formas novas, que —pela improbabilidade de sua ocorrência— serão capazes de retomar níveis mais altos de informação. [66] Com o passar do tempo, à medida que essas novas formas vão se tornando primeiro aceitas e depois preferidas —e, portanto, de ocorrência cada vez mais provável— o processo continua em ciclos recorrentes. O que responde à antiga questão: A perpétua mudança é, sim, condição inevitável e intrínseca às formas da Cultura humana. Aqui é crucial notar o seguinte: Se, no campo da Arte, formas novas (por mais improváveis) podem ser capazes de mais alto nível de informação, isso só ocorre de fato na medida em que tais formas continuem relacionadas a ‹quadros de
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[66] Como disse Giedion, «Clichês não são usados por artistas criativos, apenas por ecléticos profissionais»
referência› socialmente compartilhados. Pois só assim pode ocorrer redução de incerteza por eliminação de possibilidades. (Como no lance de um dado: o resultado só reduz a incerteza eliminando 5 possibilidades porque se insere num quadro de referência conhecido como ‹dado›.) Se do lance de um dado tivéssemos um resultado desconexo deste quadro de referência —digamos ‹azul-cerúleo›— não haveria eliminação de possibilidades nem redução de incerteza, muito pelo contrário.). Ora, no campo da Cultura, tais quadros de referência são definidos justamente pelas permanências e constantes concretizadas nas Tradições. Tradições que, no caso da Arte, normalmente consolidam-se em ‹genêros› e ‹linguagens› artísticas pré-existentes. Diante disto, fica claro que a inovação artística, se desligada da Tradição, não pode ter grande potencial de informação.
[67] Ferdinand de Saussure, Cours de Linguistique Générale, 1916.
[68] Ferdinand de Saussure, Op. Cit.
N
« a linguagem, como em qualquer sistema semiótico, um signo se define pelo que o distingue dos demais.» —Ferdinand de Saussure, Op. Cit. «
A
característica mais exata de um signo é ser o que outros [signos no mesmo sistema] não são». —Ferdinand de Saussure, Op. Cit.
Aqui cabe apontar que as conclusões alcançadas pela Teoria da Informação estão em concordância com uma idéia fundamental da Semiologia a partir de Saussure: A idéia de que Significados são gerados através de relações de diferença estabelecidas dentro de sistemas que são as Linguagens. Relações estas que são estruturadas por regras pré-existentes e socialmente compartilhadas. Linguagem —diz Saussure— «é um sistema de termos interdependentes no qual o valor de cada termo resulta unicamente da presença simultânea dos demais». [67] Isso porque, em Linguagens, tanto os ‹significantes› como os ‹significados› que eles concretizam «não se definem positivamente, em termos de seu conteúdo, mas negativamente, por contraste com outros termos no mesmo sistema». [68] (Na comédia inglêsa Blackadder, dois personagens, tendo perdido o único dicionário disponível e tentando reescrevê-lo, chegam à seguinte definição: «Dog: not a cat».) De
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fato, por mais contra-intuitiva que essa idéia possa parecer, em termos semióticos, uma ‹forma significante› se define essencialmente pelo que não é. Ou pelas possibilidades que exclui —para usar os termos da Teoria da Informação. (Voltando à analogia com o dado: se um lance traz o resultado ‹2›, por exemplo, isso equivale a ‹não-1, não-3, não-4, não-5, não-6›. É usual dizer ‹2› apenas por razão de economia.) Assim, diz Saussure, «Em linguagem tudo que há são diferenças». Em sistemas linguísticos «tudo depende de relações». [69]
[69] Ferdinand de Saussure, Op. Cit. [70] Agrada-nos recriar a Analogia do Xadrez, estendendo ao campo da Arte um conceito da Física gravitacional —o chamado ‹Princípio de Mach›— segundo o qual o peso de um corpo não se define por suas qualidades intrínsecas, mas sim pela relação gravitacional que haja entre este corpo e todos os demais corpos que juntos constituem o Universo. Nas palavras de Stephen Hawking: Local physical laws are determined by the large-scale structure of the universe. (Isto é: Um corpo sozinho, num Universo vazio, não teria peso) Assim como um termo de linguagem, uma obra de Arte, não tem significado se não estiver inserida numa Tradição Cultural (Assim como uma peça de xadrez não tem sentido fora do tabuleiro.) Ou seja: uma Teoria do Significado (assim como uma Teoria da Gravitação) há de ser necessariamente Relacional.
