XXVII Continuando a série de entrevistas com nossos colaboradores, Aline Zouvi conversou com Denis Mello (que assina a capa desta edição). Também conversamos com Vitor e Lu Cafaggi, e Ricardo Tokumoto. Só gente boa. Também descobrimos quem é o leitor feliz da última edição: trata-se do Bruno Ito, que fez as músicas do “Achados e Perdidos” e é co-autor do livro. Martins de Castro Monalisa Marques Editores Aline Zouvi Colaboradora www.monotipia.com www.facebook.com/monotipia @monotipia Receba nosso informativo http://eepurl.com/um3j5
AndrĂŠ Lasak
Cefaleia O OCO Acorda na penumbra Da hora torta Retorce a 45° Derrete o vidro Incha por um canudo O conteúdo de ar comprimido Comprime o encéfalo Dilacera cerebedeliberadamente... O cérebro explode em pequenas partes Estoura os tímpanos Atormenta o intermitente Pesadelosamente espreme A massa cinzenta Até se tornar uma cólera sangrenta Até destruir com o corpo todo Até massacrar o elemento dor Até o Cefaléico Desfalecimento...
URGE O TEMPO O TEMPO URGE TEMENTE ENQUANTO PASSA RÁPIDA MENTE NA FRENTE DO RELÓGIO O TEMPO MENTE CAPTO DES MENTE DES CONSTRÓI O TEMPO DES TEMPERA QUALQUER COMPROMISSO O TEMPO DES PREPARA O TEMPO PERDIDO O TEMPO PASSA DISTRAÍDO ENQUANTO A VIDA MORRE A CADA SEGUNDO O TEMPO GARGALHA DO NOVO MAL DO MUNDO
Lu Cafaggi
Monotipia: Por que quadrinhos? Lu Cafaggi: Descobri que as histórias em quadrinhos me ajudam a me comunicar de um jeito mais honesto. Não é que eu não seja honesta escrevendo ou conversando, mas eu tô inteira é nos quadrinhos que faço. MT: Fale sobre sua formação, enquanto ilustradora e quadrinhista. LC: Não tenho uma formação, não. Fui aprendendo ainda criança, porque gostava muito de desenhar e inventar histórias. Era assim que eu brincava, desenhando qualquer coisa (eu desenhava uns coelhos com uns sovacos muito loucos). Não desenhava com o objetivo de desenvolver meu traço, mas sim por diversão. E meu irmão, Vitor Cafaggi, foi meu professor desde essa época dos coelhos. Ele que me ensinou a prestar atenção nas coisas que eu via antes de passar para o papel. Depois, na adolescência, me veio a pretensão de me tornar a melhor desenhista do universo, então eu comecei a “praticar” e a estudar o desenho dos outros. Mas isso acabou me dando preguiça para desenhar por alguns anos, e só quando acabei deixando de lado a pretensão de ser “a melhor desenhista do universo” (porque descobri que só prestar atenção nas coisas e inventar um bilhão de jeitos diferentes de passar essa percepção para um pedaço de papel já é divertido o bastante) é que fui voltando a desenhar com mais frequência e com objetivos mais certos. MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? LC: Ah, um tanto... Há um tempo atrás eu fiz uma longa lista de todos os ilustradores, pintores e autores desse mundo que eu gostaria de “ser” por motivos variados... Alguns pela beleza
do traço, outros pelo profissionalismo e consistência da produção. Tinha a Jen Wang, o Cyril Pedrosa, a Maly Siri, a Ericka Lugo, o Tyrus Wong... E mais uns vinte nomes. Na vida, tenho como referência meu irmão, Vitor, e o meu namorado, Eduardo. Se não fosse pelo meu irmão, eu ainda estaria desenhando só aqueles coelhos feios com sovacos. E se não fosse pelo Eduardo eu nunca perceberia o tamanho do poder de comunicação que o quadrinho tem. Mas eu não posso ser nenhuma dessas pessoas, e não quero ser. O mundo já tem um Cyril Pedrosa, não precisa de dois. Estou dizendo essas coisas porque, mesmo que tudo isso pareça muito óbvio, eu vejo muita gente fazendo isso. Muita gente que eu admiro, até, copia outros artistas e acha o desenho lindo quando fica exatamente igual ao do outro. Fazer isso