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Fala, Presidente!
Revista A República Essa é uma publicação da Associação Nacional dos Procuradores da República Diretoria Biênio 2011/2013 Presidente Alexandre Camanho de Assis (PRR1)
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ual o sentido, hoje, da palavra República? Responder a essa pergunta com a enfadonha e gasta “coisa pública”, evidentemente, já não nos estimulará em nada. É que a expressão precisa ser relida com contornos mais abrangentes, de forma a abarcar tudo quanto um país, uma sociedade, precisa – de material e imaterial – para identificar-se como tal, para seguir sendo uma expressão do convívio social organizado. Assim entendida, a República passa a ser um feixe de bens e valores como a Natureza, a Cultura, a Educação, a Cidadania, a Segurança, a Paz, a Administração Pública, a Saúde Pública, a Urbanidade, a Tradição, a Ciência, dentre outros. É nesta nova dimensão que a República precisa e quer ressurgir, neste concerto de nações que compõem, histórica e culturalmente, o Ocidente. A República é também um anseio, uma meta, um projeto; ela não se materializa por si só. É preciso que haja um esforço concatenado, partilhado pelos indivíduos e pelo Estado, para realizar este sonho. Na última década, o país que amamos viu-se reconhecer como o estuário dos grandes projetos do planeta e vem se credenciando para, na próxima década, ingressar no Olimpo das nações civilizadas, pródigas social e economicamente, e paladinas dos direitos humanos. Para isso, será preciso superar desafios monumentais: a desigualdade – hoje refletida na miséria – e as rudimentares condições da Educação, da Saúde e da Segurança Pública. Os próximos anos verão um Brasil tendo que agir decisivamente, sem hesitação, sem temor, para garantir a defesa dos direitos individuais e coletivos da sociedade. Como entidade representativa dos procuradores da República, foi justamente com o intuito de valorizar a defesa desses conceitos que a ANPR escolheu um novo nome para a sua revista: A República. Selecionaram-se alguns dos temas de relevância nacional para aprofundar o debate com informações diferenciadas para os leitores. As matérias desta edição abrangem desde o compromisso de processos eleitorais cada vez mais idôneos até o tratamento justo e humanitário para presos e acusados, passando pela necessidade de repatriação de documentos da ditadura militar e também por movimentos sociais cuja atuação resulta na ampliação da cidadania para os brasileiros. A complexidade dos temas é proporcional ao desafio que representam. É claro que cada Poder, cada instituição, cada cidadão, tem muito o que fazer em prol disso; e é justo reconhecer que assim vem ocorrendo, de modo fragmentário, com maior ou menor engajamento e comprometimento. A ANPR, com A República, espera cumprir este papel. Boa leitura! Alexandre Camanho de Assis
Vice-Presidente José Robalinho Cavalcanti (PR/DF) Diretor de Comunicação Social Alan Rogério Mansur (PR/PA) Diretor para Aposentados Antônio Carneiro Sobrinho (PRR1aposentado) Diretora Secretária Caroline Maciel (PR/RN) Diretor Financeiro Gustavo Magno Albuquerque (PR/RJ) Diretor de Assuntos Legislativos José Ricardo Meirelles (PRR3) Diretora Cultural Monique Cheker de Souza (PR/PR) Diretor de Assuntos Corporativos Roberto Thomé (PRR4) Diretor de Assuntos Institucionais Tranvanvan Feitosa (PR/PI) Diretor de Assuntos Jurídicos Vladimir Aras (PR/BA) Diretora de Eventos Zani Cajueiro (PR/MG) Revista A República Setembro de 2011 Jornalista Responsável Renata Freitas Chamarelli MTB – 6945/15/172-DF Edição: Renata Freitas Chamarelli Textos: Ana Carolina Ferreira, Érica Abe e Shirley de Medeiros. Projeto Gráfico: Pedro Lino Contato: SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Bloco B Salas 113/114 – Brasília - DF Cep 70.050-900 Fone: 61 – 3201-9025 Fax: 61 – 3201-9023 e-mail: imprensa@anpr.org.br Twitter: @Anpr_Brasil Facebook: ANPRBrasil
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Índice Curtas
5e6 Em destaque
Subsídio do PGR é equiparado ao das demais autoridades da República
7 Capa
Por um Brasil
transparente
8 - 10
Parlamento
Ministério Público aumenta fiscalização nas eleições
12 Parlamento
Algemas: entre o excesso e a negligência
13 Entrevista
Obra Abstrata
Parlamento
Fim da indústria dos recursos
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14-17
Integração
Poder público vai à praça
18 e 19 Mobilização
Esse Brasil, nunca mais
20 ANPR recomenda
Nossos escritores
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Artigo
Infiltração de agentes policiais na internet: boas intenções não bastam
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Curtas
Desde que assumiu a presidência da ANPR, Alexandre Camanho tem priorizado a aproximação com os Poderes Legislativo e Executivo. Já no primeiro dia de mandato, 12 de maio, a nova diretoria visitou o presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB/AP). Foram diversos encontros para discutir assuntos relacionados à carreira e colaborar com a melhoria da legislação. Entre os parlamentares visitados destacam-se os senadores Pedro Taques (PDT/MT), Sérgio Petecão (PMN/AC) e Eduardo Amorim (PSC/SE), bem como os deputados federais Luciano Castro (PR/RR),
Roberto Stuckert Filho/PR
Camanho busca aproximação com o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto
Alessandro Molon (PT/RJ) e Protógenes Queiroz (PC do B/SP). Camanho também esteve com a presidente da República, Dilma Rousseff, para entregar a lista tríplice com os nomes sugeridos pela Associação para o cargo de procurador-geral da República, biênio 2011/2013. O encontro foi acompanhado pela ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Parcerias - Para manter uma
pauta propositiva com o Congresso Nacional, a ANPR estabeleceu parcerias com órgãos da Procuradoria Geral da República (PGR) para elaborar projetos que beneficiem não só a carreira, mas toda a sociedade. A coordenadora da Câmara Criminal, subprocuradora-geral da República Raquel Dogde, e a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Carvalho, foram as primeiras a serem contactadas.
ANPR luta pelo reajuste dos subsídios Em reunião com o presidente da Associação, Alexandre Camanho, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que o reajuste dos subsídios é um assunto prioritário e comprometeu-se a agendar audiência com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e com a presidente da República, Dilma Rousseff, para tratar do assunto. Buscando auxiliar o procurador-geral na consolidação de dados técnicos para as reivindicações, a ANPR entregou a Gurgel nota técnica sobre o valor do subsídio do cargo de PGR, previsto no Projeto de Lei 7.753/2010.