É o que o próprio Saussure esclarece através da célebre metáfora do jogo de xadrez: «Um jogo de xadrez é como a realização artificial do que a linguagem oferece na forma natural.» «Em ambos os casos estamos diante de um sistema de valores e suas transformações observáveis.» A cada momento, durante uma partida, «o valor de cada peça depende de sua posição no tabuleiro [isto é, das relações que ela [71] Georges Perec expressa essa idéia —ao estabelece com todas as demais peças no jogo], assim como seu modo lucidamente enigmático— dizendo: cada termo linguístico tem seu valor determinado pela con- «Certos quadros –se não todos– só adquirem traposição que estabelece com todos os outros termos.» [70] seu verdadeiro significado em função de obras anteriores que se encontram neles, quer sejam [71] «Também é verdade que o valor de cada peça depende reproduzidas total ou parcialmente, ou de modo acima de tudo de uma convenção constante, o conjunto de muito mais sutil, codificadas.» regras que existe antes de um jogo começar e que persiste de- —Georges Perec, Un Cabinet d’Amateur, 1979. pois de cada movimento. Regras definidas e compartilhadas existem também na linguagem, e constituem os princípios constantes da semiologia.» [72] É claro que no caso da Arte tais ‹convenções constantes›, ou ‹regras que existem antes do jogo começar›, nada mais são que ‹tradições› concretizadas em gêneros e poéticas artísticas pré-existentes. Aplicando a analogia de Saussure à questão da inovação artística, pode-se concluir que uma forma inovadora desconexa das constantes concretizadas na Tradição é como
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[72] Ferdinand de Saussure, Op. Cit.
uma peça de xadrez fora do tabuleiro: é pobre de informação e de significado, por não estabelecer, dentro de sistema semiótico pré-existente, as relações de diferença que constituem os significados. No fim, pode-se concluir: Na Arte e na Cultura, a geração de informação e significado exige Inovação, mas formas de inovação que se mantenham relacionadas às pré-existências e permanências definidas na Tradição.
[73] Ferreira Gullar, A Questão do Novo, 1993.
«Em se tratando de arte, a busca do novo pelo novo é, além de fútil, suicida. […] Essa busca é incompatível com a linguagem artística. A linguagem, por preexistir à obra, obriga o artista a lidar com o ‹velho›, isto é, com formas e idéias que geraram (e foram geradas por) suas obras anteriores, de modo que a obra nova guarda consigo algo do passado, não pode ser radicalmente nova. Ora, essa não é uma limitação apenas da linguagem artística mas da própria vida.» [73] Tradição + Inovação = Invenção A esta altura, faz sentido distinguir entre ‹Inovação› e ‹Invenção›: Inovação como simples ruptura com as permanências concretizadas na Tradição; Invenção como criação que «decorre de antecedentes sucessivos, mais do que súbita iluminação». Tradição e Inovação como tese e antítese, que originam a síntese realizada na Invenção. Em Arquitetura, assumir a idéia da Invenção como síntese dialética da tensão entre Tradição e Inovação —coincidentia oppositorum— é o caminho para construção da ‹Nova Tradição› da Arquitetura Moderna. Uma Tradição capaz de Permanência pela Mudança, sem perder contato com as ‹coisas essenciais›. Como o Barco de Teseu: em constante renovação sem deixar de ser o mesmo —Eadem Mutata Resurgo. [74]
48
Uma Tradição que confirme o sentido positivo das palavras do Eclesiastes na demanda por uma atitude de rigorosa modéstia e atenção ao que é essencial na elaboração das obras dos homens, em aceitação dos cíclicos e perpétuos processos de renovação que definem a natureza transiente da existência: «Vi tudo o que se faz debaixo do sol, e eis: Tudo não passa de vaidade, e vento que passa». «O vento vai para o sul e faz o giro para o norte. Gira e gira continuamente em volta, e retorna em seus giros. Todas as torrentes hibernais correm para o mar, contudo, o próprio mar não está cheio. […] O olho não se farta de ver, o ouvido nunca se sacia de ouvir. Aquilo que veio a ser é o que virá a ser; e o que se tem feito é o que se fará.» [75] Paulo Raposo Andrade
•
[75] Eclesiastes 1:14, 1:6–9.