é um roubo, você rouba do mundo a oportunidade de conhecer o que é só seu e que ninguém mais dá conta de fazer igual. Mas, ah!, não vou ficar sendo chata também, né. Eu tô muito chata aqui, querendo parecer a dona da verdade. Se você se diverte copiando os outros, continue fazendo desse jeito. Eu também me divirto muito nesse processo de estudar o desenho do outro e copiar um traço daqui e dali, para ir aprendendo novas soluções. O que eu quero dizer é que só não gosto da ideia de sentir que estou mentindo com meu desenho, e gostaria que os outros não mentissem com os desenhos deles também. MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? LC: Eu gosto de experimentar tudo, mas costumo me sentir mais à vontade
com formatos pequenos. Eu fiz uma coleçãozinha de histórias em quadrinhos chamada ‘Mixtape’, por exemplo, que é toda do tamanho de uma fita cassete. O formato menor, por algum motivo, faz com que eu me sinta mais livre. E gosto de experimentar todos os materias possíveis e imagináveis também. Mas não me dou muito bem com materiais “molhados”. Gosto de pastel seco e lápis de cor, principalmente. E lápis de olho, de maquiagem, que dá um efeito bem legal para finalizar (o problema é só que ele borroca muito). Ando experimentando a aquarela, também. É muito divertido, mas ainda não peguei o jeito e costumo fazer só bagunça e descamar o papel. MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. LC: Ah, é uma dinâmica muito divertida. A diversão está justamente no fato de eu ainda não saber como ela funciona. Meu ponto de partida é sempre uma ideia não muito nítida. (Desculpa, mas agora eu vou fazer uma analogia muito esquisita e ruim, mas foi o melhor que consegui pensar). É como quando você é míope e vê uma coisinha que está muito distante, completamente desfocada, mas, por algum motivo, aquela coisa te chama a atenção no meio de todas as outras. Então é um exercício de coragem muito grande, pra mim, ir caminhando na direção daquela coisa que eu não sei o que é. Eu preciso ter fé em mim, preciso confiar nesse instinto que diz “vá até aquela coisa desconhecida”. E eu não costumo ter muita confiança em mim, mas eu reúno toda a coragem do mundo e vou atrás daquela ideia. Esse “ir atrás” é o processo de construção da ideia, é ir esboçando a coisa aos poucos, decidindo o melhor caminho para chegar até ela, enxergá-la com clareza e saber
transmiti-la depois, com igual clareza. E é um processo caótico, eu não tenho um método definido. Cada história me leva a percorrer um caminho diferente, porque cada ideia é única e eu preciso saber chegar até ela com muito cuidado, no tempo certo, porque as melhores ideias me custam a amadurecer. Tem ideias que te exigem um raciocínio muito lógico para você conseguir amarrá-la e tem outras que te pedem só pra esvaziar a cabeça e deixar seu espírito livre. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? LC: Minha preocupação é comunicar alguma coisa, e para isso eu preciso construir uma narrativa clara e fazer com que o leitor se importe com o que está lendo (aprendi isso com o Scott McCloud, em ‘Desenhando Quadrinhos’). Eu tenho alguma dificuldade para ser clara quando conto uma história. Seja em quadrinhos ou contando pra alguém algo do tipo “nossa, tô lendo um livro muito legal, é sobre isso e isso”, eu sempre me embolo toda pra contar! A ordem das coisas que acontecem em uma história é um verdadeiro caos na minha cabeça. Então acaba que essa é a minha maior preocupação e minha grande dificuldade: Desenvolver a narrativa com clareza. Acho que eu não entendo as coisas todas como histórias lineares, elas me vem como momentos, umas faíscas de ideias que eu procuro reunir, de alguma maneira, e construir uma narrativa que faça um sentido a partir do qual o leitor possa se orientar. MT: Em quais quadrinhos você está trabalhando agora? LC: Meu irmão e eu finalizamos a graphic novel da Turma da Mônica, em
