Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil Faculdade SENAI/CETIQT
Curso de Bacharelado em Design - Habilitação: Moda
Anna Carolina Galvão Macedo Costa Avilhoesa
A cultura e o bordado madeirense aplicados à uma coleção de moda
Rio de Janeiro 2015
Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil Faculdade SENAI/CETIQT
Curso de Bacharelado em Design - Habilitação: Moda
Anna Carolina Galvão Macedo Costa
Avilhoesa
A cultura e o bordado madeirense aplicados à uma coleção de moda
Monografia para Graduação a ser submetida à Comissão Examinadora do Curso de Bacharelado em Design, da Faculdade SENAI-CETIQT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel em Design – Habilitação Moda.
Profª Gláucia Curtinaz Centeno
Rio de Janeiro 2015
Ficha catalográfica
GALVÃO, Anna.
Avilhoesa: A cultura e o bordado madeirense aplicados à uma coleção de moda / Anna Carolina Galvão Macedo Costa. – Rio de Janeiro, 2015.
177 p.
Monografia para Graduação a ser submetida à Comissão Examinadora do Curso de Bacharelado em Design, da Faculdade SENAI-CETIQT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel em Design de Moda.
1. Economia Criativa. 2. Bordado. 3. Artesanato.
Banca Examinadora:
Anna Carolina Galvão Macedo Costa
Avilhoesa
A cultura e o bordado madeirense aplicado a uma coleção de moda
Monografia para Graduação a ser submetida à Comissão Examinadora do Curso de Bacharelado em Design, da Faculdade SENAI-CETIQT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel em Design – Habilitação Moda. Data de Aprovação: 25/06/2015.
GláuciaCurtinazCenteno
MestreemComunicação–PUCRio Docente,SENAICETIQT
JoãoDallaRosaJúnior
MestreemDesign–PUCRio Docente,SENAICETIQT
FernandaVillela
Estilista
dalinhaartesanaldaFarm
JoãoDallaRosaJúnior CoordenadordoBachareladoemDesign–HabilitaçãoModa
Dedico esse trabalho de conclusão de curso a todos os madeirenses espalhados pelo mundo.
Agradecimentos
Primeiramente agradeço aos meus pais, que mesmo contrariados, me apoiaram em todas as decisões da minha vida. Um beijo maior à minha mãe, que me acompanhou em todas as minhas loucuras artísticas e nas viagens inesperadas em busca de mais informações para este projeto.
Agradeço à Flávia Pretti, que foi a percussora do meu interesse por moda, à minha grande orientadora Gláucia Centeno, e às minhas incríveis companheiras de curso, principalmente Bianca Oliveira, Mariana Moreira e Isis Mocny que me aguentaram todos esses anos. À historiadora Andrea Telo da Corte e aos queridos fotógrafos maravilhosos Aly Freitas e Martin Kluge.
Ao Folclore e Etnografia Região Autónoma da Madeira, ao Grupo de Folclore da Ponta do Sol, e à Danilo Fernandes, por me acolherem e ajudarem com infinitas informações das nossas tradições. Ao Grupo Folclórico Luís Vaz de Camões, José Ferreira Vaz, e especialmente à Luciana Sousa, que abriram os meus olhos para o mundo do folclore de onde eu nunca vou querer sair.
À Dona Maria Sardinha, pessoa encantadora, que me fez amar ainda mais a nossa cultura madeirense. Bem como à família Sardinha-Gonçalves, a qual nunca poderei agradecer devidamente, pois abriram as portas da casa para uma quase desconhecida.
Às bordadeiras do Morro de São Bento, Maria Isabel, Carmem Andrade e Augusta Fernandes, que tiraram um dia para reviver e compartilhar suas histórias de vida comigo, como também o querido estilista Hugo Santos. À Maria Ganança que ainda vai me ensinar muito sobre bordar, à Vitorina Andrade, minha quase madrinha, e à minha verdadeira madrinha, Conceição Costa.
Ao Centro de Comunidades Madeirenses e ao IVBAM, que moveram mundos e fundos para me ajudar nessa viagem.
Enfim, à minha querida avó, Agostinha Galvão, que mesmo não sabendo, foi quem começou todo esse projeto.
"Nunca se esqueça de quem você é, porque é certo que o mundo não se lembrará. Faça disso sua força. Assim, não poderá ser nunca a sua fraqueza. Arme-se com esta lembrança, e ela nunca poderá ser usada para magoá-lo."
- George Martin
Resumo
Este trabalho de conclusão de curso em Design de Moda aborda a inserção do bordado Madeira no vestuário feminino. O setor industrial que abraça essa experimentação é o da Economia Criativa, que é desenvolvido no projeto juntamente aos conceitos do Design Emocional e de Território. Como o bordado Madeira enfrenta uma desvalorização e corre o risco de desaparecer por completo no Brasil, o objetivo é revitalizá-lo de forma a inserí-lo em roupas modernas e coloridas que chamem atenção das mulheres jovens. Há também objetivos intrínsecos que são: despertar o interesse em aprender à técnica, render trabalho para as bordadeiras existentes e valorizar o trabalho delicado. O público alvo é o feminino, de 15 a 35 anos, que pertence à classe alta. A coleção traz peças casuais para dia e noite, Verão 2016, e tem como tema os elementos tipicamente madeirenses, seguindo ainda o estilo fashion encontrado nas grifes cariocas. Para a realização deste trabalho foram realizadas pesquisas de campo, à fim de coletar informações diretas do público, mercado, e sobre o próprio bordado no Rio de Janeiro, São Paulo e Ilha da Madeira. Quanto à pesquisa de tendências de moda foi utilizado a plataforma online Use Fashion.
Palavras-chave: Design de Moda. Bordado Madeira. Artesanato. Economia Criativa.
Abstract
This final graduation project in Fashion Design is about the incorporation of Madeira Embroidery into feminine clothing. The industrial sector that embraces this experimentation is the Creative Economy, which is developed alongside the concepts of emotional and territorial design in this project. Madeira Embroidery does not benefit from proper exposure and it faces the risk of completely disappearing in Brazil. The goal is to revitalize it in such a way that it can be incorporated into modern and colorful clothes that draw the attention of young women. Furthermore there is the intrinsic objective of awakening the desire of learning the technique, finding jobs for the existing embroiderers and bringing value to such delicate work. The target is the feminine public, ranging from 15 to 35 years old who belong to the high class. The collection is about casual garments for day and night, Summer 2016, it´s themed after all typical elements from Madeira, and follows the fashion style found in “carioca” brands. For the accomplishment of this project, there were performed field researches in order to collect direct information of the public, market, and the embroidery itself, in Rio de Janeiro, São Paulo and Madeira Island. Regarding research related to the actual fashion trends the online platform Use Fashion was utilized.
Key-words: Fashion Design. Madeira Embroidery. Handicraft. Creative Economy.
Sumário
Introdução ...............................................................................................................................................................................................21 1. Mercado ..................................................................................................................................................................................................22 1.1 Economia Criativa e Design............................................................................................................................................................23 1.2 Artesanato no Brasil........................................................................................................................................................................35 1.3 A inserção do Bordado Madeira em marcas de moda brasileira...................................................................................................43 1.4 O bordado Madeira no mercado internacional...............................................................................................................................53 2. Público ....................................................................................................................................................................................................58 2.1 Comportamento e consumo RJ e SP ..............................................................................................................................................59 2.2 Definição do Público – Resultado dos Questionários e Entrevistas............................................................................................62 2.2.1 Persona ....................................................................................................................................................................... 72 3. O Bordado ...............................................................................................................................................................................................74 3.1 Surgimento e história do bordado Madeira...................................................................................................................................80 3.2 Brasil x Madeira ..............................................................................................................................................................................85 3.2.1 As bordadeiras e as terras sudestes...........................................................................................................................................87 4. Coleção ...................................................................................................................................................................................................92 4.1 Tema e painéis de inspiração.........................................................................................................................................................93 4.2 Tendências......................................................................................................................................................................................96 4.3 Matriz Conceitual e análise de cor, formas e texturas ................................................................................................................100 4.4 Desenvolvimento da coleção .......................................................................................................................................................104 4.4 Cartelas .........................................................................................................................................................................................108 5. Release da coleção ..............................................................................................................................................................................112 5.1 Mix de produtos............................................................................................................................................................................120 5.2 Fichas de desenvolvimento e técnicas........................................................................................................................................124 5.3 Confecção do produto..................................................................................................................................................................166 6. Conclusão .............................................................................................................................................................................................170 Anexos ................................................................................................................................................................................................171 Referências .........................................................................................................................................................................................174
“Eu venho de lá tão longe...”
Introdução
O projeto Avilhoesa terá como objetivo a criação de uma coleção de vestuário feminino usando referências da cultura local da Ilha da Madeira, Portugal, através do Bordado Madeira e de elementos típicos madeirenses. Avilhoesa ou “à vilhoesa” é um neologismo criado com referência ao termo no masculino “Vilões” e no feminino “Vilhoas”. Este termo foi criado na Idade Média para referir-se a pessoas que moram em vilas subordinadas a um senhor feudal, mas até hoje é utilizado na Ilha da Madeira, referindo-se a classe social média que habita as zonas da lavoura. Como a economia da Madeira era basicamente agrícola, a população em sua grande maioria era lavrador ou pescador, portanto o traje típico madeirense tem por designação Vilão e Vilhoa. Percebeu-se a oportunidade através de conceitos, abordados tanto pelo Design Emocional quanto pelo Design Territorial, e sua relação com a grande utilização de referências de culturas regionais no mercado como forma de agregar valor ao produto de design. Conceitos esses que se unem à Economia Criativa, tão abordada no século 21 e que se constitui em um dos setores mais ativos do mercado, proporcionando novas oportunidades no meio das expressões artísticas e culturais. A inovação, um dos pilares desta coleção, se encontra na reinvenção de uma técnica fora de seu escopo inicial, que são os produtos domésticos, e dentro do segmento casual fashion para mulheres jovens de 15 a 35 anos.
O Bordado Madeira enfrenta uma desvalorização significativa desde os anos 80, consequência da Revolução Industrial e da globalização, que mudaram as relações de consumo, agora massificadas, e expandiram os mercados competidores. Após uma visita à fábrica de bordados Patrício e Gouveia Ltda, na Madeira, em 2013, foi constatado que o Bordado Madeira está de fato desaparecendo, tanto no local de sua origem, quanto no Brasil. Faz parte do processo do trabalho de um designer de moda projetar e desenvolver algo que possua referência dentro do campo do Design e que seja relevante dentro do mercado brasileiro. Escolhi essa técnica estrangeira que está inserida no mix cultural do Brasil, pois me é próxima pela família, e devido ao fato de vivermos num mundo globalizado, onde percebe-se cada vez mais a aproximação de culturas distintas. A metodologia para a definição do público alvo deu-se a partir de aplicação de questionário online e também entrevistas diretas realizadas individualmente. Foram feitas ainda pesquisas de campo na Ilha da Madeira, em São Paulo e no Rio de Janeiro, por meio de conversas informais com profissionais que trabalham com o bordado e visitas a museus etnográficos, que resultaram em informações documentadas por meio de aúdio e fotografia.
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1. Mercado
1 .1 Economia Criativa e Design
A Economia Criativa é um setor econômico que engloba várias indústrias, mas a que vamos destacar nesse projeto é a indústria de moda. O termo “Economia Criativa” é tão recente que o seu conceito ainda está em construção. Pode-se dizer que é um termo para definir atividades, produtos e serviços produzidos a partir de conhecimento, criatividade e intelecto que visa gerar trabalho e renda. O termo foi criado pelos anglos-saxões que viram a oportunidade de um setor com uma perspectiva diferente emergir diante dos tradicionais:
Os setores criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social.1
Nada mais coerente do que perceber o setor criativo como aliado de uma das tantas técnicas que aportaram no Brasil, afinal o Bordado Madeira é um veio cultural madeirense que sobreviveu e sustentou várias famílias ditas, depois de tanto tempo, brasileiras. Entretanto, a Economia Criativa tem seu foco não apenas no meio cultural, mas sim em todas as expressões: artísticas, da moda, musicais, do artesanato, das mídias da tecnologia, da arquitetura e do design. Ainda é intangível e simbólica, pois utiliza os talentos criativos que produzem produtos ou serviços, mas ainda não possui bases legais ou conceitos para o mundo atual. Na verdade, Paulo Borges, criador do São Paulo Fashion Week, no segundo episódio da websérie2 em conjunto com o Shopping Iguatemi, afirma que nem o setor da moda no Brasil possui leis. Fatores esses que devem mudar brevemente, devido ao crescimento do setor.
1 BRASIL.Ministério da Cultura. PLANO da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014. Brasília, 2012, p.22.
2 BORGES, Paulo. Amo moda Amo Brasil: Episódio 2 – Artesanal. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RpqFkNDB9ig Acesso em: 20 mar. 2015.
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1
1.Paulo Borges durante a websérie, vestindo casaco artesanal.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Claramente, o motivo pelo qual o conceito pôde surgir e se estabelecer na economia é pelo fato de que o consumo global mudou. A conscientização de que a produção em massa é destruidora dos recursos naturais do meio ambiente e consequentemente piora nossa qualidade de vida foi um dos preceitos para muitos consumidores mudarem de posição. São dois movimentos que convergem, pois, como Kruken (2009) discorre, de um lado estão os produtores que necessitam agregar valor para seus produtos, condizente com os valores emocionais que têm para o local de origem; e do outro lado estão os consumidores que vivem um momento no século de conscientização, seja alimentar, seja na autenticidade e sustentabilidade nos produtos que compram. Os produtos oriundos da indústria criativa vieram atender a esses novos consumidores que desenvolveram valores sobre o que acham ser melhor ao planeta. Também àqueles que defendem o consumo moderado, valorizam as tradições e tencionam mantê-las vivas. Outra causa foi a crise econômica, pois devido ao estado delicado em que ficou a economia de vários países do século XX pra cá, começou-se a analisar todos os setores industriais e perceber não apenas o potencial do setor criativo, que era segmentado, mas “as conexões entre estas industrias, como elas se relacionavam no campo cultural e como, juntas poderiam gerar mais lucratividade e consumo. Com isso foi concretizada a relevância, da Economia Criativa”3 .
Com essa afirmação e relevância o setor não demorou a ser descoberto no Brasil, que foi palco de congressos, conferências e seminários sobre o assunto.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
3 WILSON, Carolina. Feito no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI/CETIQT, 2014.
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2.
Arte da Indústria Criativa.
3.Tradição do bordado.4.Crescente conscientização da sociedade.
Portanto, a criação da Secretaria da Economia Criativa em 2012 pelo Ministério da Cultura foi algo natural a ocorrer.
Segundo a FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) (2012), o segmento de moda foi destacado como percussor do movimento e corresponde a 30% da cadeia do setor criativo no país, que aqui possui
quatro pilares que o norteiam: a diversidade cultural, a sustentabilidade, a inclusão social e a inovação. Dentro do design
podemos encontrar esses pilares intrinsecamente. A combinação do trabalho do designer com a visão da economia criativa gera a possibilidade de um futuro promissor para o Bordado Madeira e também para muitas outras técnicas, ao reinventá-los completamente no mercado.
As indústrias criativas têm por base indivíduos com capacidades criativas e artísticas que, em parceria com gestores e, quando necessário, profissionais da área tecnológica, desenvolvem produtos (e serviços) comerciais cujo valor económico reside nas suas propriedades intelectuais (ou culturais) (DANTAS, 2008, p. 4).
Pela diversidade cultural, chegamos ao grupo abordado, que é um dos vieses da cultura portuguesa no Brasil. Todos os madeirenses que imigraram puseram um pouco de si nesse mix cultural que é o povo brasileiro, seja aqueles com a cultura dissolvida que vieram no início da colonização (para o Nordeste), seja aqueles com a cultura intacta do final das imigrações (para o Sudeste). A nossa diversidade cultural deve ser preservada, seja de que procedência for, tendo em vista não perder a tradição histórica, a originalidade nem o potencial da essência do nosso povo. O sentimento nacionalista do brasileiro está crescendo aos
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
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5. Mix cultural no Brasil. 6.Pilares da Economia Criativa. 7.Família madeirense no seu 1º dia no Brasil.
poucos, e pode ser observado na mudança de posição dos consumidores e produtores, quando voltaram seu olhar para dentro da sociedade em que estão inseridos.
A questão de divulgação de uma técnica é debatida por Kruken (2009) na relação do Design e território, pois contribui para a preservação do patrimônio e diversidade cultural, e da herança que ficará para os sucessores de determinado território. Também acaba por contribuir para a adoção e a valorização da sustentabilidade na cadeia econômica.
