Entre São Mamede e Portonovo

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SINÓPSE Foram os ora presentes sonetos escritos nas localidades de São Mamede D’Este no Concelho de Braga em Portugal e na localidade de Portonovo no Concelho de Sanxenxo na vizinha Espanha, parceiros de Península Ibérica. Duas localidades com genes da antiga Galécia que se estendia da Corunha até ao Rio Douro. Complementam os ora apresentados sonetos, um conjunto de obras de arte de Maria Manuela Mourão Oliveira que, graciosamente, autorizou esta parceria virtual em que a simbiose atravessa o paradoxo da forma do complemento nem sempre coabitante na matéria mas, sensato na harmonia do objeto. Porque, a arte ultrapassa o mero acaso da circunstancia para se imortalizar no conceito da originalidade que se perpetua independentemente dos limites do conhecimento alguma vez atingidos e, a

conseguir atingir. A arte é uma lufada de ar que varre o pó da escrita e arruma as teias de aranha que povoam a veia poética das gentes nos riscos simples da firmeza das cores. A poesia… não é uma coisa nem outra. É, simplesmente, poesia.



Soneto 31 -2020 COmVIDa HÁBITOS

Habituei-me, não sei, a distender o olhar nos cumes das cordilheiras onde se vê, dos rochedos, afiados gumes.

Nunca subi a serra e daí, acompanhar aguia tonta,

ou nuvem branca onde fui gota de água pela afronta.

Habituei-me desde moço a não conseguir encarar os voos altos com a altivez

dos picos serranos desse Gerês de uma águia a planar sobre a pele do teu rosto.

São Mamede D'Este, junho, dia 30



Soneto 32-2020 COmVIDa AS OUTRAS CONTAS

"Atrás de mim virá quem de mim, bom fará!" é ditado popular: um povo, quando pensa assim, tem a História para contar.

Das ambições bem escondidas, pintadas nas mais belas cores

com que se constroem as vidas do vale tudo, meus Senhores!

Não importa se o meio é ou não apropriado sendo o fim tão pretendido

a que juntam o prometido no silencio pré acordado do interesse, sem algum pejo.

São Mamede D'Este, julho, dia 1



Soneto 33 - 2020 COmVIDa ACORDARES

Acorda o nascer de um dia de Sol intenso, com magnitude. Na noite ficou... magia. Corpo da saudade, a fenda.

Lavrada com a inocência do sulco arado pelo tempo,

gélida a efervescência sempre efémera, do momento.

Após noite feita dia germinar a terra prometida em cada sulco o vento leva,

a alvura de uma névoa feita lágrima arrojada, candura oca de uma chaga.

São Mamede D'Este, julho , dia 11



Soneto 34 - 2020 COmVIDa DESEJO

Dou-te uma mão cheia, de nada, num coração cheio, de tudo, onde a areia, repousa, Mar, duna; seio;

por debaixo dessa ânsia em desbravar um corpo sedoso

do cupido é arco flecha. Do vinho é sumo e o mosto.

Bagos de um perfeito cacho, cintilância de um toque, salpicos de espuma, onda, mar.

A força da vontade: o trocar: a alma; a saliva; o mote; momento quase perfeito.

São Mamede D’Este, julho, dia 12



SONETO 35-2020 COmVIDa BATALHA

Minha terra feita cidade sem a arriba, na avenida, distendida sobre piedade, gasta na vergonha escondida.

De nula, a visibilidade, perdida em um sĂł cruzamento, por onde anda a dignidade do sonho tido em um momento.

Minha terra ĂŠ a minha gente. Meu amor, a cidadania. Minha vida, feita cidade.

Por ruas onde a caridade, ao bajular a cortesia, torna a batalha diferente!

Portonovo, julho, dia 15



Soneto 36 - 2020 COmVIDa Cheiros

É suave o teu cheiro que voa na brisa noturna como se fora um veleiro rasgando ondas por entre bruma.

Ou por montado caprichoso, encosta de uma falésia,

onde lagarto preguiçoso dá ao Sol, a rara beleza.

Intenso como laranjeira, branca é a flor da confiança por entre lilás da alfazema.