janeiro. O nome dela é “Laços”, será lançada em abril e isso me dá o maior frio na barriga. Mas estou muito feliz com ela, a gente se dedicou muito para contar essa história. Desde que entregamos o álbum pronto, estou me preparando para contar outras histórias. Vou me formar em Jornalismo neste ano e, em meu projeto de conclusão de curso, faço cinco pequenas reportagens em quadrinhos que serão publicadas online. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? LC: Hmm... Nada. Tudo o que faço, atualmente, tem alguma relação com quadrinhos ou comunicação. Eu acredito muito na comunicação de histórias reais como instrumento de transformação coletiva, e minha vida tem sido trabalhar nisso. Trabalhar em meu amadurecimento pessoal e profissional para conseguir compreender a dimensão dessa responsabilidade e poder compartilhar alguma coisa boa com as pessoas a partir do meu trabalho. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? LC: Como tenho estudado bastante para o meu projeto de conclusão de curso, tenho lido tudo o que cai na minha mão e que está relacionado a Jornalismo em
Quadrinhos. Estou lendo ‘Palestina’, ‘O Fotógrafo’ e ‘O Pintor da Vida Moderna’ ao mesmo tempo. E quinhentos mil livros de teoria. No meio da minha pesquisa toda me veio também a vontade de, finalmente, conhecer os livros todos do Gabriel García Márquez, então peguei ‘Crônica de Uma Morte Anunciada’ na biblioteca para ler também. Estou também tentando ler, aos pouquinhos, o ‘Portugal’, do Cyril Pedrosa, que é a coisa mais bonita desse mundo, mas eu não entendo francês, daí o Eduardo me ajuda a ler e eu acabo aprendendo muito no processo. E ‘A Pior Banda do Mundo’, que é um quadrinho muito engraçado, que o Eduardo me apresentou. Antes disso tudo, eu estava muito empenhada em ler aquela trilogia ‘Millenium’. Li o primeiro e o segundo livros num instante, estava completamente maluca pela Lisbeth Salander! Mas minhas aulas na faculdade recomeçaram assim que ganhei o terceiro livro e não consegui ainda um espacinho de tempo para retomar a leitura dele no meio de tantas outras leituras.
Vitor C
Cafaggi
Monotipia: Fale sobre sua formação enquanto ilustrador e quadrinhista. Vitor Cafaggi: Como toda criança, eu gostava muito de desenhar. Minha casa sempre esteve cheia de revistas em quadrinhos. Acredito que minha vontade de desenhar tenha vindo daí, das histórias em quadrinhos. Elas sempre chamaram mais a minha atenção do que as ilustrações dos livros. Sempre gostei de desenhar gente, nunca fui de desenhar carros e aviões. Gostava de desenhar os personagens que lia nos quadrinhos. Também fazia versões dos meus super heróis favoritos crianças e criava histórias com personagens que eu inventava. Também desenhava em folhas mais grossas os personagens dos desenhos animados e séries de TV que eu assistia quando criança. Eu coloria esses desenhos, recortava e fazia bonecos com eles. Passei minha infância e adolescência desenhando, sem fazer nenhum curso específico pra isso.
MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? VC: Na grande maioria, meu trabalho é feito com grafite azul em papel branco. Algumas vezes uso caneta nanquim e quando coloro, faço isso digitalmente sobre um rascunho feito com lápis de cor. Gosto de desenhar com caneta esferográfica também. Tô percebendo um padrão agora sobre esses meus materiais de trabalho... Acho que gosto mais dos mais baratinhos mesmo.