A sustentabilidade está no recurso do produto como o bordado ser durável, e na possibilidade de ser convertido em outro artigo com o passar do tempo. Cuidado da forma certa, o bordado Madeira pode chegar a mais de 100 anos. Em São Paulo, D. Maria Aveiro mostrou a camisola de sua avó, que ela chegou a usar, e está intacta até hoje. D. Augusta Fernandes também comentou inúmeras vezes sobre como gosta de reciclar seus trabalhos. Quando começa a enjoar de tal estilo, ela o desfaz e refaz em outro produto. Já no Rio de Janeiro, D. Ana Cristina Galvão pontuou que sempre viu sua mãe consertar buracos no tecido com renda bordada, e que transformar tecidos feios em outros artigos era comum.
Os benefícios da sustentabilidade são muitos. Além de durável e mutável, o produto também não impactará a natureza de forma brusca, assim proporcionando uma melhor qualidade de vida. Já pela visão do consumidor, o alto preço incluso da técnica na peça de roupa justificaria essas qualidades, que também dependem do trabalhador para que sejam exercidas 100% tradicionalmente.
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A inclusão social é um princípio fundamental numa sociedade em que a cidadania não é plena, onde possuímos altos níveis de violência, de analfabetismo ou pouco acesso à cultura. Deve-se promover atividades e projetos que incluam a produção e acesso a serviços criativos de acordo com o desenvolvimento de políticas publicas. Priorizando, ao proporcionar trabalho e renda, àqueles que estão numa situação mais vulnerável.4
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
4 WILSON, Carolina. Feito no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI/CETIQT, 2014.
8. Encarte sobre os bordados Madeira nos Morros de Santos. 9. Artesão de vime 100% tradicional.
Além dos benefícios econômicos, a economia criativa também contribui significativamente para o desenvolvimento social. Seu potencial para gerar bem-estar, autoestima e qualidade de vida em indivíduos e comunidades, por meio de atividades prazerosas e representativas das características de cada localidade, estimula o crescimento inclusivo e sustentável, defende a publicação (SEBRAE, 2014).
A inclusão social é um fator pelo qual a União das Bordadeiras do Morro de São Bento, em Santos, luta até hoje. A fundação começou como um projeto de resgate da manifestação cultural portuguesa, em 1984, idealizado por folcloristas, padres e bordadeiras. Promoveram palestras e reuniões sobre a importância da preservação do bordado. Sugeriam sempre que as bordadeiras formassem cooperativas ou associações proporcionando um grupo que negociaria diretamente com o consumidor, mas essa associação só nasceu um ano depois. O Estado concedeu uma verba para a compra dos materiais, e logo realizaram a primeira exposição, que se expandiu para clubes, hotéis, entre outros. O projeto cresceu e foi uma alegria para essas bordadeiras durante seu desenvolvimento, mas o tempo passa, e muitas das bordadeiras que já eram idosas, morreram. Naturalmente, as descendentes mais novas não as seguiram, ou sequer aprenderam a técnica, e assim os subsídios foram cortados e a atividade que era farta, escasseou.5
Recentemente, o grupo foi convidado a participar das comemorações do Dia Internacional da Mulher. Por vários dias, mostraram os bordados em um
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10. DVD
11.
12.Bordadeiras
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5 SANTOS. Prefeitura Municipal. Secretaria de cultura. Bordados da Madeira nos Morros de Santos. Santos: Prodesan, 1992. Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
sobre as bordadeiras de Santos.
Bordadeiras expondo trabalhos.
entrevistadas por Gisela Kodja.
shopping da cidade, mas não venderam nada. Sobre o fato, D. Maria Alexandre comentou: „não vendemos nem um lencinho, mas fizemos muitos amigos por aqui‟ (KODJA, 2008,p. 40).
Não só o trabalho das bordadeiras de São Bento, mas muitos artesanatos locais sobrevivem em condições péssimas por não terem incentivo ou valorização. É no sentido de reverter essa situação que a Economia Criativa se destaca como agente transformador.
A incorporação do Bordado Madeira em peças que poderiam estar em grifes nacionais naturalmente agrega um valor maior ao trabalho manual e também aumenta sua popularidade, certificando-o como produto vendável e acessível. Reconhecer esse trabalhador no meio econômico e dar emprego para aqueles que detêm o conhecimento de uma cultura específica é uma forma de incluí-lo socialmente e economicamente num local.
A inovação é um elemento importante para a indústria criativa, pois assim surgem ideias originais, que necessitam de conhecimento e capacidade de identificação no mercado, através do empreendimento. A inovação pode ser entendida por dois vieses. A inovação incremental, que é exatamente a incorporação do bordado Madeira no vestuário feminino, uma forma de aperfeiçoar, de reinventar algo que já existe. E a inovação radical, que significa criar algo totalmente novo. Principalmente no segmento do Design, a inovação tem uma relação direta com a solução de problemas que sejam viáveis. Transformar o bordado, que era majoritariamente, desde sua afirmação como produto, para uso doméstico em algo completamente diferente no vestuário para mulheres jovens, desviando dos formatos tradicionais, e o inserindo num quadro de tendência e modernidade, é uma inovação. 6 Assim, o projeto Avilhoesa compartilha de todos os escopos da economia criativa.
(...) Valorização, proteção e promoção da diversidade das expressões culturais nacionais como forma de garantir a sua originalidade, a sua força e seu potencial de crescimento (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2012, p. 34).
O trabalho do designer é um dos que mais se aproxima do setor da economia. Envolve um conjunto amplo de pontos como: identificar, compreender, traduzir, comunicar, visualizar, criar, visionar até finalmente poder projetar. O design é relação entre o abstrato e o concreto numa atividade criativa que determina variadas qualidades em objetos, portanto, é um fator crucial para a humanização das tecnologias, inovação e troca cultural.
6 SEBRAE. O que é Economia Criativa. Sebrae Nacional, 2014. Disponível: <http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/O-que-%C3%A9-Economia-Criativa> Acesso em: 6 nov. 2014.
Conseguir efetivar todos esses objetivos pode ser um grande desafio, sobretudo se atrelarmos a esses conhecimentos, outros também bastante explorados contemporaneamente. Para que um projeto dê certo, recorrendo aos conceitos debatidos por Norman (2008) em Design Emocional, é importante o designer passar por dois momentos do componente afetivo do nível visceral: o positivo e o negativo. O primeiro, que ocorre quando estamos felizes, desperta a curiosidade, envolve a criatividade e torna o cérebro predisposto a aprender para solucionarmos problemas e desenvolvermos a base de ideias através de brainstorming. Já no segundo precisamos nos concentrar para visualizar a solução focada dos detalhes. Esses componentes do nível visceral, aliados aos outros dois níveis, comportamental e reflexivo, são imprescindíveis para o projeto ser bem sucedido.
Ainda no nível visceral, as condições que geram afeto negativo ou positivo, que são programações básicas dos seres humanos, podem ou não acontecer em todas as pessoas. Eventualmente, as predisposições biológicas são desencadeadas por experiências. Por exemplo, um dos fatores que colocaram o Bordado Madeira em risco é a condição de que a técnica não foi passada adiante para as gerações seguintes. O motivo pode estar mascarado no fato da vivência de reclamações por parte das avós ou mães a respeito das condições de trabalho e salário, e sofrendo consequências negativas em relação ao saber da técnica. A emissão de opiniões negativas na experiência de vida dessas mulheres pode ter repercutido na falta de interesse
dessas gerações.
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13.
14.Brainstorming. 15.Workshop
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Os três níveis do design emocional.
de Bordado Madeira com crianças.
Utilizando esse mesmo esquema, podemos gerar afeto positivo nos consumidores que nunca ouviram falar sobre o Bordado Madeira. Ao elaborarmos uma apresentação atrativa, seguindo as premissas que o nível visceral determina, proporcionamos uma primeira impressão e experiência positiva do Bordado Madeira, num ambiente adequado ao produto, e consequentemente conquistando o novo consumidor.
O nível comportamental diz respeito ao uso do produto, e possui quatro componentes: função, compreensibilidade, usabilidade e a sensação física. No design de moda o desempenho desses componentes não é tão relevante em comparação com os outros níveis. É certo de que comprar uma roupa com bolsos e atestar que são falsos é decepcionante, pois aquele detalhe seria um adicional funcional. No componente da função a roupa só precisa proteger e cobrir o corpo. Acredito que o fator da sensação física seja o mais crucial para o vestuário ser bem aceito. É nesse campo que estão as superfícies, a textura e o peso dos tecidos e aplicações, que são pontos críticos para a avaliação dos consumidores. Para podermos satisfazer a necessidade dos humanos a melhor maneira de receber feedback é por meio de protótipos.
Já o nível reflexivo está diretamente relacionado com a cultura, as lembranças pessoais e a auto-imagem: a satisfação pessoal produzida por ter, exibir e usar tal produto. É importante ressaltar o sentido de identidade própria, a mensagem que o indivíduo expõe do seu lugar no mundo. Objetos que revelam-se por recordações, associações positivas e evocavam histórias, são especiais e passam a ser contadas, ou exibidas, com orgulho.
Após a apresentação de alguns conceitos do design emocional, podemos relacioná-los com complementos do Design e Território (2009): a qualidade de um produto é fortemente influenciada pela subjetividade da cultura. No nível reflexivo, devido ao impacto global uma das maiores dificuldades do designer é divulgar a qualidade de valores e produtos locais para consumidores que não conhecem seu contexto ou história. Para facilitar essa interação é necessário saber como as pessoas percebem o valor e a qualidade dos produtos, ou seja, definir como é seu modo de produção e seu significado. Portanto algo considerado exótico só pode ser avaliado por meio de uma experiência. Depois de consumada, transforma-se em “qualidade percebida” que possui critérios de avaliação que classificam o valor do produto.
O primeiro deles é o valor funcional, que avalia a adequação ao uso, como a ergonomia, a segurança e as propriedades da composição. O valor emocional leva em consideração os cinco sentidos incorporados com a afetividade e o gosto subjetivo do consumidor, além da memória, que relaciona lembranças positivas ou negativas à experiência. O valor ambiental corresponde ao uso sustentável dos recursos naturais do meio ambiente. O valor simbólico e cultural relaciona a importância do produto para produção/consumo, as tradições e rituais, os significados espirituais e a origem histórica. A manifestação de identidade social que é influenciada pelo contexto sociocultural e depende do “espírito do tempo”. O valor social inclui valores morais, direitos e deveres no processo de produção, tanto para o produtor quanto para o
consumidor. Por último, o valor econômico diz respeito ao custo/benefício economicamente da experiência e o produto.
Às vezes, a experiência começa ruim, mas depois é redimida pelo serviço e torna-se satisfatória a longo prazo. Essa situação pode até fidelizar mais o cliente do que aquele que apenas teve um bom atendimento e uso. Estamos num constante processo de reavaliação e recordação.
Alguns produtos são naturalmente mais agradáveis aos humanos, pois “talvez os objetos que sejam mais íntimos e diretos sejam aqueles que nós mesmos construímos – daí o grande apreço das pessoas por coisas confeccionadas em casa, trabalhos manuais”(...) (NORMAN, 2012, p. 69).
O design representa o agente que agrega valor aos produtos, inova e cria imagens positivas ligadas ao território ao fortalecer a identidade local, crescendo como um investimento de muitos campos da economia hoje em dia. O Design e Território (2009) ainda conta com 8 ações para o projeto do designer atingir favoravelmente a valorização do produto e seu território, que se contextualiza com o Bordado Madeira. São eles:
Reconhecer as qualidades:
Compreender o espaço de origem do produto, sua história e qualidades, e pontuar marcadores de identidade da comunidade, que neste projeto será o folclore, os elementos paisagísticos, o artesanato e a história da Madeira..
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015. 16. Toalha sendo bordada. 17.Mimi Handmade Products. 18. Confecção de bolsas de v i me modernizadas por Toino Abel.
Ativar competências:
Envolve investimento no desenvolvimento e na visão compartilhada entre o designer, a instituição e o governo. Esse cenário e a combinação de pensamentos já estão acontecendo, como apresentado anteriormente.
Comunicar o produto:
Utilizar uma linguagem acessível que estreite a relação entre o desconhecido e o consumidor. É necessária uma tradução clara do modo de fazer tradicional que perpetue a história do produto, distinguindo e exaltando sua origem. Após o atestar de que o Bordado Madeira está desaparecendo por não ser compatível com as novas comunicações, será necessário redesenhá-lo para que seu valor no mercado seja potencializado.
Proteger a identidade local:
O orgulho e o patriotismo estão relacionados com a imagem da região e sua herança cultural. Para protegê-la é fundamental valorizar o patrimônio material e o imaterial, tal como os testemunhos da comunidade que devem ser resguardados para as gerações seguintes. Na Ilha da Madeira, o bordado é muito preservado, no turismo, em feiras, em museus, mas no Brasil não há ações significativas nesse sentido.
Apoiar produção local:
Conjugar inovação e tradição, de forma a valorizar o saber-fazer tradicional e incorporar tecnologias que beneficiam a divulgação, sem descaracterizar a identidade do produto. A criação dessas plataformas de comunicação é essencial para uma perspectiva de futuro, além da análise de viabilidade econômica e ambiental na produção.
Promover sistemas de produção e de consumo sustentáveis:
Conscientizar produtores por meio de práticas sustentáveis na produção e no consumo, expondo os valores embutidos no produto e exigindo que ele possa ser usado por muito tempo. A sustentabilidade do trabalho manual reside no próprio fato de que se confeccionar à mão não destrói recursos naturais, e agrega qualidade e durabilidade maior.
Desenvolver novos produtos e serviços que respeitem a vocação e valorizem o território:
Primeiro deve-se definir a vocação do território, e assim desenvolver-se serviços baseados nesses recursos. Por exemplo, turismo, feiras e restauração são alternativas positivas para contribuir com a renovação da imagem do território. Uma alternativa seria a formação de uma casa da Ilha da Madeira no Rio de Janeiro, assim como já existem duas em São Paulo, onde promovem festas, esposições, eventos que divulgam as tradições madeirenses.
Consolidar redes no território:
Para promover a conectividade entre redes, que dão ao produto acesso ao mercado, é essencial uma infraestrutura de comunicação, interesse de agentes da comunidade produtora e verba financeira para a pesquisa e confecção.
Todas essas ações mapeiam capacidades e dificuldades no caminho necessário para a valorização dos produtos regionais, sempre respeitando a cultura.7 O envolvimento de diferentes pontos de vista dos agentes interessados enriquece esse processo de revitalização. Unir a tradição ao design moderno confere ao resultado um valor simbólico de produto nacional, além de irromper movimentos com diferenciais que o mercado solicita.8
É possível que, a partir desse processo, a globalização assumiu um caráter paradoxal no século XXI sobretudo em relação às de tendências de consumo. Ao mesmo tempo em que exigiu que as organizações estandardizassem os processos, controlassem iniciativas e dividissem as atividades – que consequentemente derrubou o artesanato e atividades tradicionais – expôs para esses profissionais uma gama de interesses, difundindo gostos particulares de determinadas regiões livremente.
7 KRUKEN, Lia. Design e território: valorização de identidades e produtos locais. São Paulo: Studio Novel, 2009, p. 107.
8 CARDOSO, Fernanda de Abreu. CENTENO, Gláucia. Brasilidades – o design brasileiro e as representações da identidade nacional. SABRÁ, Flávio. (Org). Inovações, estudos e pesquisas: reflexões para o universo têxtil e de confecção. Rio de Janeiro: SENAI/CETIQT, 2012.
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19
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015. 19. Exemplo de comunicação do produto pela Festa da Flor, em Abril na Madeira, divulgando o bordado Madeira.
Ocorreu um jogo de sobreposição de culturas e estabelecimentos de hábitos e costumes que influenciaram uns aos outros. Esse movimento é uma tendência da cultura visual contemporânea para enfatizar a nacionalidade, típico da nossa época, que motivado pelas novas tecnologias transformaram hábitos. O design favorece essa relação da globalização ao desenvolver soluções vantajosas tanto no contexto local quando no global. Une os benefícios da tecnologia aos recursos e potencialidades locais e simultaneamente promove-se a integração dessas comunidades.9 A sociedade contemporânea quer expor um pouco de si para o mundo. Os profissionais, que além de produtores são consumidores estão expandindo seus parâmetros de pensar, decidir e avaliar. Produzem e compram tudo aquilo que lhes tem um apego afetivo e emocional. Atribuem seus próprios talentos e sua essência cultural em seus relacionamentos e trabalho. Afinal, como afirmam Cardoso e Centeno (2012, p.53) “para se vender, é preciso falar de si mesmo e mostrar aspectos mais evidentes da sua cultura.”
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
9 KRUKEN, Lia. Design e território: valorização de identidades e produtos locais. São Paulo: Studio Novel, 2009, p. 37.
20.21.
Exemplos
de projetos de branding para evidenciar a música portugu esa e a cidade do Porto.
