Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo.
Flávio de Carvalho: Estudos antes da experiência número 3. Relatório Final de Atividades Bolsa PIBIC/CNPq (período de fevereiro/2007 – julho/2007) e SAE/UNICAMP (fevereiro/2008 – julho/2008). Bolsista: André Ribeiro de Barros Curso de Arquitetura e Urbanismo, FEC/UNICAMP. Orientadora: Profª Drª Silvana Rubino Barbosa Departamento de História, IFCH/UNICAMP.
Introdução O presente relatório contém o resultado final de pesquisa sobre os estudos de moda publicados em formato de artigo 1, pelo jornal Diário de S. Paulo em 1956, sob o título de A moda e o novo Homem2 dentro da série Casa, Homem e Paisagem, coluna escrita por Flávio de Carvalho3, para a construção da Experiência número 3. Num total de mais de 30 artigos e mais de 100 pranchas de desenhos, Flávio de Carvalho abordou inúmeros temas polêmicos e controversos no cenário do estudo do vestuário e suas conseqüências socioeconômicas, artísticas e culturais. Flávio como artista múltiplo, interpreta a roupa como uma arquitetura, realizando com o vestuário uma análise não só estética, mas também funcional. Busca a partir disso, desenvolver um traje que reflita o clima tropical do Brasil, pois acreditava que a imposição da moda eduardina (jaqueta longa, não-trespassada, com ombros inclinados e botões altos, calças estreitas, colete elaborado acompanhado por um chapéu-coco e par de sapatos) ao vestuário nacional, principalmente o masculino, não se aplicava aos brasileiros, ou mais amplamente, aos que habitam os trópicos. O traje para um país tropical deveria permitir a ventilação, o conforto, à higiene corporal adequada para tal clima. A partir disso, a importância do estudo detalhado de seus croquis, podendo ser considerados releituras das indumentárias abrangendo os gregos, romanos, persas, cretenses, egípcios, atingindo a indumentária da década de 1960. Graficamente, Flávio redesenha trajes contidos em iconografias conhecidas como método de entendimento de cada peça ou conjunto de roupas, sendo sua intenção maior a ilustração de seu texto perante os leitores.
1
Todas as vezes que este projeto se referia a artigo(s) estará se tratando do conjunto texto e imagens publicados pelo jornal, facilitando assim a compreensão de quem o lê. 2 Uma lista com o título e referência dos trinta e nove artigos consta de tal projeto no anexo I. 3 Personagem mitificado, polêmico e polemista por excelência sobre ele, a imprensa se dividia com avidez, aclamando-o sempre, ora como gênio, ora como doido, enquanto alguns críticos, que iam pateticamente desfalecendo pelo caminho do esquecimento, tachavam-no de charlatão e mistificador, e outros, mais raros e expeditos, enxergavam nele e em seu poliédrico trabalho virtudes lapidares, que somente a distanciada visão esclarecida dos pósteros veio confirmar. Ver mais em J. TOLEDO (1994).
2
Pesquisa no Arquivo Assim como descrito anteriormente, tal relatório fará uma explanação dos resultados obtidos com tal pesquisa. Esta investigação, porém, recorreu ao material original, pertencente ao arquivo do CEDAE/IEL, UNICAMP, composto dos originais datilografados, fotocópias dos artigos de jornal e as pranchas de desenhos4. Este material difere-se por alguns acréscimos posteriores, feitos pelo próprio artista, como uma introdução composta por quatro conclusões – As Quatro Conclusões Fundamentais - escritas posteriormente, para a compilação dos artigos no que viria a ser um livro. Porém, tratarei de tais conclusões mais tarde. Primeiramente, trataremos dos artigos atendo-nos sempre aos de maior relevância a pesquisa. Para isso, foi preciso o agrupamento de alguns artigos em temas, e até mesmo, a articulação destes para formulação de uma discussão teórica mais rica e articulada, facilitando o entendimento e as análises textual e visual do conjunto acompanhando o desenvolvimento e suas contribuições para o campo do estudo da moda.
4
Este material encontra-se no referido centro de documentação organizado em três diferentes pastas (07, 09 e 12).
