Estúdio Deriva: Aprendizado em movimento

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ESTÚDIO DERIVA APRENDIZADO EM MOVIMENTO Anna Verônica Juni Fontes Coutinho



à deriva, mar sem rumo, ao sabor dos ventos e das correntes; ao sabor dos acontecimentos; a lancha soltou-se do cais.

Dedicado ao professor Sebastian Beck, criador do Estúdio Deriva, por ter me confiado a inesquecível aventura de construir conjuntamente essa proposta itinerante.


Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada corretamente a fonte..

ANNA VERÔNICA JUNI FONTES COUTINHO (ajuni.sp@gmail.com)

Estúdio Deriva: Aprendizado em movimento Anna Verônica Juni Fontes Coutinho Orientadoras Cristiane Muniz e Maira Rios São Paulo, fevereiro 2021 102p. Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação Lato Sensu, “Arquitetura, Educação e Sociedade”, da Escola da Cidade 1. Educação 2.Sociedade 3. Arquitetura. 04


AGRADECIMENTOS

Agradeço àqueles com quem aprendo diariamente: À Escola da Cidade, minha segunda e constante formação, por ter ressignificado a potência do coletivo na minha vida; Às professoras da pós-graduação ‘Arquitetura, Educação e Sociedade’, Cristiane Muniz e Maira Rios, e aos colegas de curso, por terem me aberto a visão sobre um ensino sensível, atento e desejavelmente errante; Aos alunos, verdadeiros co-criadores do Estúdio Deriva, por tudo que compartilhamos; Aos professores Eduardo Ferroni, Cesar Shundi Iwamizu e José Paulo Gouvêa, grandes parceiros de equipe na realização das duas primeiras edições do Estúdio Deriva; Aos professores companheiros de viagens Anália Amorim, Ciro Pirondi, Ana Lúcia Longato, Paulo Von Poser e José Maria Macedo pelas risadas e reflexões trazidas em suas falas sempre precisas e inspiradoras; À amiga Aline Beck, incentivadora incondicional, que sempre recebeu em sua casa as reuniões do Estúdio Deriva com carinho e quitutes; À Karime Zaher, por sua grande contribuição na preparação dos materiais gráficos de divulgação e publicações das pesquisas; Aos professores Alvaro Puntoni, Fernando Viégas e Ana Paula de Castro por estarem dando continuidade ao Estúdio Deriva com tanto ânimo e dedicação; Aos parceiros de longa data, Enk te Winkel e Gustavo Delonero, por formarem o tripé do nosso fazer arquitetônico chamado Vão; A Fernando Bigi Makansi, por ensinar a leveza com seu apoio doce e paciente, tão necessário para que esse trabalho fosse realizado.

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RESUMO

‘Estúdio Deriva: Aprendizado em movimento’ é um artigo-relato sobre a mais recente disciplina itinerante da faculdade de arquitetura e urbanismo Escola da Cidade. Artigo-relato pois, apesar de estar amparado teoricamente por uma bibliografia, parte também da experiência da autora como docente nas duas edições realizadas: Escandinávia (2018) e Japão (2019). A primeira parte do trabalho dedica-se a entender o contexto no qual o Estúdio Deriva está inserido, a tradição viajante de sua instituição de ensino e a relevância da viagem na formação de arquitetos e urbanistas. Por meio da compilação de produções, vivências e metodologias, na segunda parte, o artigo faz uma análise aproximada da disciplina eletiva. A organização dos capítulos segue a estruturação anual do plano pedagógico: curso preparatório (primeiro semestre), viagem (férias de julho) e a conclusão das pesquisas (segundo semestre). Para além dos textos citados e da escrita da autora, este trabalho fora construído fundamentalmente pela produção dos alunos. Suas fotografias, desenhos, colagens e maquetes, aqui presentes, não são apenas ilustrações. São estes os verdadeiros relatos materializados que, entrelaçados à narrativa, trocam significados com o texto.

PALAVRAS-CHAVE Arquitetura Cidade Cultura Itinerância Viagem de Formação

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ABSTRACT

‘Estúdio Deriva: Learning on the Move’ is a report-article about the most recent traveling discipline at the college of architecture and urbanism Escola da Cidade. Report-article since, despite being backed by research literature, it also comes from the author’s experience as a teacher at the two editions held in: Scandinavia (2018) and Japan (2019). The first part of the work aims to understanding the context in which Estúdio Deriva is inserted, the traveling tradition of its teaching institution and its utmost importance for the architects and urbanists background. Through collecting productions, experiences and methodologies, in the second part, the article does an approximate analysis of this elective course. The chapters are organized like the annual pedagogical planning: preparatory course (first term), trip (July vacations) and research conclusion (second term). Besides the cited texts and the author’s writing, this work was fundamentally built by the student’s production. Their photos, drawings, collages and mockups herein presented are not merely illustration. These are the true materialized account, interwoven to the narrative, exchanging meanings with the text.

KEYWORDS Architecture City Culture Itinerance Learning trip

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APRESENTAÇÃO

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UMA ESCOLA DE LUGAR NENHUM

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1.1 Disciplinas itinerantes 1.2 Substantivo espaço: do entorno às entranhas

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TEORIA DO DERIVA

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44 2.1 Preparar, arrumar a bagagem imaterial 50 2.2 Viajar, perder (-se em) países 71 2.3 Retornar, reconstruir países

CONSIDERAÇÕES FINAIS Anexo I | Calendário das itinerâncias Anexo II | Fichas técnicas Bigliografia Créditos iconográficos

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APRESENTAÇÃO 1. Habitando o Universo – expressão presente no texto “O ensino da arquitetura ou a crise silenciosa” escrito por Ciro Pirondi .2. Associação Escola da Cidade – Arquitetura e Urbanismo (AEC) é uma entidade sem fins lucrativos criada por um grupo de professores que desejava realizar uma escola de grau superior livre de idiossincrasias e entidades mantenedoras. Esta congrega profissionais de diversas áreas para formar arquitetos e urbanistas capazes de criticar e transformar a realidade brasileira

Aprender em movimento, com e nos espaços públicos, edifícios e traslados. Caminhando, voando ou flutuando. Ressignificando a sala de aula. Habitando o universo¹. Este é o conceito mais substancial da Escola da Cidade2, como o próprio nome sugere. Desde o seu desenho pedagógico originário, apresentado ao MEC em 1996, essa instituição de ensino tem defendido as viagens de estudos como vivências fundamentais na formação de arquitetos e urbanistas. Foram algumas experiências embrionárias, por capitais brasileiras e países da América Latina, até o estabelecimento, em 2006, da Escola Itinerante como atividade integrada à grade curricular obrigatória. Esse programa de roteiros semanais, realizado uma vez ao semestre, consolidou na Escola uma irreversível cultura viajante. ‘Uma Escola de lugar nenhum’, abre o artigo introduzindo conceitos sobre os quais a Escola está fundamentada a partir do artigo-manifesto ‘O ensino da arquitetura ou a crise silenciosa’, assinado pelo exdiretor Ciro Pirondi. O subcapítulo ‘Substantivo espaço: do entorno às entranhas’, aborda o livro ‘Saber ver a 13


arquitetura’, do arquiteto, crítico e historiador Bruno Zevi, para refletir sobre as perguntas: Por que viajamos? Como podemos educar os sentidos para potencializar as vivências? Em sequência, ‘Disciplinas itinerantes’ discorre brevemente sobre a diversidade de propostas pedagógicas presentes na Escola da Cidade com base no exercício do viajar. Na segunda parte é analisado o Estúdio Deriva, a mais recente proposta itinerante da Escola, e objeto de estudo deste trabalho. Criada em meados de 2017, pelo professor Sebastian Beck, a disciplina eletiva volta-se ao estudo e ao reconhecimento de territórios estrangeiros através do olhar do arquiteto. ‘Teoria do Deriva’, apresenta conceitos estruturadores do curso amparado pelo texto ‘Império dos Signos’, do escritor, filósofo e sociólogo Roland Barthes. Os capítulos subsequentes dedicam-se à análise da estrutura anual do curso: ‘Preparar, arrumar a bagagem imaterial’, sobre os quatros meses preparatórios; ‘Viajar, perder (-se em) países’, sobre a vivência em campo e ‘Retornar, reconstruir países’, sobre a publicação e exposição resultantes das finalizações das pesquisas desenvolvidas ao longo do curso. Após as experiências da Escandinávia (2018) e do Japão (2019), o Estúdio Deriva pretendia realizar neste ano a sua terceira edição. A proposta com foco nos Estados Unidos vinha sendo desenvolvida junto aos professores da pós-graduação ‘Geografia, Cidade e Arquitetura’, Alvaro Puntoni, Fernando Viégas e Ana Paula de Castro, valendo-se dos três módulos que dedicaram de seu curso ao estudo do país (2011, 2014 e 2018). Infelizmente a travessia oeste-leste, de aproximadamente 5.000 milhas, intercalada por paisagens desérticas, grandes cidades, museus, galerias e obras notáveis da arquitetura moderna e contemporânea, teve de ser adiada em razão da pandemia COVID-19. Este artigo foi escrito durante o período de isolamento social e consequentemente de muitas adaptações provisórias no ensino. Nesse momento de suspensão dos encontros físicos nas salas de aula, como também das saídas de campo, as ferramentas contemporâneas advindas do processo de hiper digitalização tomaram protagonismo em nosso cotidiano. Diante a esse contexto o Estúdio Deriva propôs a sua primeira experiência virtual, uma deriva 14


Imagens 1 e 2 > D’ou venons nous? que sommes nous? Sigurdur Gudmundsson, 1976

remota que por uma semana fez uma imersão na cidade de Chicago, guiada por professores e palestrantes locais. É importante ressaltar que essas iniciativas não consistem em uma defesa ao ensino à distância, foram apenas meios encontrados para podermos continuar pensando, aprendendo e propondo. Por mais tecnologicamente desenvolvidas que sejam, jamais existirão plataformas de comunicação por vídeo ou representações virtuais capazes de substituir as experiências do real. ‘Estúdio Deriva: Aprendizado em movimento’ espera fazer uma pequena contribuição ao debate do ensino itinerante, desejando que possamos retomar, em muito breve, os nossos trajetos e as nossas buscas pelas essências do sentir presencial. 15



1. UMA ESCOLA DE LUGAR NENHUM

Do espaço físico à estrutura pedagógica, a Escola da Cidade não quer caber em si. A escolha pelos dois edifícios que ocupa na Rua General Jardim, projetados pelo arquiteto Oswaldo Bratke na década de 40, não foi mera casualidade. Inserida no pulsante centro da cidade de São Paulo, cerca da Praça da República, bem como da estação de metrô, a Escola está rodeada por significativas obras arquitetônicas: a pouco mais de 100 metros de distância encontra-se o edifício Eiffel; a menos de 300m, Esther, Itália e Copan; a 400m a Galeria Metrópole, sendo necessário apenas mais 250 metros de caminhada para alcançar o Sesc 24 de Maio. As varandas de suas salas de aula possuem uma relação visual direta com o vizinho mais próximo: a sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil-São Paulo, espaço de reflexão e debate acerca da profissão. O lugar é frequentado por alunos e professores nos cafés dos intervalos de aula, debates, cursos, oficinas, palestras, lançamentos de livros, projeções de filmes e premiações que o IAB ali promove, muitas vezes em parceria com a Escola. 17


PRAÇA DA REPÚBLICA

SESC 24 DE MAIO IAB-SP

ESCOLA DA CIDADE

COPAN

< Imagem 3 Escola da Cidade Entorno

O hábito do encontro (conversas, cafés e atividades extracurriculares) estende-se também a outros estabelecimentos comerciais do bairro e a outras parcerias institucionais, explodindo a experiência da Escola para além das paredes que a limita. Apropriar-se dos espaços disponíveis na cidade é um posicionamento crítico da Escola que varreu de seu espaço interno a praça de alimentação (presença comum nas instituições de ensino privado, mais assemelhadas a shoppings centers3) e o auditório voltado a grandes e pontuais eventos, optando muitas vezes, por ocupar o teatro da vizinha Aliança Francesa. A ausência destes espaços, já tão naturalizados no programa institucional, permitiu que seu nível térreo fosse liberado para abrigar a Galeria da Cidade - o primeiro espaço expositivo voltado inteiramente à difusão da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Em conexão direta com a rua, o acesso às exposições da galeria é livre e gratuito, pois a Escola não deseja apenas entranhar-se na cidade, mas também recebêla. As escolhas espaciais que faz são expressões de sua constante defesa pelo contato urbano e humano, tal qual apontado por seu ex-diretor Ciro Pirondi: 18

3. PIRONDI, 2017


4. PIRONDI, 2017

5. A canção em questão é Nowhere Man, composição de John Lennon lançada em 1995 no disco Rubber Soul

“Fazê-lo (o estudante) ver a cidade como um lugar onde o mundo e o homem mais do que se movem. Vê-la como o local da convivência entre as diferenças, e que por isso mesmo é o espaço da educação. Devemos resistir às tentativas de reduzir o ensino a uma ferramenta e nos esforçar para conectar novamente a educação dos arquitetos às humanidades, tornando-os cidadãos de seu país e do mundo.” 4