Recife, 2007/2015
[74] Eadem Mutata Resurgo: Mudando Ressurjo Igual. Lápide do matemático Jakob Bernoulli (1654-1705).
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E
«
ra uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro [...] O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava [...] Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.» —Herberto Hélder, Teoria das Cores, 1963.
«
T
rabalhar na Transmutação, na Transformação, na Metamorfose: Essa é a Nossa Obra.» —Herberto Hélder, 1978.
Adenda
T
rês anos depois de construída a Casa Grande, tornou-se necessária uma cocheira e uma habitação para o vaqueiro que cuida dos cavalos. A habitação do vaqueiro foi construída a partir das ruínas de um antigo tanque de mel do engenho. [76]
[76] Mel —ou melaço— é subproduto do fabrico do açucar.
[77]
51
Novos volumes brancos, correspondentes aos três cômodos —Quarto, Cozinha e Banheiro— foram incrustados nas velhas alvenarias de grossas paredes maçicas, preservadas dentro e fora, como vestígios da função original. [78] O interior da nova Casa do Mel expressa a metamorfose. Os vestígios do antigo tanque são a matriz de onde nascem novas formas em novos materiais. [79]
[79] O interior da Casa do Mel: Cozinha e Banheiro. Das Ruínas do antigo tanque surgem novas formas em pedra, vidro e metal.
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[78] Novos volumes brancos —Quarto, Cozinha e Banheiro— surgem incrustados nas Ruínas do antigo tanque de mel. O quarto volume —autônomo e vertical— é a Torre d’Água.
[80] O interior da Casa do Mel: Quarto. A anterior habitação do vaqueiro é hoje um apartamento de hóspedes.
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O vaqueiro casou-se: Nasceu um menino. Nova metamorfose arquitetônica: a cocheira foi transformada para acomodar a família aumentada. Criou-se então a longa parede branca vedando o aberto do vazado original: duas janelas —a Janela do Menino e a Janela dos Cavalos—constituem emblemas dos novos ocupantes. [81] As duas Janelas, cujas dimensões e alturas diferentes refletem os seus ocupantes, são separadas por uma placa de concreto pintada em azul, que marca o limite e a diferença entre a casa da família e o abrigo dos animais. [82] A Casa do Mel —a anterior habitação do vaqueiro— tornou-se um apartamento de hóspedes.
[82] Moldada no chão do local, a Placa Azul guarda marcas de pés de galinhas que sobre ela passaram antes da cura do concreto.
Agora, o conjunto das edificações conforma uma espécie de Pátio central, dominado por uma velha árvore —uma mangueira— que já existia quando iniciamos com as Ruínas.
[81]
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[83] A Casa da Cocheira, a nova casa do vaqueiro. Marcando a lembrança e o local de missa celebrada no Engenho por padre Miguel de Lencastre, [84] uma cruz de ferro define, sob a cúpula de uma jaqueira próxima, uma Capela cujas paredes são a paisagem. No fim foi como disse Helder: Trabalhar na Transmutação, na Transformação, na Metamorfose: Essa é a Nossa Obra.
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[84] Placa identificando a ‹Pedra-Altar› retirada das ruínas da Moita do Engenho Queira Deus, onde o padre D. Miguel Ângelo de Lencastre (1929-2013) costumava rezar missa. Este memorial foi feito pelo seu irmão, D. José Paulo de Lencastre (1920-1997) simbolizando a sua aliança em Queira Deus de que eram os dois herdeiros. São netos de Manuel Umbelino Ferreira da Silva, o fundador do Engenho Queira Deus.
Lista de Figuras capa Foto: Paulo Raposo Andrade, 2004. p.2 Foto: Paulo Raposo Andrade, 2003. Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2002. Com Paulo Figueiredo, Moisés Andrade, Miguel de
Petribu, Gustavo Oliveira, engenheiro da obra, e Luís Sales.
p.14 Foto: Fonseca & Ca., Porto. [3] Quadro: Frans Post, 1668. [4] Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2006. Com Vera e Verônica, nora e neta de José Barbosa,
[5] [6] [7] p.18 [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16]
administrador de Tapacurá.