20 21
1 .2 Artesanato no Brasil
A atividade artesanal surgiu paralelamente ao próprio crescimento intelectual do ser humano, que precisou inventar manualmente ferramentas para viver o dia-a-dia em sociedade. Também ao sentir a necessidade de se destacar, o homem desenvolveu criativamente acessórios e adornos.
Os primeiros artesãos brasileiros foram os índios, que possuem uma variedade incrível de artesanato baseado em tradições e folclore que variam de tribo de região para região. Após a colonização dos portugueses, e a imigração escrava africana, nosso país começou a absorver outras técnicas, que na maioria das vezes se adaptaram da terra natal para o Brasil. E enquanto essas macroculturas eram dominantes, muitas outras chegaram aqui a partir de imigrantes que trouxeram e mantiveram seus ricos rituais, como por exemplo, os japoneses, os alemães, os holandeses, os chineses, os italianos, etc. Entretanto, esse potencial enorme do brasileiro foi abatido por uma das consequências que a modernidade trouxe.
A Revolução Industrial, a indústria de massa, e o Fordismo que começaram no século XVIII e se instalaram nos conceitos das fábricas até o século XX, foram os grandes responsáveis pela forte desvalorização do processo artesanal. Era o início da era da especialização com máquinas. O
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22.Artesanato indígena. 23. Cena do filme “Tempos Modernos”, a Rev. Industria l. 24. Menina
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
trabalhando em fábrica.
trabalhador seria selecionado para uma tarefa específica dentro da fábrica, assim o impossibilitando de participar de todo o processo, o que foi impactante para aqueles que discordavam daquele meio de produção que tomou conta de toda a economia. Todos aqueles que insistiram em continuar artesãos tiveram péssimas condições de trabalho e baixa remuneração. Devido a essas circunstâncias, muitos abandonaram seus ofícios, esqueceram-se e não passaram seus conhecimentos adiante. Muitos pensadores da época viam com maus olhos a nova estrutura industrial, tanto que William Morris fundou o Arts and Crafts como um grito contra a mecanização. Nada menos que o próprio Bordado Madeira foi exposto e incentivado pelos fundadores do movimento.
O Arts and Crafts é um movimento estético que ocorreu na Inglaterra, já na segunda metade do século XIX. Entre os seus ideais, estão a igualação entre o artista e o artesão, e o enaltecimento da técnica pura, técnica essa considerada “religiosa”, com moral e valores, transmitindo um significado e consciência. Desprezavam as imitações baratas e arrogantes produzidas pelas medíocres máquinas. John Ruskin e William Morris foram os percussores dessas ideias que foram as mais influenciadoras do movimento. Defendiam tão ferozmente que seus argumentos chegavam a ser polêmicos na época, pois eram contra “a decadência do gosto, a perda do sentimento da espiritualidade do traba lho, geradas pelo mecanicismo da técnica e pelo utilitarismo da produção industrial.”10
A influência de suas críticas foi muito vasta, se bem que os humildes ofícios manuais por elas defendidos se revelassem, sob condições modernas, o maior dos luxos. A divulgação de tais críticas não tinha a menor possibilidade de abolir a produção industrial em massa, embora ajudasse as pessoas a abrir os olhos para os problemas que se haviam criado e a disseminar o gosto pelo autentico e o genuíno, o simples e o „caseiro‟ (GOMBRICH, 1999, p. 536)
Infelizmente os esforços por parte dos artistas não foram suficientes para o artesanato ganhar um espaço maior no mercado dominado pela produção em massa. Após este momento avassalador, o artesanato encontrou novamente numa perspectiva de sobrevivência quando aliado a indumentária de luxo. Como Lipovetsky (2005) discorreu, o luxo começou ainda 4.000 anos A.C. como uma oferenda aos mortos. O lamentar pelos entes queridos envolvia um sentimentalismo exacerbado, que naquela época era transformado em pequenos artigos de importância, sejam joias rústicas, flores, e outros
10 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 103.
25.O luxo na
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
morte.
pertences e oferendas que eram enterrados junto com o corpo. Trazendo esse discurso de Lipovetsky, debatido em Luxo Eterno, para uma analogia conceitual, podemos associar à problemática do artesanato. Assim como o luxo, que nasceu da morte, o artesanato pode ter renascido da sua desvalorização, após as ideias dos movimentos à favor da sua sobrevivência terem repercutido.
A história do luxo está diretamente ligada à tradição. Ao analisarmos casos de sucesso até hoje, como as marcas Hermès, Louis Vuitton e Cartier, pode-se perceber que seu inicio está baseado no mesmo fato: a produção de artesãos dedicados a criar produtos belos e diferentes. O seus métodos específicos eram passados de geração a geração dando origem a uma dinastia que ficava restrita a uma região.
No Brasil o mercado do artesanato aliado ao luxo deu um salto no final de 1980, quando nasceram as primeiras pequenas empresas artesanais, de estrutura familiar e que se tornaram conglomerados. Cresceram rápido, pois para conseguir mais clientes seus preços não chegavam nem perto de marcas já consolidadas no mercado, assim democratizando o acesso ao item luxuoso e raro, como a Daslu.
Da mesma maneira que a moda, o luxo também teve seu ciclo repetido. Ele era privilégio de poucos, da nobreza e realeza da Europa, só que com a queda do poder da monarquia, os produtores tiveram que recorrer a outros clientes para sobreviver, como os famosos e os aristocratas. Dessa forma o luxo se democratizou dando acesso a outras classes sociais, o que para muitos foi considerado uma regressão de nível. Novamente no século XX o luxo perdeu mercado, pois é um setor muito frágil a crises financeiras, e até 2015 ainda se sente os efeitos da crise, que começou nos EUA no final de 2007, abalou a Europa e outros países alinhados.
Após a democratização, outro fator importantíssimo para o grande sucesso do artesanato brasileiro é a questão dos nossos profissionais terem voltado seus olhos para dentro do país. Por muitos anos a nossa moda se baseou no que era definido nas passarelas dos países desenvolvidos. Nesse ato de se inspirar no estrangeiro, o produto brasileiro desvalorizou, abaixou de preço, não vendia devidamente. Mas o cenário mudou, e com ele a relação global e local virou uma necessidade para o mercado internacional. Começou assim, na era da pósmodernidade a divulgação de múltiplas culturas dentro de uma mesma sociedade, que passam pelo processo da aculturação, mas que definem perfeitamente a si próprias.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
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26.Trabalho manual na Louis Vuitton.
No campo do design no Brasil, o movimento de valorização e inspiração no produto brasileiro vem crescendo e se modernizando, mesmo que tardiamente. Este tema é discutido no trabalho de Cardoso e Centeno (2012), que dizem que os profissionais trazem a identidade brasileira ao contar a nossa história, consequentemente tornando o processo constante em revitalização, através de interpretações não literais e desconstrução contemporânea sobre os elementos mais característicos das macroculturas. Dentro desse escopo está também a aplicação de técnicas artesanais, que é muito comum em design de moda, como forma simbólica da brasilidade e agente reforçador da ideia do produto artesanal, principalmente se for confeccionado em matéria-prima nacional.
É evidente que o sucesso da moda no mercado internacional e nacional se deve a valorização das culturas locais, que pode ser feito com a parceria do designer com o artesão. A técnica fica à cargo do artesão que a domina, e é ministrada pelo projeto do designer, assim surge a ética entre as duas atividades que proporcionam benefícios múltiplos. 11
Foi essa a ideia de muitos estilistas brasileiros, que viram na variedade enorme da artesania locais em seu próprio país, que deriva de uma mistura de culturas, uma grande oportunidade. Aproveitaram uma das nossas maiores riquezas, dando emprego aos profissionais excluídos, proporcionando visibilidade ao trabalho manual e elevando o valor desse trabalho ao nível da altacostura. Exemplos desses empreendimentos são facilmente encontrados, como o Projeto Terra, em SP, que está localizado numa praça de classe A, e revende produtos manufaturados por moradores de comunidades carentes. Os valores principais deles são de gerar oportunidades sociais e culturais.
CARDOSO, Fernanda de Abreu. CENTENO, Gláucia. Brasilidades – o design brasileiro e as representações da identidade nacional. SABRÁ, Flávio. (Org). Inovações, estudos e pesquisas: reflexões para o universo têxtil e de confecção. Rio de Janeiro: SENAI/CETIQT, 2012.
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27 28 29 27.28.29.Produtos do
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Projeto Terra.
Ganha o artesanato como uma alavanca para o desenvolvimento do luxo brasileiro. Há benefícios para todos. Ganham os clientes, que passam a acessar produtos e serviços com algo que nenhum país desenvolvido no mundo possui: nossa história e geografia. Ganham as comunidades produtoras, que têm uma forma de estímulo ao empreendedorismo e geração de renda, diminuindo o conhecido fosso social brasileiro. E o melhor, ganha a nossa sociedade, que tem sua cultura valorizada e perpetuada, e de forma sustentável (DAMETTO, 2013, p. 2-3)
Carlos Miele é um estilista brasileiro reconhecido internacionalmente que possui um trabalho combinatório de design e de consciência social. Ele foi um dos primeiros a desenvolver parcerias com cooperativas artesanais em diversas partes do país, como artesãs de fuxico da CoopaRoca (costureiras da Favela da Rocinha, no RJ), comunidades indígenas da Amazônia e sua arte plumária, além de bordadeiras da Associação Comunitária Despertar, de SP. Deu outro nível as essas e outras técnicas esquecidas, como o fuxico, patchwork e crochê, quando aplicados na alta-costura de seus desfiles.
Por causa desse movimento que repercutiu no Brasil, obtivemos uma supervalorização do produto nacional, que antes era rejeitado, como uma reconciliação com nossas raízes, identidade e cultura.
Essa identidade é um conjunto de elementos, valores, imagens que são referências muito heterogêneas, mas que estão e estiveram inseridas na história do Brasil. É nesse contexto que se justifica a escolha de trabalhar com o Bordado Madeira.
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31 32
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
30. Coleção com fuxico de Carlos Miele. 31. Artesãs da CoopaRoca. 32.Arte com a logo da CoopaRoca.
Poderíamos pensar que o que se considera “nacional” não seria necessariamente algo comum a todos os brasileiros, e sim, um conjunto de representações de elementos “nacionais”. Desta forma, diversos aspectos poderiam representar a cultura brasileira (CARDOSO; CENTENO, 2012, p.42).
Com o ponto de vista do mercado respaldado, agora aborda-se outro aspecto crucial, que é o consumo. A tecnologia e a produção em larga escala acabaram por gerar o modelo acelerado de especialização do profissional, imposto em 1990 como standard empresarial, mas que hoje sua permanência é duvidosa. O comportamento e os interesses do profissional mudaram, tanto na vida privada como no trabalho. As novas gerações cresceram num meio permanentemente conectado e entraram em contato com várias experimentações que as fizeram redescobrir a memória, as origens, o tempo denso e lento, o território, as narrações e o étnico. Essa mudança de posicionamento afeta tanto a produção quanto o consumo, que vai em direção ao consumidor autoral, que caracteriza-se por estar menos ligado a tecnologia e mais próximo da cultura. 12
Dentre as megatendências do consumo que estão se afirmando com força na mentalidade de sociedades avançadas, podemos citar duas que correspondem ao projeto em questão, exemplificadas por Francesco Morace:
Consumo Arquetípico:
Envolve produtos marcados pelo território, origem, história e tradição;
Experiências de um povo e a “força do caráter” local;
Relação entre a indústria e o artesanato.
12 MORACE, Francesco. Consumo autoral: as gerações como empresas criativas. São Paulo: Estação das Letras e Cores Editora, 2012.
Consumo como memória vital:
Regeneração de estilos do passado;
Cruzamento de culturas;
Leitura horizontal das fontes;
Narrativa através da memória;
Valorização permanente dos objetos de rituais.
Relacionando esses pontos mais fortes destacados do consumo ao caso artesanal específico deste projeto, o Bordado Madeira é um ofício que se destaca como genius loci da Ilha da Madeira. O genius loci literalmente significa ‟espírito do lugar‟, ao se tornar a identidade e o caráter que existe em determinada região. E assim se traduz o trabalho da bordadeira no próprio caráter do madeirense: determinado, trabalhador árduo, generoso e otimista. Características essas que deixaram sua marca de presença nos descendentes que aqui se misturaram, e que compartilham diretamente do novo estilo de consumo contemporâneo.
A época deu meia-volta: eis-nos tomados pelas paixões ao patrimonial e ao que não está sujeito a sair de moda, por toda parte são celebrados as tradições, a continuidade, os "lugares de memória". (...) uma nova relação com a herança, por uma valorização inédita do passado histórico, pelo desejo pós-moderno de reconciliar criação e permanência, moda e intemporalidade (LIPOVETSKY, 2005, 1º capítulo).
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
33. Genius Loci da Madei ra.
34. Espírito do rio São Francisco por Ronaldo Fraga.35. Bolsas colombianas na indústria brasileira.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Conclui-se, primeiramente, pontuando que a associação entre o artesanato e o luxo foi apenas para indicar uma das maneiras que as técnicas manuais encontraram de sobreviver no meio da sua crise. Não será aplicada a técnica do bordado Madeira à indumentária do luxo inacessível. Como Lipovetsky já comentou numa entrevista à Folha de São Paulo13, em setembro de 2012, há vários estágios do luxo. É a sofisticação que o público jovem procura para usar em eventos formais, como festas de aniversário, casamentos ou reuniões, que exploraremos apenas na linha Noite neste projeto. A partir dos fundamentos de design discorridos, verifica-se tanto no aspecto do mercado, quanto do consumo, que é possível inserir o Bordado Madeira, e também os elementos típicos da Madeira, num vestuário despojado e contemporâneo para uma consumidora jovem genuinamente carioca.
13 AUTRAN, Maria Paula. Entrevista - G. Lipovetsky. O luxo não conhece a crise e cresce. Folha de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/64056-o-luxo-nao-conhece-a-crise-e-cresce-no-brasil.shtml> Acesso em: 25 fev. 2015.
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Modelo despojado de Hugo Santos.
1 .3 A inserção do Bordado Madeira em marcas de moda brasileiras
A variedade do artesanato brasileiro, se fundamentado nos conceitos econômicos que estão ganhando mercados, tem um grande crescimento à sua frente. Não só se os aplicarmos ao luxo genuíno, como fazem os grandes estilistas como Ronaldo Fraga e Isabela Capeto, mas àquelas peças que são mais valorizadas pela alta classe média, que compra roupas casuais e formais na mesma loja. É o caso das marcas fashion, grifes nacionais ou marcas de comportamento, que seguem tendências e sempre estão adicionando algo novo para chamar atenção. Afinal, há a possibilidade de encontrarmos os mesmos produtos à preços mais baixos nas marcas Fast Fashion, porém o diferencial delas é a qualidade superior e o status de usar uma marca que pode ser ecologicamente correta, que apoia tal causa em seu trabalho manual ou outro apelo que indique valor e moral.
As marcas fashion são bem conhecidas por trazerem, parcialmente, alguma técnica diferente para seus produtos. Essa é uma ideia empreendedora que mantém o consumidor interessado, pois é da natureza humana apreciar inovações. O cenário brasileiro para a inserção de técnicas plurais já está posto, os consumidores já voltaram a valorizar nossos aspectos culturais e estão cada vez mais se apaixonando por essas peças que possuem um diferencial, carga emocional e memória. Há vários meios que divulgam esse trabalho, como o Fashion Rio, o São Paulo Fashion Week, a Babilônia Feira Hype, o O Cluster, entre outros.
Algumas das marcas que valorizam nossas diversas técnicas participam dos desfiles do Fashion Rio, como a Cantão, a Oh Boy! e a Maria Filó. A Cantão, por exemplo, na
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
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37. Babilônia Feira Hype. 38.O Cluster.
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coleção Primavera/Verão 2014 trouxe para a passarela e as vitrines o bordado de filé, das artesãs do Alagoas. A estilista da marca, Lanza Mazza comentou: “É um bordado feito à mão que agrega um valor maravilhoso e é a nossa cara. Estamos com uma expectativa enorme, tanto pela beleza das peças como pela inclusão social”.14 O projeto ainda foi além ao divulgar a técnica em tags especiais para as consumidoras.
O alto preço dos produtos que essas lojas vendem justificaria a aplicação do bordado Madeira. Como ele sempre foi um trabalho delicado e demorado de se fazer e, sendo uma técnica caracterizada pela tradição, por ser passada de geração para geração, custa caro.
Para especificar o preço médio de uma peça com bordado Madeira, utilizaremos o enxoval como exemplo para justificar os preços altos do trabalho da bordadeira. Os critérios utilizados por uma artesã local do Rio de Janeiro são: a quantidade de riscado (desenho) e consequentemente a quantidade de linha que será usada, pois na maioria das vezes é importada; o tipo e a quantidade de tecido, que ficará de acordo com o número de peças do enxoval, e a finalidade do produto final; a quantidade de tempo utilizado para confeccionar a peça e o tipo de ponto bordado de acordo com sua dificuldade.