3
Artigos I a X O primeiro artigo publicado dentre tal série, em linhas gerais, deixa claro aos leitores que em seu ponto de vista a moda5, através do ornamento6 e de certas manifestações regula a psique da humanidade, controlando os sintomas de loucura através de sua futilidade. Estabelece dois momentos para tal regulação (equilíbrio), a primeira produzida mais imediatamente pelo ornamento em si, e num segundo momento, o equilíbrio produzido pela moda – longa duração – num determinado espaço de tempo, a etapa histórica corrente. A moda pode por assim dizer, operar tal equilíbrio por atuar juntamente ao corpo7 do homem, que para o autor é senão a parte do mundo que mais interessa ao homem, fundindo-se com o fantástico, a imaginação.
imagem 1
imagem 3
imagem 4 O começo – as idades púberes da história.
imagem 1 A magia da história – o pudor.
Na seqüência trata a moda através do surgimento da gorgueira, colarinho de origem espanhola que „magicamente‟ antecipa fatos históricos distantes tal momento em dois séculos. As gorgueiras aparecem na história pela primeira vez no século XVI, derivadas de um cordão na extremidade (da camisa) e quando apertados, nos dá uma idéia do que seria o rufo na metade do século (LAVER, 2006:81). Estes agem de fato historicamente durante os inúmeros guilhotinamentos na Revolução Francesa, na segunda metade do século XVIII, evitando assim, o desaparecimento de uma etapa histórica, através da imitação. 5
Moda para Flávio são os costumes, hábitos, trajes, a forma do mobiliário e casa. Assim sendo, para ele a moda engloba não somente o movimento do traje/vestuário, e sim, as variações contínuas de pouca duração que são visíveis em certos elementos culturais, uma visão sociológica deste fenômeno. Porém, sempre que se falar em moda, estar-se-á tratando dos aspectos tocantes ao vestuário. 6 Os ornamentos são, para o autor, não só os trajes, mas as paradas militares, as manifestações patrióticas, os discursos vazios. 7 Ainda segundo as definições de Flávio, o corpo é a parte do mundo que mais interessa ao homem e a moda se apresenta como aquilo que mais se aproxima do corpo ou mais se funde com o fantástico na imaginação.
4
Dando seqüência, demonstra o que chama de „idades púberes‟, a igualdade entre o vestuário (a moda, as formas) das crianças, sendo modificados com a puberdade. Podemos encontrar fundamentação em Lurie (1997) que afirma que as roupas de menina e menino são geralmente idênticas quanto ao feitio e o tecido, muito em função de seus corpos (forma) serem semelhantes, mas ressaltando, a diferença nos motivos decorativos, estamparia e nas cores. A figura ao lado, demonstra a comparação feita por Flávio, mostrando a esquerda uma menina, datada de 1375 a.C. e a direita um menino de 1200 a.C.
imagem 5 Trajo e liberdade – o discurso do conde Mirebeau.
No artigo de número X define o traje como sendo uma manifestação da liberdade, libertação das inferioridades do homem, sendo o traje e os costumes um meio compensatório dessas inferioridades. E liberdade como alegria imediata conseqüente da libertação da inferioridade. Assim sendo, a noção de liberdade no artigo publicado implica a apresentação do indivíduo a um outro indivíduo, seu semelhante, por isso é frequentemente tratada como histeria coletiva. Essa apresentação pode se dar na forma de adoração, veneração (desenho 1 na figura 15ou através da inspiração nas roupas de uma outra época considerada vitoriosa e livre (desenhos 4 e 5), ou até mesmo baseado em algo pouco antes derrotado, representado no desenho de número 6, no qual Napoleão veste o traje do Diretório (desenho 5) por ele derrubado em 1799. Acessórios Os acessórios são tratados de maneira apurada, Flávio disserta sobre os chapéus, ligando-os à alma humana; sobre os coturnos (mágicos) e sua relação ao reis; e ainda, as jóias. Traça para cada item considerações importantes, tendo-se em mente a estreita ligação do homem ao vestuário, sobretudo, a relação “mágica” estabelecida com a moda em sua totalidade. Estabelece ainda para os acessórios pares de significações, ligando por exemplo os chapéus às almas, deixando claro, que na sua visão, tal acessório representa a imagem da alma humana materializada.
5
imagem 6
imagem 7
imagem 8
imagem 9
imagem 10
imagem 11
legenda imagens: Os chapéus dos homens sem alma e os arquétipos dos mares pré-cambrianos – os homens pré-primitivos – a origem popular dos aristocráticos – chapéu cônico e cartola
Quanto aos calçados, atribui o seu aparecimento aos reis. E mais precisamente ao medo sentido por aqueles que o rodeava, em função da instauração de uma revolta, sinal de desequilíbrio, perturbação da ordem social. Seguindo então, tal argumento do autor, a corte do rei, impõe a ele sapatos, evitando uma fuga. Já as jóias, ele as vê como derivações das correntes impostas aos escravos para que não fugissem se seus donos. As jóias são desta maneira, resquícios da escravidão, uma lembrança sempre viva do passado, prendendo o homem à eternidade (fatos históricos). São acessórios paralisantes da escala mais inferior do homem - o escravo.