Contrato de administração do Engenho Queira Deus, 1892. Fotos: Moisés Andrade, 2002. Papel-Moeda Engenho Tapacurá. Foto: Moisés Andrade, 2002. Roda de Bicicleta: Marcel Duchamp, 1913. Guitarra: Pablo Picasso, 1913. Desenho: Andrade + Raposo arquitetos, 2004. Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2005. Desenhos: Andrade + Raposo arquitetos, 2004. Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. Com José Alfredo Gonçalves (Deda), administrador e
vaqueiro de Queira Deus.
p.22 Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. [17] Desenho: Andrade + Raposo arquitetos, 2006. [18] Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. Desenho: Armando de Holanda, 1976.
[19] [20] [21] [22] [23] [24] [25] [26] [27] [28] [29] [30]
Fotos: Ana Mariani, 1987. Desenho: Andrade + Raposo arquitetos, 2004. Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. Foto: Francisco Arruda Raposo Andrade, 2006. Com sua filha Isabel e uma amiga. Desenho: Andrade + Raposo arquitetos, 2004. Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2006. Foto: Nico Saieh, 2012. Desenho: Andrade + Raposo arquitetos, 2004. Desenho: Armando de Holanda, 1976. Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2006.
[31] p.30 [32] [33] [34]
Foto: Bernardo Saraiva Lobo. In Jorge Pereira de Sampaio, 1998. Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. Foto: Paulo Raposo Andrade, 2006. Com os meninos Rodrigo, Vitor e Ronald Gonçalves. Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2006. Cadeira Vermelha & Azul: Gerrit Rietveld, 1918.
Cadeira Zig Zag: Gerrit Rietveld, 1934. Banco Caipira. In Adélia Borges et al., 1994.
[35] [36] [37] [38] [39] [40] [41] [43] [44] [45] [47] [46] [53] [54]
Fotos: Thomas Baccaro, 2006. Desenhos: Andrade + Raposo arquitetos, 2004.
Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2006. Desenho: Paulo Figueiredo, 2006 Desenho: Paulo Raposo Andrade, 2000. Desenhos: Ariano Suassuna, 1974. Desenhos: Virgílio Maia, 2004. Desenhos: Andrade & Raposo Arquitetos, 2004. Desenhos: Georges Jean, 1992. The Zoo Story: Peter Friedl, 2007. Palacio de las Artes: Santiago Calatrava, 1996. Foto: Massimiliano Giani.
Howard Building: Quinlan Terry, 1986.
[56] L’Antitradition Futuriste: Manifeste-synthèse: Guillaume Apolinnaire, 1913. [63] Assembléia Nacional de Bangladesh: Louis Kahn, 1962. Bodiam Castle, 1385 (Reino Unido). Taj Mahal, 1630–52 (Índia). Tesouro de Atreus, c. 1250 a.c. (Grécia). Silos (Reproduzidos por Le Corbusier em Vers une Architecture, 1923).
[64] [65] [71] [74] p.50
Claude Shannon. Gobi Desert Circle: Richard Long, 1996. Erzherzog Leopold Wilhelm em sua Galeria em Bruxelas: David Teniers, 1651. Detalhe da lápide do matemático Jakob Bernoulli, 1705.
Foto: Moisés Andrade, 2015. Detalhe da Casa do Mel. Ao fundo, Paulo de Lencastre (1955-), bisneto de Manuel Umbelino Ferreira da Silva, que deu início em 2002 ao restauro do Engenho Queira Deus.
[77] [78] [79] [80] [82] [81] [83] [84] p.61 p.63
Fotos: Paulo Raposo Andrade, 2015.
Foto: Paulo Raposo Andrade, 2015. Com o menino Felipe Gonçalves. Foto: Luciano Lacerda Medina, 2015. Foto: Paulo Raposo Andrade, 2015. Colagem sobre Biblioteca Submersa I, de Paulo Raposo Andrade: Sandra Leão, 2015. Colagem sobre fotografia de Kurt Arrigo: Rodriggo Ramos Dias, 2015.