As peças que fazem parte da coleção Avilhoesa são de extrema qualidade e também aparecem mais sofisticadas na Linha Noite. De acordo com o produto que expõem, foram escolhidas seis marcas cariocas que poderiam inserir o Bordado Madeira em suas coleções: Farm, Cantão, Oh Boy, Maria Filó, Shop 126 e Dress To.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
14 G1. Disponível em:<http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2013/06/bordado-file-alagoano-vira-inspiracao-para-colecao-que-sera-lancada-no-rj.html> Acesso em: 15 fev. 2015.
40 41
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39. Risco de bordado Madeira. 40. Detalhe do bordado Filé. 41.Marcas à ser em abordadas.
Farm
A Farm começou com um pequeno estande na Babilônia Feira Hype, que serviu de divulgação para uma posterior loja que abriu dois anos depois, em 1999, na zona sul do Rio de Janeiro. Em 2001 os donos se dedicaram a pensar no reposicionamento da marca, nos critérios de pontos de venda e no mix de produtos, afim de aproximar o cliente da marca e ganhar mais espaço.
Não demorou muito para a Farm se tornar uma das primeiras marcas de moda jovem carioca, mas se expandiu também para fora do estado, possuindo lojas no sudeste, nordeste, sul e centro-oeste. Possui três Flagship Stores e uma Casa Farm que é um showroom exclusivo para os clientes, que proporciona atividades, palestras e workshops, e chegou a ganhar o prêmio colunistas como case de marketing. Sem se estagnar no tempo e no mercado, o grupo da marca ainda lançou sua própria linha infantil, a Fábula, e a sua linha home, todas seguindo o mesmo estilo. Eles possuem a preferência por praças que sejam em balneários, ou cidades litorâneas, para continuar com o lifestyle da marca, que é refletir nas roupas o comportamento da garota carioca da zona sul. As roupas transmitem a delicadeza do feminino, o contato com a natureza, que na opinião da dona, deixa a pessoa mais bonita.
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42 43 44 42 Tricot na minicoleção “Leve”. 43 . Inspirações cultura is na coleção “Mediterrânea”. 44. Bordados, estampas e cores vibrantes.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
A Farm não tem suas pesquisas de campo tão abertamente documentadas por jornalistas, mas é uma das marcas cariocas que mais exploram o artesanato. Em todas as coleções da Farm há pelo menos um detalhe artesanal, nem que seja um acessório. Mesmo no verão elas não deixam de apostar no tricot, mas sempre compondo com estampas e muita cor. A Farm introduz o artesanal com muita naturalidade, pois são exatamente esses detalhes unidos à estamparia que conquistam o público alvo. Na última minicoleção Inverno/2015
chamada „Tribo‟ as apostas giraram em torno do étnico e do estilo boho, com muito tricot, franjas, bordados tribais e recortes. Um modelo de saia, “Saia Thai”, que faz parte dessa coleção é produzida na tribo chinesa Miao. Na sessão “Adoro!” do site oficial, a Farm explicita seu amor pelo artesanato ao informar sobre um grupo de designers e artesãos que unem a modernidade e a essência das técnicas à mão numa rede chamada “Rede Feita à Mão”. Nos encontros que são promovidos em São Paulo, os artistas debatem sobre o potencial criativo e mercado de artesanato contemporâneo, compartilham experiências e criam projetos colaborativos entre alunos e professores. Numa perspectiva de pensar no futuro do artesanato brasileiro, o grupo exerce as técnicas tradicionais - entre elas estão: bordado; cerâmica; fuxico; tricot e crochê – tendo em vista desconstruir o uso convencional e levar em consideração os critérios de consumo.
45 . Bordados na coleção “Mediterrânea”. 46. Saia Thai da minicoleção “Tribo” e rendas diferentes. 47.Coleção “Las Flores”. 45 5 47 8
Elaborado pelo autor, 2015. 46
Fonte:
Cantão
A Cantão foi criada em 1967 e cresceu em pleno cenário de paz e amor, onde a maior inspiração era os jovens, que eram o foco daquela época, pelo casal Leila Barreto e Peter Simon. O palco é o Rio de Janeiro, onde sempre é verão, e por isso a marca visa conforto, descontração e a feminilidade com atitude, que se reinventa a cada coleção sem perder a essência, assim encantando diversas gerações há quase 50 anos. A Cantão possui mais de 50 lojas espalhadas pelo Brasil, além de mais de mil multimarcas, e exportações para países como Portugal, Espanha, EUA, Emirados Árabes e Austrália. A Cantão é referência em estamparia, transmitindo o jeitinho brasileiro, bem solto e colorido, com uma grande história pra contar sobre o desenvolvimento da moda feminina no país.
Como antes mencionado, a visita das estilistas da Cantão ao Alagoas não só rendeu a divulgação do bordado de filé, mas também trouxe para a mesma coleção outros itens da cultura artesanal local, como o couro, a renda e palha de ouricuri. A marca inseriu a técnica nos seus produtos de forma a manter o aspecto original das cores e desenhos, e adaptou o encaixe dela para a linha da coleção que mais se adequava. As estilistas
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48.
48 49 50
Modelagem
ampla e estamparia colorida. 49. Foco nos trabalhos manuais. 50 . Renda e bordado aplicados em vestido da marca.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
comentaram que estão em busca de um produto com diferencial cultural, de um trabalho artesanal único, que vai de encontro com a vontade de mostrar a mulher descontraída, folk, mas ao mesmo tempo moderna e sofisticada. O fato da marca ser conhecida internacionalmente é uma vitrine incrível para o artesanato e turismo alagoano.
Um detalhe interessante dessa parceria entre as bordadeiras alagoanas e a Cantão foi que as apostas da equipe foram superadas em termos de venda, e sabe-se agora que o bordado filé está na fila de espera para receber um certificado de Indicação Geográfica. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial é responsável por emitir este certificado, que confere “a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado”.15
15 PREFEITURA DE MACEIÓ. Disponível em: <http://www.maceio.al.gov.br/semptur/noticias/bordado-de-file-ganha-nova-colecao-de-verao/> Acesso em: 15 fev. 2015.
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52 53 51.52.53
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Produtos da coleção com bordado filé.
Oh, Boy!
A Oh, Boy! pertence a um dos principais grupos de moda brasileira, junto da Sacada e Addict. A marca possui 24 lojas e está presente em mais de 500 multimarcas. O público alvo da marca são as jovens que se apaixonaram pelas estampas, desenhos e cuidados com o materiais. O estilo da marca busca um equilíbrio entre a arte, a moda e o comportamento, transmitindo o lifestyle hi-lo da menina contemporânea. Das passarelas do Fashion Rio são lançadas com exclusividade as tendências que chegarão as lojas, e essa versatilidade destaca-se em editoriais das maiores revistas de moda do país.
Para a coleção Verão/2015, a marca apostou na cultura latina central, principalmente a Guatemala. A maior inspiração local foi o Festival das Barilletas, que possui uma tradição de soltar cafifas elaboradamente feitas à mão como tributo à entes queridos. A marca não teve contato com os artesãos ameríndios, mas simulou a técnicas do tie dye e da corrosão, além do fabrico de tassel (pingente de franjas que foi costurado à mão nos produtos). A estilo boyish reinou a coleção que foi aliada aos bordados “mola”, desenvolvidos pelos índios da tribo Kuna, que apareceram em bordados mais simples e na estamparia.
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54 .Estampa do bordad o Kuna e bordados industriais. 55 . Detalhe para o crochê. 56 . Coleção
inspirada em elementos latinos.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
A coleção de Inverno 2015 que desfilou nas passarelas do São Paulo Fashion
Week seguiu ainda com a pegada artesanal e trouxe a moda dos anos 70. Não poderia faltar a mistura de técnica artesanal do bordado sobre tela, aviamentos bordados, franjas e canutilhos. As modelagens seguiram fluidas, muito uso de veludo, jeans sem beneficiamento e comprimentos midi.
57.58.59 OH BOY!. Modelos da coleção Inverno 2015.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Maria Filó
A Maria Filó nasceu em 1997, em Ipanema, nada mais nada menos do que fruto do sucesso de uma técnica manual, o tricô. Célia
Osório e suas irmãs, do interior de Aracaju no Sergipe, ao trazerem o tricô e bordados locais, conquistaram as mulheres cariocas com seus trabalhos ricos em detalhes e cores vivas. A marca logo passou a ter coleções completas, e hoje é comandada pela filha, Roberta, que aprimorou as técnicas passadas por sua mãe, e mantêm o foco da marca que é a feminilidade.
Em cada coleção está a mistura da modernidade e o clássico, que transmitem detalhes delicados e autenticidade.
Um fato interessante em relação a Maria Filó é que em 2013 foi criada a Linha Ateliê, que é apenas vendida em algumas praças específicas. As peças são únicas, cheias de detalhes, mais intimistas e exclusivas, pois são feitas em edição limitada. Roberta comenta que o diferencial dessa linha é o trabalho manual, que é feito com mais perfeição, pois quase toda ela é confeccionada a mão.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
60. Tricot sempre presente. 61. Linha Ateliê. 62.Bordados e predarias.
Shop 126 e Dress To
Ambas marcas nasceram em Niterói, e foram escolhidas com um peso menor na pesquisa, já que elas usam técnicas artesanais, mas não tem uma linha especial, ou coleções que sejam baseadas nas técnicas. A Shop 126 foi lançada por Raquel Alt em 1978, e hoje possui 24 lojas pelo Brasil, e está em mais de 600 multimarcas. Seu estilo é levar o jeito da mulher carioca, que anda sempre elegante, seja na praia, na festa ou no trabalho, exibindo sensualidade e descontração. A Shop aposta muito em estampas e inovações, assim como a renda, bordados, pedraria e outros detalhes que conquistam a maioria das fluminenses.
Já a Dress To começou como uma brincadeira de fazer e vender roupas que cresceu e nasceu com a inauguração de duas lojas em 2004. A Dress To Kill, que mudou de nome após
uma reformulação no posicionamento da marca, está presente em mais de 20 estados brasileiros e possui mais de 70 pontos de venda, sejam lojas próprias ou em multimarcas, além de uma Concept
Store em Ipanema. O estilo da marca é recriar o lifestyle carioca, misturando cores, estampas e modelagens com o simples e o colorido. Essa combinação aliada as silhuetas femininas, modernas, de atitude e bem humoradas dão um novo conceito Happy & Chic.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
63.64. Fotos promocionais da Dress to.65. Marca registrada da Shop 126.
Todas as lojas tem em comum o desejo de transmitir a essência da mulher carioca, e souberam identificar que as técnicas artesanais são artifícios que conquistam e até fidelizam seus consumidores. A mulher brasileira é encantada pela cor, pela natureza que a rodeia, e pelos pequenos detalhes. É nessa particularidade que vemos a viabilidade de explorar a inserção do Bordado Madeira no mercado das grifes cariocas.
1 .4 O bordado Madeira no mercado Internacional
Com as portas abertas para o mundo, o bordado Madeira, mesmo assim, só foi explorado em diferentes áreas pelos próprios portugueses. Como disse Tolstói “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”.A seguir apresentaremos alguns representantes do design madeirense, conhecidos pelo mundo, que utilizam a técnica do Bordado Madeira:
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66.67.68.
66 67 68
Bordado Madeira.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Hugo Santos
Hugo Santos é um estilista madeirense, que está no mercado de noivas há 26 anos. Todos os seus trabalhos envolvem o bordado Madeira. Ele começou ajudando a empresa dos pais, de forma a modernizar o bordado Madeira no vestuário, mas depois acabou se apaixonando pelo trabalho de estilista. Além de noivas, ele também faz por encomenda trajes de batizado, de crisma e vestidos de festa.
Em janeiro de 2014 visitei o atelier de Hugo Santos. E pude conhecer esta maravilhosa pessoa que me contou sobre sua trajetória de vida até os dias de hoje. Desde pequeno ele e seus irmãos já estavam inseridos no meio da costura e do bordado, tanto que ele evitava ser visto exercendo essas atividades por medo de ser discriminado pelos amigos da escola. Quando perguntei sobre o que ele achava do futuro do bordado, Hugo me mostrou o risco inteiro de uma peça que é um dos seus próximos projetos. O desenho mostrava a modelagem da peça e o risco do bordado, que se encaixava de acordo com as pences colocadas e as costuras da lateral. Hugo na verdade, pensou na engenharia da estampa, mas aplicada à uma técnica artesanal, que pode funcionar do mesmo jeito. A engenharia de estampa é pensar a modelagem juntamente com a estampa, para que a mesma se encaixe perfeitamente depois da peça fechada. Foi mesmo uma surpresa feliz em ver um trabalho tão parecido como o que fazemos no LIC de Engenharia de Estampa com a professora Dani Brum, no curso de Design do Senai/Cetiqt.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
69.70.71.Modelos de Hugo Santos.
Hugo também contou a perspectiva dele sobre o crescimento do bordado Madeira. Para ele o bordado só se tornou genuinamente português quando as empresas inglesas, alemãs ou de outros países estrangeiros saíram da Madeira, ou faliram, devido as crises e as guerras mundiais, pois quando a bordadeira trabalhava para essas fábricas ela não tinha espaço para criar, tinha que ser do jeito que eles queriam. Com a saída deles, renasce o verdadeiro bordado, que é inspirado na vegetação da Madeira e fica ali entre o belo e o feio, ingênuo, simples e muito denso. Depois, as fábricas e o setor criativo voltaram a fervilhar, pois a economia se estabilizou e passou-se a vender muito, mas também já não foi um trabalho 100% criativo, porque dependiam de ir ao encontro dos desejos das encomendas.
Ele conta um detalhe interessante sobre a chegada do bordado Madeira ao Brasil. Antes dele aportar na terra do samba, os bordados eram feitos com linhas naturais, de cores tais como ocre e azul, mas os fregueses brasileiros queriam cor, queriam vida nos seus enxovais, toalhas e lencinhos. E assim surgiu a era dos bordados coloridos que eram ainda mais apreciados nas linhas de seda.
Quando se voltou a vender muito, começou a luta de preços entre as fábricas pela que vendia mais barato e,consequentemente, o setor criativo começou a ser elimidado. O Bordado Madeira passou a ter nome, mas nos anos 80 já não havia criação, pois eram sempre os mesmos desenhos.
Segundo Hugo, “O QUE FALTA PARA O BORDADO? Gente para começar a inovar e a criar.”
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63. Hugo Santos em um dia de trabalho. 64.65.Modelos de Hugo Santos.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Nini Andrade
Saindo do escopo da moda e entrando no da decoração, a designer madeirense Nini Andrade, em 2014, uniu o moderno ao tradicional, valorizando o bordado madeirense ao levá-lo a uma feira internacional de decoração em Paris.
Este é mais um exemplo de como uma técnica artesanal pode ser aliada ao mercado de luxo para sobreviver e ser divulgada. Nini já esteve na feira mais de 40 vezes e fez muito sucesso com outra coleção de móveis “Garota do Calhau”. No pavilhão dos bordados Madeira, como produtos luxuosos, teve toalhas de mesa, jogo americano e abayas (túnica árabe). Todos os aviamentos utilizados são os mais caros que há no mercado, até com aplicação de cristais Swarovski nas peças. Ela afirma que, por ser um trabalho artesanal feito à mão, e demorado, é necessário que sejam utilizados os melhores materiais para atrair a atenção dos compradores de luxo árabes, orientais e europeus.
75.76.77. Produtos
bordado Madeira
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
da coleção com
e Swarovski.
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2. Público
2.1 Comportamento e consumo no RJ e SP
As roupas com aplicação do bordado Madeira desenvolvidas neste trabalho serão voltadas para brasileiras, mas especificadamente de São Paulo e Rio de Janeiro, onde se encontra a maior parte dos descendentes tanto da Madeira, quanto de todo Portugal. Foi realizada pesquisa de campo nos dois estados e chegou-se à conclusão que, ao abordar o público de 15 a 40 anos que possui ancestrais portugueses, principalmente madeirenses, teríamos uma resposta mais sensível e até mais envolvente e comprometida com os valores do projeto. Sem dúvida, estes serão os consumidores que saberão valorizar mais a peça de roupa por já terem ouvido falar no bordado ou mesmo vivenciado sua experiência. Este seria realmente, o público-alvo ideal, mas durante a pesquisa também abordamos garotas que não tinham necessariamente uma conexão com a cultura portuguesa.