Em seu artigo-manifesto intitulado ‘O ensino da arquitetura ou a crise silenciosa’, Pirondi (2017) parafraseia uma música da banda inglesa The Beatles5 para descrever uma Escola de Lugar Nenhum. O uso dessa imagem para uma instituição de ensino tão consciente de seu contexto pode soar contraditório a priori, porém, o que deseja-se representar com ela é a luta da Escola pela irradiação do conhecimento. Absolutamente não podemos afirmar que a Escola está circunscrita no raio delimitado pela Rua General Jardim, onde, em sete quarteirões concentramse cerca de 50 escritórios de arquitetura, muitos deles encabeçados por seus professores. As itinerâncias municipais, estaduais, nacionais e intercontinentais, são partes fundamentais de uma estrutura pedagógica que aposta em um ensino nômade:

Imagem 4 > Escola da Cidade Rua General Jardim no 65

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“A natureza é o objeto dos nossos estudos, e a cidade, a paisagem e os artefatos arquitetônicos são melhores apreendidos in loco, com a análise do lugar. (...) Movimentarse, viajar, é atravessar universos de problemas, mundo vividos e paisagem dos sentidos.” 6

Os movimentos de dentro (da Escola) para fora (o mundo), fazem-se por meio das disciplinas itinerantes - viagens curriculares e extracurriculares, que colocam seus alunos em contato com outras realidades ao longo de toda a formação. No quinto ano, penúltimo da graduação, ocorre ainda a Vivência Externa, quando dois semestres são dedicados à estágios e intercâmbios acadêmicos que usufruem da ampla rede de instituições conveniadas. As trocas interculturais ocorrem também no sentido contrário, do mundo para a Escola. Arquitetos, urbanistas, artistas plásticos, historiadores e intelectuais de diversas áreas, provindos de outros estados e países, são constantemente recebidos pela instituição de ensino. É recorrente que esses professores ministrem aulas nas pós-graduações ‘Geografia, Cidade e Arquitetura’, dedicada a estudar países americanos, e ‘Arquitetura, Educação e Sociedade’, voltada à atividade docente. Já na programação da graduação há o Seminário Internacional, uma semana no ano em que convidados nacionais e internacionais promovem palestras, debates e dinâmicas junto aos estudantes, professores e público externo interessado, sempre pautado por um tema atual. Pode-se, portanto, dizer que esta é uma Escola de lugar nenhum já que é nas itinerâncias onde estabelece as valiosas relações para a sua construção do conhecimento. Uma Escola de lugar nenhum pois está ciente que matéria prima do seu saber está espalhada pelo mundo.

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Imagem 5 > Movimento noturno entre os bares Xangô e JK, a partir do mezanino do IAB Imagem 6 > Aula da pós-graduação AES no mezanino do IAB

6. PIRONDI, 2017

Imagem 7 > Processo seletivo no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) Imagem 8 > Processo seletivo no Teatro Oficina

Imagem 9 > Auditório da Aliança Francesa ocupado por alunos e professores Imagem 10 > Abertura da exposição ‘Arquitetura de Exceção – O Pavilhão do Brasil na Expo’70 Osaka’ na Galeria da Cidade

Imagem 11 > Seminário Internacional no teatro do Sesc Pompéia Imagem 12 > Seminário Internacional no auditório do Sesc 24 de Maio


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1.1 DISCIPLINAS ITINERANTES Na Escola da Cidade, algumas vezes a própria viagem é o pretexto para reconhecer questões e desenvolver pesquisas; noutras, do reconhecimento das oportunidades de trabalho, em contato com outros contextos e grupos, faz-se o pretexto para realizar a viagem. O denominador comum entre as diferentes modalidades é não estar restrito ao desempenho de um projeto pré-formatado e engessado. As viagens de formação devem sempre carregar consigo a consciência de serem laboratórios em movimentos e tirar partido disso. O que estamos denominando como viagem não necessariamente pressupõe longos e amplos deslocamentos. Não são as distâncias entre os lugares, e nem mesmo os tempos tomados para percorrê-los, os seus determinantes; mas sim o espírito viajante, a experiência aberta da exploração e do estranhamento. Compartilha-se aqui do entendimento de viagem colocado por Cauê Alves e Cristiana Tejo, curadores do 32º Panorama de Arte Brasileira intitulado ‘Itinerários, itinerâncias’: “ (...) as viagens são transformadoras não apenas porque alguém vai a lugares distantes ou desconhecidos, mas porque o viajante vive também internamente uma sucessão contínua de momentos novos e diferentes.”7

Sendo assim, podemos ser viajantes por um dia, uma semana ou um mês. Forasteiros na própria cidade, país ou no estrangeiro. Isso pode ser constatado nas descrições das cinco propostas pedagógicas formadoras do quadro itinerante da Escola. Em formatos de curso livre, eletiva ou ateliê de projeto, as disciplinas itinerantes diferem-se em escalas de deslocamento, tempos de duração, objetivos pedagógicos e números de participantes. 7. ALVES;TEJO, 2012

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1.1.1 Escola Itinerante projeto pedagógico: curricular obrigatório frequência: semestral duração: 1 semana abrangência: Brasil e América Latina número de alunos: 200 a 300 (todos os alunos do 1º ao 4º ano da graduação + público externo interessado) criação: 2006 (antecedida pelas viagens embrionárias de 2002 à 2005)

A Escola Itinerante é a mais antiga e a mais fundamental das propostas aqui apresentadas. Isso porque, dentre todas, é a única constituída como uma atividade curricular obrigatória, tendo seus custos de estadia, deslocamento e visitações já incluídos na mensalidade. Durante uma semana por semestre, do primeiro ao quarto ano, estudantes embarcam em uma viagem de estudos por cidades (históricas ou planejadas) da América Latina. Para preparar esses momentos nos quais a Escola encontra-se espalhada pelo continente, os conteúdos referentes a cada destino são previamente vinculados às disciplinas regulares, sendo abordados por meio de leituras históricas, sociais, geográficas, e claro, projetuais. É também comum que as disciplinas do curso regular proponham uma associação maior com a viagem, elaborando exercícios relacionados ao lugar visitado. Nessas ocasiões os alunos fazem levantamentos, pesquisas e atividades em loco, cujos desdobramentos serão retomados no retorno à instituição de ensino. Além de uma equipe multidisciplinar de professores da Escola da Cidade, montada de acordo com o foco da viagem, conta-se também com a participação de palestrantes, professores de instituições visitadas e encontros com os arquitetos atuantes locais.

Imagem 13 Dialogue Sigurdur Gudmundsson, 1979

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1.1.2 Flying Classroom projeto pedagógico: curricular optativo frequência: anual duração: 3 semanas abrangência: intercontinental número de alunos: 5 a 15 criação: 2012

Flying Classroom é um workshop de verão criado em parceria com a University of Applied Sciences de Konstanz, representada pela professora Myriam Gautschi. O encontro entre os estudantes brasileiros e alemães ocorre uma vez ao ano, quando reúnem-se para trabalhar juntos em torno de um tema. Por vezes o convênio associa-se à outras instituições agregando grupos de docentes e discentes provindos dos países-destinos, como no caso das edições China, Índia e França. Os conceitos chaves do curso são: lugar, palavra, arquivo e comunidade.

Imagem 14 Escola Itinerante Paraguai, 2019

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Imagem 15 Flying Classroom França, 2018


1.1.3 Arquitetura Paulistana projeto pedagógico: extracurricular frequência: quinzenal (6 visitas por semestre) duração: 1 dia abrangência: cidade de São Paulo número de alunos: 20 a 30 (alunos da Escola da Cidade + público externo interessado) criação: 2013

O curso livre Arquitetura Paulistana consiste na visitação de obras de arquitetura contemporânea paulista, sempre na companhia do arquiteto-autor e de uma pequena publicação desenvolvida como material complementar. Seu objetivo é estimular os participantes a criarem uma visão crítica sobre a atividade projetual e as questões que a cercam. As visitas quinzenais, aos sábados de manhã, são gravadas e disponibilizadas na internet como forma de ampliar o alcance do conteúdo e estimular a descentralização da produção. Entre todas as disciplinas itinerantes abertas é a mais frequentada por um público externo.

Imagem 16 Arquitetura Paulistana Paranapiacaba, 2018

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1.1.4 Modos de Habitar projeto pedagógico: curricular optativo frequência: anual duração: 15 dias abrangência: Brasil número de alunos: 10 a 15 criação: 2017

Os seminários e oficinas-viagem Modos de Habitar surgiram como ações combinadas entre a plataforma habita-cidade e o curso de pós-graduação Habitação e Cidade. Ao promover uma reflexão propositiva sobre a relação da arquitetura com específicas condições socioculturais e ambientais, a proposta visa abrir perspectivas para possibilidades pouco exploradas e a sua aplicação junto a políticas públicas. Deste modo, demandas de movimentos sociais são apoiadas por projetos que surgem a partir de vivências, reconhecimentos, diálogos e pesquisas aplicadas. A primeira edição intitulada Arquiteturas Anfíbias, resultou numa viagem de estudos para o Marajó, no Pará, enquanto a segunda, Arquiteturas Tradicionais, levou os estudantes para o Xingu, em oficinas de troca de saberes com o povo Kamayurá.

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< Imagem 17 Modos de Habitar Marajó, 2018 Imagem 18 Estúdio Deriva Finlândia, 2018


1.1.5 Estúdio Deriva projeto pedagógico: curricular optativo frequência: anual duração: 60 horas de curso preparatório, 20 dias de viagem e 60 horas de preparação do catálogo e exposição abrangência: intercontinental número de alunos: 20 a 30 criação: 2017

Estúdio Deriva é um curso anual composto por três módulos: 1) curso preparatório, no qual estudantes, professores e convidados reúnem-se por duas horas semanais (primeiro semestre); 2) a viagem de aproximadamente vinte dias (férias de julho) e 3) encontros semanais, novamente por duas horas, para o desenvolvimento do material a ser exposto e publicado (segundo semestre). Por tratar-se de uma viagem de estudos, e não de turismo, a preparação do primeiro módulo é um pré-requisito fundamental. No primeiro momento do curso serão aprofundados conceitos de cidade, cultura e território essenciais para a vivência no estrangeiro. O curso é aberto ao público externo e os estudantes da Escola da Cidade podem ainda validar o primeiro e o terceiro módulo como horas de disciplinas eletivas. Pela convicção de que o aprendizado da arquitetura se faz pelo contato com culturas urbanísticas distintas, a proposta busca parcerias com faculdades, arquitetos e professores locais que estabeleçam um processo de troca e aprendizado mútuo. Política, história, geografia, tradições, costumes, culinária, dança, música, cinema, literatura e tudo mais que compõe a identidade de um lugar e de seus habitantes, integram de maneira contundente a leitura e a vivência dos territórios, na busca de compreender a arquitetura como a manifestação concreta de um modo particular de estar no mundo. Na segunda parte deste artigo abordaremos de forma mais aproximada a proposta pedagógica do Estúdio Deriva com base nas experiências dos módulos já realizados, Escandinávia (2018) e Japão (2019).

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1.2 SUBSTANTIVO ESPAÇO: DO ENTORNO ÀS ENTRANHAS

Fazer a curadoria da informação é um dos maiores desafios da atualidade. Todos aqueles que possuem acesso à computadores e smartphones são constantemente assediados por um império imagético, produzido e compartilhado em profusão. A pesquisa projetual, outrora embasada exclusivamente por meio de publicações impressas (livros e revistas especializados), foi ampliada e facilitada pela revolução virtual. Uma rápida busca na internet, sobre qualquer obra ou arquiteto, nos abre imediatamente um vasto acervo de desenhos técnicos, diagramas, croquis, fotografias em alta resolução (profissionais e amadoras), artigos, teses, documentários e palestras. Em poucos minutos o conteúdo distribuído em janelas e abas revela detalhadamente arquiteturas com as quais passamos a sentir certa intimidade. Assim sendo, qual seria o sentido da experiência presencial nos espaços construídos frente à vasta informação disponível no espaço cibernético? Não seria suficiente embasarmos nossos estudos arquitetônicos nos materiais disponíveis nos livros e nas telas, como temos sido obrigados a fazer nos últimos meses de isolamento social provocado pela pandemia COVID-19?

