ANTRO POSITIVO ED.14

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Alan Rickman + Alexandr Amanda Mirasci + Ana Caro Antonio Pompêo + Arno Audoin Desforges + Bansky + Bernardo Galegale + Brett Baile Camila Mota + Celso Sim + Ch Cia. Tapioca Inn. + Cirkur Cirkor Conrado Dess + Dani Moreno Debora Lamm + Deutsches Th Diogo Liberano + Elise Garcia + ExCompanhia de Teatro + F Fernando Neumayer + Gab Gal Oppido + Gregório Duvivier + G Gustavo Vaz + Heiner Goebbel Juan Francisco Dasso + Julian Leekyung Kim + Luís Martino Marco Luque + Maria Bia + Mar Marília Pêra + Michel Blois + M Natállia Rodrigues + Pau Performatron + Pitchou Luambo Rafael Teixeira + Renata Renato Bolelli Rebouças + R Ronaldo Gutierrez + Samu Tablado de Arruar + Tade Teatro Oficina + Vitor Manon


re Dal Farra olina Marinho o Declair + Barbara Paz ey + Bruna Guerin harles Fricks r + Cláucio André o + David Bowie heater Berlin + Ériko Carvalho Felipe Hirsch Gabi Gonçalves Gustavo Gasparani ls + Ivo Müller na Rosenthal K. + Marco Griesi Maria Teresa Cruz Michelle Batista ulo Miklos o + Priscila Prade a Admiral Roberto Lage uel de Assis euzs Kantor n + Zé do Caixão

agradecimentos

Amália Pereira Ana Carla Fonseca Reis André Martinez Beto Mettig Carol Fanjul Claudia Taddei Claudio Lins Érica Georgino Fabiana Seragusa Faya Felipe Mancebo Javier Drolas Lala Deheinzelin Leonardo Brant, Luiz Felipe Reis Maria Eugênia de Menezes Minom Pinho MIS SP Núcleo Experimental Quadrienal de Praga Renata Fortato Renato Caetano Sayonara Sarti SESC Consolação Sesc Pinheiros Tayná Guimarães


editorial

C

hegou. A ed.14 precisou esperar um pouco, mas os motivos foram especiais. No ano que passou estivemos quase um terço do tempo fora de casa, viajando pelas estradas e pelos ares, circulando por cidades e Estados, acompanhando festivais e participando de encontros, conhecendo artistas. Foi um ano de muito trabalho e investimentos. De novos amigos e grandes conquistas. Reunimos, aproximamos, provocamos, inventamos. E isso também reverbera nesse 2016 que já começa com tudo. Essa edição é especial por coroar esse movimento e pela urgência das discussões e artistas que aqui estão. Começamos o ano convidando os leitores para olhar o teatro por diferentes culturais e circunstâncias. Brasil, África do Sul, Alemanha, República Checa, Grã Bretanha e Argentina. Entre conversas, visitas e notícias, a Antro Positivo se espalha por novos cantos. E seguiremos mais e mais. Então, aproveite. Venha conosco. E prepare-se para discussões complexas que envolvem preconceitos históricos, racismos, migrantes, política, tecnologia, ambiência cênica, cenografia, espaços da arte, as condições de produção do nosso teatro... Há muito o que pensar em cada uma das questões. E, ainda que abordemos com atenção, nunca conseguirão ser conclusivas. Ainda assim, trazemos para que permaneçam latentes em nós. Precisamos entender ser urgente pensar. E sonhar. Por isso as cenas e contos, possibilidades de ampliação da percepção pela poética. Sabemos, a revista está realmente grande! Maior do que costumamos. Mas isso é ótimo, não? Os textos estão mais aprofundados e oferecem mergulhos mais profundos; as matérias com imagens estão mais amplas, o que oferece um panorama maior aos interessados. Então vamos assim, enquanto preparamos as mudanças que chegarão em breve na revista. Abrimos, portanto, o quinto ano da Antro Positivo sem medo de olhar para polêmicas, sem receio de nos colocarmos e arriscarmos pensar publicamente sobre qualquer tema. Cinco anos. Não é pouco. Somos uma equipe de duas pessoas e milhares de apoiadores e envolvidos. Isso é o mais apaixonante. Essa vontade única de participação de artistas e pensadores tão diversos e especiais. É preciso saber o que quer para estar conosco. É preciso, ao menos, saber um pouco melhor o que não se quer, talvez. Então perguntamos por aí, o que vira sua cabeça? As respostas estão nas imagens de cada convidado. Mas, é hora de colocarmos a questão mais abertamente. Afinal, aquele que lê a Antro Positivo certamente é alguém em busca de inquietações. Então para e tente responder. E para você, o que vira sua cabeça? A nossa girou e nos trouxe até aqui. Vamos juntos? O ano começa quente. E a Antro Positivo está só começando a esquentar. Prepare-se.

ruy filho

patrícia cividanes

fevereiro de 2016 SP / BR





expediente

editores

Ruy Filho [texto] PatríciaCividanes[arte]

o çã iza al m re .co ot sp og .bl to os xp oe tr an

ANTRO POSITIVO é uma publicação digital, com acesso livre, voltada às discussões sobre teatro, arte e

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política cultural.

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foto de capa: Morne van Zyl

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sumário

Para comentar, sugerir pautas,reclamar,colaborar, alertar algum erro ou apenas enviar um devaneio:

antropositivo@ gmail.com aqui anonimato não tem vez. quem tem voz, tem também nome e é sempre bem-vindo

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visitando Gabi Golçalves

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Ponte aérea Buenos Aires

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Vídeo Palco Ato&Efeito

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DIÁLOGO X2 Urinal, o musical

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contaminação Renato Bolelli Rebouças

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todo ouvido Celso Sim

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visitando Ex-Companhia de Teatro

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carta aberta para Imperador do Brasil

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circunferências

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homenagem Deutsch Theatre

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contação por Juliana Rosenthal K.

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obs

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capa Brett Bailey

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Antrovisita Mistérios Gosozos

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DIÁLOGO X2 La Merda

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visitando Performatron

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Política da cultura

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pensamento sobre

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máquina de escrita Diogo Liberano

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infinito

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:(


Pensar a produção como um ato criativo por fotos

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patricia cividanes


gabi gonรงalves visitando


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A

produção teatral passa por mudanças. Algumas radicais, outras nem tanto. Impossível dizer, encontramo-nos no meio dos acontecimentos. Isso, claro, frente às novas condições que se impuseram pela economia e, principalmente, por mudanças de estratégias e paradigmas nem sempre eficientes e positivos. Dentro do possível, a produção continua. Nunca se teve tantos trabalhos criados simultaneamente e espetáculos internacionais circulando por aqui. O paradoxo está na percepção de que isso não tem melhorado o ambiente, não o tonado mais profissional e inventivo. Ao contrário. Para entender esse paradoxo, fomos conversar com Gabi Gonçalves. Sorridente, ainda que desconfiada, sua paixão pelo teatro é evidente, assim como a competência de seu trabalho como produtora. Não à toa, está envolvida em algumas das mais importantes produções experimentais paulistanas, além da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, MITsp. No charmoso casarão, sentamos para um cafe, enquanto nos permitimos ir ao devaneio dos dilemas e possibilidades do fazer teatral no Brasil. Comecamos pelo mais proprio, a ambiencia de trabalho. Gabi avisa poder falar com mais propriedade apenas dos últimos dez anos, o que ja é muito, na verdade, e tambem o que mais nos interessa. Não se trata esse encontro de levantamento histórico, mas da busca pelos diagnósticos. Entao, tudo certo. Logo sentencia, o meu diagnostico não é bom. Explica-se. O artista esta cada vez mais nas maos do mercado, o que por si so é extremamente comprometedor, diz. Não bastasse essa relação impositiva econômica sobre a criação, ele, o mercado, atraves de sua capacidade em determinar a existência ou não de trabalhos e artistas, despreocupa-se em oferecer algo maior, seja em estrutura, seja em comprometimento, recebendo os artistas cada vez pior. Essa observação vem de uma pratica incessante, acompanhando grandes nomes da cena brasileira e assistindo importantes diretores estrangeiros em seus ofícios, assim como suas relacoes com as mais diversas instituições. O fato é que, como é tratado o artista, e aqui não cabe apenas se lamentar pela falta de recursos, mas sobretudo pelo descaso e banalizacao, o gesto criativo se debilita na origem ou, na melhor das hipóteses, no instante de ser concretizado. Tambem é culpa do artista, explica, pois ja aceitara esse modo de recebimento, como sua oferta de cordialidade para se manter incluído às estruturas. Entramos em um processo, portanto, muito perverso de fazer aquilo que é aceito e não o que se quer fazer, lamenta-se. Ao se colocar rendido às estruturas, o artista acaba gerando distancias ainda maiores dos anseios que os levaram a criar. Esse processo se da pelo excesso de produçoes e projetos acumulados em pastas empilhados nas mesas dos dirigentes e programadores culturais. Quanto maior a oferta, maior o controle sobre as negociações sobre as escolhas. É possivel dizer haver uma cruel ambiencia fabricada para inibição dos artistas. Ou bem aceita as condições, ou outro as aceitara. E pou-

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co ou nada resta de fuga a isso. Seguindo a observação de Gabi, pouco ou nada resta para querer mudar de fato isso. Assim, àquele possuidor da caneta decisiva, a ideia boa é a ja existente. Claro, por ter sido testada e aprovada, sera sempre mais plausível de repetição e permanencia. Nessa ultima década, admite assistir o mecanismo se impor a todas as idades, fases e tamanhos de artistas. Ninguem esta mais a salvo de ser caricaturado pelo mercado que finge se abrir ao dialogo. Porem, conversa-se com poucos, em escolhas que nem sempre elegem pelo talento ou potência, mas pelas facilidades de adequação. Gabi diz se afligir com os artistas jovens, com a falta de método de criacao, limitado que estão aos procedimentos impostos a eles É impositivo criar algo de fácil deslocamento, para que uma produção seja mais viável, resume. Para Gabi, invertemos os papeis; o que vale não é mais a qualidade, mas os procedimentos dos espaços que acabam interferindo na viabilidade dos espetáculos. O paradoxal esta nessa imposição do ambiente cênico, quando vivenciamos uma produção teatral cada vez mais aberta aos pro-

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“O artista precisa olhar a produção como parceria artística”

cedimentos alternativos. O que pode ser explicado pela condicao dos espaços, ainda que para alem das salas, tambem estarem dominados pelo mercado, atraves da representação das instituições. Se não mais fisicamente, sobretudo pelo financiamento das obras. Assim, aquilo que esta na rua, na praca, no viaduto, antes precisa ser confirmado por instituições publicas ou privadas responsáveis por financiar a estrutura, ou pouco se poderá construir como resultado profissional. Por conseguinte, os espaços públicos acabaram sendo igualmente administrados pelos olhares e desejos daqueles que escolhem os projetos que serão bancados. Gabi se recorda de quando não se tinha tanto dinheiro circulando na cena teatral. Que situação é essa que se tem mais dinheiro e menos liberdade?, pergunta. Submetidos às verbas institucionais, cada vez com montantes menores, ou editais, os artistas aprisionam-se em interesses que não são próprios. Mas a solução seria produzir sem dinheiro, sem ganhar? Ela discorda. Não é dizer que o artista não tem que ter dinheiro, mas perceber que ele vem lotado de condições. Talvez esse seja o novo dilema a ser enfrentado. O


Gabi se diverte e se preocupa durante a conversa com a revista Antro Positivo, no endere莽o antigo de seu escrit贸rio, Corpo Rastreado.

