zero do is
terraço
Nem um, nem três. Um par. No meio, um meio. Dois. Depois de o mundo não ter acabado, trazemos a público nosso pequeno passo no mundo e gigante salto para a humanidade humildade: a segunda edição do zine Vanguarda Chuva. Com as contribuições, aumentamos a quantidade de páginas e o tamanho do papel. Colocamos mais poesias e textos quentes, matérias e entrevistas. Misturamos acarajés e cervejas, Xangôs e Chronos, sexo e céu nos mesmos parágrafos. Creia, pessoa, não é fácil harmonizar as coisas, mas o resultado dessa lambança está aqui, nas suas mãos ! Aprecie esse prato dadá: coma, rumine, digira e regurgite texto, imagem e poesia.
a chuva diagramação antônio souza [antonioo.meloo@gmail. com] identidade visual eduardo souza [souza.edrd@ gmail.com] • gabriela araujo [gabrielaa.araujo@gmail. com] textos antônio souza • larissa santiago [la rissantiago@gmail.com] • isiane de paula [isiane.paula@ gmail.com] edição de textos isiane de paula • lívia frança [livia_frança@hotmail.com] ilustrações eduardo souza • gabriela araujo • igor martins [mgs.igor@ gmail.com] • marília feldhues [mariliafeldhues@gmail.com] fotografias rayza oliveira [rayzaoliveira@ymail.com] facebook.com/zinevanguardachuva
da moeda A Rua da Moeda, no Recife Antigo, é um dos pontos mais queridos pelos frequentadores da noite recifense. Ali, diante da icônica estátua de Chico Science, fica o Terraço da Moeda, espaço que que já foi palco de manifestações culturais da cidade desde a época do Manguebeat, quando pertencia a Roger de Renor. Após um período de quase sete anos de portas fechadas, o local está sendo reaberto, agora sob direção do empresário Erivan Lima, proprietário do extinto Quintal do Lima, local que também foi bastante representativo para a cena cultural do Recife. A proposta é resgatar a agitação cultural daqueles tempos de efervescência cultural. “Queremos que o lugar seja mais que um bar com música ao vivo. Quero trazer bandas autorais, divulgar o que é daqui”, afirma Erivan. Para resgatar o espaço, ele conta com a ajuda de amigos, como por exemplo o jornalista João Paulo Guma, que colabora com a divulgação. ”Muita gente ainda não sabe que o Terraço voltou a funcionar, por isso é importante eventos como esse, que ajudam a divulgar o espaço”, diz.
Camilo Maia: Começou no final dos anos 90, através, majoritariamente, do meu envolvimento com a cultura punk, a partir de zines de protesto e ideológicos ou culturais. Comecei a adentrar e a beber desse universo e vi que ele se estendia pra muito mais áreas que a cultura punk, indo pros quadrinhos, pra crítica literária, pra poesia, pro informativo satírico... Enfim, os zines punks me apresentaram o que poderia ser essa liguagem e depois que eu me vi produzindo ela, também ampliei a minha visão e criação nesse universo. Isso, somado ao tesão pelo bagulho e uma estrada já em design gráfico e ilustração, acabou me especializando em trabalhar com esse tipo de impresso, que eu chamo como sendo de “baixa intensidade”, visto que o esforço é sinceramente, quase sempre de guerrilha! Investi e experimentei cada vez mais, sobretudo quando passei a fazer isso dentro da Livrinho de Papel Fínissimo e o resultado tem sido pra mim, pessoalmente e com muita satisfação, de muito experimentalismo e conteúdo expandindo a linguagem zineira com que tenho me envolvido desde então.
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Desde os anos 80 existe uma tradição de fanzines em Pernambuco, sobretudo de zines vindos do Punk, como o clássico “Recifezes”
Isiane de Paula: De onde surgiu seu interesse por publicações independentes, como os fanzines, e como começou a trabalhar com isso?
CM: Começaram com as oficinas e vivências de zine que eu dei enquanto educador autônomo e pela Livrinho, de 2004 pra cá, e depois, mas não menos importante, com a Bolsa de Incentivo disponibilizada pelo SPA das artes de 2006, que foi a primeira experiência de longa duração usando todos os potenciais de uma máquina de xerox à disposição de nossa criatividade. Na ocasião, o embrião do que viria a ser a Livrinho Editora de hoje, tinha acabado de propor o lançamento de uma tiragem SPAcial do velho fanzine FUSÃO, dessa vez com a gente controlando todo o nosso processo de impressão e montagem, que efetivamente foi o que fizemos! A Livrinho, enquanto grupo a fim de lançar sempre coisas.