Imagem 19 Corte imaginário: Jardim Ryoan-ji, Casa de chá da Vila Katsura, Templo em Koya-San, Teshima Art Museum e Chichu Art Museum Ana Teresa de Cavalho, Estúdio Deriva 2019

< Imagem 20 Perspectiva explodida Teshima Art Museum Ricardo Kalil, Estúdio Deriva 2019 28


Imprescindíveis ao aprofundamento em qualquer obra arquitetônica, os desenhos técnicos revelam um conjunto de questões construtivas ao receptor interessado. Plantas e cortes, planificações horizontais e verticais do espaço, são as únicas representações sem as quais não se pode conceber uma construção. Contudo, a apreensão da arquitetura construída transcende a arquitetura desenhada, pois, como apontado por Bruno Zevi em seu livro Saber Ver a Arquitetura, ela

8. ZEVI, 2012, p.18

9. ZEVI, 2012, p.50

“não provém de um conjunto de larguras, comprimentos e alturas dos elementos construtivos que encerram o espaço, mas precisamente do vazio, do espaço encerrado, do espaço interior em que homens andam e vivem.” 8

O espaço é um encadeamento de intervalos. Intervalos de distâncias, planos e volumes que, para serem compreendidos, requerem o tempo da nossa caminhada. Desvendamos o espaço ao percorrê-lo e observá-lo de todos os ângulos, de perto e de longe, do entorno às entranhas. Apesar de exercerem um papel essencial enquanto registro e expressão de projetos, complementar aos desenhos, as fotografias também jamais poderão substituir a vivência presencial. Estas serão sempre representações de um ponto de vista estático: a captura de um determinado ângulo, em determinada estação, horário e condição. “Cada fotografia é uma frase separada de um poema sinfônico ou de um discurso poético”9 e nem mesmo centenas delas poderiam esgotar a complexidade de uma narrativa espacial. 29


< Imagens 21 e 22 Fotografias internas Teshima Art Museum Rafael Baumer, Estúdio Deriva 2019

E o registro de deslocamentos sucessivos possibilitado pela cinematografia, estaria ao alcance do espaço? Ora, um vídeo pode representar um ou mais percursos, mas não esgotar as possibilidades de caminhos percorríveis. E aí reside uma de suas principais limitações. O observador é excluído da atuação e colocado como espectador passivo, ausentando o elemento físico e dinâmico necessário na apreensão do espaço; algo como a “diferença entre praticar esporte e olhar os outros enquanto praticam, entre dançar e ver dançar, entre amar e ler romances de amor”.10 Poderia ainda ser argumentado que hoje temos tours de visualização 3D: passeios virtuais, com o livre arbítrio do percurso, pelos interiores de muitos clássicos da arquitetura. Ao adentrá-los giramos o mouse para alcançar visões panorâmicas, como quem vira o pescoço, e o apontamos para lugares, como quem levanta e abaixa a cabeça. 30

Imagem 23 > Desenho Teshima Art Museum Ana Teresa de Carvalho, Estúdio Deriva 2019

10. ZEVI, 2012, p.51


Porém, é preciso lembrar que além do exercício intelectual, teórico, técnico e plástico, reside na compreensão da arquitetura, o exercício sensorial. O corpo, aguçado de suas percepções na escala real dos espaços, é impactado. Sente frio, calor, vertigem, compressão e descompressão. Anda, corre e pausa. Tateia as texturas e inala os odores. Observa e interage. Encontra outros corpos. Para perceber a arquitetura, mente e sentidos devem ser educados. Não basta entrar nos espaços e percorrê-los, é preciso saber ver e sentir. As representações arquitetônicas aqui citadas podem não ser equivalentes à experiência do corpo no espaço, porém, os seus estudos constituem um importante embasamento que levanta questões e aguça o olhar para a chegada hora do percorrer presencial. “Os estudos e as investigações

11. ZEVI, 2012, p.19

limitar-se-ão às contribuições filológicas – os dados sociais; isto é, da função; os dados construtivos, isto é, da técnica; os dados volumétricos e decorativos, isto é, plástico e pictóricos -, de certo bastante úteis, mas ineficazes para fazer entender o valor da arquitetura, uma vez que se esqueça a sua essência, o substantivo que é o espaço.”11

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Quem já se dedicou a estudar um projeto antes de conhecê-lo pessoalmente, sabe as surpresas que os espaços reservam. É comum que haja uma sensação de estranheza nas escalas e proporções já que, por muitas vezes, no imaginário, o edifício (ou espaço) parecia ser muito maior (ou menor). Algumas obras, extremamente fotogênicas, decepcionam no encontro com a realidade, enquanto outras, são constituídas por uma atmosfera impossível de ser descrita ou representada. Essa intransponibilidade da atmosfera faz com que ela pareça ser um conceito um tanto quanto subjetivo, quando, na verdade, nada mais é que o substantivo espacial, ou seja, aquilo que lhe designa e lhe é intrínseco. Tentar explicar a atmosfera de um espaço é algo como descrever uma pessoa desconhecida à um receptor. Podemos falar de suas características físicas e de sua personalidade, porém, a essência que alguém carrega só pode ser revelada no encontro com o outro. < Imagens 24 e 25 Estudos das proporções do Teshima Art Museum em maquete de cerâmica Beatriz Mendes, Estúdio Deriva 2019

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As edificações, em sua grande maioria, são formadas por espaços interiores e exteriores. O espaço urbanístico, conjunto dos espaços exteriores, é também caracterizado por relações de intervalos criados por construções, ruas, vielas, becos, praças, parques, pontes etc. Por conseguinte a relação entre representação e vivência estende-se também às cidades. Arquitetos viajam para constatar a vida. Queremos ver como os espaços arquitetônicos e urbanísticos são apropriados pelas pessoas e como estes se relacionam aos contextos nos quais estão inseridos. Precisamos estar fisicamente nos lugares para constatar a incidência da luz natural e observar suas movimentações ao longo do dia; para sentir os ares, as temperaturas, as texturas, os sons e os cheiros.

12. ZEVI, 2012, p.51

“(...) onde quer que exista uma perfeita experiência espacial a viver, nenhuma representação é suficiente, precisamos nós mesmos ir, ser incluídos, tornarmo-nos e sentirmo-nos parte e medida do conjunto arquitetônico, devemos nós mesmos nos mover. Todo resto é didaticamente útil, praticamente necessário, intelectualmente fecundo; mas é mera alusão e função preparatória dessa hora em que, todos nós, seres físicos, espirituais e, sobretudo, humanos, vivemos os espaços com uma adesão integral e orgânica. Será esta a hora da arquitetura.”12

Evidente que jamais alcançaremos todos os lugares que nos instigam, porém, devemos estar atentos para vivenciar, em toda integralidade, aquilo que nos está disponível. A começar pela cidade na qual vivemos. Passar uma tarde no SESC Pompéia, ou participar de uma manifestação do vão do MASP, são aulas formadoras de arquitetura e urbanismo tanto quanto esmiuçar suas estratégias projetuais e construtivas nas salas de aula. O estudo vinculado à vivência é, pelo menos ainda, o único meio que temos de ampliar o repertório arquitetônico e criar as memórias afetivas para com os espaços.

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1.2.1 Relato da aluna Marina Liesegang: Teshima Art Museum13 Chegamos a Teshima de barco. Como odeio andar de barco, as distâncias parecem sempre maiores, mas, desta vez, parece ter sido bastante rápido. A paisagem era linda, muito bonita mesmo. Ela retrata bastante bem a sensação de se estar em um país de ilhas. Por isso, o passeio de barco fez parte. Pegar as bicicletas e cruzar a ilha pedalando fez parte também. Geralmente, não gosto muito de andar de bicicleta quando está muito calor. Mas, desta vez, as paisagens eram muito bonitas mesmo, então nem me incomodei. Não me incomodei em subir novamente a ladeira que acabáramos de descer. Não podíamos parar as bicicletas tão próximas à entrada. O percurso era perfeito porque a paisagem era perfeita. Entrar no museu depois desse passeio é como entrar no mais límpido dos mares. Acho que se conseguíssemos respirar debaixo da água, a sensação seria exatamente essa. A temperatura é bem mais fresca, parece impossível lá fora estar tão quente. As aberturas do teto enquadram o céu de forma a não parecer que foram projetadas. Os fiozinhos, obra da artista Rei Nato, não parecem terem sido posicionados, assim como as gotinhas de água no chão não parecem molhar você. Tudo está tão perfeito, que é preciso certo tempo para que você se acostume. Primeiro, você está deslumbrado. Depois você se senta e começa simplesmente a olhar. Você não tem nem vontade de falar nada, você só olha e, olhando, começa a notar coisas que não tinha reparado antes. Por exemplo, você repara que há muitos mais fiozinhos do que havia quando você entrou e que, na verdade, eles têm diferentes cores. Um é vermelho, outro azul. O último que reparei era dourado. Quando você repara isso, parece que é você quem sempre esteve lá. Ali, arte, arquitetura, paisagem, eu e você fazemos todos parte de uma mesma natureza.

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13. Museu projetado pelo arquiteto Ryue Nishizawa em 2010. Está localizado na ilha de Teshima, parte da prefeitura de Kagawa, Japão

Imagens 26, 27, 28 e 29 > Fotografias do percurso até o Teshima Art Museum Fernanda Galloni, Estúdio Deriva 2019


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2. TEORIA DO DERIVA 14 14. O título do capítulo é uma referência à Teoria da deriva, texto de Guy Debord publicado na Revista Internacional Situacionista em 1958

Antes de adentrarmos de forma mais específica os três momentos que constituem o curso anual Estúdio Deriva, faz-se necessária a apresentação de alguns conceitos estruturadores. Isto não quer dizer que estes antecederam ou definiram formalmente a sua criação - são inquietações, implícitas a princípio, debatidas pelo corpo docente ao longo das edições. Com o tempo tudo aquilo que lhe era indesejável tornou-se claro, estabelecendo os seguintes fios condutores: Negação 01: Caricaturas do Estrangeiro O olhar do aprendiz deve diferenciar-se de um certo olhar estrangeiro que, por meio de oposições binárias entre o eu e o outro, transforma os traços locais em caricaturas do desconhecido. Tanto o imaginário romantizado e, portanto, descolado da realidade, quanto uma pretensiosa análise categórica, podem perigosamente nos fazer cair nos chavões do exótico e nos enganos dos encaixotamentos préconcebidos. 37


Entre as anotações de sua viagem ao Japão, publicadas no livro Império dos Signos, o filósofo e sociólogo Roland Barthes escreve: “Não olho amorosamente para uma essência oriental, o Oriente me é indiferente. Ele apenas me fornece uma reserva de traços cuja manipulação, o jogo inventado, me permitem ‘afagar’ a ideia de um sistema simbólico inédito (...).” 15

O grupo do Estúdio Deriva dedica-se a fazer nos primeiros meses, antecessores à viagem, um levantamento de leituras do território, fundamentado por visões históricas e expressões culturais. Sem ansiar por conclusões estáticas, e à espera de que essas análises sejam ressignificadas na vivência em campo, o grupo coleciona chaves, que compõem uma colagem aproximativa, ou aquilo que Roland Barthes descreveu como: “(...)levantar em alguma parte do mundo (naquele lugar) um certo número de traços (palavra gráfica e linguística), e com esses traços formar deliberadamente um sistema.” 16

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15. BARTHES, 2007, p.08

Imagem 30 > Trem para Tokyo Luigi Zorzella Franco, Estúdio Deriva 2019

16. BARTHES, 2007, p.07


Outro ponto crucial colocado por Barthes é a introjeção do novo sistema criado. Para tal é necessário não apenas reconhecer a diferença na alteridade mas, antropofagicamente, deixar-se transformar por ela:

17. BARTHES, 2007, p.08

“O que pode ser visado, na consideração do Oriente, não são outros símbolos, outra metafísica, outra sabedoria (...); é a possibilidade de uma diferença, de uma mutação, de uma revolução na propriedade dos sistemas simbólicos.” 17

Evidente que as diferenças existentes entre os sistemas simbólicos e cognitivos da França, país de origem do autor, e o Japão, país experenciado por ele, são muito contundentes. Contudo, se substituíssemos o segundo por qualquer outro país ocidental, sua metodologia de entendimento do outro se manteria pertinente. Inclusive ela talvez seja ainda mais fundamental se estivermos tratando de lugares supostamente conhecidos, quando nos tornamos mais sujeitos a suposições preconceituosas e préformatadas.

< Imagem 31 Japoneses Ana Teresa de Carvalho, Estúdio Deriva 2019

18. BARTHES, 2007, p.10

“O autor jamais, em nenhum sentido, fotografou o Japão. Seria antes o contrário: o Japão o iluminou com múltiplos clarões; ou ainda melhor: o Japão o colocou em uma situação de escritura. Essa situação é exatamente aquela em que se opera certo abalo da pessoa, uma revirada das antigas leituras, uma sacudida do sentido, dilacerado, extenuado até o seu vazio insubstituível, sem que o objeto cesse jamais de ser significante, desejável.”18

Barthes nos ensina um estado de espírito libertário onde o viajante despido de hábitos, convicções, estereótipos e julgamentos, consegue descontruir o eu, fundir-se no outro, para criar um terceiro sujeito. E esse ensinamento pode e deve ser carregado, trocando a palavra Japão por Finlândia, Rússia, México ou por qualquer outro lugar para onde nos deslocarmos.