Para atestar que há uma maior valorização cultural do que em outras regiões do Brasil, podemos utilizar a incidência de ranchos e grupos folclóricos que é mais acentuada nesses dois estados. Além dos vários centros e eventos culturais, tais como: Revelando São Paulo,
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78 . Folder da 52ª Feira da Providência. 79.Fotos do Revelando São Paulo. 80 .Faxada do Centro de Tradições Nordestinas
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Festival de Folclore, Festa da Língua, Centro de Tradições Nordestinas, Festa Oficial de Santa Sara Kali, Museu do Imigrante do Estado de São Paulo, Feira da Providência, Feira das Yabás, entre outros.
Os dois estados ficam na mesma macrorregião, o sudeste; possuem climas parecidos, se comparar as cidades costeiras entre si e as cidades serranas entre si. Estão entre os 50 centros financeiros mais competitivos do mundo e juntos formam quase a metade do total do PIB brasileiro, cerca de 42,6%.
É certo que o homem, na sua condição de cobrir-se desde a antiguidade, quer sempre ser diferente e destacar-se entre os demais, mas ao mesmo tempo ser identificável pertencendo a uma sociedade. Por estarmos abordando justamente as duas maiores capitais financeiras do Brasil, onde as tendências costumam chegar mais rápido, principalmente pelo SPFW e o Fashion Rio, pode-se perceber diferenças, mas também semelhanças no estilo das pessoas.
Quando falamos de São Paulo, normalmente vem à mente um povo mais sério, focado no trabalho, que prefere usar roupas neutras, quase nunca optando pelas cores vibrantes ou estamparia. O clima mais ameno também contribuiria pela escolha de cores neutras, como é muito observável na Europa. Principalmente a cidade de São Paulo, por não ter praia, possui critérios específicos na hora de escolher um look. Aquilo que para os cariocas é um evento mais formal, já que não envolve qualquer tipo de despojamento, pode ter outro nível de critério de vestimenta para os paulistas.
81 82 83 81 .Estampa solar. 82 .Mulher paulista x m ulher carioca. 83 . Marcas mais consumidas no 1º questionário.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Já no Rio a situação é outra. Quase não chove e está sempre quente. Pensa-se que os cariocas são um povo descontraído, que não “encana” muito com o que veste, que gosta de cores chamativas e muita estampa. Usa o chinelo tanto quanto for possível, mas quando sai da situação casual, o carioca coloca uma roupa que considera mais formal. Essas são algumas premissas do senso comum do brasileiro, que por ter vários estados irmãos, não se conhece direito e às vezes se olham com pré-conceitos.
Analisando tanto as garotas de São Paulo com que tive contato, quanto as do Rio de Janeiro, percebi mais semelhanças do que diferenças. O brasileiro possui uma forma muito peculiar de se vestir, em comparação com os europeus, e essa se destacaria na estampa muito colorida e solar. Observei o uso desse tipo de estampa tanto em SP quanto no RJ. No geral, gostam de estamparia, porém, ao separar os resultados quanto à predominância de cores no guarda-roupa, nos dois estados as cores vencedoras seriam as mesmas: preto, azul e branco, o que indica que somos bem ecléticos. Ao mesmo tempo em que gostamos de estampas chamativas também usamos muitas cores neutras. Essas são escolhas que as garotas dos dois estados fizeram, o que sugere que não nos vestimos tão diferentes assim.
Por observação geral, a maioria das garotas cariocas e paulistas pertence a um grupo de pessoas privilegiadas intelectualmente. Detém conhecimento e cultura e isso as torna potenciais consumidoras devido a seu gosto apurado. Afinal, o que nos faz ter noção do que tem qualidade, do que possui uma história, do que tem valor e importância, é a bagagem de conhecimento e experiências que vivenciamos durante a vida.
O público consome as peças básicas, do dia-a-dia e até do trabalho em lojas de departamento, como Renner, C&A, Hering, Zara e Marisa. Poderiam comprar para situações especiais na Animale, Dress to, Colcci e Shop 126. Algumas comentaram que independente do preço, quando acham uma peça pela qual se apaixonam, não medem esforços para conseguí-la, não se importando com o status da marca.
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84 Garotas observando exposição cultural.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
3.2
Definição do Público - Resultados dos questionários e entrevistas
A metodologia implementada para definir o público-alvo foi por meio de questionários. Para conseguir maior contato com os paulistas, viajei a São Paulo por um fim de semana. Lá pude conhecer e entender melhor as diferenças dos dois estados, apesar de não me deparar com muitas, no caso do meu público-alvo. No Rio de Janeiro participei de quatro festas culturais portuguesas e abordei as meninas às vezes em grupos, e às vezes sozinhas, para conversar sobre o projeto. Também procurei por amigas e colegas da faculdade que se enquadrariam no público.
Participaram da pesquisa 48 pessoas, tanto do Rio de Janeiro(30) quanto de São Paulo(18). Em São Paulo o contato foi direto, o questionário foi impresso e distribuído entre as garotas, e elas responderam nas próprias palavras e tiraram dúvidas. No Rio as mesmas perguntas foram aplicadas por meio de um questionário online.
Em São Paulo, as meninas que foram chamadas inesperadamente para responder o questionário, mesmo sem saber direito do que se tratava, vieram predispostas e ansiosas a ajudar. Procuraram saber o que era o projeto e incentivaram bastante. Demonstraram vontade de aprender o bordado depois que mostrei os desenhos. No final, algumas vieram me congratular e desejar boa sorte. Algumas pediram para ver os desenhos várias vezes. No Rio de Janeiro não tive oportunidade de reunir um grupo grande do público-alvo de uma vez só. Fui abordando uma a uma, em situações diferentes, explicando o objetivo do projeto e mostrando o que seria o conceito do produto. A maioria reagiu da mesma forma que em São Paulo. Incentivaram, acharam a ideia incrível e inovadora, e algumas chegaram a pedir para que eu confeccionasse determinadas peças para elas.
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Foto: Anna Galvão 85 . Meninas em SP respondendo o 1º questionário.
A média das idades das mulheres que responderam o questionário é de 23 anos. A mais nova tinha 15, a mais velha 38, portanto o público poderia ser direcionando para a faixa dos 15 a 35 anos. Afinal, a mulher de 38 ficou basicamente isolada, pois a maioria na casa dos trinta tinha até 34 anos. A maioria possui ensino médio completo e estão cursando o superior. A menor parte ou está acabando o ensino médio ou já possuem segundo grau.
Unanimemente as artes são importantíssimas e valorizadas por elas. Trinta e três, de 48 mulheres são viajantes assíduas e gostam de conhecer lugares novos. Em relação à vida social, 40 entrevistadas disseram que preferem ir ao cinema, 30 à reuniões sociais com amigos, e 29 à bares.
Os hobbies mais comentados foram: a prática de esportes diversos, e na mesma medida ler e dançar. De mais para menos elas escutam POP, MPB, Rock e afirmam ser bastante ecléticas, pois gostam de conhecer outros gêneros de música também. A maioria disse conhecer o bordado Madeira (31 entrevistadas) e também gostaria de aprender (39 entrevistadas) até aquelas que não conheciam. A maioria usaria as peças bordadas em situações casuais (33 escolhas positivas) e formais (30 escolhas positivas). Lembrando que nesta pergunta as entrevistadas poderiam
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escolher mais de uma resposta. Para obter-se uma boa noção de que tipo de partes de cima e de baixo elas mais usam, solicitei que indicassem de mais para menos alguns modelos básicos.
A sequência das partes de cima ficou:
A sequência das partes de baixo ficou: .
Sobre épocas e décadas da moda favoritas as entrevistadas se identificam mais com a década de 70, 90 e a atual. Das cores mais usadas/preferidas e predominantes nos guarda-roupas, apontaram: preto, azul, branco e rosa.
A maioria não usaria top cropped, saia midi e hot pant, apesar de que uma grande parcela disse o contrário. Houve um empate entre as garotas que seguem tendências e as que não seguem.
Dezenove entrevistadas se consideraram quanto ao estilo de vestir ecléticas (quando por escolha individual), adicionalmente dezesseis pontuaram (quando escolha múltipla) também serem românticas e alternativas, mas podendo mudar de estilo dependendo do dia, da estação, e do humor.
A preferência por estampas abstratas é maior em relação as estampas realísticas, cerca de 32 escolhas positivas. A maioria disse que gosta de usar tanto roupas ajustadas como amplas, mas entre as que escolheram apenas uma opção, a mais marcada foi a modelagem ampla.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Concluiu-se que o projeto deveria abordar as mulheres entre 15 e 35 anos. Em termos de consumo, no século 21 a mulher compra roupas que a façam parecer mais jovem, por causa do culto à estética da juventude ocidental. Essa faixa etária corresponde as mulheres jovens. A anatomia do sexo feminino tende a se desenvolver mais rápido, e, portanto geralmente o corpo da menina de 15 já se definiu para a etapa adulta. As de 15 anos já estão se tornando responsáveis jovens adultos. As de 35 não podem ser consideradas velhas, ou de ter um estilo menos despojado, pois acabaram de iniciar uma vida familiar, com base no estilo de vida de hoje em dia, quando a mulher já possui um emprego e tende a casar mais tarde visando estabilidade financeira. Predominantemente o público está caracterizado na geração Y. Também chamados de Millennials, essa geração cresceu com a presença de vários meios de comunicação, como: TV, rádio, fax, telefone, videogames, celular, e teve a internet introduzida nas suas vidas quando crianças. São pessoas pragmáticas, que gostam de organizar e planejar tudo com critérios bem definidos. Gostam de correr riscos, empreender e estão sempre bem atualizados com o mundo e o meio social. Adoram inovações e são conhecidas como as mais preocupadas com o meio ambiente e de acordo com a pesquisa por observação, interessadas pelas suas raízes e as formas de preservá-las.
São mulheres de espírito jovial, trabalhadoras e estudiosas. Conseguem pagar suas contas, e aquelas que ainda estudam estão bem encaminhadas para entrar no mercado de trabalho. Nunca estão ociosas e buscam se entreter, seja com uma novidade (tecnológica, esportiva, artística, estética ou cinematográfica) ou mantendo contato com seu grupo de amigos em saídas informais à noite, idas a cafés ou reunindo-se em casa.
Estão sempre dispostas a aprender trabalhos manuais. Importam-se e valorizam todas as manifestações da arte, comprometendo-se com alguma atividade que as envolva, seja dançando, tocando algum instrumento, escrevendo ou mesmo indo ao cinema e exposições. São tão ecléticas que adoram comprar estampas corridas bem coloridas, estampas localizadas abstratas e também realísticas, e ao mesmo tempo compram roupas com cores mais sóbrias e neutras, como preto e azul.
86 86 . Foto
ilustrativa da geração Millennials.
No estado de São Paulo elas estão localizadas bem no centro e na zona norte da capital de São Paulo, e no estado do Rio de Janeiro, elas estão na região metropolitana, principalmente na zona sul e Niterói. Lembram de sua infância ou adolescência com muitas memórias felizes, pois não é a toa que gostam tanto dos anos 90. As referências desta década serão importantes durante o desenvolvimento da coleção.
Com o intuito de generalizar o perfil da menina que compraria roupas com um teor artesanal, foi feito uma pesquisa adicional. Conforme o projeto desviou-se do luxo para peças casuais e de noite mais sofisticadas, que podem ser inseridas no contexto de uma marca fashion, deu-se maior foco à essas marcas em si. Primeiramente foi feita uma pesquisa para averiguar quais marcas cariocas se importam com o artesanato brasileiro, ou aplicam alguma técnica em suas coleções. Assim resultou, com maior peso, a Farm e a Cantão, e com peso médio a Maria Filó e a Oh Boy! . Por último, mais duas marcas que fazem trabalhos com rendas, pedrarias, crochê, entre outros, para poder destacar essas meninas dentre tantas outras, como a Shop 126 e a Dress to.
Após a definição dos fatores de seleção, procurei por colegas que curtiam as páginas online do Facebook das marcas. A primeira seleção resultou em 99 meninas que curtiam pelo menos 1 marca. Para especificar ainda mais, reduzi o critério para duas marcas, obtendo assim 63 meninas, que curtiram de 2 à 6 marcas. Dessas últimas, usei os fatores de peso das marcas para selecionar apenas 10. Reformulei o questionário feito ano passado só que dessa vez mais direcionado para o artesanato.
Parte do intuito em fazer outra pesquisa é na verdade generalizar esse consumidor. Afinal a primeira pesquisa esteve muito voltada para os descendentes portugueses, e agora será voltada para as meninas que não estão inseridas nessa realidade cultural, mas que seguem o mesmo lifestyle
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87 87 .Screenshot
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
do Facebook das marcas.
Moradoras do estado do Rio de Janeiro, todas as garotas acabaram de ingressar na casa dos 20 anos. Elas possuem o ensino superior incompleto, pois ainda estudam em suas respectivas faculdades, cuja maioria é da área de humanas. Quanto à classe social, baseado na tabela do Sae (Secretária de Assuntos Estratégicos) levando em consideração os novos critérios da Abep (Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa) 6 de 10 garotas pertence à alta classe média.
Costumam frequentar bares (100%), cinemas (90%), praias (60%) e shoppings (50%), mas também priorizam encontrar os amigos (60%), ir à festas (50%) e ler livros (30%). É importante ressaltar que as tabelas de lugares que elas costumam frequentar e o que fazem no tempo livre foram combinadas em uma só, pelas respostas serem quase as mesmas.
No quesito de gosto musical, 7 das meninas disse ser eclética. A playlist delas conta com os gêneros Pop (9 respostas positivas), Rock (8) e em menos quantidade com 3 respostas positivas: Mpb, Samba e Funk.
Quando perguntadas sobre que tipo de bordados elas costumam ver em lojas, ou conhecem de suas experiências de vida, todas elas afirmaram conhecer o bordado mexicano, já só oito delas o bordado industrial, e seis o bordado de Filé. Já o bordado Kuna (molas) e o bordado Madeira não tiveram números relevantes em comparação. Na verdade, 7 meninas afirmaram não conhecer o bordado Madeira, portanto conclui-se que ele realmente não é explorado no vestuário e nem possui uma devida divulgação no Rio de Janeiro para esta geração.
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Foi majoritariamente positiva a resposta sobre se elas gostam de utilizar uma técnica artesanal. Algumas até especificaram quais técnicas, ganhando com maior relevância a renda com 70% e o crochê, com 60%. O que pode ser um indicador do que mais está no mercado atualmente. Além de possuírem no armário peças artesanais, elas também defendem a revitalização de uma técnica cultural antiga em um produto moderno. Algumas comentaram questões interessantes, que foram selecionadas e serão apresentadas à seguir:
A peça com uma técnica artesanal fica com um visual único, além do valor absurdo e lindo de ser algo cultural.
Devemos resgatar o passado para não se esquecer.
É importante para a moda a reciclagem e reinvenção das técnicas antigas, gerando novas identidades.
Ao revitalizar uma técnica, ao misturar o novo com o antigo, mantemos a tradição de um lugar, mas levando em consideração sua essência inicial.
Há muitas peças no mercado que não dispõem de um diferencial que valha o alto valor que é cobrado. Acredito que o bordado é uma forma de valorização da peça, além do reconhecimento de uma técnica.
É importante trazer para a modernidade aspectos culturais antes desvalorizados, pois é positivo tanto para quem confecciona e vende os produtos quanto para quem é especializado na técnica.
Acho que essa iniciativa é capaz de representar o momento que a nossa geração vive, que é resgatar o antigo e reformular em algo novo com a tecnologia de hoje em dia. Além da divulgação para outros públicos não familiarizados com a técnica e cultura.
Inseri no questionário uma pergunta relativa aos pontos do Bordado Madeira para descobrir quais seriam os preferidos e que virão a ser mais explorados. Na coleção, o ponto Richelieu foi o mais popular, com 7 votos, considerado delicado, impactante, alegre e de aspecto natural.
O ponto Escada e o Cheio ficaram empatados com 4 votos cada. Eles também foram considerados sutis, diferentes e impactantes, sem ser brutos. Já o ponto Corda e o ponto Francês obtiveram 3 pontos cada. Em geral os pontos foram considerados charmosos, delicados e femininos. É importante ressaltar que todos os pontos obtiveram no mínimo 2 votos, portanto pode-se dizer que o bordado Madeira está inserido dentro do gosto pessoal dessas garotas. Algumas comentaram que as texturas agradam, como alto relevo, vazado e efeito de profundidade e que por parecerem muito detalhados deixam as peças extremamente ricas.
Em relação à tendências, a maioria disse só as seguir quando a modelagem veste bem no corpo, ou quando se sentem bem/confortáveis. Algumas disseram ser influenciadas pela sociedade e a mídia quando compram algo dentro das tendências atuais. Outras disseram tentar fugir dessas peças, principalmente as que são muito marcantes.
Basicamente, todas elas se consideraram ecléticas no sentido de possuir um estilo, pois não sabem o definir com precisão, por muitas vezes misturar e vestir peças completamente opostas em diferentes situações. Porém, algumas chegaram a citar alguns estilos definidos como sendo parte do leque de opções, como: romântica; básica; boho e clássica. Algumas relataram que o estilo depende muito de sua personalidade e do humor do dia.
