ANO 2 Nº. 4 EDIÇÃO DE ROSH HASHANÁ 5780 - SETEMBRO 2019

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ANO 2 Nº. 4 EDIÇÃO DE ROSH HASHANÁ 5780 - SETEMBRO 2019

Machzor:

UMA LITURGIA DO

SAGRADO E SUA ARTE

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SHANÁ TOVÁ A toda a querida Kehilá de Manaus, são os votos de Jaime, Anne e José Benchimol, e de Rebeca, Joshua, Benjamin e Daniel Neman.


Desejamos a todo Am Israel

SHANÁ TOVÁ UMEVORECHET Sergio Benchimol e família 3


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Diretor/Editor Executivo Elias Salgado Editora Executiva Regina Igel Diretor de Arte e Design Eddy Zlotnitzki

Correspondente Internacional Henrique Cymerman Benarroch Literatura Cristina Konder Conselho Editorial HOMENAGEM ESPECIAL: Prof. Samuel Isaac Benchimol z”l Andre de Lemos Freixo Fernando Lattman-Weltman Heliete Vaitsman Henrique Cymerman Benarroch Ilana Feldman Isaac Dahan Jeffrey Lesser Michel Gherman Monica Grin Monique Sochaczewski Goldfeld Regina Igel Renato Athias Wagner Bentes Lins Editor Elias Salgado Projeto gráfico e arte diagramação Eddy Zlotnitzki Revisão Regina Igel Colaboram neste número Paulo Valadares Incluí o Suplemento Amazônia Judaica

Universo Sefarad é uma publicação da Talu Cultural

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EDITORIAL Como saber se o conteúdo de uma revista e de um suplemento pode lhe interessar? Tem-se duas opções: perguntar para quem já leu ou... ler o Editorial! Esta última opção está aqui, um resumo do que os espera adiante, na escrita e em fotos, ao ler os artigos e observar as imagens reproduzidas nesta edição. Primeiro, a matéria da capa: Machzor (em hebraico: ‫מחזור‬‎, significa ‘ciclo’) é um livro de orações, com descrições da liturgia para os chamados Grandes Dias: o início do Ano Novo e Iom Quipur (Dia da Manifestação de pecados e pedidos de perdão) – é matéria extraordinária nesta revista. Vejam as reproduções de algumas das páginas destes livros em várias épocas passadas, principalmente na Idade Média: vão se extasiar, garantimos, com a beleza das ‘iluminuras’, como são chamadas as letras que abrem capítulos, expostas por desenhos primorosos, decorativos e coloridos, aplicados em dourado e em cores fortes. As iluminuras são bastante conhecidas por manuscritos produzidos em conventos medievais, mas os judeus da Idade Média também tinham seus escribas talentosos, que caprichavam nas letras ‘iluminadas’, que chamavam a atenção dos leitores não só para a beleza inigualável das tais figuras, como também para o texto a que se referiam. Há muito mais do que um machzor no medievalismo judaico e alguns deles poderão ser vistos nesta edição. A revista traz uma novidade: o Suplemento Amazônia Judaica. É nossa “menina dos olhos”, a Amazônia Judaica... porque com ela iniciamos e com ela continuamos, graças a seu interesse, leitores! No Suplemento vocês estão convidados a ler o ensaio sobre as mulheres sefarditas que engrandeceram (e continuam a fazê-lo) nossa cultura judaica. Pouco se escreve sobre elas (aliás, nossa ênfase vem ao encontro de todos os que se dedicam a não esquecer as minorias!) e este relato do nosso editor Elias Salgado sobreleva a figura feminina judia na região amazônica. E, falando nesta área, não deixem de ler minha resenha a respeito do livro de Márcio Souza (ele também descendente de sefarditas de origem marroquina), que faz um relato completo, instigante, interessantíssimo, da História da Amazônia! Já li muito sobre a floresta, seus habitantes, suas idiossincrasias (típicas de uma floresta tropical) e cheguei a pensar que já soubesse bastante... mas o que esta obra informa é muito mais do que encontrei em livros avulsos. Ela traz em seu bojo toda a história passada, muitos dos problemas do presente e conjecturas sobre o futuro desse bioma e sua incrível diversidade vegetal e animal (incluindo o reino dos humanos). Depois de ler a resenha, aposto que vão querer ler o livro. é para ser lido, guardado e consultado. É uma joia. Tenham todos boas horas de leitura desta nossa edição e aproveitamos para lhes desejar a todos, judeus e não judeus, um Bom Ano Novo (que está começando)! Shaná Tová.

Regina Igel, Editora Executiva


ÍNDICE

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HISTÓRIA Sefaradim na Rússia

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INTERETNIAS Sefaradim e mizrahim negligenciados

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LITERATURA LITURGIA O machzor em todo seu esplendor

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DO NOSSO LEITOR

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SUPLEMENTO UNIVERSO AMAZÔNIA JUDAICA

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O MUNDO O perigo que vem da Europa

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HISTÓRIA

LEVANDO AS FRONTEIRAS IBÉRICAS PARA BEM LONGE:

SEFARADIS NA RUSSIA

Ilustração do livro “Guerra e Paz”, Napoleão em Vyazma, por Leonid Pasternak

Vivo entre filhos e netos de bessarabers (em ídiche, naturais da Bessarábia, hoje Moldávia). Eles são majoritários entre os judeus de S. Paulo; mesmo assim, pouco sabia de “portugueses” na Rússia, apesar de conhecer uma família desta origem por aqui: os Portugheis de Calaratchi, da antiga Bessarábia PAULO VALADARES (Autor de Caiu na rede é post, Editora Talu Cultural 2019) 6 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019


S

Jewish Surnames from the Russian Empire (1993), do franco-russo Alexander Beider, encontramos alguns destes casos: os Abulafev (Abulafia) de Mogilev, os Abarbanel de Vitebsk e Kiev, os Kuriel de Odessa, os Delion de Kherson e Odessa e por aí vai. Como eles existem documentalmente, resolvi contar a vida de três deles, que podem revelar quem são, pelo que passaram e o que aconteceu aos outros menos visíveis.

ó quando o Dr. Rashid Kaplanov (1949-2007), pesquisador russo deste tema, esteve por aqui e descreveu o português Ribeiro Sanches como o “primeiro intelectual judeu” na Rússia, resolvi olhar para lá. Os sefaraditas turcos sabiam que no interior da Europa viviam outros judeus, os ashkenazim, a quem chamavam de “mas-semejas”. Sabiam deles pelos rabinos e também porque encontravam alguns pelos bairros das cidades, que buscavam chegar à Terra Santa. Uma parentela de rabinos de lá tomou o nome Eskenazi. Poucos sefaradis tinham interesse em conhecer estas terras longínquas, ali já estavam bem; apenas aventureiros e profissionais religiosos manifestavam o interesse da exploração. Esses migrantes para o Leste Europeu geralmente eram homens solteiros e refaziam suas vidas por lá. Casavam-se com judias locais e com o passar das gerações desapareciam entre os autóctones, restando apenas um nome mais extravagante, algum costume anterior. Examinado o Dictionary of

O alfaiate David Markish

O poeta Peretz Markish, seu filho

PERETZ MARKISH, a tragédia de um poeta idish Seria um Marques-português o ancestral da linha masculina (varonia). Não se sabe documentalmente de onde ele veio e quem era. Na falta de um ancestral, escolheram um conhecido: Lourenço Marques (sic). Com o tempo este ádvena tornou-se uma lenda dentro da parentela, marca de distinção familiar. O alfaiate David Markish orgulhava-se desta origem e repassou ao filho Peretz o kavod (motivo de orgulho) familiar. Peretz Davidovich Markish 7


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HISTÓRIA

(1895-1952) nasceu na Volínia (região no noroeste da Ucrânia). Entrou na vida adulta num momento de ruptura política: fora ferido na Guerra e vivera a Revolução de Outubro de 1917. Reuniu-se depois a poetas judeus, que se expressavam em idish, entrando assim para a vida literária. Viveu por anos no Exterior e quando voltou, inseriu-se na política. Ficou visível. Deu-se mal. Os adversários seguiram o modelo usado em qualquer luta política: os jornais começaram a campanha através de artigos e caricaturas contra eles (o grupo); logo, aqueles que fazem cenas de multidão em política se indignaram e os promotores incorruptíveis entraram em ação. Treze personalidades da elite cultural judaicosoviética foram presas como inimigos do Povo e sem ter o que confessar, foram espancadas e privadas do sono continuadamente até se “provar” que eram culpadas. Ele, PERETZ MARKISH, poeta, 57 anos; DAVID HOFSTEIN, poeta, 63 anos; LEIB KWITKO, poeta, 62 anos; ISAAC FEFFER, poeta, 52 anos; DAVID BERGELSON, novelista, 68 anos; SOLOMON LOZOVSKY, diplomata, 74 anos; BORIS SHIMELIOVICH, médico, 60 anos; BENJAMIN ZUSKIN, ator, 53 anos; JOSEPH YUZEFOVICH, historiador, 62 anos; LEON TALMY, tradutor, 59 anos; ILYA VATENBERG, tradutor, 65 anos; CHAIKA OSTROVSKAIA (esposa de Ilya), tradutora, 51 anos; EMILIA TEUMIN, diplomata, 47 anos; e SOLOMON BREGMAN (este morreu de problemas cardíacos), diplomata, 57 anos; foram fuzilados um a um na prisão de Lubianka em 1952. Passada a tragédia, a família tomou rumos 8 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

diferentes. David, filho do poeta, foi exilado no Cazaquistão e só voltou quando o pai foi “reabilitado”, em 1953. Escritor, optou por ir viver em Israel. Subiu a Eretz em 1973, onde continuou a fazer poesia. Na sua obra poética encontrei linhas onde se conta a passagem da família pela Rússia: “Eu falo de nós, os filhos de Sinai; / Sobre nós, cuja visão é aquecida por outro calor, / Deixe o povo russo ir por um caminho diferente / Nós não nos importamos com os assuntos eslavos. / Comemos o pão deles, mas pagamos com sangue (...)” O sobrinho de David e neto do poeta, o Padre Macarios, 65 anos, tornou-se sacerdote cristãoortodoxo. Ocupa o seu tempo cristianizando ex-comunistas, trazendo prosélitos para a sua opção religiosa.

BORIS PASTERNAK, o criador do romance Dr. Jivago Guerra é, principalmente, business. Junto ao exército de Napoleão, seguiam comerciantes fornecendo víveres e roupas para as tropas. Na invasão à Rússia, alguns ficaram e entre eles um Abravanel. A ascendência em David HaMelech era o kavod familiar, porém o documento contendo a árvore genealógica queimou-se num incêndio. Restou apenas o brasão dos A. usado por eles. Kiwa Isaac Pasternak foi um comerciante rico, mas não se descuidou da vida comunal: foi um dos fundadores da Chevra


Kadisha (sociedade formada por judeus para orientar/organizar funerais e enterro) de Odessa – algo que pode ser visto como o início da comunidade local. Boris Leonidovich Pasternak (1890-1960), bisneto de Kiwa e filho de um pintor famoso, nasceu rico e teve uma educação requintada. Dedicou-se integralmente à literatura, como poeta e, acidentalmente, como romancista. Na construção de sua persona literária, ele difundiu que Akulina Gabrielovna, sua babá, o batizara na Igreja Ortodoxa Russa. No entanto, sempre se identificou como “judeu”.