6
A Cauda A grande importância da cauda, seja da cauda animal ou dos vestidos e casacos. Traça uma comparação entre esta estrutura fisiológica (cauda em si) e estrutura artificial (cauda no vestuário). A cauda juntamente com as mangas e os chapéus estabeleceram uma nova ordem de equilíbrio. O penteado fontagne8 equilibra as anquinhas, estrutura de metal usada para armar as saias femininas na altura dos quadris, no século XVIII, já no século XIX, são os altos chapéus que proporcionam tal equilíbrio. Tal equilíbrio na roupa é proveniente, de maneira resumida, em uma geometria composta por eixos (reto, angular, curvo e suas variantes) encontrados nas formas simples e nas compostas (combinações) com algumas regras9. A cauda gera tal equilíbrio por num passado remoto ter servido ao homem como norteador (leme), sendo tão importante quanto uma perna ou um braço. Flávio faz relevante observação sobre a existência da cauda nos organismos vivos submarinos, provando sua teoria sobre o equilíbrio e o fator direcionador da cauda.
imagem 12
imagem 14 legenda imagens: 12. A importância da cauda – a comichão filogenética. 13 – 15. O que indica a cauda do mamífero – luto e pudor
imagem 13
imagem 15
8
O penteado fontagne punha os cabelos bem altos cobertos com uma touca, aumentando a altura aparente e o efeito vertical. 9 HENRI FOCILLON, 1939 apud SOUZA, 1987.
7
Ao homem, em especial, afirma que o cócix, vestígio anatômico da cauda do passado, retém suas emoções básicas, usando os gatos, como exemplo, para efetuar comparações concretas. O homem, do ponto de vista de Flávio, utiliza-se da cauda no vestuário como fator compensador das inferioridades do ser e, dos sentimentos de bem estar e liberdade. Estando estes ligados ao estado emotivo, a cauda surge quando a etapa histórica mostra-se comovida. A cauda ainda estabelece conexão com os períodos de cio, assim, a cauda tem seu aparecimento ligado ao luto e a tristeza, e o cio, aos períodos de alegria e paz. Isto é, a cauda sempre aparece no vestuário como forma de equilíbrio de um período anterior, de guerra, de muitas mortes. cio
cauda
cio
cauda
cio
cauda gráfico 1
Homem versus Mulher – Os Tratados de Paz
“A origem da indumentária é alheia às variações de temperatura e está ligada ao movimento e a luta entre os sexos e entre os homens”.
Flávio de Carvalho
Quando se dá uma comparação entre o homem e a mulher, há o estabelecimento de um tratado entre os sexos – o primeiro tratado de paz – que é na verdade, a vedação da parte inferior do corpo, cobrindo assim as genitálias, na tentativa de eliminar as diferenças corporais, eliminando assim as diferenças sociais. Tal vedação se dá anteriormente ao aparecimento da calça como meio de proteção à existência da espécie. Nota-se que o autor não se atém a determinar uma data, ou período específico para o inicio de tal „tratado‟, por não precisar dentro de sua metodologia de pesquisa tal datação. Pois com seu surgimento, ainda segundo Flávio, o homem e a mulher passam a se diferenciar. O Homem abandona o nomadismo, fixando sua moradia e vivência, entretanto, a mulher fixa-se no local, conservando o uso da saia, que imobiliza seus movimentos, tolhendo-os; o homem passa ao terreno do agressivo (caça, por exemplo), vestindo calças que ajudam no movimento, protegendo-o ao mesmo tempo.
8
imagem 16 Outro grave erro – A viagem de volta ao útero da história – O rejuvenescimento Legenda: Comparam-se acima as roupas de um andarilho (esquerda) e de uma dama de alta classe social (esquerda), sugerindo o surgimento contrário ao proposto por muitos historiadores da moda. Neste contexto, observam-se detalhes importantes, como os trajes rasgados do que parece ser um andarilho, traduzidos em tecidos cortados modelados ao corpo e distribuídos pelo corpo de maneira solta e fluida; o pássaro de brinquedo, ou algo do gênero se transformando em uma pequena bolsa na mão da mulher de alta classe social e outras analogias que podem ser feitas ao se comparar os dois desenhos na figura 16.
