A melhor colecção oitocentista de "vistas" de Gaia, da autoria de Cesário Augusto Pinto

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A melhor colecção oitocentista de “vistas” de Gaia, da autoria de Cesário Augusto Pinto

António Adérito Alves Conde 2016

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Introdução A colecção de “vistas” de Vila Nova de Gaia, que ora se apresenta, insere-se no álbum “As margens do Douro – colecção de doze vistas”; foi desenhada por Cesário Augusto Pinto, em 1849, e foi editada na litografia de Joaquim Vitória Vilanova, com sede na Rua do Campo Pequeno, nº 1849, na cidade do Porto. Do álbum referido, oito imagens dizem respeito a paisagens ribeirinhas de Vila Nova de Gaia, no arco espacial que vai da baía de Sampaio, em Canidelo, até Arnelas, na freguesia de Olival. Aqui apresentamos as “Vistas” de Vila Nova de Gaia, naquele que é o melhor, e mais harmonioso e fidedigno conjunto, que conhecemos, de imagens antigas gaienses. Paralelamente tentámos traçar uma pequena biografia do autor, de seu nome Cesário Augusto Pinto de Araújo Cardoso de Mendonça, nascido em Lisboa e falecido em Guimarães. 1. As “vistas” de Vila Nova de Gaia As oito litografias são apresentadas nas cores negro-cinzento-preto ou em cor sépia e são subordinadas a um título escolhido pelo autor ou editor. Algumas das vistas, nomeadamente as designadas por “Gaia”, “Vila Nova” e “Arnelas”, ou mesmo a “Serra do Pilar”, são reproduções visuais cheias do maior realismo, mostrando enormes afinidades com a paisagem actual. As restantes, talvez por se tratar de paisagens menos urbanas, salientam os aspectos naturais ou humanos mais significativos dos lugares que lhe servem de tema. No conjunto contemplam paisagens das freguesias ribeirinhas de Canidelo, Afurada, Santa Marinha, Oliveira do Douro, Avintes e Olival, isto no que refere à margem esquerda do rio Douro, que cabe no âmbito do nosso estudo. A riqueza das imagens merece a sua dissecação, caso a caso, o que faremos de seguida, numa “visita guiada” feita contra a corrente, Douro acima, desde a baía de Sampaio, ali junto à Foz, até Arnelas de Avintes e Olival, aquele portinho tão caraterístico do Rio Douro, lugar que já foi, no passado, marco divisório de uma série de circunscrições administrativas, episcopais e territoriais. 1.1.Sampaio (Casa do Sr. Antero) A vista diz respeito ao lugar de Sampaio, da freguesia de Canidelo, situado na margem esquerda da Ribeira de Santarém que, grosso modo, divide esta freguesia da ex-freguesia da Afurada. Em lugar central é reproduzida, ao natural, a figura da chamada Brévia dos Frades da Serra do Pilar. A construção actual foi levada a efeito, no início da década de 40 do século XIX, pelo seu proprietário Antero Albano da Silveira Pinto, provavelmente aproveitando estruturas da antiga

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brévia. Ao lado do palacete é representada a ermida, de raiz quinhentista, de invocação a S. Paio. O resto da paisagem é preenchido pelo rio Douro, a norte, e por um denso arvoredo que preenche a encosta de S. Paio. Na atualidade conserva-se o palacete da chamada “Brévia” e a capela de S. Paio. A sul o espaço está na sua grande parte urbanizado, há já várias décadas. A norte, no espaço em frente à “Brévia”, foi construída a Marina do Douro.

1.2.Gaia A vista que tem por título “Gaia” diz respeito ao morro ainda hoje designado por Castelo de Gaia, por ser o lugar onde se situava o castelo medieval de Gaia que, segundo Fernão Lopes, foi destruído pelas gentes da cidade do Porto.