Boris Pasternak, sua esposa Eugenia Luria e o filho Yevgeni, futuro crítico literário

O seu sucesso foi o romance “Dr. Jivago” (1956). Ele começou a escrevê-lo nos anos 10´s. O pano de fundo é a Revolução de Outubro e como modificou a vida de um médico e duas mulheres. Foi recusado pelo establishment comunista como contendo críticas infundadas ao regime. O texto ficou na gaveta até o editor italiano Feltrinelli publicá-lo. As agências americanas de informações perceberam nele um potencial de desestabilização dos soviéticos, incentivaram sua publicação na América e fizeram lobby para 9


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HISTÓRIA

que ganhasse o Nobel de Literatura. E tal aconteceu em 1958: mas, pressionado pelas autoridades, ele renunciou ao Prêmio. Desde 2013, o romance é leitura obrigatória na rede educacional russa. B. L. Pasternak foi sepultado como cristãoortodoxo.

R. ELIEZER ZUSSIA PORTUGAL, o Pai dos Órfãos Não é preciso procurar a genealogia, basta olhar o rótulo na mala de viagem e que se tornou o nome da família (,‫פורטוגל‬Portugal). Identificam-se como descendentes dos judeus expulsos de Portugal, que se estabeleceram às margens do rio Prut (entre Moldóvia - antiga

R. Eliezer Zussia Portugal 10 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

Bessarábia -, Ucrânia e Romênia). A dinastia dos “Skuleners Rebbes” começou com o R.(Rabino) Israel Abraham Portugal (1833-1915), filho de Haim Yehuda Portugal, em Skulen, Bessarábia, um lugarejo de 1555 judeus para uma população de 3375 habitantes em 1897. Discípulo do R. Yeshaiah Shor, “bisneto” na linhagem espiritual de Baal Shem Tov (1698-1760), fundador do Hassidismo e filho de exilado sefaradi. R. Israel Abraham Portugal foi autor do livro Shem uSh’aris Yisroel. Casou-se com Leah Reizel, filha do R. Haim Shor de Satanov, ABD (chefe de um tribunal) de Slapkowitz (Podólia). Era reputado como Gaon e Tzadik, isto é, sábio e piedoso. O seu filho, o R. Eliezer (“Alexandru”) Zussia Portugal (1898-1982), teve uma boa formação. Já aos dezessete anos substituiu o pai como rabino em Skuleni, quando do seu falecimento. Ele casou-se também com a filha de um rabino importante. Apesar de ter escrito vários livros, compositor de niggunim (canções apenas trauteadas), foi notável não pela erudição, mas pela compaixão. A sua mitsvá seria esta, como relatada a seguir: Durante a Segunda Guer-


Todos o chamavam de “tate” (pai). Hoje, se encontrar um judeu Portugal em Israel, provavelmente é um descendente dos seus órfãos. A atividade desagradou as autoridades comunistas romenas, que o prenderam. Imediatamente, o Lubavitcher Rebbe e outros rabinos americanos fizeram campanha por sua libertação. Em 1960 chegou aos Estados Unidos, onde organizou-se como um grupo hassídico ao fundar a sua sinagoga, assumiu como Admor e 1º Skulener Rebbe, porém não fundou nenhum seminário: “o que minha ieshiva acrescentaria às outras?”. Ao falecer, foi substituído pelo filho Rabino Israel Abraham Portugal (1923-2019) e este, pelo filho Rabino Yeshaya Yaakov Portugal.

CONCLUSÃO Muitos caminhos os levaram à Rússia, onde chegaram ao longo das redes das feiras européias ou atrás das conquistas otomanas.

Repouso: Cemitério Vizhnitzer, Monsey

ra, Eliezer Zussia Portugal viveu no gueto de Chernovitz e na Transnitria. Com seu término, passou a ocupar-se dos órfãos judeus, que ele via como o “resgate dos cativos” (ressonância do passado sefaradi). Chegou a adotar trezentos órfãos e teve com a esposa apenas um filho, a quem deu o nome do avô, Israel Avraham.

Os judeus ibéricos que se assentaram no Império Czarista puderam se inserir nas comunidades locais, adotaram o idish como idioma franco e os seus descendentes só lembravam desta origem como uma curiosidade e distinção social.

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LITURGIA

C

ontudo, dadas as várias e diferentes liturgias existentes entre os serviços dos dias comuns e os das Grandes Festas, a necessidade de uma versão especial do sidur (livro de orações diárias, colocadas na ordem em que devem ser lidas) foi reconhecida por algumas das mais antigas autoridades rabínicas e, consequentemente, o primeiro machzor (livro de orações para o Ano Novo – Rosh Hashaná – e Yom Quipur, Dia do Jejum) foi escrito incorporando essas variações litúrgicas e elementos afins. O machzor (da raíz hebraica hrz – hazor significa ciclo ou repetição) não contém apenas a liturgia básica, mas também vários piutim, poemas litúrgicos específicos das festividades nas quais o machzor é necessário. (Leia o ‘ch’ de ‘Machzor’ como se fosse r duplo: rr.) Várias orações que são ditas diariamente ou semanalmente no Shabat também estão no machzor, mas são cantadas com melodias que só se cantam nas festas. A maioria dos machzorim (no plural) contém somente texto e não notas musicais; as melodias, entre as quais muitas são bem antigas, foram transmitidas oralmente de geração a geração. Grande número de machzorim foram elaborados, manuscritos e ilustrados durante a Idade Média. Em muitos deles se encontram ilustrações em dourado, as chamadas ‘iluminuras medievais’, representando os textos inseridos seja por desenhos de homens, mulheres, flores, animais, estrelas, sol e lua. Alguns atravessaram os séculos e chegaram até nós – tendo percorrido os mais variados caminhos e sobrevivendo às mais calamitosas 14 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

Machzor:

Registro de um Ciclo Sagrado Alguns dos mais antigos livros de orações judaicas datam do século 10. Eles contêm a ordem das rezas diárias


Machzor de Nurenberg – manuscrito feito no sul da Alemanha, em 1331. Pelas margens do texto principal (visíveis na foto acima), encontram-se os comentários de rabinos e estudiosos das leis judaicas. Reparem na iluminura, isto é, letras em hebraico que brilham à luz artificial ou à luz do sol

Machzor de Leipzig, cerca de 1320. A página ilustra o poema atribuído a Salomão, “Cântico dos Cânticos”. Os desenhos são típicos da Idade Média, suas colunas e muralhas 15


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LITURGIA

circunstâncias que assolaram o povo judeu.

O MACHZOR VITRY O mais antigo e raro machzor que se conhece é o Machzor Vitry. Este machzor possui apenas onze manuscritos originais do século XI da Era Comum, se bem que várias outras edições e traduções foram publicadas ao longo do tempo até os dias atuais. A obra é atribuída ao rabino e estudioso francês Simcha Ben Shmuel de Vitri (c.1070–c.1105), que era discípulo de Shlomo Ben Itzhak de Troys (1040-1105), mais conhecido como Rashi (um acrônimo formado por seu título e seu nome: Rabino Shlomo ben Itzhak). O volume inclui orações para todo o ano e leis pertinentes às festas judaicas anuais, aos costumes dos ciclos da vida e tradições.

Página com Comentários sobre as Leis de Rosh Hashaná

A edição do Machzor Vitry, criada a partir de 1250 da Era Comum em diante, apresenta rico conteúdo, no qual há um gênero de literatura adicional, que inclui um suplemento ético, místico e científico, além de um calendário e de testemunho da liturgia legal. A inclusão de tal diversidade de textos sugere que estes machzorim serviam para orar e estudar. Simcha Ben Shmuel de Vitry compilou seu machzor como um compêndio litúrgico e legal. Ele não só incluía o ciclo anual das rezas judaicas baseadas no rito francês (nussach Tzarfat), mas era também baseado em duas fontes judaicas mais antigas, dos Gaonim (sábios versados na liturgia, líderes da comunidade) da Babilônia do 16 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

Machzor de Worms – página ilustrada


Machzor de Worms – É o mais antigo que chegou até nossos dias. Foi escrito em 1272, sendo lido, consultado e cantado por 650 anos. Suas iluminuras são famosas pela riqueza de detalhes nos desenhos como este acima: uma cidade medieval sustentada por duas colunas que simbolizam a sabedoria, a fé e a proteção divina percebidas na liturgia judaica. Contém poemas litúrgicos de grande beleza. Seus dois volumes sobreviveram à destruição do Holocausto e se encontram hoje na Biblioteca Nacional de Jerusalém, em Israel, por doação da Alemanha pós-guerra

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LITURGIA

século 9 da EC. As fontes eram o Seder Amram Gaon e as Halachot Guadolot, assim como os ensinamentos do mestre de Simcha, Shlomo Ben Itzchak de Troys, o Rachi – o mais influente comentarista bíblico e talmudista do seu tempo. O Machzor Vitry é o único trabalho deste gênero da Escola de Rashi que combina liturgia e leis, diferente de outros códigos de leis famosos, como o Sidur Rashi, Sefer HaSedarim, Sefer HaOrah ou Sefer Issur VeCheiter. Intercalado entre orações, há uma seleção variada de leis (halachot), relativas à liturgia judaica anual e às práticas da vida diária: abate ritual (shchitá), pureza familiar (nidá), como também circuncisão (milá) e luto (evel). Isso significa que o manuscrito Machzor Vitry não era usado apenas para rezar, mas também para o estudo. A partir da primeira metade do século 13 da EC, torna-se visível uma expansão desses manuscritos. Uma seleção de extratos ou trabalhos completos é integrada como literatura adicional ao testemunho litúrgico-legal dos manuscritos. Estes trabalhos provém tanto do período talmúdico quanto medieval e são dos seguintes gêneros: legal, ético, midráshico , místico, científico, premonitório e acompanhados de um calendário. Deste período em diante, os manuscritos Machzor Vitry podem ser considerados como uma biblioteca portátil.

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Selo francês em homenagem ao sábio medieval judeu Rachi, comentarista litúrgico nascido e falecido na França. Na gravura, do imenso livro nos seus braços, saem em voo letras em hebraico. Elas chegaram até os nossos dias.

Machzor Orden de Roshasanah y Kipur, Trasladado en Espanol, y de Nuevo Emedado: y Anadido el Selihoth, el qual se dize quareta dias ates del dia de kipur en las madrugadas. Talmud Torah bet Yaahkob Edição e traduzido por Usque, Abraham ben Salomon Publicado por Dauid Abenatar Mello / David Abenatar Melo (Fernão Alvares Melo), Amsterdam (5377 – (1597))


Machzor Ner Rosh Hashaná, editado pela Amazônia Judaica, publicado em Jerusalém, em 2008. Foi elaborado pelo Rabino Moysés Elmescany e o Chazan David Salgado (Elmaleh). É o único de nusach (rito) sefaradimarroquino em hebraico, transliterado e traduzido ao português. Foi editado para atender às comunidades da Amazônia, de todo o Brasil, Portugal e os irmãos bnei anussim (descendentes dos cristãos-novos)

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O MUNDO

A extrema-direita europeia está bloqueada, por enquanto;

ISRAEL DEVERIA ASSEGURAR QUE ASSIM CONTINUASSE

Vice-primeiro ministro italiano, Matteo Salvini

Apesar de seu crescente poder e entricheiramento, a extrema-direita europeia não foi tão bem sucedida nas eleições do Parlamento Europeu, como esperava Henrique Cymerman* Correspondente Internacional Tradução: Regina Igel – Fonte Jerusalem Post

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A

s eleições de maio de 2019 para o Parlamento Europeu bloquearam a invasão da extrema-direita ao Parlamento do Continente e às instituições da UE, por enquanto. No entanto, o bloco conservador e social-democrata perdeu sua maioria de 40 anos e agora terá que formar uma coalizão com os liberais e os verdes. Eleitores nas maiores eleições supranacionais do mundo escolheram 751 representantes de 28 Estados. Medo da extrema-direita gerou um comparecimento recorde, com eleitores abandonando sua complacência usual e indo para as urnas. Cerca de 51 por cento de 425 milhões de eleitores exerceram seu direito democrático, estabelecendo um recorde em 20 anos.