Em função da adequação do vestuário ao movimento, indo de baixo para cima na cadeia hierárquica, pois as camadas mais baixas são as que trabalham e guerreiam – trabalhadores em geral, escravos, soldados. Formas da Mulher Duas formas apontam os rumos da moda feminina, a forma curvilinear, compatível com a fecundação e reprodução; e a reta paralela, contrariando a prolixidade da fecundação. A forma curvilinear trata-se da forma que permite à reprodução (fecundação) da espécie em questão, controlando a sua existência. Tal forma não permite à reversão da espécie a formas antigas. Já a forma reta paralela surge para controlar o excesso populacional, com a mesma finalidade da forma curvilinear – a sobrevivência. A forma reta paralela foi adotada pela primeira vez pelo estilista Paul Poiret (18791944) em defesa do desvencilhamento do espartilho por parte das mulheres do começo do século XX, impondo a linha diretório10.
10
BAUDOT, François. Moda do século.São Paulo: Cosac Naify, 2002.
9
imagem 17 a 20
Alison Lurie descreve os homens como retangulares e as mulheres como redondas. O vestuário de aspecto masculino estaria ligado ao domínio físico e social, enquanto o vestuário de aspecto feminino estaria ligado à maternidade. Com essa breve descrição, pode-se também estabelecer relação com as formas descritas acima, como sendo as formas masculina e feminina, e não somente femininas.
gráfico 2: Imagens construídas com base na descrição de Lurie.
Há então no entendimento de Flávio, um equilíbrio entre essas duas silhuetas, configurando uma situação com dois momentos. Sempre havendo a necessidade de aumentar (A) ou diminuir (B) a população a fim de impedir o desaparecimento da espécie. Sendo as formas retas paralelas antifecundantes femininas responsáveis por um equilíbrio. Pois a forma curvilinear associa-se a atração sexual fecundante, mais adaptada à procriação, sobrevivendo na luta da existência.
B
A
B
A
B
A
gráfico 3
A crinolina e a verdugada11 são dois indícios da necessidade em satisfazer as ânsias do temperamento do homem, preenchendo uma finalidade psicobiológica e ambas são reversões a um passado filogenético.
“As crinolinas exercem uma função mágica e sugestiva principalmente sobre o povo, pois que, é pelo povo que as deficiências de insegurança seriam eliminadas”.
Flávio de Carvalho
Também chamada de farthingale, consistia em uma anágua armada por arcos de arame, madeira ou barbatanas de baleia, que ficavam maiores em direção à barra. Muito parecida com a crinolina do século XIX em sua estrutura. A verdugada desenvolveu-se com diferenciações na Inglaterra, Espanha, França e outros países. 11
10
Flávio com tais análises deixa claro seu grande entendimento da moda quanto forma, quanto silhueta, a ligação das formas biológicas (fecundação) com as formas da moda ficam bem evidentes, quando diz que a crinolina se apresenta como refúgio, como útero (figura 05 na imagem 24).
imagem 21
imagem 22
imagem 23
imagem 24
legenda imagens 21-23: O perigo, o refúgio e a fecundação. Legenda imagem 24: Antes de Cristo, cestas e crinolinas, na Grécia e na Índia – Os antepassados remotos e esquecidos dos índios Carajás usavam coletes e crinolinas – Os cinco movimentos do bailado clássico e a forma curvilinear fecundante
Movimento
“É pelo movimento que se processam as alterações nas formas fundamentais da moda e na maneira do homem se apresentar ao mundo”. Flávio de Carvalho
O movimento (mobilidade) foi tratado em suas mais variadas ocorrências nos temas acima. Deixando claro, a sua grande importância ao Homem, e suas possibilidades, frente à moda e suas formas. Concluindo para tal tema, que sua maior importância, está no poder modificador imposto as formas da moda, mudanças operadas em muitos dos casos pelas classes inferiores, as primeiras a serem atingidas pela introdução de artifícios imobilizadores, não permitindo a prática de atividades, isto é, impedindo a execução de qualquer pequeno trabalho e/ou esforço.
11
Outras imagens:
imagem 25 O homem nu e o homem vestido – a verdadeira passageira.
Observando-se a imagem abaixo, nota-se a representação de uma mulher trajando uma grande saia armada por barbatanas de baleia, e uma outra, trajando roupas de grande volume. Essas duas formas servem de ilustração para a teoria afirmada por Flávio em seu artigo que diz que o vestuário - neste caso, feminino - tentou proteger as mulheres de serem decapitadas, através do grande volume de tecidos e pontos de apoio e segurança, escondendo e amparando-as.
imagem 26
imagem 27
A forma da mulher e os ídolos dos cyclades – os prisioneiros da eternidade – os ídolos dos Carajás. imagem 28
12
imagem 29
imagem 30
A moda do pescoço comprido e a mulher curvilinear – o desespero de CG Jung. imagem 31
imagem 32
imagem 33
A moda do pescoço comprido e a mulher curvilinear – o desespero de CG Jung.