Além disso, o PGR protocolou no Congresso Nacional, no dia 31 de agosto, o PL 2.198/11, que pede o reajuste de 4,8% a partir de 1º de janeiro de 2012. A apresentação da nova proposta não prejudica a tramitação dos projetos anteriores. Na ocasião, foram entregues também outros quatro PLs relativos à carreira de membros e servidores do MPU, entre eles um que dispõe sobre gratificação. Na mesma semana, a ANPR havia reencaminhado uma proposta sobre o tema e requerido a desvinculação da matéria da Lei de Ofícios para que o texto fosse enviado ao Congresso até o fim de agosto. Dorivan Marinho/SCO/STF
Atenta aos direitos dos associados, a ANPR impetrou mandado de injunção perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o reconhecimento da omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não votar os Projetos de Lei (PLs) 7.749/2010 e 7.753/2010. Ambas as propostas tramitam desde agosto de 2010 e tratam do reajuste dos subsídios. O mandado - assinado pelas associações de classe que integram a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da União (Frentas), pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) - requer a reposição das perdas inflacionárias dos últimos cinco anos, no percentual de 14,79% retroativo a janeiro deste ano.
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Curtas Ações da ANPR em defesa das prerrogativas da carreira PEC sobre o fim da vitaliciedade de membros do MP A ANPR entregou nota técnica contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 75/2011, do senador Humberto Costa (PT/PE), que estabelece o fim da vitaliciedade dos membros do MP ao prever a possibilidade de aplicação direta das penas de demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). No documento, encaminhado ao senador Demóstenes Torres (DEM/ GO), relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a Associação classifica a proposição como inadmissível por três motivos: fere cláusula pétrea da Carta Magna ao retirar uma garantia constitucional, afronta o sistema de freios e contrapesos e contraria o princípio da vedação ao retrocesso social. O presidente da ANPR, Alexandre Camanho, destaca que a vitaliciedade não é um benefício dos membros do MP, mas de toda a sociedade, pois garante aos procuradores da República a livre atuação na defesa dos direitos humanos, sociais e individuais indisponíveis, do Estado de Direito, da República e da Democracia.
Inclusão de defensores públicos no Quinto Constitucional Preocupada com a representatividade dos membros do MP
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nos tribunais, a Associação enviou ao deputado federal Roberto Freire (PPS/SP) nota técnica sobre a Proposta de Emenda à Constituição 488/10, que trata da inclusão dos defensores públicos no Quinto Constitucional. A ANPR é favorável à inclusão dos defensores públicos na divisão dos Tribunais Regionais Federais, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. No entanto, sugere que os assentos destinados aos defensores integrem a cota de
funcional, tal qual os membros do MP, os procuradores ficariam impedidos de agir no controle externo da atividade policial, atribuição prevista na Carta Magna.
advogados, uma vez que ambas as carreiras têm, essencialmente, a função de orientação jurídica e defesa de seus clientes, enquanto os membros do MP trabalham na defesa dos interesses, não de uma parte, mas de toda a sociedade.
a possibilidade de organizar, o mais breve possível, outro concurso para procurador da República. O debate veio à tona com a publicação do resultado da primeira etapa do último certame que aprovou apenas 115 candidatos, número considerado baixo pelo CSMPF. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ressaltou que a abertura de um novo concurso foi um dos pedidos feitos pelos delegados da ANPR no último encontro em Brasília. Propostas de resolução – Em meio ao debate, a conselheira Raquel Dodge anunciou que estava protocolando no CSMPF duas propostas de resolução: uma relativa à obrigatoriedade de concurso público para procurador da República e a outra sobre itinerância. Dodge lembrou que as propostas foram subsidiadas por anteprojetos elaborados pela ANPR, apresentados a pedido da própria conselheira. Na ocasião, a conselheira Sandra Cureau também informou que já procurou a Associação para auxiliá-la no estudo de outras resoluções.
Independência funcional para delegados de polícia Outra nota técnica encaminhada a Freire (PPS/SP) pede a rejeição da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 293/2008, que estende para delegados de polícia as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, exclusivas de magistrados. No documento, a ANPR explica que essas garantias são dadas pela Constituição Federal aos procuradores da República por atuarem na defesa dos direitos humanos, sociais e individuais indisponíveis, bem como na fiscalização dos poderes constitutivos do Estado, incluindo a polícia. A nota destaca também que, caso os delegados obtenham a independência
CSMPF discute propostas apresentadas pela Associação Durante reunião do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), foi discutida
Em destaque
Subsídio do PGR é equiparado ao das demais autoridades da República Mobilização da ANPR levou à alteração de proposta de emenda à Constituição na CCJC da Câmara
Ascom ANPR
ANA CAROLINA FERREIRA
Deputado Arthur Maia (PMDB/BA) recebe presidentes das associações dos quatro ramos do MPU
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gualdade de tratamento para o Ministério Público. Esse foi o objetivo da ANPR que, em conjunto com a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da União (Frentas), atuou na Câmara dos Deputados para incluir o procurador-geral da República na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/2011. A medida previa a equiparação dos subsídios dos representantes dos três Poderes da União, como o presidente e vice-presidente da República, ministros de estados, senadores e deputados federais, aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, excluindo o representante do Ministério Público Federal. “Tratava-se de medida inconstitucional, já que não reconhecia a paridade do PGR em relação às demais autoridades”, explicou o presidente da ANPR, Alexandre Camanho. Um dia antes da votação, em 31 de maio, a Frentas entregou ao autor da proposta, deputado federal Nelson Marquezelli (PTB/SP), e ao relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara, deputado federal Arthur
Maia (PMDB/BA), uma nota técnica ressaltando a importância de incluir o procurador-geral da República na lista de autoridades remuneradas de modo isonômico. A nota esclarecia que o MPF exerce função fiscalizatória sobre o Executivo, Legislativo e Judiciário e, para assegurar sua independência e autonomia, não se enquadra em nenhum dos demais poderes constituídos. Dessa forma, o chefe do MPF ocupa o mesmo patamar das demais autoridades representativas dos Poderes da União. No dia 1º de junho, durante a votação na CCJC, Maia incluiu emenda saneadora sugerida pela Frentas e a Comissão aprovou, por unaminidade, a PEC, aceitando o entendimento. Membro da Comissão Permanente de Remuneração e Prerrogativas, o procurador da República Luiz Lessa explicou a importância da mudança. “O Ministério Público aparece na Constituição com estatura de quase quarto poder. Reconhecer essa equivalência remuneratória é reconhecer também a igual dignidade e autonomia da instituição”, argumentou.