Vinte e um movimentos radicais da direita operam em 28 Estados-membros da UE, desfrutando de uma maioria absoluta ou relativa em alguns deles.

A maioria favoreceu a retirada da UE no passado, mas atualmente está trabalhando em conjunto em todo o continente para alterar a União de dentro para fora. O Vice-primeiro ministro italiano Matteo Salvini, cujo partido Lega subiu de 6% dos votos em 2014 para 34% , afirma que a Europa está mudando. Salvini, projetado para estar entre os líderes da extrema-direita e do bloco de eurocépticos no Parlamento da UE, representa uma linha nacionalista, xenófoba e centralista. Ele não esconde sua admiração por Benito Mussolini e muitas vezes usa expressões similares àquelas usadas pelo líder fascista da Segunda Guerra Mundial. No aniversário de Mussolini, Salvini escreveu no twitter: “Tantos inimigos, quanta honra”, uma variação da famosa frase do “Duce”. Em uma visita recente a Forli, cidade natal de Mussolini, ele se dirigiu à multidão O Parlamento Europeu abre as portas a uma nova legislatura

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O MUNDO

do mesmo balcão em que Mussolini esteve. O partido Fidesz de Viktor Orban recebeu 52% dos votos húngaros; o Rally Nacional de Marine Le Pen acumulou cerca de 23% dos votos franceses (comparado aos 25% de 2014); os neonazistas do Alternativa para a Alemanha receberam 11% dos votos alemães (em comparação aos 7% de 2014). Neo-nazis da Eslováquia conseguiram a mais significativa vitória das eleições com o partido Nossa Eslováquia, que inclui vários negadores do Holocausto e antissemitas, tendo recebido 120.000 votos (12 por cento) em comparação a somente 9.000 em 2014.

O objetivo comum da extrema-direita da Europa é introduzir um cavalo de Troia no coração do Continente para espalhar uma mensagem de medo, extinguir as fronteiras atuais da Europa e redesenhá-las. Eles querem uma Europa branca, cristã, nacionalista, sem imigrantes e estrangeiros. A crise financeira de 2008, junto à crise do Oriente Médio e dos refugiados africanos que sonham em morar na Europa, intensificou o debate sobre a muito necessária união de 520 milhões de europeus e a ameaça iminente sobre a Europa cristã. Os fantasmas da Europa da Segunda Guerra ressurgiram e poderiam ser materializados se 22 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

Marine Le Pen, presidente do partido francês, Rally nacional

uma crise financeira entrar em erupção novamente. A rebelião populista do século XXI não é necessariamente dos pobres; é um protesto da classe média conservadora que se sente traída em seus direitos, trabalho e no orgulho nacional. Seus membros são os grandes perdedores da globalização, que se sentem nostálgicos de um passado de glórias, com alguns sonhando em ser parte de um império mais uma vez. Steve Bannon, ex-assessor do Presidente Trump, passou bastante tempo na Europa antes das eleições, em uma tentativa de estabelecer e organizar um bloco de direita nacionalista que ditaria o futuro da Europa – através do Parlamento Europeu e nos Estados-membros. Depois de vencer as eleições nacionais na Itália, a França parece ser o próximo alvo da direita radical. França e Itália, que estavam entre os fundadores da Comunidade Europeia, depois de duas guerras mundiais e dezenas de milhões


de mortes, agora estão vendo grupos antieuropeus em altas colocações nas eleições para o Parlamento Europeu. O presidente francês Emmanuel Macron classificou a extrema-direita liderada por Salvini, Le Pen e Orban como «uma lepra que se espalha».

Ironicamente, a extrema-direita europeia, que desperta todos os fantasmas do passado, está buscando um selo de aprovação do Estado de Israel, a fim de aumentar sua popularidade no Continente. Salvini condena o antissemitismo em qualquer oportunidade e se deu ao trabalho de recentemente ir a Jerusalém e ao Memorial do Holocausto Yad Vashem. Enquanto Jean Marie Le Pen, o antigo líder da extrema-direita na França, afirmou que a aniquilação dos judeus europeus foi apenas “um detalhe” da Segunda Guerra Mundial, sua filha Marine tenta

Primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, do partido Fidesz

distanciar o antissemitismo de seu partido e mobiliza judeus franceses para limpar seu nome. Nas eleições presidenciais francesas de 2017, 11 milhões de franceses, mais do que um terço do eleitorado, votou nela. Le Pen exige a França para os franceses e deseja a Presidência do seu país. Israel tem um interesse significativo no desenvolvimento do continente vizinho, que lhe

Crescimento assustador do neo-nazismo na Europa

proporciona importante apoio social e cultural, na economia e na segurança. Laços entre Israel e a Europa são profundos, bons e em progresso, apesar das divergências políticas e frequentes críticas da UE à política de Israel em relação à Palestina. Governos israelenses recentes tentaram uma brecha entre os Estados europeus críticos a Israel e os governos europeus nacionalistas e populistas que estão alinhados com o país. O bloco liderado por Salvini e Le Pen vai tentar influenciar a política e a legislação europeias a fim de limitarem críticas contra Israel.

No entanto, a maioria dos judeus europeus não cai nesta armadilha. Eles entendem que, para além da retórica agradável, alguns líderes da extremadireita procuram minimizar seus antissemitismo e xenofobia em uma reforma superficial que irá gerar lucros políticos para eles. Líderes judeus e rabinos na Europa estão monitorando bem de perto os resultados da eleição e expressando preocupação sobre a criação de um bloco de extrema-direita no coração da Europa, no centro de suas decisões inter-parlamentares. 23


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O MUNDO

Muito poucos israelenses se emocionaram quando Salvini colocou uma coroa de flores no Yad Vashem, há alguns meses.

O presidente Reuven Rivlin tem rejeitado com insistência todas as tentativas de relacionamento de qualquer natureza com a direita nacionalista europeia. Num passo fora do comum, ele expressou seu apoio a Macron e ignorou Le Pen durante a eleição nacional francesa. Ninguém está dizendo que Israel deve cortar seus laços com os Estados onde a extrema-direita ganhou o poder. No entanto, o país deveria se relacionar com eles numa mescla de respeito e suspeita, mais do que expressar uma eterna amizade por eles. O presidente Rivlin sabe que este é um baile de máscaras orquestrado pela extremadireita. O Ministério de Relações Exteriores também sabe disto e insiste em que Israel evite laços com elementos tais como Alternativa para a Alemanha e o Partido da Liberdade, da Áustria. Israel precisa continuar a fortalecer seus laços nos campos científico, de defesa, da economia, da cultura e tecnologia com a Europa. O país deve almejar ter relações positivas com a Europa, apesar das críticas a Israel a respeito da questão palestina e dar preferência a seus aliados democráticos mesmo quando discordar deles. Israel também precisa mostrar sensibilidade em relação aos receios das comunidades judaicas europeias pelo 24 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

Reuven Rivlin, Presidente de Israel

crescimento da direita e suas preocupações sobre as repercussões de decisões tomadas em Jerusalém. Apesar de seu crescente poder e entricheiramento, a extrema-direita europeia não foi tão bem sucedida nas eleições do Parlamento Europeu, como esperava. A maioria dos cidadãos europeus continuou escolhendo partidos leais à integração europeia e aos valores democráticos-liberais. No entanto, a luta contra a extrema-direita continua e Israel tem um papel a desenvolver. O país precisa colocar-se do lado certo da escala dos valores e ajudar a bloquear a “lepra” europeia.

* Henrique Cymerman é jornalista de televisão, receptor de inúmeros prêmios em Direitos Humanos e Jornalismo. Ele acompanha a ascensão da direita europeia e tem divulgado este tema na Escola de Administração Governamental no Centro Interdisciplinar de Herzliya, em Israel. Este artigo foi escrito para Mitvim – Instituto Israelense de Políticas Externas Regionais.


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INTERETNIAS

PRECONCEITO CONTRA OS SEFARDITAS TESTA A UNIDADE JUDAICA Aqui [nos Estados Unidos] e em Israel, a história dos judeus Mizrahim / Sefarditas foi negligenciada pelo establishment

Publicado pelo site União Sefarad IsraelIbero-Americana (Fonte: Jewish Week Times of Israel) Tradução e adaptação: Dauri Ximenes

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Matti Friedman e Mijal Bitton, em debate na Sinago Park Avenue

M

atti Friedman, o premiado jornalista e escritor israelense, diz que escolheu escrever seu último livro sobre um pequeno grupo de espiões judeus de fala árabe no Israel pré-1948, por dois motivos. É um “ótimo fio”, disse ele a um público de mais de 400 pessoas, em 6 de maio, durante o fórum patrocinado pela Semana Judaica em parceria com a Federação Filantrópica UJA (United Jewish Appeal) de Nova York, Natan e a Sinagoga Park Avenue. Em um nível mais profundo, o livro destaca o papel muitas vezes subestimado dos judeus mizrahim – aqueles provenientes de países árabes e islâmicos - na heroica fundação do Estado judeu. Friedman estava conversando com Mijal Bitton, uma colega de residência no Shalom Hartman Institute e Rosh Kehilla do Downtown Minyan. Sua discussão perspicaz ficou comigo muito tempo depois, lembrando-me que a


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INTERETNIAS

Refugiados mizrahim, a caminho de Israel, nos primeiros anos da fundação do país

comunidade, incluindo este jornal, deveria estar mais atenta para refletir acerca do fato de que nem todos os judeus americanos são ashkenazim. O livro altamente elogiado de Friedman, Spies of No Country: Secret Lives at the Birth of Israel (“Espiões de Nenhum País: vidas secretas no nascimento de Israel” (2019, Algonquin), enfoca a dupla identidade de quatro jovens na Palestina em meados da década de 1940, que arriscaram suas vidas por um país em formação. Ou, como ele observou ao descrever a complexidade de suas vidas, eles eram refugiados judeus de países árabes que fingiam ser refugiados árabes de comunidades judaicas. Recrutados para formar um setor de fala árabe do esforço incipiente de inteligência judaica que se tornaria o Mossad, os jovens posaram como árabes em Damasco, Beirute e outros 28 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

locais inimigos, sabendo que um deslize da língua poderia significar a morte. “Não só eles estavam lutando com múltiplas identidades como espiões”, observou Friedman, “mas também com o fato de serem aceitos como israelenses” em uma sociedade que tinha 90% de ashkenazim à época. Ele explicou que depois de se mudar para o Canadá, há 24 anos, quando tinha 17 anos, o mesmo percebeu que a narrativa tradicional ashkenazita “não explica Israel de hoje” e, por conseguinte, assim poderia abordar o fato de que há histórias que precisam ser contadas sobre esse segmento vital da sociedade. Bitton, cuja família é parcialmente síria, marroquina e espanhola, disse que a leitura do livro de Friedman era “uma experiência emocional” para ela, “redentora”, em parte, porque levanta a questão: “por que demorou tanto tempo?” para ser contada? “É tão


importante contar essas histórias humanas, como você fez”, disse ela a Friedman. Ela observou que ainda existe uma lacuna de ashkenazi / mizrahi na sociedade israelense e que “celebramos os ganhos e reconhecemos as falhas”, enquanto lutamos para combater a discriminação em curso. “Como feminista progressista, eu rejeito a tentativa ocidental de apenas olhar as comunidades sefarditas através dos olhos ocidentais”, disse Bitton. “Se realmente queremos diversidade, precisamos trazer as vozes que às vezes nos deixam desconfortáveis.” Esta mensagem repercutiu em mim e, vários dias depois, entrei em contato com Bitton, cuja tese de doutorado na NYU (New York University) é sobre a experiência de uma comunidade sefardita contemporânea nos EUA. Falamos sobre a lacuna AshkenaziSefardita nos EUA e o que pode ser feito para ajudar a fechá-la. Desse modo, Bitton começou observando que

as questões são repletas de complexidades, incluindo até os termos “mizrahim”, que geralmente se referem aos israelenses originalmente do mundo árabe e muçulmano e “sefarditas”, que ela aplica para definir judeus americanos não-Ashkenazi que se identificam como sefarditas, alguns dos quais têm raízes na Península Ibérica e alguns, no Oriente Médio e Norte da África. "Parte do desafio é que os judeus americanos sabem tão pouco sobre a narrativa e a história das comunidades sefarditas e mizrahitas”, disse Bitton. Às vezes, ela se pergunta se a ignorância sobre mizrahim em Israel é intencional: “Por que os judeus americanos, que levam a sério sua responsabilidade como sionistas e que fazem perguntas difíceis sobre as políticas israelenses” - ela perguntou - “não abordam a discriminação que os mizrahim experimentaram, especialmente nas primeiras décadas da criação do estado de Israel?” Bitton se perguntou sobre os judeus americanos que falam com “nostalgia sobre