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quanto o artista consegue de fato se manter livre das condições. Para Gabi, para suprir as ansiedades dos financiadores e apoiadores, os artistas se viciaram em uma estratégia perigosa, submeter o trabalho ao entendimento de ser ele uma pesquisa. A farsa da pesquisa, acusa. Como sera real a pesquisa que não se da nem próxima ao seu objeto? É o que recorrentemente ocorre. E cada vez. Artistas e companhias teatrais se envolvem em pseudo-pesquisas, nas quais o objeto de sustentação dos argumentos é algo imaginado ou traduzido por outros pesquisadores. O outro pesquisou, o artista se apropriou e baseou e o trabalho se faz mais pela sugestão de algo do que sobre a investigação em si. Espaco para a apresentação de tais pesquisas, os editais, cujos intuitos se explicam à margem da mercantilizacao, entendendo-se como espaco ao experimentalismo e investigativo na arte, hoje também se deturpam pela quantificação. Os números são os interesses reais dos patrocinadores. E nos ferramos nessa lógica, pois impõe uma estética de produção que visam resultados específicos, conclui. O mesmo pode ser dito

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sobre os editais de descentralização. Gabi tem duvidas sobre a eficiência do modelo. Para ela, pensam o pais por um modo de produzir e agir único. Isso é invasivo aos dois lados, uma vez que deturpa a metodologia do artista e impõe ao receptor uma estrutura de realização estrangeira à sua cultura. Existem muitas diferenças regionais, e nelas gaps de valores de todas as ordens. No fim, circula-se por onde se conhece, por onde o artista ja estivera, por lugares em que as estruturas estão minimamente adaptadas. O incomodo nessa padronização da circulação se intensifica ainda mais quando pensados os festivais. O Teatro da Vertigem não serve aos editais de festivais, por exemplo, nunca se encaixa nas estruturas previamente determinadas. Ainda que os editais tenham aberto muitos espaços inexistentes aos artistas, por outro, empresas como a Petrobras, uma das maiores patrocinadoras de espetáculos brasileiros, ao menos em montante de recursos alocado, entendem, ainda, as estruturas de patrocínio como quem prepara uma licitação publica. A burocracia é crescente e acaba criando uma parafernália que

Em ótima companhia, nas paredes da Corpo Rastreado, foto de Wagner Schwartz.

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“Não podemos ficar fadados ao quererem o espetáculo”

gera dificuldades ainda maiores. É desmedido, diz Gabi, para quem o Itau Cultural é mais coerente e fácil ao artista, para citar um exemplo de como é possivel funcionar por outras logicas. Não bastasse esse diagnostico, é preciso somar a lógica de resposta requerida aos projetos que remonta aos valores cientificistas, como se a arte pudesse igualmente

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ser avaliada a partir do cnpq. Esses modelos se espalham como grandes instrumentos. E, copiando uns aos outros, nada se constrói de fato como alternativa ao pais. Como não temos formação mais profunda e difundida em produção, as pessoas que sobram é quem acabam cuidando da cultura, lamenta-se. Resta, apenas, a copia ao existente. Assim,

copiamos modelos mortos fracassados todo o tempo. E, dentre eles, esta tambem essa falsa descentralização de editais e festivais onde basta levar ou realizar algo efêmero e as coisas se resolverão. Ao lado de Andre Sturm, hoje diretor do MIS-SP, Gabi trabalhou na Virada Cultura. Andre deixava trabalhar, o que não é comum, explica. Durante sua

gestão, anos 2009 e 10, realizou caravans pelo Estado de São Paulo. Vem também dai sua percepcao negativa. A Virada, comenta, não é legal para a cidade ou artistas. Surge um dinheiro imenso em 24 horas, enquanto se escuta o ano inteiro não haver dinheiro para empregar em acoes culturais locais. A sensação publica que isso gera é do dinheiro existir ape-


nas em três instantes: a Virada, porque interessa ao Estado como propaganda, o aniversario da cidade, cumprindo a obrigação municipal, e a festa de rodeio, como apelo mercadológico. Apos circular por muitos municípios, Gabi diz ter encontrado bons exemplos na interseccao entre produção artística e viabilização pelo setor publico, mas nas cidade de médio e pequeno

portes, pois as grandes estão inevitavelmente contaminadas com os valores descritos ate aqui. O problema é a circunstancialidade dessas acoes, dependentes mais dos gestores do que politicas duradoras. Novamente, os artistas, ainda eternamente descontentes com as condições oferecidas nesses eventos, entrega-se a eles por falta de outras oportunidades.

Sera que estamos fadados ao modelos postos e não ha mais saídas? Gabi acredita no oposto a isso. E, renovando as xícaras de cafe pela quarta ou quinta vez, passamos a conversar sobre suas proposições. O nível de estabilidade é muito baixo, tanto ao artista, quanto ao produtor. Fato. Gabi começa explicando sobre a dificuldade de ambas as

pontas se manterem em atividade e conquistarem seus sustentos. Na sua parte, como produtora, montou um escritório para desenvolver um jeito para fazer diferente, no micro mundo, em que o modelo participativo é fundamento maior para a manutenção do cotidiano. Para tanto, trabalhando dentro e fora, os envolvidos no escritório sempre deixam na produtora

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um montante para sua viabilidade. Esse processo é suficiente inclusive para bancar parcerias com artistas e obras que lhes interessem trabalhar. E explica, porque as coisas precisam existir, não se pode ficar fadado a quererem os trabalhos. Ela não é uma agencia de vendas, ate porque não acredita na vendo de trabalhos, e sim em oportunidades. Dessa maneira, Gabi espera demonstrar outras possibilidades de produção e realização e, quem sabe, influenciar o mercado à médio e longo prazo oferecendo saídas aos modelos existentes. Tudo começa, então, com a escolha. Gabi conta tratar a produção de um trabalho como espécie de parceria, não apenas com o artistas, e sim com uma idéia. Diferenciar a ambos, ou ao menos dar independência aos dois, significa compreender que nem todo grande artista tem sempre uma idéia instigante, muitas vezes sendo redundante com sua própria linguagem, pouco oferendo de desafio. Por outro lado, percebe na falta de experiência maior liberdade ao artista para criar e os estímulos necessários para uma produção que atue sobre a idéia em forma da parceria mencionada. Afinal, explica, o produtor tambem precisa estudar, criar possibilidades para que o trabalho alcance o máximo de sua potência. Assim, a figura do produtor, tal qual Gabi propõe, não é mais aquele que atua a partir de uma demanda burocrática, apagando incêndios meramente ou sistematizando rotinas de trabalhos. Vai além. Passa a ser um grande mediador entre a criatividade do artista e a real condição de efetivação da criação. Algumas pessoas me procuram para modificarem as próprias maneiras de criarem, diz. O artista e produtor, portanto, em pleno estado de escuta, como meio de profissionalizar ó fazer teatral e também de compreensão da produção como instância criativa. Subverter a percepção de ser a produção um serviço qual se contrata é o que alguns denominam por produção criativa. Nela, parte-se de outros valores, não mais das dinâmicas hierárquicas entre custo, patrocínio, gastos. O problema desse modelo falido está na condição de entender a criação de um espetáculo como algo estável e controlável, cujos custos se determinam a priori, e para os quais os patrocinadores precisam ajudar a cobrir e résolver. Há dois dilemas nisso: criar nunca é um processo estável e previsível, e se o patrocinador não surgir, o projeto se invalida.

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ponte aérea por Juan Francisco Dasso

Teatro en la Ciudad de Buenos Aires

El monstruo

H

Argentina

ablar de la actividad teatral de la Ciudad de Buenos Aires resulta siempre complejo. Esto se debe en gran medida a un problema de cantidad: cada año se estrenan cientos de espectáculos (cerca de 1000, según el sitio web Alternativa teatral). Hay sobreproducción en la medida en que no hay una demanda acorde a semejante oferta. Las propuestas que en ella circulan abarcan los estilos y formas de producción más variados: creaciones colectivas, dramaturgias nacionales, extranjeras, teatro comunitario, teatro de revista, proyectos de graduación, producciones comerciales, musicales, clown, danza, teatro ciego, teatro callejero, site especifics, varietés, teatro en cárceles, slams de poesía, performances, stand up… La lista sigue y sigue, y probablemente nadie esté en condiciones de realizarla. Hasta hace unos años clarificaba operar una división en tres circuitos: oficial, comercial y alternativo. Por más que esto sigue siendo reconocible, los límites ya no están tan claros: teatros oficiales suman producción privada, espectáculos alternativos pasan al comercial, estéticas y artistas atraviesan los tres circuitos, etc. Tomemos -problematización medianteal circuito alternativo.


alternativo ¿Qué es teatro alternativo en Buenos Aires?, ¿alternativo a qué? Alternativo al conjunto de espectáculos con mayor concentración de público y mayor disponibilidad de recursos materiales. Alternativo al teatro de mayor visibilidad. Las asociaciones que provoca la palabra “teatro” en el común denominador de la población de la Ciudad seguramente estén más ligadas a las expresiones del teatro comercial y el oficial. Éstas son las primeras elecciones de esta mayoría a la hora de ver teatro. Por ende, el resto del teatro se presenta como una alternativa. La suma de los espectáculos alternativos da como resultado el enunciado: “Buenos Aires, la ciudad latinoamericana con más obras en cartel” ¿De dónde salen tantas pero tantas obras? Difícil dar con las razones profundas; arrojo una hipótesis: la cartelera alternativa está abierta a quien desee estrenar; siempre hay una sala, un ciclo o un festival a la medida de cada creador. Hay una enorme oferta educativa pública y privada (sean carreras o cursos) que forman a los interesados en todos los roles posibles vinculados al hecho escénico. Esto genera más docentes (que dan clase al mismo tiempo que sus maestros) que forman más creadores que forman

más alumnos que se vuelven creadores/ docentes que forman más creadores. Y toda este grupo de entre 20 y 70 años estrena al mismo tiempo. La sobreproducción teatral alternativa en Buenos Aires es, entonces, una virtud y un problema. El constante estado de ebullición hace que recurrentemente emerjan trabajos muy interesantes, pero también se da un contagio estético importante. Temas, procedimientos, diseños espaciales y otros tantos componentes de cualquier puesta en escena se ven inevitablemente repetidos y pocas veces resignificados. Hace unos años todos aceptábamos, por ejemplo, que un intérprete abandone la escena, tome un micrófono e inaugure otra instancia narrativa; hoy cualquier director dudaría ante esta posibilidad. Siempre nos persigue una progresiva institucionalización que amenaza con automatizar y converitr en una máquina a nuestro monstruo alternativo. Esto no es privativo de lo artístico, también se ve en la producción: armar una cooperativa, pedir un subsidio, pagar prensa, ir a una sala pequeña, sostener la obra en cartel todo lo que se pueda. Las formas de producción y exhibición también se envician. El efecto de este enviciamiento se ve