A predominância de cores no armário foi muito semelhante ao questionário feito na primeira etapa da pesquisa, por isso será explorada na escolha de cores para a coleção do projeto. O azul lidera com 9 aparecimentos, depois temos o preto com 8 e branco com 5. Em menor escala aparecem os tons sóbrios (4) e a cor verde (3). Novamente, na sessão da preferência de tipo de estampas, a abstrata ganha com 7 votos.
A partir da relação das duas pesquisas percebe-se que o público se concentra na casa dos 20 anos. Pertence à alta classe média e se diverte no tempo livre frequentando bares, cinemas e praias, priorizando saídas com amigos, mas quando em casa gosta de ler um bom livro. São ecléticas de estilo e de gostos musicais, mas se tivessem que se classificar diriam ser românticas, e em relação à música diriam que escutam mais Pop, Rock e Mpb. As cores que mais gostam de usar são: preto azul e branco.
Com base nessas informações foi desenvolvida uma persona.
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2.2.1 Persona
Manuela Souza é uma garota de 20 anos, solteira, e nasceu no estado do Rio de Janeiro. Ela está cursando graduação em Direito na UFF pela manhã, e estagia à tarde. Às vezes sai do trabalho com dor de cabeça porque se concentra demais nas suas atividades, pois se esforça almejando ser uma profissional de sucesso. Ao chegar a casa tende a ajudar os pais nas tarefas domésticas. É uma pessoa muito curiosa, e por causa desse interesse e contato, ela tende a gostar de vários estilos. É eclética no seu modo de vestir e também no gosto musical. Na sua playlist tem as bandas Artic Monkeys, Katy Perry, Coldplay, Marron 5, mas também “se amarra” em Pop, Rock, Mpb, Funk, Samba. No seu guarda-roupa tem muitas peças românticas, mas ao mesmo tempo clássicas, básicas, alternativas e boho também, pois ela se veste de acordo com o dia e com seu humor. Não é um ratinho de shopping, mas adora fazer compras. É do tipo de pessoa que compra melhor quando a peça realmente lhe chama atenção. Ela não liga para tendências, pois quando surge um modelo que gosta e que cai bem em seu corpo, compra, mas não para de usá-lo só porque passou da estação. É uma garota ativa, se não está na dança, está fazendo esporte. Gosta também de passar horas em casa enfurnada em livros. Ás vezes ela se arrisca a desenhar, afinal transpira criatividade. Ir ao cinema e frequentar a praia são dois dos seus programas indispensáveis do mês. Adora sair com os amigos a bares ou sociais. Se for pra pedir uma bebida alcoólica, ela sempre escolhe a piña colada, e pra comer sempre opta por uma batata frita que pode dividir com sua amiga vegetariana. Uma vez ou outra combina de ir a exposições artísticas em centros culturais. Ela se entusiasma demais por viagens e não coloca seus planos na caixinha. Determinada, leve o tempo que levar, ela consegue cumprir seus sonhos.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
1.
Painel da Persona
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3. O Bordado
O processo e os pontos do Bordado Madeira
Caseiro: A primeira fase do processo caseiro começa numa conversa entre a cliente e a bordadeira. Ela define qual vai ser a peça e com auxilio da opinião da bordadeira, decide o que vai ser bordado (desenho) e as cores das linhas. É comum também alguns clientes deixarem tudo à cargo da profissional. Após essas definições compra-se o tecido e as linhas adequadas.
A bordadeira corta o tecido de acordo com a modelagem da peça e risca o desenho no papel vegetal e após terminado o transfere para o tecido com papel carbono próprio para tecido. Ela borda com uma variedade de pontos adequada ao desenho. Depois ela lava com sabão de coco, ou azul, para tirar o carbono do tecido. Muitas vezes é necessário deixar de molho ensaboado, precisando esfregar de vez em quando. Após todo o carbono ter saído, enxagua-se e coloca-se na corda se a peça não necessitar de goma. Caso necessite, tem que passar por outro processo, mergulhar na goma (feita de maisena) pra então ir para o varal.
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88 89 90 88 . Escolha das linhas 89 . Risco de lençol em bordado Madeira. 90 . Sabonetes de coco e azul.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
É retirado do varal ainda úmido para passar a ferro. Dependendo da peça, o próximo passo será a costura, mas caso não seja necessário a próxima etapa será recortar o festoné (caseado).
Por exemplo, uma fronha após ser passada ela terá mais uma etapa, que consiste em um detalhe costurado à maquina, mas o tampo da fronha será alinhavado e posteriormente todo pregado em ponto Paris (ponto aberto de bordado). Só depois disso, nesse caso, é que o festoné será recortado e a peça retocada no ferro de passar. É aconselhável o bordado ser sempre passado numa tábua, ou mesa, bem acolchoadas (toalhas grossas) e passar todo do avesso. Muitas vezes necessita de uma certa pressão do ferro, que não deve ser à vapor.
Se a peça com o bordado for sempre cuidada como descrito, lavando com sabão de coco e à mão, ela poderá ser conservada durantes anos. Essas etapas também poderiam ser divididas entre as bordadeiras, que muitas vezes trabalhavam associadas. Era mais comum essa divisão ser feita por uma líder que avaliava o nível de acabamento de cada ponto da bordadeira e a designava para tal função.
O trabalho das bordadeiras muitas vezes era compartilhado. Das inúmeras bordadeiras da Ribeira Brava que aqui se instalaram, algumas ganharam fama e constituíram pequenas empresas informais que congregavam uma enorme rede de bordadeiras (MARTINS, 2006, p.126).
Industrial:
Quantas às etapas referentes à produção dentro de uma fábrica, as fontes desse processo pesquisadoas são a fábrica Patrício & Gouveia, e também o Museu do Instituto do Bordado e Tapeçaria da Madeira, que ficam localizados na Rua Visconde de Anadia, Funchal, Ilha da Madeira, Portugal. A primeira fase é o desenho, definindo os materiais e o tipo de produto. Faz-se um esboço do desenho em papel vegetal com a quantidade de pontos equivalente ao preço pretendido pela peça. Vira-se do avesso o papel vegetal e aperfeiçoa-se o desenho, que novamente é passado pelo lado direito em crayon. Este desenho é copiado em papel limpo. Se for uma toalha, normalmente é apenas desenhado ¼ dela toda, pois o desenho se repete. Se for lençol é ½. Já as peças menores são completamente desenhadas. As simetrias são feitas por decalque com uma espátula, e após o desenho estar pronto, são contados os pontos reis em metros através de um curvimento, que posteriormente são convertidos em pontos industriais de acordo com a “Tabela de Contagem”.
Uma vez devidamente contado, o desenho é registrado e passa para a seção de picotagem.
A segunda fase é feita numa máquina de picotar manual de origem francesa que vai perfurando o desenho (o original) com uma agulha muito fina, seguindo toda a linha e motivos do desenho. O original é preso com alfinetes, entre duas folhas de papel vegetal(cópias). Este original é constituído por diversos sinais que, posteriormente identificam à bordadeira, qual o tipo de trabalho que será executado e o tecido a aplicar. Ex: em linho, organdy, algodão, terylene, entres outros. É um trabalho muito meticuloso que exige do picotador muita concentração, permitindo reproduzir do desenho original para as duas folhas com total fidelidade, e assim que este fique estampado com toda a exatidão sobre o tecido pretendido.
A terceira fase é a estampagem. Antes de estampar o desenho, o tecido é posto a fio, sendo o papel vegetal colocado e preso nos cantos com pesos. Com uma “boneca” de pano é bem passado com uma mistura sobre o papel vegetal, transmitindo-o assim para o tecido. Para o desenho com aplicações o processo é o mesmo neste caso a cada aplicação. A quarta e última fase é o registro das peças com etiquetas de controle, sendo depois levados pelos ”agentes” que os vão distribuir.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
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1. Riscando e picotando o papel vegetal.
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2. Papel vegetal picotado. 9
3. Risco após o passar da mistura.
PontoChão
Tipos de Pontos
Trata-se de um ponto sem relevo, uma vez que não é “urdido”. O seu preenchimento é unido formado por pontos longos que se encontram numa posição oblíqua.
Ponto Caseado liso e bastido (Festoné)
Caseado liso: o ponto é “urdido” criando um borda resistente para ser recortado nas extremidades das peças ou em aplicações.
Caseado Bastido: desenho com formação de “unhas” que fazem pendentes na borda ao invés de
PontoRichelieu
Caseado com as bordas no lado de recorte.
PontoArrendado(crivo)
Na área do desenho, faz-se a contagem dos fios do tecido. Os fios são extraídos, tanto na vertical como na horizontal. Os buracos formados serão presos com a linha de bordar.
PontodeCordão
Trata-se de um ponto simples que ao ser executado compartilha o mesmo buraco em que acaba o ponto anterior.
Fonte: Bordado Madeira, 2015.
PontoBastido(cheio)
Este ponto é produzido em relevo pela “urdidura” (sequências de alinhavos na área do desenho) e concluído com uma cobertura.
PontoAna
Trata-se de um ponto em que são extraídos os fios do tecido, sendo preso num só lado com a linhadebordar.
PontoEscada
Trata-se de um ponto em que são extraídos os fios do tecido, sendo preso nos dois lados com linha de bordar.
PontoOficial
Composto pelo Cordão, com o mesmo efeito do Richelieu para recorte. Usado em tecidos mais leves.
PontoMatiz
Preenchimento da área desenhada, sem urdidura e em forma repartida.
PontoFrancês
Este ponto envolve sempre mais de um tecido, sendo um para o fundo e os restantes aplicados. Prende com o primeiro ponto o tecido a ser aplicado e com o segundo ponto o tecido de fundo.
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Fonte: Bordado Madeira, 2015.
3 .1 Surgimento e história do bordado Madeira
O bordado Madeira é oriundo da Ilha da Madeira, região autônoma de Portugal. Descoberta no século XIV, apenas foi colonizada em 1419 por João Gonçalves Zarco, e a principal atividade que ali os portugueses investiram foi a agricultura. Onde havia trabalho farto havia emigração. Os maiores povoadores da Madeira vieram do norte de Portugal, da região do Minho e Trás-os-Montes. Também há fontes que digam que vieram muitos imigrantes do Algarve e do Alentejo, regiões sulistas, mas há hipótese para crer que foram poucos em comparação, já que o traje típico madeirense se assemelha muito ao traje típico de Viana do Castelo, no Minho. “Nem os Povoadores algarvios ou alentejanos usavam trajes semelhantes.” 1
(...) pelo colorido, pelo enramado dos espartilhos, bem podemos filiá-lo no traje minhoto, pois do norte de Portugal vieram para a madeira muitos dos seus primitivos colonizadores (NÓBREGA, 1999, p. 169).
Há também um relevante fator do norte de Portugal, que é a tradição do bordado, que foi trazida por este povo que não deixou para trás suas raízes, mesmo em tempos difíceis. Desde a colonização
até o século XVII o bordado Madeira não foi conhecido, pois a ilha sofria de uma deficiência no mercado de panos. A população era expressivamente dividida entre a classe rica e a rural.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
94 95 96
PORTO DA CRUZ, Alfredo de Freitas Branco (Visconde de). Folclore Madeirense. Funchal: Câmara Municipal, 1955.
9
9
4. Vista da ilha pela Quinta Grande. 9 5. Traje minhoto e semelhanças.
6.
Tradição do bordado na região do Minho.
A condição das famílias abastadas era completamente diferente. Obtinham os melhores tecidos importados com cortes sempre seguindo a moda inglesa ou francesa, mas para os lavradores não havia roupas para se comprar, e aquelas poucas que se tinha eram para usar na missa do domingo. “A moda era palavra vã”. 2
A situação começou a mudar com o Tratado de Methuen, em meados do século XVII entre Inglaterra e Portugal, que alterou o mercado significantemente, determinando a hegemonia do pano inglês em território luso. Os preços ainda não eram acessíveis, mas o madeirense começou a trocar seu vinho por roupas.
Os estrangeiros tiveram um importante papel no registro da indumentária no século XVII. Descrições em diários de bordo e gravuras retrataram a realidade perfeitamente. Os trajes dos lavradores eram ainda simples, mas no meio urbano imitava-se a burguesia e a realeza, e tal era a ostentação que se fez que D. Pedro aprovou leis suntuárias restringindo o uso de bordados em prata e ouro em tecidos de seda, e também qualquer tipo de bordado e renda. Em 1749, D João V amenizou essas leis e possibilitou o uso dos bordados brancos e em cores, mas que fossem todos eles feitos em Portugal.
Após a Revolução Liberal, a restrição dos bordados foi completamente retirada, o que contribuiu para uma reafirmação do bordado nas peças do vestuário. Já no âmbito da casa, o bordado Madeira continuou a ser usado e confeccionado. “Bordava-se em linho, algodão,
81
97.98.99.
97 98 99
2 VIEIRA, Alberto. O bordado da Madeira: na história e quotidiano do arquipélago. Funchal: 1999.p.18. Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Gravuras ilustrando a difer ença entre as classes sociais.
seda e organdy para se fazerem toalhas de mesa, peças decorativas, jogos de camas” 3 e enxovais. Nos muitos testemunhos estudados por Danilo Fernandes, no livro Os Trajos de “resguardo” e de “cote” do Sul da Ilha no século XVIII, foi atestado que todas as roupas e as roupas da casa eram passadas para os familiares, o que nos confirma que o bordado não saia de dentro da própria casa onde foi criado. “Apenas era de usufruto familiar, prenda de enxoval ou legado por morte”. 4 E, portanto não era considerado um produto vendável.
O bordado Madeira já era considerado um fator decisório de classe social. Toda a família que tivesse uma bordadeira que exercesse o ofício impecavelmente era mais respeitada na vizinhança. Afinal, bordar era uma tradição europeia da Idade Média de requinte, feita com muita delicadeza e perfeição. O contraste da vida simples do madeirense com os bordados era grotesco.
As toalhas e lençóis que as madeirenses trouxeram para o Brasil exibiam tamanha riqueza que D. Beatriz costuma contar que, quando chegou à alfândega, a sua bagagem ficou retida alguns dias, porque os fiscais pensavam ser mercadoria para comércio. O meu marido falou assim: isso que vocês estão chamando de contrabando é o enxoval da minha esposa, que nos casamos há três anos. Eles não acreditavam que aquilo tudo, tão bonito, podia ser meu (KODJA, 2009, p. 29).
A expansão comercial e internacional do bordado Madeira está diretamente ligada com o crescimento do turismo na Região Autônoma da Madeira. O clima na Madeira é seco e agradável constantemente, por isso foi uma área muito recomendada por médicos europeus
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
O bordado da Madeira: na história e quotidiano do arquipélago. Funchal: 1999, p.22.
p. 23.
4 _______________
100 101 102
100.101 . Fotos apresentando a vida rural e as bordadeiras. 102 . Detalhe de bordado Madeira.
para seus pacientes doentes, principalmente os tuberculosos, em meados do século XIX, que acreditavam que o clima os faria sobreviver o inverno e até os curaria. Os jornais promoviam a região com ilustrações e artigos.
Além do apelo climático, as relações inglesas e madeirenses eram estreitas pelos acordos matrimoniais e políticos da realeza inglesa e portuguesa, como também pelo agrado que a comercialização de açúcar e vinho Madeira proporcionava.
Na segunda metade do século XIX, a filha de um mercante de vinhos inglês, Elizabeth Phelps, cuja família foi de grande importância para as relações comerciais da Madeira, se encantou com a habilidade das madeirenses no bordado e foi responsável por uma escola de ensinar a bordar na Ilha. É importante ressaltar que o bordado já existia na Madeira desde seu povoamento, muito antes da senhorita em questão começar seu empreendimento, confirmando assim que a inglesa incrementou e incentivou a técnica, não que foi a repercussora.
Na sua perspectiva terá sido Elisabeth que fomentou o desenvolvimento destes trabalhos pois „... consta que admirou muito a perfeição dos bordados de algumas raparigas que vivam em Santa Clara e que as motivou para os pontos do seu conhecimento‟. No entanto, a autora afirma que é difícil distinguir o bordado Madeira do bordado inglês (GOUVEIA, 2008, p. 191).
83
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
103 . Propaganda promocional da Madeira.
104. Elizabeth Phelps e seu incentivo.
103 104 105
105. Crianças aprendendo a bordar.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015. 10 6.
O incentivo de Miss Phelps foi muito oportuno e até filantropo, pois proporcionou emprego há muitas famílias que passavam pela miséria, por causa de um surto de pragas que havia colocado a situação da agricultura catastrófica, principalmente às vinícolas da região na época. Conforme a popularidade do bordado ia crescendo, Phelps começou a exportar para a Inglaterra e em meados dos anos 80 a indústria do bordado Madeira já tinha alcançado a Alemanha, e no século XIX, a Síria e os EUA.