A comunidade mizrahi em Israel, em manifestações contra tratamento desigual

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INTERETNIAS

o Partido Trabalhista no poder: sob o comando de David Ben-Gurion e seus sucessores nas três primeiras décadas do Estado judeu, sem questionar as políticas de seu governo”. Essas políticas encorajaram a enxurrada de imigrantes de países árabes e muçulmanos, mas trataram os novos cidadãos como de segunda classe, alojandoos em cidades de barracas primitivas, em cidades periféricas em números desproporcionais a outros imigrantes. Até mesmo muitos historiadores que retratam Ben-Gurion como um líder nacional brilhante e heróico, citam suas políticas tendenciosas, se não racistas, em relação aos mizrahim. Demorou até 1977 para a crescente população de mizrahim flexionar seus músculos políticos na eleição surpresa de Menachem Begin como primeiro-ministro. Um judeu asquenazita, ele reconheceu e bateu na amargura e na raiva de uma comunidade orgulhosa que se sentia ignorada pela elite trabalhista / asquenazita. (Há fortes paralelos aqui com a surpreendente eleição de 2016 de Donald Trump, campeão dos segmentos anti-elite nos EUA que se perceberam desrespeitados pelos que estavam no poder. - Nota do tradutor). Quatro décadas depois da vitória de Begin, os israelenses mizrahim permanecem leais 30 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

Haim Saban, o bilionário americano-israelense nascido no Egito

ao Likud e a outros partidos de direita, agora dominantes em Israel. Alguns atribuem esse apoio político à amargura nos primeiros anos de um Estado sob o partido trabalhista; outros sugerem que a longa história de discriminação sob o domínio árabe ou muçulmano fez com que os mizrahim desconsiderassem profundamente os esforços de paz. No entanto, isso pode muito bem ser devido a uma combinação desses dois fatores. Além de razões morais e históricas para reconhecer a narrativa dos israelenses mizrahim, há também uma razão política: tal relato iria contrapor a representação árabe de Israel como uma potência ocidental colonial. Mostrar solidariedade com os judeus mizrahim / sefarditas aqui nos EUA e também em Israel poderia ajudar a neutralizar a crítica da esquerda internacional acerca de Israel. Bitton sugere que os sionistas americanos


abraçaram Israel em sua própria imagem ocidental, deixando de compreender ou de se comunicar com mizrahim e sephardim de uma maneira séria. “É uma atitude condescendente”, disse ela, reiterando o ponto que ela fez no The Jewish Week Forum, de que “há muito poucas vozes na comunidade judaica americana dispostas a realmente falar seriamente sobre essas questões”. Zion Ozeri, um fotógrafo de renome internacional de Nova York, que nasceu em Israel de pais iemenitas, vem tentando promover esse diálogo há anos. “Devemos fazer parte do discurso judaico americano”, diz ele sobre a comunidade sefardita, “mas não estamos nem à mesa”. O mesmo nos lembra que quando o AJC (American Jewish Committee) criou seu Conselho Consultivo Judaico-Muçulmano há vários anos, com o objetivo de advogar questões de interesse comum, nenhuma das várias dezenas de membros escolhidos veio de uma formação Mizrahi / Sefardita. Aborrecido, Ozeri disse que organizou uma reunião para discutir a situação e foi informado de que Haim Saban, o bilionário americano-israelense nascido no Egito, havia sido convidado a participar, mas que não tinha respondido ao convite. “Nós enriqueceríamos o diálogo, por sermos possuidores de uma história de vida nos países islâmicos durante séculos”, disse Ozeri sobre os judeus sefarditas, mas os líderes judeus americanos “parecem não perceber os benefícios de incluir nossas vozes e perspectivas”. (Em resposta, o AJC diz que o Conselho evoluiu desde o seu lançamento em novembro de 2016 e que “vários copresidentes e membros dos oito afiliados regionais do Conselho em todo o país são judeus sefarditas”).

Ozeri reconhece que as comunidades sefarditas americanas tendem a ser insulares, têm problemas internos e muitas vezes se dividem entre buscar a inclusão na vida comunitária judaica dominante ou manter a si mesmas. Porém, tanto Ozeri quanto Bitton, apesar de suas frustrações, notaram sinais de progresso, particularmente entre os jovens sefarditas aqui [nos Estados Unidos], que são mais sinceros do que os mais velhos e querem ser ouvidos. Além disso, o novo Centro Moise Safra, ponta de lança em arquitetura, no Upper East Side, certamente causará um grande impacto na comunidade e atrairá os sefarditas, em particular. Ele promoverá “valores judaicos e amor a Israel”, de acordo com seu site e dará as boas-vindas a todos os judeus em seus eventos culturais e sinagogas, mas com foco nas tradições sefarditas. Essas tradições oferecem muito acerca do que os judeus asquenazitas podem aprender, incluindo uma ênfase na família, com grande respeito pelos idosos; coesão e lealdade da comunidade e a prática religiosa tradicional, que não tem divisões denominacionais e é infundida com espiritualidade, embora não necessariamente um compromisso com todas as mitsvot. Não sei se os judeus sefarditas e mizrahim podem ajudar a fazer as pazes com o mundo árabe que conhecem bem (para o bem ou para o mal). Mas parece claro que é necessário um esforço renovado e sério para que todos os judeus aprendam e apreciem mais o passado e o presente de cada um para garantir um futuro judaico.

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RESENHA

Caiu na rede é ... Seguindo a tradição da coleção Postagens Sagazes, a www.talucultural.com.br apresenta o livro de Paulo Valadares: Caiu na Rede é Post Cristina Konder

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aulo, do interior de São Paulo, se descobriu descendente de judeus que no período da Inquisição portuguesa foram obrigados a renunciar à sua fé judaica e assumir a fé católica. Fascinado por esse passado, dedicou-se a pesquisar e estudar a história dos cristãosnovos. Sua pesquisa levou-o a vários lugares do mundo, onde encontrou fontes para a expansão do seu conhecimento sobre o tema. Cursou História Social na Universidade de São Paulo e concluiu o Mestrado defendendo a tese – que depois se tornaria livro – A Presença Oculta. Genealogia, Identidade e Cultura Cristã-nova Brasileira nos Séculos XIX e XX (2007). Tornou-se conhecido por este e outros livros, mas também por suas peculiares postagens na rede Facebook. São postagens que mostram facetas mais ou menos desconhecidas, surpreendentes, de personagens universais. Como dizem seus editores, ele “apresenta ou reapresenta gente para nós”. Paulo pesquisa muito e, para nosso deleite, nos surpreende com histórias e fatos incríveis. Este seu livro, como os outros deste Selo, continua no mesmo formato de bolso (ou de bolsa, se preferirem), muito fácil de manipular e de ler. Como diz o próprio autor, “se a primeira linha for ultrapassada”, as histórias muito originais são 34 | USf | ANO 2 - Nº4 | PESSACH 2019

contadas em um minuto. Surpreenda-se com a maneira como o autor encontrou um livro muito raro sobre judeus em Portugal e pasme com a história do navio fantasma cujo nome era Mary Celeste. Verifique que o famoso autor argentino Jorge Luís Borges não sabia nomes de ruas. Ou conheça a professora que ensinou aos alunos que só os católicos podiam ver o Cruzeiro do Sul. Valadares nos conta como o neto de D. João VI foi pintado por Goya e como, mesmo ferido na batalha de Lepanto, Miguel de Cervantes sobreviveu para escrever Dom Quixote. E mostra uma derrota que deu origem à expressão “erro crasso”; e fala sobre a neta de Roosevelt, que veio viver no Brasil e possuía uma jaguatirica de estimação que “jantou” sua orelha esquerda! Fala de Dorival Caymmi, cujo bisavô era filho de ebreos e que viveu em Salvador contratado para cuidar do Elevador Lacerda, em 1872. E do outro Caetano Veloso que escapou da forca, da decapitação e de ter sua cabeça exposta por cinco dias na cidade, como muitos condenados. Este Caetano teve descendentes... Caiu na Rede é Post: um passeio interessante e divertido sobre pessoas conhecidas ou não.


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DO NOSSO LEITOR

Meu amigo querido: Ainda não li todos os artigos, dei uma olhada geral, mas já posso dizer que a edição está primorosa! Claro que fui direto ao meu artigo - muito obrigada pelo belíssimo projeto gráfico. “O meu cálice transborda!” Abraço grande na Regina. Abraço enorme pra você, da Cecilia.

Parabenizo toda a equipe da revista Universo Sefarad pelo primor de edição. Sou leitora assídua desde o surgimento da Amazônia Judaica. O judaísmo sefaradita ficou mais rico com o trabalho de vocês. Chazak Ubaruch,

Simi Bentolila

Cecilia Fonseca da Silva

Que edição maravilhosa! Altíssima qualidade. Muito obrigado pela oportunidade de publicação e pela edição que sem dúvida agrega valor ao meu trabalho. Fico agora ansioso pelo livro. Abraços fraternos,

Mazal Tov! Literatura, leitura, ensino/ aprendizado, le’dor va’dor, é o que trouxe o judaísmo até aqui. Não sermos analfabetos e dependentes da interpretação e da decodificação de terceiros intermediários. Que perdure no tempo e que seja profícua.

Rogerio P. Rabello

Lucas Fernandes

Elias caro, bom dia! Parabéns pela revista e pela sorte de contar com a ajuda de Regina Igel, minha amiga de infância, atualmente em Maryland. Shalom,

Bernardo Lerer Revista Hebraica – SP

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Muito emocionante! Sou Bemerguy, de Belém. Tenho imenso orgulho e honra de nossas tradições sefaradi marroquinas e mais ainda de nossos antepassados, que atravessaram o mundo para escapar de conversão forçada. 3.300 anos com orgulho.