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Negação 02: Passeio ou turismo arquitetônico “O conceito de deriva está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos da natureza psicogeográfica19 e à afirmação de um comportamento lúdico-construtivo, o que o torna absolutamente oposto às tradicionais noções de viagem e de passeio.”20

É verdade que a escolha da região finoescandinava como primeiro destino do Estúdio Deriva, originou-se no desejo de conhecer as obras construídas pelo arquiteto Alvar Aalto. Por causa delas o grupo alcançou lugares nada turísticos e passou por situações inusitadas. Muito provavelmente não teria vivenciado um festival de hard rock no interior da Finlândia não fosse o Centro Cultural e Administrativo de Seinäjoki. Ou, não fosse a biblioteca de Viipuri, teria cruzado de ônibus a intimidadora fronteira militar com a Rússia. Apesar de importantes obras terem norteado trajetos do Deriva, ele está muito distante de ser um checklist de visitações a arquiteturas icônicas. As produções dos grandes mestres o interessa, sobretudo, por constituírem chaves de desvendamento de identidades culturais que ajudaram a construir. “A arquitetura corresponde a exigências de natureza tão diferentes que descrever adequadamente o seu desenvolvimento significa entender a própria história da civilização, dos numerosos fatores que a compõem e que, com a predominância ora de um ora de outro mas sempre com a presença de todos, geraram as diferentes concepções espaciais; é pois, história e apreciação de valores artísticos, isto é, das personalidades criadoras, que, com base nesta cultura espacial ou neste gosto arquitetônico, produziram obrasprimas, cuja excelência não é objeto de demonstração, e cujo conteúdo figurativo, por assim dizer, está presente como elemento da cultura ou do gosto da idade seguinte.”21 40

19. Psicogeografia é o estudo dos efeitos exatos do meio geográfico, conscientemente planejado ou não, que agem diretamente sobre o comportamento afetivo dos indivíduos. 20. DEBORD, 1958 In: BERENSTEIN, 2003, p.87

Imagem 32 Projeto do barco batizado de Nemo Propheta in Patria (Nenhum homem é profeta na prória pátria)

21. ZEVI, 2012, p.53


Através de Aalto aprendemos sobre a história da Finlândia, sua geografia e os modos de vida locais. Mas não só. Sua produção não está limitada ao entendimento daquela cultura em particular, já que a excelência da obra-prima reside justamente na transcendência dos territórios que se desdobram em muitos outros caminhos. São obras que estabelecem relações interculturais, desde as pontes com a cultura arquitetônica brasileira, estreitadas por suas participações nas Bienais de São Paulo, até a influência da tradição japonesa em seu pensamento. Embora nunca tenha tido a oportunidade de estar no Japão, Aalto nutria grande interesse pelo país que, coincidentemente ou não, foi escolhido como destino da segunda edição do Estúdio Deriva.

Imagem 33 > Arquitetos Alvar e Aino Aalto, com amigos à bordo do barco projetado

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Negação 03: Os especialistas Sabe-se de antemão que nem os quatro meses de preparação, nem as intensas três semanas de vivência no estrangeiro, podem certificar os indivíduos do grupo como “especialistas” em alguma cultura, arquiteto ou país. No entanto, esta não é uma questão temporal, pois, ainda que por ventura uma certa especialização fosse alcançável dentro do ciclo anual, ela jamais constituiria um objetivo pedagógico para o curso. O que deseja-se fazer aqui é uma aproximação atenta e cautelosa com o estrangeiro, extraindo dele um repertório vivenciado a ser integrado nas atuações e reflexões dos participantes enquanto arquitetos, pesquisadores e cidadãos brasileiros. Ou seja, o objetivo final não está empenhado em traduzir e classificar a cultura visitada mas sim em entender o que podemos apreender dela tendo em vista a nossa própria realidade. Para tal é preciso, além de pesquisar e viajar, ouvir aqueles que estão inseridos há mais tempo nas questões trazidas por cada lugar. As trocas com os palestrantes do curso preparatório e com os convidados locais, nos encontros durante as viagens, aprofundam a leitura do estrangeiro por meio de contextualizações históricas, políticas e sociais. Logo, parte desse aprendizado é construído através do olhar do outro, assim como outra parte é pessoal, intransferível e subjetivo. “Viver e trabalhar juntos em grupos composto de nativos e viajantes permite uma vivência do cotidiano da cultura visitada. A cultura estrangeira vai sendo incorporada naturalmente. O ritmo do dia a dia, a diversidade culinária, as tradições e costumes desconhecidos se tornam como um pano de fundo de uma vivência diferenciada.” 22

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Imagem 34 Desenho do Kastrup Sea Bath feito no momento da foto aérea Daniel Parente, Estúdio Deriva, 2018 Imagem 35 > Grupo na Dinamarca, em frente ao Kastrup Sea Bath, projeto do escritório White Arkitekter Dhiego Torrano, Estúdio Deriva, 2018

22. DERIVA, 2017


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2.1 PREPARAR, ARRUMAR A BAGAGEM IMATERIAL Ato 1 | Uma mala de viagem repousa sobre a sala vazia. Ato 2 | Uma pessoa ajoelha defronte à mala. Ato 3 | A mala é aberta e toda sorte de objetos começam a ser retirados do seu interior. Ato 4 | O volume de objetos, e suas dimensões, não condizem com o tamanho da mala, sugerindo um fundo infinito ou uma espécie de portal. Ato 5 | Com os objetos espalhados por toda a sala, a pessoa adentra a mala e sai paulatinamente de cena. Ato 6 | A mala é fechada e a pessoa torna-se o conteúdo da mesma. No vídeo ‘Translado (On the Move)’ a artista plástica Sara Ramo evoca um espaço doméstico comum que, através de sua ação, é ocupado por uma composição caótica de objetos, também banais e corriqueiros, antes encerrados em uma mala de viagem. O escorredor de prato, o aspirador de pó, o tapete, o cabide, os ventiladores, o abajur, o banquinho desenhado por Alvar Aalto, entre outras coisas, representam tudo aquilo que é eleito como suporte de necessidades criadas no cotidiano. Todavia, nos interessa especificamente aqui, a metáfora ao nomadismo contemporâneo, realizada no exato momento em que a artista adentra a mala e deixa para trás seu mundo material. Assim como Sara em Translado, o Curso Preparatório do Estúdio Deriva almeja que seus ingressantes se tornem os próprios conteúdos de suas bagagens imateriais. No primeiro semestre, uma manhã por semana, o grupo ouve palestras, levanta questões, debate e analisa projetos. Estudantes e professores trocam informações, indicam leituras uns aos outros. Compartilha-se um estudo coletivo ao mesmo tempo em que interesses particulares passam a se manifestar, iniciando os traçados meandrantes das rotas de pesquisas. As aulas ministradas pelos professores convidados abarcaram diversos aspectos culturais dos territórios em questão. Além de darem pistas às pesquisas em desenvolvimento, suas falas trouxeram reflexões que reverberaram posteriormente na vivência dos lugares. 44


Imagem 36 Translado (On the Move) Sara Ramo 2008

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Durante o Curso Preparatório da edição escandinava, o Estúdio Deriva fez uma visita guiada na Pinacoteca do Estado, que à época recebia a exposição da pintora sueca Hilma af Klint. Por uma feliz coincidência, seus quadros, pioneiros na arte abstrata, estavam sendo apresentados pela primeira vez na América Latina. O trabalho de Hilma esteve muito presente nos museus visitados durante a viagem, rememorando por várias vezes a contextualização da obra conduzida pela co-curadora e professora da Escola da Cidade, Fernanda Pitta. Outras contribuições também fizeram-se fundamentais, como a aula sobre sistemas construtivos de madeira da professora Anália Amorim, a introdução sobre o design escandinavo pela professora Patrícia Amorim e a fala do arquiteto Rodrigo Giorgi sobre a sua vivência como intercambista na Finlândia e sua participação no Wood Program da Aalto University. As reverberações do curso preparatório na vivência dos territórios puderam também ser constatadas na edição do Japão. Impossível estar nas obras do Sanaa23 e não identificar as ambiências contemporâneas não hierárquicas, citadas por Guilherme Wisnik. Ou andar nas ruas e transportes públicos sem observar o significado do coletivo nas formas de organização da sociedade japonesa, apontado por Rosely Nakagawa. Ou não aguçar o olhar sinestésico à procura do Ma, o espaço-entre diluído nas artes e no cotidiano, apresentado por Michiko Okano.

Imagem 37 Visita do Estúdio Deriva à exposição ‘Hilma af Klint: Mundos Possíveis’ com Fernanda Pitta, cocuradora junto de Jochen Volz Estúdio Deriva, 2018 23. Escritório japonês liderado por Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa

Imagem 38 Cadernos produzidos pelos alunos: Dinamarca, Suécia e Finlândia Estúdio Deriva, 2018 46


24. . O Baú é um arquivo de documentação audiovisual, organizado como um programa de estágios da EC. Seu objetivo consiste em captar, organizar e publicar a produção dos cursos, disponibilizando esses materiais numa plataforma de pesquisa aberta 25. . http://escoladacidade. org/bau/categoria/ estudio-deriva/ 26. . https://www.archdaily. com.br/br/917468/ arquitetura-japonesa-em7-aulas

Na segunda edição o curso amadureceu, tomou consistência e potencializou o compromisso do Estúdio Deriva com o saber coletivo. Todas as dez aulas foram registradas pelo Baú24, braço de documentação audiovisual da Escola gerido por alunos. Além da disponibilização gratuita em sua plataforma digital25, os vídeos foram divulgados pelo site Archdaily26, fazendo com que os mais acessados chegassem a ter, até esse momento, entre cinco e seis mil visualizações cada. O cinema foi outra chave de aproximação desta edição. Por quatro vezes os alunos Alexandre Kok e Lara Girardi promoveram o Cine Deriva, um encontro noturno e aberto ao público. A curadoria selecionou um filme contemporâneo (A partida | Yojiro Takita), uma animação (Meu Amigo Totoro | Hayao Myazaki, Studio Ghibli), um clássico do cinema japonês (Viver | Akira Kurosawa) e um documentário (Tokyo GA | Wim Wenders).

Imagem 39 Cinederiva: Exibição do filme Viver do cineasta Akira Kurosawa Estúdio Deriva, 2019 47


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< Imagem 40 Guilherme Wisnik ministrando aula sobre a obra do escritório SANAA Estúdio Deriva, 2019 < Imagem 41 21st Century Museum of Contemporary Art, projeto do SANAA Rafael Baumer, Estúdio Deriva, 2019

< Imagem 42 Rosely Nakagawa conta sobre a cultura japonesa na conversa intitulada ‘Encontro com o outro’ Estúdio Deriva, 2019

Inserir lentes que evitem apreensões rasas e imediatas no momento da experiência real do estrangeiro é o grande esforço do primeiro momento do Estúdio Deriva. As camadas de complexidade trazidas pelo estabelecimento de relações culturais interdisciplinares fazem o aluno reiteradamente se perguntar: “Por quais razões as coisas são como são e estão nos lugares que estão?” Todo bom viajante sabe que deve praticar o desapego das necessidades materiais de sua rotina para carregar consigo, nos deslocamentos, apenas aquilo que lhe é intrinsicamente essencial. Para o Estúdio Deriva, o imprescindível de ser carregado é tudo aquilo que no preparo dos primeiros meses tornouse o conteúdo de uma bagagem imaterial (leituras, imagens, inquietações, apontamentos e percepções); a única bagagem cujo peso é irrestrito.

< Imagem 43 Rua de Tokyo Fernanda Galloni, Estúdio Deriva, 2019

< Imagem 44 Michiko Okano na aula ‘Ma: espaço comunicativo de eventuais relações’ Estúdio Deriva, 2019 < Imagem 45 Estudantes experenciam a intraduzibilidade do Ma no templo zen Ryoan-ji, Kyoto Rafael Baumer, Estúdio Deriva, 2019

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2.2 VIAJAR, PERDER (-SE EM) PAÍSES

Viajar, perder países27, para poder ser, por um certo período, outro constantemente. Libertar-se das amarras das identidades arraigadas. Despir-se de signos, hábitos e convicções moldados por uma nacionalidade. Abandonar as formas costumeiras de relacionar-se com os lugares e com as pessoas. Aterrissar no desconhecido imbuído pelo espírito da alteridade, desconstruído de estereótipos e desperto para uma nova cultura. Transitar entre mundos. Viajar, perder-se em países, para ir de encontro com a vida real, invisível aos olhos do turista protegido. Preocupar-se com o deleite dos percursos mais do que com os pontos de chegada. Perambular de olhos e poros abertos. Desvendar as camadas da história urbana. Deixar-se guiar pelos sons e luzes ao invés de perseguir placas e sinais. Ampliar o contato entre o corpo e a cidade. “Saio à rua, ou estou na rua e, de repente, em alguma parte do meu cérebro pisca um display LED anunciando: ‘Começar a deriva’. E começa. A duração é indeterminada: pode ser meia hora, uma tarde, inclusive o dia inteiro. Isso é o de menos. Eu estou disposto a seguir os sinais do ambiente, que são sempre diferentes, porque a deriva não é definida por mim, e sim por ela mesma, como a relação entre o meu corpo e a cidade. Perdido em algum canto, deixo meu eu costumeiro e imaginariamente construído. O fluxo de sensações que me atravessa é filtrado por um aparelho – o meu corpo, já hipersensível aos estímulos da cidade – e vai se transformando em outra coisa, com novas qualidades e nova consistência. Como receptor maciço de sensações, fico exposto a tudo. Por isso, trato de caminhar com atenção redobrada e, chegando a certo ponto, que costuma ser o momento no qual percebo que posso extravasar, fecho a comporta ao que vem de fora para, mais cedo ou mais tarde, poder elaborá-lo.” 28 50

27. Viajar, perder países Fernando Pessoa, 1933 Viajar! Perder países! Ser outro constantemente, Por a alma não ter raízes De viver de ver somente! Não pertencer nem a mim! Ir em frente, ir a seguir A ausência de ter um fim, E a ânsia de o conseguir! Viajar assim é viagem. Mas faço-o sem ter de meu Mais que o sonho da passagem. O resto é só terra e céu.