Na

actualidade mantêm-se a maior parte das construções, a saber: o Lar Pereira Lima, ao alto que pertence à Misericórdia do Porto, a capela de Nossa Senhora da Bonança (ou do Bom Jesus de Gaia), os armazéns do vinho do Porto, a casa junto às escadas da Rua do Salgado. Na cota baixa, de nascente para poente, ainda existem as paredes e belas janelas dos dois primeiros edifícios e todo o casario ribeirinho do Cais de Gaia que aqui parte com o Cais da Fontinha, bem assim o Oratório e as escadas da Boa Passagem. Era aqui que se situava o pelourinho de Vila Nova de Gaia que foi derrubado e semi-destruído pela cheia de 1909. A poente, na cota média, pode ver-se o edifício da Quinta da Bela Vista onde existia a cerâmica do Vale da Piedade. No rio, no cais da Fontinha, são visíveis diversas embarcações de pequeno porte.

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1.3. Vila Nova A vista que tem por título “Vila Nova” diz respeito à zona clássica do Centro Histórico de Gaia, junto ao chamado Cais de Gaia. À cota baixa, de nascente para poente pode ver-se o casario que rodeia a capela de Nossa Senhora da Piedade da Areia, a qual mantém a mesma configuração. A casa de esquina que serviu até há pouco de Posto de Turismo, ainda não existia, pois foi reconstruída a seguir à cheia de 1909. Segue-se o edifício do Porto Sandeman, construído sob risco do cônsul John Withead e a entrada na Rua Direita, no chamado lugar da Volta. O resto dos edifícios, a poente, mantém praticamente inalterada a sua fisionomia. Não é visível a torre da igreja de Santa Marinha, a qual data do início do século XX. À cota média são visíveis vários armazéns de vinho do Porto e a encosta do lugar da Fervença. À cota alta, com os morros do Choupelo (Pinhal de D. Leonor) e das Devesas, eram ainda lugares de floresta e quintas (da Boavista, da Fonte Santa, das Devesas, do Estado, etc.). Esta zona conheceu mudanças significativas, década e meia mais tarde, com a construção da linha de caminho-deferro que ligou Vila Nova de Gaia a Lisboa e que foi inaugurada, na sua totalidade, em 1864. A chamada zona da Praia, hoje designada de Cais de Gaia, era uma zona de apoio ao cais de embarque, sendo ocupada pelas empresas de Vinho do Porto e pelos estaleiros da construção naval. No local são visíveis “pilhas” de madeira e, no rio Douro, barcaças de transporte de vinho e madeiras e barcos valboeiros com toldos de protecção, destinados ao transporte de passageiros. Curiosamente não é

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visível, à cota média, o chamado Solar do Choupelo, provavelmente encoberto pelos armazéns.

1.4. Serra do Pilar A vista que tem por título “Serra do Pilar” apresenta, em primeiro plano, a “Ponte D. Maria II”, mais conhecida por Ponte Pênsil. Na margem direita, a nascente, é visível o edifício do Seminário, hoje chamado Colégio dos Órfãos, ou mais recentemente por Colégio Salesiano. Na margem esquerda a Ponte Pênsil assentava no sítio do Penedo, hoje miradouro e local que serviu de apoio à balança de pesagem de veículos que ainda se pode ver no local. Desembocava a ponte no lugar então chamado de Guindais (Sul) e Senhor do Além, de onde partia a estrada para Quebrantões. Por esta altura começou a ser construída a Estrada Real (depois Rua General Torres), que seguia para o Sul do País, passando pela Bandeira, Santo Ovídio, etc. A meia altura da encosta da escarpa havia já algumas construções. O acesso à Serra do Pilar, cujo mosteiro figura em lugar altaneiro ainda com os estragos do período da guerra Civil, era feito pela Calçada da Serra a qual ia ligar com a Rua do Pilar. Não existia ainda o edifício que albergou o conhecido “Casino da Ponte” e armazéns contíguos, os quais são posteriores à construção da Ponte D. Luís que lhe forneceu os acessos. Também não existia a atual capela do Senhor do Além, cuja construção data de 1877.