2.226,2

são paulo > buenos aires

en la pérdida de los interrogantes, las inquietudes que hay por detrás de un hecho artístico. Son muchas las obras que se inscriben, por ejemplo, en un realismo/ costumbrismo; el problema no es hacer este tipo de obra, sino el hecho de tomar ese modelo de representación de forma automática, sin discutirlo, sin elegirlo a conciencia. En las antípodas estéticas de esto, sucede también que muchos espectáculos se plantean desde una ruptura y una fragmentación tampoco meditada, más bien heredada, que deviene en una automatización de lo que en otro tiempo fue desautomatizante. ¿Qué espectáculos destacan en medio de esta proliferación? A mi modo de ver, los que se conciben plenamente como tales ¿Qué es un espectáculo pleno? El que se entiende como objeto de expectación, el que consigue que el espectador esté efectivamente expectante. Esta aparente obviedad marca la diferencia a la hora de ver. Pero no es lo único que vitaliza a algunas propuestas del teatro alternativo, sino bastaría con concebir espectáculos efectivos. Me pregunto entonces, además, qué le otorga actualidad a determinadas propuestas. Evidentemente son propuestas en las que aparecen los interrogantes ¿Por qué hacer esta obra? ¿Cómo hacerla? ¿Cómo comunicarla? No se entiende esto como una búsqueda de aprobación y conformidad, al contrario, cada una de estas propuestas crea a sus propios espectado-

res; encuentran en su proceso un lenguaje. Luego está en cada caso la decisión de invisibilizar ese lenguaje o de exponerlo como tal. Uno de los peores comentarios, quizá el más sádico y sincero, que uno puede escuchar de un espectador porteño luego de ver una obra es: “no me pasó nada”. El tipo de trabajos a los que me refiero se hacen cargo de que suceda algo. No el entendimiento del público, sino un llamado de atención sobre lo que éste tiene delante de sus ojos. Resulta imposible entonces destacar alguna tendencia sobre otra, ya que todas conviven en la Ciudad y logran espectáculos de las características antes mencionadas. Sea abandonando el relato o asumiéndolo encontrando nuevas tensiones, sea cruzando más y más lenguajes, sea desarrollando nuevos procedimientos a la hora de poner en escena, sea dejando de lado los cánones duracionales, sea haciendo obras a la mañana o en una fiesta de trasnoche. El monstruo está vivo y es tal en la medida en que cada espectáculo se pregunta por el teatro. Cómo y por qué hacerlo.

Juan Francisco Dasso é dramaturgista na Compañía Buenos Aires Escénica (Agosto 2015)



vĂ­deo.palco

ato & efeito O teatro vivo pelo registro do arte



O

efêmero faz parte da experiência teatral, restando como registro mais as sensações do que propriamente seu processo ou apresentação. No en-

tanto, aquilo que poderia se perder, pode e precisa ser preservado. O projeto Ato e Efeito convidou diversos artistas para leituras dramatizadas de personagens expressivos que tenham interpretado, e os registrou em vídeos. Com o texto em mãos, sozinhos, sobre um palco nu, emoldurado por uma luz básica, o resultado proporciona um olhar diferente à dramaturgia, que não o da leitura nem o da encenação. Assim, do ato, surge, então, o efeito. Cada registro foi realizado em um palco carioca diferente ampliando também para uma espécie de cartografia dos espaços simbólicos da cidade. O projeto idealizado por Rafael Teixeira contou com Fernando Neumayer e Luís Martinho na realização e foi estreou durante o Tempo Festival 2015. ruy filho


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gregor i o duvivier lê o dramaturgo sem ideias de Uma Noite na Lua, de João Falcão “Eu, burramente, no começo, comprei caneta de marcar texto, para marcar as minhas falas. E aí só quando fui marcar as falas que percebi que não faz sentido marcar as falas, porque só tem falas minhas. Eu ia marcar o texto inteiro (risos).”

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D ebora Lamm lê Isadora Faca no Peito, da tragicomédia Os Mamutes, de Jô Bilac

“O Jô Bilac classifica co mo Mamute todas essas pessoas que não tem opinião, pes soas que são consumidoras em potencial.”

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C h a r le s Fr icks ,

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l ê o pai angustiado de O Filho Eterno, adaptação da obra homônima de Cristovão Tezza


“Eu ficava muito emocionado no ensaio. Eu chorava muito. Eu ficava falando o lembrando [o texto]. O que esse cara passou, o que essa família passou, naquele tempo, nos anos 80. E aquilo me emocionava muito.”

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Michel Blois , lê o problemático Isaac, de Adorável Garoto, de Nicky Silver

“Quem vê pode até ter pena do meu personagem, mesmo ele sendo um problemático.”

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A manda Mirasci lê a transexual B, protagonista do drama Uma Vida Boa, de Rafael Primot “Do por quê eu quero contar essa história. Saber que isso aconteceu e acontece até hoje.”

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Leonardo Netto lê a professora Edilamar, de Conselho de Classe, de Jô Bilac

“Tem momentos que são patéticos. E não tem haver com a questão de serem homens fazendo [mulheres]. Não passa por aí. É um humor negro da situação.”

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Gus tavo Gasparani lê o personagem-título de Ricardo III, de William Shakespeare “Tornamos a peça um monólogo e aí fomos colocando, na nossa adaptação, um pouco desse ambiente medieval, fazendo um paralelo com hoje em dia.”

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para ve r t odos os vĂ­ de os, c l i que aqui !

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diรกlogo. x2

por Maria Teresa Cruz e Renata Admiral


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l a c i s u m o Quando a marginalidade do teatro recria o certo


Maria Teresa Cruz: Primeira coisa que eu queria falar é do nome da peça... Renata Admiral: Exatamente MTC: Eu confesso que senti um pouco de medo quando vi que a gente vinha assistir “Urinal – o Musical”, porque além de ser uma rima bizarra, é um nome que não diz nada e que não remete a coisa alguma, como tem alguns títulos por aí. É curioso, sim. Mas fiquei com medo principalmente por causa do aposto: “o musical”. E aí eles subvertem totalmente os signos das coisas, em alguns momentos indo para alguns estereótipos, mas acho que isso também seja a forma de construção de uma linguagem. RA: Eu costumo procurar peças de teatro olhando o diretor e grupos. Eu não vou nem um pouco pelo nome. Mas quando eu vejo nomes bizarros eu passo longe. Eu não me interessei de cara, porque eu pensei: “mas gente, o que é isso?” Eu fui ler sobre o musical, a montagem, o tema contemporâneo. Acho que foi a primeira vez que tomei uma na

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cara. Do tipo não vá pelo titulo. As vezes você olha um título mirabolante e vai assistir, é uma merda. MTC: Eu gostei muito do trabalho, do que eu vi. Tem uma pesquisa estética muito evidente, ele tem um discurso político muito forte e a questão da metalinguagem. Porque eles ficam o tempo todo fazendo a crítica

dentro da critica. Eles foram muito felizes na construção dessas várias linguagens. Porque na minha visão são duas peças dentro de uma. Existe uma linha narrativa política e uma linha narrativa de crítica do fazer arte, que elas dialogam. Não sei o que você pensa disso... RA: o que me pegou em relação a isso, a questão da linguagem

é na credibilidade que eles fazem todo esse caminho. Desde eles acreditarem nessa estética, acreditarem no que eles estão passando... eu acho que tem uma linha tênue até certo ponto perigosa, mas que eu acho que eles passam por ela, é sutil. Mas se eles erram a mão é muito pequeno diante da grandiosidade dessa construção. A partir do momento


que eles acreditaram, ou seja, você acredita naquilo, você se envolve, você leva a serio o musical, sabe? Você leva a serio as críticas, você sai do entretenimento, você embarca na crítica e aí você passa a olhar a estética, a linguagem, mas eu acho que o todo é muito feliz. Eu achei primorosa a luz, toda a parte técnica. MTC: a parte musical...

RA: Musical também, mas aqui a gente vai entrar num lance que eu acho que em alguns momentos a música sobressaía a voz dos atores, então várias partes eu não compreendi o que estava sendo dito. Alguns atores realmente cantavam acima da música e dava pra compreender, outros não. Aí não sei se é um lance de projeção ou

se a música estava alta demais. MTC: tem que considerar mesmo, porque são instrumentos arranjados ao vivo. Mas o que eu queria falar com você é que eu vejo que é uma peça muito necessária nos dias de hoje. Porque eu acredito que o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o presidente da câmara Eduardo Cunha, o

senador Renan Calheiros, quaisquer outros políticos que queiram e também a presidente Dilma Roussef deveriam ver essa peça. A peça não se aprofunda tanto em nenhum dos temas, mas ela faz uma análise da conjuntura do cenário político brasileiro atual, mais do que isso, da sociedade como um todo que eu achei que foi muito feliz. Eles falam da crise hídrica, a gente tem muito habito de achar que a coisa eclodiu de um dia pro outro. E eles sinalizaram muito bem isso com a coisa de sempre frisar “os 20 anos”. Sem contar as relações com pagamento de propina e a promiscuidade, que eu achei curioso, entre os empresários e os políticos. Então é a coisa pública e privada misturadas não para desenvolvimento e sim para cometimento de crime. Algumas criticas são até um pouco óbvias, mas a forma como eles trataram a questão da crise hídrica eu achei muito genial. Pensa você viver numa sociedade em que você tem que pagar para mijar? O fim completo da dignidade do ser humano. Quer dizer, um absurdo, o cara não pode mijar em paz.

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Tradução e direção Zé Henrique de Paula Direção Musical Fernanda Maia Elenco Adriana Alencar Bia Bologna Bruna Guerin Caio Salay Daniel Costa Fabio Redkowicz Gerson Steves Luciana Ramanzini Nábia Vilella Paulo Marcos Brito Roney Facchini Thiago Carreira Thiago Ledier Músicos Rafa Miranda, Flávio Rubens, Clara Bastos, Pedro Macedo, Rafael Heiss, Abner Paul , Valdemar Santos Nevada e Evandro Bezerra.