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Capa
Por um Brasil transparente Considerada uma aliada na luta contra a corrupção e no exercício da cidadania, Lei de Acesso à Informação aguarda aprovação no Senado Federal
O
SHIRLEY DE MEDEIROS
direito de acesso à informação pública é reconhecido internacionalmente como importante ferramenta para o combate à corrupção, para a proteção dos
que apenas o exercício da lei mostrará suas verdadeiras falhas e como elas poderão ser sanadas. Na opinião do professor da Universidade de Brasília e coordenador do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Fernando Oliveira Paulino, a aprovação é um passo decisivo para responsabilizar agentes públicos envolvidos em atividades ilegais e, ao mesmo tempo, abre espaço para que eles sejam preparados para atender às demandas da sociedade relativas a esse acesso. “Um dos méritos do PL é determinar prazos para a prestação de informações não só do Executivo, mas também do Legislativo e do Judiciário nas escalas federal, estadual e municipal”, destaca. Outros pontos da proposta elogiados por setores da sociedade organizada são a declaração objetiva e expressa do direito de acesso, a previsão de dispositivos de comunicação para a publicação
direitos civis e o controle dos serviços públicos. Nos últimos anos, países com diferentes níveis de desenvolvimento já normatizaram esse acesso. México, Peru, África do Sul e Índia são alguns exemplos de nações que possuem regulamentações recentes sobre o tema, algumas consideradas por especialistas modelos a serem seguidos. No Brasil, setores da sociedade aguardam a aprovação do Projeto de Lei nº 41/2010, que regulamenta o direito fundamental de acesso à informação, previsto no artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal. O PL tramita no Congresso Nacional desde 2009 e no momento encontra-se no Senado Federal para votação. Recentemente, como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o senador Fernando Collor de Mello (PTB/AL) apresentou parecer pedindo alterações no projeto, contrariando os trabalhos de três outras comissões que já se manifestaram a favor do texto aprovado na Câmara de Deputados. Segundo a procuradora da República Inês Virgínia Soares (PR/SP), o projeto é moderno, está em consonância com leis criadas em outros Estados de Direito Democrático e deve ser votado o mais rápido possível. “O texto já foi discutido amplamente com a sociedade. As mudanças sugeridas pelo senador são um retrocesso”, enfatiza. Soares, que coordenou a comissão criada em 2010 para tratar sobre o tema na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, defende Divulgação
Procuradora da República Inês Virgínia Soares (PR/SP)
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considerados sigilosos também é questionado. O projeto dispõe que, de acordo com sua relevância para a segurança da sociedade ou do Estado, a informação poderá ser classificada como reservada, secreta ou ultrassecreta, e mantida em sigilo pelos prazos de 5, 15 e 25 anos, respectivamente, com a possibilidade de prorrogação uma vez, por igual período. Segundo o texto, há a possibilidade de reavaliar esses enquadramentos, mediante pedido oficial, objetivando a publicação da informação ou a redução dos prazos previstos. “Em contrapartida, o PL prevê que a decisão que classifica a informação ficará no mesmo grau de sigilo desta. Assim, a sociedade, além de ser privada da infor-
Marcello Casal Jr.
das informações e sanções à obstrução do acesso. Pontos polêmicos – Para o procurador regional da República Marlon Weichert (PRR3), a aprovação do projeto é um grande avanço se comparada à legislação vigente, principalmente no que diz respeito à abertura total de informações relacionadas à proteção e violação dos direitos humanos. Porém, falta à proposta prever a criação de um órgão autônomo que acompanhe a manutenção da lei e exija o seu cumprimento. “Entre outras atribuições, o órgão também auxiliaria o cidadão comum a avaliar o que é informação e onde buscá-la”, declara. Weichert foi autor da representação na Procuradoria-Geral da República da ADIN 4.077, sobre a inconstitucionalidade das Leis nº 8.159/91 e 11.111/05, que tratam do sigilo de documentos do interesse do Estado e da sociedade, e representou a ANPR no Fórum. O procurador regional da República demonstra receio de que o Brasil avance no direito, mas não na garantia de que este seja cumprido. “A África do Sul adotou um modelo parecido com o que está sendo votado no Brasil e o sentimento das pessoas que conheço lá é de que a lei não saiu do papel”, conta. Paulino concorda com Weichert. “O ponto fraco do PL se refere à ausência de um órgão recursal independente, nos moldes de iniciativas desenvolvidas em outros países”, endossa. Ele cita o exemplo do Instituto Federal de Acesso à Informação (IFAI) criado no México, país que é apontado como modelo de sucesso na regulamentação e aplicação da lei sobre o tema. O tratamento dado para os documentos
Professor da Universidade de Brasília Fernando Oliveira Paulino
“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (...)” Artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal mação, também não terá acesso à razão pela qual ela foi protegida, nem ao menos saberá que esta decisão existiu”, critica Weichert. Na opinião dele, o projeto ainda deveria apresentar limites mais curtos para a revisão dos documentos. “Hoje, com o avanço contínuo da tecnologia e a dinâmica das relações internacionais, o ideal é não fixar prazos longos. Em 25 anos muita coisa acontece e os dados contidos em um documento podem perder a relevância histórica”, pondera. Já para a informação pessoal, relativa à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, o prazo de sigilo é de cem anos, podendo ser publicada mediante previsão legal ou consentimento da pessoa à qual ela se refere. O procurador regional da República destaca que o projeto não especifica quais são essas informações, deixando espaço para vários entendimentos. “Em um Estado Democrático, o segredo deve
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Divulgação
discussões levantadas neste momento da tramitação possam colaborar para o atraso na votação da lei. “Desde a promulgação da Constituição de 1988, foram 23 anos de déficit democrático sobre o tema. Rogo pela aprovação do PL como está, para que possamos dar mais um importante passo no aperfeiçoamento da cultura política no Brasil”, defende Paulino.
Procurador regional da República Marlon Weichert (PRR3)
O que diz o projeto
ser exceção, não regra”, acrescenta, enfatizando que “o Brasil precisa perder de vez a cultura da ocultação, pois ela alimenta a corrupção e o desrespeito aos direitos humanos”. Mesmo diante das possíveis falhas apontadas no projeto, existe a hesitação de que
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Exercício de cidadania - A expectativa é de que, após sancionada, a lei estimule ações que conscientizem o cidadão de que a informação é um patrimônio da sociedade e o incentive a fiscalizar a publicação. “Com o tempo, creio que essa percepção fará com que o tema entre nos currículos escolares e percebamos o impacto político e econômico da medida”, declara o coordenador. A procuradora da República Inês Virgínia Soares também aposta na maturidade da sociedade brasileira para exercitar a exigência dos seus direitos. “Vamos acompanhar o cumprimento da lei junto com a população. O cidadão que não souber em que porta bater, sempre poderá contar com o Ministério Público Federal”, ressalta ela.
Quem disponibilizará as informações? Órgãos públicos integrantes da administração direta e indireta e entidades, tanto as controladas pelos entes da federação quanto as privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos. O que deverá ser publicado? Informações de interesse coletivo, como decisões, atos normativos, competências, políticas internas, estrutura organizacional, endereços, telefones, resultados de ações, auditorias, recursos financeiros, despesas, gastos com obras, procedimentos licitatórios e outros. Que informação poderá ser mantida em sigilo? Será levado em conta o interesse público de divulgação da informação, a gravidade do dano à segurança da sociedade e do país e a proteção à vida privada. Documentos sobre condutas que impliquem a violação de direitos humanos, praticada por ou a mando de agentes públicos, não poderão ser objeto de restrição à publicação. Como o cidadão terá acesso aos dados? Deverá ser rotina dos órgãos a publicação das informações em sites oficiais. Além disso, será criado um serviço de atendimento nos órgãos e nas entidades públicas para auxiliar o cidadão que desejar requerer uma informação.