Rose Cortes


SHNAT SHALOM LE KOL HAOLAM PAZ A TODO EL MUNDO PAZ AO MUNDO TODO 45 ANOS DE AMIZADE DOS GRADUADOS E AGREGADOS DO PROJETO SEFARADI TURMA 1975/6 – 2020 Beni Alter, David Abramovich, Daniel Benerman, Danyl Bach, Dani Abenheimer, Debora Anne Benchimol, Dvora Boimovitch, Eduardo Jabib Lindner, Eduardo Zlotnitzki, Elie Salgado, Gabriel Hirsch, Henrique Cymerman Benarrosh, Horacio Alter z”l, Horacio Grushka, Lely Blank, Marcela Satuchne, Marcos Friedman, Mario Montañez, Pedro Friedman, Rosita Kulik, Sara Hadjez Bensusan, Sofi Wolicki, Ruben Levy, Sandra Abramovitch, Yoel Bogdanski, Yeshua Martinez Sigala

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Suplemento Universo

ROSH HASHANA 5780 - SETEMBRO 2019

DOSSIÊ

Mulheres judias na Amazônia:

IDENTIDADE, TRADIÇÃO E VANGUARDISMO FEMININO 39


MEMÓRIA

Neste momento crucial em que os olhos do mundo inteiro estão voltados para a Amazônia, em protestos e manifestações que demonstram a grande preocupação de todos com o futuro da região, Amazônia Judaica vem aqui prestar sua homenagem a um dos seus maiores defensores: Samuel Isaac Benchimol Z’L (1923-2002).

SAMUEL BENCHIMOL É LEMBRADO NO DEBATE SOBRE O USO DOS RECURSOS NA AMAZÔNIA

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amuel Isaac Benchimol Z’L (1923-2002). Economista, sociólogo e professor brasileiro de ascendência judia-marroquina. Ex-Presidente do CIAM – Comitê Israelita do Amazonas no período de 1974 -1985, é a maior referência nos estudos da presença judaica na Amazônia. Seu livro, “Eretz Amazônia, judeus na Amazônia” é o mais completo clássico sobre o tema, em todo o mundo. 40 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - SETEMBRO 2019


A AMAZÔNIA DE SAMUEL BENCHIMOL: LEGADO HUMANO E CIENTÍFICO Admirado por Gilberto Freyre, reconhecido como intelectual superior e tratado como o mais amazonófilo dentre os brasileiros, Samuel Benchimol publicou densos estudos sobre a Amazônia, totalizando 110 obras entre artigos e livros publicados a partir de 1942 e só encerrados com sua morte em 2002. Era o mais objetivo, o mais científico, o mais idôneo, no seu conjunto de saberes sobre a Amazônia e o mais lucidamente didático na irradiação do seu conhecimento. O Pesquisador e Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas surpreende não apenas pela grandeza com que apresenta os temas relativos à Amazônia, mas também pela urgência com que trata seus problemas ambientais e econômicos, destacando as novas formas de energia limpa e da agricultura, valorizando o desenvolvimento da ciência e tecnologia para controle de clima e da genética, estimulando o desenvolvimento de fertilizantes químicos e orgânicos inofensivos ou menos agressivos, indicando a necessidade de esforços contínuos na educação, no controle de natalidade, na elevação dos padrões de saúde e defendendo a criação do Imposto Internacional Ambiental. Esse último, amplamente justificado e eternizado em suas próprias palavras: a Amazônia tem valor, mas não tem preço; não tem preço, mas tem custo. O governo brasileiro instituiu o Prêmio Samuel Benchimol em sua homenagem, o qual é anualmente atribuído em três categorias para projetos que contribuam de forma substancial para o entendimento da região da Amazônia e sua sustentabilidade.

O professor Samuel Benchimol quando da realização da ECO-92, escreveu o “ESTATUTO DO AMAZÔNIDA”. Vinte e sete anos depois o texto continua bem atual e merece de todos nós uma reflexão, neste exato instante em que os olhos do mundo inteiro estão voltados para a Amazônia, atentos e preocupados com seu futuro por conta das queimadas e incêndios que colocam em risco o equilíbrio ambiental de uma região de importância fundamental para o nosso planeta.

ESTATUTO DO AMAZÔNIDA Considerando a importância da Amazônia Brasileira pela sua grandeza continental, peculiaridade geo-regional e extensão de sua bacia hidrográfica; Pensando na extrema variedade e complexidade dos seus ecossistemas florestais e na grande biodiversidade de suas espécies; Enfatizando o rico potencial de suas várzeas, igapós, terras firmes, campos e cerrados e os seus complexos ecossistemas florestais; Relembrando o enorme potencial de seu sistema fluvial para aproveitamento energético, de transporte e navegação; Recordando a abundancia e 41


MEMÓRIA

variedade de seus recursos minerais, sua importância para a metalurgia e sua contribuição para a balança de pagamentos do país; Examinando as recentes descobertas de hidrocarbonetos, petróleo e gás natural e suas grandes perspectivas de seu aproveitamento petroquímico e energético; Registrando as conquistas já alcançadas no campo industrial, pela criação de polos avançados e produção de bens e serviços, no campo agrícola com as culturas de subsistência e matérias-primas e nas áreas próprias de criação da pecuária bovina, bufalina e criatório em geral; Rememorando o potencial de seus inúmeros pesqueiros de água doce, salobra e salgada e a riqueza que essa diversidade representa para a psicultura e para a produção de alimentos; Analisando a importância das populações nativas de índios, caboclos e nordestinos, que constituem a

base de nossa formação histórica e humana; Observando a riqueza cultural dessa pluralidade cultural e étnica, cuja integridade devemos preservar por meio da manutenção de sua identidade e integração à sociedade nacional; Auscultando a necessidade da educação em todos os níveis, da qualificação profissional, universitária e dos institutos de ciência, pesquisa, tecnologia e extensão; Verificando que a cosmo visão da Amazônia Continental mostra que ela representa a vigésima parte da superfície terrestre; um quinto das disponibilidades mundiais de água doce; um terço das reservas mundiais de florestas latifoliadas; um décimo do biota universal; um quarto do volume mundial de carbono armazenado na sua biomassa vegetal; mais da metade do potencial hidrelétrico e gás natural do Brasil e dos minérios de ferro, bauxita, manganês, cassiterita, caulim, ouro, potássio e outros; quatro décimos da superfície da América do Sul; três quintos do Brasil e apenas quatro milésimos da população mundial. Levando em conta essa realidade e amparado em toda uma vida consagrada ao estudo deste pedaço do Brasil, lanço aqui o Estatuto do Amazônida:

Todo Amazônida tem direito: Ao pleno uso, gozo e fruição dos seus recursos naturais existentes na área, desde que o faça de

42 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - SETEMBRO 2019


modo não destrutivo. Fica estabelecido o seu direito à subsistência, liberdade de escolha, livre iniciativa, trabalho produtivo e justiça social, e resguardada a sobrevivência das gerações futuras e ao convívio harmonioso com a natureza; A uma existência digna livre de quaisquer constrangimentos, injustiças e outras formas coercitivas que limitem o exercício de seus direitos de cidadania; De usufruir os produtos da floresta, cuja venda, a preços justos, lhe permita um padrão de vida digno; De utilizar os recursos pesqueiros de forma autosustentada, para garantir a alimentação de sua família, a elevação de seu padrão de vida e o exercício de atividade empresarial; Nas zonas apropriadas, de se beneficiar dos seus bens minerais existentes na região, dos recursos hídricos para transporte e geração de energia elétrica, do uso de terras para fins agrícolas e para formação de campos de criação;

Todo Amazônida tem o dever:

De proteger os recursos naturais florestais, hídricos e terrestres de forma a garantir o desenvolvimento econômico e social equilibrado, conservando-os e preservando-os para as gerações atuais e futuras;

De resguardar as florestas naturais, parques nacionais, estações ecológicas, reservas biológicas, santuários da vida silvestres, monumentos cênicos e sítios arqueológicos; De exigir proteção às populações indígenas, assegurando-lhes a demarcação e posse de suas terras e manutenção de sua identidade cultural; De lutar pelos seus direitos à saúde, educação, transporte, obras de infra-estrutura que permitam o desenvolvimento individual e de suas comunidades; De reagir contra toda e qualquer forma de intervenção internacional que implique o constrangimento à soberania brasileira, sem embargo ao reconhecimento à cooperação internacional legítima e bem intencionada, para promoção de defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Gostaria de deixar como lembrança uma singela e profunda mensagem: o mundo amazônico não poderá ficar isolado ou alheio ao desenvolvimento brasileiro e internacional, porém ele terá que se auto sustentar em quatro parâmetros e paradigmas fundamentais:

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LITERATURA

História da Amazônia – Do período pré-colombiano aos desafios do século XXI, Márcio Souza. Rio de Janeiro e São Paulo: Editora Record, 2019. 357 pgs. + Bibliografia e Índice onomástico.

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os últimos meses temos visto, por reportagens “ao vivo”, filmes, vídeos e fotos, estragos produzidos na floresta amazônica por incêndios. Também temos acompanhado, como o resto do mundo, as ambíguas declarações destas e daquelas autoridades (algumas das quais jamais puseram os pés na floresta...), trazendo mais confusão ao que já é confuso há séculos. Pois muita gente tem opinião formada sobre a região amazônica, recolhendo aqui e ali informações incompletas ou errôneas sobre a massa verdejante e o mundo líquido que cobrem nove países da América do Sul (além do Brasil, que tem a maior parte da floresta no seu território, ela também está presente no Equador e Peru, na Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guyana, Guiana Francesa e em Suriname). O planeta está com os olhos na ‘hiléia’- palavra de origem grega significando ‘floresta ou bosque selvagem’, conforme a classificação dos cientistas

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Humboldt e Bonpland, contemporâneos no século XVIII. Essa imensidão florestal que se esparrama ao norte da América do Sul tem sido cobiçada por muitos países, pois não só de árvores e água vivem os humanos... a riqueza no subsolo da floresta amazônica deixa todo o mundo verde de inveja, por mais que seus argumentos se mostrem ‘humanitários’, protetores da atmosfera mundial, etc. Romances têm sido publicados expondo a vivência na selva, assim como poemas que exaltam a atmosfera real e ideal do meio ambiente; também livros e teses têm sido impressos prodigamente em esferas acadêmicas, mas estes, em geral, não são de alcance público, pois escritores universitários primam por um esmeramento nem sempre ao alcance dos leitores não habituados ao jargão científico neles empregado. Pouca gente, até dentre os mais cultos defensores da floresta, sabe da totalidade da sua formação, geografia, história, seus problemas, benefícios, habitantes, indústrias... Tanto já escrito e publicado sobre a ‘floresta equatorial’ e tão pouco ainda se sabe sobre ela. Finalmente, a floresta amazônica é escrutinizada por um livro que chega até nós, acadêmicos e público em geral, para nos informar e esclarecer numa linguagem acessível, o que foi, o que é e o que possivelmente será esta floresta pluvial com sua extraordinária rede fluvial. O autor de História da Amazônia é Márcio Souza, conhecido tanto no Brasil quanto no exterior pela qualidade de seus romances e muitos outros escritos, como também por suas atividades como jornalista, crítico de cinema, dramaturgo, indianista... Sua leveza e destreza em contar histórias reais, que circulam pelos rios e igarapés são famosas, tanto quanto seus relatos ficcionais. Estas mesmas características – leveza no trato do vocabulário e destreza nas conexões entre narrações sobre diversos tópicos – encontram-se tanto em suas obras ficcionais quanto nesta em pauta, a que se acresce a honestidade de um amazonense nato, que viveu um fragmento do que vem a contar na História da Amazônia – Do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. A obra está dividida em dez partes e cada uma delas em sub-áreas, estas consistentes ao desenvolvimento