Imagem 46 > Sobreposição de cenas urbanas desenhadas em papel vegetal Lia Soares, Estúdio Deriva, 2019

28. NAVARRO In: ALVES; TEJO, 2012.


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Nas viagens do Estúdio Deriva o aprendizado desenvolve-se ao longo de percursos; sejam eles os interiores de narrativas espaciais construídas ou os deslocamentos urbanos na escala da cidade e do país. Aprende-se, o tempo todo, em movimento. Voando, navegando, de ônibus, de carro, de trem, de bicicleta ou a pé. Esse capítulo não transcreverá em um relato textual as intensas semanas das viagens realizadas, pois isto seria uma tarefa frustrante, falha e parcial. Também não serão citadas aqui as razões do viajar na formação de arquitetos e urbanistas, já que a importância das percepções do corpo no espaço, intraduzível por qualquer representação, foi assunto anterior deste artigo.29 Ao invés do porquê realizar uma viagem de estudos será tratado como realizá-la, ou ainda, a metodologia do viajante desenvolvida pelo Estúdio Deriva. Em tempo: a seguir serão descritas algumas estratégias de reconhecimento e aproximação para com novas culturas e territórios. Todas elas pressupõem, de alguma forma, o perder-se subjetivo e/ou geográfico. Para ilustrá-las na prática serão citados ao leitor alguns exemplos vivenciados. Estes não representam a totalidade de contribuições fundamentais para a apreensão dos países visitados. Os nomes de todos os interlocutores constam no anexo de fichas técnicas presente no final do artigo.

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29. Subcapítulo 1.2 Substantivo Espaço: Do entorno às entranhas

Imagem 47 > Registros de calçadas japonesas por meio de frotagem [técnica de fricção de grafite sobre papel repousado em superfície rugosa] Karime Zaher, Estúdio Deriva, 2019


Estratégia de reconhecimento 01 | Expedição urbana de introdução

30. Projeto do escritório Dissing + Weitling inaugurado em 2014 31. Projeto dos escritórios BIG + Topotek1 + Superflex inaugurado em 2011

A expedição urbana de introdução inaugura as chegadas às cidades. Não necessariamente ocorre sempre, pois há os lugares de passagem para onde o grupo se desloca em razão de uma única obra arquitetônica. Mas ocorre, imprescindivelmente, nos lugares de permanência prolongada, onde pernoita por mais de um dia seguido. A apresentação cidade-viajantes é mediada por um convidado local que ali vive, estuda e atua. Este é encarregado de promover um percurso onde fala sobre questões culturais, sociais, históricas, geográficas, arquitetônicas e urbanísticas. Geralmente é realizada a pé pelos centros históricos e termina em um mirante, onde todos podem ter uma compreensão panorâmica da cidade. O formato, contudo, pode ainda variar de acordo com a proposição do convidado e de como a cidade sugere ser vivida. No dia da chegada em Copenhagen, por exemplo, o arquiteto Nicolas Jungblut distribuiu aos alunos mapas impressos da área central e uma folha tamanho A1 em branco. Em pequenos grupos de três ou quatro pessoas, os viajantes partiram para explorar os caminhos e paradas traçados pelo arquiteto. Era comum a todos o ponto de chegada: Kogens Have, um parque onde ocorria um festival de jazz. Ali, junto ao evento, foram expostos e discutidos os registros, desenhos e anotações desenvolvidos ao longo do trajeto. Ainda na mesma cidade fez-se necessária uma segunda introdução territorial, desta vez guiada pela arquiteta Gabriela Eunice González. A proposta de Gabriela consistiu em trocar a caminhada por bicicletas, meio de locomoção muito difundido na cidade. Neste dia o grupo percorreu o projeto de revitalização da antiga zona portuária, usufruiu de infraestruturas cicloviárias (como a passarela elevada Bicycle Snake30), e passou pelos diversos decks, piers e piscinas públicas, espalhados ao longo da orla. Na sequência o tour dirigiu-se ao bairro de Nørrebro, região vizinha onde residem pessoas de aproximadamente 60 etnias diferentes. A região foi cruzada pelo Superkilen31, um parque linear de aproximadamente 1km de extensão. 53


No caso de Tokyo, uma cidade espraiada e composta por múltiplas centralidades, as caminhadas por bairros como Shibuya, Shinjuku, Ginza, Asakusa ou Chiyoda, foram fundamentais para criar um panorama da diversidade de desenhos urbanos. Os espaços labirínticos e suas arquiteturas foram apresentados em certas ocasiões pelo arquiteto brasileiro Akira Tomori, que reside no local desde o ano 2000. Sendai, na costa Nordeste de Honshu, é um exemplo de cidade de passagem que contou com a mediação de um convidado. A princípio o lugar tornouse um destino por causa da Midiateca projetada pelo arquiteto Toyo Ito. Desejava-se adentrar os seis pavimentos de espaços expositivos, bibliotecas e oficinas que constituem um espaço público pujante. O encontro com o arquiteto Leandro Ishioka, entretanto, expandiu o significado da visita. Do alto de uma torre com ampla vista, o arquiteto falou sobre a formação histórica e geológica de Sendai, chegando às razões do grande Tsunami de 2011 e o seu impacto para a cidade. Na midiateca foi possível acessar fotos e vídeos de pessoas que estavam ocupando o espaço quando o forte tremor desafiou a estrutura anti-terremoto de Ito que, apesar de aparentemente frágil, manteve-se intacta.

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Imagem 48 Prancha A1 produzida na expedição urbana proposta por Nicolas Jungblut Amanda Silber, Beatriz Sallowicz e Gabriel Brugnara, Estúdio Deriva, 2018


Imagem 49 > Visita à piscina pública Kalvebod Waves, projeto dos escritórios JDS Architects + KLAR inaugurado em 2008 Estúdio Deriva, 2018

Imagem 50 > Grupo e a arquiteta Gabriela Eunice González no parque linear Superkilen Dhiego Torrano, Estúdio Deriva, 2018

Imagem 51 > Leandro Ishioka explica a formação de Sendai aos viajantes Karime Zaher, Estúdio Deriva, 2019

< Imagem 52 Desenho e frase retirados do caderno de viagem Marina Liesegang, Estúdio Deriva, 2019 55


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Estratégia de reconhecimento 02 | Outros interlocutores: a rede ampliada

< Imagens 53 e 54 Fotocolagens de projetos metabolistas não construídos inseridos na paisagem registrada a partir do mirante do Mori Art Museum em Tokyo Julia Moreno Villaça, Estúdio Deriva, 2019

O Estúdio Deriva tem como um de seus objetivos a ampliação da forte rede de parcerias e convênios existente na Escola da Cidade. Para tanto é necessário que os professores organizadores do curso se empenhem em tecer contatos com docentes de instituições de ensino referentes ao país de cada edição. Os vínculos desenvolvidos são valiosos tanto para o preparo quanto para a experiência da viagem. Previamente, possibilitam trocar e verificar uma série de informações com uma pessoa local, inserida no universo arquitetônico. Presencialmente, permitem conhecer outras estruturas acadêmicas e propostas pedagógicas. Espera-se, no entanto, que o intercâmbio entre estudantes e professores possa frutificar outras futuras colaborações, para além da ocasião da viagem e não restrita aos integrantes do grupo viajante. O dia junto ao professor Philip Tidwell, em Helsinki, teve como tema o Wood Program, uma disciplina anual da Aalto University com foco na investigação da madeira e na construção industrial. O encontro foi marcado no projeto A•LAVA, uma cobertura efêmera, então recém-construída pelos alunos finlandeses, para abrigar performances e exposições durante o verão. Após a visita na área central, Philip e o grupo partiram para o campus da universidade. Além da aula ministrada sobre o processo projetual e construtivo do curso fora apresentada uma outra investigação edificada: Kokoon, proposta de habitação temporária na qual módulos pré-fabricados podem ser transportados e combinados em várias configurações. Não obstante, após o almoço no refeitório, o professor apresentou em pormenores os incríveis edifícios do campus, dentre os quais destacamse os projetos de Alvar Aalto e a pequena capela Otaniemi, do casal Heikki e Kaija Siren. No Japão o Estúdio Deriva foi recebido na Kyoto Seika University, pelo reitor Oussoby Sacko e sua equipe de professores, e no Imai Lab da Graduated School of Information and Science and Technology (Tokyo),

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< Imagem 55 Conversa com o professor Philip Tidwell no projeto A•LAVA Estúdio Deriva, 2019 Imagem 56 Visita aos laboratórios do Wood Program na Aalto University Estúdio Deriva, 2019 < Imagem 57 Grupo em frente à habitação modular Kokoon, projetada e construída pelos alunos finlandeses Estúdio Deriva, 2019

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pelo professor Kotaro Imai. Ambas as visitas foram marcadas pelo contato com a produção projetual dos alunos. Expostos nos corredores, entre salas de aula e maquinários, desenhos e maquetes despertaram grande interesse nos colegas brasileiros. Em Kyoto, além do departamento de arquitetura, foram ainda visitados os laboratórios dos cursos superiores de design, artes plásticas, cerâmica e história em quadrinhos. Complementarmente às interlocuções acadêmicas, na segunda edição puderam ser realizadas, através de uma parceria com a Japan House, visitas à escritórios de arquitetura, tais como: Kengo Kuma & Associates, Sou Fujimoto Architects, Tezuka Architects e Sandwich. Estar em espaços de trabalho de diversas escalas aproximou o grupo de processos projetuais específicos de uma variada e recente produção arquitetônica.

Imagem 58 > Visita ao escritório Sou Fujimoto Architects Estúdio Deriva, 2019

Imagem 59 > Visita ao escritório Tezuka Architects Estúdio Deriva, 2019 59


Estratégia de reconhecimento 03 | Entre visitas: como deslocar-se O reconhecimento vinculado às visitas programadas é ainda realizado pelo grupo em sua integralidade, ou seja, com a presença de todos os alunos e professores. Nesse momento os deslocamentos são feitos de forma independente, sem o acompanhamento de um convidado, ainda que por vezes o grupo possa encontrar interlocutores na própria obra32. As locomoções devem ser realizadas, em sua maioria, por meio do transporte público, refutando, sempre que possível, o uso de táxis e ônibus fretados, tão utilizados em viagens organizadas por agências de turismo. Deslocar-se como um cidadão comum requer atenção e pressupõe alguns (bem-vindos) erros de percurso33. Apenas desta maneira é possível criar a consciência sobre os sistemas dos lugares que, aos poucos, liberta o viajante de sua condição estrangeira. Bastam apenas alguns dias em trânsito para que as linhas, conexões e estações tornem-se familiares, pontos de referência na paisagem passem a ser facilmente identificados e um mapa mental comece a ser construído.

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Imagem 60 > Furnicular subindo o morro Koya-san Julia Moreno Villaça, Estúdio Deriva, 2019 Imagem 61 > Estação em Kyoto Julia Moreno Villaça, Estúdio Deriva, 2019 32. Como quando recebidos pela neta de Ralph Erskine, na antiga residência do arquiteto, ou acompanhados por estudantes de arquiteturas que trabalham como guias nas obras administradas pela Fundação Alvar Aalto 33. Ver 2.2.1 Relato do aluno Luigi Zorzella Franco: Hikaru, ao final do capítulo


34. Casa Experimental em Muraatsalo, Centro Cívico de Seinäjoki, Residência Villa Mairea em Noormarkku e o Sanatório de Paimio.

< Imagem 62 Viagem de Estocolmo para Helsinki Noam Barg Pinto, Estúdio Deriva, 2019 < Imagem 63 Linha elevada do metrô em Copenhagen Estúdio Deriva, 2019

Os ônibus fretados são especificamente utilizados nas ocasiões em que não existem outras opções de transporte coletivo, como realizado nas visitações a importantes obras do arquiteto Alvar Aalto, espalhadas pelo interior da Finlândia34. Ou, por exemplo, no caso da travessia pelos desertos estadunidenses de Chihuahua e Sonoma onde encontram-se, respectivamente a Fundação do artista Donald Judd e a escola/escritório/residência do arquiteto Frank Lloyd Wright, Taliesin West, que teria sido realizada esse ano não fosse a pandemia. O que se deseja frisar aqui é que as escolhas dos deslocamentos não são tomadas por critérios de praticidade e de encurtamento de tempo de percurso. Muito melhor que uma hora de voo entre Estocolmo e Helsinki, são quinze horas de travessia entre os arquipélagos espalhados pelo Mar Báltico. Tão importante quanto a estadia no tradicional templo budista Shojo-in, na pequena vila de Koya-san, foi a passagem da paisagem montanhosa ao sul de Osaka, vista através das janelas de uma longa peregrinação arquitetônica realizada por meio de trens e um funicular.