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1.5 Seminário A vista com o título “Seminário” apresenta na margem direita do rio Douro o chamado Seminário, em estado ainda de aparente ruína e os mirantes da Quinta da China. Ao fundo vê-se o pano da muralha fernandina do Porto. Na margem esquerda apresenta, à cota alta, o antigo aqueduto que, vindo do lugar do Agueiro, fornecia de água o mosteiro da Serra do Pilar e o alto do velho monte da Meijoeira, ou de S. Nicolau, onde mais tarde seria construído o Observatório Meteorológico. A cota baixo, temos o pequeno porto de Quebrantões Sul, onde se parece divisar a Casa do Registo, que era um espécie de posto de alfândega, para cobrança de impostos, e o chamado areinho de Oliveira do Douro. Neste são visíveis um pescador, um lavadeira com a trouxa da roupa à cabeça e um carro de bois e boieiro carregando uma pipa. No rio Douro são visíveis alguns barcos, um deles de vela içada. Curioso é o facto de não aparecer retratada a Quinta de S. Salvador, de traçado setecentista. Foi na encosta do Monte de S. Nicolau que, em 1877, foi inaugurada a Ponte D. Maria Pia. Várias indústrias, ligadas à produção de papel e uma fábrica de sulfureto, foram aqui fundadas após a ligação ferroviária. Esta fábrica de sulfureto, a “Fábrica do Pestana”, foi mais tarde vendida à CUF (Companhia União Fabril) e deixou de laborar já na fase final do século passado. Na margem direita foi mais tarde construída uma unidade da fábrica de Loiça de Massarelos, cujas chaminés ainda existem.

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Na actualidade a paisagem contempla também a nova ponte ferroviária de S. João, a Ponte do Infante, mais para poente, alguma urbanização na encosta de Quebrantões e, na margem esquerda, foi construída uma estrada marginal que ocupou terrenos da Quinta da China. O porto de Quebrantões é hoje um lugar de ancoragem de grandes barcos ligados ao turismo. Refira-se que o lugar de Quebrantões foi desde a Antiguidade um lugar de passagem do Rio Douro e aí entroncava a estrada romana que, vinda de Santo Ovídio, passava ao castro de Mafamude. Foi também aqui que, em 11 de Maio de 1809, o exército francês, liderado por Soult, passou o rio Douro em direção ao Porto. 1.6. Perspetiva do Seminário A vista “Perspetiva do Seminário” apresenta-nos, na margem direita a Quinta da China, cuja casa não deixa ver o vizinho palácio do Freixo. Na margem esquerda dá-nos uma perspectiva da zona do Areinho, da Zona do Freixo e do cerro que sobe até à igreja de Santa Eulália de Oliveira do Douro. Em relação à terra gaiense esta é a “vista” menos conseguida realçando, tão-somente, o aspecto natural da paisagem. Este lugar esteve previsto para a construção da primeira ponte ferroviária sobre o Rio Douro tendo ainda sido construído o respetivo túnel na Serra do Pilar. Contudo este projecto foi abandonado e foi preferido, por ser mais curto e menos oneroso, o trajecto do Seminário que levou à construção da Ponte D. Maria Pia. Modernamente, em 1995, foi aí inaugurada a ponte rodoviária do Freixo.

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1.7. A Pedra Salgada A vista sob o título “A Pedra Salgada” apresenta na margem esquerda do Douro o lugar da Pedra Salgada, da freguesia de Oliveira do Douro. Na actualidade foi construída, nesse local, a(s) ponte(s) do Freixo. Nesta vista pode ver-se a quinta da Torre Bela, com os seus mirantes sobre o rio Douro, a qual parte com a quinta da Pedra Salgada. Junto à quinta da Torre Bela está representada uma frondosa

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árvore, a qual se presume ser um freixo que marca, ainda hoje, a toponímia daquele local. Na actualidade esta paisagem da margem esquerda do rio Douro, à excepção da ponte do Freixo, mantém praticamente os mesmos contornos. Refira-se que neste local funcionou, no período do “Cerco do Porto”, uma bateria miguelista que tinha por missão bombardear o reduto liberal da Serra do Pilar, os redutos liberais a norte e os barcos liberais que pontualmente sulcavam o rio Douro, neste curto trajecto, junto à escarpa da Serra do Pilar, para abastecimento da fortaleza da Serra. 1.8. Arnelas A vista designada por “Arnelas” diz respeito a esta povoação ribeirinha da ex-freguesia de Olival e da freguesia de Avintes. A povoação está representada em cascata, atenta a topografia do local e não difere muito da actualidade. À cota alta figura a capela de S. Mateus, o padroeiro da terra. Abaixo segue-se a povoação propriamente dita, com o casario que acompanha as curvas de nível, servido por ruas em escada. A nascente está representada a casa dos Condes da Feira que

foram os senhorios da terra. Na marginal figuram as casas que serviram de armazéns de vinhos da Companhia Velha. A poente está representada a chamada Arnelas de Avintes. No passado as “duas povoações” eram separadas por um pequeno curso de água, hoje praticamente desaparecido, que definia as fronteiras

