Poesia reunida de Maria de Lourdes Hortas - parte 2

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Poesia Reunida de Maria de Lourdes Hortas 50 Anos de Poesia

Organização de Juareiz Correya

Ebooks Panamerica / Panamerica Nordestal Editora Recife – 2016



MARIA DE LOURDES HORTAS

OUTRO CORPO

Recife, 1989


Projeto Gráfico DULCE LÔBO LUIZ ARRAIS Ilustração da Capa PAULO DIAS



ANATOMIA DE UMA POETISA: TRÊS OPINIÕES CONVERGENTES I – COM UM BRAÇO EM CADA HEMISFÉRIO Aricy Curvello UM TRILHO SOBRE O ATLÂNTICO Novembro de 1965, fim de tarde fria, em Lisboa. Ela caminhava apressada no calçamento antigo. Um salto de seu sapato achou de ficar preso numa das junções das pedras reboludas. Puxou-o com violência e o resultado foi a tira do calcanhar partida. Por causa do deslize na aparência pessoal, ela pensou em adiar a entrevista. Já se encontrava em frente ao endereço buscado. Travessa das Mônicas, 57. Entrou. Apresentou-se, preocupada com o sapato, escondendo um pé atrás do outro. E conheceu a grande poeta portuguesa que fora entrevistar. “... Quando saí da casa de Sophia de Mello Breyner Andresen, começava a escurecer. Fazia frio. Apertei o casaco e caminhei. Meus sapatos tinham deixado de existir. Estava mergulhada num mundo de poesia e nele me procurava dali a muitos anos ...” Vinte anos depois, em 1985, Maria de Lourdes Hortas certificou-se do que resultara dos seus trabalhos e vigílias. Ela contava então com seis livros de poesia já publicados. E organizara duas antologias. “Palavra de Mulher” (Ed. Fontana, Rio, 1979), de poesia feminina contemporânea , e “A Cor da Onda por Dentro” (Edições Pirata, Recife, 1981), de poemas para crianças. Presença em festivais e congressos, como o 4º Interamericano de Escritoras (México, 1981). Alguns prêmios importantes. Uma fortuna crítica em progressão. “... Estava mergulhada num mundo de poesia e nele me procurava dali a muitos anos ...” Maria de Lourdes Hortas, a portuguesinha de São Vicente da Beira, onde nasceu em 1940, aos dez anos emigrou com a família para o Brasil. Fixaram-se em Pernambuco, na cidade do Recife. Ali


concluiria o Curso de Direito, em 1964 e, em 1977, o de Letras. Em 1980, fato capital da sua biografia, ingressou no movimento alternativo das Edições Pirata. Trata-se de uma poeta nas raias da maturidade. Seus recursos aguçaram-se. Alguns dos seus temas recorrentes foram solucionados. Ocorreu a depuração dos materiais. A máquina lírica fulgura em sua nudez de poema. Desde o seu livro de estreia (“Aromas da Infância”, Edições Panorama, Lisboa, 1965), com o qual, inédito, ela obteve em 1963 o I Prêmio do Concurso de Manuscritos do Secretariado Nacional de Informações, de Portugal, ela vem desatando o seu lirismo. Vem desatando o seu canto com algo próximo ao som das velhas fontes da aldeia “... da minha aldeia / mina d’água entre serras”. Maria de Lourdes Hortas não se separa da grande tradição da poesia lírica ibérica. No entanto, por mais impregnada que seja de reminiscências e acentos poéticos da velha península, não faz poesia portuguesa. Antes a faz também do Recife, de Pernambuco: luso-brasileira. Os trópicos estão por demais presentes em seus poemas. MLH tem sido entre nós, sim, um desses poucos trilhos de ligação entre a poesia dos dois principais mundos do idioma português.

O SAL EM MINHA LÍNGUA Sua poesia embebeu-se das vozes de suas duas pátrias, o que enriquece o lastro de suas linguagens. Tal constatação é melhor auferida pela leitura desse complexo “Relógio d’Água” (Edições Pirata, Recife, 1985), uma bela antologia de poemas. Rigorosa seleção levada a efeito em seus seis livros já publicados e em trabalhos recentes, o volume comemora os vinte anos da carreira de MLH nos modos e tempos da poesia. O volume é bastante oportuno para uma análise geral da obra de MLH, trabalho ainda não ensaiado antes. Pelos poemas arrolados vê-se a preferência da autora pelos versos ímpares. E são versos caracterizadamente de corte moderno e não clássico. Em busca


efetuada, não encontrei um só verso hendecassílabo dactílico ou arte maior, com dois hemistíquios e acentuação obrigatória na quinta, oitava e décima primeira sílabas. Encontrei sim o hendecassílabo moderno também chamado junqueiriano, com acentuação na quarta e décima primeira sílabas. Aparece o octassílabo clássico ou sáfico quebrado. No entanto a autora mantém um discreto compromisso entre o verso metrificado (clássico ou moderno) e o verso livre. Quanto aos ritmos, sua preferência dirige-se para os que possibilitam manter a fluência do verso na direção do coloquial, e não da empostação ou de uma retórica hiperbólica. É quase um fio de voz o que lhe ouvimos ou lemos. Na coleção observa-se que é brasileira uma relativa maioria dos esquemas frásicos. Evidente é que MLH tem poemas plenamente portugueses em sua bagagem, porém há mesmo poemas metrificados, como nos setissílabos seguintes, nos quais ocorre que: Troquei o falar castiço por sotaque tropical arrastado e mestiço. (Fio de Lã) O fato explica-se não apenas pela aculturação da menina portuguesa expatriada no Brasil. Vivemos uma época em que a poesia brasileira tornou-se mais importante que a lusitana, esta mais cerebral, mais epigramática, fabricada demais em vista das influências de Fernando Pessoa. “No século atual a poesia brasileira tem mais força...” reconheceu Mestre Jacinto do Prado Coelho em entrevista a MLH, em 1965, quando ela era bolsista da Fundação C. Gulbenkian, em Lisboa.


UMA FARTURA LÍRICA O dilema da expatriada é bastante sensível na primeira obra de MLH, “Aromas da Infância” (1965), escrita por volta de 1963. Os poemas da Aldeia (Evocação de Aromas, Poema a minha Aldeia, Vale, etc) deixam esvaírem-se rosários de granizo ou salmos de andorinhas. E a partida: Um corpo é, apenas, um trilho: nele passam vários comboios. Só de ida. (Trilho) Após a partida dos emigrantes, alguém pode bater à porta e perguntar pela portuguesinha: Alguém com uma certa semelhança comigo como parente próximo dirá que fui a melhor, a mais linda de uma perfeição de quem morreu. (Quadro) O processo de amadurecimento é uma forma incômoda de ser. Mais penoso ainda o amadurecer para uma identidade maior, não apenas lusitana, agora luso-brasileira, um trilho nas duas direções. MLH começa a enunciar essa coincidência: Abri os braços para equilibrar-me na linha imaginária Equador. E tive um braço em cada hemisfério e minhas mãos foram cataventos... O título do poema acima é esclarecedor: “Equilíbrio”. Leia-se, também, “Transfusão”, em redondilha maior. ... onde chora tua sina passo com meu realejo. onde a vida te pôs fel ponho ternura de beijo.


Por um largo espaço de tempo, quatorze anos, a poeta silenciou para o público. De 1965 a 1979. Período que corresponde aos anos mais brutais das ditaduras militares que infelicitaram o Brasil. E Portugal vivia sua grande crise da agonia do salazarismo e a Revolução dos Cravos, enquanto o Ultramar ensanguentado se fragmentava em novas nações lusófonas. Lançou então o seu segundo livro, “Fio de Lã” (Gabinete Português de Leitura, Recife, 1979). Os poemas deste livro selecionados para “Relógio d’Água” indicam que é outra a estatura da poeta. A jovem expatriada de antes é agora a mulher experiente e aguda. Se ela nos confidencia que, ao embarcar em criança no Tejo, tinha um xailinho para frio, que os mares desmancharam em novelo, a ponta inicial daquele fio de lã ... ficou por certo amarrada do outro lado. ... Aquele fio azulado que reteve o meu cantar longe, longe do outro lado, também nos deixa entrever que há algo a mais, bem maior do que o simples fio de lã, porque suas duas pátrias encontram-se em grave situação: Sou a que, ao meio-dia em praça desolada obliquamente despeja sua sombra para sentir-se acompanhada. Sou a que está em alto mar mãos sobre os olhos procurando o vento atrás, em volta, à frente sem uma ponte para o continente. O que ela descortina do mundo e da época não é de molde a fazêla juntar-se ao coro dos otimistas profissionais à sombra do Poder, seja ele qual for. Em Palavras-sangue: Enlouqueci de vez quando acordei com o vosso cantochão de lúcidos


......... Não adianta sobre mim estar passando esse tropel de apocalipse. Degolar, esmagar, queimar, explodir ......... De resto As palavras substituíram meu sangue nas veias. E no meu horto agonizo suando palavras por todos os poros. A respeito do livro “Fio de Lã” Mauro Mota registrou em artigo no jornal “Diário de Pernambuco”, de 22/06/1980: “A fascinante Maria de Lourdes Hortas só com o seu poema Três pré-Acalantos, de implicações muito além da primeira leitura, recebe o passaporte para qualquer antologia da nova poesia em língua portuguesa”. Em seu terceiro livro “Giestas” (Edições Pirata, Recife, 1980), encontra-se um dos pontos altos da sua obra, o longo poema Canção de Volta à Aldeia, em que concretizou e esgotou as possibilidades de um tema seu recorrente. Em atmosfera mágica, de sonho, o desfecho ocorre “ao tocares o sino de minha aldeia”. as estrelas acudindo ao teu chamado se foram espalhando pelos campos virando pirilampos. Em “Flauta e Gesto”, o livro seguinte, (Edições Pirata, Recife, 1983), o crispamento de: outra vez esta navalha me trespassa. Urtigas outra vez nascem de mim. Outra vez antes do pleno amor o pleno fim. A poeta já se encontra senhora dos recursos líricos e do conhecimento das coisas-ofertas e coisas-perdas que são a vida. A concisão, toques lancinantes, exclusão do desnecessário, a nudez da palavra emocionalizada – o fenômeno poético de MLH já ocorre em alturas mais altas nos mais recentes poemas, como em:


PRISÃO PERPÉTUA Então o masculino Senhor disse: vai, Eva, e nutre a vida com o suor dos teus sonhos. Não te esqueças, mulher que inventaste o amor e isso é imperdoável. (Cartas do Deserto/1985) Niterói, RJ, 1986


II – A DUALIDADE DAS PÁTRIAS Astrid Cabral No poema que dá título ao segundo livro de Maria de Lourdes Hortas (“Fio de Lã”, edição do Gabinete Português de Leitura, Recife, 1979), poema a que, sintomaticamente, foi conferido o 1º prêmio em concurso da Associação de Cultura Luso-Brasileira no II Salão de Poesia de Juiz de Fora, em 1978, colocava-se de maneira figurada, mas eloquente, a dualidade das pátrias da autora – a portuguesa, de nascimento e remota infância; a brasileira, de adoção e vivência de mais de trinta anos. Depois de contrapor circunstâncias e paisagens do viver português às correspondentes ou afins com que veio se deparar no Brasil, a autora mostrava que a ponta inicial do fio de lã da infância ficou como que amarrada do outro lado do Atlântico. E assim Fixa por limos do tempo / ainda existe, raiz / e insiste / em meu canto. Ao que acrescenta: Por ele caminham ondas / de atavismo irrecusável / lírica voz portuguesa. A esse apego ou prisão espiritual às raízes lusas dever-se-á também o afinco com que se entregou à organização de alentada antologia da poesia portuguesa deste século, para a qual chegou a obter depoimentos de importantes poetas, alguns deles já falecidos. É essa raiz portuguesa que vai florescer em “Giestas” (Edições Pirata, Recife, 1980). É esse confessado atavismo lírico a característica predominante de “Flauta e Gesto”. Nele a temática amorosa, que constitui sua espinha dorsal, inscreve-se na multissecular tradição ibérica. Numerosas são as reminiscências da lírica galaico-portuguesa, seja nas reiterações interrogativas e exclamativas de algumas barcarolas, seja na invocação à natureza confidente. Na canção 57, a autora substitui as flores do verde pinho, de Dom Dinis, pelas pedras de um rio: Ó pedras de um rio/ que o tempo infiltrais/ procuro um menino/ vede se mo dais. Da mesma forma, no solo 26 há sutil alusão às bailias, embora não se mencionem as avelaneiras floridas: Acendi-me em fogueira/ e te invoquei/ ó deus do vento/ e ao teu redor bailei./ Bailei, bailei/ bailei, bailei.


Perpassa por todo o livro um clima de nostálgica reverência ao passado. A persistência do simbolismo romântico e da imagética tradicional culmina nos poemas 16 e 72. Lê-se no 16: Dispo a armadura/ cobre/ amarro o cavalo/ prata/ deixo o castelo/ pedra/ vagueio/ folha / pela floresta/ negra. No 72 o amado não é o homem urbano moderno que viaja de ônibus e de avião, mas o cavaleiro andante que comparece no poema amarrando o cavalo na cocheira ou desatando o cavalo da cocheira. Coerentemente não são de tergal ou poliéster os lençóis, mas de linho. Vivendo no Nordeste brasileiro há longo tempo, a paisagem de seus poemas, no entanto, é a da infância rural portuguesa, que recupera pela emoção: corri ao prado trouxe margaridas/ varri o rosmaninho da lareira/ E na videira onde passo agora/ vindimo o sangue que foi semeado. A par dessas constantes temáticas e léxicas, é de se notar também a ocorrência de construções sintáticas nitidamente lusitanas. Um dos aspectos fundamentais de “Flauta e Gesto” é a frequente sintonia do ser com a natureza, que funciona como presença estrutural e não como circunstancial cenário. Tal comunhão do eu como o não-eu pulsa de maneira tácita ou explícita no coração da maioria dos versos e aparece expressa de modo lapidar no poema: Sou a minha linguagem nela venho e nela vem refletida esta paisagem que contenho e me contém. Há um forte telurismo alicerçando o livro inteiro e que transparece no auto-retrato de Maria de Lourdes Hortas, a ser esboçado a partir das afirmativas poéticas: “Porque sou de terra/ preciso de chuva;/ Esta ribeira que sou/ de colina em colina;/ mastigo a terra/ e ao toque dos meus dentes/ brotam os rios rebentam as sementes. A própria dor da morte como que é neutralizada pela reintegração à terra. Tal cosmovisão panteísta extravasa-se magistralmente assim: Em tuas vias veias abertas ó terra me semeio. Por minhas veias


Vias abertas ó terra hão de passar as tuas flores. É também valendo-se da natureza que a autora revela o seu erotismo: Acendi-me em fogueira/ e te invoquei/ papoula rubra/ ardo. Erotismo que encontra sua expressão mais completa na estrofe: Ai que te posso abrigar/ na gruta mais escondida/ ai que te posso esconder/ onde começou a vida. Com versos despojados, curtos e musicais estruturam-se os poemas de “Flauta e Gesto”. Poemas avessos ao intelectualismo e que prestigiam deliberadamente a emoção. Pois, nas palavras da autora: Que importa/ se nada sei de ti/ gosto tanto do sol/ e nada sei de astronomia/ amo tanto o mar/e nada sei de oceanografia. Rio de Janeiro, RJ, 1984


III – MARIA DE LOURDES HORTAS E O RESGATE DO INSTANTE Gastão Castro Neto Neste livro, o leitor há de se confrontar com uma poesia que se quer celebrante do efêmero: O nada pleno era tudo o que era./ E o resto foi ausência/ e primavera. Maria de Lourdes, em seu novo “corpo” poético, nos dá uma visão de quem na vida aceita, aceitação da vida e da perda, numa tentativa, ou numa consecução, de amar essa mesma vida (Balança equilibrada pelo peso/ do acaso/ – é isso estar aqui) pelo que ela é. E o que a vida (peso/ do acaso), para nossa autora, realmente é? Um golpe de vento espalhou as cartas mudando o destino. Destino? Vamos deixar Maria de Lourdes nos dar a sua definição: E a nossa Casa Blanca tão azul/ até ires embora/ deixa o que não somos nós dois ficar lá fora/ the end onde recomeçamos. O que nos remete para outro fato-fator constante em sua poesia: a temática – a celebração – amorosa. Maria de Lourdes não tem “vergonha” de seu romantismo (ou de seu medievalismo trovador): sabe, bem no fundo, da existência do elemento amoroso, tal como ele sempre foi mostrado pelos poetas, músicos, dançarinos, pintores. Suas raízes lusitanas, do interior agrário português, a sua vivência da tão atualmente negada cordialidade brasileira (ou nordestina: o que é o Nordeste se não a célula mater da futura civilização brasileira?) fazem-na tratar com absoluta naturalidade de temas – tramas – hoje bastante desacreditados: O café quente/ é sempre novo./ Exatamente como o amor. Mas que amor é esse? Amor-libertação, diríamos, se não víssemos na poeta, também, uma equilibrada forma de se ater à realidade quotidiana: À vida agradeço todos os dias o amor didática diária da arte da vida Como na ucraniana-recifense-carioca Clarice Lispector (e como também em boa parte das melhores escritoras da “safra recente”, nacional e estrangeira), Maria de Lourdes encontra na realidade


quotidiana, temperada pelo fator amoroso, sua “felicidade clandestina”. Maria de Lourdes sabe tirar sua sabedoria de que, para um leitor dasavisado, ela possa ser meramente “outra poeta” e seu novo livro “outro corpo”. O que torna, vocacional e tecnicamente nossa poeta não apenas “mais uma” e esse livro um Outro Corpo iluminado? Diríamos que M.L.H., pelo lado da carpintaria literária – e pelo lado do exercício poético – é uma autora ciente das dificuldades não só eternas (do ato de se propor escrever um poema) como também das responsabilidades perenes (em chegar ao leitor) do processo – ato contínuo – de compor um livro.