Parlamento
Fim da indústria dos recursos Proposta de emenda à Constituição possibilita a aplicação imediata das decisões tomadas em segunda instância
O
desfecho de uma história digna de roteiro de cinema marcou os brasileiros este ano. O caso do jornalista Pimenta Neves, que há onze anos confessou ser o assassino da ex-namorada e ficou em liberdade durante todo esse tempo graças a uma série de recursos, fez os juristas brasileiros repensarem o sistema judiciário do país. Uma das soluções foi idealizada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso. Apelidada de “PEC dos Recursos”, a Proposta de Emenda à Constituição 15/2011 pretende aumentar a celeridade da tramitação dos processos e a aplicação das garantias e dos direitos fundamentais. Em tramitação no Senado Federal, a ideia é transformar os recursos extraordinários e especiais em ações rescisórias, diminuindo o número de casos remetidos à apreciação do Superior Tribunal de Justiça e do STF como mero expediente de dilação processual. Além de desafogar as Cortes Superiores, a PEC acabaria com a indústria de recursos. Para o diretor de assuntos jurídicos da ANPR, procurador da República Vladimir Aras (PR/BA), a proposta é um passo importante do STF, pois reconhece a necessidade de uma mudança no Judiciário brasileiro. “Com a aprovação dessa PEC, a sensação de impunidade vai diminuir. A celeridade na garantia dos direitos fundamentais, tanto na esfera cível quanto na criminal, trará segurança jurídica para a população”, analisa.
Apesar das críticas, a “PEC dos Recursos” não prejudica a garantia individual do duplo grau de jurisdição previsto pela Convenção Americana de Direitos Humanos e pela Convenção Europeia de Direitos Humanos. Segundo especialistas, os recursos são lucrativos, pois quanto mais tempo se mantém o processo vivo, mais dinheiro se ganha. “Nos Estados Unidos são pouquíssimos os casos que vão até a última instância, os que chegam viram filme. Já no Brasil recorrer ao Supremo virou regra”, analisa Aras. O especialista em Direito Público Washington Barbosa ressalta que o excesso de instâncias de julgamento transforma o Supremo em revisor de decisões, desviando-o da sua real função. “Além de sobrecarregar o sistema judiciário, até chegar ao Supremo, um processo pode demorar dez, quinze anos. A Justiça tardia não é uma Justiça justa”, finaliza ele. Em nota técnica, a ANPR avaliou a proposta como oportuna e necessária, pois “imprime maior eficiência à Justiça e valoriza as relevantes funções do Supremo”. A PEC 15/2011, que faz parte do III Pacto Republicano, agora está pronta para entrar na pauta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Henrique Assis
ANA CAROLINA FERREIRA
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Parlamento
MP aumenta a fiscalização das eleições Número de ações cresceu 342% de 2006 a 2010, mas procuradores ainda aguardam mudanças na legislação ÉRICA ABE E RENATA CHAMARELLI
A
Agência Brasil - ABr
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fiscalização das eleições é uma exigência cada vez maior da sociedade brasileira e o Ministério Público (MP) tem exercido papel fundamental no processo de escolha dos representantes do povo. De 2006 para
que precisam ser feitas na legislação que rege as eleições para garantir uma fiscalização ainda maior. Em junho de 2010, o Senado Federal criou a Comissão da Reforma do Código Eleitoral – integrada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O colegiado tem o objetivo de
2010, o número de ações que tramitaram na Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) aumentou 342%, atingindo o montante de aproximadamente 20 mil ações. Já as Procuradorias Regionais Eleitorais enviaram mais de 10 mil representações à Justiça contra doadores que ultrapassaram o limite máximo determinado pela legislação. Tudo isso sem contabilizar as ações referentes às demais fases do processo eletivo, como registro de candidaturas, propagandas irregulares, votação, entre outros. Segundo o procurador da República Wellington Bonfim (PR/PI), ter um Ministério Público mais participativo é uma das maneiras de concretizar a incumbência constitucional de defender o regime democrático. “É uma forma de garantir a lisura das eleições e a liberdade da manifestação popular exarada através do voto”. Ainda assim, são inúmeras as mudanças
reunir juristas para elaborar o anteprojeto de lei do novo Código. Somente no Senado, tramitam mais de 15 proposições a esse respeito. Já na Câmara dos Deputados foi instalada, em março deste ano, a Comissão Especial da Reforma Política, que visa a reunir as mais de 300 propostas em tramitação na casa sobre o assunto. Os temas debatidos pelos parlamentares vão desde a adoção do financiamento público de campanha até as mudanças nas datas das eleições e da posse. Internet – A regulamentação do uso da internet nas campanhas eleitorais é uma das grandes preocupações do MP. Segundo a vice-procuradorageral eleitoral, Sandra Cureau, nas eleições de 2010 – a primeira em que a propaganda na rede mundial de computadores foi liberada -, ocorreram inúmeros problemas. “Qualquer um podia criar um blog e falar o que bem entendesse. Houve ofensas a candidatos e também ao trabalho do MP. Precisamos criar um mecanismo para identificar quem está por trás das informações publicadas na internet”, explica. Outro ponto que deve ser aprimorado, na opinião de Cureau, é a legislação sobre as doações de campanha. “Ela é deficiente e muitas vezes acaba contribuindo para inviabilizar a atuação do MP. Isso desequilibra a eleição, pois o candidato que tem mais dinheiro é favorecido”, destaca.