RA: mas eu acho que isso está presente há tanto tempo na nossa sociedade. A falta de dignidade, seja ela mostrada como foi ali, na forma do xixi, seja de outras formas. Às vezes eu olho o Metrô de São Paulo e fico pensando: olha o que essas pessoas têm que passar, elas estão esmagadas, sem dignidade nenhum, mas tendo que fazer todo esse caminho. Eu me sinto naquele filme Metrópole, naquela cena que todo mundo abaixa a cabeça e segue o fluxo e tem que assim que aceitar. Eu me sinto verdadeiramente oprimida ali. Você falou

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tudo, ele retratou a nossa sociedade, o que a gente vive. Ate o momento da rebelião, aquela história de não saber o que fazer, a gente não sabe pra onde ir. A maioria não entende de política. É um pouco o que a gente tava falando no intervalo, se essa peça vai ser considerada um entretenimento para aqueles que passaram e acharam o nome engraçado, mais um monólogo de alguém. Ou se a pessoa que estiver ali vai conseguir ver no gesto a crítica, no discurso a crítica.... MTC: Porque a linha

é tênue. Eles usam de muita ironia, sarcasmo, escrachos o tempo todo e de uma atuação bem histriônica, até estereotipada em alguns casos. Mas embora essa linha possa em algum momento ser tênue e embora eu ache que quem não acompanha o noticiário talvez corra o risco não entender determinadas críticas, o contexto, enfim, eu acho que eles têm sim enquanto grupo, enquanto atores, enquanto opção de montagem muito claro o discurso. RA: eu também não estaria preocupada se

alguém entendeu ou não. Se alguém, de repente, foi lá achou engraçadinho ou não. Isso não me preocupa, porque eles têm a definição muito clara do que eles querem passar. E isso que você falou dos 20 anos, desse monopólio do poder e deixar chegar nisso, seja PT PSDB, seja quem for, está na última frase. Isso me doeu demais. Ele diz mais ou menos assim: a gente já se acostumou, a gente não sabe como mudar, pra onde mudar, porque a gente viveu o tempo todo assim. Então esse povo que vai pra rua anda meio perdido, não sabe por onde


começar a mudança. E a gente continua. Até a hora que realmente acabar. Eles deram um tapa na cara em todo mundo, sabe? Se você achou engraçadinho, o discurso é esse, o papo é reto. MTC: Isso é interessante mesmo, porque eles não deixam qualquer dúvida. Eu até fiquei pensando que, por exemplo, o teórico que eles escolheram para objeto de estudo e até para aquela evocação no fim da peça: Viva, Malthus! Ele é um teórico do apocalipse, extremamente determinista, ou seja,

que é essa a ideia de que os fracos não terão vez. RA: É a lei do mais forte, sempre foi assim. MTC: Veja que triste, porque eu me arrepiei quando ele falou “Viva, Malthus”. A frase tem uma extrema carga de ironia, mas na mesma medida tem uma carga de crueldade. Se você pensar que o caminho das coisas é esse. Houve uma revolução, a própria figura da menina rica, aquela coisa de ela ser levada pela massa, sem saber ao certo o que estava fazendo, e no final ela vira uma líder

populista que no final das contas não conseguiu fazer o controle, indicar o caminho, que as vezes pode ser péssimo, mal. É muito louco você perceber que o controle às vezes é necessário, mas aí eu te pergunto: qual o limite disso, né? O controle policial, por exemplo, ele é necessário? Sim. Mas qual o limite? O limite é matar 18 pessoas numa chacina em Osasco e Barueri? RA: Mas será que quando você está envolvido com o poder você consegue ter limites? Não consegue. Pode tirar todos os

políticos das estruturas, colocar só gente de coração bom. Não vai resolver. Vai afundar pra cacete. MTC: Você acha que as concessões são necessárias? RA: Eu não to falando que isso é certo, mas eu acho que sim. Toda guerra tem suas baixas? Por isso acho que sim. Uma pessoa só com boa intenção não sobrevive em uma estrutura política. Quem sobrevive é uma pessoa que conseguisse equilibrar todas essas questões. Mas a pessoa chega la

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e se perde, se deturpa. Pode até ser ingênuo da minha parte. MTC: Existe uma estrutura muito sólida e aí tem uma certa dose de razão o que você disse: trocam-se os atores, mas a peça continua a mesma, fazendo uma analogia. RA: Você vai na leva. Se questiona: a banda sempre tocou assim. Por que vou entrar e querer mudar? Quem entra e quem fica lá? Ou você se adapta ou é tirado de la. MTC: Eu acredito que não esteja longe uma revolta, do tipo... Não sei se você sentiu isso, mas eles fazem uma crítica muito forte a policia. A policia mata preto e pobre historicamente. Eu quero ver quando os pretos e pobres vão começar a matar os brancos e ricos. Porque isso vai acontecer. E aí aquela historia de apocalipse, a depender da crença de cada um o apocalipse bíblico ou o malthusiano como eles propõem na peça, ele vai acontecer. Eu acho

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que é um movimento quase inevitável. Eu queria saber o que você achou do desenvolvimento da historia? RA: eu gosto muito do musical. Eu não vi discrepância entre os atores, só a questão da voz. Penso que tem sim linearidade, conta uma história. Eu, no máximo, tiraria uma ou duas cenas. Você acha a cena do patinho necessária? Qual a metáfora do patinho? Eu me perdi... MTC: A metáfora do patinho é aquela história de que você pagou o pato, você é o pato da vez. E eu acho um pouco óbvia essa relação. RA: isso eu entendi, mas não sei a forma. MTC: Ao mesmo tempo, eles se propuseram e assumiram o ridículo. E essa palavra tem uma carga pejorativa, mas nesse caso, é totalmente maravilhoso. Eu diria que a peça é maravilhosamente ridícula. Por vezes nonsense. E por isso, a cena do patinho dialoga com esse conceito de


nonsense. Não sei o que você achou do símbolo... RA: Não me pegou mesmo. Eu entendi a metáfora, entendi até a proposta dentro do espetáculo, foi uma forma de você correr com a narrativa. Mas aí a gente vai entrar naquele lance de eu faria diferente. Eu não gostei das máscaras, acho que ultrapassou o limite do nonsense. Fica quase infantil. Você sai de uma coisa que estava ridiculamente maravilhosa, as pessoas embarcando, eu mesma estava levando esse musical muito a sério, porque tudo é demais. A composição dos atos, tudo. É maravilhoso. Eu gostei muito dos atores, mas esse momento específico me soou infantil. MTC: E a figura do narrador, você achou necessária? RA: Ah, eu me apaixonei por aquele homem. Ele é fantástico. Ele e a garota, a menina loira, rica. Ela é absolutamente surpreendente. À primeira vista parece aquela personagem

mais do mesmo, aquela coisa preconcebida, ou seja, a loirinha que vai fazer a burrinha. E é uma construção proposital. Mas aí ela se mostra maravilhosa. Ela não é aquela loirinha burrinha aparente. Sabe aquelas peças que tem a loirinha que faz a loirinha burrinha e ela é realmente isso? Então, essa mulher não é. Nem de longe isso. E essa surpresa, embora ela arrase desde o começo, não deixa de ser surpreendente. É tudo tão maravilhoso, que você fica pensando: não pode ser todo mundo bom. Alguém vai destoar. E não destoa. MTC: é um épico, né? RA: sim. É a saga do herói que se fode no final. E eu gostei muito da historia de não haver um final feliz. A forma de o narrador contar faz toda a diferença. A menina também eu gosto, mas acho que em alguns momentos ela passou do ponto. Chegou no momento em que as tiradas que não eram tão incríveis. Talvez tenham insistido na mesma piada.

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RA: isso eu achei um estereotipado ótimo, acertado. MTC: Justamente o contrário do que os reacionários condenam. A arte tem que ser livre e aberta. Não se pode ser chato.

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RA: eu acho que esses conceitos subvertem a lógica e isso é importante. É aquela história de por que não? Por que não um gay servir, por que não ter um gay policial? MTC: E é delicioso, porque eles fingem a todo momento e são super gays. Eu vi ali uma construção muito bem feita. A construção da menina é boa. RA: gostei dos coros, da participação de todos os atores. É uma composição que tem razão de ser, não tem ninguém ali fazendo volume.

MTC: É importante no processo de fazer a arte que o artista olhe pra dentro de si, para o que está fazendo e se questione das suas escolhas. RA: isso. E não é questão de ser dono da verdade, mas acho válida a crítica. Porque aí você começa a abrir para a ideia de que existem outras possibilidades do fazer teatro, outras linhas de pesquisa. MTC: eu vejo que estamos vivendo num momento de medo de arriscar com relação a produção artística de uma forma geral. A

peça Urinal é arriscada. Dentro dos limites, ela arrisca. E eu vejo isso como um dos grandes acertos. RA: Eu acho que é um grupo inteligente. A peça pra mim beira a perfeição. A ideia é que a gente tem que se reinventar. Momentos de crise servem pra isso. É o momento de buscar essa mudança, se redescobrir. A sua profissão não esta mais perdurando, seu teatro não está mais perdurando, seu discurso não faz mais efeito. Então é hora de se reinventar.

fotos: ronaldo gutierrez e leekyung kim

MTC: na minha visão a peça tem dois narradores: o policial e a criancinha. Eles fazem uma contraposição entre o anti-herói, o povo, que é a menina, toda suja, mijada e o policia, que são as forças de segurança, a dita lei, extremamente afetado.


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CONTAMINAテァテ」o

por Renato Bolelli Rebouテァas

A GUE Nテグ ENS


ERRA TEM SAIO ap贸s a morte de Bert Neumann


T

alvez a prática que mais interfira no

de convívio e fragmentação’. Compreender o espaço

imaginário e na condução de uma en-

como meio, e não como fim. Se o caminho parece

cenação seja a cenografia e sua abor-

sem volta, em ascensão (e aqui abre-se uma extensa

dagem do espaço. A ênfase no ‘cená-

discussão sobre a as práticas e os procedimentos do

rio’ como um dispositivo onde se dão

fazer cenográfico, para o entusiasmo de uma geração

inúmeras relações, seja ele o palco,

e a lamentação de outra), nossa concordância se dá

uma sala, a rua ou uma lista de infin-

na crença de que o espaço tornou-se o ‘eixo principal

dáveis espaços cedidos, apropriados, tomados etc,

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para a teatralidade e as práticas performativas’.

tem despertado interesse para a possibilidade de agir

Portanto, fazer cenários já não basta. Cada vez

neles/ sobre eles/ com eles/ a partir deles/ através

mais interessa às artes o posicionamento do cenógra-

deles. Estas escolhas, além do estilístico, da moda

fo como artista, como cidadão, e por que não, como

ou da mídia, configuram depoimentos sobre nossa

performer, que age e interfere. A cenografia então

percepção do mundo, determinando muitas vezes as

torna-se um dispositivo relacional. Se o ato ceno-

intenções da obra, seu ponto de partida.

gráfico desmorona as paredes e limites do backsta-

Em junho deste ano, a 13a edição da Quadrienal de

ge e a noção de projeto, tornando o espaço total/

Praga (maior evento de cenografia do mundo) atua-

real/experimental, será a partir de ações, relações

lizou o nome do evento para ‘design da performance

e suas consequências que o cenógrafo é convocado

e do espaço’, afirmando nas ideias dos curadores,

a presentificar-se, ‘performatizando’ sua prática e

comissários, nas mostras dos países, nas conversas,

atualizando seus instrumentos e procedimentos de

workshops e projetos de estudantes, uma excitação

trabalho. É preciso continuar a investigação.

da cenografia em direção a performatização. E o que

O tempo (não como movimento contínuo, ensaia-

significa isso? Longe de estabelecer respostas, parti-

do, mas como catarse e imprevisibilidade), a mate-

cipamos em Praga da celebração do ato cenográfico,

rialidade x desmaterialização (sim, nosso modelo de

explorando a cenografia como uma potência da per-

consumo global determina diretamente nossas esco-

formance, ‘como um poder que nos influencia assim

lhas e valores) e a precariedade (podemos considerar

como a música, a atmosfera e a política’.

que toda ação criativa é precária por ser instante?)