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A história das publicações independentes conhecidas como fanzines ou zines está relacionada com a estética do Do It Yourself, ou Faça Você Mesmo, herdada do movimento punk dos anos 70. Também foi herdada do movimento punk a atitude de Camilo Maia, designer, fundador da editora Livrinho de Papel Finíssimo e ministrante da oficina que formou aqueles que seriam os futuros fundadores do zine Vanguarda Chuva. O convidamos para um papo, onde ele conta um pouco mais dessa história e explica, para os que ainda não conhecem o tema, o que tem por dentro da arte zineira.
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IP: Por serem publicações independentes, os fanzines geralmente são feitos de forma experimental, utilizando vários tipos de técnicas. Como começaram seus experimentos com a arte-xerox?
IP: Por serem publicações independentes, os fanzines geralmente são feitos de forma experimental, utilizando vários tipos de técnicas. Como começaram seus experimentos com a arte-xerox?
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CM: Já, com certeza! Desde os anos 80 existe uma tradição de fanzines em Pernambuco, sobretudo de zines vindos do Punk, como o clássico “Recifezes”. No final dos anos 90, essa produção e conteúdo se diversificou bem mais, também com o advento e analogias que a internet tornou possível em termos de criação e autonomia pra se publicar. Assim, uma coisa alimentou a outra, e hoje existem várias iniciativas fanzineiras que de vez em quando marcam presença, com alcance limitado, verdade, mas existindo, expandindo e gerando coisas por aí! Com relação a arte-xerox, nem é preciso dizer que o expoente mundial da arte-xerox, Paulo Bruscky, é daqui e começou a experimentar a arte a partir da fotocópia bem antes de qualquer consolidação da cultura punk aqui em Pernambuco, quiçá no Brasil! E isso sem mencionar a autonomia, autoralismo e experimentalismo gráfico, características essencialmente fanzineiras, que direcionavam todo o trabalho do grupo Gráfico Amador há mais de 40 anos atrás, mas isso já é uma outra lombra...
quadrado careta
fezes punk
bruscky
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por isiane de paula
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entrevista com camilo maia
a bola
IP: A Livrinho de Papel Finíssimo reproduz o lema Do It Yourself ao dizer que não é impossível qualquer pessoa lançar o próprio livro. Como a editora tem ajudado a promover esse tipo de trabalho autoral na cidade?
de fogo
CM: Conversando com as pessoas, mostrando o que já fizemos, fazendo lançamentos de coisas diferentes e visualizando novas formas de se publicar junto a essas pessoas que querem. Ora, se o horizonte de impressão é efetivamente e realmente mais caro que a publicação virtual, é papel nosso esclarecer e assumir isso, que é, inevitavelmente, uma limitação prática. Acredito, no frigir dos ovos, que o grande diferencial da Livrinho enquanto projeto é desmistificar essa coisa do livro convencional, careta, quadrado, que tem que ter lombada, que precisa ser policromia, que tem que ter código de barra... E claro que é sempre possível fazer algo mais rápido, mais em conta, porém, mais sincero mesmo, que afinal sirva pra colocar pra fora nossos mais legais demônios sem depender dos mesmos mecanismos de reprodução e legitimação editorial das grandes editoras e dos esquemas convencionais e elitistas de sucesso.
[pra comer]
CM: Quem quer publicar precisa ter, antes de tudo, a mente aberta pras possibilidades e ter a dimensão que independente de grana, é possível publicar! Seja na NET, de várias maneiras que as redes possibilitam, ou mesmo através da experiência do fanzine impresso, mais caro e limitado, porém mais emocionante e duradouro como experiência. A segunda alternativa precisa de mais Empenho & Tesão pelo resultado gráfico. TESÃO é a chave pra se continuar naquilo, pra persistir e desenvolver aquilo que se quer expressar. É o que faz direcionar tempo, energia e dinheiro pra que sua publicação ganhe algum tipo de vida! O dinheiro, o lucro, a partir dessa experiência inicialmente autoral e amadora, pode, se for este um desejo a ser perseguido pela pessoa, ser uma consequência do desenvolvimento das maneiras que você explora a autoralidade gráfica a partir da ideia básica fanzineira. Nada começa grande e os fanzines são a melhor prova disso! Podem (ou não) permanecer pequenos em tiragem, recursos e tamanho ao longo do tempo, mas pra muito além disso, só crescem em conceito, alcance, valor, realização, expressão e inteligência gráfica praqueles que o vivenciam e não tem medo de botar a mão na massa pra fazer, na prática, suas ideias sairem ou irem, literalmente, pro papel!