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Estratégia de reconhecimento 04 | Materializar experiências / Experimentar a materialização Materializar percepções, leituras e vivências é uma premissa colocada a todos os viajantes do Estúdio Deriva. Como fazer, qual a linguagem e quais as ferramentas a serem utilizadas nesse exercício, são questões em aberto. Desenhos, fotografias, vídeos, textos, gravações, músicas, colagens, frotagens; podese lançar mão de tudo, desde que haja intenção. Intenção porque o que está se buscando não é somente a mera produção de registros de uma experiência, mas também a experiência em si: o embate físico, material e intelectual do viajante com a plataforma escolhida. Ou seja, não basta somente sacar uma câmera fotográfica e sair por aí produzindo freneticamente imagens, por mais belas que essas possam ser. Fazer registros impensados e em excesso é uma tentativa falha de “eternizar” o que está sendo vivido, que inclusive atrapalha a vivência presencial mais profunda. Há de existir uma busca por trás da pesquisa fotográfica que requer o tempo do observar e do pensar. Da mesma forma pouco importa se o viajante se considera ou não um virtuose do desenho. É a construção do conhecimento por meio de uma ação simultaneamente mental e gestual, conectada com o presente momento, o tema do exercício. 62

Imagem 64 Memorial da Paz de Hiroshima: desenho coletivo dos alunos Estúdio Deriva, 2019 Imagem 65 > Paisagem do memorial Julia Moreno Villaça, Estúdio Deriva, 2019

Imagem 66 > Registro da experiência pelo professor de desenho Paulo Von Poser (professor de desenho), Estúdio Deriva, 2019 Imagem 67 > Registro da experiência do desenho coletivo Felipe Klinger, Estúdio Deriva, 2019


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Imagem 68 Memorial da Paz de Hiroshima Pedro Jorge, Estúdio Deriva, 2019

Como alguém que acaba de visitar uma nova cidade e faz um balanço sobre a sua estadia lá, o autor pode até desgostar do resultado do seu desenho; todavia, esse juízo de valor não exprime interesse algum. O que importa é que a estadia na cidade, assim como o exercício do desenhar, constituíram experiências transformadoras que jamais poderão ser desvisitadas. O objetivo da proposta reside exclusivamente na experiência da expressão como um meio de alcançar leituras mais atentas e profundas (embate físico), na exploração das possibilidades trazidas por cada ferramenta (embate material) e na consciência na escolha daquilo que está sendo registrado (embate intelectual). O Estúdio Deriva deseja colocar seus viajantes em contato com um processo de observação e experimentação, plenamente liberto de questionáveis parâmetros de julgamentos estéticos dos resultados. Como já pôde ser notado a esta altura, o presente artigo recorre a todo momento às produções imagéticas e textuais realizadas pelos estudantes. Cada uma delas representa uma narrativa, paralela à da autora, cuidadosamente selecionada e posicionada para estar entrelaçada ao texto, e assim, ampliar as suas possibilidades. O processo desta escrita desenvolveu-se em constante revisitação dos acervos Escandinávia e Japão, que contribuíram para superar a fragilidade da memória e suscitaram questões a serem trazidas. 64

Imagem 69 > Kyoto Manoela Ambrosio, Estúdio Deriva, 2019


Estratégia de reconhecimento 05 | A deriva

36. “Doutor em nada”, assim definia-se o inclassificável Guy Debord, que dentre tantas coisas, fundou a IS

Nas planilhas de viagem do Estúdio Deriva podem ser identificadas algumas lacunas entre a movimentada programação de visitas e destinos. Após um certo horário, ou às vezes por um dia inteiro, lê-se apenas o termo que intitula o curso: deriva. São esses os momentos nos quais o sujeito viajante se emancipa da dinâmica do grupo para tornar-se autor da própria jornada, definindo sua duração, seus pontos de partida e de chegada. O tempo livre de compromissos agendados possibilita um observar mais lento e introspectivo, que faz da deriva a estratégia mais propícia ao perder-se temporal e espacial. A prática da deriva foi criada pela Internacional Situacionista35 para quebrar tendências de fixação em torno de eixos de deslocamentos habituais, criados após um tempo de permanência num único lugar. No manifesto Teoria da deriva, publicado como rascunho em 1958, Guy Debord36 escreve:

37. DEBORD, 1958. In: BERENSTEIN, 2003, p.90

“Ele (o indivíduo) está liberado do ônus desagradável do encontro corriqueiro, já que não tem de esperar por ninguém. No entanto, como este ‘encontro possível’ o leva inesperadamente a um lugar que ele conhece ou não, ele observa as adjacências do entorno. Pode ocorrer que tenham marcado o mesmo lugar um outro ‘encontro possível’ a alguém cuja identidade ele não pode prever. Talvez alguém que ele nunca tenha visto, o que leva a se dirigir a vários passantes. Pode não encontrar ninguém, ou encontrar por acaso aquele que marcou o ‘encontro possível’. Seja como for, se o lugar e a hora foram bem escolhidos, o tempo que o sujeito aí passar terá um desenrolar imprevisto. (...) Percebem-se os recursos quase infinitos desse passatempo.” 37

35. A Internacional Situacionista (IS) foi um movimento vanguardista dos anos 60. Seus integrantes eram artistas, pensadores e ativistas contrários à alienação e à passividade da sociedade do espetáculo. Contestadores do funcionalismo da Carta de Atenas, propunham o resgate do nomadismo restringido pelas cidades modernas através de novos meios de apropriação dos territórios

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< Imagem 70 Kyoto Manoela Ambrosio, Estúdio Deriva, 2019

Imagem 71 > Kyoto Manoela Ambrosio, Estúdio Deriva, 2019

A jornada requer um certo estado de espírito e, por isso, o derivar pode durar deliberadamente horas ou breves instantes. Engana-se, porém, quem pensa que esta seja uma prática aleatória, consistindo apenas no vaguear sem direção. Há sempre algo que move a deriva, um determinante que a leva para um terreno passional objetivo. “Uma ou várias pessoas que se dediquem à deriva estão rejeitando, por um período mais ou menos longo, os motivos de se deslocar e agir que costumam ter com os amigos, no trabalho e no lazer, para entregar-se às solicitações do terreno e das pessoas que nele venham a encontrar.”38

Segundo Debord, a extensão máxima do campo espacial a ser percorrido não ultrapassa o conjunto de uma grande cidade e seus subúrbios. Ao mesmo tempo, sua extensão mínima pode delimitar-se a uma pequena ambiência, um único bairro ou quarteirão. No limite pode-se praticar uma deriva estática, sem sair de uma estação ou de um parque.39 O fato é que a deriva possui um caráter inerentemente urbano, pois pressupõe o contato do sujeito com os centros de possibilidades, significações e atravessamentos das grandes cidades.

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38. Ibid., p.87

39. Ibid., p.90 Imagem 73 > Tokyo Manoela Ambrosio, Estúdio Deriva, 2019


“As lições da deriva permitem estabelecer os primeiros levantamentos das articulações psicogeográficas de uma cidade moderna. Além do reconhecimento de unidades de ambiência, de seus componentes fundamentais e de sua localização espacial, percebem-se os principais eixos de passagem, as saídas e defesas. (...) Medem-se as distâncias que separam de fato duas regiões de uma cidade, distâncias bem diferentes da visão aproximativa que um mapa pode oferecer.” 40 40. Ibid., p.88

< Imagem 72 Kyoto Manoela Ambrosio, Estúdio Deriva, 2019

41. Ibid., p.88

As derivas nas viagens do curso podem ser praticadas solitariamente ou em pequenos grupos que se reúnem e movimentam em torno de um interesse em comun: um bairro, uma obra arquitetônica que não pôde ser contemplada na programação, a busca por algo relacionado às pesquisas que estão em desenvolvimento, ou simplesmente, passar uma tarde desenhando a cidade e seus habitantes. Debord explica que as jornadas coletivas podem ser inclusive mais proveitosas, pois possibilitam trocas e confrontamentos de percepções. De todo o modo, o tamanho da deriva não deve exceder cinco participantes, pois, quando muito numerosa, corre o risco de fracionar-se em várias simultaneamente. É também desejável que a composição desses grupos mude de uma deriva para outra.41 Além da autonomia na concepção da jornada, que traz possibilidades de momentos particulares numa viagem coletiva, as derivas ampliam o alcance do grupo. Na impossibilidade de vivenciar tudo o que uma cidade tem para oferecer, num período tão curto de tempo, pode-se aprender através da experiência do outro. Histórias derivantes são compartilhadas no café da manhã do dia seguinte e nas constantes rodas de conversa propostas pelos organizadores para que o grupo possa absorver e conectar suas investigações a tudo o que está sendo vivido.

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2.2.1 Relato do aluno Luigi Zorzella Franco: Japão e uma coleção de pequenas histórias42 Fui para o Japão com, além da curiosidade gritante no corpo de conhecer o outro lado do mundo, um olhar atento para as histórias de pessoas, lugares e de cultura totalmente nova e diferente que eu ia vivenciar. Procurei refletir antes de ir, que gostaria de na volta dessa viagem contar não sobre os cartões postais de cada cidade, ou de lugares famosos para tirar foto, mas sim dos elementos cotidianos e corriqueiros do dia-a-dia que vi. De cenas, que se eu piscasse os olhos, talvez sumissem de lá. Cenas que ao mesmo tempo efêmeras, carregariam uma grande carga de significado daquilo que estaria observando. E foi dessa forma que eu pensei na ideia de coletar uma série de pequenas histórias e transformá-las em uma grande coleção de pequenas músicas, às vezes com o título de uma rua, de um estabelecimento, de uma comida ou de uma pessoa. Pensei que dessa forma poderia contar muito mais através da arte, aquilo que vivenciei no país do sol nascente. E que tudo isso, também, travaria novas conversas, de um jeito mais natural, e não na forma de repente de “quando eu fui para o Japão tinha um restaurante que os pratos só chegavam à mesa por uma esteira rolante”. Pensando também no que pensei sobre Miyazaki, Joe Hisaishi, Taeko Ohnuki e nos demais elementos de minha pesquisa, fui ao Japão com algumas canetas, um caderno de desenho, um diário, uma câmera fotográfica, um instrumento de viagem – meu ukelele – e um gravador de bolso (que emprestei de meu primo Guilherme Zorzella) além da minha mala de roupas, é claro. Procurei utilizar desses instrumentos para coletar tudo que saltava e fazia brilhar meus olhos. E depois, no final, procurei converter memórias e linguagens artísticas em pequenas músicas.

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42. Versão reduzida do texto original Para um contato com o Japão: Pequenas histórias Luigi Zorzella Franco Estúdio Deriva, 2019

Imagem 74 > Cotidiano captado Luigi Zorzella Franco, Estúdio Deriva 2019

Imagem 75 > Hikaru Luigi Zorzella Franco, Estúdio Deriva 2019


Pequena história I: Hikaru Após um passeio pelo Jardim Imperial de Katsura eu, e mais outra pessoa do grupo de viajantes, procurava a estação de metrô mais próxima. Estávamos sem bateria nos celulares, contando apenas com a intuição, a memória de uma mirada no mapa e um pouquinho (bem pouco) de japonês, Foi nessa situação que caiu a ficha como muitos japoneses são extremamente solícitos e educados. Uma jovem adulta, de vestido comprido, passava por nós em sua bicicleta. Chamei sua atenção e pedi ajuda perguntando “chikatetsu wa doko desu ka?” (o dicionário japonês que eu tinha no bolso disse que significava: “onde é o metrô?”). Ela prontamente respondeu, mas claro, eu não pensei que sabia fazer a pergunta e não sabia entender a resposta. E, percebendo que nós não entendemos nada que falou, a moça desceu da bicleta, fez um sinal para que a seguíssemos e nos levou até onde dava para entender o resto do caminho para o metrô. Ela falou várias coisas no percurso, um diálogo secreto que apenas a sua existência ficou para a memória

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2.3 RETORNAR, RECONSTRUIR PAÍSES

Quando distanciados do nosso recorte de mundo sentimos a excitação do estranhamento. Num primeiro momento tudo o que é alheio ao habitual nos deslumbra, e são necessários alguns dias de estadia para que o processo de inserção no novo tenha início. A cada dia de viagem ficamos mais adaptados ao clima, ao fuso horário e aos costumes. O som da língua estrangeira torna-se mais familiar aos ouvidos bem como os sabores ao paladar. Ruas, pontos de referência na paisagem e sistemas de transportes tornam-se tão reconhecíveis ao ponto em que mapas passam a ser ajudas dispensáveis. Permitir-se ser atravessado pelo estrangeiro, característica que difere o turista do viajante, não significa, de todo o modo, a aniquilação de sua origem. O(s) lugar(es) escolhido(s) como ponto(s) de construção de uma vida permanece(m) sempre presente(s) no viajante, e tornam-se cada vez mais latente(s) a medida que o deslumbramento externo se assenta e o novo é internalizado.