Aby Cohen, comissária brasileira da PQ, apresen-

podem ser apontados como alguns temas a se consi-

tou-nos o espaço como política, como acontecimento,

derar em reflexo ao empobrecimento do imaginário

‘motivador de inter-relações, construtor de lugares

global. Cenografia brasileira: Até quando continuare-

onde as narrativas podem traçar trajetórias relacio-

mos nos identificando como ‘propositores de enco-

nadas com a sua própria temporalidade, criador de

menda’? Até quando vomitaremos arremedos de Bob

ambientes ativos que possibilitam as experiências

Wilson nos palcos? Os impactos da tecnologia servem

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apenas para a troca do telão pintado pelo telão de

criativa, nos deixa um bastão a ser empunhado com

led? Qual seria diante deste panorama a responsabili-

coragem e verdade, decepa a boa educação cenográ-

dade do cenógrafo contemporâneo?

fica encarando o mundo como parque de diversões de

Esta provocação poderia ser rebatida nos questio-

situações e comportamentos.

namentos: Carona na onda performática que nos in-

Ele arremata: “deve-se mudar as formas de tempos

vade e logo passará? Resposta/vingança a uma reve-

em tempos, a fim de ser capaz de aludir novamente

rência histórica (e muitas vezes submissa) ao diretor?

para o objeto (cenário) com um certo frescor. A arte

Possibilidade de construir uma linguagem ‘autôno-

não funciona sem perturbações. Se ela está indo mui-

ma’? O bom cenógrafo está se tornando um perfor-

to bem, torna-se segura e bloqueada. É preciso des-

mer raso? Até onde sua liberdade pode nos levar em

cobrir novas energias para ver as fissuras (...). Distúr-

direção à experiência?

bios trazem possibilidades”. Como opera a cenografia

Reproduzo aqui o trecho de uma conversa com Bert

hoje para fazer com que as pessoas ajam, pensem,

Neumann, o genial cenógrafo/artista visual alemão

percebam, experimentem e relacionem estas reali-

que construiu o imaginário do Volksbuhne junto a

dades entre si? Alguns caminhos têm sido propostos

Frank Castorf (e a outros artistas como René Polles-

para que não nos viciemos em formatos a priori.

ch): “sim, inventar espaços é dirigir, pois você cria

A guerra não tem ensaio. Tal como um guerrilheiro,

possibilidades para os atores encenarem. Mas este

o cenógrafo (assim também como a vida) é desafiado

processo de invenção deve ser independente, como

a reinventar-se. E com ele, as definições de reali-

todo trabalho artificial. Você deve ser livre, e não se-

dade, representação, situação e do próprio teatro.

guir os desejos de um diretor. Ele e os atores devem

Para onde vamos com estas ideias, trata-se do ‘fim’

ser livres também para fazer coisas no espaço. Este

de uma geração?, questiona-se. A meu ver, isso não

é meu prazer: ver como as pessoas usam o espaço,

importa agora. O trabalho se dá no front, na zona de

vivem nele. É sempre surpreendente e eu definitiva-

batalha. Depois de Bert, o caminho livre ainda gera

mente adoro isso!”.

anseios e fugas. Mate ou morrerá.

Bert morreu subitamente em agosto sobrevoando

Este artigo inaugura, a partir desta edição, uma sé-

o imaginário da realidade e da representação, nossa

rie sobre o cenógrafo contemporâneo e sua prática.

obsessão pela ‘imitação da vida’, propondo situações

Depoimentos, críticas, debates e reflexões buscarão

surpreendentes que, tomadas pela fúria de uma pre-

compartilhar experiências e ampliar esta conversa.

sença destruidora e destrutiva, a própria criação, nos

Bem vindo, adentre a arena, ouse antes de usar.

ofereceu inquietantes frestas e buracos perfurados para que olhássemos nossa condição mais a fundo. Nos deixa um legado fértil na defesa da liberdade

Renato Bolelli Rebouças

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todo ouvido

celso

A melodia da palavra

d

esde os sertões (2002 - 2007) a cia teatro oficina uzyna uzona incorporou o processo de composição coletiva de canções nas criações dos espetáculos óperas de carnaval. mesmo quando compositores criam as músicas fora do teatro, existe o momento de apropriação pelo coro ou protagonistas cantores das obras criadas e isso implica, muitas vezes, na descontrução total de tempos e linhas melódicas. repetidamente - mas não sempre - quanto mais ‘músico’ o compositor, mais desconstruída é a canção nos ensaios de interpretação conduzidos por zé celso. celso sim, além de um cantor intérprete excepcional, é um grande colaborador do teatro oficina como compositor. como não toca nenhum instrumento melódico, e não é formado em escolas de música ou conservatórios, suas canções tem como ponto de partida as palavras e seus sentidos. as canções com lógica ilógica do ponto de vista musical, possuem clareza de revelação dramaturgica. são fios, linhas de roteiros... roteiros... roteiros... roteiros... roteiros... roteiros... roteiros...

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por

camila mota


Para conhecer uma das composições de Sim, clique no botão acima


excomp visitando

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panhia Entre a realidade e o inconsciente de ser artista por fotos

ruy filho

patricia cividanes

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F

oi por aí que nos conhecemos. Entre amigos. Por acaso. Logo, os encontros se tornaram mais constantes. Até então, novos amigos que também faziam teatro. E como são muitos assim, tudo bem. Sabíamos dos interesses uns dos outros, principalmente por arte, e seguimos próximos. Eu e essa minha dificuldade em misturar as coisas. Surgiu nesse tempo a Antro Positivo. Eles a liam, comentávamos, e continuamos com boas conversas sobre um pouco de tudo, limitados às curiosidades rotineiras. Então recebo a divulgação de um espetáculo, cujo mote me chamou atenção. Coisa cada vez mais rara, confesso. Era tão fora da produção recorrente, tão alucinada e inventiva, arriscada em como se apropriava do contemporâneo, que me levou a perceber os mesmos amigos sob a forma de artistas. Descobri que poucos abordam o fazer teatral de maneira tão inquieta e propositiva como a ExCompanhia de Teatro. E veio a vontade de entendê-los mais. No MASP, eu, Gustavo e Bernardo nos embriagamos de café por duas horas. Levamos muitos anos para que esse momento acontecesse. E foi incrível. É preciso começar pelo óbvio: o fato de serem dois. Ou seja, duas pessoas com interesses e olhares específicos criando os mesmos trabalhos, com tudo de positivo e problemático que isso acarreta. Para Bernardo, criar em dupla é sempre muito complicado. São muitos pontos de vistas sobre cada possibilidade, e as escolhas ainda se desdobram em novas abordagens. O leque de proposta se multiplica exponencialmente. O importante, portanto, não são apenas as questões, mas manter-se aberto ao consenso, explica. Para Gustavo, essa maneira de criar provocou-lhe mais maturidade no trabalho ao exigir a defesa e desconfiança daquilo que se oferece, e abertura ao entendimento mais profundo do oferecido. Ao fim, os trabalhos demandam tantas investigações e reflexões que, após prever sua realização, não dá mais para ser abandonado, comentam. É preciso fazê-lo, resume Bernardo. Os trabalhos tomam antes a forma de desejos surgidos em inquietações pessoais que se descobrem mútuas, e uma vez reconhecidos passam de fato a existirem como projetos. Não significa dizer estar tudo resolvido. Faltam-lhes as estruturas e mecanismos para efetivarem as criações. Por isso, inventam, subvertem, fazem acontecer sem abrir mão dos desejos mais audaciosos, estética e conceitualmente. Pode parecer, à primeira vista, a mesma dinâmica de qualquer grupo de teatro sem estrutura, apoio ou financiamento. Mas existe neles um diferencial. Enquanto a maioria dos grupos confrontam as faltas com tentativas de conquistar as soluções aos meios idealizados, a ExCompanhia reinventa o fazer para não necessitar dessas mesmas condições. Foi assim que me chegou o primeiro trabalho com qual tive contato: pelo facebook. Não por ser uma divulgação como tantas outras. Mas por ser ele mesmo o espetáculo. Uma narrativa iniciada nas redes sociais, estendida ao contato real individual com os espectadores e fi-

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nalizada em uma ambiência cênica específica que desse conta da complexidade desse trajeto, compreendendo as singularidades das experiências de cada espectador, levando a todos à mesma conclusão. O trabalho em si, Eu Negociando Sentidos. Avançamos a conversa até ele. Antes, um pouco sobre o início. A ExCompanhia de Teatro começa com um grupo de estudos. Foi ali que um dos grandes dilemas das artes cênicas se colocou provocativo, questionar o teatro como um espaço de exibição. Problematizar a separação entre o palco propositor e a plateia passiva pode correr alguns riscos. Muitos se voltam a isso e acabam por fortalecer certo estereótipo de participatividade tão construído nas décadas passadas, aonde o espectador é incluído ao espetáculo, mas sem muito acrescentar como código narrativo e simbólico. Para Gustavo e Bernardo as respostas surgiram por outras proposições, na complementariedade de outra importante questão, por que a experiência do teatro não é tão valorizada? Ao somarem as duas perguntas, compreenderam não ser suficiente ter o público em cena, mas ser ele a própria cena. Provocando a inversão, a ExCompanhia passou a invadir o universo seguro do espectador para levar à sua realidade o teatro. Nesse processo nada simples, dois estímulos foram fundamentais. O primeiro, a passagem de ambos pelo Teatro do Centro da Terra, onde trabalharam com o diretor Ricardo Karman e o performer Otávio Donasci. O segundo, o espetáculo Palhaços, com Dagoberto Feliz e Danilo Grangheia, e direção de Gabriel Carmona. De Ricardo e Donasci as pesquisas sobre arte-tecnologia e limites expandidos da narrativa cênica; de Palhaços, a maneira como a simplicidade foi capaz de os tocar. Assim, pode-se dizer que a ExCompanhia surge ao se perguntar como incluir o público na narrativa, através de experiências cênicas poéticas e tecnológicas, que busquem dialogar e interferir no reconhecimento do zeitgeist, o espírito da época, em seus aspectos intelectuais, estéticos e éticos, segundo os alemães. E assim resolver a falta de interesse pela experiência teatral que tanto atinge a todos nós. Feitas as perguntas certas, foi preciso escolher as respostas. A mais inquieta, e por isso mesmo especial, revelou-se como sendo a possibilidade do teatro criar experiências de imersão ao espectador, potencias poéticas fortes. Pessoalizar a experiência, portanto. Porque não lhes interessa tratar o outro como fileira a, b ou c, explica Bernardo. Assim, o espectador deixa de ser apenas alguém ocupando um espaço para existir como presença e personalidade determinantes ao espetáculo. Essa radicalidade impõe rever o olhar sobre a narrativa em três de seus aspectos: conteúdo, pessoa e lugar. Para tanto, a experiência necessita ter o sentido de ser da forma que se propõe ao outro, resume Gustavo. Significa dizer, encontrar no contemporâneo quais os trajetos de existência, e não apenas quem ainda são as pessoas. Sem se afastarem dos Gustavo Vaz e cânones tradicionais do teatro, personagens, dramaturgia, Bernardo Galegale, preparação de atores etc., a ExCompanhia investe prinintegrantes da Ex-Companhia, em ensaio excluvivo no Elevado Costa e Silva, em SP.