LIVRO Afloram rios e jazidas e poderíamos repetir com satisfação que esses rios nos levam onde ondula o mais espesso açude: ao amor e à poesia entrego o mesmo corpo. Poesia sintética, profundamente orgulhosa de sua simplicidade. Poesia de quem encara o “fado” lírico como um processo de constante depuramento, e para quem a meta máxima é a profundidade sem complicação. Escrevo e sinto a fulguração da vida espessa e quente. Um psicólogo diria: Maria de Lourdes se encontrou. Acontece que, de forma diferente da de Cartola (“Acontece que ... não sei mais ... amar”, diz o sambista), nossa escritora nos vem doando seus autoencontros desde seu primeiro livro (Aromas da Infância, 1965), onde já nos brindava com um dístico: Onde a vida te pôs fel ponho ternura de beijo.


Neste seu novíssimo opus, M.L.H. na verdade brinca conosco, seus leitores, ao nomeá-lo Outro Corpo. A vero, em sua obra, este conjunto de poemas (em geral breves e elípticos) denuncia a postura de quem conseguiu, como “artista literário”, arregimentar num só “novo” corpo o sonho e a realidade quotidiana. Como ela conseguiu chegar aí? A poeta nos dá, como sempre, a resposta: Tudo é provisório nesta vida: Nem a morte é definitiva. Sabedoria Zen? Diríamos mais: conhecimento da vida (lusitano e nordestino), de quem soube ouvir o canto das pessoas simples, que termina sempre ressoando mais fundo e melhor. Niterói, RJ, outubro, 1988.


Para Jaci Bezerra


L’amoureux qui j’avais (...) c’était mon chef d’orchestre moi son corps de ballet. JACQUES PRÉVERT


CORPO DE BAILE


Outro Corpo Corpo não o meu ou o teu porém o nosso: mistura, encontro, mutação. ser pleno que se liberta do eixo isolado de cada um de nós: outro corpo fusão.


O Mesmo Corpo Escrevo e sinto a fulguração da vida espessa e quente. Dentro de mim ondula o mais espesso açude: ao amor e à poesia entrego o mesmo corpo.


Manto Jรก nem sei como era meu corpo sem o manto da tua sede.


Fogos de Artifício Estilhaço-me girândola em vagas violentando o céu.


Disposições Testamentárias Porcelana açúcar açucenas deixo a quem infinitamente mais do que penas me deu o infinito amor possível.


Cântico dos Cânticos para Salomão

Contigo se deitaram setecentas rainhas e trezentas concubinas mas houve uma, entre as mil a quem dedicaste teu cântico dos cânticos. Vieste para mim igual à cabra montanhesa correndo sobre os montes de Beter. Sou eu a trigueira, porém formosa filha de Jerusalém de olhos como os das pombas e de peitos melhores do que o vinho açucena entre os espinhos.


Outro Tempo Há muito cessaram as chuvas. Passou o inverno. Deixa que eu adormeça à tua sombra.


Inundação Quando voltas de par em par arrebentas as comportas e então a vida em tua ausência retida água corrente, se solta.


Rupestre Da tarde em transe pende a lua ígnea laranja para minhas mãos. Deito-me no chão e vejo bonitezas de resina explosão no tronco da árvore que me dá sombra. É lua nova a vida é nova rutilezas, cores, centelhas.


Vestígios (I) Passou por aqui um bruxo exilando a solidão. Floriram luas crescentes no regaço do verão deixou um bando de pássaros crepitando em minha mão.


VestĂ­gios (II) Passagem de um vendaval partindo a esfera: estrelas errantes ficaram presas no casulo das chuvas. PĂĄssaros bandoleiros me assaltaram a solidĂŁo.


Et Cetera Há quem diga que o amor principalmente depois da marca dos quarenta faz bem às coronárias, et cetera. Não tenho ido ao cardiologista. Aliás o amor explica muita coisa inexplicável: com seu isqueiro de estrelas acendo meus cigarros.


Composição para Flauta (I) Anda uma ventania carpideira aqui dentro soprando folhas pelas ruas de mim fazendo outono.


Composição para Flauta (II) No sono da tarde se espraia tua voz: sopro acendendo a vida apoteose da criação.


Composição para Harpa (I) Vendaval de lavas pelo túnel do meu ouvido: tambores de vento acordam tribos de pássaros afloram rios e jazidas me enfloro em ti, caule.


Composição para Harpa (II) Sopro de vida em meus ouvidos: teu sopro dedilhando a harpa dos sentidos.


Liturgia No meio da vida acendo o amor: fogo louvando os deuses e afugentando as feras.


Afluência Vem, corredeira sobressalto em minha placidez de lago adormecido faz jorrar a vida transborda-me deste leito contido arrasta-me para marinhos abismos azuis imensos além do mundo me inunda, me cria, me transforma. Vem torrente, inundação, redemoinho desfaz as rotas dos naufrágios dos veleiros passivos rastro de viagens sem descobrimentos ao sabor das calmarias. Transporta-me para a espiral das cores e das formas além do horizonte que o olhar restringe. Vem água funda funde a luz e a treva rompe os cercos revolve-me as raízes.


Primitiva Nas clareiras do corpo me descubro serpente lúbrica e aquática tentação entre o ensombramento dos segredos.


OS TEMAS COTIDIANOS


“Corto o pão em fatias bem fininhas: multiplico o pão.” YEDA SCHMALTZ


Síndrome de Solidão Solidia: cabeleiro, manicure, compra de um vestido visita arrumação de gaveta sessão da tarde na tevê calorias extras de amargura e pavê. Solinoite: cigarros, um cálice de licor sessão da noite na tevê reprise de um filme de horror lua velha na varanda telefonema para uma amiga que falou de gripe e de como se diverte nos fins de semana e, mais uma vez, o telefone: disque-se um dos quartéis dos anjos da guarda da solidão sempre alertas bombeiros a apagar incêndios de corações tão frios com mangueiras cheias de frases conselheiras. Clarão ilumina as trevas trem da esperança rapidamente cruzando encruzilhadas: voz masculina! – Então, o que é isso, por acaso já pensou alguma vez em fazer uma boa ação? Alguma coisa assim como, por exemplo indo pela rua e vendo uma casca de banana no chão ter o cuidado de apanhá-la para evitar a queda [do irmão? Resposta da consulente: Não leve a mal, meu caro escoteiro digo


bonĂ­ssimo cavalheiro mas o que eu precisava quem sabe, merecia era ter a certeza de que alguĂŠm na tal rua das cascas antes de mim passaria.


Cartilha O cafĂŠ quente ĂŠ sempre novo. Exatamente como o amor.


Calendário Todavia há dias de ser feliz: aqueles, por exemplo, em que dispo a alma e a levo à beira-rio onde a mergulho e lavo e depois a espalho na relva, ao sol.


Pequenos Anúncios Perdeu-se uma alegria: impossível precisar o instante e muito menos o ano, mês ou dia. Gratifica-se a quem a devolver mesmo danificada: é bem melhor meia alegria do que nada. § Foi roubada a lua da noite da minha rua: implora-se ao ladrão que a devolva em mãos.


Doméstica Quando o amor acaba fica no fundo da porcelana da alma um resto amargo assim como um gole frio de café numa xícara. Melhor não tomá-lo: lavar a porcelana e pô-la de volta no armário.


Augúrio O tarô chegou a prever a mudança. Alvorocei-me mas foi tudo um lapso de interpretação: um golpe de vento espalhou as cartas mudando o destino.


Tema para Tango ou Bolero (duas vozes e dois tempos) I – Andante Ah nebulosa noite onde ardo mortiça lamparina iluminando a redoma onde o marido às vezes resvala sonolento pela farsa das núpcias cumprindo o preceito conjugal entre todas as contas na conta-corrente comum estagnada. II – Alegretto Ah luminosa tarde onde ardo candente ocaso iluminando o refúgio onde o amado sempre percorre infatigável o livro das volúpias descumprindo o preceito conjugal entre todas as contas da vida – correntes comuns reinventadas.


AS IMAGENS REINVENTADAS


“Um pássaro na mão: soltá-lo (...) mais vale o voo que o provérbio.” KÁTIA BENTO


Reprise Como se eu fosse praia aberta para o mar. Como se eu fosse estrada Ă espera do luar. Exatamente como as estrelas num poema entras em mim, incandescĂŞncia.


Epitáfio A vida é apenas ficção. Realismo só a morte escreve.


Reinvenção da Fábula Com tua chave, Sésamo abre-me mil e duas manhãs.


Aprendizagem ร vida agradeรงo todos os dias o amor didรกtica diรกria da arte da vida: todos os dias abraรงos de adeus todos os dias beijos de despedida.


UrgĂŞncia Amanheci como se te ver fosse caso de morte ou vida. Dentro de mim um mar violento arrebentava muralhas antigas.


Balanço Por mais que fizesse não consegui alugar teu coração. Porém acabei por possuí-lo por usucapião.


Viagem ao Tempo do Primeiro Baile Primaverou tudo quando a poesia saiu esvoaçando do bolso da camisa do amado vindo pousar, fremente, em minha mão. Minha alma, feito louca, saiu bailando vestindo aquele vestido com todos os peixinhos do mar aquele que imaginei estar vestindo na primeira vez que fui ao baile.


Casa / Blanca Sempre que chegas te vejo aportar à ilha descendo da escuna com tua mala e então love is a many splendored thing, meu amor sou Ingrid Bergman e tu Humphrey Bogart e a nossa Casa Blanca tão azul até ires embora deixa o que não somos nós dois ficar lá fora the end onde recomeçamos. Há música de fundo no silêncio: é a serenata ao luar no clarinete de prata de Glenn Miller ? Victor Young and his orchestra? Ou serão os serafins celestes reeditando a festa do princípio da vida?


CHUVAS CIGANAS


“Tanta a febre de deter o instante e sempre os rios a correrem enchente ou vazante.� ASTRID CABRAL


Elegia para a Tristeza Violinos de vento me fazem dançar: chuvas ciganas tumultuando as estaçþes e a minha sina.


À Maneira de Rembrandt Sem ti, por certo, seria outra a paisagem de minha vida, com lânguidas e ociosas águas tranquilas, que em claustro de monja chorassem, fonte, por desmaiadas rosas. Talvez então um luar inconsútil afugentasse as noites ansiosas e assim a vida, claro jardim inútil hibernaria no cárcere das rosas. Mas no amor por ti fui desterrada: há muito estou no mais fundo dos rios onde te habito, e já não sei de estradas que não me levem às tuas luminosas sombras, onde a vida, por teu jardim sombrio me ordena, plena, em cadeias de rosas.


Paisagem Diluída Foi tão comprido o túnel da noite e o trem do dia entrou com atraso na estação. Adormeci num banco ao relento para esperar-te. Um molho de violetas exaustas expirou entre os meus dedos.


Dama das Camélias Pegou as luvas e a cartola apanhou a bengala e despediu-se à porta com um ósculo. Então as camélias da pobre Margarida Gauthier ficaram se esvaindo em sangue e soluços ao crepúsculo.


Oriental Queixa de gueixa: um rio fluindo aprisionado de meu leque fechado.


Agenda Por vezes acordo loucamente florida. EntĂŁo chegas, fluvial. E fico parecendo um campo de girassĂłis desfolhados depois do vendaval.


CICLO DE ANDORINHAS


“É urgente inventar alegria multiplicar os beijos, as searas é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.” EUGÊNIO DE ANDRADE


Madrigal No percurso da noite regressam andorinhas: versos escritos por tuas mĂŁos em meus cabelos.


Aquarela Um pássaro veio e pousou no peitoril da varanda e depois saltou para a haste de uma avenca onde brincou com o meu deslumbramento. Na casa a beleza maior é haver espaço para a visita gratuita deste pássaro voo dentro do voo da vida.


Alegria Outra vez amanheço. Ao mistério que me criou outra vez respondo: estou presente. Por um instante um afago de sol atravessa a cumeeira da casa e me abençoa.


Acorde Minha alegria, pássaro é quando pousas em mim sem temer meus laços de brisa.


Três Tempos para um Tempo de Silêncio e Mar

I – Havia tanto e nada e no entanto alguma coisa entre o silêncio havia. Alguma coisa que o silêncio, em ondas dentro do mar, entre nós dois, tecia. II –

Havia o mar, não só verde oceano porém felino, pousado em meu regaço. Havia o espanto de uma ternura à solta incandescências de outras tardes de março.

III – O pensamento nas asas das gaivotas planava além das rotas e da paisagem: o nada pleno era tudo o que era. E o resto foi ausência e primavera.


Canção O sol é lamparina que trazes na mão. A lua, moedinha que perdes no chão. Tão meia-noite o meio-dia quando te vejo, amado magia, bruxedo.


ILUMINURAS DA BRISA


“Não sei porque sorri de repente e um gosto de estrela me veio na boca.” MÁRIO QUINTANA


Búzio Respiração do mar dentro de um búzio: dentro de mim ressoa o coração dos mortos pelas abóbadas do meu coração reboando.


Interlúdio Tristíssima me debruço alegremente na janela da minha solidão. Sou livre. Posso ficar aqui o resto da minha vida e ninguém me virá bater à porta. Tão livre como se, dentro de um túmulo já estivesse morta.


Gestual Abraço ponto de apoio do compasso eixo para o círculo da solidão.


Festim Embriago-me com o licor das palavras cicuta da minha tristeza.


Rimas Ao correr dos dias dentro da vertente estreitadamente abraçada à lâmina do fio da vida de um animal pensante vou, grito precário dúbio, visionário gravado no vento que varre o instante onde fui lamento. Ao correr dos dias dentro da vertente floriu, chamejante vou, palavra errante.


Crônica de fim de século Sitiadas salinas. Chão viscoso onde se arrastam víboras. Para onde fugiram os pássaros? Deuses, bruxos, magos todos estão ausentes no silêncio. De resto continuam os mares se desdobrando solenemente ferozes enquanto, das vias-lácteas longínquas piscam sinais: olhar cego das estrelas sobre nós, que as vemos.


Óbvio Tudo é provisório nesta vida: Nem a morte é definitiva.


La Donna Mobile Quando a vida é festa de maravilha e arco-íris relâmpagos me mostram a vida como é piscar de pirilampo em meio à grande névoa. Me comovo e arrepio como simples folha de relva visitada pelo orvalho. No entanto quando o delírio passa volto a desejar secretamente como qualquer humana mulher mortal passear na calçada do passageiro instante de mãos dadas com o amado.


Zen Minha vida: uma fração de segundo me pertence.


Talvez Zen Ser apenas sendo: aranha tecendo placidamente a teia do instante.


DimensĂŁo A dimensĂŁo da vida de cada um: passos na areia que o vento leva.


Renovação Breve é a visita de cada estação movimento de cores sobre a paisagem: onde ontem foi neve agora há pássaros.


Acaso Balança equilibrada pelo peso do acaso – é isso estar aqui.


Peso do corpo Brisa muito leve resvalando na fĂ­mbria do abismo.


Hóspedes Ao Gastão Castro Neto

Somos apenas hóspedes Desta velha estalagem: quando bater a hora de fechar a mala e encerrar a conta a quem importará o espólio irrepartível das nossas violáceas tristezas? Ou esse invendível tesouro Das preciosíssimas e tão raras alegrias? Quem fará o inventário dos sabres, das vigílias das culpas e dos venenos? E desses transbordantes e tão fundos poços que enchemos com as lágrimas de não tirar por menos? Que se saiba nada disso aparece nas autópsias e muito menos mágoas e remorsos marcam o imperturbável frio marfim dos ossos.