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Biblioteca Submersa é um programa independente gerido pelo seguinte Conselho Editorial: Moisés Andrade • Professor Arquiteto (Universidade Federal de Pernambuco, 1963) / Mestre em Urbanismo (Universidade Federal do Rio de Janeiro-Coppe, 1975) / Idealizou e fundou o Mestrado em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (1972) / Professor de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Pernambuco (1975-2013) / Vencedor dos Concursos Nacionais de Arquitetura ‹Fórum do Recife› (1997) e ‹Centro Cultural Tacaruna› (2002) / Fundador da ‹Biblioteca Submersa› (2007-) / Autor de ensaios e obras de Arquitetura e Urbanismo publicados em vários países. Mônica Raposo • Professora Arquiteta (Universidade Federal de Pernambuco, 1963) / Ph.D. em Arquitetura e Urbanismo (University of Cambridge -U.K., 1992) / Professora de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Pernambuco (1974-2013) / Dirigiu o Programa de Projetos de Arquitetura e Urbanismo na realização de 102.000 habitações populares em Pernambuco (1978-82) / Vencedora dos Concursos Nacionais de Arquitetura ‹Fórum do Recife› (1997) e ‹Centro Cultural Tacaruna› (2002) / ‹Prêmio Caixa-Instituto de Arquitetos do Brasil para Urbanização e Habitação Econômica› (2002) / Autora do ‹Manual da Habitação Popular› (1981) / Autora de ensaios e obras de Arquitetura e Urbanismo publicados em vários países.
Andréa Câmara • Professora Arquiteta (Universidade Federal de Pernambuco, 1991) / Doutora em Urbanismo (Universitat Politècnica de Catalunya -Barcelona, 2011) / ‹Prêmio Jovens Arquitetos› em 1993 e 2007 (Instituto de Arquitetos do Brasil + Museu da Casa Brasileira) / Vencedora dos Concursos Nacionais de Arquitetura ‹Fórum do Recife› (1997) e ‹Centro Cultural Tacaruna› (2002) / ‹Prêmio Caixa-Instituto de Arquitetos do Brasil para Urbanização e Habitação Econômica› (2002) / C0-Fundadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Católica de Pernambuco (2002-) / Autora de ensaios e obras de Arquitetura e Urbanismo publicados em vários países. Paulo Raposo Andrade • Professor Arquiteto (Universidade Federal de Pernambuco, 1991) / Mestre em Teoria da Arquitetura (Universidade Federal de Pernambuco, 1996) / Frequentou os seminários de Dalibor Vesely na University of Cambridge -U.K. (1992) / ‹Prêmio Jovens Arquitetos› em 1993 e 2007 (Instituto de Arquitetos do Brasil + Museu da Casa Brasileira) / Vencedor dos Concursos Nacionais de Arquitetura ‹Fórum do Recife› (1997) e ‹Centro Cultural Tacaruna› (2002) / Prêmios como Orientador no Concurso Nacional ‹Ópera Prima› em 2006, 2007, 2009, 2014 e 2015 / Professor de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Pernambuco (1995-) / Fundador da ‹Biblioteca Submersa› (2007-) / Autor de ensaios e obras de Arquitetura e Urbanismo publicados em vários países. Paulo de Lencastre • Professor de Marketing e Branding (Universidade Católica Portuguesa, 1985-) / Doutor em Ciências Econômicas Aplicadas, com tese em Semiótica da Marca (Université Catholique de Louvain, 1997) / Professor Convidado na Universidade Católica do Rio de Janeiro (2013-), na Universidade de São Paulo (2001-12), na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001-12), no Instituto Universitário de Lisboa (2001-12), na Universidade do Porto (1986-2009) / Fundador da ‹Biblioteca Submersa› (2007-) / Editor d’‹O Livro da Marca› (2007). Luciano Lacerda Medina • Professor Arquiteto (Universidade Federal de Pernambuco, 1988) / Mestre em Urbanismo (Universidade Federal de Pernambuco, 1996) / Menção Honrosa no ‹Fórum Mundial de Jovens Arquitetos› (1994) / Vencedor dos Concursos Nacionais de Arquitetura ‹Fórum do Recife› (1997) e ‹Centro Cultural Tacaruna› (2002) / Professor de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Pernambuco (1995-) / Autor de ensaios e obras de Arquitetura e Urbanismo publicados em vários países.
Gonçalo Castro Henriques • Professor Arquiteto (Escola Superior Artística do Porto, 2000) / Mestre em Arquitetura Biodigital (Universitat Internacional de Catalunya –Barcelona, 2005) / Doutor em Arquitetura (Universidade de Lisboa, 2013) / Professor na Universidade Federal do Rio Janeiro e Coordenador Adjunto do LAMO 3D (2014-) / Pesquisador na área da Tectónica Digital: Geração Algorítmica e Paramétrica com Fabricação Digital / Realizou workshops de Arquitetura Algorítmica em Lisboa, Porto, São Paulo, Rio, Fortaleza, Santa Fé, Ljubljana / Autor de ensaios e obras de Arquitetura e Urbanismo publicados em vários países.