Onde ainda vale a pena dar o sentido à esperança como se fora vez, primeira.

São Mamede D’Este , julho, dia 23



Soneto 37 -2020 COmVIDa INSPIRAÇÃO

Só a inspiração morreu hoje, um momento complicado, quando o Sol desvaneceu, a lua ficou ao lado.

E fez o momento contundente para mais tarde se recordar

de que a gente importante é uma coisa... por apurar:..

Como a coisa existente, dia: do nascer ao pôr do sol, em madrugada ou noite

uiva lobo inexistente onde a multidão de gente se esvai... balanço de lençol.

São Mamede D'Este, julho, dia 30



Soneto 38-2020 COmVIDa MENSAGEM

Em papel, construí meu barco com tons cinza mate o pintei, negro ficou o seu lastro, no rasto, mágoa deixei…

Na vela escrevi a mensagem Cujo teor não interessa.

Inicio de uma viagem sem torpor, ou, sequer pressa…

Portonovo ficou para trás, Sanxenxo, a Senhora de Silgar aponta Areias na ria,

neblina feita maresia faz o barco de papel navegar nas boas novas que, também faz…

Portonovo, agosto, dia 4



Soneto 39-2020 COmVIDa BEIRUTE

Em Beirute, terra tremeu, junto ao mar. Cais de porto. Beirute, sangue correu, o caos se instalou, solto.

Tão célere foi a morte, muitos foram os gritos de dor,

as gentes sofridas, o desnorte, vidas idas nos ventos do amor.

Beirute, é assim, cidade, de vida ao segundo certo, em pálpebra, abre e se fecha.

Incerteza no rasto de mecha, âmago de um fogo aceso, na lágrima da eternidade.

São Mamede D’Este, julho, dia 5



Soneto 40-2020 COmVIDa Negros

Não deixes os olhos negros mar adentro içar sua vela por sentires feitos novelos de neblina feita estrela.

Não deixes teu colo ser o aconchego de um rochedo onde o sol ao adormecer deixa trevas. Deixa medo.

Faz tua sorte na areia, risco reto ao infinito, longe das dunas em ameias

onde não existam teias tecidas em noite de rito, que uns olhos negros espelha.

Portonovo, agosto, dia 7



Soneto 41-2020 Áurea

Deixas o perfume a mulher no tempo o riso matreiro um andar de modo superior um faz de conta: eu, te quero…

E no riso tu te refugias, o soslaio, faz efeito. Gera um mundo de fantasias

abrindo brechas em um peito.

Deixando dor tão incomum um pouco por todo o lado onde o perfume se incrusta

em mar de ondulação brusca se espraia reconfortado por areal de sentido nenhum.

Portonovo, agosto, dia 8



Soneto 42-2020 COmVIDa Letras

Serão as letras dançarinas lido teu corpo inteiro? No matinal eco das neblinas sementeira de centeio?

Na terra arado escreveu letras soltas, grãos de cevada.

Folha de papel as acolheu, e guardou, vara de fada.

As estrelas se aconchegaram em jeito na forma escrita, seio arejado, colina,

mais mulher do que menina, elegância de um cometa, das letras nuas que ficaram.

São Mamede D’Este, agosto, dia 10



Soneto 43-2020 COmVIDa UM DIA

O silêncio te acolheu, ouviu, não disse nada. Contigo ao vale desceu e deixou, adormecida.

De sonhos te fez a almofada onde pousas a distância

de uma coisa guardada e outra sem importância.

Ambas ao correr de um dia sem ter importância alguma no lastro da água corrente,

por onde passa toda a gente, uma a outra se arruma, silêncio onde o havia.

São Mamede D'Este, agosto, da 13



Soneto 44-2020 COmVIDa BOM DIA

Bom dia meu caro amigo. O digo para te cumprimentar. Em caminho meu, eu sigo, e saio, para te saudar.

Te saúdo com sinceridade. É forma de vida e de estar,

nesta estrada sem a idade, tempo no tempo a atravessar.

Um caminho que nos é dado. Não é meu. Não é teu. É caminho de toda a gente.

Mesmo sendo toda diferente, onde cada um faz, só o seu, dia a dia, lado a lado.