Solstícios de verão Quando rosas bravias se abrem com o dilúvio há fogueiras acesas na grande noite lume reacendendo as escrituras. Então compreendo a plenitude efêmera das rosas cintilação na transitória beleza da existência.


Arrepio Passas carĂ­cia leve e fugidia medindo minha pele. SĂŁo afagos do amor ou apenas a brisa conferindo quando serei de cinza?


Cântaro Não só o corpo. Também a alma. De barro me sinto, inteira. Se não como explicar este vazio atávico de cântaro sempre à espera da água que me dê sentido?





APRESENTAÇÃO Este Recado de Eva estrutura o fundo sem fundo que é fundador. Funda n’Os bastidores de Penelope, pela visão de um olhar “de avental” até “a grandeza da vida menor”: o que a Eva não se pode perdoar – O amor –, “e isso é imperdoável”! Maria de Lourdes, entre dois mundos – nasceu em Portugal, São Vicente da Beira, optou por outra forma de ser portuguesa, naturalizou-se brasileira, vive quase sempre e desde sempre no Recife, voando de quando em vez à terrinha, mora, o seu mais notavel dado biografico, na Matria: Lingua da lusofonia. Entre cá e lá, ao longo de uma obra, desde “Os aromas da infancia” (1963) esta Mulher, através da sublevação excessiva – A Poesia –, fala o dizer das cousas simples, limpidas, naturais. Agora neste Recado, reclama a nudeza essencial do ato de viver Vivendo. Acerca destes poemas não se pode afirmar nada. Eles são em si, um a um, as petalas de um botão que se vê desabrochar expondo-se fragilidade premente ao sol incidente na palavra – corpo, ou no corpo pela palavra, que recebe o calor, às vezes o calor gelido de “estar assim / tão vasta e tão ardente”. Se em toda a obra de Maria de Lourdes não há espaço para a mistificação, este Recado, evamente laborado, institui nesse fundo fundador irreprimivel que tudo transmuda numa visão nada feminista, muito feminina, a desocultação. Cada poema que se ergue mostra a pulsão erotica em todo o seu frescor – e esplendor – de o orvalho desta rosa encarnada que sou quando me desfolhas e enlanguesces ... traz à superficie do som (...) a umida entrega


que te dou do prazer que em mim teces e, sem subterfugios, o seu sujeito poetico feminino não canta, canta, trata o tema ou tece considerações sobre o amor, simplesmente faz amor. Experimenta nesse fazer a morte e a inocencia imanente – morte iminente inscreve na naturalidade da palavra sem parras a Eva, reenviando o mito ao mito na sua verdade essencial: Mulher. Subverte-se uma certa ordem cultural para, sobre o clã fertil da transgressão se plantar ou restaurar a relação total entre a linguagem e o mundo, entre o real e a irrealidade, sem deixar, apesar de tudo, de se ouvir um levissimo murmurio elegiaco, um certo tom onde se esvaem os contornos da enunciação, a palavra, à medida que se afirma e intensifica, deixa-se de constrangimentos e revela-se a libertação do desejo para alem do dualismo e da morte espiritualista, fundando o sitio da consciencia unificada em concordancia com o corpo. Ato amoroso e ato poetico reinserem o humano no universo e no seu proprio corpo. A trinca na maçã que a eva – Eva se permite, atraves tambem de uma insinuante ironia (cousa tambem e ainda pouco perdoavel as eras, que a inteligencia viva incomoda) rejeita a folha da videira e prefere a folha branca sob a forma de recado – recado dos simbolos? – onde entretece a virgindade do pedido primordial que o sujeito faz ao outro: formular o informulavel do desejo, busca a adesão total ao outro que lhe restitui sempre o vazio, mas, ao mesmo tempo, a possibilidade dessa relação e da sua continuidade. Sendo a poesia sempre a projecção da essencia da experiencia humana, a mulher que do paraiso em perda, até ao reencontro de si pela des/aprendizagem da perda nos chega neste diario a bordo de uma vida (os diversos poemas ressoam como paginas intimas de um diario aberto) é bem a Eva aprendida, conquistada que assume o Outro corpo Não o meu ou o teu porem o nosso: mistura, encontro, mutação


ser pleno que se liberta do eixo isolado de cada um de nรณs: Outro corpo Fusรฃo Ouรงam! Escutem o Recado. Braga, 90.04.19 MARIA ROSA DA ROCHA VALENTE (Universidade do Minho)


NOTA DA AUTORA O grupo que editava os “Cadernos do Povo”, e que defendia o galego como lingua portuguesa, e a Galicia como pertencente a Portugal, pediu-me para fazer uma coletanea de dicção feminina. Eu mesma os selecionei em varios dos meus livros, reunindo-os sob o titulo de “Recado de Eva”. Foi publicado em 1990 pelo grupo que transitava entre Pontevedra (Galícia) e Braga (Portugal). A ortografia era a que eles, a epoca, consideravam galaicoportuguesa : portugues de Portugal, sem acentuação. Maria de Lourdes Hortas (Recife, maio de 2016)





(Fotografia de Walmir Sabino)



Este livro foi escrito a partir da emoção de uma visita a Conímbriga, cidade romana, próxima de Coimbra. MARIA DE LOURDES HORTAS


Este pó foram damas, cavalheiros, rapazes e meninas; foi riso, foi espírito e suspiro, vestidos, tranças finas. Este lugar foram jardins que abelhas e flores alegraram. Findo o verão, findava o seu destino... E como estes, passaram. Emily Dickinson


À memória dos poetas Paulo Bandeira da Cruz e Gastão Castro Neto.


PĂłrtico SĂŁo asas de mil pĂĄssaros esses bandos de rosas que partem revoando cumprindo o seu destino de rosas que abertas floriram seu instante minutamente belas.


Rosa, Rosae Não haveria a rosa se entre as rosas não existisse a rosa mais antiga: essa rosa-raiz rosa-semente inevitável rosa sempre ardente há milénios se abrindo e se esfolhando entre a rosa da aurora e a do poente.


Vitral Seta de luz irisando o cristal de arabescos secretíssimos. Lança de fogo atirada ao silêncio de antiga catedral: incêndio onde se escutam harpas.


Interpretação das Ruínas Houve passos nas pedras dentro da madrugada alvoroço de pássaros tropel de cavalgada. Houve um cordão de estrelas nas janelas das casas as luzes das candeias leve fremir de asas. Houve salas e quartos cozinhas e latrinas houve átrios, cisternas oficinas, tabernas pátios, fontes, piscinas. Houve cítaras e harpas beijos, dança fogueiras. Houve medo, esperança flores, ritos, festins houve guerras e trégua tempo de sol ou névoa na relva dos jardins. Houve mantos e túnicas seda, algodão e linho. Houve sombras mirando as sombras do caminho. Entre verões acesos e ardentes temporais houve núpcias secretas rosas de lume abertas no leito clandestino do feno ou dos trigais. Alguém pintou murais alguém fez os mosaicos


alguém na olaria riscou flores e falos sobre a face dos pratos. Alguém armou os jogos de águas nos repuxos. Alguém se sentiu deus, Alguém se julgou bruxo. Alguém bebendo vinho. Outros comendo pão. Alguns dizendo sim. Outros dizendo não. Longe uma voz chamando outra que respondia. Houve noite. Houve dia. Infâncias, solidões amores e traições chegadas e partidas: existências cumpridas. Antes de haver ruínas houve os jogos da vida.


Feminae Eva Erva Hera eras sem fim agasalhando a pedra.


Gravura HĂĄ um risco de pluma viajante sobre a nĂŠvoa e os sulcos da colina: um fulgor de tempo alumiando o desenho de quem a vida assina.


Cave Agora quero que a poesia venha do mundo Ă minha volta e me tome de assalto e se guarde na cave onde fique macerando tempo sem pressa para a transparĂŞncia.


Estação Amarela No segredo espesso da terra no silêncio nocturno desse ventre dorme a semente para o canto amarelo-canário: campo de girassóis.


Rupestre Sobre as ruínas meu sentimento paira sobrevoando signos. Do mirante surpreendo territórios antiquíssimos seres encurralados em cavernas de vidro. Pelo filtro de gaze das cortinas vê-se luz confirmação da vida saltimbancos no trapézio dança de folhas numa réstea de outono. Dentro da noite o luar é o rectângulo da janela fluorescência flutuando no silêncio sibilas da água e do fogo armando jogos – ritos de pânico exorcizando o enigma.


Festim Convidar a tristeza esperar que se instale permitindo que aflore das funduras mais fundas onde a gente se esconde. Entornar a tristeza sobre o linho da mesa numa festa de versos.


Mosaico Uma só época época nenhuma: arco sobre o infinito e sobre a pedra um pássaro.


As Evidências Alguma coisa pelos túneis caminha imponderável subtileza de aranha tecendo teias. Do espelho implacável me assalta: onde foi a que foste?


Caleidoscópio Inconcluída história que acrescenta o sonho ao sonho, poesia à poesia vida que não se fecha e se recria estrela sempre em febre que orienta a explosão do encontro, vida inquieta pleníssima, e no entanto, sempre incerta e porque incerta, assim, mais descoberta aventura e ventura que se amplia cumplicidade, mútua alegria vertigem, avidez, deslumbramento ardência e delírio além do tempo mais que perfeita junção porque harmonia inconcreto sentir, e todavia tão concreto e tão pleno sentimento desejo que se excede a cada dia insossegada paixão, porque infrene que ao tédio e à clepsidra desafia roubando ao eterno a flama e a magia: inexplicável amor porque perene.


Revoada Em alguma praça de mim um sino dobra sons de pedra arremessados à vidraça da tarde que sou: assim me parto deixo cair a noite do regaço e fogem em revoada as pombas meus fantasmas.


Flama Ai que doce e ardente primavera neste outono de ouro tão vermelho Ai que êxtase festim de antiga era nos renova nas águas do espelho Duplicados na flama do espelho duplicamos a dimensão do instante Neste ocaso de rosas tão vermelhas renascemos além do horizonte


Cometa Cadente outra vez passa a estrela riscando a treva que interrogamos: candente outra vez passa e com ela o enigma do que somos. Canção para Reinventar um Tempo Antigo Faz-de-conta que o tempo é uma varanda voltado para um pátio circular: faz-de-conta que em canto de ciranda regressamos ao cais de regressar. Faz-de-conta, nas água do destino um aquário de luas nos espera: Faz-de-conta que um canto repentino Traz de volta uma antiga primavera. Faz-de-conta que esta contradança nas varandas do nosso coração reacende os sóis de antigamente: Faz-de-conta que os rios da lembrança reacendem a flama da canção neste pátio-passado – tão presente.


Canção para reinventar um tempo antigo Tambores de chuva, ofegantes ordenam a festa da vida mais um dia. A seiva da poesia em maré-alta dos cântaros da palavra se extravia.


Gravitaçþes Rodas de vento e de chuva as mesmas luas e ritos cega harmonia girando na olaria dos mitos. Rodas de vento e de chuva elos da mesma ilusão: pacificando a passagem sobre a pele do chão.


Marinha Emerge do oceano outro oceano translúcido lugar além das ondas país interior, interno azul água-marinha que se fende e expõe submarina trajectória fluida deserto azul onde pousam silentes os vestígios dos dias – rosas rubras azul além do azul águas mais fundas um mar dentro do mar.


Acto de Fé Creio na alquimia da palavra onda de um rio raiz, seiva, resina favo de mel silvestre mina d’água êxtase da infância esperando-me na esquina. Ao terceiro verso ressuscito dos mortos enquanto lírios nascem sereníssimos varando a verde relva do silêncio que respira.


Rosa-dos-ventos HĂĄ sempre um canto claro aclarando o silĂŞncio assim como uma rosa representando a vida: hĂĄ sempre um sino claro numa esquina florida.


Desocultar as Fontes O invasor que ultrapassa fronteiras precisa pouco a pouco desvendar seu espaço: desocultar os encantos da aldeia devagar mapeá-la com a marca do seu passo. Lentamente à medida que avança enfrentar o mistério de inscrições estranhas: decifrar os túneis mais secretos antigos aquedutos que vêm das montanhas onde se ocultam pássaros imprevisíveis por caminhos de barro limo, hera, areia e se espreguiça um rio primitivo que recita as lendas da construção da aldeia. Desfolhar o dia e a noite calma ir acendendo o rasto de tudo o que desvende até chegar à praça onde a fogueira aquece as mãos geladas daquele que a acende. Então beber na fonte que se entrega a água que entre musgos


se rende Ă sua sede. Saciado ergue a flecha e o arco e mirando o infinito finca no chĂŁo o seu marco.


Heráldica Dor submersa remota inscrição apaziguada pelo passo felino verde musgo do tempo.


Inscrição Na pedra uma palavra afirma a vida: flor do instante desfolhado à deriva.


Circunavegação Na folhagem das tílias vôos passam e regressam: sombras de pássaros sempre.


Barro Abstracto Sobre o barro onde agora te debruças há um sopro o mesmo sopro que te anima: a essência perene sopro-ânima pedra-cárcere que reteve a criação. Pedra-pássaro vôo pleno em tua mão.


Geometria Nos rituais da chuva que mortos vestem as rosas do prรณximo enterro?


Escultura Tigre de pedra aveludando o silĂŞncio. Lua-pena singrando serenĂ­ssima rumo aos acasos do sol.


Jogos d’Água Que chegue assim de assalto imprevisível sem se anunciar como chega o destino. Que venha leve e alto como o vôo de um pássaro que pouse igual ao vento incauto e repentino. Assim seja o alvoroço sereno nunca aflito que cante silencioso como a argila dos mitos – elos de uma ilusão: marcas pacificadas sobre a pele do chão.


Vibrações Pelo rubi do vinho transparente na taça pela brisa que espalha o cheiro a maresia pelas rosas bravias voluptuosamente vermelhas abraçando as arcadas do dia pelo amor que me lembra com sorriso de esfinge pela verdade oculta por tudo o que se finge vale a pena este verso de silêncio que escrevo com a pena da pomba que tão plena se arrisca riscando a brevidade luminosa da vida.


Epílogo O que haverá de urgente diante do repouso destas muralhas em ruínas séculos e séculos de silêncio indiferente sobre a certeza do pó de vidas que pisamos?


Dança das Heras Felinas heras sobre ruínas dançam. Bárbaras heras de garras como feras amorosas enlaçam os vestígios do templo farejando a faísca dessa flama que mora no coração dos seixos: vida cravada sobre o flanco da pedra.







MARIA DE LOURDES HORTAS


SONATINA A verdade era verde e verde a vida na antiga paisagem transparente onde as ondas teciam uma cantiga talvez de outra canção tema e semente. Eram claves de sol e de ilusão mar azul sem medos e sem medusas só ternuras de brisa e o coração recusava o tom das semifusas. A verdade era verde nessa antiga história onde existiam outras mãos compondo ao piano outra cantiga : Vertigem que me visita de passagem revoada que é na solidão fugaz reinvenção de outra paisagem.


NOCTURNO Pediria ao poeta que trouxesse o vinho e depois a doçura do instante antigo para lembrar que a vida pode ser o farfalhar de folhas uma fuga de pássaro canto longínquo grito piscar de estrela soluço : esta chuva que escuto sobre o telhado.


PÁGINA DE DIÁRIO Assim que, aportando, a primavera trouxe o rasto de rosas e andorinhas à janela do quarto onde habito trouxe também a pomba que, nocturna vigilante velou do parapeito minha saudade da janela antiga de um quarto onde dormia, bem-amada enquanto as pombas lá fora iam ruflando as asas que abriam a madrugada.


ESTAÇÕES Poderia afogar-me na silente cisterna de lágrimas léguas de um longo tempo extraviado quando o mar recua para ermo horizonte de incompletude e inesperança. Todavia há marés que me resgatam : réstia de luz por instantes ferindo a silente espessura da lembrança.


NAVEGAÇÕES (I) “A minha pátria é a língua portuguesa.” FERNANDO PESSOA

A minha pátria sim, por certo, é também aquela ilha caverna dentro de mim lugar onde é possível revisitar sempre o êxtase da fábula da infância ouvindo a música secreta dos temporais do génese no perdido paraíso. A minha pátria é toda essa engrenagem de dizer minha casa de ser permanente textura de tudo o que penso e digo e escrevo e canto pelos quatro cantos da vida sempre com o gosto agreste das urzes e das rosas do mel e do pão da chuva e do vento das giestas e da serra. Tinhas razão, poeta : a pátria da gente é mesmo a nossa Língua. Assim, eu mesma sou a minha Terra.


NAVEGAÇÕES (II)

O ponteiro riscando na ardósia a primeva palavra na longínqua aldeia O ponteiro riscando o coração negro da pedra fala no silêncio da sala na longínqua aldeia O ponteiro riscando a raiz primitiva do poema no templo da escola O ponteiro arranhando a noite de pedra da ardósia poesia querendo ser O gume do ponteiro inventando na ardósia o prodígio da flauta para o canto O gume do ponteiro traçando o alfabeto mapa da fala fundações do país que transportei e carrego até hoje para sempre comigo eu, mala.