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entre as freguesias de Olival e a de Avintes. Na parte de Avintes está representada a Quinta do Cadeado (do Sebastião ou do Bento) com capela anexa, de invocação de Nossa Senhora do Bom Sucesso e algum outro casario. Na margem está representado um grande areal. No rio Douro figuram dois barcos rabelos, de vela içada, um descendo o rio, carregado de pipas, e outro subindo. E assim termina a nossa “digressão” pelos lugares ribeirinhos que serviram de cenário às “vistas” que Cesário Augusto Pinto tão bem retratou há mais de século e meio. É tempo agora de conhecer o perfil biográfico do artista, esse homem multifacetado que deixou o seu nome ligado a muitos dos projetos que marcaram a construção do Portugal Contemporâneo, no período que passou à História sob a designação de Fontismo e/ou Regeneração, em que o País iniciou o seu processo de industrialização e de construção de vias de comunicação que lhe permitiram vencer o atraso que nos separava da maior parte dos Estados europeus.

2. Cesário Augusto Pinto – breve biografia 2.1. Cesário, por ele próprio Numa carta escrita nas Caldas das Taipas, datada de 23.12.1867, quando dirigia os trabalhos de construção da estrada de Braga a Guimarães e endereçada ao Presidente da Mesa da Irmandade de S. Torcato, Cesário Pinto referiu, a propósito da sua pessoa: “Eu sou pobre, mas nasci rico, e tive uma educação pouco vulgar, por isso julgo-me com sentimentos muito mais nobres do que aqueles que geralmente se me atribuem; os que me conhecem de há muito, têm-me feito essa justiça”. 2.2. Vida e obra Cesário Augusto Pinto nasceu em Lisboa, na freguesia de Nossa Senhora dos Mártires, em 6 de Agosto de 1825. Seu pai, Manuel Pinto de Araújo Cardoso de Mendonça, era um fidalgo de antiga linhagem, pertencente à Casa de Vale dos Reis que, entretanto, ficara arruinado. Cedo rumou a Bruxelas onde frequentou o Instituto Gaggia-Vermehr e concluiu o seu curso em 1843. Face à insolvência do pai começou cedo a trabalhar, para prover o seu sustento, tendo regido algumas cadeiras, no Instituto onde se formou, de 1843 a

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1845. Em 1846 regressou a Portugal onde desenvolveu o melhor da sua atividade artística na arte do desenho. Em 1849, no Porto, serviu como intérprete do rei de Piemonte, Carlos Alberto.

Cesário, aos 25 anos (desenho de Guilherme António Correia – in “O Tripeiro”, V, XI, p. 167)

José Craveiro (op. cit. p. 167) recenseou, em 1955, na posse da cunhada de Cesário, de nome D. Estefânia Rodrigues, de Vizela, “uma pasta com cem desenhos, noventa e nove dos quais tratam temas monumentais e paisagísticos portugueses, não assinados, mas sem dúvida nenhuma devidos ao lápis de Cesário A. Pinto e datados de 1846, 1847 e 1848”. No decorrer do movimento político e social da Regeneração e da política de obras públicas, preconizada pelo ministro Fontes Pereira de Melo, que visava resgatar Portugal do atraso económico e tecnológico, iniciou-se a construção de vias de comunicação e de transporte, não dispondo, porém, o país de técnicos qualificados para o efeito. Cesário Augusto Pinto projectou e dirigiu importantes trabalhos, neste período, que a seguir são elencados. Em 1855 colaborou com o engenheiro Cousin nos estudos da linha do caminho-de-ferro de Lisboa a Sintra. Em 1856 trabalhou na construção da Vila Estefânia e na construção do caminho da madeira do Pinhal de Leiria. Em 1860 projetou e dirigiu, ao serviço da Companhia de Viação Portuense, o troço de estrada do Porto a Braga que incluía a construção da ponte pênsil da Trofa. O facto é referido pelo próprio Cesário Pinto que em carta publicada na