Parlamento
Algemas: entre o excesso e a negligência ÉRICA ABE
O
uso de algemas se tornou polêmico após 2008, quando o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 11 tornando-o ilícito, exceto – e nesse caso justificado por escrito – quando houver resistência, receio de fuga ou de perigo à integridade física. No ano seguinte, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou à Corte um parecer contrário à súmula, em resposta a um questionamento da Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol). O assunto volta à tona agora com o Projeto de Lei 185/04, que está na pauta de votações do Plenário do Senado Federal. Para falar sobre o assunto, A República traz o procurador regional da República Douglas Fischer (PRR4) que comenta os limites do uso das algemas. Mestre em Instituições de Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ele também é professor de Direito Penal e Direito Processual Penal. A Súmula Vinculante nº 11/08 prevê a anulação de prisões feitas sem a devida justificação do uso das algemas. Como o senhor avalia essa questão? Considero equivocado o entendimento de que o uso das al-
gemas de modo indevido redundará na ilegalidade da prisão. O que pode haver é a responsabilização dos agentes públicos pela má execução da condução do preso. O senhor diria que a súmula é redundante ao prever sanções por abuso de autoridade para o agente que extrapolar a utilização das algemas? Neste ponto, efetivamente sim, pois não é necessária uma súmula vinculante para dizer o que é abuso de autoridade. Aliás, com ou sem súmula, a responsabilização administrativa, civil ou até criminal de agentes públicos que eventualmente extrapolem os limites legais nunca esteve afastada. A responsabilização decorre de lei (stricto sensu). Há necessidade de lei para regular especificamente o uso de algemas ou essa questão faz parte da discricionariedade policial? Discricionariedade propriamente não, pois não se trata de “uso quando eu quiser”. Tratamos, no caso, de uma discricionariedade regrada, ou seja, as algemas só podem ser utilizadas quando estritamente necessárias. O grande problema que originou toda a discussão foi a ocorrência de algumas prisões, chamadas por alguns juristas de espetaculosas, em que se poderia discutir a necessidade do
uso das algemas. E insisto: em alguns casos parecia que as algemas eram realmente desnecessárias. Mas não podemos esquecer que elas são usadas apenas para evitar fugas ou mesmo para proteção dos agentes públicos que efetuaram a prisão. Muitos casos já foram relatados em que, sem as algemas, os presos cometeram atos contra sua própria integridade física. Há um caso específico em que um réu se jogou pela janela de um fórum numa cidade interiorana no Brasil. Pergunta-se, então, de quem é a responsabilidade por esta omissão. Não seria também do Estado, que não adotou as devidas cautelas para evitar todo o incidente? De acordo com o projeto de lei do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), fica proibido o uso de algemas como forma de castigo ou sanção disciplinar. Na sua opinião, a proposta é suficiente para regulamentar a questão? Respondo iniciando por outra pergunta: para que este projeto de lei? Precisa de lei para dizer o óbvio? É evidente que o uso de algemas como “castigo” ou “sanção disciplinar” caracteriza abuso e pode ensejar responsabilização de quem determinou a medida. No Brasil acha-se que tudo se resolve pela criação de leis. Respeitosamente, divirjo do nobre senador.
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Entrevista
Divulgação
Obra abstrata O procurador da República Felício Pontes Jr. (PR/PA) explica como a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Norte do país, está longe dos parâmetros de clareza e exatidão requeridos pelas obras públicas ÉRICA ABE
À
s vésperas de iniciar a obra mais polêmica do Brasil - a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará - o governo federal ainda não conseguiu mensurar os impactos da construção. A cidade de Altamira, uma das mais afetadas, terá parte de seus bairros inundados, mas ainda não se sabe quantas pessoas deixarão suas casas para dar lugar à hidrelétrica e nem para onde serão realocadas. E pior, as estimativas de custo das obras, que devem durar até 2019, oscilam entre R$ 10,4 bilhões e R$ 31,2 bilhões. Em junho, o Ibama concedeu a licença de instalação sem que 40% das condicionantes fossem cumpridas. Além da concessão da licença, o governo federal lançou um pacote de ações para o desenvolvimento sustentável da região do Xingu, que prevê R$ 3,2 bilhões em ações de compensação e mitigação. De acordo com o governo federal, a expectativa é de que a motorização to-
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tal da usina ocorra em 2019, com a geração de cerca de 11,2 mil MW. Desde 2001, o procurador da República Felício Pontes Jr. está à frente da causa. Há 14 anos no Ministério Público Federal, ele conta com amplo currículo nas esferas cível e criminal. Já atuou em causas significativas como a instalação irregular, em Santarém (PA), de terminal graneleiro da Cargill - uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro - e no acordo com a Caixa Econômica Federal que pôs fim aos dramáticos despejos de mutuários na capital paraense. Em entrevista concedida à revista A República, o mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) explica como os grupos interessados têm usado a falta de informações como estratégia para abafar as críticas ao projeto de Belo Monte e como a violência no campo está intimamente relacionada à construção da usina no Pará.
não foram cumpridas pelo empreendedor. Mais É possível mensurar os prejuízos que serão grave: o relatório aponta que o empreendedor causados pela construção da Usina Hidreléinformou várias obras para saúde e educação trica de Belo Monte? Se sim, qual é o tamaque a vistoria do Ibama constatou simplesmente nho desse impacto? não existirem. A cidade de Altamira terá parte Apesar da precariedade ou até mesmo da de seus bairros inundados, entretanto, não há inexistência de estudos dos empreendedores e estudo conclusivo sobre do governo acerca dos imo impacto. Não se sabe a pactos da obra e, portanto, quantidade exata de pesda sua difícil mensuração, A licença de instalação soas a serem removidas, estudos realizados pelo foi concedida sem nem está claro para onde Painel de Especialistas e que 40% das ações de serão realocadas. Além pela Universidade Estadisso, o governo federal dual de Campinas (Uniredução de impactos estima que 100 mil pessocamp-SP) mostram que fossem feitas. as migrem para a região há um sério risco de que e 32 mil permaneçam lá os prejuízos econômicos, após as obras, mas serão necessários apenas 3,5 sociais e ambientais sejam gigantescos. (Veja o mil funcionários para operar a usina. Restarão Saiba Mais ao final da entrevista.) As análises dos especialistas mostram que os estudos oficiais do projeto supervalorizaram os números sobre o volume real das águas do Rio Xingu. Isso porque os dados utilizados pelo governo para calcular o volume real das águas só foram atingidos em dez dos 35 anos analisados. A seca vai atingir populações indígenas e ribeirinhas, que dependem diretamente do Xingu para sobreviver. Além disso, conforme apontou o relatório de análise de riscos feito por especialistas e intitulado “Megaprojeto, Megarriscos” (veja o Saiba Mais ao final da entrevista), Belo Monte também tem elevados riscos associados a incertezas sobre a estrutura de custos de construção do empreendimento, referentes a fatores geológicos e topológicos, de engenharia e de instabilidade em valores de mercado. Tem também elevados riscos financeiros relacionados à capacidade de geração de energia elétrica, que é muito inferior à capacidade instalada, e riscos associados à capacidade do empreendedor de atender obrigações legais de investir em ações de mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais do empreendimento. Para completar: a licença de instalação foi
milhares de desempregados, abandonados nas periferias das cidades.
concedida sem que 40% das ações de redução de impactos fossem feitas. Isso porque um parecer do próprio Ibama demonstrou que as condicionantes de saúde, educação, saneamento, levantamentos das famílias atingidas e navegabilidade
Como o senhor avalia a resposta da Justiça em relação às onze ações civis impetradas pelo Ministério Público nesta causa? Apenas uma foi julgada em última instância. Se não houver celeridade no julgamento das
Como o senhor avalia o pacote do governo de R$ 3,2 bilhões em ações para o desenvolvimento sustentável da região do Xingu? Quais mudanças ele pode trazer? Essas ações de compensação e mitigação dos impactos são as ações já previstas, não há novidades. Esse pacote teria que já estar implementado e justamente pela falta dele é que o MPF teve que recorrer à Justiça pela 11ª vez, para cobrar que a legislação seja respeitada, que medidas condicionantes sejam atendidas antes de qualquer tipo de licença para o início das obras. Não adianta lançar um pacote hoje prevendo saneamento ambiental só para 2014, por exemplo. As obras já foram liberadas, as cidades já há muito tempo estão recebendo um fluxo imenso de migrantes, a população não pode esperar três, quatro anos para ter acesso à saúde, à educação, à segurança, ao saneamento básico. Ao não cumprir suas próprias exigências para Belo Monte, o Ibama atingiu o limite da irresponsabilidade.