RECADO “Mas quanto mais me alongo mais me achego.” CAMÕES

Nenhuma carta porém ressoam versos : sabor de mel lavando o sal do pranto vale de águas, fronteira inconsistente pois tantas milhas de mim jamais me apartam. Que longe ou perto refaço a mesma rota ao cais seguro, definitivo porto onde me espero e sempre me encontro.




Maria de Lourdes Hortas

FONTE DE PÁSSAROS

Cia. Pacífica Recife - 1999


Coordenação Editorial JADSON BEZERRA Criação da Capa FREDERICO FONSECA e MÁRCIA HORTAS Foto da Capa MÁRCIA HORTAS


POESIA COMO LEGADO Zuleide Duarte Pássaros, Flores, Chuva, Fonte, Luz: cenário do livro Fonte de Pássaros, de Maria de Lourdes Hortas. Poemas tecidos com a luz da aurora e a emoção da vida. Versos onde a autora, em idílio com a solidão compartilhada com a natureza exuberante – interlocutora privilegiada de sua alma inquieta – dá voz às interrogações e aos sonhos, num grito de liberdade que se espraia pelo domínio da palavra, eterna cúmplice. Da sua janela, mirante de pássaros e luz, a poetisa destece, da trama do tempo, o fio da vida e dá expressão a sentimentos impregnados pela luminosidade da paisagem, ressumando terra molhada e seduzindo as ninfas do bosque com o canto nostálgico das lembranças. Desvelando emoções em trajes de romaria, vai a poetisa “No pote do coração/ carreg(and)o a água mais pura/ de fonte da solidão/ de torrente de amargura” ou passeando “entre bambuzais e regatos,/o olhar colhe(ndo) ramos de versos”. A identificação com a natureza é a marca destes poemas em que a vogal “a”, pelo seu ponto de articulação no centro permite a expressão plena da palavra em vôo. São albas que saúdam a aurora luminosa, despedindo-se da noite no entressonho do milagre da vida. São sonatas e noturnos à “lua nova (que) adoça os frutos” ou laudêmios à “arcana coruja/ sacerdotisa grisalha.” O olhar transfigurador da escritora vela o Tejo, espreita vacas, compartilha “o licor do orvalho” com as flores e divide o mel com as abelhas. Refugiada nas saudades – pássaros cantando no escrínio da memória – MLH constrói um mundo onde é possível voltar a ser menina e ir à fonte: “À beira das águas/lá do ribeirinho/regressa a menina/com seu cantarinho”. Cumprir o ritual da contemplação dos mistérios do existir, transpondo-os para o verso onde imprime a alma, tem sido o caminho da poetisa “Na estrada (onde) a sombra/é a lembrança/ súbito pássaro/ me esvoaçando/ o coração”. Na urdidura do texto, ela realiza uma poesia que conjuga a pureza e a coragem da mulher aldeã com a consciência dolorosa da mulher urbana, dividida entre duas pátrias, entre as quais não pode escolher


porque, segundo André Gide, “escolher é renunciar” e não se pode renunciar ao dom da vida nem à dádiva da poesia. Evocando D. Dinis, que era rei e poeta ou poeta e rei, encontra-se a resposta à pergunta: “para que serve isso/ ó poetisa? / que deixarás/ aos pósteros/ além dos teus/ fragilíssimos suspiros?”. D. Dinis deixou cantigas, plantou pinhais. Não pôde escolher: entre a realeza e a poesia, ficou com as duas. Maria de Lourdes Hortas, mais feliz que o rei, tem duas pátrias, “o universo das palavras” – como Cecília Meireles – e uma poesia que é, ao mesmo tempo, canto e encanto. Este, o seu legado. (Recife, 1999)


A Zuleide Duarte. E tambĂŠm para Tereza Halliday, Arnaldo Saraiva, Frederico Fonseca, Armando Mello, MagnĂłlia Amorim e Zeneide Costa, amigos de sempre.


Imagens que passais pela retina Dos meus olhos, por que nรฃo vos fixais? Que passais como a รกgua cristalina Por uma fonte para nunca mais ... CAMILO PESSANHA


Apontamentos de Aldeia


Abaix’esta serra verei minha terra. Ó montes erguidos deixai-vos cair deixai-vos sumir (...) FRANCISCO DE SOUZA (Cancioneiro de Rezende, 3, V, 294.5)


LEGADO Para amanhã e depois, mais tarde àqueles que ainda gostem de chuva para habitar enigmas labirintos e prodígios para não deixar fugir o espanto diante das coisas essenciais para ouvir o silêncio de Deus para não me perder de mim: escrevo.


PALIMPSESTO Insciente de tudo quanto ocorre além da guarita dos pássaros como se o início e o fim de tudo aqui fosse regresso às poderosas noites ouvindo estrelas.


ALBA Sonolenta, de pálpebras cerradas a madrugada sob o frio lençol de neblina ainda oculta não se apressa. Do carrilhão despencam lentas horas de chumbo que ressoam e somem no pântano do silêncio. Viajantes pontuais operários passarinhos aportam e estremecem os vitrais do dia preparando os círios para acender o sol. No mirante de papoulas vigiando o território ladra o Tejo. Vacas ruminam versos e passam, sonhadoras, no portão. Em fila marcial gansos refazem trilhas. Boêmio rocim ensonado pelo cálice de humildes florinhas amarelas sorve licor do orvalho. Do ocidente ao oriente a manhã felinamente cresce e se alonga. Rigorosas abelhas cumprem o destino por ínvias veredas percorrendo flores.


GEÓRGICAS Lua nova adoça os frutos Rosa nova acorda, plena. É preciso atar as trepadeiras podar as papoulas aparar a grama coar café fazer doce e licor ajeitar as telhas do telhado responder a carta do poeta arrumar a gaveta antes que o inverno chegue. Todavia deixemos para amanhã o que se pode fazer hoje. Nova rosa acorda, plena. Lua nova adoça os frutos. Na pausa de luz viajam pássaros.


CAPÍTULO Ainda há pouco, quando a primeira estrela se acendeu meu neto, de apenas três anos muito sério e solene, veio e disse: Qualquer dia, Vovó, vou ao céu buscar três estrelas para pôr na varanda, no lugar das lâmpadas. Vai ficar tudo bem clarinho e luzente! Diante do meu encanto ou espanto ponderou: Mas não é hoje não, vovó! É qualquer dia...


SORTILÉGIO Devagar a tarde leveda e se arredonda. A noite principia pelo rumor de asas vôo tangente maga que surge das trevas e adentra no templo da jaqueira a oeste do jardim. Laudemos a arcana coruja sacerdotisa grisalha: Oremos. O órgão da brisa solene anuncia transmutações: estandarte de rosas sobre o hálito de estrelas.


NOTURNO Não acendas a luz do alpendre: um pássaro dorme a lua se derrama nos ladrilhos e o cão pesadamente sonha.


CÂNTARO À beira das águas lá no ribeirinho regressa a menina com seu cantarinho. Dançando e folgando rosa de verão com seu espelhinho de lua na mão. Vem pisando ervas mordendo maçãs. Procura segredos dentro de romãs. Escuta os adufes da serra distante inventa giestas à beira do monte. Lá na funda mata canta um ribeirinho: nele me debruço com meu cantarinho.


FUGA Nas páginas do álbum os caminhos dão voltas: reencontro as manhãs findas no espelho.


SONATA Tempo plรกcido regato: sem nenhum acidente que lhe corte o pulso.


BUCÓLICA Bando cigano de cigarras sob tenda de folhagem acampa no jardim: fulvos sons de metal decepando o silêncio sob o pálio pesado de púrpura do poente.


LITURGIA Eu vos agradeço, ó deuses, este luar agridoce ardência de vinho maduro tinto sobressalto rio solto despencando sobre matas e abismos. Eu vos agradeço, ó deuses por me teres deixado cair em tentação: seja feita a vossa vontade assim no céu como no chão.


TRAJE Quando vou à romaria à festa da poesia uso o traje apropriado com saiote de quebranto colete de labirinto alva blusa de ternura cinto cor de manuscrito. Vou fermosa e insegura por veredas de verdura. No pote do coração carrego a água mais pura de fonte da solidão de torrente de amargura. Com traje de romaria Ponho o xale bem cruzado e com ais da Mouraria escrevo cantando o fado.


INTERVALO Enquanto a chuva veste a noite sinais do pรกssaro anunciam o regresso: tambor de luz.


AUGÚRIO Na encruzilhada da noite um pássaro se faz presente: seu grito de pedra atirado ao poço do silêncio abre uma fenda morada para o susto golpeando o sono.


ARGILA No carro de chuva vem a infância: o vento acorda o cheiro de pão quente, mel e frutos. As brasas da fogueira estalam. Ouço os veios da água me atravessando, argila.


INSCRIÇÃO A relva ondulava líquida primavera dançando à minha porta.


FONTE DE PÁSSAROS Alfombra macia de luar e pétalas assim por certo tua pele onde me deitaria abandonada como no chão da infância. Enche-se de abelhas minha alma. Ao longe os sinos. Ao longe os barcos. E eu em ti sozinha às portas do baile ouvindo os boleros que retornam esplendor, névoa, perfume, arrepios vaga-lumes sedas. E eu em ti enquanto as ondas uma a uma regressam – inquietas águas. E eu aqui enquanto o vento levianamente assobia invadindo frestas da janela onde ninguém espero. E eu aqui desfolhando as páginas do diário antigo como se desfolhasse margaridas e esperanças. De onde nasce este desassossego rutilante fonte de pássaros em meu coração?


ACALANTO Quando a noite passeia pelo jardim a brisa traz de volta a infância no seu coche noturno. E no sono regressa a dolente cantiga contradança de inverno pandeiretas de chuva. O marulho do bosque conversas de arvoredo de um mundo sem pressa hibernando em segredo: negra molhada noite onde respira a vida contradança de inverno pandeiretas de chuva.


PLUVIAL Vergastando a noite vem a chuva ventania subitamente abrindo todas as janelas do meu coração.


CATA-VENTO Onde foram os pรกssaros de outrora ? Gravitam, sombras no carrossel de agora.


CANTATA Arabescos muito finos violinos. Rendas parlendas guitarras de cigarras. As horas crescem como ervas. Galos arautos fendem as trevas.


COSMOGONIA Inteira desรกgua a vida neste largo segundo fulgurante: chรฃo onde escrevo.


VISITA DE COLIBRI Fragmento hieróglifo luminoso verde flecha surpresa em travessia frêmito.


ABISSAL Enigmas de pássaros e serpentes estremecem o silêncio onde habito. Súbita ventania se levanta. Sobre o vale um anjo deixa cair um grito.


ESTRADA Na estrada a sombra é a lembrança súbito pássaro me esvoaçando o coração.


ÉCLOGA Guardiã de rio primitivo tecedeira telúrica urdo o linho e acompanho sem pressa a alquimia das escrituras. O tempo lagarto sobre a folhagem da tarde fia os finíssimos fios da noite de seda. Entre bambuzais e regatos o olhar colhe ramos de versos.


FLAMA Silente flama asa planando, breve sobre o espelho onde a tarde se ensombra.


EMBLEMĂ TICO Por decreto de abril fechou-se o dia e a noite evadiu-se da cisterna. A dama repentina trouxe a guitarra e o anjo andaluz trouxe a lanterna.


BICO DE PENA Muro de folhagens e papoulas assim minha alma onde se escondem pรกssaros.


TENDA Em carroça de estrelas chego a esta colina de vento cigano como eu viandante inquieta perseguindo o sossego às avessas por trilhas de exílio e solidão. Sob luares e chuviscos de orvalho armo a tenda: claustro de avencas e livros onde insetos fabricam silêncio e névoa.


ANTEMANHÃ Acordo pássaros. Caminheira por humildes veredas sem destino submissa à serra rente aos lagos esfolho flores que mato com ternura. Acordo pássaros. Na borda do abismo há miragens e neblinas: Bom dia, árvores. Bom dia, vento. Sabiás cantam: bom dia, vida.


DEVANEIO Mazurcas em surdina: linguagem de รกrvores revelando se o vento as aรงoita ou acaricia.


ALEGORIA Ao invés de alegria apenas alegoria: arroio que jamais há de ser rio.


SOLIDÃO AMESTRADA Coloquei a coleira na solidão depois fui passear com ela no caminho como quem passeia um cão.


DILUVIANA Se vendavais desabassem quando hรก tristezas demais hoje diluviaria num aguaceiro de mรกgoa que nem pomba nem folhinha de oliveira restaria. Sobre as navalhas da รกgua nada, nada nadaria.


BRUXEDO Pelas furnas da mata nos covis de folhagem vejo mitos – arquÊtipos de magos duendes e assombros. O imaginårio felino se embrenha no mundo elementar.


ÓRBITA À medida que o tempo se escoa diminui a medida do que preciso: no fim de tudo precisarei de nada.


ENSAIO Afagar de mãos doçura de licor fuga de pássaros dança ambígua: fragmentos de pedra e lenha seca. Hibernação. Tocaia à vida.


TROPEL Súbita primavera desgarrada frontalmente aflora: emblema da paixão soprando o sono. Súbita primavera me agarra assustando resignações de outono.


PASTORAL Pesada cai a tarde como um fruto. Outra vez a noite profundamente ouve o silĂŞncio a emergir das rosas. Fugitivo passa o suspiro do jasmim. Dormem as pedras. Em tocaia, na sombra um anjo espera.


NASCENTE Por que recusaria a gratuita poesia que chega dia a dia e me habita nascente súbita brotando como erva nas funções das pedras?


MANUSCRITO Em minha prรณpria sombra gravo a certeza de que a luz me habita.


TELÚRICA Na textura do silêncio entre a chama da vela e sua sombra pulsa o tempo. Folhas crepitam. Ramos estalam. Serpentes fogem. Pelos caminhos cavalos lêem antigas inscrições.


SINGULAR Há frutos no jardim que habito porém, Eva sem Adão, (todo o mal traz um bem) me regozijo: não corro o risco de vir o Grande Anjo expulsar-me do paraíso.


AQUARELA A ardĂŞncia do dia vai beber Ă fundura do vale onde o lago repousa.


CĂ?CLICO De vez em quando um vendaval me visita e arreda as telhas do telhado: estrelas me espreitam e bem-te-vis me acordam.


PÉTALA Seda carmim data no calendário de uma história: houve um jardim e um verão antigo folha entre as folhas de um livro.


SAGRAÇÃO DAS COISAS MÍNIMAS Bendito seja o sorriso da chuva nova canção gole d’água para a sede do alecrim colônia e capim-santo. Bendita seja a chuva chá do céu santo remédio para todos os males de alfenim.


BARCA DE ARGILA Como se fosse a primeira da vida inteira outra vez no caminho me surpreende a chuva. Barca de argila cheiro a barro e molhada navego arca no dilĂşvio.


CIRANDA Túnel de árvores e folhagem: Bom barqueiro bom barqueiro dá licença de passar? Passarás, passarás passarinho.


MONร STICA Ao relento no portal do meu convento danรงa a chuva mais o vento... Em minha cela escrevo.


BAILIA Bateste-me à porta tresloucada amiga: de onde vens, velida? Bailemos, amiga a tua cantiga pelo monte afora. Bailemos agora por vales floridos ó chuva perdida. Brunindo os cajus e as mangas, bailemos lavando as faianças das folhas dancemos. Ó chuva benvinda bailemos agora por vales, por serras pelo mundo afora.


ALEGRIA Hoje teria pena de morrer: A lua encalhou no meu telhado a mata me abraça a aragem me beija o orvalho Ê de mim que goteja.


ÍNTIMO Fundura da casa silêncio onde lentos segundos seculares de areia se esboroam no velho mar morto íntimo charco do coração.


CANTIGA DE ROMARIA Nossa Senhora da Vida pede ao vento que se cale e à chuva que não demore a passar. Nossa Senhora da Vida traz-me de volta a cantiga do mar.


À BEIRA DO POÇO – Ai, Mãe se ao poço da alegria eu tirasse o balde o que viria? – Água muito fria.


EMBOSCADA Ao acender o quebra-luz olhou-me o retrato da estranha. No estígio espelho não reconheci os lábios onde passei batom.


RIOS NOTURNOS No profundo silĂŞncio onde dormem rosas correm noturnos rios. IncansĂĄvel, a vida dobra corta e fia o seu fio.


GRAVURA Nas muralhas de ontem novo dia de novo no entanto na lonjura do vale por trás do tule da neblina assobia o comboio onde viajo outra geografia debruçada à janela vendo passar as fontes líricas obviamente subjetivas tempo meu era de mim rupestre de muros primitivos pedras soltas amaciadas por musgo.