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Livro de Cesário A. Pinto

Revista de Obras Públicas e Minas, para além de assinalar que andou “dezanove anos consecutivos em obras públicas” diz que “o Sr. Lucotte deixou a estrada do Porto a Braga por concluir, desde a Volta da Peça Má até ao alto da Terra Negra, e foi a Companhia de Viação Portuense, ao serviço da qual eu me achava então, que construiu toda esta extensão de estrada”. (op. cit. p. 275) . Findos estes trabalhos partiu para Angola onde desenvolveu alguns trabalhos de engenharia. Dessa estadia em África deixou-nos o respetivo relato no livro intitulado “Quarenta e cinco dias em Angola”, publicado no Porto em 1862. Dirigiu os trabalhos de construção de diversas estradas, nomeadamente entre Braga e Guimarães, Fafe e Guimarães, de Gandarela (Celorico de Basto) à Ponte de Cavês (Cabeceiras de Basto) e de Ponte de Lima a Santa Cruz e ao Carregadouro. Em 1870 serviu como agrimensor e engenheiro municipal na Câmara de Guimarães. Dirigiu também as obras do porto de Viana do castelo e de reparação do convento de S. Domingos daquela cidade. Foi autor do projecto do edifício das termas de Vizela e administrador das respectivas obras, autoria que lhe valeu, em 1875, um prémio da Associação de Arquitectos Civis. Segundo refere Maria Manuela Cunha (op. cit. pp. 18-19) “No projeto que desenhou para Vizela, publicamente apresentado a 4 de Agosto de 1888, é perceptível a influência das suas viagens e visitas a outros centros termais”. De facto, segundo a mesma autora, Cesário visitou estações termais em França, na Alemanha e na Bélgica, havendo similitudes entre as termas de Vizela e as de Luchon, de Le Mont-Dore e de Cauterets. Mais refere que o projeto de

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Cesário previa ainda a construção de uma casino “completando a trilogia dos espaços termais: ternas, casino e hotel”. Durante alguns anos dirigiu as obras do santuário de S. Torcato, em Guimarães. Segundo Goulart & Azevedo (op. cit. p. 25) “A direção artística do Templo de S. Torcato, foi acompanhada, gratuita e desinteressadamente por Cesário Augusto Pinto. Desde Janeiro de 1866 até ao ano da sua morte em Julho de 1895”. O primeiro contributo para o projecto deste santuário deu-o Cesário Pinto em Janeiro de 1866 ao elaborar um parecer sobre a igreja que estava a ser construída, sob risco do arquiteto Luís Inácio de Barros Lima. Aí Cesário teceu duras críticas às soluções propostas para o pórtico, as torres, a transição do cume da nave para o da capela-mor e a elevação posterior. Tal opinião levou à não aprovação deste projecto e à abertura, nesse ano de 1866, de um concurso público para o projecto de um novo santuário. Na sua qualidade de elemento do júri, como delegado da Irmandade de S. Torcato, Cesário acompanhou todo o processo do concurso com deslocações a Lisboa e Porto onde os projectos a concurso, em número de cinco, estiveram expostos. Recaiu a escolha no projecto de Luís Bohnstedt, um arquitecto residente em Gotha e nascido em S. Petersburgo.

Mosteiro de S. Torcato – projecto do arqtº. Marques da Silva (imagem de António Conde, 2013)

Segundo António Cardoso (op. cit. vol. II, pp. 555) “No entendimento de Cesário Pinto, o projecto vencedor não evitaria à Irmandade ‘despesas mal entendidas’ e não era sequer ‘um projecto correcto e de fácil execução”. Refere

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igualmente que Cesário Pinto “acompanha o projecto, sugerindo a Bohnstedt alterações, soluções de implantação, e dirigirá gratuitamente as obras do Santuário até à sua morte, em 1896”. A direção do projecto foi depois confiada ao arquiteto José Marques da Silva, autor de outras obras em Guimarães nomeadamente o Santuário da Penha, a Sociedade Martins Sarmento e o Mercado Municipal. Cesário Augusto Pinto faleceu em Guimarães, na sua casa sita à Rua de Camões, nº 96, com a idade de 70 anos, tendo sido sepultado no cemitério de S. João das Caldas de Vizela.