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cipalmente no que denomina por potência de presença. Em outras palavras, na radicalidade da imersão do encontro com aquele entendido por outro e não mais mero espectador. Para Gustavo, quando se vê pelo prisma da exposição, perde-se a ideia da presença do público, pois tudo que está exposto assim o está em ambos os lados. Ao não mais diferenciar os envolvidos, tudo torna-se virtualmente narrativo. Aqui se dá o salto em questão para o interior do zeitgeist. O movimento preciso de reconhecimento do trajeto que realizamos no presente; a aceitação filosófica da presença determinista ao ser de sua face virtual. Então foram atrás desses novos serem. Eu Negociando Sentidos surgiu na aproximação exatamente dessa nova realidade de existir. A perspectiva de ficcionar o real dialoga em Eu Negociando Sentidos com o falso contraponto da realidade do virtual, acompanhando a condição cada vez mais explícita de não haver oposição entre tais abordagens, e sim complementariedade. Ao seu modo, o trabalho provoca a intersecção entre a possibilidade e a concretude da narrativa, compreendida pela subjetiva sensação de teatralização de ambas. Para Gustavo, ao se perguntarem como as pessoas acabam comprando as coisas como verdades, perceberam o quanto tudo hoje acaba ficcionado, desde a tevê, os noticiários, a

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“A experiência começa antes, na escolha da peça no guia” política, e também o teatro. Assim, o virtual se confunde real, e parece plausível de existência. Então, explica, no convívio virtual, seja em Eu Negociando Sentidos entre personagens reais e ficcionais, seja na relação com a cidade como personagem em Jornada, espetáculo experiência em áudio binaural, a pessoa age e reage virtualmente. Isso não é pouca coisa. Significa a linguagem se valer cada mais de sua virtualidade, provocando a consequência de não mais haver consequências reais. Para Gustavo, esse é um dos estímulos à necessidade do indivíduo “falar”, pois a expressão, seja qual for, comprova, ainda que virtualmente, a presença, o existir. Por isso os trabalhos da ExCompanhia possuem sempre um tanto de metalinguagem, conclui Bernardo; cabe também ao teatro compreender sua manifestação no contemporâneo como linguagem virtualizada, onde a cena não se valida mais somente pelo acontecimento cênico, mas pela experiência no convívio com ele. Ao trazerem ao cotidiano a ficção como matéria narrativa do real possível, Gustavo e Bernardo se

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“Se dá pra realizar, então tem que ser feito”

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aproximam do que Gilles Lipovetsky e Jean Serroy definiram como Era Transestéticas ou Sociedade do Hiperespetáculo. Segundo Lipovetsky e Serroy, no tempo do mercado de consumo, também o capitalismo se adaptou, e precisou se apropriar mais da arte e da estética. Esse Capitalismo Artista, como denominam, artealiza o domínio da vida cotidiana no exato momento em que a arte contemporânea se empenha em um vasto processo de desdefinição. O mundo, portanto, faz-se outro. Agora é transestético. Assim, essa hiperarte funciona como estratégia de marketing, jogos de sedução para captar os desejos do neoconsumidor. Os dois filósofos explicam, ainda, funcionar o Capitalismo Artista pelo cruzamento, sobreposição dos domínios e gêneros. Constrói uma cultura com a característica de implantar-se sob o signo hiperbólico do espetáculo, da diversão de massa. O que diferencia a sociedade do espetáculo guybordiana - na qual o indivíduo era submetido pela alienação, passividade, separação, falsificação, empobrecimento e despojamento -, da hiperespetáculo consequente ao capitalismo criativo transestético são sedução, excesso, diversidade, reflexividade, entretenimento sem fronteira. Por fim, concluem, o indivíduo hipermoderno não quer mais apenas o virtual, quer o live. É nesse novo contexto de pertencimento e participatidade que a ExCompanhia se colocação em ação. E a forma mais própria a essa ampliação da experiência está no assumir o teatro como amplitude de encontro sem se aprisionar às formas tradicionais. Buscando formas que dessem conta disso, o site specific respondeu de maneira direta. Para Gustavo, um site specific exige ao artista criar a plenitude da obra. Se o cara cria tudo o que está no palco, cria potência, portanto a peça irá funcionar, explica; pois nele tudo faz sentido, até no como se utiliza a cidade. Bernardo completa o pensamento, o encontro com uma peça começa antes, na escolha ainda no guia de programação. Se o teatro não tem risco, não interessa ao espectador, diz Gustavo. É importante oferecer ao espectador a sensação de que o espetáculo pode dar errado. É o que Bernardo chama por expectativa do imprevisível. Já Gustavo afirma que tirar o risco da zona de conforto é fundamental. Ou seja, tornar o risco algo eminente, plausível e insolúvel. Para tanto, os dois procuram criar nos espetáculos níveis de interação. Um exemplo, relata Gustavo, é o espectador estar tão emocional e narrativamente envolvido a ponto de chegar a esquecer ter entrado em uma peça e querer bater no ator. Isso me leva às inquietações mais pragmáticas. Se os trabalhos provocam e conquistam esse nível de deslocamento do real e do ficcional, à ponto do espectador se desperceber como tal, como o teatro sobrevive como linguagem a ser experienciada, já que toda experiência demanda minimamente o Moradores de um dos seu reconhecimento para ser criticamente percebida e muito prédios, que absorvida, e como lidar com o pós-espetáculo, uma vez têm sua janela voltada ao “Minhocão”, que aos domingos é fechado para diversão dos pedestres.

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que, ao termino, a experiência narrativa permanece contínua ao viver? Antes de responderem esses últimos pontos, reabastecemos nossas xícaras de café, enquanto aproveito para abraçar um amigo que reencontrara no MASP. Gustavo explica nunca se preocuparem, durante as criações, em fazer espetáculos teatrais exatamente, mas em linguagens, utilizando-se para tanto quaisquer plataformas, seja uma casa real, o facebook, a cidade narrada em fones, o que for. No entanto, explica, permanece a necessidade do “teatro” junto ao nome da companhia. Viemos do teatro e aqui estamos, ao mesmo tempo em que é uma companhia de teatro, ela não é, diz. O fato de não realizarem intersecções com a realidade nos moldes estabelecidos na década de 1960, em processos mais formalistas ou tradicionais, está no entendimento desses perderem potência poética. Augusto Boal, por exemplo, se torna quase uma pegadinha ao espectador, quando esse descobre estar dentro de uma cena realizada em uma situação cotidiana banal. Então é preciso esclarecer, desde sempre, ser teatro, e com isso conduzir o espectador a outro lugar, e não apenas ao da participação. O convite, obviamente, conduz o interessado a um mergulho mais profundo e radical à criação, ao ponto de ser complicado separar realidade e arte. Mas a experiência é sempre mediada de alguma maneira, explica Bernardo. Existe a preocupação em sempre lembrar ser teatro, de modo que o pós é feito e plantado no espectador antes mesmo do início. Ao passar por toda a narrativa, ele entenderá o quanto naquilo foi dele, do processo, dos artistas e da realidade. Só assim, diz Bernardo, deixaremos espaços abertos para criarmos neles o limiar da ficção. Uma companhia jovem, recente, de olho no presente com a inquietação de compreender e evoluir por dentro dos futuros possíveis. Assim é possível distinguir a ExCompanhia de Teatro e sua busca por poéticas singulares, nas quais o teatro é tratado novamente como jogo a partir da existência do outro e sua realidade narrativa. Artistas inquietos, divertidos, sérios, profundos e românticos. Artistas que acreditam na possibilidade da arte ser a maneira mais profunda e bela de transformação de todos nós. Exatamente o que os trabalhos recentes revelam. Basta acompanhar o facebook ou sair pela cidade e as coisas não serão mais as mesmas. Na virtualidade de nossas personas fabricas e na realidade de nossos corpos presos ao cotidiano, a ExCompanhia conquistou meios próprios para invadir e intervir. O teatro muda. As pessoas mudam. E parece que o futuro chegou sem exageros mergulhado em profundos e radicais oceanos de poesia. Tendo uma chance, gostaria de levar Lipovetsky e Serroy para viver uma dessas deliciosas experiências da ExCompanhia de Teatro. Quem sabe. Bernardo e Gustavo posam com os fones coloridos, usados em suas aresentações.

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“A linguagem é virtual. A consequência de não haver consequência é real”

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ca r t a a b e r t a remetente destinatário

Ruy Filho

Imperador do Brasil

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ormalmente começo com Oi, fulano. Desta vez, não. É preciso respeitar as posições, as hierarquias. Então... Salve, Majestade. Quanta surpresa. Depois de um século voltamos a ter imperador. E Vossa Alteza nem sois Orleans nem Bragança ou um dos outros 487 nomes da antiga família real. Nada disso. Começa por vós outro momento dessa história. E vem sobrenomeada por Cunha. Antes de vos dizer minha sugestão, tomo de empréstimo a fala do primeiro que ocupara o trono já em nossa independência. Algo tipo isso, explicou o I ao pai, um dia: como filho respeitoso e súdito constitucional (tipo eu), cumpre-me dizer sempre a meu Rei aquela verdade, que de mim é inseparável; se abusei peço perdão, mas creio que falar a verdade nunca é abuso, antes, é obrigação e virtude, ainda quando for proclamada e contra o próprio sujeito ou pessoa de alto coturno. Assim, reitero o perdão do abuso que é escrever esta carta. E corrijo, pois não me queira filho, visto não vos quero pai; prefiro sê-lo do próprio Santanás, a quem imagino mais simplório e palatável. Ademais, também duvido sobre o uso de coturnos. Pedro tinha esses vícios de fala. Coisa de época. A lama ainda era chão naquele Império e

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justificava a vestimenta. E estando Brasília como está, talvez seja-lhe apropriado para perambular mais tranquilamente pelos corredores reais. Se bem, muito da lama enigmaticamente parece mesmo escorrer de vós feito suor. Tendes, por acaso, sudorese? Ou me engano, e somente é Mariana banhando a todos pelo Palácio. Conheço-vos agora, nesse um ano de reinado imposto, melhor do que a mim mesmo. Não sei quem proclamou Vossa Alteza Regente sem restrição alguma, mas é chegado o instante da coroação que deverá vos nomear Rei do Brasil. Quero dizer, oficialmente, pois rei já o sois. Não me mandais à guilhotina, tendes calma, são maneirismos, eu próprio já o entendo senhor, os outros ainda se iludem com os mandantes e seus cargos. Se isso acontecer não me conformarei com tais aclamações, porque, ainda sendo vontade do Conde Lobão e outros piadistas e bobos na sua corte da Avenida Paulista, ponho-me a retrogradar (nem sei o que essa palavra significa de fato, desconfio, Pedro uso, e eu vou nessa), mas, sempre, me dada a chance, ei de pedir a Vossa Majestade que nos deixeis. Porque não consigo ser fiel súdito de quem não é fiel senão a seus dementes. Que isso aconteça, o absolutismo de seu reinado, o que espero não, minha


consideração máxima será ingratidão e deslealdade. É só o possível vos ofertar. Guia-te pelas circunstâncias com prudência e cautela. Esta recomendação é digna de todo o homem. A história conta e canta o cair de armários de cozinhas sobre os olhos arroxeando os hipócritas. Pergunte a Sir Roberto Jefferson. E, como bem consta, antes de imperador sois político, e sendo essa classe brasileira o exemplo maior da mais desprezível fauna da podridão da espécie humana, a vós, residente aparentemente eterno dos aposentos constitucionais dessa medíocre sociedade, convém respeitar a história. Pois se algo se afirmou nesses quinhentos anos foi a graça de sacanear de heróis a traidores. Claro, com suas diferenças. Heróis são esquartejados; pérfidos atacados pelos utensílios domésticos. Ainda assim, olhos e sacos roxos são perigosamente presentes aos adoentados pelo poder, vide nosso collorido Arquiduque das Lagoas ao Leste do Norte. O Rio de Janeiro, essa eterna capital cenográfica da nação, parece amar mesmo Vossa Majestade, reconhece-vos e sempre o fez como grande salvador; por desgraça ou infelicidade (problema difícil de decidir-se), os votos continuam e vossa retórica doentia parece mesmo convencer os praianos. Talvez