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Imagens 76 e 77 > Colagens Tamara Crespin, Estúdio Deriva 2019


A viagem, independentemente de seu tempo de duração, é uma situação provisória sobre a qual nos lançamos. Viajamos sabendo que retornaremos ao que identificamos como lar (a casa, o bairro, a família, os amigos e o cotidiano de modo geral). E mais do que isso, viajamos para poder enxergar, de outra perspectiva, o nosso ponto de origem; tal qual relata o escritor britânico Gilbert K. Chesterson: “(...) Um dia, quando estava se preparando para viajar, um amigo entrou em seu apartamento no bairro londrino Battersea e, ao vê-lo rodeado de malas, perguntou-lhe:’Você parece estar de saída para suas viagens... Para onde vai?’ (...) ‘Para Battersea’, respondeu Chesterton. E explicou ao amigo intrigado que, por mais paradoxal que parecesse, de onde estava não podia ver seu próprio bairro, e mesmo Londres ou a Inglaterra. Para chegar onde já se encontrava precisava perambular pelo mundo; e se ia à França ou à Alemanha, por exemplo, não eram, entretanto, esses países que buscava, mas sim Battersea. ‘Todo objetivo de viajar’, afirma Chesterton, ‘não é por os pés em terras estrangeiras: é finalmente pôr os pés em seu próprio país como se fosse uma terra estrangeira... O único meio de chegar à Inglaterra é ir para longe dela’.” 43 43. In: ALVES;TEJO, 2012

Ao deslocar-se para a Escandinávia e para o Japão o Estúdio Deriva estava, antes de mais nada, indo de encontro ao Brasil. Tudo do estrangeiro que instigou a curiosidade de um aluno-viajante e lhe pôs em estado de reflexão, constitui a matéria subjetiva na formação de arquitetos-cidadãos que desejam propor transformações sobre esta, e não aquela, realidade. É interessante pensar que quando retornamos após vinte dias, tempo aproximado de duração das viagens do Deriva, pouco ou quase nada da nossa realidade-origem tenha mudado. O que se transformou profundamente durante esse período são as percepções de mundo, pois, como diz o provérbio chinês, aquele que retorna de uma viagem definitivamente não é o mesmo daquele que partiu. 71


De volta à sala de aula, o Estúdio Deriva retoma seus encontros semanais a fim de concluir as pesquisas, para então editá-las num conjunto de produtos que representam a materialização de uma memória coletiva. A equipe divide-se em duas frentes - enquanto uns organizam o livro-catálogo, outros desenham a exposição. Do começo ao fim, das questões mais conceituais (desenho, linguagem, curadoria) às mais práticas (planejamento, orçamento, impressão, execução, montagem) quem lidera e realiza os projetos gráficos e expográficos são os próprios alunos. No objetivo desse processo reside um segundo significado da palavra retorno: desdobrar a oportunidade de aprendizado de alguns numa contribuição para toda a Escola. E essa troca pôde ser constatada nos períodos em que as exposições Escandinávia e Japão ocuparam a primeira sala da Galeria da Cidade. Entre mesas e painéis (suportes de desenhos, maquetes, textos, fotografias, músicas e vídeos) era recorrente encontrar alunos conversando a respeito de seus trabalhos, compartilhando suas percepções e histórias. As pequenas bibliotecas, formadas por livros (na maioria projetuais) adquiridos nas viagens, eram consultadas por visitantes e alunos que por vezes passavam ali seu tempo entre aulas.

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Imagem 79 Exposição Estúdio Deriva Escandinávia Pátio Escola da Cidade, 2018 Imagem 80 > Exposição Estúdio Deriva Japão Japan House, 2019

Em razão desse conjunto, durante algum tempo, nomes como Alvar Aalto, Arne Jacobsen, Gunnar Asplund, Sigurard Lewerentz, Kenzo Tange, Tadao Ando, Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, tornaram-se presenças constantes no térreo da Escola. Na segunda edição houve ainda um convite da Japan House, ponto de difusão da cultura japonesa localizado na Avenida Paulista. Após o encerramento na Galeria da Cidade a exposição foi levada ao local para ser acessada por um público externo maior e mais desconhecido. Nessas semanas estabeleceu-se uma escala de revezamento onde os estudantes passavam um turno no local representando o grupo. Os relatos desses períodos foram de muitas trocas com estudiosos sobre o Japão, pessoas que ali nasceram e/ou viveram por determinado tempo e visitantes curiosos pelo país. Sabemos que todo viajante, em seu retorno, traz consigo uma série de histórias ansiosas por serem compartilhadas com aqueles que o aguardam. No caso do Estúdio Deriva a troca dessas vivências é ampliada pela materialização gráfica das pesquisas e também pela comunicação oral com o público visitante.

< Imagem 78 Conversa na exposição Estúdio Deriva Japão Galeria da Cidade, 2019 73



CONSIDERAÇÕES FINAIS “Itinerário ou itinerância? Os caminhos de um pesquisador se abrem sobre uma estrada reta, toda traçada, ou são escolhidos em uma rota errante? Pesquisa organizada ou pesquisa instintiva? Itinerário ou itinerância? Caminhos balizados, ordenados, ou caminhos de signos, caminhos livres?”44

44. Jean-Marie De Ketele, pesquisador belga In: ALVES;TEJO, 2012

O Estúdio Deriva resulta do cruzamento entre dois percursos investigativos: o intelectual, das pesquisas, e o psicogeográfico, das viagens. Ambos são, por essência, caminhos sinuosos que meandram entre desvios, achados, errâncias e acasos. Como vimos anteriormente, os percursos das pesquisas começam no primeiro semestre, quando temas e recortes são estabelecidos por cada integrante. Todavia, essas não são definições imutáveis. É comum e compreensível os trabalhos tomarem outros rumos ao longo da viagem; afinal, como ignorar a vivência presencial que desperta novos interesses, altera as percepções e muda a direção dos olhares? 75


Há também o preparo oculto, produzido pelos professores-organizadores de cada edição. Estes dedicam meses de trabalho para o planejamento da viagem, pesquisando lugares a serem visitados e pessoas a serem encontradas. Mas o que seriam dos percursos físicos se estivessem simplesmente restritos ao cumprimento de um itinerário rígido e imposto, consumidor de todo o tempo, e desconsiderassem a importância das descobertas das derivas? Ou ainda se optassem sempre pela praticidade segura dos deslocamentos fretados ao invés das caminhadas e dos transportes públicos, que sim, despendem mais tempo e pressupõem erros de percurso, mas talvez por isso, sejam os maiores reveladores dos territórios, suas lógicas e sistemas? Portanto, respondendo à pergunta do pesquisador belga, entre itinerário e itinerância o Estúdio Deriva opta pela segunda. Na contramão dos roteiros engessados, suas preparações imprescindíveis são entendidas como rotas abertas, à espera de incorporar o inesperado. Outra característica do trajeto proposto pelo Deriva, exposta no artigo, são os três momentos que o constitui: o curso preparatório, quando um imaginário aproximado sobre o estrangeiro é criado; a viagem nas

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férias de julho, onde o imaginário torna-se realidade experenciada; e o retorno, momento no qual imaginário e vivência materializam-se na conclusão das pesquisas. Apesar das especificidades de objetivos e metodologias, presentes em cada uma dessas etapas, elas não estão rigorosamente separadas como podem parecer. Afinal, quando podemos definir o início da viagem? Seria no momento da aterrisagem no exterior ou na imersão investigativa do primeiro semestre? E o que constitui o retorno? O momento em que pisamos em solo nacional ou um tempo estendido e indeterminado no qual as vivências da cultura estrangeira reverberam no cotidiano comum? Temos por certo apenas que o tempo da viagem não é único e nem restrito às três semanas do calendário, pois quem determina a sua duração são os próprios viajantes. Isto porque espera-se aqui que exposição e publicação não representem o final de um ciclo mas inaugurem novas percepções de mundo que desejam continuar a serem exploradas.

Imagem 81 O ensino das coisas Sara Ramo, 2015 77



ANEXO I | CALENDÁRIO DAS ITINERÂNCIAS

Listagem temporal dos anos de criação e lugares alcançados pelas disciplinas itinerantes: Escola Itinerante, Flying Classroom, Arquitetura Paulistana, Modos de Habitar e Estúdio Deriva - desde 2002 , início das viagens embrionárias, até 2020. Ao final de cada ano aparecem sublinhadas as Atividades em diálogo: Seminário Internacional e Pós Graduação Geografia, Cidade e Arquitetura - as iniciativas que mais promovem a vinda de convidados externos para a Escola da Cidade.

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1996

FUNDAÇÃO ESCOLA DA CIDADE

2002

VIAGENS EMBRIONÁRIAS Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília

2003

Viagens embrionárias Curitiba e Salvador Atividade em diálogo _I Seminário Internacional de Projeto Urbano Oficina da Cidade

2004 Viagens embrionárias | sos Ciudades Chile e México 2005 Viagens embrionárias | sos Ciudades Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Curitiba e Chile 2006

CRIAÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Salvador | Recife, Montevidéu | Buenos Aires e Cuba

Atividade em diálogo _II Seminário Internacional de Projeto Urbano Encontro dos rios

2007

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Salvador | Recife, Montevidéu | Buenos Aires e Cuba

Atividade em diálogo _III Seminário Internacional de Projeto Urbano A cidade e seus narradores

2008 Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Salvador | Recife, Montevidéu | Buenos Aires 2009

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Goiás Velho, Vale do Paraíba, Salvador | Recife, Montevidéu | Buenos Aires

Atividade em diálogo _IV Seminário Internacional de Projeto Urbano Baixada do Glicério

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2010

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Salvador | Recife, Montevidéu | Buenos Aires

Atividades em diálogo _V Seminário Internacional de Projeto Urbano España na cidade _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura Chile, Brasil, Argentina e Uruguai

2011

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Salvador | Recife, Montevidéu | Buenos Aires

Atividades em diálogo _VI Seminário Internacional de Projeto Urbano Habitação e educação na cidade contemporânea _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura Paraguai, México, Colômbia e EUA

2012 1O FLYING CLASSROOM

Brasil

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Salvador | Recife, Montevidéu | Buenos Aires

Atividades em diálogo _VII Seminário Internacional de Projeto Urbano Área Tiquatira 2 _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura Equador, Peru, Cuba e Canadá

2013

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Chile e Colômbia

Flying Classroom

Alemanha, Suíca, França e Áustria

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Atividades em diálogo _VIII Seminário Internacional de Projeto Urbano Hidroanel metropolitano de São Paulo _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura Venezuela, Argentina, Chile e México


2014

CRIAÇÃO DA ARQUITETURA PAULISTANA

São Paulo

Flying Classroom

África do Sul

Atividades em diálogo:

_IX Seminário Internacional de Projeto Urbano

Infraestrutura, espaço público e gestão

_Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura

EUA, Uruguai, Bolívia e Colômbia

2015

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Chile e Colômbia

Flying Classroom

Brasil

Arquitetura Paulistana

São Paulo

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Chile e Colômbia

Atividades em diálogo _X Seminário Internacional de Projeto Urbano Tempo livre na cidade _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura

Paraguai, Peru, Equador e Canadá

2016

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Chile e Colômbia

China

Arquitetura Paulistana

São Paulo

Atividades em diálogo _XI Seminário Internacional de Projeto Urbano Espaço livre na cidade

Flying Classroom

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_Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura Venezuela, Brasil, Portugal e Cuba

2017

CRIAÇÃO DO MODOS DE HABITAR

Santos

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Paraguai e Chile

India

Arquitetura Paulistana

São Paulo

Flying Classroom

Atividades em diálogo _XII Seminário Internacional de Projeto Urbano Contra condutas: políticas de arquitetura e trabalho escravo na contemporaneidade _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura

Chile, Espanha, Costa Rica e México

2018

CRIAÇÃO DO ESTÚDIO DERIVA

Escandinávia | Suécia, Dinamarca e Finlândia

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Paraguai e Chile

Arquitetura Paulistana

São Paulo

Flying Classroom

França

Modos de Habitar

Marajó

Atividades em diálogo _XIII Seminário Internacional de Projeto Urbano Arquitetura é forma de conhecer _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura Moçambique, Colômbia, Argentina e EUA

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2019

Escola Itinerante Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Vale do Paraíba, Paraguai e Chile

Flying Classroom

Argentina e uruguai

Arquitetura Paulistana

São Paulo

Modos de Habitar

Xingu

Estúdio Deriva

Japão

Atividades em diálogo _XIV Seminário Internacional de Projeto Urbano Ainda o direito à cidade? _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura

Paraguai, Peru, Canadá e Equador

2020

Estúdio Deriva [Remoto]

Chicago

Atividades em diálogo _XV Seminário Internacional de Projeto Urbano [Remoto] Espaços para respirar _Pós graduação Geografia, Cidade e Arquitetura [Remoto] Brasil, Uruguai, Chile e Portugal

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ANEXO II | FICHAS TÉCNICAS

Fichas técnicas das equipes, alunos e professores convidados referentes às duas edições realizadas pelo Estúdio Deriva - Escandinávia (2018) e Japão (2019).

