Microcrônicas 2

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a. a. de assis

Microcrônicas 2 Maringá Edição do autor 2017

© Copyleft 2017 Antonio Augusto de Assis (Autorizo cópia do todo ou de partes, desde que citem o autor e a fonte)


1 No princípio era a paz. Até que uma vez uma cerca se fez. 2 Tão simples, meu santo: “Ame e faça o que quiser”. O resto é discurso. 3 Terra prometida. A fé abre ao meio o mar para o amor passar. 4 Estrela cadente. Vaga-lumes se alvoroçam cobiçando a vaga. 5 Ao luar, no Paraíso, o primeiro jantar a dois. Que deu no que deu. 6 Posso viver sem ter nada; porém jamais sem ter-nura. 7 Florzinha silvestre no jardim do shopping-center. Êxodo rural. 8 Assanhadas rosas. Disputam a preferência de um raio de sol.


9 Quem foi que afinal tantas florestas derrubou? Foi o pica-pau?... 10 No meio do pasto um ponto de exclamação. Último coqueiro. 11 Nobre girassol. Como podem, no mercado, chamá-lo commodity? 12 Mosca na parede. Avisem à lagartixa que o jantar chegou. 13 Mão de jardineiro. Num leve toque faz do esterco a flor. 14 Me explique, violeta, explique: como pode, tão humilde, ser você tão chique? 15 Corrija-se a tempo. Mais de mater que magistra necessita o mundo. 16 Se tiver apoio, bem que pode um dia virar trigo o joio.


17 Li num alfarrábio: de pobre se sobe a rico, porém não de rico a sábio. 18 Na Idade da Pedra talvez já se comentasse: – É uma pedra a idade. 19 Sabiá caçando. Nem só de gorjeios vive, mas também de insetos. 20 Perdoa, Platão. Transformamos a Kallipolis numa Bad City... 21 Outrora havia banda no coreto do jardim. Onde mora o outrora? 22 Pra lá e pra cá. Enfim, de que lado ficará o pêndulo? 23 Dizem que a cigarra nada faz senão cantar. Ah, é indispensável. 24 Troca de alianças. O futuro escolhido a dedo.


25 Curvada, a velhinha cata o cocô do cãozinho. Civilização. 26 Ah, espelho meu. Cada vez que em ti me vejo, vejo menos eu. 27 Na segunda, até os segundos seguem devagar. 28 Maringá feliz. Abriga e escuta ainda sabiás e bem-te-vis. 29 Um pingo de luz no topo do arranha-céu. Brincando de estrela. 30 Parábola bela. Mas e a mãe do filho pródigo, onde estava ela? 31 Balança o palanque. O peso na consciência do nobre orador. 32 As rosas no cio. Sedutoramente esperam pelo beija-flor.


33 Cada mês que passa vai passando a ser passado. Nós também. 34 Santo mesmo é o peixe. Sequer precisou da arca para se salvar. 35 Casal de velhinhos na janela olhando a Lua. Tão longe a de mel... 36 Futuro adiado. Ainda há gente que namora escrevendo cartas. 37 Doce portuñol. Para los niños los nidos... y los abuelos. 38 Do dente por dente ao voto por dentadura. A lei da mordida. 39 Flores na enxurrada. Vão ter afinal bom hálito as bocas de lobo. 40 Veja a parasita: parece gente que a gente acha até bonita...


41 Teste de audição. Canta ao longe um passarinho... e eu posso escutar. 42 Ouro, incenso e mirra. Que será que fez Jesus com tais luxozinhos? 43 Tens que ter estudo. Sem estudo és nada. 44 Cubram-se as estrelas. Tem gente capaz de ao vê-las lhes roubar as pilhas. 45 Tão meninas elas, as meninas dos teus olhos. Pedem colo, ainda. 46 Garrincha e Pelé. Depois deles nunca mais houve igual olé. 47 Crocante e cheiroso, com garapa, na feirinha. Pastel de saudade. 48 Um pulo, medalha. Milhões de cabeças boas tão longe das loas.


49 Chovem meteoritos. Enxame de pirilampos na noite da roça. 50 Na fila de idosos, troca-troca de sintomas. Quem não tem inventa. 51 Nós e os nossos rios, cada qual segue o seu curso. Reencontro na foz. 52 Labor, ciência e ternura. Quanto mais amado, mais produz o chão. 53 Viva a companheira... Valeu perder por ela o jardim do Éden. 54 Zunzunzum... zunzum... É um pernilongo brincando de fórmula um. 55 Menina se abaixa, acaricia a flor, sorri. Amigas se entendem. 56 Apressados passos passam nas pistas do parque. Por que não passeiam?


57 Era transromântica. A poesia hoje se nutre na física quântica. 58 Homo erectus. Não nasci para ser vírgula; sou ponto de exclamação. 59 Um homem ao relento no gelado chão. Por que não samaritamos? 60 Tinha um pé de pinha no quintal vizinho. Tinha. Nem quintal tem mais. 61 Era um frango assado, e além de assado era assim. Teve à mesa um fim. 62 Velhinhos na praça jogando conversa fora. Também jogam damas. 63 Era uma era em que o neto ouvia histórias do avô. Aí veio o celular... 64 Matuto, matuto... chego enfim à conclusão: que matuto eu sou...


65 Nunca fui à Lua. Tampouco a Viena. Porém amo as duas. 66 O Sol que se cuide. Volta e meia a meia-lua chega em casa cheia. 67 Ave, avós. Hão de um dia devolver a vós a voz. 68 Amor é isto e tão só: ou dá certo e é fogo vivo, ou dá curto e vira pó... 69 Mataram Jesus. E Jesus queria apenas acender a luz. 70 "Deixai vir a mim, em paz e sãs, as criancinhas." Não estão deixando. 71 Serra-serra, será dor. Cessa a serra, será flor. 72 Que bom ver de novo o verde. Ver de novo a vida.


73 No cosmo, a cosmética: o puro, a verdade e o bem. A perfeita estética. 74 “Pedro, tu és pedra”. Empresta uma a Francisco pra reconstrução. 75 Um pingo... dois pingos... não parou mais de pingar. E se fez o mar. 76 Nobre flamboyant. O facho que traz nos cachos acende a manhã. 77 Branquinhas, branquinhas, voam as garças em V. Vitória da paz. 78 Profissão de fé: eu creio que Deus existe porque Deus existe. 79 Infinda é a esperança. Os galos cantam ainda na aurora de cada dia. 80 Bem-aventurados os que sonham. Chama-os Deus poetas.


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