FATALISMO Assim como este dia placidamente Ă revelia de mim decorreu entre balizas de chuva a poesia pousa pĂĄssaro e na varanda aporta pelo tempo de um canto.


POEMAS AVULSOS


“Nunca desejei ser nada A não ser poeta” HILDEBERTO BARBOSA FILHO


DESCOBRIMENTO DO RECIFE Heróis de ontem de vós herdei a compulsão dos descobrimentos porém minha bússola esteve apontando rotas absurdas ao Cabo Nunca Mais por isso fiz tantas vezes a Expedição impossível por mares, Dantes, navegados impossíveis de resgatar com a mala de ontem cheia de laços que já não atam tranças perdidas. Não foram as pedras destes monumentos que me construíram embora existam, base, em meus alicerces. Contemplo o incêndio das searas desertas da infância e estou pronta para arrumar a mala de regresso a mim com os trajes sonâmbulos das miragens dos oásis perdidos. Há sempre um passo que nos leva ao marco onde as fronteiras se esclarecem meridianos definindo os hemisférios. Agora na peregrinação ao reino dos mortos pinheiros são ciprestes e o musgo esta certeza do tempo sobre os túmulos. Debruçada na cisterna das chuvas de ontem convoquei sombras e lume heróis e naves saudade e ternura catedrais, hinos, atavismos, guitarras heranças e destinos.


Todavia, no coagulado silêncio das águas pantanosas me vi – forasteira por ruas alheias. Chego enfim ao presente reverso desta paisagem lá onde estou outra margem deste mar águas se desdobrando em rios e mangues e pedras se fazendo arrecifes.


EVOCAÇÃO DE D. DINIS Inútil - houve quem dissesse minha poesia vida ociosa rabiscando versos: - Para que serve isso Ó poetisa Que deixarás aos pósteros além dos teus fragilíssimos suspiros? Por acaso lembrei-me de D. Dinis: era rei todavia a suspirar vivia: Ai flores, ai flores do verde pinho! Aliás até lembrei de mais: sua alteza, o poeta em meio a tantos ais também plantou pinhais.


FADO NOTURNO Cala-te porque nĂŁo sabes dos comboios que passaram nos carris do mar sem naves onde os sonhos se mataram. Cala-te porque insone nas noites adormecidas tecelĂŁ teci teu nome de estrelas destecidas. Sobre o mar morto contemplo minha vida em agonia: minha saudade ĂŠ um templo onde rezo cada dia.


ARDÓSIA A palma da tua mão é a ardósia pedra onde inscrevi os versos do meu destino


CANÇÃO PARA AGRADECER UMA CAPA MOURA (*) A capa trouxeste, Moura À chuva da Mouraria: chuva tecendo o fadário da chuva da poesia chuva da sina chovendo na aldeia onde existia o sortilégio da moura que na fonte se escondia principalmente se a chuva diluía em noite o dia. No tear das águas mornas aguaceiros de verão - tua Arte, essa magia na palma da tua mão a capa teceste, Moura para um Diário passado: guarda-sol em guarda à chuva capa, capote encantado como aqueles da infância transparências, rutilâncias de pleno e azul meio-dia moura-capa que encapa a chuva da nostalgia. Do alto desta manhã com águas do mar vestida te saúdo mago Moura e te canto uma cantiga como se, moura, cantasse na fonte da praça antiga liricamente chovendo onde a Arte encontra a Vida.

(*) Ao artista plástico pernambucano José de Moura, Agradecendo o pastel que me ofereceu para a capa do livro Diário das Chuvas.


FADO DEPOIS DA CHUVA Não foi nada...

Este uivo que veio inesperado pelas frestas do chão que se abria

Não foi nada... foi apenas o amor ausente nem fantasmas nem lobos Não foi nada ... Era o fim do verão e de repente revoaram as rosas desvairadas. Não foi nada ...

Foi apenas aguaceiro trovoada que veio, inesperada desabaram as fontes e as torrentes e os soluços da vida de repente escaparam nas águas desatadas.

Não foi nada Foi apenas o amor ausente solidão e tristeza e agonia uma dor cristalina desgarrada dor tão solta ai tão solta de repente como um pássaro negro que fugisse da cisterna da infância que sangrava... Não foi nada.


POST-SCRIPTUM Havia o meu convite para um chá que tomaríamos na varanda ao fim da tarde quando o azul do mar enverdecendo se pontilhasse de regatas e pombas. Porém subitamente o poeta foi chamado para a travessia do mais largo oceano. No calendário de contratempos ficou tarde para aquela tarde de chá e chocolates Mozart, poesia e rosas.


RESPEITÁVEL PÚBLICO O poema é o chicote com que espanto as feras neste circo neste palco nesta arena. Domadora as enfrento para que não me ataquem: meu canto, capa branca.


RITO Meu coração é seda que a vida ciclicamente rasga inexplicável rito me devolvendo ao mito da poesia.


PĂ‚NICO Subitamente a vida se vai fazendo tarde:


MOTE PERPÉTUO De tão triste a tristeza já nem chora porque habita em sossego a alegria nem o sol da manhã, dia após dia descongela seu manto cristalino: de tão triste a tristeza já nem chora dobra, mansa, longínqua, como sino.


FÁBULA Um dia há sempre um dia em nossos dias dia que vem no vaivém das vagas horas que passam no vaivém dos dias como se fossem as fugitivas águas. Um dia há, porém há, sim, um dia esse que é marco data que se guarda.


SUBMARINA Só o avesso do olhar penetraria o avesso da onda e sua luz: clara vidência captando o invento do mar além do mar um mar inverso: recriação do azul.


OS CONTINENTES DA CASA AlĂŠm da porta nas entranhas da casa um rio largo divide a casa ao meio. Rio de outrora frio jazente rio: eras remotas que fecho e desabito.


APONTAMENTOS PARA UM ROMANCEIRO DO RECIFE Depois do carrossel das águas no moinho da Aldeia veio a chuva do Recife restos de infância soçobrando nos caudais que desciam pelas ruas do subúrbio na casa do antigo quintal onde fantasmas escoltavam botijas de ouro entre seivas estranhas de mangas e de cajus dias aflorando com cheiro de café e cuscuz. A infância acabou de repente, de madrugada quando os matizes da aurora se transferiram para a cambraia da camisola e o algodão do lençol. Então alvoroçou-se a vida com o frêmito do pássaro do primeiro amor de bicicleta passeando na calçada e na tarde episódios do Zorro na matinal de cinema dos domingos com gosto de chiclete tutti-fruti e hortelã. As serenatas vieram bem mais tarde. Antes disso, porém, houve os relâmpagos aguaceiros de março quando, a sete chaves me fechei no quarto criminosa lendo O Crime do Padre Amaro.


TARDE DE JULHO (**) Foi preciso uma tarde assim: violinos de chuva acalantos dolentes vertentes entre céu e terra. Uma tarde assim tão paz tão guerra uma tarde em dilúvio pleno julho para que nas rotas desses rios navegassem nossas naves nossos barcos literalmente de papel.

(**) Ao artista plástico Frederico Fonseca, agradecendo as 10 gravuras onde transcreveu e ilustrou 10 poemas meus.


APONTAMENTO EM LISBOA Sentada sozinha bem acompanhada em plena esplanada bebo cerveja como tosta mista: ninguém me percebe. Uma avó a mais esquentando ao sol num banco sentada sequer personagem digna de filmagem turista, estrangeira mansa inquietude entre pombas mansas. Que bom estar só sem dor, nem saudade em plena avenida que comigo rima redundância larga rua Liberdade!


TEMA E VOLTA À esquina do Ano Novo um assaltante me exige a verdade ou a vida. Apenas uma verdade tenho a oferecer: a minha mais terna e doce piedade por toda a humanidade principalmente aquela que ainda vai nascer.


PRETEXTO NATALINO “Mas algo falta que não sei o que seja.” JUAN RAMON JIMENEZ De onde vem o toque vago de um sino suspiro de um Deus perdido menino se afogando nas frias fundas águas do poço do Natal? Por um instante o acorde longínquo o faz presente e o acorda sob presépio ausente.


PARĂ GRAFO Que poesia teria sido escrita se todo domingo fosse dia de poeta fazer visita?







CRÓNICA LÍRICA DE SÃO VICENTE DA BEIRA Ao sul, no regaço da Gardunha imerso no acalanto dos pinhais aconchega-se um lugar de maravilha que resiste ao tempo e aos vendavais : São Vicente da Beira, vila antiga de foral e glórias medievais. Reza a lenda que há, nas redondezas ruínas de um castelo, ou cidadela vestígios de história e de grandezas que se guardam ali, de tempos mouros onde um gato de pedra é sentinela de séculos, de estrelas, de tesouros. Na verdade, esta vila foi fundada por Afonso Henriques, rei primeiro em paga aos favores de um valente castelão quando aos mouros combatia : são heranças que vêm desde sempre terra da melhor cepa e melhor gente. Tanto assim, sendo terra de valia com insígnias e honras assinalada foi então consagrada a São Vicente e à capital do Reino irmanada na heráldica, também no padroado de Lisboa pequena foi chamada. Se episódios de infamia e de amargura a crónica vicentina atravessaram saqueando-lhe honras e foral esses contos e cantos de tristura anais e pergaminhos não levaram nem o orgulho da Vila medieval. Casario de pedra onde as heras testemunham séculos de vida


no percurso de tantas primaveras por rotas de chegada e de partida : aqui um chafariz nos mata a sede além uma ribeira se desvenda. Os brasões da história vicentina encontram-se na pedra eternizados : nos solares, nas fontes, nas esquinas dão-nos conta de gentes e de fados. E os sinos das igrejas em canto novo contam contos dos feitos deste povo. Na Praça o capitel do Pelourinho assinala raízes ancestrais pássaro, escudo, barca, cruz florida resistindo ao tempo e aos vendavais : São Vicente da Beira, vila antiga de foral e glórias medievais.



NOTA DO EDITOR Organizado e editado pelo GEGA – Grupo de Estudos e Defesa do Patrimônio Cultural e Natural da Gardunha, o livro CANTOCHÃO DE TODAVIA (São Vicente da Beira, 2005) é uma antologia especial, de natureza paterna e materna da terra natal (São Vicente da Beira, Beira Baixa, Portugal) de Maria de Lourdes Hortas, fonte de inspiração dos 50 poemas da autora reunidos nesse livro. Os poemas de CANTOCHÃO DE TODAVIA foram publicados, em tempos diversos, nos seus vários livros aqui reunidos. Registramos a edição dessa antologia, com os créditos necessários - um projeto particularmente importante na obra reunida de Maria de Lourdes Hortas - e republicamos o único poema inédito apresentado nessa antologia, lançada nas Festas de Verão (agosto, 2005), em tiragem de 500 exemplares. (Recife, 2016)




A poetisa luso-brasileira Maria de Lourdes Hortas, ausente das livrarias locais há mais de 5 anos, desde a publicação do seu livro Cantochão de Todavia, editado em São Vicente da Beira (Portugal), sua terra natal, em 2005, lança este seu livro inédito – Rumor de Vento -, no Brasil e em Portugal, retomando mais uma vez o seu compromisso com a cultura literária dos dois países irmãos, aquém e além Atlântico. Autora com trabalhos divulgados em antologias brasileiras e portuguesas, ela mesma já organizou várias antologias, destacando-se entre outras, a Palavra de Mulher (Poesia Feminina Brasileira Contemporânea), publicada em 1979 no Rio de Janeiro, e Poetas Portugueses Contemporâneos, publicada em 1985 no Recife. Poetisa, com 9 livros de poesia publicados, novelista, romancista, pintora, e atuante diretora cultural do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, Maria de Lourdes Hortas, neste seu novo livro de poesia, alcança a maturidade plena de uma autora consciente do seu ofício e da sua identidade como uma mulher de duas pátrias, não divididas mas irmanadas em sua criação. Juareiz Correya (Recife, PE, 2009)


Aos meus cinco netos - Gustavo, Raphael, Lucas, Júlio e Manuel – com esperança e carinho.


Não esquecer o ruído do vento - essa angústia especial que se sente quando o vento sopra. (...) O vento que passa sobre a erva e a faz estremecer. KATHERINE MANSFIELD (“Diário”)


CONFIDÊNCIA No início de tudo quase menina o poema deitava-me de bruços no chão frio da varanda como se me rendesse sobre as carumas de um pinhal: escrever era necessário e compulsivo. Agora não me assalta. Nada me exige. Chega de mansinho pés de lã gato inaudível cochilando se aquieta numa réstia de outono. Se insisto e o chamo Se espreguiça e dói.


MALA Espécie de mala a alma do poeta porão onde se guarda tudo o que serve para a poesia: cartas por enviar labirintos de intenções partidas inacabadas vertigens inominadas catedrais de silêncio mapas indecifrados medos, lápides eclipses, horizontes icebergues, vulcões sonatas de chuva retratos em sépia arquivo de auroras e crepúsculos maravilha de instantes tempo avulso que se escoa e nos leva na voragem da ciranda. O que guardo na alma abro na poesia: nela interrogo a vida dia após dia.


QUASE HAI-KAIS Não sei onde entre o dia e a noite passa um bonde. * Que notícia de pássaros entre sombras se escondem? * Por vezes a palavra ao invés de ponte é muralha enigma: gelo, fóssil. * Mais depressa do que se espera vira a maré expondo cascos de barcos. * Árvore carregada de pássaros: eclipse de frutos ramos de música. * Na largueza dos gestos generosos agradecer caminhos que ensinam buscas mais fundas. *


Cristal ferindo a noite: alguém desce escadas. A porta estronda adeus. * Canto orfeônico de galos no lusco-fusco do alvorecer: tenores renomeando coisas. * Nas ramas do silêncio despencam águas nos açudes do tempo. * Nas antecâmaras da morte a vida se evola. Um Anjo súbito apaga a luz.


PRELÚDIOS DE SILÊNCIO I. Debruçada no poço do silêncio chamo por mim: das faíscas das pedras vêm a tona palavras que escondi. II. Silêncio reboando no vazio de ontem. Heras vestem muros e fecham a casa fria. Não se volta: o tempo não espera. III. No gume do silêncio pelas dunas da noite dói o olhar e o sorriso do morto sentinela vigilante em tocaia à janela do porta retrato.


DILUVIANA Dilúvio apazigua a manhã ou a paz é de chuva? O mundo afoga-se. A tristeza ajoelha-se. Lá fora chapinhando descalça anda a poesia.


OUTONAL O verão se despede porém ainda há festa mel e vinho. Entre acácias bentevis solistas desafiam o sol. Serenamente o amor: marulho estelar à beira-rio.


BAUNILHA E CHOCOLATE Na aquarela do calendário antigo desmaiam rituais de subúrbio longos domingos de ir à missa com véu de filó branco e vestido cor-de-rosa de fustão. Na lembrança regressa o cheiro de alfazema e o sabor inocente de pecado: comunhão de sorvete de baunilha e chocolate - beijo do namorado.


ERA DO RÁDIO Cantava um muedjim na casa da infância: meu pai, beduíno, cavalgava por desertos de ondas curtas em busca de oásis nas estações árabes.


LEVITAĂ‡ĂƒO Acima do abismo do tempo consumido a memĂłria levita: de repente numa tarde de chuva dos sessenta e cinco anos afoguei trinta.


REENCONTRO Veio. Trouxe rosas do jardim de antigo endereço. Veio. Trouxe sortilégios de inconcluída história e me deixou do avesso.


PASSOS DO TEMPO Ainda ontem era manhã bem cedo: cinzento o céu, molhadas as vidraças e a neve sobre a paisagem acolchoava o mundo. Ainda ontem era manhã cedinho: ouvia o pai partindo para a caça e o avô contando histórias da França. A avó, junto à lareira, tricotava meias. E a mãe, com seu perfume doce, as mãos de pétala, pairava em surdina no quarto das meninas (minha irmã e eu), aconchegando mantas e sussurrando canções para embalar-nos. Ainda há pouco Maninha me chamava e de mãos dadas corríamos pela praça pulando poças d’água na chuva. Ainda ontem era meio-dia: estava na escola, me vestia de anjo. Depois embarquei num navio para longe e chorei. Ainda há pouco rodopiava no baile e depois esperava o noivo no portão. Ainda ontem entrei na igreja com véu de tule no rosto e rosas brancas nas mãos sob pesado silêncio de pedra.


Ainda há pouco os meus avós eclipsaram-se. E de repente o meu pai também partiu. Ainda há pouco tive filhos, fui levá-los à escola, Acompanhei-os por caminhos e descaminhos e fiz festa quando reencontraram a casa pródiga. Ainda há pouco as mãos de pétala da mãe cruzaram-se sobre o peito e o acalanto dela em minha vida congelou-se para sempre. De repente sou avó. Daqui a pouco vai anoitecer.