Sou formado em Design Gráfico pela UEMG. Essa formação me ajuda na hora de criar uma página, de escolher a composição, as cores e formas.
MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. VC: Tudo começa com a história... O que eu tenho pra contar e o que eu quero ler. E é uma coisa natural encontrar essa história, só tenho que ser sincero e honesto comigo mesmo. Também gosto de trabalhar bem os personagens, conhecê-los muito bem antes mesmo de começar a desenhar.
MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e artistas, você identifica no seu trabalho? VC: Minhas maiores influências vêm dos quadrinhos. Os trabalhos do Bill Watterson e do Charles Schulz são, com certeza, minhas grandes influências. Considero as histórias do Calvin como as melhores coisas já feitas em quadrinhos, e Peanuts é a base de tudo. Mais recentemente, me inspira bastante os trabalhos de Jeff Smith, Bruce Timm, Skottie Young, Sonny Liew, Juanjo Guarnido e Kyle Baker.
Não costumo me preocupar muito com os materiais, acho que o mais importante é a história que você está contando. Acredito que, com o tempo, cada artista vai testando novas ferramentas e vendo quais se encaixam melhor no seu trabalho. Quero muito ter um tempo de folga para aprimorar minha técnicas e experimentar materiais novos. Tem tempo que quero aprender aquarela, por exemplo.
Uma vez que já tenho uma ideia dessa história e dos personagens, os processos de escrever o roteiro e os primeiros estudos dos personagens são feitos ao mesmo tempo. Desenho durante o dia e escrevo à noite. Com o roteiro pronto e os personagens definidos, faço pequenos rascunhos das
páginas da história, estudo cada quadrinho, cada enquadramento. Quando faço tirinhas já salto do momento de ter uma história pra contar, para esse do rascunho. Depois disso, desenho uma versão menor da página, em formato A4. Nela, ainda estudo posições dos personagens e expressões. Depois disso, desenho a página final. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual em suas HQs? VC: Meus quadrinhos sempre começam com uma história que eu quero contar, e meu desenho tem que funcionar para isso. Só isso. Sempre tento manter tudo claro e simples. Não sou muito ousado nas composições, nem na narrativa. Gasto um tempo melhor definindo o enquadramento ideal de cada quadrinho. Acredito que o quadrinista que domina enquadramento, linguagem corporal e expressões já tem 99% do que é necessário pra contar uma historia através dos seus desenhos. Não precisa inventar nem se exibir muito. MT: Em quais quadrinhos você está trabalhando agora? VC: Acabei de terminar ‘Laços’, a primeira graphic novel da Turma da Mônica, junto com minha irmã. Ela será lançada agora em abril. Fora isso, continuo publicando a tirinha do Valente no jornal O Globo. No final do ano vou lançar o terceiro encadernado dele. No segundo semestre devo começar algum novo projeto de quadrinhos, não decidi qual ainda, mas de todo jeito a publicação dele deve ficar para o ano que vem. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? VC: Tenho muita vontade de escrever um livro infantil, ilustrar, fazer tudo. Tenho ideias, inclusive. Quem sabe no ano que vem? Também tenho vontade de fazer quadrinhos pra crianças, desses
de vender em banca. Acredito que, quando uma HQ ou um livro consegue fisgar uma criança, ela vai se interessar por isso pelo resto da vida. MT: Por que quadrinhos? VC: Eu tenho um irmão quatro anos mais velho e ele aprendeu a ler com dois, três anos de idade. Assim, quando eu nasci, já tinha um monte de revistinha na minha casa. A primeira revista em quadrinhos que me marcou foi a Homem Aranha nº 37 da Editora Abril, de 1986, eu acho. Era uma história incrível do Aranha enfrentando o Fanático. Me apaixonei por quadrinhos na hora em que li essa história e já comecei a colecionar. Na verdade, eu já “lia” quadrinhos antes de aprender a ler, mas foi essa revista me fez sentir uma coisa nova, parecia que aquilo tinha sido feito pra mim. E acho que o público está começando a ver isso, está começando a entender que quadrinhos não são feitos só de super heróis, mangás e Turma da Mônica. Tem muita coisa além disso. Basta o leitor procurar, que ele vai encontrar um quadrinho que “foi feito pra ele”. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? VC: Em quadrinhos, leio de tudo um pouco sempre que tenho tempo. Estou com uma pilha enorme para ler. Tem o quarto volume de Blascksad, 20th Century Boys, clássicos do Homem-Aranha e dos X-Men dos anos 80, Mouse Guard, Minha Madrinha Bruxa, Hero Bear and the Kid... Tenho quadrinho pra ler até maio mais ou menos. Quando acabar esses, vou procurar outras coisas.