Registo paroquial de óbito nº 34 (freguesia de S. Sebastião, Guimarães, ano de 1896) fonte: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta – Guimarães

Havia casado menos de dois meses antes do seu passamento, em 24.05.1896, com D. Joaquina Amélia Pinto Rodrigues, de 31 anos de idade, natural da freguesia de S. Romão de Arões, concelho de Fafe. Foram testemunhas deste acto o arqueólogo vimaranense Francisco Martins Sarmento, velho amigo e companheiro nas visitas arqueológicas e o Dr. António Leite de Faria, médico, ambos de Guimarães, como consta no registo paroquial de casamento nº 8, da freguesia de S. Sebastião (Guimarães). A freguesia de São Torcato, em homenagem ao homem que dirigiu de forma desinteressada as obras do Templo que é o seu ex-libris, resolveu atribuir o nome de Cesário Augusto Pinto a um arruamento central da freguesia.

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E aqui fizemos a apresentação desta coleção de vistas de Vila Nova de Gaia, bem assim damos a conhecer, em traços gerais, a biografia deste artista que tão bem soube retratar as paisagens ribeirinhas gaienses e cuja vida e obra é tão pouco conhecida. *** Bibliografia e fontes . ALMEIDA, Luís Gomes Alves de - Notas Monográficas sobre a freguesia de Santa Eulália de Oliveira, Vila Nova de Gaia, Junta de Freguesia de Oliveira do Douro, 1985. . ANDRADE; Monteiro – O Tripeiro, V Série, Ano XI, nº 5. . Arquivo Municipal Alfredo Pimenta – Registos Paroquiais de casamento/freguesia de S. Sebastião/ano de 1896. . Arquivo Municipal Alfredo Pimenta – Registos Paroquiais de óbito/freguesia de S. Sebastião/ano de 1896. . COSTA, Barbosa da; VAZ, José; COSTA, Paulo – De Abientes a Avintes. Notas monográficas, Avintes, Audientis, 2009. . CRAVEIRO, José – Cesário Augusto Pinto, O Tripeiro, V Série, Ano XI, nº 5, Setembro 1955, pp. 167-170. . CUNHA, Maria Manuela Ferreira da – Caldas de Vizela, do passado à atualidade: uma proposta de reconversão; Coimbra, Universidade de Coimbra, 2012. . O Tripeiro, V Série, Ano XI, nº 5 – capas dos fasc. nº 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 11 e 12. . Revista de Obras Públicas e Minas, 1871, pp- 274-275. . VITERBO, Sousa (coorden.) – Dicionário Histórico e Documental dos Arquitetos, Engenheiros e Construtores Portugueses ou a serviço de Portugal, Vol. I – A-G, Lisboa, Imprensa Nacional, 1899. Webgrafia: . CARVALHO, António Cardoso Pinheiro de – O Arquiteto José Marques da Silva e a arquitetura no norte do País na primeira metade do séc. XX, 2 vols., Porto, Faculdade de Letras do Porto, 1992. http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/10904 - visualizado em 2014.03.15. . GOULART, Carlos Jorge Melo; MONTEIRO, José Miguel Saldanha – Estudo do Mosteiro de S. Torcato, análise das patologias e funcionamento estrutural, com vista ao seu restauro (Relatório de Projeto Individual), Braga, Universidade do Minho, 1998. http://www.civil.uminho.pt/masonry/Publications/1998_Goulart_Azevedo.pdf - visualizado em 2014.03.08. . Margens do Douro: A Pedra Salgada/C.A. Pinto, Porto, 1848 (gravura). Em http://purl.pt/12528 - visualizado em 2014.03.17.

*versão revista do estudo publicado no blogue “Memórias Gaienses”, da BPMG.

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