RUMOR DE VENTO Quando o poeta se desabita parte mas fica. Restam vestĂ­gios talvez um cĂłdigo talvez um mito. Sua palavra seiva, raiz flama no tempo: rumor de vento.


FADO DA INDECISÃO Entardecer. Estou em Lisboa. Atravesso o Rossio. Compro castanhas. Parece que vai chover. Faz frio. Chego à beira do Tejo: vai partir a barca para Cacilhas. Dou meia-volta atravesso a grande praça. Um elétrico passa. Regresso ao Rossio. Parece que vai chover. Faz frio.


CEIFEIRA À moda de Alberto Caeiro

Não entendo os versos dos poetas literatos: herméticos eremíticos eruditos cabalísticos se escondem entre campos minados cifrando entre si os seus recados. Sou uma simples ceifeira: pelos campos de ervas passo a colher flores.


PRIMAVERA Chapéu branco de palhinha com fita xadrez atada ao pescoço. Meias de renda até os joelhos feitas com três agulhas pela minha avó. Assim chegava a primavera cheirando a rosas bravas e alecrim. A brisa, ainda fria, arrepiava-me as pernas Recém despidas das polainas de lã. Aos beirais aportavam andorinhas viajantes. Logo as cerejeiras se enchiam de pardais. As meninas da aldeia transformavam as cerejas em brincos de rubis e miravam-se, lindas, no cristalino espelho das águas da ribeira.


CIRANDA AO PÔR-DO-SOL Nas longas tardes de verão o sino trocava o dia pela noite intervalo mágico do crepúsculo manto de violetas e rosas no céu enquanto brincávamos de ciranda na Praça: - Bom Barqueiro, Bom Barqueiro dás licença de passar ? Por nós passava o melhor tempo de nossas vidas doce inconsciência de ser feliz.


SEIXOS BRANCOS Não jorram como fontes nem correm em fio como lágrimas: seixos brancos e lisos as palavras afundam nas espessas águas do rio que atravessa o meu coração. Não me consola mais dizer rouxinol, pomar fonte, sino, roseiral penhasco, cereja, chafariz moinho, concertina, pinhal praça, guitarra, alecrim ribeira, rosmaninho. As palavras já não me aquecem. Às vezes digo aldeia e o silêncio paira pluma que se perde sobre a neve.


ESPIRAL ร rvore despida no vendaval danรงando eรณlica sinfonia :rodopio no baile final.


ÁLBUM DE SOMBRAS Os moços ufanam-se da sua juventude como se a mesma fosse conquista pessoal. Tudo o que os velhos viveram e recordam são enfadonhos capítulos de antanho em tempo jurássico e ancestral. Para os jovens só o presente conta. Mas que presente se apresenta intacto?


P.S. AOS CONTEMPORÂNEOS Encontros entre amigos horas solitárias para escrever tempo para leitura contemplação de lua, estrelas e sol posto são rituais perdidos neste mundo prático imediatista financista estoicista puritanista asséptico violento cínico. Daqui a algumas décadas, nós que valorizamos a beleza das coisas sem utilidade imediata e a dimensão estética da vida estaremos mortos. Que corcel levará os que agora chegam à secreta ilha da poesia?


PONTO DE INTERROGAÇÃO Idealismo e esperança não acendem ruínas. Fraternidade e justiça são ecos de promessas extintas que o vento varreu para além do tapete da noite escura. Que deus ainda habita a lua estática?


VESTÍGIOS Na argamassa do chão colhemos as pegadas da passagem de povos milenares registrados ou anônimos - indestrutível herança urdida ponto a ponto no tear da história: vestígios de miragens e sentimentos dos visitantes que antes de nós fizeram a travessia nesta mesma barca de areia.


REGISTRO PARA MAIS TARDE Meu neto Julinho com oito anos e janelas nos dentes lanchava tangerinas bago a bago, pensativo. Então olhou para mim e refletiu: “As tangerinas são muito previsíveis. Todas têm os caroços no mesmo lugar!”.


CANÇÃO PARA MEUS 5 NETOS Quando chegam em revoada uma avalanche passa na sala do apartamento. Em algazarra espalham-se como se desfolhassem as cores do arco-íris na relva de um jardim. Desarrumam o tempo e confirmam a brevidade e urgência da infância.


ACALANTO PARA MANUEL Assim que o sol vai dormir com edredom bem fofinho entre nuvens de cetim mando chamar estrelinhas com pós de pirlimpimpim: com elas teço cantigas aos teus sonhos serafim. Peço aos anjinhos do céu que cantem bênçãos pra ti. Depois, quando vem a lua, linda lua de marfim, nela embalo teu soninho com doçuras de alfinim.


CAVERNAS DE VIDRO


No princípio aprenderam a ter medo e protegeram-se. Construíram casas de pedra e lama, pequenos refúgios onde não tardaram a sentir-se cada vez mais sós. MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA (Poetisa portuguesa contemporânea)


RUPESTRE Sobre as ruínas meu sentimento paira sobrevoando signos. Do mirante surpreendo territórios antiquíssimos seres encurralados em cavernas de vidro. Pelo filtro de gaze das cortinas vê-se luz confirmação da vida saltimbancos no trapézio dança de folhas numa réstia de outono. Dentro da noite o luar é o retângulo da janela fluorescência flutuando no silêncio sibilas de água e fogo armando jogos: ritos de pânico exorcizando o enigma.


LEGENDA CONTEMPORÂNEA PARA GRAVURA RUPESTRE Que grito virtual estilhaça o cristal do silêncio nesta surda selva cega? Que sombra se reflete no cristal do silêncio máscara para o eterno ser rupestre?


CRÔNICAS URBANAS 1. Da garganta da noite na cidade degradada brotam anjos degredados matando-se pelos desvãos sombrios nas valas de becos apocalípticos. 2. Abro a janela para a paisagem. Ainda há mar e céu e pássaros. Esgueirando-se na esquina o menino assaltante. A luz do dia não afugenta pequenos anjos maus. 3. A lua se aquarela por trás das escarpas dos mausoléus urbanos onde seres em pânico se escondem.


4. Ouço apenas contar as lendas. Nada sei dos signos ilegíveis cifrando nos muros ameaças em surdina. 5. No lamento noturno do mar sinto cheiro de sangue: a Terra se esvai apunhalada.


MARINHA CONTEMPORÂNEA O mar obstinado e azul vai e vem na estrutura líquida e se retorce indiferente e exato. A noite engoliu as estrelas e se quedou redonda impenetrável adormecida e farta.


O SANTO E OS POMBOS Todos os dias ao alvorecer à beira-mar um velho reedita São Francisco alimentando pombos. No século da minha juventude vi cena parecida na praça do Rossio. A imagem poética (à época) merecia crônica foto e postal. Mas os valores líricos arderam pouco a pouco no torvelinho da poesia abolida. Neste século ecológico o gesto do santo tornou-se incorreto e os pombos tornaram-se perigosos predadores.


CANÇÃOZINHA PARA UM MENINO SEM TETO Na avenida maior um menino e um pardal tomam banho num charco de chuva. Sem telhado que os cubra deixam-se agasalhar pelo manto inútil da minha compaixão adormecendo ao relento das estrelas no chão.


FRAGMENTO DE UMA CANÇÃO TELÚRICA Todavia pássaros assobiam enamorados e ainda se amam nos telhados. Todavia bichos passeiam pelos montes e frutos amadurecem à revelia das harpias.


ESPERANÇA Há de existir um ponto de candura fulgurante nas mandalas das galáxias onde seja possível renascer. Há de existir uma nascente nas mandalas das galáxias onde a gente se permita apenas ser.


ÓBVIO Embora a gente finja que não ninguém escapa da similitude com o símio nosso irmão.


PAISAGEM DE OUTRORA Antes das jaulas de cimento e alumínio cárceres de concreto e vidro houve casas com alpendres e jardins e muros de papoulas com borboletas e pássaros. Antes destes calabouços ao fim da tarde depois do trabalho os homens vinham de ônibus para casa com o pacote do pão. E as mulheres coavam o café faziam a ceia e com os cabelos molhados cheirando a sabonete iam esperá-los faceiras em cadeiras na calçada proseando com as vizinhas e vigiando as crianças que de banho tomado e roupa especial para as tardes cantavam cirandas sob a luz das estrelas enquanto a brisa acariciava a relva do chão.


ANTI-DEPRESSIVOS Os infortúnios acendiam versos antes das pílulas para a melancolia Agora as mágoas fundas abortam rosas diluídas que são em verdes cápsulas Todavia há sempre uma opção: poesia, ou não.


PARADOXO Impossível conter o pranto sobre a argila doente deste planeta em chamas: quanto mais o degelo se processa mais se enregelam os coraçþes das feras.


FLECHAS Incidentes nefastos ultrapassam fronteiras e cravam-se abruptos em nossos corações. Estilhaços de dor tingem de sangue a insônia. Por areais da noite o anjo do terror corta o caule do sonho.


IMAGENS DIGITAIS 1. No parque minha ausência passeia. 2. Talvez o rastro de perfume na caixa do elevador confirme que há gente neste palco vazio.


CARTAS À MINHA MÃE


Aos poucos a hera sobre as pedras Vira pedra (...) WALLACE STEVENS


I. Quando quase menina, comecei a escrever eras sempre a primeira leitora. Se gostavas, dizias: “Fiquei arrepiada. Isso é bom!” Se não gostavas, o arrepio não vinha. Aconselhavas-me: “tenta outra vez...” Depois que partiste, Mãe, naquele agosto cinza, A poesia calou-se dentro de mim. Hoje ocorreu-me a causa do meu silêncio: tanta coisa para te dizer e não consigo... Certamente por conta da ausência do barômetro, teu arrepio. Por isso resolvi escrever estas cartas: quem sabe assim conseguirei demolir o silêncio que vem aprisionando o meu coração? Minha querida Mãe, Quando receberes esta, de onde estiveres, como te for possível por favor envia-me um sinal de que a carta chegou. Pode vir numa sonata de chuva na visita de beija-flor no arrepio de vento...


II. Minha alma regressa esta noite: Seu retorno dĂłi. Dou-me conta de que nĂŁo sou de pedra.


III. À noite o silêncio da casa parece levedar como crescia a massa do pão sob dobras de linho nos mistérios da infância. Mal escurece pressinto teus passos riscando o corredor. O coração acelera-se prelúdio na penumbra da sala dissonância no piano ausente.


IV. No sonho ultrapasso o portal secreto. Meus dedos resvalam pela seda lilรกs do teu vestido.


V. Esta madrugada liguei para ti: Chamou, chamou e ninguÊm atendeu. De repente veio a chuva dialogar na vidraça. Do retrato antigo escapou o teu sorriso.


VI. Agora que dormes sob a pirâmide no vÊrtice do tempo sabes o que diz o vento quando passa assobiando pela estrada.


VII. Na casa onde vivias murcharam as violetas todavia chuvas e ventos ainda conversam na varanda onde rezavas voltada para o mar. O quarteto de påssaros teus amigos visitantes pontuais pela madrugada e ao entardecer não entenderam porque emudeceu tua presença azul alumiando o sol.


VIII. O rio da tua vida passou a ser meu afluente enquanto rio eu for. Depois de mim quem colherรก tuas รกguas?


IX. A porta da tua casa cerrou-se para sempre quando fecharam a porta da caixa onde apenas coube teu corpo frio.


X. ...livro aberto na mesinha de cabeceira porta-jóias caixa de música xícara sobre a mesa vidro de perfume anel retrato vestido sobre a cama coisas tantos e tantos signos da engrenagem da vida gestos expostos emoções à deriva espalhados na pressa da partida.


XI. InviolĂĄvel cofre tua vida tornou-se ontem para sempre. ImpossĂ­vel reverter a rocha lava fria.


XII. Agora tua casa se entrelaça nas casas daqueles que ainda por aqui se demoram mais um pouco. No retrato antigo sorris e esperas: é véspera, Mãe.


XIII. Quando te cobriram com a mortalha de terra a vida pesou sobre mim, ĂłrfĂŁ.


XIV. Um portal se fecha a tristeza me cobre: crepe negro e molhado terra soterrando o cofre que te enterra.


XV. Implacåvel eclipse o da morte transformando em bronze a que viaja mares de terra a dentro. A ressonância do pranto não atinge o biombo que te oculta.


XVI. Menina adormecida dentro do barco sonhas com a eira ao relento do luar. Para essa geografia viajas ao encontro dos que vivem na aquarela antiga.


XVII Ficaram teus recados inscritos na tarde lilรกs de um agosto de chuva. Fรกbulas cifradas nas folhas de chรก depostas na porcelana fria.



OUTRAS OPINIÕES SOBRE A POESIA DE MARIA DE LOURDES HORTAS


Arnaldo Saraiva A POETISA DE SÃO VICENTE DA BEIRA (...) Creio que numa das primeiras semanas de 1959, o Diretor deste Jornal entregou-me uma carta chegada do Brasil, com um poema bucólico e disse-me: “Veja se vale a pena publicá-lo.” Assim fiz. E eu próprio redigi a pequena nota que sob o título de “Bens de Raiz” apareceria, tempos depois, no canto superior da 6ª coluna da primeira página do Jornal do Fundão e acompanhava a publicação do primeiro poema da jovem (18 anos no tempo) Maria de Lourdes Mateus Hortas.(...) “ O mundo é grande e é pequeno”. Não voltamos a ver-nos. E quando já mutuamente nos julgávamos no Brasil... (Eis que nos cruzávamos, em Lisboa, à saída do Tivoli). Desta vez, Maria de Lourdes Mateus Hortas, já não tinha um poema para submeter à minha apreciação: tinha um livro. Um livro que acabava de sair, fresquinho, dos prelos portugueses e que, à hora em que escrevo, ainda não está à venda. Intitula-se Aromas da Infância e ganhou o primeiro premio do concurso de manuscritos do SNI, em 1963. (...) É ainda um livro de juventude. Quero dizer, um livro não expurgado. Há nele achados sensacionais. (...) Sobre a pedra da sua infância reconstrói Maria de Lourdes Hortas a sua vida e constrói a sua poesia. Que as paredes e o telhado desses dois edifícios sejam tão sólidos como a base - eis o que deseja a Maria de Lourdes Hortas quem, por grato acaso, foi o primeiro a criticar publicamente o seu primeiro poema e o seu primeiro livro publicado.”

ARNALDO SARAIVA - Poeta, escritor, crítico, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal. Texto publicado no Jornal do Fundão, em 5/12/1965.


Paulo Caratão Soromenho MARIA DE LOURDES HORTAS AROMAS DA INFANCIA Edições Panorama, S.N.I. Lisboa. -Primeiro premio de poesia do Concurso de Manuscritos do Secretariado Nacional de Informação de 1963.

(...) A autora dedica o livro à sua avó a quem se prendem as recordações da sua infância - e daí o romântico título que qualquer autor de há cem anos não desdenharia: a técnica é moderna, o que em linguagem corrente chamaríamos modernista; a poesia é, musicalmente linda e agradaria aos ouvidos de quem fala a nossa Língua, a partir, pelo menos e conforme creio, do século XVII; a linguagem é de lei, quero dizer, poderia afoitamente sujeitar-se à análise dum professor rigoroso de português. (...) As coisas simples atraem a autora mas deixam de ser coisinhas,quando ela as chama a si e lhes dá a grandeza da sua emoção poética. Não se transcreve nada - o espaço é tirano - mas insisto no conhecimento da poetisa.

PAULO CARATÃO SOROMENHO - Escritor português. Texto publicado na Revista Colóquio Letras, Lisboa, dezembro, 1965.


José Afrânio Moreira Duarte A POESIA DA SIMPLICIDADE (...) Maria de Lourdes Hortas, usa como uma das epígrafes o verso de Manuel Bandeira: “ Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples”.Foi uma feliz escolha, pois tais versos definem toda a essencia de Fio de Lã , onde belos poemas se sucedem comunicativos e sem afetação, inspirados na temática do cotidiano, de pensares e sentires, tudo de acordo com o propósito expresso pela própria autora: Não farei poesia sofisticadamente profunda:/ profundo na vida é viver/e os conceitos são meros contornos de maquilagem.” Realmente, profundo na vida é viver e através das páginas de Fio de Lã aspectos da vida, com toda a sua profundidade, estuam. (...) realmente, é muito difícil hoje em dia falar algo inteiramente novo, mas MLH sabe com segurança dar sua visão muito pessoal das coisas já vistas, já sentidas, de tal forma que elas chegam a assumir um aspecto de novidade. (...) Neste bom livro, que se lê com interesse e agrado, Maria de Lourdes Hortas toma um “Fio de lâ” e com ele vai tecendo não apenas poemas e sim poesia mesmo. Uma autora de talento, um nome a guardar.