Ricardo Tokumoto Monotipia: Por que quadrinhos? Ricardo Tokumoto: É a linguagem que me permite expressar melhor minhas idéias numa medida de esforço que encaixa melhor no meu cotidiano. A linguagem de melhor custo benefício para minha realidade.
MT: Fale sobre sua formação, enquanto ilustrador e quadrinhista. RT: Sou formado em Belas Artes, com bacharelado em Cinema de Animação na UFMG. Sempre gostei muito de desenhar e de histórias em quadrinhos, video games, desenhos animados. Sempre li muito também, então minha formação vêm muito da cultura pop em geral. MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? RT: Na área dos grandes pintores, gosto muito dos impressionistas, pós-impressionistas, cubistas. Alguns artistas mais modernos também. Mas acho que as influências mais diretas são de outros quadrinistas como Fábio Zimbres, Adão, Laerte, Angeli, Mutarelli, Gonzalez... Eu adorava ler as tiras da Folha de São Paulo... E o mangá também teve grande participação na minha adolescência. Enfim, minha gama de influências vêm de muitos lugares, inclusive do cinema e da literatura. MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? RT: Pra desenhar eu gosto mesmo de lápis, caneta, tinta acrílica, aquarela. Ultimamente eu tenho feito tudo no digital por questão de praticidade e agilidade, mas quero voltar a trabalhar com materiais mais tradicionais.
MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. RT: Geralmente eu tenho a idéia principal, que eu resumo em uma palavra ou em um diálogo. Depois, na hora de desenhar a tira, eu dou uma lapidada e desenvolvo melhor a idéia. É algo bem simples, faço os esboços, arte final e cor. Nada muito fora do padrão. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas no que concerne à construção de um ritmo visual em suas HQs? RT: Pra mim é muito importante ter a dinâmica certa, isso é mais importante até que o próprio desenho. A leitura tem que ser fluida e o entendimento do que se passa tem que ser o mais claro possível. Acho que o ritmo da tira é mais assim, objetivo. MT: Depois do RyoTiras, o que você tem preparado? RT: Quero fazer HQs mais longas e também HQs infantis. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? RT: Trabalho com ilustração de livros infantis, além de ilustrações editoriais em geral. Também faço alguns desenhos ligados a design instrucional. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? RT: Tenho lido algumas HQs francesas, mangás do Naoki Urasawa (Pluto, Monster, 20th Century Boys), Portugal do Cyril Pedrosa, Quai d’Orsay do Cristopher Blain, Dear Patagonia do Jorge Gonzalez, Forming do Jesse Mollynhan, os fanziens Fábio do Góes e do André Valente. Fora isso, tenho lido Phlilip K Dick, Neil Gaiman... E assistido Parks and Recreation, Adventure Time, Community, The Office, Regular Show e Doctor Who.