A lenda diz que Iansã foi ao Ifá buscar alimento pra seu marido Xangô. Lá, o oráculo lhe deu os bolinhos e recomendou a Iansã que quando Xangô comesse ele fosse falar ao povo. Desconfiada, Iansã provou antes e viu que não havia nada demais. Voltou pra casa e instruiu o marido assim como mandou o Ifá, dando-lhe o alimento e pedindo que fosse falar com o povo. Quando Xangô estava falando, começaram a sair da sua boca labaredas de fogo, foi então que Iansã aflita foi ajudar o marido, e percebeu que da sua boca também saiam labaredas de fogo. Foi a partir daí que os dois ficaram conhecidos como Reis de Oyó - ou Grande Reis do Fogo, sendo saudados assim pelo povo. Por isso, o Acarájé (Akará - bolinho de fogo / Jé - comer) faz parte da tradição mais sagrada dos terreiros de Candomblé. Seu preparo, mesmo para a venda profana, precisa seguir os rituais - bolinhos maiores são feitos e oferecidos a Xangô e os menores as iabás e Erês. O dendê faz parte da dieta da Deusa dos Ventos e Tempestades e do Seu marido Xangô, o Justiceiro e também Deus do Fogo e do Sol, e por isso, ter esse ingrediente no Acará é cumprir e agradar aos Orixás. Fazer e Comer Acarajé é participar da festa e do sagrado do camdomblé: é estar perto do desejo dos Orixás e de suas melhores intenções. Kawo Kabiyesi le
ilustração: gabriela araujo
IP: Que passos devem ser seguidos por quem se interessa em publicar de forma independente? É possível fazer isso com fins lucrativos ou é só uma forma mais despretensiosa de divulgar a sua arte e se divertir?
por larissa santiago
{entrevista}
chronos e eu por antônio souza
Eis que numa noite dessas de setembro, andando sem muito motivo na Voluntários da Pátria, em Botafogo, Rio de Janeiro, um Pedro Cavalcante ziguezagueia entre algumas pessoas na bilheteria do cinema da estação SESC e chega até mim com um “Oi, boa noite! Posso oferecer uma publicação minha? É um zine...”. Um ZINE. Pedro é daqueles que a gente começa a conversar e já puxa uma cadeira e pede (mais) uma cerveja. O papo engrenou e começamos a construir pontes. Fui apresentado ao Chronos, um simpático e jovem zine em sua primeira edição. Extremamente autoral, do conteúdo à forma; do experimental(ismo) da impressão caseira às poesias ofegantes, além da amistosa distribuição pelas maravilhosas ruas do Rio, tudo é o Pedro. Quis estender essas pontes do Rio até o Recife, então o convidei para uma entrevista que reproduzo aqui, para o público do Vanguarda Chuva.
[...] o que fica mesmo são as pessoas, os olhos, os encontros e desencontros, as noites em claro pesquisando sobre Teosofia, o Carlos que vende milho em Ilha Grande...
PC: A seleção dos poemas que integram a primeira edição do Chronos deve contribuir para esse ofego, eu imagino. São textos mais sensuais. De qualquer forma, com relação ao processo, a maior parte dos escritos, principalmente os poemas, não são feitos frase a frase. Eles vêm de uma só vez, em um movimento rápido. Geralmente eu quero imprimir um sentimento e o poema aparece. Ele nasce. É claro que, após algumas releituras, a estrutura pode ser alterada ou complementada, mas a imagem inicial quase sempre se mantém. AS: Você falou dos olhos e das relações. Por que você escreve? Por eles? ilustração: igor martins
“(...) por volta dos 17 anos, passei por uma espiral de epifanias, reflexões, crises existenciais e foi aí que comecei, lentamente, a buscar o que eu realmente queria.”