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Dida Sampaio/AE
Volta Grande do Rio Xingu
demais, corremos o risco de termos uma posição do Poder Judiciário quando os prejuízos já forem irreparáveis, irreversíveis. Setores da sociedade civil se manifestaram tanto a favor como contra a usina. Qual a sua avaliação desta participação, do ponto de vista da democracia? Infelizmente essa participação vem sendo cerceada. Apesar dos impactos de Belo Monte atingirem uma região vastíssima, foram marcadas audiências apenas em três dos municípios atingidos. Também houve audiência em Belém (PA), mas o local foi mudado às vésperas do evento e não abrigou nem metade do público. O MPF e o MP Estadual do Pará pediram à Justiça que audiências sejam realizadas pelo menos nos 11 municípios afetados. Além disso, ao contrário do que determina a Constituição, os povos indígenas afetados não foram ouvidos. O caso Belo Monte é tão absur-
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do, faltam tantas informações e oportunidades para a participação da sociedade nessa discussão que, em um acordo entre a Eletrobras e as empreiteiras que se propuseram a fazer os estudos de impactos ambientais, havia até cláusula de confidencialidade. Ou seja, o resultado dos estudos não poderia ser divulgado até a expedição da Licença Prévia, apesar de ser um acordo público e de tratar do meio ambiente, assunto para o qual a publicidade é um dogma. Desde 2001, os custos da UHE Belo Monte variaram de R$ 10,4 bilhões a R$ 31,2 bilhões. Em sua opinião, o que isso demonstra sobre o projeto? É o “achismo” próprio da forma como todo o projeto Belo Monte vem sendo tocado. Não há certezas sobre nada, os números mudam a toda hora, o tamanho do lago a ser criado cresce 30% do dia para a noite, às vésperas do leilão da obra. É um misto de desrespeito à legislação com des-
respeito aos cofres públicos, já que a maior parte desses custos será paga por todos nós, por meio do BNDES. E observe que nesse último valor anunciado, de R$ 31,2 bilhões, não estão previstos o valor do desmatamento, que pode atingir 5,3 mil quilômetros quadrados de floresta, o valor de 100 quilômetros de leito do Rio Xingu que praticamente ficará seco, a indenização a povos indígenas e ribeirinhos localizados nesse trecho, todos os bairros de Altamira que estão abaixo da cota cem e, portanto, serão inundados. Isso tudo, só para mostrar alguns exemplos.
que garantiam a vida das populações locais. É o modelo que gera o trabalho escravo, o desmatamento ilegal, os crimes no campo. Belo Monte é mais um motor nessa engrenagem de morte. Há pouco mais de seis anos, a missionária Dorothy Stang foi assassinada por ser contra Belo Monte. Desde então, o que mudou neste cenário? Nada, infelizmente. Os crimes no campo continuam. No primeiro semestre de 2011, tivemos uma nova “onda” de assassinatos de lideranças do campo na Amazônia que lutavam justamente pelo que Dorothy defendeu: a vida acima de tudo, a valorização de um modo de viver e produzir típico das comunidades tradicionais da Amazônia, dos índios, dos quilombolas, em que a natureza e o homem convivem harmoni-
Conheça alguns dos estudos utilizados pelo MPF para ajuizar as ações contra Belo Monte: - Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Painel de Especialistas organizado por Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos, doutora em antropologia e sociologia pela Universidade Federal do Pará e Université de Paris 13, e por Francisco del Moral Hernandez, doutorando em Energia pela Universidade de São Paulo. http://www.xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2010/10/Belo_Monte_Painel_especialistas_EIA.pdf. - Tenotã-Mõ - Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no Rio Xingu Organização: Oswaldo Sevá Filho, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/tenotamo.pdf
Saiba mais
Qual é a relação entre a construção da UHE de Belo Monte e os casos de violência no campo no Pará? Como um novo empreendimento como este pode impactar – positiva ou negativamente – nesse cenário? camente. O mais interessante é que esse modelo A violência no campo paraense está diretavem provando ser economicamente mais forte mente ligada à violação dos direitos das comue viável do que o modelo nidades tradicionais, que imposto pelo governo fedesde sempre viveram deral. O projeto da irmã sob a ótica da sustentaDorothy está com as áreas Esse modelo de bilidade. Esse modelo de reflorestadas com o culdesenvolvimento, do qual desenvolvimento, do tivo de espécies nativas Belo Monte é um símbolo, qual Belo Monte é um em sistema agroflorestal. é um modelo predatório, símbolo, é um modelo É visível a melhoria ecoem que vale a “lei do mais predatório, em que vale nômica das famílias e a forte”, em que um grupo região se tornou, desde o a “lei do mais forte” de maior poder econômiano passado, a primeira co explora a natureza sem produtora de cacau do Brasil, sem falar no açaí preocupar-se com as gerações futuras, em que e no cupuaçu. Enfim, lá está a prova do que é o um pequeno grupo de pessoas apropria-se da verdadeiro desenvolvimento da Amazônia. terra e de todos os recursos naturais e culturais
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Integração
Poder público vai à praça Projeto da Procuradoria da República de São Paulo, o Mutirão da Cidadania já prestou mais de 60 mil atendimentos à população SHIRLEY DE MEDEIROS
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dealizado pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias, o Mutirão da Cidadania nasceu em 2009, na cidade de Marília (SP). O objetivo inicial era promover uma ação que levasse os serviços prestados por instituições públicas às ruas, facilitando o acesso do cidadão. Desde então, o projeto, que está em sua 16ª edição, não para de crescer e hoje conta com a participação de organizações civis e privadas. Já são mais de 60 mil atendimentos prestados à população. “É uma oportunidade para o cidadão expor suas necessidades e ser orientado sobre como agir. Ele sai do local com a solução do seu problema, no mínimo, direcionada”, declara Dias. Durante os mutirões, a população pode fazer denúncias a órgãos competentes, conciliações, tirar documentos e fotos, receber assisCidadãos têm acesso direto a procuradores e órgãos públicos
tência jurídica e tratamentos de saúde, além de participar de cursos profissionalizantes e eventos artísticos. O membro do MPF esclarece que “a finalidade não é ser assistencialista, mas sim emancipar o cidadão, contribuindo para que ele conheça seus direitos e, após o atendimento emergencial, continue exercendo sua cidadania”. Além do centro de São Paulo, o projeto já percorreu as cidades de Garça, Pompéia, Bauru e Ribeirão Preto. Perto da população, o Ministério Público conhece suas necessidades e fica por dentro de situações inusitadas. “Uma vez recebi a reclamação de um morador de rua que queria abrir uma conta-poupança no banco e não conseguia por não ter residência fixa. Porém, conta-corrente ele podia abrir”, conta Dias, enfatizando que dificilmente uma informação dessas chegaria ao seu gabinete. Parcerias de sucesso - Outro ponto importante do projeto é a mobilização de setores da própria sociedade. “Depois dos mutirões, as ações continuam nos locais”, orgulha-se Dias. A Rede Social do Centro é um exemplo disso. A instituição foi criada após a articulação feita entre a Procuradoria da República de SP e entidades sociais, empresários, comerciantes e voluntários dos bairros do centro da cidade para a organização do primeiro mutirão na região.