JOSÉ AFRÂNIO MOREIRA DUARTE - Membro da Academia Mineira de Letras. Texto publicado no jornal Estado de Minas em 15 de outubro de 1980.


Josué de Oliveira Lima PALAVRA DE MULHER O mais novo lançamento da poesia feminina brasileira contemporânea está ocorrendo em Pernambuco, com ampla cobertura dos meios de comunicação e plena aceitação do público que prestigiou o acontecimento, vendo de perto um grupo de autoras e adquirindo a obra antológica organizada por Maria de Lourdes Hortas. Logo nas primeiras páginas, o motivo da antologia foi justificado com a rica frase de efeito reparador, afastando a idéia apressada de feminismo predatório, ao tempo em que se livram as musas das cavilações poéticas que envolvem as mulheres sem objetivos culturais definidos, muito em voga na sociedade cheia de transfigurações do conturbado mundo em que vivemos: Cansada dos histerismos de um movimento que por pouco não a levou ao caos, a mulher assume sua verdadeira condição, sem pretender ser um carbono masculino que pede a palavra, libertando-se através dela, com toda a carga biológica inarredável”. (...) Em Palavra de Mulher são quarenta e cinco figuras escolhidas e projetadas pelo mesmo livro, que oferece ótima contribuição para restaurar o bom gosto pelas suaves cousas do espírito, como se fosse um elenco de vozes empenhadas na composição de uma sinfonia virtual, disciplinada pelo hinário das vocações contemplativas, numa comtraposição codificada de reação ao estigma da violência que ameaça o espírito humano. (...) São nomes respeitadíssimos no campo da poesia e das letras, (...) que poderá o leitor encontrar nesse importante trabalho de Maria de Lourdes Hortas, cujo dinamismo e operacidade a faz portadora do maior respeito na sua linhagem mágica de luso-brasileira.

JOSUÉ DE OLIVEIRA LIMA – Jornalista, crítico. Publicado no Correio da Manhã, Rio de Janeiro, RJ (11/08/1979)


Ligia Averbuck NOVA MULHER, NOVA POESIA Palavra de Mulher: Poesia Feminina Brasileira Contemporânea. Org. de Maria de Lourdes Hortas, Fontana, Rio, RJ, 1979. A idéia de uma antologia “feminina” geralmente causa desconfiança. Tanto poderá se aproximar do tipo “panfleto feminista”, como, do gênero conservador que, sob as vestes de um pseudo feminismo remete às velhas idéias do “ eterno feminino”. Terreno delicado, portanto, o que pisou a organizadora desta antologia. A desmentir possíveis dúvidas, quanto à possibilidade de êxito, aí está Palavra de Mulher,em edição cuidadosa, confirmando, na apresentação gráfica, bom gosto idêntico ao que presidiu a seleção e ordenação dos textos. (...) Se é certo que essas 45 escritora não utilizam a mesma linguagem ( o que é próprio das antologias), é bem verdade que a mostra alcança um nível de unidade , que não advém da identidade formal ou de princípios poéticos, mas de um ponto de vista comum, identificável a partir da organização temática do livro, a espelhar a nova consciência da mulher no mundo. (...) Nas páginas bem escolhidas de Palavra de Mulher pode-se ler o discurso eloquente de uma nova linguagem – a que foi conquistada pela mulher brasileira na busca da sua autonomia.”

Publicado no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ. (01/09/79)


Stella Leonardos ACIMA DO TUMULTO DE HOJE, BELAS VOZES FEMININAS “A mulher também é autora e não apenas musa.”- Estas palavras são de Maria de Lourdes Hortas, jovem poeta corajosa. Numa época em que a poesia é relegada para o fundo das estantes das livrarias ( sob o pretexto de que não se vende), vem Maria de Lourdes, com o talento que lhe é próprio e a coragem que Deus lhe deu, e organiza um livro que já é marco de poesia e documento epocal. Um livro que reune 45 mulheres de vários cantos do Brasil, falando poesiamente, aos leitores de língua portuguesa. Uma antologia que está dando o que falar, lançada com êxito sem precedentes no Recife, disputada em noite de autógrafos no Rio, e em tantas outras cidades brasileiras. (...) Maria de Lourdes Hortas deixa bem claro que a intenção da coletânea é a de se constituir, principalmente, num registro, subsídio não só literário, mas social.”

STELLA LEONARDOS - Poetisa e escritora. Texto publicado no Jornal de Letras, Rio de Janeiro, RJ. (Outubro/1979)


Alberto Lins Caldas O LIRISMO EM GIESTAS A poesia lírica é no nosso tempo, antes de tudo, um ato de coragem. Escrevê-la é mergulhar na origem poética da linguagem, do sentimento, naquilo que nos faz humanos e que apesar de tudo ainda nos salva do anti-sentir. Nos poemas de Maria de Lourdes Hortas é alcançado um vigor lírico dos mais belos da literatura brasileira. A precariedade do mundo, suas coisas pequenas, “ o cheiro das maçãs/ a cor dos morangos/ os arabescos do sol”, não são desperdiçados pelo seu modo gostoso e alegre de ver as coisas. Nela se recria, a cada leitura, a magia imemorial dos rituais do amor,” entre os trigais macios.” Em Maria de Lourdes Hortas o amor é algo novo, trazido do passado com a força e “ a grandeza da vida menor”, sendo “ rastro de ave, peso de folha, “, chutando para o lado a selvageria deste tempo esquecido de amar e de escrever amor. (...) Em Giestas (a autora) nos leva a passear por suas emoções, soltando, em cada poema, o “ fio de lã” a nos conduzir por um universo perfumado que não nos faz sentir tanto a falta de Cecília Meireles, mas que completa o quadro lírico brasileiro com maestria. (...) O “mundo” de MLH é a “ madeleine” das nossas origens sentimentais e literárias. Sua obra, a ponte entre o passado e o presente-memória e o presente-palavra, realçando a vida , seja ativa como escritora a trabalhar o sentido, seja como recriadora da luminosidade estranhamente proustiniana na cozinha imaginária dos seus “versos” feridos da imortal beleza”.

ALBERTO LINS CALDAS - Escritor e ensaiasta pernambucano. Texto publicado no Diário de Pernambuco (Recife, 7 de maio /1982).


António Salvado FLAUTA E GESTO Maria de Lourdes Hortas / Recife, 1983. (...) Este itinerário metafórico, sugerido pelo belo livro de Maria de Lourdes Hortas, alicerça-se na riqueza evidente de uma voz lírica cheia de timbre que, embora portuguesa, no Brasil tem corporizado uma obra poética de real importância. Em alguns aspectos Flauta e Gesto consubstancia técnica que livros anteriores patentearam. Voz discreta porque profunda e grave e grave porque sincera, ela colhe nas raízes ( nas origens, se quisermos) o pólen e o som, suportes da sua linguagem. (...) Obedecendo a determinada configuração de quase pequeno diário ( e tão vasto na substância), Flauta e Gesto encadeadas ressonâncias de um cântico incessante que repercute encontros e desencontros, as tristezas e as alegrias, a não abdicação da consciência de se viver: “Recuso a paz porque prefiro a vida/ enquanto a posso haurir.”

ANTÓNIO SALVADO - Poeta e escritor português. Texto publicado no Jornal do Fundão, cidade do Distrito de Castelo Branco, Portugal (2 de março de 1984).


César Leal RELÓGIO D´ÁGUA – VERTIGEM Relógio d`Água, poemas de Maria de Lourdes Hortas, é uma obra excitante pelo muito que tem a oferecer ao leitor no âmbito de experiências liricamente comunicáveis. Trata-se de uma poesia rica em sensações visuais, auditivas e tácteis, elementos que contribuem para a formação de uma variada tipologia de imagens. (...) A imagem intensificadora, da classificação de Henry Wells, imagem capaz de revelar o apenas abstrato ou espiritual em forma concreta e com espantosa nitidez, também está presente nesta poesia. (...) Na maioria dos poemas de Maria de Lourdes Hortas a imagem visual ou auditiva apresenta um elevado coeficiente de visibilidade. (...) Um bom exemplo de criação de imagens poéticas dotadas de eficácia expressiva está neste soneto de Maria de Lourdes Hortas: Quando em vertigem tombo enluecida desço às cisternas, em seus cristais me cego por desengano a verdade nego apunhalada te apunhalo, vida. Brotam de mim espinhos que aos molhos são desatados pelas incertezas desenterradas desde as profundezas rompendo à flor das águas dos meus olhos. Punhais de amor varando esse gelado aquário de ciúme onde o ciúme arde dentro do peito incendiado. Gritos em brasa, afagos de um cardo ao se cravarem no amor são vagalumes que em se apagando o deixam tatuado.


O poema fala do amor e dos males do amor. As imagens refletem essa situação. Basta observar que as palavras estão dispostas em uma relação de mútua dependência, semanticamente solidárias. “Vertigem”, como qualquer palavra isolada, não diz mais do que aquilo que literalmente significa. Mas é do sentido formado por “ tombo”, resultrante da “vertigem “ que nasce a loucura de que é sinônimo a palavra “ enluecida”. Enluecida tanto pode sugerir imagens de claridade lunar como de loucura: enluecida desço às cisternas e me cego em seus cristais. A verdade é negada pelo desespero e o amor é o bem que apunhala o agente da ação de amar que, por sua vez, apunhala a vida. (...) Maria de Lourdes Hortas é autora de uma poesia verdadeiramente lírica, sendo este seu livro, lançado pelas Edições Pirata, um dos melhores aparecidos no Brasil em 1985.”

CÉSAR LEAL - Poeta, crítico literário, professor de literatura da UFPE, fundador do Mestrado de Letras na mesma Universidade. Este texto foi publicado no Caderno Panorama / Diário de Pernambuco (Recife, 22/11/1985)


Celso Pontes REENCONTRO COM MARIA DE LOURDES HORTAS OUTRO CORPO (Edição Fundarpe, Recife, 1990) Maria de Lourdes Hortas é uma brasileira nascida em Portugal. Uma brasileira completa que jamais se desprendeu das suas origens.(...) E por isso a Poetisa vai sempre descrever o amor, por mais que lhe passe ou lhe bata à porta em fantasia ou realidade, se enraize de esperanças ou se esváia; seja motivo de esperança ou desilusão, de alegria ou de medo,como razão de inspiração para cantar o destino, a sorte, a sina, como fonte cristalina que só o Poeta conhece, porque é nela que bebe e mira tanto a dor como a beleza da vida, fazendo-a antever tal qual ele ou ela, aos que não tiveram o sortilégio de serem poetas, mas de amar a poesia.(...) É rico o lirismo de Maria de Lourdes Hortas e não o meto em gaiola de escolas: por que ela é tão livre, tão livre, que não cabe, nem vive em recintos onde não possa voar o seu divino estro. O que é outro corpo? Corpo/não o meu ou o teu/ porém o nosso: / mistura, encontro, mutação./ Ser pleno que se liberta/ do eixo isolado de cada um de nós:/ Outro corpo/ fusão. Tudo é novo, neste cantar que atingiu plenitude. Só não é nova a beleza formal, a palavra certa que parece ter sido concebida para a Poetisa a usar, pois ela É a lua nova/ a vida é nova/ rutileza, cores, centelhas. (...) No meio da felicidade de Outro Corpo encontrado, existe, bem lá no fundo, inconsciente talvez, a raiz: o estalar e crepitar das fogueiras em noites de Inverno luarentas e estreladas, mas álgidas, no aconchego vivificante da lareira familiar, onde já não o fado, mas as fadas nos vêm contar histórias de encantar, tanto que


Um pássaro veio e pousou no peitoril da varanda e depois saltou para a haste de uma avenca onde brincou com meu deslumbramento. Na casa a beleza maior é haver espaço para a visita gratuita deste pássaro võo dentro do vôo da vida.

CELSO PONTES - Jornalista e cronista português. Texto publicado no Suplemento Cultural “Facho”, do jornal Comercio de Vila do Conde, de Vila do Conde/Portugal, julho de 1990.


Iolanda Rodrigues Aldrei EVA, NO RECADO DE MARIA DE LOURDES HORTAS RECADO DE EVA Publicado pelos Cadernos do Povo, em 1990, edição Braga/Pontevedra (Galícia). “(...) Trata-se de um texto composto por vinte e nove poemas nos que a voz pertence a uma Eva, narradora em primeira pessoa, quem, com um profundo lirismo, nos leva de mão dada à sua vida feita de acontecimentos diferentes. (...) Mas Eva deixou a Adão o seu recado: Antes que me esqueça, Adão, preciso perguntar-te : acaso conferiste, uma a uma, tuas costelas hoje pela manhã ? Digo isto porque, de madrugada enquanto dormias o Criador veio e me fez de uma delas justamente aquela que ficava sob o teu coração. Para a teres de volta (e como ela te deve fazer falta) tens de me colocar inteirinha nesse lugar. É a particular visão de Eva. A mulher apanha a voz que lhe foi tirada, recupera o protagonismo de pessoa e interroga Adão com a sua linguagem coloquial que nos leva até uma familaridade preexistente. Eva continua uma conversa começada já antes de ele ser. Com uma certa dose de ironia afirma que foi feita de uma das costelas de Adão, mas não de uma qualquer senão daquela que ficava sob o seu coração; produz-se a reconversão do mito, é agora


Adão quem necessita amar Eva para ter a costela que o Criador lhe tirou. Lourdes Hortas não rompe, não modifica nada, mas assume com olhos próprios e voz feminina, aceita Eva necessidade do homem e outorga-lhe a palavra quotidiana do ineludível. Não é Pigmalião quem suplica a Afrodita, é Afrodita quem decide e a estátua quem informa ao companheiro da sua existência. A poeta cria um quadro no que é melhor, optimista, confiada, pode ter todas as possibilidades porque tudo é simples neste primeiro poema, o verso, a expressão, o estilo, a palavra... Eva nasce com o mais puro racionalismo de uma criança.”

IOLANDA RODRIGUES ALDREI - Professora de Literatura na Galícia, Espanha. Trechos do Estudo apresentado durante Simpósio Internacional de Literatura, em Santiago de Compostela – Universidade de Letras, em fins do ano de 1990.


Hildeberto Barbosa Filho VIAGEM PELAS RUINAS Com dois romances - Adeus Aldeia, 1990, e Diário das Chuvas,1995 -, é na poesia, contudo, que a portuguesa, hoje brasileira radicada em Recife, PE, Maria de Lourdes Hortas, vem se exercitando de modo contínuo e sistemático, a exemplo do seu mais recente livro de poemas, Dança das Heras , publicado pela Átrio, Lisboa, na coleção O Lugar da Pirâmide. Aqui, à maneira de outros momentos (e penso especialmente em Flauta e Gesto, Relógio d’Água e Outro Corpo), o lirismo de Maria de Lourdes Hortas se recorta dentro de um modelo vérsico em que a contenção não anula o dado afetivo, a espessura sensível, a fatura sentimental que parece ser peculiar à sua dicção. A sua frase poética é infensa tanto ao arrebatamento conteudístico como ao gratuito experimentalismo formal, edificando-se, portanto, numa zona intermediária em que a lírica serve tanto ao contole do ritmo, no seu leve andamento melódico, como o domínio discreto das pressões emocionais. Dança das Heras é, num certo sentido, um livro de viagem, um livro de circunstância, como esclarece a própria autora numa notinha de rodapé: escrito a partir da emoção de uma visita a Conimbriga, cidade romana próxima de Coimbra. Nem por isso, todavia, se constitui numa obra datada, localizada, fechada tão somente no circuito semântico da sua referencial motivação. Ao contrário: a percepção lírica que se arquiteta, nessa pequena coletânea de textos poéticos, transcende os elementos meramente circunstanciais, para alcançar patamares de abstração, somente identificáveis na esfericidade e abertura da mensagem estética. (...) O foco da criação, nesta obra, parte do olhar. Do olhar que observa, do olhar que descreve, fazendo-o, contudo, à margem das grades realistas da percepção. À poeta interessa observar, sim, observar a paisagem já devastada pela ação do tempo, a paisagem em escombros, mas observar para transfigurar, num movimento


que é muito mais de dentro para fora do que de fora para dentro, num procedimento típico, embora aqui a leveza e a simplicidade não o permitam, como tal, da arte expressionista. (...) O resultado de tudo isso consiste num pendor indisfarçável para a metáfora visual, a vincular a poesia de Maria de Lourdes Hortas ao território plástico da pintura. A inventividade de certas imagens (“um aquário de luas nos espera” e “tigre de pedra, aveludando o silêncio”) transforma, nos limites da palavra, sua poesia em tela, onde se atritam, na procura da harmonia estética, imagens, cores, sinestesias para, entre o descrever e o pensar, entre o pensar e o sentir, entre o sentir e transfigurar, moldar o paradigma da poesia ou, na voz do eu poético, Ao terceiro verso, ressuscito dos mortos, como está lá, em “Acto de Fé”. A visualidade dessa lírica beira o flagrante do haikai, com todas as suas implicações filosóficas e metafísicas. (...)