PC: Não tenho referências artísticas propriamente ditas. Poderia até citar Vinícius de Moraes, Murilo Mendes, Ferreira Gullar, Sylvia Plath, Roberto Piva, Clarice Lispector e tantos outros nomes conhecidos de quem já li, vi ou ouvi alguma coisa que tenha marcado um certo momento, mas estaria mentindo. São pessoas. E esse é o ponto: o que fica mesmo são as pessoas, os olhos, os encontros e desencontros, as noites em claro pesquisando sobre Teosofia, o Carlos que vende milho em Ilha Grande... Tenho certeza de que imagens mentais e experiências são essencialmente mais referentes nos meus textos do que qualquer autor. AS: Lendo seu zine, você me parece ofegar às vezes. Principalmente em “Noite Ávida”, em que você também acelera os batimentos dos leitores. Você tem algum processo para escrever?
Antônio Souza: Então, você estuda jornalismo? Pedro Cavalcante: Sim, estudo Jornalismo e História. Apesar da relação dessas profissões com o hábito de escrever, não acredito que ele tenha sido decisivo para a escolha das mesmas. Por volta dos 17 anos, passei por uma espiral de epifanias, reflexões, crises existenciais e foi aí que comecei, lentamente, a buscar o que eu realmente queria. É claro que esse processo não acabou, porque nunca acaba. E apesar de que as opções passam, obviamente, por algum tipo de identificação, preciso dizer que nunca tive um grande apego à ideia de ser jornalista ou historiador. São apenas bacharelados, parte da ilusão coletiva de uma formação acadêmica como necessidade para se ocupar e, muitas vezes, para ganhar algum crédito naquilo que se pensa e se diz. Uma grande bobagem.
AS: Quais são suas referências?
PC: Por eles também. Escrevo porque gosto e porque gosto de criar, recriar e fazer a catarse. Não percebo claramente uma distinção entre real e fictício, então me sinto sempre escrevendo e sendo texto, por ser história.
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~cao fundo do tacho ~
*** os teus olhos de faca Os teus olhos de faca rasgam minha pele: seios, pernas e nádegas; sem ser convidativo, apenas me repele. Também tenho lâmina dentro do meu olhar, se me der um motivo corto sua jugular.
A palma da mão arde numa coordenada teosoficamente imprecisa Espaço-tempo Que vem se esticando e ampliando o naco da mordida Teu olhar esfrega minha cara na parede de chapisco Abóboda de amianto Sob a qual ajoelhamos Diante de qualquer altar
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A entrega não há além do canto descontínuo Entre os remendos do coração androide Passa o fio E canto sem destino Navalha de mar que nos abraça Te abraço e você não vê Porque se regenera no corpo que houve Houve outro corpo antes do meu Toque de que não me lembro Arrebentando a superfície do peito Coisa sem pelos Pele quartzo
ilustração: igor martins
pra saber do pedro e do chronos facebook.com/chronoseeu chronoseeu@gmail.com
Eu gosto de homens com força nos olhos e fome nas mãos. Meu peito é brasa: consome carvão. Dispenso poetas, qualquer poesia. Balelas românticas na verdade são baladas semânticas da lâmina fria de sua concisão. Tenho brasa acesa no meu coração.
aos 39
--------------------[ ] chave do céu {prelúdio grosso} tocando (trinta)
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X brasa
Suportei o frio da madrugada quando não eras minha coberta; no colchão, ali, toda molhada, masturbei-me de pernas abertas: com paixão, me senti devorada e gozei até me sentir liberta.
Esse amor não cabe em mim, é grande, grosso, descomunal. Não entra nem com carinho, saliva, manteiga ou vaselina. Nada vai adiantar ou facilitar. Nem que se encontre a posição perfeita para o encaixe ideal, não vou querer; deixa pra lá. E depois, como é que eu fico? Quem já experimentou do céu não pisa no chão do mesmo jeito.
fred caju é formado em História, mas quer viver de poesia. Íntimo do mundo digital tanto quanto da literatura, fred usa a internet para divulgar seu trabalho através do blog Sábados de Caju, onde publica, religiosamente todos os sábados, um de seus poemas. No blog também encontramos sua obra disponível para download, compilada em mais de 10 e-books feitos em parceria com amigos, com quem também divide os blogs Cronisias, Poetas de Marte e Tribuna Escrita. fredcaju.blogspot.com.br
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Nada contradiz o sentido do voo Imaterialidades diversas me tocam E eu sou O amor e a vista do movimento próximo Olhos que revezam Lugares adversos Esquina suja do mundo Onde todo dia hoje Havia um pacto Sem colher que raspe ao fundo Ao fundo ao fundo Do tacho
brasa
ma) poe(sia
}âma(r)go
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pedro cavalcante
ilustração: eduardo souza