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“A finalidade não é ser assistencialista, mas sim emancipar o cidadão, contribuindo para que ele conheça seus direitos”
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Procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias
Ascom PR/SP
A partir daí, a Rede passou a ser uma parceira constante do MP em seus projetos e a realizar atividades voltadas para o desenvolvimento local. O pastor Daniel Checchio, um dos articuladores da entidade, considera que o Mutirão da Cidadania quebra as barreiras de acesso da população às pessoas que têm poder de decisão quando leva para a praça pública representantes das três esferas de governo. “Ver um procurador da República atendendo um cidadão na rua é um avanço para a democracia”, avalia Checchio. Novos rumos – Em junho deste ano, Dias apresentou o projeto do mutirão durante o III Seminário Internacional “A Garantia dos Direitos Humanos nas Metrópoles”, ocorrido em Buenos Aires, na Argentina. O evento é organizado pela Defensoría Del Pueblo – instituição local que de-
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sempenha papel semelhante à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão no Brasil. “O objetivo agora é criar um modelo padrão para o projeto, inclusive com base teórica, para depois exportar a ideia”, declara Dias. O primeiro passo será instituir um Grupo de Trabalho na Procuradoria dos Direitos do Cidadão em São Paulo composto por procuradores, servidores, terceirizados e voluntários, com a finalidade de desenvolver a proposta.
Mutirões já foram realizados em seis cidades brasileiras
Procurador regional dos Direitos do Cidadão Jefferson Aparecido Dias
Pastor Daniel Checchio
No dia 18 de junho, a cidade de Ribeirão Preto (SP) fez seu primeiro Mutirão da Cidadania. O evento ocorreu na Praça XV de Novembro e funcionou entre 9h e 16h, prestando mais de 16 mil atendimentos. “Esse número superou nossas expectativas. Mas, o importante foi que conseguimos prestar um serviço de qualidade à população”, conta o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, responsável por levar o mutirão ao município. Para organizar o evento, a Procuradoria da República local contou com o apoio de parceiros importantes, como a Prefeitura Municipal, a organização não-governamental Voluntários do Sertão, o Serviço Social da Indústria (Sesi) e a Catedral Metropolitana São Sebastião. “Com a experiência adquirida e a proximidade das organizações civis, pretendemos realizar eventos maiores que esse”, ressalta Mendonça, antecipando que a segunda edição do mutirão Procurador da República Andrey Borges de Mendonça já está prevista para o ano que vem.
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Ribeirão Preto faz seu primeiro mutirão
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Mobilização
Esse Brasil, nunca mais ANA CAROLINA FERREIRA
Origem dos documentos
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inha esperança é que a memória desse passado contribua para que esse Brasil, nunca mais.” Foi assim que Anivaldo Padilha, líder evangélico torturado durante a ditadura militar, encerrou seu depoimento durante o ato público Brasil: Nunca Mais Digit@l. O evento, que ocorreu na Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3), em 14 de junho, deu início à repatriação de cópias e microfilmes de processos do regime militar guardados no exterior. Os documentos fazem parte do acervo Brasil: Nunca mais, projeto desenvolvido durante a ditadura, que buscava informações e evidências de violações aos direitos humanos praticadas por agentes do Estado. Durante a cerimônia, Anivaldo Padilha falou emocionado sobre os vinte dias em que foi “interrogado” nos porões do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), em São Paulo. Preso durante o regime militar sob a alegação de subversão da ordem e infiltração comunista na Igreja Metodista, Padilha foi torturado com choques elétricos, surras e ameaças contra sua família. Hoje, ele luta para que esse passado não seja esquecido. “Não basta apenas divulgar essas informações. É preciso mostrar que a sociedade brasileira não aceita tortura. Pois se os torturadores do Estado Novo tivessem sido punidos, talvez não teria existido uma segunda ditadura nesse país”, analisa ele.
O projeto de repatriação e digitalização desse acervo histório é uma parceria entre o Ministério Público Federal de São Paulo, o Armazém Memória e o Arquivo Público de São Paulo. Em 2005, vinte anos após o fim da ditadura, Marcelo Zelic - coordenador do Armazém Memória e vice-presidente do Projeto Tortura Nunca Mais - iniciou uma busca pelos processos de presos políticos do regime militar para disponibilizá-los na internet. “É importante deixar a história desse país disponível para consulta de todos e das próximas gerações, garantindo o acesso à verdade”, afirma ele. Foram sete anos desde a data do evento, quando o Conselho Mundial de Igrejas e o Center for Research Libraries entregaram os documentos e microfilmes às autoridades brasileiras para repatriação. O acervo será restaurado, digitalizado e ficará disponível no site: www.prr3. mpf.gov.br/bnmdigital. Para a procuradora da República Eugênia Gonzaga (PR/SP), a repatriação desse acervo é um sinal do fortalecimento da democracia brasileira. “Esses documentos foram para o exterior porque não havia segurança para mantê-los aqui. Nossa participação no projeto demonstra que o Ministério Público está atento às suas funções institucionais na defesa do direito à verdade e à memória”, enfatiza. Gonzaga é uma das coordenadoras da ação e durante anos conduziu procedimentos relacionados à localização de restos mortais de desaparecidos políticos.
Mantida na Suíça e nos Estados Unidos, a documentação repatriada é resultado da iniciativa conjunta da advogada Eny Raymundo Moreira e da equipe do escritório de advocacia Sobral Pinto. “Eu era assistente do doutor Sobral Pinto quando ele me contou que diversos processos do Estado Novo haviam desaparecido do Tribunal de Segurança Nacional (TSN). A partir daí, me surgiu o desejo de resguardar as informações sobre a ditadura que estávamos vivendo”, conta Eny.