Este livro —composto com famílias tipográficas criadas por Martin Majoor— foi concluído aos vinte e oito dias do mês de dezembro do 2015: 14° ano da publicação da primeira edição de ‹O Brilho da Simplicidade› de Glauco Campello; 39° ano da publicação de ‹Roteiro para Construir no Nordeste: Arquitetura como Lugar Ameno nos Trópicos Ensolarados› de Armando de Holanda; 45° ano da publicação de ‹O Espaço da Arquitetura› de Evaldo Coutinho; 77° ano da publicação de ‹Documentação Necessária› de Lúcio Costa; 82° ano da publicação de ‹Casa Grande & Senzala› de Gilberto Freyre; 89° ano da publicação do ‹Manifesto Regionalista› de Gilberto Freyre; 164° ano do nascimento de Manuel Umbelino Ferreira da Silva, Morgado de Tapacurá e fundador do Engenho Queira Deus.
«Come gather ‘round people Wherever you roam And admit that the waters Around you have grown And accept it that soon You’ll be drenched to the bone If your time to you Is worth savin’ Then you better start swimmin’ Or you’ll sink like a stone For the times they are a-changin’ The line it is drawn The curse it is cast The slow one now Will later be fast As the present now Will later be past The order is Rapidly fadin’ And the first one now Will later be last For the times they are a-changin’» —Bob Dylan: The Times They Are A-Changin’, 1964.
O
s Arquitetos de ‹Queira Deus›:
Paulo Raposo Andrade • Professor Arquiteto
Andréa Câmara • Professora Arquiteta
Paulo Figueiredo • Arquiteto
Mônica Raposo • Professora Arquiteta
Moisés Andrade • Professor Arquiteto
B
iblioteca Submersa é um programa editorial promovido por Andrade+Raposo arquitetos: Em grupo ou separadamente receberam os seguintes prêmios: Menção Honrosa no Concurso Nacional de Arquitetura ‹Jovens Arquitetos› pela ‹Casa Queira Deus› (Projeto exposto no ‹Museu da Casa Brasileira›) [2007]. 1° Prêmio no Concurso Nacional de Arquitetura pelo ‹Centro Cultural Tacaruna› [2002]. Menção Honrosa no Concurso Nacional de Arquitetura para Urbanização e Habitação de Baixo Custo no Brasil —‹Prêmio Caixa-Instituto de Arquitetos do Brasil› [2002]. 1° Prêmio no Concurso Nacional de Arquitetura pelo ‹Fórum do Recife› [1997]. Menção Honrosa no Concurso Nacional de Arquitetura ‹Jovens Arquitetos› pela ‹Igreja Católica Ortodoxa de Olinda› (Projeto exposto no ‹Museu da Casa Brasileira›) [1993]. Menção Honrosa no Concurso Nacional de Arquitetura pela ‹Sede do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura de Brasília› [1969]. Menção Honrosa no Concurso Nacional de Arquitetura pelo ‹Pavilhão de Feiras e Exposições do Rio Grande do Sul› [1967]. Prêmio ‹Instituto de Arquitetos do Brasil-PE 1969› pela ‹Faculdade de Ensino do Recife› [1969]. 2° Prêmio no Concurso Nacional de Arquitetura pela ‹Penitenciária do Estado de Pernambuco› [1965].
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N
o projecto de arquitectura, Paulo Raposo Andrade recupera os traços fundamentais da implantação e articulação do conjunto do Engenho, internamente e na sua relação com o território. A sequência de volumes ao longo desse eixo reforça a entrega do conjunto arquitectónico a largos horizontes...» —Álvaro Siza, 2007.
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E
studei com o maior interesse o projeto do Paulo para ‹Queira Deus›. Uma pequena joia, profundamente ligada à melhor arquitetura luso-brasileira contemporânea. A nossa formação cultural ressoando hoje, legitimamente, nesse intercâmbio de ideias. E tudo isso acontecendo em Pernambuco, no Brasil de hoje. No Recife. Quanta saudade!»
isbn 978-989-20-6595-3
—Glauco Campello, 2015.
Leonor de Lencastre Trineta de Manuel Umbelino Ferreira da Silva, fundador do Engenho Queira Deus.