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ESTÚDIO DERIVA ESCANDINÁVIA | 2018 Equipe Estúdio Deriva Sebastian Beck (coordenador) Anna Juni, Eduardo Ferroni Professores colaboradores Anália Amorim, Ciro Pirondi, José Maria Macedo Alunos Amanda Silber, Amanda Wensko, Beatriz Mendes, Beatriz Sallowicz Daniel Parente, Diego Petrini, Felipe Klinger, Gabriel Brugnara, Giulia Giagio. Juliana Souen, Juliana Katayama, Julie Oliveira, Karime Zaher, Letícia Porto, Marina Liesegang, Marina Secaf, Noam Barg, Sofia Boldrini, Victoria Cohen Outros participantes Ana Lucia Longato, Aline Beck, Dhiego Torrano Convidados do Curso Preparatório Caio Cintra, Adam Kurdahl (SPOL Architects), Analia Amorim, Patrícia Amorim, Rodrigo Giorgi Convidados da viagem Anna-Carin Forsman, Eva Larsson, Gabriela Eunice González, Isabella Eriksson, Jorge Lobos, Nicholas Jungblut, Philip Tidwell, Rumi Kubokawa, Sara Grahn Convênios e instituições parceiras Emergency Architecture & Human Rights (Dinamarca) KADK The Royal Danish Academy of Fine Arts (Dinamarca) KTH Royal Institute of Technology in Stockholm (Suécia) Alvar Aalto University (Finlândia) 89


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ESTÚDIO DERIVA JAPÃO | 2019 Equipe Estúdio Deriva Sebastian Beck (coordenador) Anna Juni, Cesar Shundi Iwamizu, José Paulo Gouvêa Professores colaboradores Anália Amorim, Ciro Pirondi, Paulo Von Poser Alunos Ana Teresa de Cavalho, Beatriz Gomes Oliveira, Beatriz Mendes de Oliveira, Daniel Bernardes, Felipe Klinger. Fernanda Galloni, Heloisa Ikeda, Julia Moreno Villaça, Karime Abed Zaher, Lia Soares, Luigi Zorzella, Manoela Ambrosio, Marina Saboya, Marina Perez, Marina Liesegang, Murilo Rayel, Pedro Jorge Batista, Rafael Baumer Ricardo Kalil, Tamara Crespin Outros participantes Ana Lucia Longato, Camila Toledo, Luiz Giagio Convidados do Curso Preparatório Guilherme Wisnik, Gabriel Kogan, Lourenço Gimenes, Marina Lacerda, Fernanda Sakano, Rosely Nakagawa, Michiko Okano, Madalena Hashimoto Convidados da viagem Akira Tomori, Andrea Urushima, Carol Mishima, Leandro Ishioka Thiago Fernando Duarte Instituições parceiras Japan House, Kyoto Seika University, Imai Lab | Graduated School of Information, Tokyo University Escritórios visitados Kengo Kuma & Associates, Tezuka Architects, Sandwich, Creative platform for contemporary art, Sou Fujimoto Architects 91



BIBLIOGRAFIA ALVES, Cauê; TEJO, Cristiana. Itinerários, Itinerâncias. In: Itinerários, Itinerâncias: 32º Panorama da Arte Brasileira. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2012. BARTHES, Roland. Império dos Signos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. DEBORD, Guy-Ernest. Teoria da deriva. In: JACQUES, Paola Berenstein (Org.). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. PIRONDI, Ciro. O ensino da arquitetura ou a crise silenciosa. Site Archdaily, 2017. https://www.archdaily.com.br/br/872419/o-ensino-da-arquiteturaou-a-crise-silenciosa-ciro-pirondi NAVARRO, Santiago García. 73 notas sobre a deriva. In: ALVES, Cauê; TEJO, Cristiana. Itinerários, Itinerâncias: 32º Panorama da Arte Brasileira. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2012. ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 93



CRÉDITOS ICONOGRÁFICOS Imagens 1 e 2 D’ou venons nous? que sommes nous? | Sigurdur Gudmundsson, 1976 Disponível em: https://mythologyofblue.tumblr.com/post/115487235941/ sigurdur-gudmundsson-dou-venons-nous-que

Imagem 3 Mapa da Escola da Cidade e entorno Fonte: Elaboração da autora sobre base do Google Maps

Imagem 4 Escola da Cidade, Rua General Jardim no 65 Crédito: Lauro Rocha

Imagem 5 Movimento noturno entre os bares Xangô e JK, a partir do mezanino do IAB Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 6 Aula da pós-graduação AES no mezanino do IAB Crédito: Baú, Escola da Cidade

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Imagem 7 Processo seletivo no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 8 Processo seletivo no Teatro Oficina Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 9 Auditório da Aliança Francesa ocupado por alunos e professores da EC Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 10 Abertura da exposição ‘Arquitetura de Exceção – O Pavilhão do Brasil na Expo’70 Osaka’ na Galeria da Cidade Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 11 Seminário Internacional no teatro do Sesc Pompéia Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 12 Seminário Internacional no auditório do Sesc 24 de Maio Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 13 Dialogue | Sigurdur Gudmundsson, 1979 Diponível em:: https://www.fundacionbancosantander.com/visita_virtual/ punto-de-partida/en/works/dialogue

Imagem 14 Escola Itinerante | Paraguai, 2019 Fonte: Baú, Escola da Cidade

Imagem 15 Flying Classroom | França, 2018 Fonte: Baú, Escola da Cidade

Imagem 16 Arquitetura Paulistana | Paranapiacaba, 2018 Fonte: Baú, Escola da Cidade

Imagem 17 Modos de Habitar | Marajó, 2018 Fonte: Baú, Escola da Cidade

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Imagem 18 Estúdio Deriva | Finlândia, 2018 Crédito: Noam Barg Pinto

Imagem 19 Corte imaginário: Jardim Ryoan-ji, Casa de chá da Vila Katsura, Templo em Koya-San, Teshima Art Museum e Chichu Art Museum Crédito: Ana Teresa de Cavalho

Imagem 20 Perspectiva explodida Teshima Art Museum Crédito: Ricardo Kalil

Imagens 21 e 22 Fotografias internas Teshima Art Museum Crédito: Rafael Baumer

Imagem 23 Desenho Teshima Art Museum Crédito: Ana Teresa de Cavalho

Imagens 24 e 25 Beatriz Mendes estudando o Teshima Art Museum em maquete de cerâmica Crédito: Beatriz Mendes

Imagens 26, 27, 28 e 29 Fotografias do percurso até o Teshima Art Museum Crédito: Fernanda Galloni

Imagem 30 Trem para Tokyo Crédito: Luigi Zorzella Franco

Imagem 31 Japoneses Crédito: Ana Teresa de Cavalho

Imagem 32 Projeto do barco batizado de Nemo Propheta in Patria (Nenhum homem é profeta na prória pátria) Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/317785317443871821/

Imagem 33 Arquitetos Alvar e Aino Aalto com amigos à bordo do barco projetado Disponível em: https://twitter.com/jimmymanjanja status/840935881200566273/photo/1

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Imagem 34 Desenho do Kastrup Sea Bath feito pelo aluno Daniel Parente no momento da foto anterior Crédito: Daniel Parente

Imagem 35 Grupo na Dinamarca, em frente ao Kastrup Sea Bath, projeto do escritório White Arkitekter Crédito: Dhiego Torrano

Imagem 36 Translado (On the Move) | Sara Ramo, 2008 Disponível em: http://radarconsultoria.com/blog/2015/09/apodi-69/

Imagem 37 Visita do Estúdio Deriva à exposição ‘Hilma af Klint: Mundos Possíveis’ com Fernanda Pitta, co-curadora junto de Jochen Volz | Pinacoteca do Estado, 2018 Fonte: Estúdio Deriva

Imagem 38 Cadernos de leitura de projetos produzidos pelos alunos: Dinamarca, Suécia e Finlândia Fonte: Autora

Imagem 39 Cinederiva: Exibição do filme Viver do cineasta Akira Kurosawa no pátio do centro acadêmico da Escola da Cidade Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 40 Guilherme Wisnik ministrando aula sobre a obra do escritório SANAA Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 41 21st Century Museum of Contemporary Art, projeto do SANAA, registrado pelo aluno Rafael Baumer Crédito: Rafael Baumer

Imagem 42 Rosely Nakagawa conta sobre a cultura japonesa na conversa intitulada ‘Encontro com o outro’ Crédito: Baú, Escola da Cidade

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Imagem 43 Rua de Tokyo fotografada por Fernanda Galloni Crédito: Fernanda Galloni

Imagem 44 Michiko Okano na aula ‘Ma: espaço comunicativo de eventuais relações’ Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 45 Estudantes experenciam a intraduzibilidade do Ma no templo zen Ryoan-ji, Kyoto Crédito: Rafael Baumer

Imagem 46 Sobreposição de cenas urbanas desenhadas em papel vegetal Crédito: Lia Soares

Imagem 47 Registros de calçadas japonesas por meio de frotagem [técnica de fricção de grafite sobre papel repousado em superfície rugosa] Crédito: Karime Zaher

Imagem 48 Prancha A1 produzida na expedição urbana proposta por Nicolas Jungblut Crédito: Amanda Silber, Beatriz Sallowicz e Gabriel Brugnara

Imagem 49 Visita à piscina pública Kalvebod Waves, projeto dos escritórios JDS Architects + KLAR inaugurado em 2008 Crédito: Anna Juni

Imagem 50 Grupo e a arquiteta Gabriela Eunice González no parque linear Superkilen Crédito: Dhiego Torrano

Imagem 51 Leandro Ishioka explica a formação de Sendai aos viajantes Crédito: Karime Zaher

Imagem 52 Desenho e frase retirados do caderno de viagem Crédito: Marina Liesegang

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Imagens 53 e 54 Fotocolagens de projetos metabolistas não construídos inseridos na paisagem registrada a partir do mirante do Mori Art Museum em Tokyo Crédito: Julia Moreno Villaça

Imagem 55 Conversa com o professor Philip Tidwell no projeto A•LAVA Crédito: Sebastian Beck

Imagem 56 Visita aos laboratórios do Wood Program na Aalto University Crédito: Anna Juni

Imagem 57 Grupo em frente à habitação modular Kokoon, projetada e construída pelos alunos finlandeses Crédito: Estúdio Deriva

Imagem 58 Visita ao escritório Sou Fujimoto Architects Crédito: Sebastian Beck

Imagem 59 Visita ao escritório Tezuka Architects Crédito: Sebastian Beck

Imagem 60 Furnicular subindo o morro Koya-san Crédito: Julia Moreno Villaça

Imagem 60 Viagem de Estocolmo para Helsinki Crédito: Noam Barg Pinto

Imagem 61 Estação em Kyoto Crédito: Julia Moreno Villaça

Imagem 62 Viagem de Estocolmo para Helsinki Crédito: Noam Barg Pinto

Imagem 63 Linha elevada do metrô em Copenhagen Crédito: Anna Juni

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Imagem 64 Memorial da Paz de Hiroshima: desenho coletivo dos alunos Crédito: Estúdio Deriva

Imagem 65 Paisagem do Memorial Crédito: Julia Moreno Villaça

Imagem 66 Registro da experiência pelo professor de desenho Crédito: Paulo Von Poser

Imagem 67 Registro da experiência do desenho coletivo Crédito: Felipe Klinger

Imagem 68 Memorial da Paz de Hiroshima Crédito: Pedro Jorge

Imagem 69 Kyoto Crédito: Manoela Ambrosio

Imagem 70 Kyoto Crédito: Manoela Ambrosio

Imagem 71 Kyoto Crédito: Manoela Ambrosio

Imagem 72 Kyoto Crédito: Manoela Ambrosio

Imagem 73 Tokyo Crédito: Manoela Ambrosio

Imagem 74 Cotidiano captado Crédito: Luigi Zorzella Franco

Imagem 75 Hikaru Crédito: Luigi Zorzella Franco

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Imagens 76 e 77 Colagens Crédito: Tamara Crespin

Imagem 78 Conversa na exposição Estúdio Deriva Japão | Galeria da Cidade Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 79 Exposição Estúdio Deriva Escandinávia | Galeria da Cidade Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 80 Exposição Estúdio Deriva Japão | Japan House Crédito: Baú, Escola da Cidade

Imagem 81 O ensino das coisas | Sara Ramo, 2015 Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/03/1865379opera-baseada-em-machado-de-assis-e-outras-seis-indicacoes-culturais. shtml

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