13
Conclusão: Essa grande apresentação mostra uma pequena parcela dos artigos (e desenhos) realizados por Flávio de Carvalho, que como estudioso do fenômeno moda, e mais ainda, como grande curioso, sobre todas as ciências que envolvem o homem, antecipa inúmeros estudos, porém não tão profundamente, mas como instigador do pensamento, lançando bases para o futuro. Se resgatarmos alguns deles, como a mágica e/ou fantasia da moda, a visualidade do equilíbrio, a resistência do vestuário feminino, a ascensão das mudanças no vestuário, podemos cruzar tais informações com estudos de grandes autores, permitindo um diálogo direto com A moda e o novo Homem. Os apontamentos do autor vão de encontro a Crane e Souza quando diz respeito ao aparecimento de uma nova forma e a demanda gerada por certo público, respectivamente. A primeira autora garante que muitas das alterações na forma do vestuário são geradas nas camadas mais baixas da população e quando são percebidas pelos que ditam a moda, são assim chanceladas e num processo inverso atingem novamente a camada mais baixa. Esse processo se dá em função da mobilidade necessária ao vestuário de tal classe, que ao copiar (imitar) as roupas da classe mais alta (consumidora da alta moda) é obrigada, em função do trabalho a adaptá-las, isso porque, na maioria das vezes tais peças deste vestuário impedem a movimentação dos membros inferiores ou superiores, dificultam a respiração, não oferecem segurança, literalmente, imobilizando o usuário. Crane cita as operárias inglesas como exemplo do desvencilhamento por parte das mulheres do espartilho e da adoção de calças para o trabalho nas minas de carvão. Mesmo que o uso de calças, por mulheres, fosse controverso (defesa da ideologia que estipulava diferenças físicas, psicológicas e intelectuais entre os gêneros) na Europa do século XIX, somente defendido pelas reformadoras12, que lutavam por trajes que prouvessem conforto, praticidade, segurança, e que fossem bem-arrumados. Tal traje não foi bem visto pela sociedade em geral - mas o importante aqui, é notar o diálogo entre os dois autores, mesmo que distantes no tempo – principalmente por igualar homens e mulheres, acima citado como „Tratado de Paz‟. A segunda autora diz que nenhuma alteração na moda se dá sem que algo seja solicitado ao produtor, no caso o estilista (designer), que apresenta ao mundo novidades, sendo porta-voz de uma (moda) corrente que se esboça e cuja tomada de consciência antecipa. Mostrando como exemplo o lançamento do New Look por Christian Dior, que lançado logo depois de terminada a segunda guerra mundial, traz saias com grandes metragens em tecido, pressentimento do criador frente a um novo público que se formaria num futuro próximo, em contraponto ao traje-padrão da época da guerra - chapéu pequeno, ombros quadrados, saia curta e sapatos de bom senso, que às vezes tinham salto anabela – usado pelas mulheres de classe média, em virtude da escassez de recursos para confecção de luxuosos vestidos.