Denis Mello
Aline Zouvi: Fale sobre sua formação enquanto ilustrador e quadrinhista. Denis Mello: Minha formação é basicamente autodidata. Curso faculdade (Escola de Belas Artes da UFRJ), mas meu curso é voltado para licenciatura em desenho. Na verdade, é uma pegadinha em que 80% dos alunos que se inscrevem nesse curso caem, pois o desenho abordado é técnico (edificações, máquinas, móveis e geometria em geral). Tive muito pouco de desenho artístico, mas algumas das disciplinas teóricas até foram interessantes. O que me foi precioso na faculdade foi um professor de desenho que me ensinou a importância de sempre ter um sketchbook para desenhar no dia a dia, na rua ou em casa. Portanto, minha formação consiste em ler muito quadrinho, visitar eventos, observar o mercado e as tendências, colher o que há de bom, bater no liquidificador e tomar um copo bem grande todos os dias. Tentar conciliar a rotina fora da prancheta com a disciplina sentado nela, que é a parte mais difícil e mais importante, pois o resultado só melhora com um bom volume de prática.Tem muito de tesão e força de vontade envolvidos na minha formação. AZ: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? DM: Um movimento artístico que tem me influenciado do meio do ano passado para cá é a pop art, tanto a americana quanto a brasileira. Andy Warhol, Claudio Tozzi... Mas são influências recentes que não refletem muito. Em matéria de quadrinhos, o leque se abre muito. Sem dúvidas eu destaco Will
Eisner e Fábio Moon quando o assunto é o traço. Tenho estudado também Gordon Sean Murphy, Rafael Albuquerque, Hugo Pratt e o Tommy Lee Edwards, todos artistas incríveis que me chamam a atenção já há um bom tempo. Nos meus próximos trabalhos deve aparecer bastante dessas novas influências. AZ: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? DM: Certeza! Em formato talvez não, não encontrei um que considero definitivo, mas quanto a materiais eu tenho usado o pincel tem um bom tempo. Namorei um pouco com canetas de bico de pena, quero aperfeiçoar mais à frente, mas já estou acostumado com pincel. Ele me dá bastante agilidade, e tenho conseguido melhorar a precisão a cada dia. Uso um papel liso com gramatura alta que serve bem para todos eles. Queria muito trabalhar as cores com aquarela ou guache, mas na correria não tenho conseguido praticar, então uso o photoshop, mas a parte do desenho em si é toda na prancheta, não abro mão disso. AZ: Conte sobre a dinâmica de produção das suas ilustrações e HQs. DM: Meu processo de produção é mutante, estou sempre descobrindo algo novo que agiliza ou melhora. Fazem duas semanas que estou usando um processo que é arriscado, mas que até agora deu muito certo: Faço as miniaturas das páginas (9x14 cm aproximadamente) onde defino toda a narrativa e parte dos elementos que estarão nas cenas. Escaneio e imprimo em A3 (30x42 cm) num azul bastante claro. Depois disso já não uso mais o lápis, vou direto
no pincel com nanquim, improvisando boa parte do que foi pouco (ou nada) definido naquele esboço inicial. Quem me deu um toque sobre isso foi o monstruoso Danilo Beiruth, mas ele ainda faz o lápis em A4 (21x30), ou seja, mais definido. Quanto às ilustrações, prefiro fazer o tradicional, desenhando e finalizando tudo já no formato grande, e colorindo no computador. Atualmente tenho desenhado pelo menos 4 dias na semana, ficando na prancheta ou no pc a maior parte do dia, tentando conciliar vários projetos que acabei deixando acumular depois de um 2012 muito envolvido com faculdade, estágio e alguns trabalhos freelancers, além de um Janeiro com alguns problemas pessoais. AZ: Quais costumam ser suas preocupações narrativas no que concerne à construção de um ritmo visual em suas HQs? DM: Tirando os pormenores que mudam de um projeto para o outro, meu objetivo principal é sempre tentar colocar nas mãos do leitor uma página que possa ser completamente compreendida somente com a leitura das imagens. Tirando meu primeiro quadrinho (Palestina) onde não lembro se já buscava isso, sempre tive essa preocupação, e sempre que esboço uma página procuro ler muito bem e garantir que o leitor vai entender o que está acontecendo sem o apoio textual. Acabou sendo muito útil, pois muitas das coisas que produzi e venho produzindo, principalmente com a Beladona, são de quadrinhos sem diálogo. Então a narrativa e capacidade de expressar, através do desenho, uma