dos temas inseridos nos seguintes títulos: 1. Geografia do subcontinente; 2. A Amazônia antes dos europeus (15000 a.C.-1500 d.C.); 3. A conquista; 4. A colonização; 5. Soldados, cientistas e viajantes; 6. A Amazônia e o Império do Brasil; 7. A Cabanagem; 8. O ciclo da borracha; 9. A sociedade extrativista; 10. A fronteira econômica. Além de ser uma investigação completa da Amazônica Legal (brasileira), o autor também inclui exames e observações referentes a problemas e debates envolvendo a Venezuela, Bolívia, Colômbia, o Peru, o Equador e outras regiões cobertas pela flora e pela fauna amazônicas. Seleciono a seguir alguns dos episódios relatados por Márcio Souza: tempos préhistóricos, cultura popular, a diversidade culinária amazônica que vai desde o sopé da Cordilheira dos Andes até a Ilha de Marajó, as lendas e os mitos, as linguagens faladas pelos índios, o genocídio que quase os eliminou completamente da Terra, a longa lista de escritores amazonenses e estrangeiros desde os tempos coloniais ibéricos, as lutas entre seringueiros e extrativistas ilegais, a economia do látex, as guerras e batalhas internas entre as folhagens, em meio aos rios ou por suas beiras, as reações dos indígenas em defesa de seu território milenar, a navegação no rio Amazonas, a região durante os impérios brasileiros, a imigração judaica proveniente principalmente do Marrocos e sua contribuição social, intelectual e política à região, as lideranças políticas honestas e desonestas, os caçadores e pescadores clandestinos, os recursos naturais levados por farmacólogos “anônimos”, a imigração asiática, as incursões ilegais de estrangeiros e brasileiros, a musicalidade intrínseca à região amazônica, as danças típicas, os festivais... Muito mais se pode saber da longa história e da complexidade social que se derramam por toda a floresta amazônica, pela leitura deste livro. Portanto, esta obra vem preencher um enorme vazio a respeito do conhecimento que se tem sobre a Amazônia. Suas páginas instigam nossa curiosidade e, ao completarmos a leitura, posso garantir uma grande satisfação, talvez egoísta, pois ficamos bem mais felizes quando adicionamos novo conhecimento às nossas mentes. Com este livro penetramos

pela história daquele oceano verde como se estivéssemos por lá... zonas sombrias e ensolaradas nos são ofertadas por descrições o mais possível fieis à realidade local. Ficamos sabendo como está a “Transamazônica”; o que aconteceu com a Zona Franca, em Manaus; sobre fronteiras em disputa; sobre conflitos pela posse de terras, atividades agropecuárias, de mineração e outras; sobre o narcotráfico e assuntos correlatos que se desenvolvem no século XXI e sobre o que se pode esperar para o futuro da massa amazonense do ponto de vista ecológico. Ao final da leitura verificamos que esta obra nos ensina, expressa e sublinearmente, o que se precisa saber para respeitar a floresta, seus habitantes humanos de todos os feitios e credos, nativos e imigrantes, antigos e novatos, sua magnífica flora e sua linda (e temerosa) fauna. É um saber que nos iluminará sem prazo de validade, pois o relato sobre a Amazônia, tal como apresentado por Márcio Souza, é enciclopédico sem ser cansativo, é informativo sem ser aborrecido, além do quê, projeta um futuro amazônico aberto a debates. Desde sempre, estes não são poucos. Se os incêndios – provocados ou naturais – chamam a atenção do mundo, esta obra deveria ser traduzida para vários idiomas para que este mundo saiba o que se abriga na Hileia Amazônica, com uma história inigualável e uma complexidade que vai do místico xamânico ao real e palpável, da vivência ribeirinha a explosões urbanas onde convivem, com certas fricções, tradições e inovações tecnológicas, lindas mansões e palafitas esquálidas, resistência e avanços imobiliários... Regina Igel Profa. Dra. Regina Igel é Coordenadora do Departamento de Língua Portuguesa e Espanhola da Maryland University, USA. É a Editora Executiva da Talu Cultural e nossa colunista de literatura.

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CAPA

Miriam, a irmã do Profeta Moisés

46 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - SETEMBRO 2019


MULHERES JUDIAS DA AMAZÔNIA:

Na luta pela preservação de uma

Identidade Milenar Por Elias Salgado

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ia de regra, quando certas linhas de pensamento apontam para o fato de que historicamente o papel da mulher no judaísmo sempre foi secundário, as respostas no campo mais tradicional acenam com um esclarecimento que não cabe contestar de maneira categórica, até porque possui em si uma verdade, não apenas histórica, como também uma importância sociológica: o papel da mulher é basilar no sentido da preservação e continuidade judaicas. A elas foi dado o dom da procriação e seu papel na educação dos filhos é fundamental, assim afirmam. E, além desta afirmação, também há linhas mais modernas, que agregam, sem discordar necessariamente das mais tradicionais, toda uma análise baseada em outros papéis, que não apenas os acima citados.

Nos períodos bíblico e rabínico Devemos aqui afirmar que não somos totalmente discordantes da afirmativa tradicional sobre o papel da mulher. Em defesa desta afirmação, um desfile de belas justificativas encontradas no Tanach (Escrituras Judaicas, também conhecidas como ‘Velho Testamento’), nas escrituras talmúdico-rabínicas, na literatura secular, na criação científica e acadêmica de judeus, de não judeus e

estudiosos do tema. Iniciando por lembrar das ações e atitudes de nossas mulheres-personagens do texto bíblico, começando pela ousada Eva, a mãe de todos os seres vivos, passando por nossas matriarcas, suas ações e atitudes de iniciativas muitas vezes incomuns para seu tempo, sempre priorizando a preservação e a continuidade de uma tradição. Uma lista infindável de seres do gênero feminino jogam um papel central na trama do texto sagrado, onde nada, sequer uma vírgula ou ponto ali estão sem uma razão óbvia, segundo a tradição judaica. A literatura rabínica, como que num continuum desta mesma tendência, nos traz inúmeras passagens onde mulheres têm papel preponderante, não na mesma proporção das mulheres na Bíblia, pois parece que agora o eixo de ação muda, tornando-se mais restrito ao campo da família e do seu importante papel na educação e formação da identidade judaica. Estudiosos do tema apontam para a influência da cultura grega na mudança ocorrida no papel social da mulher no judaísmo a partir daquele período, na passagem do final da Antiguidade para a Idade Média. E é neste período que ocorre a mudança que estabelece ser a mãe, e não o pai, quem determina a questão de pertença ou identidade – quem é ou não judeu. 47


CAPA

Tomo como exemplo deste período uma personagem emblemática, que aparece na literatura mishnaica: a esposa do grande Rabi Akiva, um dos sábios mais exaltados no período talmúdico. Ela foi a virtuosa Rachel, que ajudou a tornar um pobre pastor analfabeto num dos maiores sábios judeus de todos os tempos. Também na literatura moderna e secular do nosso querido Moacyr Scliar (z’l) que, baseado na obra do grande crítico literário e judeu americano Haroldo Blum, autor de O livro de J, no qual defende a tese de que um dos autores da Torá (“J”), era uma mulher, escreveu A mulher que escreveu a Bíblia, em que há uma clara defesa e tentativa de resgate da importância da figura e do papel da mulher no judaísmo. Já Thomas Mann, em sua clássica tetralogia José e seus irmãos, recria uma Tamar de Judá exuberante, para mim um dos personagens mais belos da literatura bíblica, que ele transforma em um clássico da literatura universal. Mann descreve a fala e as ações firmes, típicas de quem bem sabe o que quer – senhora de grandes e acertadas certezas - sua luta e persistência incomuns pela preservação e continuidade das raízes abrâmicas. Seu empenho pela manutenção do pertencimento e pela guarda da sua essência, não apenas herdada, mas antes de tudo, escolhida. Mesmo sabendo ser a sociedade antiga e medieval um universo conservador em tradições e costumes, existe uma questão no mínimo intrigante: o que teria levado os sábios que estabeleceram o cânone hebraico definitivo do Tanach, a incluir personagens femininos de destaque, mesmo que em número menor do que os homens? E, em contrapartida, como tenta provar

Ruth a moabita, optou fazer parte do povo judeu por vontade própria. Vem a ser a bisavó do Rei David

Tamar de Judá. Outro personagem feminino bíblico marcante, por sua luta para permanecer no seio do povo de Israel

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Harold Bloom (O livro de J), teria havido todo um esforço dos doutos judeus de apagar vestígios do feminino e minimizar seu papel de protagonistas, principalmente na versão que os estudiosos da Bíblia versão “J” que, segundo a tese de Bloom, teria sido escrita por uma mulher.

Raríssimos são os casos a ser citados, para contrapor tal regra. E aqui lembramos a história emblemática de Branca Dias, durante o período colonial no Recife holandês, que criou uma esnoga clandestina que congregava criptojudeus, com risco de sua vida e de sua família.

“O resgate de “J” não lançará qualquer luz nova sobre a Torá, sobre a Bíblia Hebraica ou ainda, sobre a Bíblia Cristã. Não acredito que apreciar “J” nos ajudará a amar a Deus ou alcançar a verdade espiritual ou histórica de qualquer Bíblia. Se quero dissolver o verniz, é porque ele esconde uma escritora da eminência de Shakespeare ou Dante, e uma escritora como essa vale muito mais que do que muitos credos, muitas igrejas, muitas certezas acadêmicas.”

As “esnogas”: resistência feminina e o judaísmo possível no nordeste colonial

Além dos aspectos acima relacionados, cabe ressaltar que suas aparições acontecem em narrativas que muitas vezes definem a continuidade de toda a nação judaica, vide o caso de Rivka, Miriam, Tamar (de Judá), Ruth, Esther e que há casos de mulheres de origem não judaica, como Tamar e Ruth, lutando para ingressar e fazer parte da corrente histórica do povo de Israel. Quando do advento da Diáspora judaica - a primeira na Babilônia e a segunda, quando da destruição do segundo Templo de Jerusalém em 70 EC (Era Comum) pelos romanos, uma nova estrutura social e organizacional se firmará na Diáspora: o surgimento das primeiras kehilot (comunidades judaicas). E o que veremos até o advento da modernidade na Europa é a quase total inexistência de mulheres em papéis comunitários de qualquer espécie, e menos ainda, litúrgicos.