Portonovo, agosto, dia 15



Soneto 45-2020 COmVIDa A PRAIA

A minha praia se estende por mar já muito navegado, tão perto e, tão distante, de verde e azul pincelado.

É um areal tão enorme sem um sítio onde caiba

toda a água, seu nome: - Onda, o leva... Onda, o traga...

A minha praia é só, tudo! Portadas de uma só janela sem um único ponto cardeal.

Rosa dos ventos. A cor boreal. Calor e luz de uma estrela. Universo, tão.... Universal.

Portonovo, agosto dia 16



Soneto 46-2020.1 COmVIDa CANTARES

Canta a coruja na noite augurando uma desgraça mesmo ao talhe da foice afiada no adro, sem graça.

O sino as trindades já deu chamando o povo a recolher

escuro ficou, como breu, canto de coruja, é de temer.

Se o mocho pia é bem pior, três vezes, dizem, uma má sina. A morte ronda o povoado.

O braseiro é ateado, a noite é pequenina, no adro dançam. Ao seu redor.

São Mamede D'Este, agosto, dia 18



Soneto 46-2020.2 COmVIDa CAMINHOS

Há quatro caminhos, a cruz, de um cruzamento, que seja, por onde não entra uma luz, de claridade, onde se veja,

algo de útil, o alimento, de um corpo de sede faminto,

carpindo na rajada do vento as dores que vai sentindo.

São quatro caminhos em um, da aldeia, mesmo no centro. São saída. São chegada.

Na cruz a meio da estrada os de fora são os de dentro, os caminhos, de caminho nenhum.

Portonovo, agosto, dia 21



Soneto 47-2020 COmVIDa LASCIVA

Esse teu olhar... é, travesso Essa tua ansia de dança Esse teu jeito, abraço És vida feita confiança

Teus olhos doces, amêndoa Tua anca arisca balança

Penhasco onde o sonho soa No toque. No passo de dança

Aperta-se dentro do peito. Na pele corre um arrepio Sopro quente de um beijo.

Desliza suor de um desejo Agua corrente de um rio Entre margens, está o jeito.

Portonovo, agosto, dia 24



Soneto 48-2020 COmVIDa METÁFORA

pedra a pedra, uma gazela, procura o ponto mais alto para que vejam como é bela e livre, como o vento solto.

De onde tudo pode avistar da vida, onde só acontece,

a coragem em tudo ousar se ao amor se entregasse.

Simplesmente, o vale não diz, à escarpa onde a gazela pergunta onde está o amor.

Se, na escarpa, ou em redor, onde nem porta ou janela se abrem para a fazer feliz.

Portonovo, agosto, dia 29



Soneto 49-2020 COmVIDa SÃO ROSAS!

Do cimo dessa tua altivez não olhas os cá de baixo e é por isso que não vês os recados que te deixo

nas dobras de cada esquina dobradiças de portadas nuas

canteiros onde flor germina nas cadeiras, bancos e ruas

Por toda a parte onde passas, cabelo solto, seios livres, gesto simples, porte superior,

aroma do cheiro ao calor, terra quente, onde as flores, não são pedras. São rosas!

Portonovo, agosto, dia 23



Soneto 50 - 2020 COmVIDa SECARAM

Secaram as lágrimas caídas sobre gelo da indiferença onde se escondem as feridas, dos silêncios são pertença.

Secaram - se as lagrimas todas deixadas sobre um regaço

de onde já foram sacudidas por nele não haver espaço.

Preenchido por sonho redondo foi tomado sem a surpresa da neve caída no verão,

tão pouco por sedução de superfulo fio de seda e se abateu com estrondo.

Portonovo, agosto, dia 30



Soneto 51-2020 COmVIDa RIA DE PONTEVEDRA

Deslizam nas águas da ria de Pontevedra, são magoas, mirando cantos onde havia velhos barcos em suas águas.

Munidos de leme, vela, remos e quilha rasgando águas,

a vela por entre ventos ermos, nos remos a força das tréguas.

Em amores já esquecidos nas correntes e barcos da ria, nas margens de areia solta.

A memória vai e volta, noite cai, rompe o dia, acordam sonhos adormecidos.

Portonovo, setembro, dia 2




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