Após o mercado britânico ter aberto as portas para o bordado Madeira, ele passou da condição de produto de uso e consumo caseiro para um produto mercantil com peso e valorização internacional. As transições comerciais posteriormente à família Phelps foram de responsabilidade da casa e empresa Robert & Frank Wilkinson.
A criação dos desenhos era de livre gosto e inspiração da bordadeira, mas com o surgimento das casas não houve mais espaço para a criatividade. A produção tornou-se quase industrial, e se fazia os desenhos de acordo com a encomenda do cliente estrangeiro.
No final do século XIX a procura pelos bordados decaiu devido à expansão das telecomunicações que aumentaram a competição do mercado inglês, mas não afetou o crescimento da popularidade que era comparado aos números de venda do vinho Madeira. O turismo já era a segunda atividade econômica mais importante da Ilha, que foi e é fator crucial para a sobrevivência do bordado.
A partir do século XX as duas grandes guerras desaceleraram o progresso e o comércio. Uma parcela considerável da população madeirense imigrou, o que afastou várias bordadeiras da produção. Já sensibilizada, as casas de bordados levaram outro baque com a competição direta dos bordados nomeadamente orientais. Outro fator dificultador foi o American Way of life, que influenciou o modo de vida de todos os países fragilizados pelas guerras. Tudo que era artesanal e demorado não se enquadrava com o ritmo constante e massificado que o novo modelo de vida trazia.
Hoje, mesmo após o ápice do bordado Madeira, ele ainda é a marca registrada da Ilha no mundo. Ele continua a ser uma técnica praticada pelas poucas mulheres que nasceram no entre guerras, filhas que seguiram pelo mesmo caminho e aquelas que imigraram.
106
Detalhe dos a rraias que promovem o turismo.
3.2 Brasil x Madeira
Esquecida na história, a relação entre o Brasil e a Madeira sempre foi muito estreita. Colonizados pelo mesmo europeu, passaram basicamente pelas mesmas etapas. Na Ilha da Madeira foi implantado o método de capitanias, que posteriormente foi o mesmo modelo utilizado na colônia brasileira. No século XVI o Funchal, capital da Madeira, era diocese do Brasil, e foi responsável por enviar madeirenses especializados no cultivo da cana-de-açúcar. Os benefícios para aqueles que povoariam o novo mundo eram grandes, e a perspectiva de mudança e melhora de vida atraiu muitos madeirenses.
Além do açúcar, os madeirenses trouxeram suas técnicas de fazer vinho, de plantar banana e batata-doce. Nas primeiras imigrações, o destino mais escolhido foi o nordeste, e as mulheres levaram suas rendas, de bilro e bordadas, que se misturaram com a técnica dos índios e dos holandeses e resultaram nas tão famosas da região. O G.R.E.S. Estácio de Sá escolheu justamente esse tema para abordar no carnaval de 1982, como confirma parte do samba enredo:
“Me preparei
Para o desfile principal
Já mandei fazer a fantasia
De renda bordada
85
107 108 109
107 . Acartadores
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
de banana e canadeaçúcar. 108 . Engenho antigo da Calheta. 109 . Acartadores de uvas
e suas tradições.
Lá da ilha da Madeira
Já estou pronto
Para entrar na brincadeira Ô ô ô ô ô ô
No rendar, rendou
A lenda diz que a moça índia foi primeira
Tecelã e que a renda é brasileira
Vem de Portugal, eu sei
Quem joga a rede
Pega o peixe e faz a renda Sá Maria, artesã e bordadeira imperial
Fazia renda no tear do casarão colonial
E a rendeira do sertão
Virou poema, cantiga de Lampião
Tudo isto vem mostrar
Que há rede e renda
Tanto aqui quanto além-mar(...)” 5
A imigração abordada neste trabalho não será a primeira, nem a segunda, mas sim as últimas delas. São indivíduos, famílias, que no século XX sofreram com as guerras e suas consequências. São as bordadeiras ainda vivas e pacientes, as últimas detentoras do segredo da prática do bordado Madeira.
5 VAGALUME.G.R.E.S. Estácio de Sá: Onde Hé Rede Há Renda.Disponível em: http://www.vagalume.com.br/g-r-e-s-estacio-de-sa/samba-enredo-1982-onde-he-rede-harenda.html
112 110 111 1 10 . Bordados e
1 11 .
rendas.
1 2.
Ruínas de engenhos antigos.1
Fluxo de navios e imigrantes na baía do Funchal.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
3.2.1 As bordadeiras e as terras sudestes:
No estado do Rio de Janeiro e no estado de São Paulo, a chegada do bordado Madeira sem alterações culturais foi tardia em relação a outras localidades. Os madeirenses se lançaram a vários destinos, dentre eles o maior foi à Venezuela o que pode ter diminuído o apelo do Brasil durante a era dourada venezuelana.
Os trabalhadores rurais madeirenses se radicaram a estes dois estados do sudeste brasileiro a partir do século XIX e XX. Houve uma grande demanda durante a Segunda Guerra Mundial, tanto pela fuga de homens que não queriam ser chamados à guerra quanto pelas condições políticas e de sobrevivência.
Quando a guerra acabou o fluxo migratório já não era acentuado. Antes do último quartel do século XX a maior parte das madeirenses eram domésticas, apenas sabendo o ofício do bordado por ter passado de geração a geração. Era uma ocupação das horas vagas para gerar algum dinheiro extra, mas naquele tempo os preços eram muito baratos em comparação ao esforço. Era um talento muito apreciado nas famílias pelo seu emprego dentro de casa e fazendo enxovais e roupinhas de criança para conhecidos e familiares. O bordado ficou mais conhecido no Brasil nesta época, de 1939 a 1990.
87
11 3 . Porto do Funchal . 11 4 . Bordadeiras nas horas livres .11 5 . Dona Agostinha Fernandes e seu
impecável. 113 114 115
bordado
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
6 “Concelho” em Portugal significa município
Rio de Janeiro e Niterói
A maior incidência ao Rio de Janeiro foi de 1939 a 1970. Não é a toa que mesmo hoje em dia há muitos pais de naturalidade portuguesa da geração Y e Z. A maioria dos madeirenses já se conhecia de Portugal, ora por se conhecerem do concelho6 que moravam ou por se conhecer no navio à caminho da terra prometida. O concelho da Ribeira Brava foi o maior berço dos madeirenses cariocas. As famílias se instalaram e se acostumaram rapidamente, pois o clima da Madeira sempre foi mais quente do que no resto da Europa. Abriram seus negócios, que eram/são majoritariamente quitandas e bares, onde todos os componentes da família ajudavam. A mulher bordadeira tinha um trabalho árduo: era dona-de-casa, muitas vezes mãe, trabalhava com o marido e passava horas à noite bordando para acrescentar um trocado à renda da família.
Dona Agostinha Galvão aprendeu a bordar quando criança e veio para a Penha no Rio, aos 15 anos, e na altura de se casar possuía muito mais dinheiro que o futuro marido. Mesmo assim, não ganhava o correspondente ao seu delicado trabalho e reclama dessa falta de valorização das freguesas até hoje. Também Dona Maria Camacho afirmou o mesmo na dissertação de Andrea Telo da Corte:
“Era, era (mal pago), porque era muito trabalho pra mim e também elas bordavam muito pra ganhar 12 cruzeiros, era tudo muito mal pago, muito mal pago...você ia ver uma camisinha daquelas na loja era 30, 35 cruzeiros, mas se eu fosse cobrar 30, 35, elas iam na loja comprar, porque naquele tempo todo mundo bordava pra loja...” (CORTE, 2003, p.4)
1 16
.Concelho da Ribeira Brava.
116 117 118
117.Parte da família Macedo reunida no Rio. 118.Nos passaportes, as bordadeiras eram domésticas.
São Paulo:
Também como no Rio de Janeiro, a imigração a São
Paulo ocorreu em meados do século XX. Muitos imigrantes se direcionaram para localidades parecidas com o relevo da Ilha da Madeira. O Morro de São Bento foi um dos maiores acolhedores, que como afirma a pesquisadora Gisela Kodja, houve uma época que o morro possuía 300 bordadeiras ativas, que chegaram a trabalhar para fábricas. Um fato interessante é que durante essa grande atividade das bordadeiras, era tradição que o enxoval tivesse uma peça com bordado Madeira, para que fosse considerado bom. Havia muito emprego nessas fábricas, e conforme foram ganhando dinheiro, os portugueses investiam seu dinheiro nos seus próprios empreendimentos, como padarias e botequins.
Dona Vitorina Andrade, residente em Niterói atualmente, chegou ao Brasil quarenta anos atrás, na Vila Carrão em São Paulo, onde ficou hospedada com os irmãos que já haviam imigrado há mais tempo. Trabalhou como doméstica em casa, e bordava nas horas vagas para uso da família, e também dava de presente. Quando perguntei sobre bordar para fábricas, ela respondeu:
“Não, não tinha... Não tinha ninguém que bordava para fora não.... Depois de eu chegar aqui(Niterói) é que a dona Agostinha distribuía esses bordados com a gente, né? Mas em São Paulo não tinha não.” A partir do depoimento dela poderia se concluir que realmente em Santos houve uma investida maior desse trabalho para as manufaturas. Porém há evidência da existência de fábricas e oficinas, como a Maison Blanche que foi do Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
89
1 19 Morro de São
119 120 121
Bento. 120. Bordadeiras entrevista das para a pesquisa . 121. Participação de bordadeiras em grupos folclóricos.
Encomendador Francisco Evaristo Teixeira que foi presidente da Casa da Ilha da Madeira, e várias outras pessoas que tinham cooperativas, fábricas menores, como ainda hoje há uma na Cardeal Arcoverde, que expõe bordados inclusive em outros municípios do estado de São Paulo.
Vitorina afirma que ganhava muito mais dinheiro vendendo os bordados para o caixeirinho na Ilha da Madeira, que era responsável pela coleta dos bordados e de levar para a indústria na capital da Ilha. Admite que ainda chegou a receber bem na década de 70 já no Rio de Janeiro, porém a partir desse momento os preços só decaíram e a falta de procura foi desestimulante. Pode ser pelo fato de serem mal pagas que muitas famílias não passaram a técnica à frente. A desvalorização assustou as filhas das bordadeiras, que se em Santos eram 300 no seu auge, hoje em dia não passam de cinco.
Mais uma vez a modernidade mudava o curso da vida das bordadeiras. A indústria começou a investir ferozmente na produção em série, o uso de máquinas de lavar aumentou, nada poderia ser exclusivo e tudo deveria ser prático, e assim, a procura pelos bordados foi se escasseando. Nos anos 80, as bordadeiras de Santos enfrentaram essa situação se unindo e fundando a União das Bordadeiras do Morro de São Bento.
91
4. Coleção
4.1 Tema e painéis de inspiração
O tema da coleção será baseado nos elementos típicos da Ilha da Madeira. Desde a flora, frutos, pratos regionais, aos utensílios de casa até o “trajo” típico madeirense. A flora é extremamente explorada, como é divulgada turisticamente na Festa das Flores, em abril. A região que é majoritariamente subtropical abrange inúmeras espécies africanas, sul-americanas, orientais, europeias e particulares da floresta Laurissilva, por causa da existência de diferentes tipos de terrenos. Dentre elas, as mais típicas são as Estrelícias (Ave do Paraíso), Gatinhas (Flor de São João), Massaroco (Orgulho da Ilha da Madeira), Pipocas (Senna Didymobotrya), Crista-de-Galo (Corticeira), Foguetes-de-Natal (Babosa), Proteas, Orquídeas e variados tipos de Cactus. Essas verdadeiras lindezas da natureza são vendidas no Mercado dos Lavradores, uma Cadeg madeirense, que concentra variadas frutas exóticas, como o Tomate-inglês, Tabaibo (Figo da Índia), Banana-Ananás, Anona, Uveira da Serra, Banana da Madeira além das cestas de vime, rebuçados, artigos turísticos, Bordado Madeira e muito peixe, principalmente o raro Espada-Pretaencontrado apenas na Madeira e no Japão.
Este mercado se encontra no Funchal, capital da ilha, onde foi decretada uma lei em 1933, que as floristas deveriam se trajar obrigatoriamente com o traje tradicional da Camacha, que posteriormente foi comumente divulgado como o traje oficial madeirense. Apesar disso, cada região da Madeira tem suas particularidades. A indumentária madeirense foi influenciada pelo clima ameno, pela larga presença moura na região, os escravos africanos e os estrangeiros que se fixaram, mas todos esses costumes sofreram o processo de “aportuguesação”.
A partir da definição do tema foi elaborado dois painés de inspiração para as duas linhas da coleção, a de dia “ Mourisca” e a de noite “Saloia”. Esses nomes foram escolhidos por fazerem parte do folclore madeirense. A mourisca faz alusão a pessoas de procedência moura, e é muito usado como uma moda de danças. A saloia é uma menina que canta o Espírito Santo junto de outra menina, e exibe grande quantidade de ouro na forma de pingentes, correntes, anéis e pulseiras.
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4.2 Tendências
Com base nas marcas escolhidas para classificar o públicoalvo, foi feita uma pesquisa de tendências para a coleção Verão 2016.
Apesar da maioria das meninas afirmar que não segue tendências por uma imposição da sociedade, mas sim por caírem bem no corpo, optei, mesmo assim, por me basear nelas já que a coleção pretende se encaixar nessas grifes cariocas que estão sempre atualizadas com as ultimas tendências. No Use Fashion, a macrotendência que mais se encaixa com a proposta é o “Hibridismo Aleatório”. Essa macrotendência, que já está em voga desde 2014, é construída pela conexão entre os artistas, cultura e a natureza, resultando produções espontâneas. Há muitas misturas de elementos exóticos, com fundos escuros e tons vivos (principalmente cores primárias). No campo conceitual há um foco na liberdade, na criação, na combinação e desconstrução urbana do étnico, do esporte e do tropical. Os contrastes estão presentes nos tecidos leves e densos, como algodão, viscose, neoprene e jacquards. No campo da estamparia, entram muitos florais, étnicos, animal, mas de formas geométricas. Vemos também a renovação do que é comum e tradicional, referências a décadas passadas e uma pegada artesanal forte pelas rendas, bordados e aplicações.
122.123.124 Elementos pertencentes à tendência.
122 123 124
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Dentre as tendências menores, identificadas nas ruas, há o Super Light Denim. É uma tendência que foi revelada após as semanas de moda, com modelagens amplas e confortáveis, muito claras e sem nenhum beneficiamento ou aplicação. Dos estilos que saíram das passarelas, aproveitamos o Folk Romântico, o Flower Essence e o Bohemian Chic, que trouxeram muitos tecidos leves, efeitos vazados, calçados e bolsas em tons terrosos, silhueta floral em aplicações, e as modelagens de 1970.
A partir da palestra do Senai/Cetiqt sobre as tendências do Verão 2015/2016, dentro do caderno Inova Moda/Criação, entrei em contato com um conceito que se assemelha também ao projeto, chamado de Temperos, e possui três estéticas que giram em torno do preparo culinário e das técnicas artesanais de mãos de gerações antigas, da conscientização ambiental, do respeito ao passado e o reposicionamento para o futuro. Da primeira estética, Cultivo, podemos extrair para a coleção um cenário da redescoberta de soluções mais essenciais e simples para a vida humana, seja pela honestidade e ética, seja pelo contato com a natureza, consumo sustentável, memória afetiva, transmissão de saberes. Há também a ressurreição de culturas regionais, através de bordados, bainha aberta, laise e também em estampas florais. Da segunda estética, Preparo, resgatamos a exploração de técnicas e acabamentos antigos, a reciclagem empreendedora, a inclusão social, mercados plurais que traduzem identidades locais e o folclore. Já da terceira estética, Conserva, trazemos a reinterpretação de técnicas tradicionais, equilíbrio entre o velho e o novo de técnicas passadas de pai para filho, da conservação crenças e o do-it-yourself.
Para a pesquisa de formas selecionei algumas peças de coleções diferentes da Farm e da Cantão – as marcas com maior peso na pesquisa – mas que representam muito bem o
97
125
125 126 127
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Capa do conceito Temperos. 126 Foto promocional da coleção Tribo. 127 Foto promocional da coleção Navegar.
público alvo, para servir de inspiração na modernização das peças apresentadas dos trajes típicos madeirenses. A coleção “Tribo” (Inverno 2015) e “Las Flores” (Primavera/Verão 2015) da Farm foram as mais abordadas, e “Navegar” (Outono/Inverno 2015) da Cantão.