Embora tenhamos notícia da existência de sinagogas coloniais, algumas dentre elas funcionando ininterruptamente por mais de três décadas, as condições para a realização dos cultos eram precárias, fruto da intensa vigilância a que estavam submetidos os cristãos-novos, mas também pelo desconhecimento profundo das leis e cerimônias mosaicas por seus próprios seguidores. Este fato se agravava em proporção direta com o afastamento temporal do período de livre divulgação do judaísmo, fazendo com que seus ritos e crenças ganhassem novos contornos, perdendo muito de seus significados originais. No judaísmo tradicional, na religião letrada calcada na leitura e discussão dos livros sagrados, as mulheres eram destinadas a ocupar posição inferior à mantida e preservada pelos homens, como locais secundários no culto e papéis públicos limitados, recebendo apenas uma educação mínima, a ponto de se crer que era melhor queimar as sagradas palavras da Torá do que transmiti-las e ensiná-las às mulheres. A proibição da crença e exposição da fé hebraica no mundo português e a nova importância dada à educação no lar,

Engenho Camaragibe(à direita) e a casa em Olinda, de Digo Fernandes e Branca Dias, onde eram mantidas “esnogas”, secretamente 49


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Encenação da peça teatral, Branca Dias de Edu Lobo

levariam a uma transformação desses papéis, portando ao judaísmo uma espécie de «religião domiciliar», resultado da impossibilidade de sua divulgação pública, com nova ênfase para a divulgação oral dos ensinamentos, como consequência das dificuldades e dos perigos de se possuir textos hebraicos. Funções que antes eram exclusivas dos homens passariam à responsabilidade do sexo feminino. Este é sinal da ocorrência, no seio da religião mosaica, de um certo afrouxamento da tradicional rigidez das regras, visando a garantir-lhe a sobrevivência apesar do ambiente hostil externo. Por razões óbvias, as residências passariam a ocupar importância estratégica: lares seriam locais de propagação do judaísmo vivo, através da memória ensinada e das práticas religiosas e cerimoniais. Impedida a existência da escola judaica, explica Lina Gorenstein, “a cultura doméstica continuou, em parte, com aquelas práticas e celebrações de ‘portas adentro’.”Anita Novinsky assim define o novo quadro da resistência judaica: “(...) proibida a sinagoga, a escola, o estudo, sem autoridades religiosas, sem mestres, sem livros, o peso da casa foi grande. A casa foi o lugar do culto, a casa tornou-se o próprio Templo. No Brasil Colonial, como em Portugal, somente em casa os homens podiam ser judeus. Eram cristãos para o mundo e judeus em casa. Isso teria sido impossível sem a participação da mulher.” Sustentáculos da religião proibida, as mulheres cristãsnovas apresentaram no Brasil uma resistência passiva e deliberada ao catolicismo. Foram prosélitas, recebiam e transmitiam as mensagens orais e influenciavam as gerações mais novas, cientes da necessidade de encobrir suas origens e seus objetivos. Transmitindo os ritos religiosos ao praticá-los nas residências, realizavam o rabinato diminuto, feminino e oral que se tornara possível e que, embora contrariasse o códice mosaico, garantiu-lhe a sobrevivência. Conforme lembra Elias Lipiner, dizia-se à época das mulheres neoconversas que, “devotas e rezadeiras, iam nos domingos e dias santos ouvir missa”, procurando evitar, perante a sociedade, as desconfianças sobre sua real entrega ao catolicismo, “mas nos sábados vestiam seus melhores vestidos”, preparando-se para o sagrado dia 50 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - SETEMBRO 2019

de descanso dos judeus, reunindo a família para celebrar os costumes de seus antepassados. Dentre aquelas mais insistentemente acusadas ao Santo Ofício como judaizantes, a causarem escândalo nas duas principais capitanias coloniais à época da Primeira Visitação, destacam-se os nomes das cristãs-novas Branca Dias, em Pernambuco, e Ana Rodrigues, na Bahia, exemplos definitivos do “rabinato feminino” exercido na colônia, não só pelo alto número de acusações de que foram vítimas, mas pela riqueza de detalhes sobre as práticas de judaísmo que mantinham em seu cotidiano. Verdadeiras matriarcas do criptojudaísmo brasílico, as duas senhoras teriam suas vidas vasculhadas e detalhes de seus comportamentos revelados com insistência ao Visitador do chamado Santo Ofício.

Mulheres e modernidade judaica Com o advento das transformações históricas ocorridas na Europa (Iluminismo e Revolução Francesa) a partir do século XVIII, que levaram o continente europeu ao ingresso no que a historiografia denomina de modernidade ocidental, parte do judaísmo ashkenazita, num primeiro momento, criará linhas religiosas mais progressivas, como o Reformismo e posteriormente sua cisão, que resultou no movimento Conservador. Estas duas linhas do judaísmo trarão inovações no papel feminino, tanto na liturgia, quanto na estrutura do ativismo sócio-comunitário. Mulheres passam a sentar lado a lado com os homens nas sinagogas; a usar kipá, talit, tefilim; subir na tebá, ler na Torá;, tornam-se chazaniot (cantoras), sofrot( escribas) e até rabinas.


Regina Jonas (Berlim, 3 de agosto de 1902 - Auschwitz 12 de Dezembro de 1944) foi uma religiosa alemã e a primeira mulher judia a ser ordenada rabina em todo o mundo.

Mulheres colocando e portando tefilim e carregando um Sefer Torá no Muro das Lamentações

Metamorfoses da Tradição Messiânica (Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008), o judaísmo pós-Holocausto:

Sandra Kochman1ª. rabina do Brasil

Segundo Bernado Sorj, o judaísmo moderno, eminentemente ashkenazita, terá fim com a Shoah, quando então entrará em sua atual fase, a qual ele denomina “modernidade do judaísmo”, que merece toda uma análise do sociólogo (mas que extrapola o âmbito do presente artigo). Assim ele sintetiza na coletânea Judaísmo e Modernidade:

“O Holocausto acabou com as esperanças de integração total, que se mostraram não só ilusórias como humilhantes. O Estado moderno, nos quais os judeus se apoiaram e se escudaram para alcançar a igualdade, se transformou no seu carrasco. O judaísmo pós-Holocausto, ainda que mantenha como parâmetro os valores iluministas da modernidade, não pode deixar de estar consciente de que estes valores podem ficar suspensos em qualquer instante, e que a vontade igualitária não elimina a possibilidade da discriminação e estigmatização. Não existindo a perspectiva de um retorno à vida comunal, o judeu pós-Holocausto vive como um ser dividido entre a identificação com o conjunto da sociedade e a consciência de poder ser cassado a qualquer momento em seus “privilégios”, entre a vontade de integração e participação social e a consciência de que sua sobrevivência depende, em última instância, de sua capacidade de autodefesa” 51


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Mulheres no Judaísmo Amazônico Oriundo em sua absoluta maioria do Marrocos, o judaísmo na Amazônia poderia ser classificado, historicamente, como parte do “universo” sefaradi no que tange a questões femininas no segmento sócio-comunitário, litúrgico e nos costumes e tradições culturais. Porém, várias diferenciações no contexto e no entorno das comunidades amazônicas, advindas principalmente do deslocamento no sentido oriente-ocidente e do encontro com uma realidade bem distinta daquela de origem promoverão, consequentemente, resultantes que passarão a distinguir o judaísmo da Amazônia do originário marroquino. Estas mudanças se referem a alguns aspectos, como assinalamos na apresentação do livro de Reginaldo Heller, Judeus do Eldorado: Reinventando uma identidade em plena Amazônia (E-papers/Amazônia Judaica, 2010): “Não só o idioma se viu reinventado, adaptado, transformado, também costumes, tradições; os alimentos, as vestes, etc. Tudo isso num processo sutil e complexo de adaptabilidade, preservação e também de total aculturação, processo ainda em pleno andamento, cuja síntese parece jamais se fechar, por uma simples razão: os laços que nos unem às nossas origens ainda estão presentes, apesar das transformações.” Além destes aspectos, o fato de mesmo fisicamente afastados das grandes metrópoles do sudeste brasileiro, uma parcela significativa dos judeus da Amazônia, desde 52 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - SETEMBRO 2019

Mulheres da comunidade de Manaus em Noite Marroquina

os primeiros anos da imigração, manteve contato com estes e outros centros urbanos mais desenvolvidos, até mesmo no exterior. Portanto, fazer parte geograficamente do ocidente moderno tornou-os, ao longo do tempo, em vários aspectos parte integrante e consequente das transformações e avanços que a modernidade trouxe a esta parte do mundo. Estas serão as principais razões que levarão comunidades judaicas, originalmente tradicionais,


Mulheres da comunidade de Belém numa festa na sinagoga Shaar Hashamaim

a presenciar o surgimento, sem maiores traumas e divergências, passados quase dois séculos de presença na Amazônia, de grandes e inúmeras lideranças femininas na vida sócio-comunitária. É surpreendente como num judaísmo tradicional, composto por cerca de 4000 pessoas (os dados são fornecidos pelas comunidades) e em menos de 20 anos três mulheres assumiram a presidência de entidades diretivas de comunidades da região amazônica. Em Manaus, Anne Benzecry Benchimol presidiu o CIAM – Comitê Israelita do Amazonas e, em Belém, estiveram na presidência do CIP – Centro Israelita do Pará - Oro Serruya, Iana Pinto e Raquelita Athias. Mais recentemente, um fato inusitado e até aqui único no Brasil, a partir de 2018, uma mulher, Messody Bennesby, criou e assumiu a presidência de uma sinagoga em Porto Velho, Rondônia – a Sinagoga Isaac Bennesby O papel histórico exercido pelas mulheres no judaísmo também segue presente nas comunidades judaicas amazônicas. No primeiro e até hoje, único trabalho de pesquisa sobre este tema, é uma Dissertação de Mestrado pela UFAM (Universidade Federal do Amazonas), posteriormente editado pelo selo Amazônia Judaica, sob o

título Identidade e tradição: Um estudo sobre as mulheres da comunidade judaica de Manaus (2017), por Dina Paula Santos Nogueira. A pesquisadora trata do papel da mulher na tradição judaica: “Este trabalho objetivou identificar como as mulheres judias percebem e vivenciam a tradição judaica e em que medida os elementos ligados a essa tradição são importantes para a construção da identidade dessas mulheres.” A autora aponta para outras questões do papel da mulher na formação da identidade, seja nos âmbitos da tradição e da identidade religiosa, como na sociedade. E conclui, entre outras observações, que os papéis assumidos pelas mulheres: “...são considerados fator decisivo para a sobrevivência, na medida em que conectam as gerações atuais e futuras às gerações passadas, fortalecendo os vínculos identitários.” Apresentamos aqui curtos depoimentos das três ex-presidentes de entidades diretivas de Manaus e Belém e da fundadora e presidente da Sinagoga Isaac Bennesby, de Porto Velho, Rondônia. 53


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Anne Benzecry Benchimol

Anne Benchimol, diretora de Cultura do CIAM, e meninas da kehilá de Manaus, festejam a festa de Purim

Sou a terceira geração já nascida na Amazônia. Meus bisavós eram do Marrocos, Tanger e Tetuan. Como nossa migração marroquina começou pela cidade de Belém no Estado do Pará, meus avós são paraenses, meus pais já são amazonenses. Venho de uma família que segue as tradições judaicas marroquinas. Nosso rito religioso obedece a herança de nossos avós. Minha cultura judaica tem como base os aprendizados dentro da família, o dia-adia e também a participação da escolinha judaica de nossa comunidade. O judaísmo sempre foi muito presente em minha vida. O exemplo dos pais e avós motivaram muito essa participação. Já na idade adulta, juntamente com meu esposo decidimos nos dedicar mais à nossa

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comunidade, pois sentíamos que tínhamos algo a contribuir e que poderíamos fazer uma diferença na continuidade de nossa comunidade que hoje tem 90 anos de formação jurídica formal, recém completados. As pessoas tendem a achar que somente hoje as mulheres têm espaço na comunidade. Eu pessoalmente discordo. Apesar de eu ter sido a primeira presidente de nossa comunidade, quando ela já tinha mais de 80 anos de formação, acredito que se não houve antes, foi por falta de desejo das mulheres. Todas teriam sido tão bem recebidas quanto eu fui. Hoje em dia, temos muitas diretoras em nossa diretoria eleita. A participação feminina tem crescido em nossa comunidade. Tenho certeza de que sempre que uma mulher se candidatar à Presidência, ela concorrerá de igual para igual com um possível adversário masculino. Se no passado parecia haver alguma diferença, eu asseguro que no presente o gênero não faz diferença e sim as qualidades dos candidatos. Pode ser que no passado as mulheres fossem mais envergonhadas... Já quanto a participação de mulheres em papéis religiosos, essa questão sim, é complexa... e também vai depender do momento e necessidade...Por enquanto, o perfil de nossa comunidade ainda não se encaixaria com uma mulher como líder religiosa... Mas tudo tem o seu tempo e sua necessidade para resolver...