Com apoio do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e do Comitê Brasileiro pela Anistia, em seis anos o grupo copiou e microfilmou clandestinamente 707 processos judiciais de presos políticos. As cópias foram enviadas para a sede do Conselho, em Genebra, e os microfilmes para o Center for Research Libraries, em Chicago. Mais tarde, esses documentos dariam origem ao livro Brasil: Nunca Mais, de autoria de Dom Paulo Evaristo Arns e do reverendo Jaime Wright.
ANPR recomenda
Autor: Subprocurador-geral da República (aposentado) Vicente de Paulo Saraiva Editora: Consulex Livro: Estratégias de Português Sinopse: Na opinião do autor, uma das vantagens em dominar a língua portuguesa é aumentar nosso poder de nos fazer entender e convencer, usando, por exemplo, o termo certo no local correto. Com essa intenção, o livro analisa mais de 800 verbetes, comparando as ortografias de 1943 e de 2009, ambas vigentes até 2012, além de citar textos dos grandes mestres da língua portuguesa. Na publicação, o leitor também tem acesso a dicas sobre temas como regência nominal e verbal, pontuação, uso correto do hífen e da crase, conjugação verbal e colocação de pronomes. Perfil do autor: O subprocurador-geral da República Vicente de Paulo Saraiva ingressou no Ministério Público Federal no primeiro concurso realizado pela instituição, permanecendo no cargo por 18 anos. Professor licenciado em Filosofia e Letras Neolatinas, além do livro Estratégias de Português, lançado em 2010, Saraiva tem outras três obras publicadas: Expressões Latinas Jurídicas e Forenses, A Técnica da Redação Jurídica ou A Arte de Convencer e Questões Práticas de Português.
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Autor: Procurador da República Roberto Moreira de Almeida (PR/PB) Editora: Método Livro: Direito Penal para concursos e OAB A publicação reúne, de forma simples e objetiva, o conhecimento necessário para uma eficiente revisão do programa de Direito Penal (Parte Geral) facilitando o entendimento da sistemática do tema. O autor procura explicitar as principais e mais recentes teorias penais expondo, ao longo da obra, as diversas posições doutrinárias acerca dos institutos jurídico-criminais e como os tribunais superiores brasileiros (em destaque o STF e o STJ) têm se posicionado. O livro traz, ainda, textos em matéria penal (ou correlata) escritos por autoridades e estudiosos consagrados, além de questões extraídas de concursos públicos e exames da OAB. Livro: Teoria Geral do Processo Civil, Penal e Trabalhista O objetivo da obra é orientar estudantes e demais operadores do direito sobre o conteúdo geral da disciplina introdutória aos processos civil, penal e trabalhista, partindo da experiência do autor sobre o tema. Além da teoria, o livro oferece também questões de exames e concursos públicos, algumas comentadas. Perfil do autor: Natural do Ceará, o procurador da República Roberto Moreira de Almeida está lotado na PR/ PB há 14 anos. Almeida é professor em cursos de graduação e pós-graduação, sendo especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito Público e doutor em Ciências Jurídicas. Como presidente da Comissão de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, atuou na investigação do caso Hidelbrando Pascoal, deputado federal acusado de chefiar o crime organizado no Acre. Atualmente, o procurador da República representa o MPF no Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC).
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Nossos escritores
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Artigo Infiltração de agentes policiais na internet: boas intenções não bastam
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Rogério Soares do Nascimento*
stá em debate no Congresso Nacional uma proposta que permite a infiltração de agentes da polícia na internet para investigar crime de pedofilia. O projeto (PL 1404/11) já foi aprovado pelo Senado Federal e aguarda a apreciação dos deputados para modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo o texto, a providência é subsidiária e depende de autorização judicial fundamentada, que estabelece os limites para a obtenção de prova. Além disso, o pedido deve justificar a necessidade da medida, bem como trazer informações sobre quem será investigado, seja o nome ou o apelido usado na rede. O ponto central da proposta está na inserção do artigo 190-C ao ECA, segundo o qual “não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos nos artigos 240, 241, 241-A, B, C e D dessa lei e nos artigos 217-A, 218, 218 A e B do Código Penal”. Com isso, a proposição equipara duas formas distintas de atuação policial: a ação encoberta e a infiltração. A infiltração policial reclama tratamento em lei quando se deseja excluir dos tipos penais a eventual
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conduta praticada pelo infiltrado, para a necessária proteção desse agente policial que põe sua integridade em risco e se aproxima da rede criminosa. Isso desde que o infiltrado se mantenha no estrito limite do que for indispensável à investigação prévia e judicialmente autorizada; e também que haja, de um lado, uma relação de proporcionalidade entre o interesse na persecução e, de outro, a exposição a riscos ou o dano ao bem jurídico lesado na conduta excluída da proibição penal. Existe, porém, um meio termo entre a infiltração e a atuação transparente: a ação encoberta, voltada para o combate à chaga da pedofilia no ambiente virtual. Nela, há simples ocultação do fato daquele usuário ser do Ministério Público ou da polícia. Esta ocultação se dá, em geral, simplesmente pelo uso de sub-redes separadas das redes institucionais e configuradas para parecerem privadas aos olhos de um criminoso cibernético, e de IPs que não os vinculem ao poder público. O fato de o agente policial se proteger ocultando sua condição quando investiga, seja numa corriqueira vigilância presencial, seja em uma vigilância em ambiente virtual, já estará excluído da ilicitude pela cláusula geral de justificação do exercício regular do direito. Nestes casos há, portanto, o que chamei aqui de ação encoberta, pois não há adesão a práticas crimi-
nosas atribuíveis a terceiros (como na infiltração), nem outra conduta que não seja simplesmente a de deixar de revelar a sua condição de agente público e o seu propósito de colher dados que possam vir a ser usados na persecução penal. Por isso, fazer uso do conceito de “infiltração policial” talvez não seja a melhor forma de lidar com esse tema delicado da investigação prévia de crimes praticados com sofisticação como aqueles contra a liberdade sexual de criança ou adolescente, seja pela maior complexidade da estrutura organizacional da “empresa” criminosa, seja pelo emprego de meios tecnológicos que favorecem o cometimento e dificultam a apuração do ilícito. Assim, devemos ter cuidado, pois essa proposta pode ser interpretada como excludente da ação encoberta, o que seria péssimo. Boas intenções não bastam. O problema do controle do exercício do poder de investigação do estado se resolve, de um modo satisfatório, na ação encoberta, pela reserva de controle judicial prévio para a adoção de medidas restritivas de direitos individuais. Não há necessidade de uma regra nova e específica que, como é inevitável, jamais dará conta de toda a gama de possibilidades práticas e, sendo assim, pode lançar grande perplexidade sobre o que fazer nas situações não previstas. *Procurador regional da República - PRR2
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