seja a presença intensa do sol. Todavia, de São Paulo, dou-lhe outro exemplo, os xuxus permanecem misteriosamente alimentando as massas. Lá, talvez, o carbono excessivo nos neurônios. Sem falar nas Minas Gerais e outras terras e montes, do Serrado ao Serrano. Deixo a vós, então, a lição explicada por Pedrão. Hoje, esse povo começa a desconfiar, cansar; não só abomina e detesta, mas não vos obedece nem obedecerá mais. Insisto-vos. Tenho a honra de protestar novamente a Vossa Majestade meus sentimentos. Ainda me lembro, e me lembrarei sempre do que pensasse antes de ocupar seu especial aposento: se o Brasil se separar, antes seja para mim, que me hás de respeitar, do que algum desses aventureiros sindicalizados nas graças da plebe. Posso estar confuso. Talvez nem tenha sido vós quem dissestes isso. Talvez, aquele que anteriormente ergueu o cedro nas terras dos papagaios. Ou o filhote. Ou qualquer outro sedente pelo trono. Não sei mais, dados tantos inimigos simultâneos à explorarem o reino em bem próprio. Importa menos sabê-lo. Pois chegou o momento da separação. Rompestes com o Brasil, no embuste da desculpa esfarrapada de desejá-lo diferente. Rompo eu com Vossa Alteza, em nome da sanidade


que escapa ao cotidiano e destrói a lógica mais óbvia de sobrevivência. A Providência Divina lhe deu em sorte o viver livre, explicaria Pedro, como disse ao próprio pai, enquanto nós, plebeus e inúteis, infames déspotas (constitucionais in nomine) dessas facciosas, horrorosas e pestíferas cortes carnavalescas tanto desejamos e sonhamos a vós a prisão mais suja e desumana que tivermos. E temos, estejais certo disso. A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices que argumentais geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa, não protegem mais à sua absolvição. Deixeis disso, alteza. Não funcionou a Vargas, igual será a vós. Vossos supostos amigos não lhe defendem mais nas posições ocupadas à felonia de hipócritas e traidores, logo eles que tanto beneficiastes com honras e mercês. Não haverá partidos capazes de sustentar vosso precipício. E não volteis aos gritos à insensibilidade moral de sicários quais entregastes à Justiça. Caberá a eles continuar o ambiente na opinião pública do país contra Vossa Majestade. Querem vos destruir a qualquer preço, pois tornardes vós perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas. Se como advertiu Getúlio, resta seguir o destino imposto, depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, a revolução vinda a ele após usurpar o poder e diminuir preceitos democráticos, a vós, alteza, tão ínfimo quando comparado, tão me-

diocrizado em atitudes, ainda que valente, nada poderá construir. Vossa luta mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, suportando e desabafando em pronunciamentos cirúrgicos, tudo se lembrando e insistindo no poder fortalecido apenas em vós mesmo, pouco importando-se com o povo que graças a vós se queda ainda mais desamparado, ainda assim, vosso nada serve. Talvez, como com aquele, o sangue. E não responder ao ódio com ódio ou perdão, mas com a morte honesta de quem se reconheceu desprezível ao ponto de ser uma afronta permanecer vivo. Morrer vargasianamente é certamente vosso último feito relevante ao país que tanto amais. Também o enforcamento teria certa graça. Quem sabe assim, hão por bem perdoar-vos de todos os excessos que haveis praticado. Apesar de achar não caber perdão tamanhos os excessos que cometeis. Destituísse o Poder Executivo por ciúme. Humilhais o Legislativo, cuja presença provoca generalizadamente descrédito e vômito. Fazeis do Judiciário o alvo mais próximo agora, enquanto coroastes a ti próprio feito a um Napoleão sem exército. Sabeis, meu imperador, como morrera o nanico? Pois é. Mas vós sois covarde demais ou egocêntrico demais ou covarde demais pra assumir tamanha egolatria ou ególatra demais para reconhecer a escondida covardia. Sabemos, não pulareis do último andar do Palácio. Seria essa uma linda imagem. Insistireis em ser rei, mesmo se preciso for destruir a


política, a sociedade, a economia, essa nova moeda qual cunhou, fraca e desprotegida de vossos arroubos juvenis imbecis. É, alteza, entrastes pra história, é inegável. Estareis nos livros das escolas como aquele que derrubou um governo sendo igualmente ou mais monstruoso ao derrotado. E assim seguiremos, nós, os papagaios, falando inutilmente, repetidores aleatórios, voando e trocando de poleiros eletrificados, semi-soterrados de absurdos impiedosos. Tanta merda por aí. Espalhando-se. E a merda real vem de vós, meu imperador. Ainda que outros defequem, é a vossa a mais pegajosa e preenchida por doenças. E o povo, contaminado irredutivelmente com os vírus da discórdia, da intolerância, do ódio, há de devolver-vos irremediavelmente. Preparai-vos. As distâncias até o Palácio diminuem a cada pronunciamento. Um dia, espero eu ainda existir e vê-lo, chegaremos ao seu aconchego. Vossa Majestade será arrastada para fora com a força dos insanos e a revolução tão almejada atingirá. Os fósforos riscados perceberão as poltronas e os ternos, para além dos ônibus. Queimarão nessa nova inquisição os ditos representantes e os ditames dos direitos. Não haverá mais sentido algum defender nada. E menos termos rei. Talvez tendes esquecido, mas ainda existem índios. E memórias. Somos antes antropófagos. Devoradores. As partes de um imperador certamente são mais macias comparadas aos roceiros. E adoramos jogar futebol com cabeças. Termino. Dou aqui a Vossa Alteza do que

nesta vossa terra vi. Por menos, amigos dos reis foram mortos em suas camas com suas alcoviteiras. Irmãos confrontaram irmãos. Militares se rebelaram às tentativas de quem não seguissem suas regras. Partidários sumiram. Não sei de vossos irmãos, nem se os possui, espero que não, ou devem ser almas atormentadas, já que mesmo os meios de se chegar a Deus estão em vossas mãos, devidamente registrados os domínios da fé. Não sei como pensam os soldados frente aos vossos desafetos à civilização. Vossos partidários parecem vos abandonar, mas o que é de fato real em política? Agora, vosso amor é esse sim público. Enquanto envaideceis frente às câmaras, ela se volta às bolas do treinador de tênis. Será isso, alteza? Tudo não passa de uma vingança pública pelos cornos infringidos pela rainha? Relaxai, meu rei. Desista. Mude de lado. Abandone, pois é visível vossa estampa desagradar e incapaz de seduzir, e vossa prosódia irrita e cansa com imediatez. Esqueça as mulheres, encontre um homem, tal como a rainha fizera, com quem possa dividir e reinar em paz. E não se esqueça, é fundamental que vós vades tomar no cu. É certo que, assim, Vossa Alteza há de ser muito melhor servido do que com a política. E o reino poderá continuar a seguir o futuro incerto, porém esperançoso e talvez até feliz. Afinal, enquanto vosso o cu imperial estiver ocupado com outros afazeres, deixareis de cagar sobre nós. Fica essa como minha única sugestão ao vosso imediato futuro, meu caro imperador.




circunferĂŞncias


A cenografia se profissionaliza como espaรงo de ensaio


O

contato com uma obra muitas vezes exige a preparação do observador. Pensando nisso, em ampliar pela sensibilização, nas ultimas décadas as exposições passaram

a apostar cada vez mais em construções cenográficas para ambientar os trabalhos. Não se trata apenas de oferecer o deslocamento para um ambiente especifico, o que certamente ocorre na maioria das vezes, modificando o espaço a partir da porta. O importante é propiciar ao observador estados específicos para mergulhos mais radicais e eficientes quando estiver em contato com as obras. Para tanto, o ambiente precisa contemplar os códigos estruturais do vocabulário artístico em questão, ou se limitará a mera cenografia estereotipada e caricata da linguagem. Muitos são os exemplos desse equivoco. Poucas as exposições que conseguem supe-

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Imagens de Dismaland, um parque temporรกrio organizado pelo artista urbano Robert Banks, conhecido como Banksy, localizado em Somerset, Inglaterra (2015).


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dos mais importantes acontecimentos teatrais no Brasil recente. Kantor e a radicalidade de seu pensamento influenciaram os maiores diretores vivos. Desde Bob Wilson e toda a geração vanguardista americana, Peter Brook e os diretores alemães e franceses, até nomes brasileiros como Antunes Filho. Foi praticamente impossível surgir no século XX como grande diretor sem estar contaminado por Kantor. Ter a exposição de seu trabalho nessa magnitude, só faz engrandecer nosso vocabulário estético e conceitual sobre a produção teatral contemporânea. Sendo, porém, o assunto aqui a ambientação e não propriamente o artista, é digno de reflexão sobre a imponência e acerto da ambiência criada por Ricardo Muniz. Ao adentrarmos ao ginásio, bastavam poucos minutos para que tivéssemos um encontro pleno com o vocabulário cênico de Kantor, de maneira inacreditavelmente preciso. Não era necessário entender Kantor para que o espaço lhe apresentasse sensorialmente o artista. E, dessa maneira, Imagens da exposição “Máquina Tadeusz Kantor”, realizana no Sesc Consolação (2015).

ambiente, cenografia e obras se completavam de modo único, como se o projeto fosse idealizado pelo próprio artista. A segunda

crédito fotográfico não informado.

exposição paulistana aconteceu no Museu da rar o efeito estético e estabelecer com impacto

Imagem e do Som, e não era sobre teatro, e

experiências completas. Nesses últimos meses,

sim o cinema de Zé do Caixão, personagem

felizmente, três exposições, duas em São Paulo e

de José Mojica Martins. O labiríntico percurso

outra no litoral do Reino Unido, foram além e se

introduzia o observador aos universos de seus

tornaram tão relevantes ao observador quanto as

filmes de terror trash eróticos, igualmente de

próprias obras que abrigavam. Na capital paulista,

modo tão eficiente que mesmo quem não ti-

ocupando o ginásio desportivo do SESC Consolação,

vera contato com sua filmografia experiencia-

a imensa exposição sobre o trabalho do encenador,

va instantes plenos de susto, ansiedade, medo

dramaturgo, performer, artista plástico polonês Ta-

e comicidade. Perambular pelos corredores do

deuzs Kantor trouxe objetos, vídeos de espetáculos,

MIS transformado por jogos de espelhos e dis-

cartazes, pinturas, documentos, revelando-se um

torções expressionistas das paredes inclinadas


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convidavam ao diálogo ininterrupto com o artista,

se na hostilidade e melancolia incontornáveis dos

como se estivéssemos dentro de seu imaginário em

funcionários, em meio a lama e depredação que

pleno instante de criação. Por último, um exemplo

abrigavam as atrações. Bansky superou com essa

eficiente nas artes visuais, aonde a cenografia pra-

obra a ideia de ambientação e tornou o próprio

ticamente se tornou impositiva às montagens das

ambiente uma obra em si. A exposição durou

grandes e médias exposições, sobretudo coletivas.

poucos meses para não mais existir, deixando no

Diferentemente disso, a Dismaland, idealizada por

espaço ocupado o mesmo vazio e abandono que

Bansky, ocupou uma gigantesca área na cidade de

lá existia. Entre a cenografia de uma linguagem

Weston-super-mare, feita para ser uma Disneylan-

tal como em Kantor, a cenografia de um imagi-

dia às avessas, sombria. Reunindo um time de ar-

nário como em Zé do Caixão, e a experiência

tistas provocativos e artistas ativistas voltados aos

da totalidade de cenográfica como sendo ela

questionamentos do viver contemporâneo capita-

mesma a obra, o ano de 2015 mostrou a artis-

lista-pop, toda a área representava o parque de

tas de diversas áreas que um lugar e

horrores de nossa sociedade fracassada, fosse com

algumas escolhas podem ser radi-

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obras como o capotamento de Cinderela em sua

calmente fundamentais para cons-

carruagem de abóbora cercada por paparazzi, fos-

truir mais do exposições.

fotos Letícia Godoy e Tony Hermann / MIS

Foto da abertura da exposição “À MeiaNoite Levarei sua Alma”, sobre a trajetória de Zé do Caixão, no MIS (2015).