HILDEBERTO BARBOSA FILHO - É poeta e crítico literário. Texto publicado no jornal O Norte, João Pessoa, Paraíba (01/09/1996)


César Leal DIÁRIO DAS CHUVAS: PROSA OU POESIA? Maria de Lourdes Hortas, que pelo seu trabalho está a merecer atenção dos analistas do fenômeno poético, acaba de lançar Diário das Chuvas. Seria a segunda parte de uma trilogia situada no âmbito da ficção narrativa. Contudo, creio que essa projetada trilogia continua à espera da segunda parte.(...) O que se apresenta agora, sob o selo da Editora Bagaço, Recife, 1995, é um livro de poemas. Poemas com muitos recursos próprios da expressão poética e não da expressão literária, conforme a distinção estabelecida por Benedetto Croce. Alternando versos brancos com versos rimados, outros metrificados com versos livres e a prosa poética presente em todos os capítulos, tudo isso faz do seu livro uma autêntica obra de criação no âmbito da poesia. (...) O capítulo VII é simplesmente um poema. Um poema construído com rigor. As estrofes são irregulares, os versos polimétricos, as imagens são ousadas e belas, como neste exemplo: “Quem me abriga a nudez com amplas asas/ de serenidade.” O capítulo X é um poema em quartetos com quatro estrofes em versos heptassilábicos, com exceção do primeiro que é um hexassílabo. Maria de Lourdes Hortas parece gostar do número 4. Neste poema de 16 versos que forma todo o capítulo XXXI, nota-se que há um ponto no final de cada quadra, o que vem a ser igual a quatro estrofes. Transcrevo o seu poema para dar ao leitor um conhecimento imediato da força do poeta: Um ser candente de luz que prometia levar a noite e inaugurar o dia. De olhar macio com o peso de veludo e de silêncio que me dizia tudo.


Talvez um anjo de voz tão funda e calma enluarando os vôos de minha alma. Asas tão largas cuja sombra podia trazer a noite e abolir o dia. (...) Maria de Lourdes Hortas não é uma estreante. É uma escritora com uma consciência muito forte de seu ofício.

CÉSAR LEAL - Poeta, escritor, crítico literário, professor de Literatura. Texto publicado no caderno Panorama, do Diario de Pernambuco, em 17 de junho de 1995.


Hildeberto Barbosa Filho UMA COROGRAFIA DO INVISÍVEL (...) Em Fonte de Pássaros, mais do que nas coletâneas anteriores, Maria de Lourdes Hortas assume o total despojamento da linguagem, procurando, parece, centrar o sentido de elaboração de sua dicção poética na noção medular que exigia o paideuma poundiano. Isto é, uma dicção sintética, uma construção contida, uma espécie de expressão mínima para um máximo de conteúdo. Em outros termos, uma linguagem plena de significados (....) A poeta revela uma inconfundível sensibilidade voltada para os aspectos inefáveis que modulam secretamente a textura do real. Diríamos que, nesta vertente a lembrar as figuras icônicas de uma Emily Dickinson, de uma Cecília Meireles ou de uma Henriqueta Lisboa, M.L.H. como que tece a poesia das coisas invisíveis, a poesia das coisas essenciais. (...) A poesia de Maria de Lourdes Hortas, neste momento, mais que em qualquer outro, deixa-se invadir, a par dos elementos mínimos que compõem uma espécie de corografia do invisível, por aquela típica leveza proposta, no plano literário e estético, por Ítalo Calvino para o terceiro milênio. (...) Sagração das coisas mínimas é o poema da página 64. No seu título, tem-se, assim, um perfeito resumo do lirismo, em Maria de Lourdes Hortas, lirismo de celebração, lirismo de ternura, lirismo de encontro, revelação e epifania. (...) É uma grata surpresa, portanto, termos um encontro marcado com a singularidade desta voz poética, desta voz feminina, sobretudo num momento em que a voz feminina, salvo as exceções de sempre, vem como que se perdendo na ciranda dos estereótipos ou no apelo do cânone fraudulento de uma ainda mais fraudulenta pós-modernidade.


Neste sentido, a poesia de Maria de Lourdes Hortas, sobretudo neste Fonte de Pássaros, se faz fonte de resistência e, por assim dizer, fonte de permanência, quer na sua singeleza formal, quer na sua magia temática, enfim na sua diáfana poeticidade, da alta tradição lírica de língua potuguesa.

HILDEBERTO BARBOSA FILHO - Poeta e crítico paraibano. Texto publicado no jornal O Norte (João Pessoa, PB, em 10/10/1999).


Juareiz Correya MARIA DE LOURDES HORTAS, POETISA LUSO-BRASILEIRA Do lado de cá do Atlântico, apreciamos, desde os últimos anos do século passado, até embalados pelo canto da fulgurante baiana Maria Bethânia, as vozes líricas que têm renovado a rica poesia portuguesa. E, para além-mar, projetam-se algumas vozes de mulheres brasileiras notáveis – a exemplo de Renata Pallotini, Eunice Arruda, Neyde Archanjo, Dalila Teles Veras e Maria de Lourdes Hortas. Esta, habitante natural do Recife desde os dez anos de idade, é cidadã das duas pátrias, de Portugal e do Brasil, uma legítima poetisa luso-brasileira. As outras poetisas também citadas vivem em São Paulo, destacando-se, como luso-brasileira, Dalila Teles Veras, que é exemplarmente uma infatigável animadora cultural com a sua livraria e editora Alpharrábio, de Santo André, no ABC paulista. Autora de vaários livros de poesia e de ficção publicados, no Brasil e em Portugal, a partir da década de 1960, com os traços inconfundíveis das culturas européia e americana, Maria de Lourdes Hortas, desde cedo, se manteve antenada com a criação poética produzida nos dois países. E, por força disso, organizou e publicou duas antologias preciosas, que estão merecendo no Brasil e em Portugal urgentes reedições : Palavra de Mulher (Poesia Feminina Brasileira Contemporânea), publicada pela Editora Fontana, do Rio de Janeiro, em 1979, e Poetas Portugueses Contemporâneos (Poemas e Confissões), publicada pela Pirata Edições, do Recife, em 1985. Com este livro o Brasil conheceu, pela primeira vez, a poesia da geração pós-Fernando Pessoa : José Régio, Vitorino Nemésio, Eduíno de Jesus, Antonio Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Pedro Homem de Melo, Jorge de Sena, Herberto Helder, José Carlos Ary dos Santos, Maria Tereza Horta e Fernando Grade, entre outros. Agora a poetisa, ausente das livrarias locais há mais de 5 anos, publica o livro de poesia inédito Rumor de Vento (Panamerica Nordestal Editora, Recife, 2009), a ser lançado nesta quinta-feira,


dia 7 de maio, às 17 horas, no Gabinete Português de Leitura de Pernambuco (Rua do Imperador, 290, Santo Antonio, Recife, PE), e, em seguida, em Portugal : na sua cidade natal, São Vicente da Beira, e em Lisboa. Opiniões do poeta e crítico português Celso Pontes, da professora pernambucana Zuleide Duarte e do poeta e crítico carioca Aricy Curvelo atestam o valor da sua criação poética e o caráter inabalável da sua dupla identidade cultural. Construído em três partes, com a reunião de poemas distintamente tematizados, Rumor de Vento nos coloca, mais uma vez, diante de uma mulher delicada, culta e amorosamente sensível, revelando sua inquietação e perplexidade diante do próprio ato da criação poética, exprimindo seu temor e sua indignação frente a pequenez humana e a degradação social e, se despojando, terna, comovida, espiritualmente rica em memoráveis cartas à mãe falecida. Assim se manifesta a saudade lusobrasileira de Maria de Lourdes Hortas: “Depois que partiste, Mãe, naquele agosto cinza / a poesia calou-se dentro de mim. / Hoje ocorreu-me a causa do meu silêncio: / tanta coisa pra te dizer / e não consigo... Certamente por conta da ausência do barômetro, teu arrepio. Por isso resolvi escrever estas cartas: / quem sabe assim conseguirei demolir o silêncio / que vem aprisionando o meu coração? Minha querida Mãe, / quando receberes esta, de onde estiveres, como te for possível / por favor envia-me um sinal de que a carta chegou./ Pode vir numa sonata de chuva / na visita de beija-flor / no arrepio de vento...”

JUAREIZ CORREYA – Texto publicado no jornal Diário de Pernambuco (Recife, PE, .25 de abril / 2009)


BIOBIBLIOGRAFIA MARIA DE LOURDES MATEUS HORTAS nasceu a 04 de dezembro de 1940 em São Vicente da Beira, vila medieval situada na encosta sul da Serra da Gardunha , concelho de Castelo Branco, Beira Baixa, Portugal. Acompanhando a sua família, veio para o Recife, PE, Nordeste do Brasil, em 1950, onde se radicou e vive até hoje. Bacharel em Direito (1964) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é também licenciada em Letras (1976) pela Faculdade de Filosofia do Recife (FAFIRE). Em 1965 fez o curso de Língua e Civilização Portuguesa, na Faculdade de Letras de Lisboa. Artista plástica, frequentou durante 10 anos o ateliê de José de Moura e há cerca de 10 anos participa de um ateliê coletivo em Piedade, Jaboatão dos Guararapes, PE. Atualmente, exerce as funções de Diretora Cultural do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, cargo que já desempenhou em outras gestões, perfazendo, até agora, quase vinte anos de dedicação ao GPL. DA AUTORA:

POESIA Aromas da Infância Edições Panorama, Lisboa, Portugal, 1965. Fio de Lã Ed. Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, Recife, 1979. Giestas Edições Pirata, Recife, PE, 1980. Flauta e Gesto Edições Pirata, Recife, PE, 1983.


Relógio d`Água Edições Pirata, Recife, PE, 1985. Outro Corpo Ed. Fundarpe, Recife, PE, 1989. Recado de Eva Ed. Cadernos do Povo, Pontevedra/ Galiza – Braga/ Portugal, 1990. Dança das Heras Ed.Átrio, Lisboa, Portugal, 1995. Fonte de Pássaros Cia Pacífica, Recife, PE, 1999. Cantochão de Todavia Ed. GEGA, São Vicente da Beira, Portugal, 2005. Rumor de Vento Panamérica Nordestal, Recife, PE, 2009.

FICÇÃO Adeus Aldeia Ed. Sólivros de Portugal, Trofa, Portugal, 1999. Diário das Chuvas Edições Bagaço, Recife, PE, 1995. Caixa de Retratos Edições Bagaço, Recife, PE, 2003. Caja de Retratos (tradução, em espanhol, de Jorge ArielMadeazo e Cecília B. Madrazo ), Ed. Francacela, Buenos Aires, Argentina, 2008.


TESE SOBRE A AUTORA A Impossível Ubiquidade - Uma representação melancólica da diáspora portuguesa : A Ficção de Maria de Lourdes Hortas. Tese de doutoramento de Francisca Zulmira Duarte de Souza, UFPb, João Pessoa, Paraíba, 1999.

ANTOLOGIAS Organização: Palavra de Mulher Poesia brasileira feminina contemporânea – Ed. Fontana, Rio de Janeiro, RJ, 1979. A cor da onda por dentro Poesia para crianças – Edições Pirata, Recife, PE, 1981. Poetas Portugueses Contemporâneos Edições Pirata, Recife, PE, 1985. Representada (em volumes antológicos ou coletivos): Presença Poética do Recife Org. Edilberto Coutinho – Ed. J. Olympio, Rio de Janeiro, RJ, 1983. Carne Viva Org. Olga Savary – Ed. Anima, Rio de Janeiro, RJ, 1984. Álbum do Recife Org. Jaci Bezerra e Sylvia Pontual – Ed. Prefeitura do Recife, 1987. Antologia didática de poetas pernambucanos Ed. Secretaria de Educação / Governo do Estado de Pernambuco, Recife, PE, 1988. Escritores Modernos da Beira Baixa Org. Arnaldo Saraiva – Ed. Comunidades Portuguesas, Lisboa, Portugal, 1988. Escritores naturais da Beira Interior


Org. António Salvado - Jornal do Fundão, Suplemento Ideias, Fundão, Portugal, 1990. A mulher na poesia pernambucana Ed. Espaço Pasárgada / Fundarpe, Recife, PE,1994. Poesia Viva do Recife Org. Juareiz Correya - Companhia Editora de Pernambuco - CEPE, Recife, PE, 1996. Antologia de poetas portugueses e brasileiros Org. Maria de Lourdes Brandão - Publicações Vip, São Paulo, SP, 1996. Poésie du Brésil Org. Lourdes Sarmento – Ed. Vericuetos, Paris, França, 1997. Duplo Olhar 13 poetas portugueses contemporâneos Org. Manuel Cândido Pimentel, Ed. Aríon, Lisboa, Portugal, 1997. Água dos Trópicos Ensaios e seleta de poemas contemporâneos, Volume 2 Org. Beatriz Alcântara e Lourdes Sarmento – Edições Bagaço, Recife, PE, 2000. Corpo Luna Org. Edileusa da Rocha – Prefeitura da Cidade do Recife, PE, 2002. Poetas revisitam Pessoa Antologia de autores portugueses e brasileiros - Org. João Alves das Neves – Universitária Editora, São Paulo, SP, 2003. Retratos: a poesia feminina contemporânea em Pernambuco Org. Elizabeth Siqueira - CEPE, Recife, PE, 2004. Olhares: o conto feminino contemporâneo em Pernambuco Org. Elizabeth Siqueira e Laura Areias - CEPE, Recife, PE, 2006. Vozes: a crônica feminina contemporânea em Pernambuco Org. Elizabeth Siqueira e Laura Areias, CEPE, Recife, PE, 2007.


Imagem passa palavra Organização e edição de Identidades Intercâmbio Artístico, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal - publicado no Porto, Portugal, 2004. Panorama do conto pernambucano Org. Antônio Campos e Cyl Galindo – Ed. Escrituras, São Paulo, SP, 2007.

INCLUÍDA Dicionário de Mulheres Org. Hilda Agnes Hubner Flores - Ed. Nova Dimensão, Porto Alegre, RS, 1999. Enciclopédia de Literatura Brasileira Org. Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza – Global Editora / Biblioteca Nacional, São Paulo, SP, 2001. Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras Org. Nelly Novaes Coelho Ed. Escrituras, São Paulo, SP, 2002. Mulheres que mudaram a história de Pernambuco Volume VI - Org. Carlos Cavalcante, Ed. Elógica, Recife, PE, 2010.


ATIVIDADES CULTURAIS Convidada, como representante do Nordeste do Brasil, para o IV Congresso Interamericano de Escritoras, na capital do México, 1981. Diploma de Personalidade Cultural, concedido Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro, RJ, 1982.

pela

União

Participante, entre os coordenadores, do Movimento de cultura alternativa Pirata Edições, Recife, PE (1980-1986). Coordenadora do jornal literário Cultura & Tempo, quando editado pelas Edições Pirata, Recife, (1981-1983). Membro do Conselho Editorial da Revista Pirata Edições, Recife, PE (1983-1984). Convidada para o Festival das Mulheres nas Artes, São Paulo, SP,1982. Diretora da galeria de arte e edições BELO BELO com sede no Recife e filial em Braga, Portugal (1989-1995). Diretora Cultural do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, por várias gestões, a partir de 1990, totalizando mais de vinte anos, onde atualmente (2016) exerce a função. Diretora da Revista ENCONTRO, publicação anual do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, sempre que exerceu a função de diretora cultural da entidade. Sócia da Irmandade da Fala, Braga - Galiza. Sócia da União Brasileira de Escritores, Secção de Pernambuco. Sócia - correspondente da Academia Juiz-forana de Letras, Minas Gerais.


PRÊMIOS Primeiro lugar no Concurso de Manuscritos de Secretariado Nacional de Informação (Lisboa, Portugal, 1963) para o livro de poesia Aromas da Infância. Primeiro lugar no Concurso da Associação Luso-Brasileira de Juizde-Fora, MG, para o poema Fio de Lã (1988). Menção especial do prêmio Fernando Chinaglia, (UBE, Rio de Janeiro), para a novela Testamento de Tâmara, 1982, publicada em 1995 sob o título Diário das Chuvas. Indicação para publicação do prêmio Mauro Mota, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE – para o livro Outro Corpo ( 1988). Prêmio Jorge de Lima, da Academia Mineira de Letras, Belo Horizonte, MG, para Fonte de Pássaros, 2001. Prêmio José Cabaça, da UBE, Rio de Janeiro, RJ, para o romance Caixa de Retratos, 2004.


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