12
A primeira e mais conhecida proposta de reforma de vestuário foi apresentada por Amelia Bloomer nos Estados Unidos na década de 1850 subvertendo a diferença entre os gêneros. Consistia em uma saia curta sobre uma calça volumosa
14
A moda, como sistema organizado a partir do final do século XIX, introduzindo novidades constantemente, através do lançamento das coleções primavera/verão e outonoinverno, permite a dissolução da ordem imutável da aparência tradicional e as distinções intangíveis entre os grupos, e ainda, a moda pensada como instrumento da igualdade de condições, alterando o principio da desigualdade de vestuário (LIPOVETSKY 1991: 41,42). Porém, frisa ainda, que tais modificações operadas pela moda mantiveram de maneira alterada alguns aspectos, como por exemplo, a demonstração ostentória da hierarquia, os signos do poder, participam do movimento de igualação do parecer. O parecer, tratado por Flávio como o responsável pela regulação mental (equilíbrio) do ser, um ato isolado em um primeiro momento isolado, e num segundo momento exibindo-se ao mundo, insere-se na regra de conjunto da moda, porém sempre respeitando a manifestação de gosto pessoal. Estes dois aspectos balizam as decisões do indivíduo, guiam suas escolhas quanto ao vestuário - traje, maquiagem, penteado – signos da afirmação do Eu, através do qual o indivíduo apresenta-se ao seu semelhante, em algo semelhante a um espetáculo. A moda é assim, um meio privilegiado da expressão individual, expresso especialmente nos pequenos detalhes e fantasias, nos adornos e motivos. A moda e o novo Homem dão como resultado as quatro conclusões fundamentais, essas escritas pelo próprio autor, que versam sobre quatro assuntos específicos: 1. as formas da mulher; 2. o caráter „mágico‟ da moda; 3. a mutação da moda indo de baixo para cima na hierarquia social e 4. igualdade do vestuário masculino e feminino até atingir a puberdade. Essas conclusões são tão importantes para o panorama da moda, como o traje unissex desfilado por Flávio pelas ruas de São Paulo. Flávio de Carvalho, engenheiro civil de formação, mas com espírito de artista, contribui para a evolução do estudo da moda no Brasil, e quem sabe no mundo, de maneira controversa, muito em função de sua personalidade e atitudes inusitadas. Contudo, esta maneira de agir, auxiliava o artista na promoção de seus pensamentos e na sua arte. Sua formação em uma escola européia, e os anos que viveu em tal continente foram de suma importância para os seus estudos, como artista moderno. Sua vida pessoal influencia diretamente os artigos escritos, pois sendo de família abastada, é mandado a estudar na Europa, o que lhe permite a visita aos museus e galerias de arte, de onde retira a maioria dos desenhos utilizados para ilustração de seus escritos sobre moda. Não podendo deixar de lado, a existência de inúmeros livros sobre o vestuário no ocidente, apresentarem imagens idênticas ou semelhantes, isso é, a escolha das obras não é aleatória, nem por parte de Flávio e nem por parte dos outros autores, a escolha segue uma cronologia, passando por inúmeras civilizações e períodos históricos. Isso indica o conhecimento de tais autores, como por exemplo, o livro de François Boucher, A History of Costume in the West, que consta da bibliografia de tal pesquisa, ilustrado com imagens e referências similares, quando não as mesmas de Flávio de Carvalho.
15
Matéria encaminhada para publicação: 1. Participação com pôster no XV Congresso Interno de Iniciação Científica/UNICAMP no período de 26 e 27 de setembro de 2007. 2. Participação com pôster no III Colóquio Nacional de Moda realizado no período de 02 a 07 de outubro de 2007 na cidade de Belo Horizonte, MG, sediado pelo CIMO - Centro Integrado de Moda. 3. Matéria encaminhada a Revista Rotunda número 4, pertencente ao Instituto de Artes/UNICAMP, intitulada Flávio de Carvalho & A Moda e o Novo Homem, 1956, a ser publicada no mês de julho via site da revista. http://www.iar.unicamp.br/rotunda/index.htm. Outras atividades de interesse universitário: 1. Participação como aluno regular da disciplina AP 417 A: Tópicos Especiais em História da Arte V - Arte e Moda: diálogos e desafios do corpo e do têxtil como suporte artísticos, segundo semetre de 2005. 2. Participação como aluno regular da disciplina AP 706 A: Tópicos Especiais em História da Arte – Anos 60, primeiro semestre de 2006. Apoio e Agradecimento: Gostaria de agradecer a todos que, de alguma maneira contribuíram para a elaboração deste trabalho. Contudo, agradecimentos especiais: À Profa Dra Silvana Rubino Barbosa, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UNICAMP), pela atenção, compreensão nos momentos de desespero e leitura deste projeto; À Profa Patrícia Sant‟Anna, por ter me mostrado tal objeto de pesquisa e me ajudado em inúmeros momentos desafiadores; À minha família por sempre me apoiar em todas as minhas decisões e todos os meus projetos; Aos meus amigos, em especial Sheila, Tiago, Renan, Mark, Izabela, Stela e companhia, por me ouvirem falar deste projeto horas e horas; Ao CEDAE/IEL/UNICAMP e seus funcionários, por sempre terem me recebido e atendido com atenção; Ao CNPq e SAE/UNICAMP, por terem financiado tal pesquisa com bolsa de iniciação científica de fevereiro/2007 – julho/2007 e fevereiro/2008 – julho/2008.