Regata Alongada:
Barra com elemento
Decote V
Efeito vazado
Top Cropped:
Corte reto
Amplo
Extremamente curto
Decote V
Sem manga
Franzido
Jaqueta Bomber:
Esportivo
Algodão
Macacão:
Cortes ajustados
Geométrico
Mangas curtas
Barra curta
Decote trapézio/profundo ou V
Monocromático
Camisa:
Punho alongado
Manga longa
Aplicações
Tecidos leves
Ombros à mostra
Saia:
Corte reto
Evasê
Jovem
Esportivo
Botões
Godê
Feminino
Calça:
Flare
Cintura reta
Modelagem ajustada
Vestidos:
Evasê
Sem Manga
Corte reto
Alças finas
Godê
Esportivo e Romântico
Bordados
Geometria
Decote Profundo
Recortes
Fenda dupla
Atacador
Capa/Quimono:
Aplicações
Folk
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4.3 Matriz Conceitual e análise de cor, formas e texturas
A Matriz Conceitual foi formulada para as duas linhas, com base em palavras-chave retiradas das respostas dos questionários. A linha horizontal corresponde às palavras mais assíduas sobre o estilo das garotas. Já na linha horizontal estão relacionadas às cores de preferência delas, os pontos que mais gostaram do Bordado Madeira, as tendências de modelagem, tecidos, texturas e detalhes.
2
Tabela da Matriz Conceitual.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
A partir da matriz conceitual chegamos a algumas formas que são imprescindíveis para a coleção e as juntamos, de acordo com as peças encontradas nas lojas analisadas para o mercado, em um painel de modelagens. Também foi acrescentado alguns detalhes dos trajes de vilhoa, que é melhor explicado na página seguinte. Todos as referências abordadas tanto na matriz quanto neste painel são utilizados na coleção.
101
3
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Painel de formas e modelagens.
O folclore é uma das abordagens resgatadas, tanto pelo intuito do projeto quanto embasado pelas tendências. Apresenta-se alguns estudos para a inspiração do projeto. As vilhoas na verdade estariam representando as mouriscas, pois todo lavrador tinha descendência moura pelos séculos de interação das culturas.
As Vilhoas traziam saias de lã (podendo ser vermelhas, azuis ou amarelas açafrão, com listras verticais ou horizontais em menor quantidade), camisa branca de linho com o colarinho abotoado por botões de ouro ou feitos à mão com linha. Corpetes ajustados e bordados, capas com recortes em bico (vermelhas, azuis ou verdes) com debruados em cores, e a bota chã de couro. Nas regiões serranas era comum ver as mulheres com mais uma saia sob a cabeça para aquecer-se do frio. Um detalhe interessante do traje típico é a presença da carapuça. Sem ter origem definida, esse adereço da cabeça possui certa bizarrice em comparação com qualquer traje português. É feito em tecido azul, com uma ponta delgada e comprida e um pequeno triângulo vermelho cozido nas laterais. Todos os trajes mudam de região para região, podendo ser só um detalhe como a cor do viés, ou o aspecto inteiro.
4 Ilustração representativa do traje da Vilhoa dos Canhas, a partir do Núcleo Museológico da Boa Nova.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
As Saloias na Madeira são meninas que cantam o Espírito Santo nas casas do concelho, ritual que ocorre antes da Páscoa para angariar fundos para a Festa do Espírito Santo. É uma verdadeira festa que revive o espírito da fé, onde um pároco, os tocadores e as meninas cantam e abençoam as famílias das casas que visitam, e são recebidos com refeições recheadas de aperitivos, doces e licores.
Elas trajam um vestido godê branco de linho, com botões de ouro no colarinho, manga curta franzida e bota chã. Usam uma a capa vermelha de recortes em bico ornamentada com flores (Perpétua amarela ou branca) e muitos pingentes e correntes de ouro. O vestido também é ornamentado, com folhas de alegra-campo verde. Os cabelos devem ser trançados, ou em coque, e em cima está a carapuça completamente enfeitada de colares e pingentes de ouro, com penas na extremidade. Assim como o traje a Vilhoa, a saloia também difere bastante de região para região.
103
5. Ilustração representativa do traje da Saloia na Lombada da Ponta do Sol, em 1993.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
4.4 Desenvolvimento da coleção
O processo de criação da coleção começou a partir da definição das tendências, do tema e da matriz conceitual. Foram esboçados 35 peças, com o total de vinte looks. Esses números eram maiores, mas algumas peças foram reformuladas e outras descartadas.
Logo após, foram feitas as peças individualmente com auxílio de um corpo para desenho técnico, para a combinação dessas peças. Os sapatos e acessórios foram os últimos a serem esboçados. Como o público-alvo tem uma faixa de idade ampla, tentei fazer com que os looks evoluíssem de acordo com o crescimento de maturidade do público dentro do mesmo estilo, porém mesmo assim a maioria das peças é versátil podendo atender aos desejos da faixa de 15 a 35 anos.
Originalmente a coleção seria voltada para o inverno por causa de uma predisposição pessoal, mas ao analisar tanto a matéria-prima necessária para a elaboração dos bordados, como quanto às informações disponíveis de tendências, decidi alterar para verão. A maioria das modelagens são básicas para que o destaque seja realmente o bordado, também no mesmo sentido, as peças que não possuem bordados tem detalhes especiais.
6
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
Digitalização dos rascunhos da coleção.
Para a elaboração dos bordados usei de referência as flores apresentadas no tema e painéis de inspiração, de forma a geometrizá-las. Por exemplo, na flor estrelítzia que deu origem ao bordado Ave do Paraíso, foi feito o seguinte processo:
Após incorporar algumas idéias próprias aos bordados, como por exemplo um tecido já bordado para ser aplicado à outro, perguntei se a execução era possível à minha avó, que é bordadeira, e a resposta foi positiva. Com o “ok” de uma artesã da técnica dei continuidade ao processo, aplicando nas peças desejadas.
105
7 Digitalização
Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
dos rascunhos dos bordados
Durante uma aula especial do projeto 2, pudemos montar um Moodboard da coleção para organizar melhor as ideias já esboçadas e pairadas no ar. Assim, dividi as peças de acordo com as duas linhas. Foi também nesta etapa que descartei algumas cores e adicionei outras, em função da necessidade de cada ponto do bordado, pensei em mais aviamentos e selecionei os tecidos.
Foto: Anna Galvão
7 Moodboard da coleção.
Os croquis foram desenhados à mão, passados à nanquim, pintados com markers e lápis de cor, digitalizados e enfim tratados no Photoshop. Os croquis contam também com a presença de quatro tipos de sapatos, duas bolsas e acessórios (pulseiras, brincos e colares) todos também inspirados pelo tema da coleção para ajudar a compor os looks. As pontas triangulares tão usadas tanto nos acessórios quanto nas peças da coleção tem relação a todos os elementos triangulares que aparecem nos elementos típicos madeirenses. Alguns croquis possuem flores na cabeça, um detalhe para relembrar a importância floral para a Ilha da Madeira e a mulher carioca. Outra peculiaridade é que os croquis possuem os rostos das dez meninas que responderam o último questionário, de cinco meninas de São Paulo, três do Rio de Janeiro e uma da Madeira.
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Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.
8. Croquis da coleção sem pintura.
4.5 Cartelas
Cartela de cor
A cartela de cores foi desenvolvida a partir de cores extraídas dos paíneis de inspiração, resultando assim: preto, branco, bege, marrom, amarelo, laranja, vermelho, vinho, rosa, roxo, azul arroxeado, azul claro e verde. No layout do projeto as cores neutras se encontram nesta página, e na próxima são organizadas de forma a seguirem o círculo cromático de Itten. A cor marrom foi apenas usada nos acessórios. Seguiram-se alguns critérios:
A seleção foi feita a partir das cores mais utilizadas nos trajes madeirenses, seja da Vilhoa, da Mourisca ou da Saloia.
Devido alguns pontos de bordado comporem degradê é preciso várias nuances de uma mesma cor.
Consideração às cores que mais apareceram nos resultados dos questionários.
A questão que Hugo Santos levantou sobre os brasileiros terem “colorido” os bordados madeirenses, que eram majoritariamente em linha “cru” e azul, portanto é uma cartela de cor abrangente.
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Cartela de Tecidos
A cartela de tecidos foi elaborada de acordo com as exigências dos pontos do bordado Madeira e às tendências escolhidas. Há tecidos leves e frescos como o linho, o voile e o crepe. E pesados e rústicos como o jeans e o chamoá, e confortáveis como a sarja acetinada e a malha neoprene.
Cartela de Aviamentos
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5. Release
Avilhoesa
Coleção para o Verão 2016, resgatando técnicas e valores de outrora, e promovendo um estido de vestir-se inspirado pelas raízes da cultura do povo madeirense, seja em suas tradições da lavoura, da vivência social e do delicado bordado.
O carro-chefe da coleção são as flores que compõem o “Jardim de Portugal” que está lotado de estrelítcias, gatinhas, orquídeas, pipocas, foguetes-de-Natal e massarocos além dos maravilhosos cactus, que inspiram os riscos geometrizados em bordado
Madeira A pegada é artesanal e atrai as meninas cariocas e/ou paulistas, de 15 a 35 anos, pelos pequenos detalhes.
As cores são tropicais, assim como o clima caloroso da Ilha, sempre vibrantes, primárias e secundárias, como o amarelo, laranja, vermelho, rosa, verde e azul em fundos brancos ou pretos. Os acessórios seguem a mesma linha, e se inspiram nos triângu.los presentes nas Casas de Santana, na carapuça e nas capas atravessadas. Há um toque mouro nas bolsas e sapatos pela presença forte de tons terrosos.
As peças vêm em tecidos frescos, como o linho e o voile, jeans claro, sarja acetinada, que dá um toque brilho, e chamoá que propõe um diferencial rústico.
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Bloco Coordenado
Linha do tempo 15 – 25
115 Linha do tempo 25 – 35
Linha Mourisca
Linha Saloia
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5.1 Mix de produtos
O mix de protudos desta coleção conta com 35 peças no total, sendo 8 peças inteiras, 3 overtops, 12 partes de cima e 12 partes de baixo. Para a quantidade de cada peça na coleção levei em consideração o maior aproveitamento do bordado Madeira. Escolhi aplicá-lo mais nas partes de cima(8) e nos inteiros(7) por não sofrerem tanto atrito, e pelo grande uso de linho e voile, que são tecidos de composição 100% algodão que adequam-se melhor às linhas do bordado e aos pontos em si. Nas partes de baixo foi mais difícil encorporar a técnica, pelo maior uso de jeans e sarja com elastano, mas não desconsiderei a ideia, obtendo ainda 5 peças bordadas.
Na Linha Mourisca, que é casual dia, há predominância de tecidos mais leves, e também rústicos como a camurça e o couro, com cores contrastantes e uma maior presença do branco, os saltos rasteiros dominam e as bolsas vem à tira colo.
Na linha Saloia, que é a sofisticada para noite, há maior presença do linho e tecidos acetinados e transparentes, maior presença da cor preta, todos dos saltos altos, e as bolsas vem à mão.
Dentro das duas linhas há uma subdivisão entre estilos, já que o publico-alvo se considera eclético. As sublinhas tem quatro estilos que foram escolhidos, dentre os que mais apareceram nas respostas, e que se relacionam bem para compor a coleção: romântico, alternativo, boho e básico. Os básicos não possuem bordados, apenas podendo ter o viés de outra cor do tecido de base e os jeans. A sublinha alternativa compoem roupas com cores sóbrias. O boho possui peças mais flúidas e todas com bordados. O romântico tem a maior quantidade de pontos de bordado em peças extremamente femininas.
Linha Mourisca
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Linha Saloia
5.2 Fichas de desenvolvimento e técnicas
As fichas de desenvolvimento e técnicas têm suas bases de modelagem construídas a partir da tabela de medidas disponível no padrão ABNT/INMETRO – NBR 15800/2009, para uma melhor adequação ao público-alvo nacional. Adicionalmente são apresentadas as fichas técnicas dos bordados, com as especificações da altura e largura de cada risco como também a indicação e referência das cores.
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5.3 Confecção do Produto
Dia 6/05/2015 estive na casa da costureira a fim de mostrar o projeto, explicar a importância do bordado e verificar se ela poderia aceitá-lo de forma que nós teríamos que correr contra o tempo para finalizar a modelagem da peça rapidamente para levar à bordadeira. Durante a conversa, a definição do tecido e tiradas as medidas, ela sugeriu que a peça já estivesse quase montada para podermos levar a bordadeira, por causa do bordado lateral, que poderia sofrer erros na hora de fechar as laterais. É atestado que para a bordadeira não é muito bom, pois a peça já montada não dá maleabilidade para certos pontos, portanto decidimos deixar algumas costuras ainda abertas e com alinhavos para facilitar. Discutimos as possibilidades de montar a bainha diferenciada, ao invés de usar viés poderia-se bordar, e aceitei a ideia positivamente. Seguiram-se dois encontros com a costureira para pegar a peça e mandar para a bordadeira de ponto matiz (B02Mr). Já com a peça em casa, risquei os bordados no tecido nas posições pré-definidas pelo croqui. No dia 20/05 a peça já meio montada foi para a bordadeira, fiz no papel vegetal um desenho do risco com as cores correspondentes das linhas para a orientação individual da bordadeira, que já possui mais de 70 anos de idade. Logo que recebi de volta, cerca de 10 dias depois, minha avó bordou os ilhoses que fazem parte do decote, onde passará o fio de camurça. A peça voltou para a costureira colocar o zíper e terminar a bainha, que é pontiaguda na frente e reta atrás. A ideia de fazer em festoné era boa, só que a bordadeira especializada neste tipo de bordado não está ativa no ofício no momento, então decidi continuar com o plano inicial da bainha para não correr riscos devido ao tempo e à qualidade da peça. Recebi a peça fechada no dia 10/06/2015, que é por acaso ou não,
o dia de Camões e o dia de Portugal. Para o bordado “Pipocas” (B10Caz), que realmente só poderia ser feito após o fechamento da bainha, solicitei o trabalho de outra bordadeira para que a peça ficasse pronta até o dia da banca. E assim, onde estaria o ponto crivo, mudamos para o ponto “areias” devido à tonalidade do tecido que dificultaria e atrasaria o bordar.
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Protótipo
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6.0 Conclusão
O projeto Avilhoesa que começou com um rumo, se desviou para o luxo, e voltou para o alvo inicial, sofreu muitas alterações na questão processual, que a meu ver foram positivas e que desencadearam um movimento tanto meu, quanto das pessoas envolvidas para se tornasse concreto. A partir da pesquisa pude conhecer uma faixa de mercado antes desconhecida pela qual me encantei. A economia e a indústria criativa estão realmente percebendo a necessidade de resgatar as técnicas tradicionais, tanto pela preservação de um patrimônio cultural, quanto pela beleza e valor que a técnica traz à peça, ao fazer uma constante modernização para que elas se adequarem ao mercado. É um movimento crescente e global, que fará com que o Brasil comece a explorar o assunto em leis e incentivos que afeta e afetará muitas outras culturas e trabalhos manuais positivamente. Atingi os meus objetivos em relação ao público, pois como faço parte dele, pude receber feedbacks positivos informalmente, tanto da ideia quanto da execução das etapas, portanto atestei que o público realmente está interessado na causa e acha os produtos atraentes podendo levar à compra. Também utilizei a ferramenta digital da página no Facebook para explorar os fãs pelas curtidas e comentários com o objetivo de definir o caminho que o Avilhoesa vai tomar no futuro. Um exemplo é a elaboração de workshops e oficinas com o objetivo de passar à técnica para os jovens. Percebo que ao me aprofundar no tema, o desejo de seguir por esta área se tornou grande, podendo me levar além desse projeto, à um mestrado e doutorado em história, cultura e ciências sociais. Também continuarei a pesquisar e catalogar a história dessas famílias madeirenses aqui no Rio de Janeiro. Na confecção do produto, não se pôde atingir o objetivo da ótima qualidade do bordado. A escolha do tecido preto foi negativa para as bordadeiras que já não enxergam muito bem. Pode-se concluir que se o tecido base fosse claro, principalmente branco e contrastante com as linhas, o trabalho seria mais fácil e também mais bem feito, mas eu escolhi o preto de propósito, para confirmar que realmente a necessidade de passar a técnica adiante é imprescindível. Foi muito dificil encontrar bordadeiras para os determinados tipos de ponto na região de Niterói e muitas pararam a atividade por consequências da velhice. Se houvesse mais tempo para a confecção da peça com certeza o resultado final ficaria com maior qualidade, a proposta seria mais bem pensada e aplicada, também se o bordado fosse aplicado às marcas abordadas no mercado. Acredito que com uma melhor organização prévia é possível sim aplicar a técnica nas coleções cariocas.
Anexos
O primeiro questionário aplicado para definição do público, ainda em 2014:
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O segundo questionário aplicado para uma pesquisa mais abrangente, em 2015.
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