ação, sentimento ou qualquer outra coisa, precisa estar bastante apurada. AZ: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? DM: No fim do ano passado resolvi começar a produzir pôsteres. Como ainda não tenho personagens marcantes, embora a protagonista de Beladona caminhe para isso), e muito menos uma legião de fãs que vão ficar doidos para comprar qualquer coisa só porque fui eu que desenhei, o objetivo é criar peças artísticas que qualquer pessoa de bom gosto poderia pendurar na parede da sua sala ou do seu quarto e ficar olhando incansavelmente. A produção é toda minha, desde a concepção da idéia, execução artística, impressão, acabamento com verniz... Felizmente tenho vendido bem nos eventos. A longo prazo, caso eu comece a ter relevância no mercado, crie público e consiga estabelecer uma forma de envio sustentável desse material, acho que pode ter um bom retorno. Pra além disso já produzi eventos de quadrinhos na universidade (Terceira e quarta “Semana de Quadrinhos da UFRJ”. N.E.), eventualmente aplico oficinas, já dei aula de desenho de moda em curso técnico, já produzi até uma vaca muito bacana pra Cow Parade... Mas minha cabeça pensa em quadrinhos 90% do tempo. Em estratégias, no futuro, no presente, em melhorar o meu trabalho principalmente. AZ: Por que quadrinhos? DM: Eu nunca parei pra pensar nisso, lendo essa pergunta me sinto até estranho. Eu nunca havia pensado em fazer quadrinhos até terminar o colégio. Onde eu vivia não havia nada de artes. Museus, artistas, nada. Chamo de “Deserto Cultural”. Mas eu sempre li muito,
graças aos meus pais, e me destacava um pouco por isso. Eu pensava em ser arqueólogo (arqueologia misteriosa sempre mexeu muito comigo depois de “Eram os Deuses Astronautas”). Quando terminei a escola e não passei no vestibular, fiquei naquele limbo meio estranho e comecei a desenhar por desenhar. De repente me bateu o insight: Nossa, os caras que desenham esses quadrinhos devem perder muito tempo, logo eles devem ganhar algum dinheiro com isso, no mínimo o suficiente pra sobreviver. Procurei um curso que me ajudou bastante na época (mais com desenho, pois eu ainda estava muitíssimo “cru”, então trabalhei pouco de quadrinho nesse primeiro contato). O professor era o Renato Lima, que tinha acabado de ganhar um par de HQ Mixes com a revista Mosh!. A partir dali percebi que era possível, que só dependia de mim, e que seria foda, porque eu me divertia desenhando e criando. Então nenhuma opção de escolha profissional passou a fazer muito sentido além dessa. Consegui sair do “Deserto” antes de morrer de sede, mas provavelmente foi por pouco. AZ: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? DM: Os 4 últimos livros que comprei foram Diomedes (Lourenço Mutarelli), Habibi (Craig Thompson), Corto Maltese: Mu (Hugo Pratt) e Red Rocket 7 (Mike Allred), todos muito bons. E estou revezando entre dois livros, um pra casa e um pra rua: Desenhando Quadrinhos (Scott Mccloud) que é leitura básica para qualquer interessado em fazer quadrinhos, e Manga: Como o Japão reinventou os quadrinhos (Paul Gravett), que está me ensinando muito mais do que eu esperava aprender. Mas estou doido pra terminá-los e ler uma ficção, tem uma pilha de Isaac Asimov me esperando ali na estante.