16
Anexo I Série “Casa, Homem e Paisagem” (A Moda e o novo Homem) (I-XXXIX) Diário de S. Paulo de 04-03 a 21-10-1956: Título do artigo (número). Data. A GRANDE IMAGINAÇÃO DO LIMITE – VAGANDO PELA RUA (I). 04-03-1956. A MAGIA DA HISTÓRIA – O PUDOR (II). 08-03-1956. O HOMEM NU E O HOMEM VESTIDO – A VERDADE PASSAGEIRA (III). 18-03-1956. AS BARBATANAS DA BALEIA E DA ALEGRIA – O VALOR DO CORPO (IV). 21-03-1956. O DEFEITO – O ASPECTO (V). 25-03-1956. EQUILÍBRIO E INFERIORIDADE COLETIVA – A FORMA E A COR (VI). 28-03-1956. O COMEÇO – AS IDADES PÚBERES DA HISTÓRIA (VII). 02-04-1956. UM GRAVE ERRO – A MODA NO RIO ARAGUAIA – ORNAMENTO E DEFESA – A ESCOLHA DA COR (VIII). 03-04-1956. OUTRO GRAVE ERRO – A VIAGEM DE VOLTA AO ÚTERO DA HISTÓRIA – O REJUVENESCIMENTO (IX). 05-04-1956. TRAJO E LIBERDADE – O DISCURSO DO CONDE MIRABEAU (X). 11-04-1956. O INÍCIO DA IDADE MÉDIA E O CABELO – DESEJO DE EQUILÍBRIO E CAUDA – O SATIRO (XI). 15-04-1956. A IMPORTÂNCIA DA CAUDA – A COMICHÃO FILOGENÉTICA (XII). 22-04-1956. O QUE INDICA A CAUDA DO MAMÍFERO – LUTO E PUDOR (XIII) 29-04-1956. CAUDA, LUTO E PUDOR (XIV). 06-05-1956. A CAUDA VIAJA DE BAIXO PARA CIMA – A HEREDITARIEDADE DOS CARACTERES HIERÁRQUICOS (XV). 13-05-1956. O HOMEM EM FARRAPOS (XVI). 20-05-1956. O REI EM FARRAPOS – O BOBO E OS DEUSES MORIBUNDOS – OS CAMINHOS DA LINGUAGEM (XVII). 27-05-1956. A MODA EM FARRAPOS – O DECOTE MASCULINO – OS HOMENS MOSTRAM AS PERNAS (XVIII). 31-05-1956. AS FORMAS FUNDAMENTAIS DA MULHER – EQUILÍBRIO DE POPULAÇÃO E AS NECESSIDADES DE SOBREVIVÊNCIA (XIX). 03-06-1956. AS FORMAS DA MULHER E OS ÍDOLOS DOS CYCLADES – OS PRISIONEIROS DA ETERNIDADE – OS ÍDOLOS DOS CARAJÁS (XX). 10-06-1956. A MODA DO PESCOÇO COMPRIDO E A MULHER CURVILINEAR – O DESESPERO DE C.G. JUNG (XXI). 17-06-1956. VERDUGADAS, CESTAS, CRINOLINAS E A MULHER CURVILINEAR – A ELASTICIDADE DO REFLEXO CONDICIONADO – O IDEAL PRIMITIVO E A ETAPA HISTÓRICA (XXII). 24-06-1956.
17
O PERIGO, O REFÚGIO E A FECUNDAÇÃO (XXIII). 01-07-1956. ANTES DE CRISTO, CESTAS E CRINOLINAS, NA GRÉCIA E NA ÍNDIA – OS ANTEPASSADOS REMOTOS E ESQUECIDOS DOS ÍNDIOS CARAJÁS USAVAM COLETES E CRINOLINAS – OS CINCO MOVIMENTOS DO BAILADO CLÁSSICO E A FORMA CURVILINEAR FECUNDANTE (XXIV). 08-07-1956. OS PRIMEIROS BAILADOS DO HOMEM – A LAVADEIRA TEÓRICA DO SÉCULO XV – MOVIMENTO DE DESTINO (XXV). 15-07-1956. A IMITAÇÃO DA MORTE – O ISOLAMENTO DAS PONTAS DO CORPO – OS VALORES MÍSTICOS (XXVI). 22-07-1956. NO INÍCIO TODOS SÃO IDIOTAS – O BAILADO ARBÓREO DO PRIMATA – VISÃO GEOGRÁFICA E INTELIGÊNCIA – LINGUAGEM E ESCURIDÃO – A ORIGEM POPULAR DA CASACA – O LABREGO ALEMÃO E O SOLDADO DE INFANTARIA DE LUIZ XV (XXVII). 29-07-1956. O PRIMEIRO TRATADO DE PAZ ENTRE O HOMEM E A MULHER – A INTELIGÊNCIA SURGE DO ASSASSINATO – A ORIGEM POPULAR DA CALÇA (XXVIII). 05-08-1956. HOMO FABER E HOMO SÓCIO SURGEM DO ASSASSINATO – A COR DA BONDADE – AS CRIANÇAS ETERNAS – A TOGA PRAETEXTA E O SEGUNDO TRATADO DE PAZ – O TRAJO DO SEXO MAIS FRACO – A ORIGEM POPULAR DA TOGA (XXIX). 