Iana Barcessat Pinto Sou Iana Barcessat Pinto, filha de Messod Barcessat e Merita Larrat Barcessat, sou paraense, 56 anos, formada em Direito com sonho em ser jornalista. Sempre me espelhei em meus pais, que falavam muito em Espinoza, para olhar a quem está ao nosso lado e em meus avós maternos, que se dedicavam à esnoga Essel Abraham e Hebrá. Iniciei minha paixão pela comunidade judaica em que vivemos quando aos 12 ou 13 anos comecei a frequentar o Grupo Kadima- hoje Kadima Bnei Akiva. Assistia minha mãe trabalhando na Wizo e ela sempre nos colocava pra ajudar nos bazares, Feira da Providência. Aos 18 iniciamos um movimento de reunir jovens para trabalhar para a Wizo – Aviv. Aí não parei mais, exercendo os mais diversos cargos: fui Presidente do Aviv , do Centro Bela Lancry (Wizomae) e daí fui convidada para disputar a Presidência do Centro Israelita do Pará - órgão mater da comunidade. Disputa eleitoral mesmo, mobilizamos a comunidade, contei com o apoio da maioria, tinha os jovens e os baluartes da comunidade em uma mesma chapa. Aí comecei a conhecer e me apaixonar realmente por nossa comunidade, por sua história e tradição. Estou a escrever um livro – um compêndio sobre os costumes sefaradim dos judeus da Amazônia. Adoro o livre arbítrio que a religião judaica nos dá, brinco que sou machista, vez que acho muito interessante não termos as obrigatoriedades que a religião impõe aos homens, mas faço questão de levar pessoalmente meu filho, que recentemente fez bar mitzva, para que complete Minian no Arbit, me incomoda muito uma sinagoga não conseguir completar seu Minian, não ter a continuidade. Acho que hoje temos mais conhecimento, mais acesso às informações, temos os livros maravilhosos do Rabino Elmescany e David Salgado, que nos permitiram conhecer nossa liturgia, acompanhar as

mesmas, mas não podemos esquecer as mulheres de outrora que trouxeram os costumes, fizeram a manutenção do judaísmo em nossa comunidade por mais de 200 anos. Adoro ver fotos da comunidade antiga, onde todos eram irmãos, primos, se ajudavam, faziam campanha pra comunidade maior. Acho que hoje, mesmo com toda tecnologia, vasta informação, acho que nos fechamos, acho até mesmo que houve um retrocesso no judaísmo aqui praticado. Digo que esta é uma comunidade machista, os piores cargos dão às mulheres (rss)... Belém, como diria nosso Rabino Abraham Hamu (Z’L), de quem muito aprendi sobre nossa história e religião, é uma comunidade sui generis. Acho que houve uma acomodação da comunidade, aí quando apareceram mulheres com idéias novas, seja na Wizo, na N’aamat, na Hebrá, quando passamos a nos expressar nos Kidushim das sinagogas, viram que seríamos capazes de realizar um trabalho diretivo maior na Federação. Brinco que falta assumir cargo de Presidente da Sinagoga, e ate já fui convidada para tal, mas acho que pelas próprias especificidades do culto, ainda deixo essa missão aos homens (rss). Sobre o aspecto litúrgico , como disse anteriormente, graças aos maravilhosos trabalhos do Rabino Elmescany e David Salgado, começamos a participar dos ofícios, embora o “Baruch Haba”- em casamentos, brit, fadas, sempre tiveram participação e voz ativa das mulheres. Começamos a organizar Seder de Rosh Hashana, Seudot na Sucot das sinagogas, tudo visando maior congraçamento e união. Agora não acredito que em tão breve tempo tenhamos essa participação, está havendo uma mudança muito grande culturalmente em nossa comunidade, tanto pra formação de um grupo mais religioso, como também um de tendências liberais. Temos que tentar retornar ao Centro, agregar e não afastar ou discriminar. Nossa comunidade se antevê por 200 anos respeitando a história e a cultura de nossos antepassados do Marrocos, não podemos dizer que o que fizeram estava errado. Olhemos à nossa volta e vejamos o grande legado espiritual e material que nos deixaram. Independente de sermos conduzidos liturgicamente por homens ou mulheres, penso ser importante preservarmos e respeitar nossa história, respeitarmos nossos semelhantes judeus ou não. 55


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Raquelita Athias Me chamo Raquelita Galanternick Grinzaid Athias, nasci em 22 de fevereiro de 1947, em Porto Alegre, filha de Cecilia Steinbruch Galanternick Grinzaid e de Raquelita Athias e seu esposo: Mãe do ano Wizo 2019 Jacob Grinzaid. Meus bisavós maternos vieram da Bessarábia, hoje Moldávia, para fundar a Colônia Phillipson na região central do Rio Grande do Sul, próximo à cidade de Santa Maria, em um projeto de imigração do Barão Hirsch, famoso por deslocar populações judias em situação de risco do Leste Europeu. Meu bisavô, Abraham Steinbruch, foi o rabino de Phillipson. Meus avós, Miguel Galanternick e Frida Steinbruch Galanternick se estabeleceram em Pelotas, também interior do RS e tiveram 6 filhos, 5 mulheres e 1 homem. Minha mãe Cecilia era a terceira. A família Galanternick deu às suas filhas e filho, já naquela época, educação universitária. Minha mãe estudou Contabilidade e se formou em Piano. Duas de minhas tias foram advogadas, uma 56 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - SETEMBRO 2019

farmacêutica, uma professora e um médico. Das duas advogadas, Sophia Galanternick Sturm (Z’L) foi a primeira mulher a exercer o cargo de Promotora Pública no Brasil. Meu pai pertenceu à legião de heróis judeus anônimos, imigrou sozinho com apenas 18 anos para o Rio de Janeiro, por questão de sobrevivência. Veio também da mesma região de minha família materna, Bessarábia, e não tinha noção do que era o calor. Desembarcou no Rio com apenas duas roupas de cashemira, compradas com todas as economias da sua mãe, de quem herdei o nome, Raquel Grinzaid. Aprendeu a ler com o motorneiro do bonde e lutou, como tantos, para educar suas filhas. Nunca estudei em escola judaica, minha formação proveio das tradições familiares, do movimento juvenil e da sinagoga que frequentei na juventude e no meu envolvimento pessoal com a temática judaica. Sou economista, pós-graduada em planejamento estratégico e orçamentário. Línguas: francês, inglês e alguma formação em hebraico. Fui diretora EconômicoFinanceira da CELPA, tendo sido a 1ª diretora mulher da empresa, Assessora de Planejamento da Fundação Educacional do Pará, hoje UEPA – Universidade do Estado do Pará, da qual fui também professora concursada, Assessora de Planejamento do Ministério Público do Estado do Pará e do Tribunal de Justiça do Estado do Pará e professora do Curso de Economia da UNAMA – Universidade da Amazônia, por 20 anos.


Desde muito cedo atuei em atividades comunitárias. Criada no Rio, frequentei a ARI e fui chanichah e madrichah da Chazit Noar Drom Americait. Em Belém, já casada, ingressei na WIZO, da qual fui presidente por duas vezes, a primeira tendo apenas 26 anos. Nessa instituição fui capacitada em liderança comunitária, tendo participado de vários congressos nacionais e internacionais. A WIZO é, certamente, um celeiro de competência e formação de lideranças femininas. A partir daí estive presente em diretorias do Centro Israelita do Pará, sendo sua presidente no biênio 2005-2006. Diretora da Sinagoga Shaar Hashamaim em duas gestões. Apoiei algumas diretorias tanto do Centro como da Sinagoga na qualidade de presidente da Assembleia Geral. A mulher judia tem uma importância enorme para a continuidade do povo judeu. Não sou daquelas que se consideram menores por não ter a obrigação de cumprir todas as mitzvot que os homens cumprem. Pelo contrário, vejo grandeza e importância na mulher em todos os setores do judaísmo. É bem verdade que com a evolução sóciopolítica da humanidade, as mulheres judias também se envolveram com atividades intelectuais em todas as áreas e se tornaram igualmente lideranças comunitárias importantes. Assim é que hoje há mulheres em postos relevantes de comando comunitário. Em Belém, nunca sentimos qualquer discriminação às mulheres que atuam na comunidade, muito pelo contrário,

sempre fomos valorizadas. Sou uma pessoa muito aberta a tudo que vem do judaísmo. Fui educada em uma instituição liberal, a ARI, embora ainda muito mais conservadora do que hoje se vê em instituições liberais, de todas as linhas. Em Belém, me agreguei totalmente a uma comunidade com laços mais voltados à ortodoxia embora com traços menos rigorosos. Estudo Torah com o rabino Disraeli Zagury do Beit Chabad. Mantenho contato de amizade estreita com integrantes do movimento judaico reformista, e por esse motivo compartilho de suas discussões e argumentações. Assim, me considero eclética com relação a linhas ou tendências do judaísmo, desde que sejam levadas a sério com o respeito que o tema merece. O que me interessa mesmo é avançar no conhecimento da Torah e tudo o que isso inclui e entender as diferenças e diversas visões do judaísmo. Pessoalmente, atuar na linha de frente religiosa não me faz falta, mas acredito sim, que a tendência será a da participação crescente da mulher mesmo nas atividades religiosas. Prova disso é que existem movimentos de mulheres ortodoxas pleiteando por mais espaço e avançando em matéria estritamente religiosa, anteriormente apenas destinada aos homens.

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Messody Bennesby “ Boa tarde! Gostaria de saber como registrar minha Sinagoga no portal. É a Sinagoga Isaac Bennesby (Sociedade Israelita de Rondônia) e fica em Porto Velho, RO.” Messody Bennesby Esta mensagem nos foi enviada ao nosso

site, o Portal Amazônia Judaica (www. amazoniajudaica.org), por Messody Bennesby, membro da tradicional família Bennesby de Rondônia. Os atuais Bennesby são descendentes do judeu marroquino Saul Bennesby e de Anita Salgado Bennesby, filha de judeus marroquinos. Eles compõem uma das últimas famílias judias que permaneceram em Rondônia. Saul, que havia se estabelecido anteriormente no Amazonas na década de 40, mudou-se para a região que na época era um antigo Território Federal e lá estabeleceu um pequeno comércio. Além de participação na economia local, os Bennesby enveredaram também na política: Moysés foi deputado estadual, federal e candidato ao Senado. Já seu irmão Isaac Bennesby, engenheiro de formação, estabeleceu-se em Guajará-Mirim e lá chegou a ser prefeito da cidade – um dos mais populares de sua história. Messody nos informa, que: “O nome da sinagoga homenageia o grande político judeu e de família tradicional em

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Messody Bennesby, fundadora e atual presidente da Sinagoga Isaac Bennesby de Porto Velho –RO, colocando a mezuzá, na porta de entrada

Rondônia. Não poderia colocar os nomes de todos da família, então homenageei o Isaac. Eu sou a presidente. O vice-presidente é Paulo Daniel Benito, o secretário, Ozanam Amoz Teixeira e a tesoureira, Suhellen Bennesby Pinto Dias. Temos também um Conselho. Nossa sinagoga funciona com a ajuda dos participantes, quando eles têm para ajudar. Não recebemos nenhum outro tipo de ajuda. Às vezes faço rifas de objetos meus, da mãe, para angariar algum dinheiro para comprar matzot, sidurim, vinho e outros artigos religiosos.”



NO PRELO

www.talucultural.com.br


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