12-08-1956. TORTURA E ASSASSÍNIO DO HOMEM – O FEMINISMO E A CALÇA – SANTA JOANA, A PRIMEIRA ESTÁTUA DA LIBERDADE – O FUTURO SEXO FRACO (XXX). 19-08-1956. A POSIÇÃO DA CINTURA E AS REVOLUÇÕES POPULARES – O HOMEM ERECTO – O PENSADOR E O LUTADOR – AS QUATRO EQUAÇÕES FUNDAMENTAIS DO HOMEM ERECTO (XXXI). 28-08-1956. O TRAJO DO HOMEM E O TRAJO DO ANIMAL – AS IDADES PÚBERES DA HISTÓRIA E O COMUNISMO – O HOMEM POLAR – AS DIFERENÇAS ENTRE OS SEXOS E O DESAPARECIMENTO DAS ESPÉCIES (XXXII). 02-09-1956. SONHO E REALIDADE – ALMA E CHAPÉU – AS IDADES PÚBERES ANDAM SEM CHAPÉU – O HOMEM DO SÉCULO XXII (XXXIII). 09-09-1956. OS CHAPÉUS DOS HOMENS SEM ALMA E OS ARQUÉTIPOS DOS MARES PRÉCAMBRIANOS – OS HOMENS PRÉ-PRIMITIVOS – A ORIGEM POPULAR DOS ARISTOCRÁTICOS – CHAPÉU CÔNICO E CARTOLA (XXXIV). 16-09-1956. O HOMEM CILÍNDRICO – A MORFOLOGIA DA VIDA – O CHAPÉU INTERMEDIÁRIO ENTRE HOMEM COM ALMA E O HOMEM SEM ALAMA (XXXV). 23-09-1956. O COTURNO TRÁGICO – O PÉ, O CHÃO E A FUGA DO REI – A NOBREZA E A ALMA – O GRANDE BALLET DO REI (XXXVI). 30-09-1956. AS JÓIAS – O PAVOR QUE TRAZIA A PALAVRA LIBERDADE – OS PRISIONEIROS DE ETERNIDADE (XXXVII). 07-10-1956. A ORIGEM TRÁGICA DAS JÓIAS – O CINGULUM, O ANLE DE INFIBULAÇÃO, A CASTIDADE E O ERRO DO DR. STRATZ (XXXVIII). 14-10-1956. A COROA IMPERIAL, E A COROA DE ESPINHOS – O SONHO DO HOMEM ATEU E A FÁBULA DOS TEMPOS – INVESTIGANDO A ALMA O HOMEM PENSA LIVRAR-SE DA ESCRAVIDÃO – O SONHO DO ESCRAVO (XXXIX). 21-10-1956.
18
Bibliografia FLÁVIO DE CARVALHO Pastas 07, 09 e 12, pertencentes ao CEDAE, IEL/UNICAMP. BAUDOT, François. Moda do século.São Paulo: Cosac Naify, 2002. BOUCHER, François. A History of Costume in the West. BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura In Questões de sociologia. P. 154-161. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. CRANE, Diana. Vestuário feminino como resistência não-verbal: fronteiras simbólicas, vestuário alternativo e espaço público In A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. P. 197268. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006. JONES, Sue Jenkyn. Fashion design: manual do estilista. São Paulo: Cosac Naify, 2005. HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades complexas. São Paulo: Companhia da Letras, 1991. LURIE, Alison. O espírito das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. MENDES, S. Haye, M.. A moda do século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MÜLLER, Florence. Arte & Moda. São Paulo, Cosac & Naify, 2000. SANGIRARDI JUNIOR. Flávio de Carvalho: o revolucionário romântico. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1985. SOUZA, Gilda de Melo e. O espírito das roupas: a moda no século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. TOLEDO, J. Flávio de Carvalho: o comedor de emoções. São Paulo: Brasiliense; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1994. Referências imagéticas e dicionários: O’HARA, Georgina. Enciclopédia da moda: de 1840 a década de 80.São Paulo: Companhia das Letras, 1992. KÖHLER, Carl. História do vestuário. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
19