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t h h c e s

re at

deu t

homenagem

as mais variadas formas de inquietação dominam o palco fotos

arno declair

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Na página anterior, cena de “Aus der Zeit fallen”. Nesta página, “Das Goldene Vließ”.

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P

rimeiro, depende de um ambiente cultural que propicie o surgimento de grandes artistas. Segundo, de governos interessados no desenvolvimento da cultura, inclusive como estrutura de mercado e turismo. Terceiro, políticas culturais diversas que deem conta das adversidades e possam minimamente proteger as estruturas culturais das intempéries econômicas. Quarto, compreender que nem sempre será um paraíso, e que para sobreviver é preciso se colocar em constante desafio aos problemas, aos erros, aos dilemas. Quinto, inventar, ser ousado o tempo todo, esquecer-se das facilidades e propor-se como diálogo à sociedade pela singularidade das escolhas. Sexto, ser intenso e crítico. Sétimo, querer. Eles são assim, e seu país também. E os pontos se ligam formando ambiente, estrutura, vontade e interesse para que o teatro venha a acontecer em sua potência máxima. Que o teatro na Alemanha é um dos mais inventivos, já se sabe. Com alto nível de experimentalismo, a cena contemporânea continua se reafirmando paradigma a muito do que é produzido mundo afora. Isso não é fácil, sobretudo se pensarmos que isso ocorre há muitas décadas. Cenas de impacto, estruturas cenográficas inovadoras, narrativas singulares. E poderíamos descrever por muitas linhas tantas outras qualidades. Importa mesmo dizer que a produção teatral alemã pauta o desenvolvimento e as repetições por todos os lugares. Inevitável. Dentre os diversos artistas e companhias, o Deutsches Theater Berlin chama atenção por apresentar um vasto repertório estético. Seus espetáculos surgem como acontecimentos e são tantos, dadas as condições da companhia e do teatro berlinense, que não é exagero afirmar serem um dos principais epicentros da produção atual. Quem já esteve em Berlim sabe que passar pelo Deutshes Theater é obrigatório. Nem se preocupe em olhar a programação em cartaz, apenas vá e se deixe surpreender. Algo ainda a ser estudado acontece nas suas salas. Enquanto isso, ficamos nós com o prazer de assistir a ousadia e grandiosidade de tantas ideias incríveis e riscos radicalmente insuperáveis. Por tudo isso e pelas provocações constantes, a revista decidiu, enfim, homenagear esse que é, sem dúvida, um dos grupos mais referenciais aos artistas em atividade. ruy filho

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Cena de versão do clássico “Romeu e Julieta”.


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À esquerda, cena do espetáculo “Sam”. Acima, mais uma imagem de “Romeu e Julieta”.

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Imagens do espetáculo “Sklaven”.

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Foto de “Diebe”.

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Cenas de “Die Nibelungen”, “Nur Nachts”e “Die Jungfrau von Orleans”, respectivamente.

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Acima, foto da encenação de “Judith”, e à direita, “Judas”.

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Instante do espetáculo “Gaunerstück”.

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À direta, acima, o espetáculo “Herz der Finsternis”. Abaixo, “Nathan der Weise”. Acima, cena da montagem de “Macbeth”.

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Foto do espetáculo “Das Käthchen von Heilbronn”.

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De cima para baixo, cenas de “Esperando Godot”, “Nathan der Weise” e “Die Nibelungen”.

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Montagem do clássico “Macbeth”.

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Cena do espetáculo “Schattenkinder”.

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Em sentido horário, cenas dos espetáculos “Moschee DE” (Foto: Katrin Ribbe), “Das Ding”, “O Avarento” e “Die lächerliche Finsternis”.

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Montagem de “Das Spiel ist aus�.

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contação por Juliana Rosenthal K.

Ser u ou não ser?


D

esde pequena ela se considerava uma pessoa tímida, não se sentia bem quando as atenções eram voltadas para si. “Olhem como ela cresceu!” era a mãe falar para todos a fitarem e ela ruborizar. “Sorri que eu estou te filmando”, era o mesmo que pedir para sua boca travar e as mãos começarem a suar. Mas ao mesmo tempo queria muito que seus pais gostassem dela, queria se sentir amada e para isso sorria, dançava, tocava piano, se deixava filmar. “Parabéns, minha princesa!”, “Você está linda”, “Orgulho da mamãe!”. Era o que bastava para que dormisse feliz. Mesmo nos seus aniversários, a hora do parabéns era desconfortável, constrangedora. Nunca sabia se deveria cantar junto, fingir que não era com ela ou olhar fixo para um ponto no horizonte, até o barulho acabar. Seu momento preferido era quando todos já tinham ido embora e ela, no seu quarto, podia abrir os presentes. Gostava de pintura, jogos, livros, bonecas e carrinhos. No seu sétimo aniversário ganhou sua primeira fantasia completa: mulher maravilha. Vestiu o corpete, a saia, o cinto, os braceletes, as botas e a faixa

da testa. Ela se olhou no espelho encantada e saiu pela casa como um foguete, lançando super poderes a todos que cruzavam seu caminho. Quis dormir de fantasia e chorou até quase perder o fôlego quando na manhã seguinte sua mãe ordenou que tirasse a roupa para colocar o uniforme da escola. Depois de três dias consecutivos com a fantasia não houve jeito. O pai entrou na discussão e ela, aos prantos, deixou de ser a mulher maravilha. Voltou a ser ela mesma, tímida, ansiosa. Naquela noite, depois da briga com eles, dormiu com um gosto amargo na boca, sem se sentir amada. Mas cresceu. E quando cresceu decidiu ser velha. E foi velha. Pintou os cabelos de branco, vestiu sapatos baixos, rugas se formaram no seu rosto e óculos era necessário para que pudesse ler as bulas dos remédios que tomava de quinta a domingo. Seus passos eram mais lentos pois suas pernas sustentavam com dificuldade o corpo cansado. E foi amada como velha. Foi velha por mais ou menos dois anos, até que quis ser uma femme falale. Será que conseguiria? Deixou os cabelos crescerem abaixo dos ombros, pintou de loiro, comprou lentes azuis. Malhou mais de uma vez

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pa tc iv id an

es

contação

por dia, pegou pesado, ficou forte, com o corpo definido. Começou dança do ventre e aprendeu gestos que nunca tinha experimentado. Seu corpo e seus movimentos ganharam contornos sinuosos, sedutores. Seus trejeitos se tornaram delicados e sua voz ficou suave, encantadora. Era impossível não se apaixonar por ela. Foram quase quatro anos, até que arriscou tudo, tentou ser homem. E foi homem. Cortou o cabelo, comprou um novo perfume, mandou fazer um terno sob medida. Era um belo homem, charmoso, envolvente. Sua voz engrossou, seus movimentos se tornaram mais contidos e seu raciocínio mais lógico, prático. Teve muitas mulheres, era do tipo conquista-

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dor. Chamou atenção, foi criticada mas, indiscutivelmente, foi amada como homem. Ao longo das experimentações, muitos amigos a abandonaram. Mesmo os pais estranharam no início. Velha? Loira? Homem? O que viria a seguir? Os poucos amigos de infância se questionavam: o que ela queria de verdade com isso? Aparecer? Ela aparecia, e era amada. Tinha descoberto o Teatro. Mas enquanto muitos achavam que ela se mostrava, na verdade somente conseguira alcançar o que desejava desde pequena. Estava finalmente lá no fundo, bem protegida, escondida atrás de seus personagens. Era uma atriz.



obs

por ruy filho

Aruade deixou deser espaço público aoteatro. Morreu aoeser submetida aos sistemas fugidios aoscapitalismo, interesses primeiro Seja instituições, sejacomo de interesses governamentais; aruapassou aser domada, ora pelo ora pela fornecidos por terceiros. Pois é. Instituições, governos empresas privadas acabam determinando o que estará oferecida. A rua morreu espaço ao artista. E muito porquê, para além do já dito, também pelo isolamento e seu ndividualizados, provocados e conduzidos por disputas territoriais e migalhas. A solução mais evidente fora rea pela estratégia. Juntar para gerar no conjunto o argumento de validação de uma suposta autenticidade. Só qu editais há muito. Nenhuma novidade nisso. Cria-se pela mistura dividida em partes desequilibradas do que se qu profundidades selimitaram aservir as expectativas dos juris ecomissões. A rua,há que porsuaEntão própria característica tinh ógicas.Como fugir aoscustos do fazer teatral? Como não necessitar dos terceiros, patronos emecenas? Nãopare escolhem, o artista poderá ocupar a rua como real espaço à arte. Sem isso, não solução. precisa o artista pen discursos como argumentos, sua presença como ruído fundamental ao outro para levá-lo para fora do cotidiano, de lusório. Figurinos custam, cenários custam, pessoas custam e,cada vez mais, tempos custam ecaros.eEideologia. não pagar despeito de tudo. Isso é verdade. Contudo, cada vez mais difícil de ser realizado apenas por paixão Ao Sem ocupar a rua pela arte, abre-se espaço para sua espetacularização. A rua precisa ser estetizada. Isso porqu mem esse real ao afirmar sua perspectiva de utilidade. Homem esse útil ao ser afirmado como existente e real. Na co por exemplo, diz mais sobreas respostas àpresença dodo indivíduo. No cotidiano de suaserve espacialidade, arua secon naturalidade, amúsico rua necessita portanto da encenação homem como personagem maior. Etanto assim seaquiet espaço público. Tal experiência não é fácil de ser detectada, e por isso mesmo a arte à rua ou mais q mperfeição. O que toca com sua banda na esquina. O grupo que declama maquiado ao som da percussão foro. Tudo isso pode não ser exatamente arte, apenas utilizações de linguagens artísticas para expressões banais Mas a rua permanece rua, e como tal insiste-se palco, espaço a ser ocupado, violado, destruído e ressignificado vida atodos para serem seusagentes, seus atores, edesenhar oferece aqualquer umosde instrumentos básicos ao desen Ereplicada otranseunte, esteja consciente ouimpor não, acaba por àruaum estado transformação contínua, noq em sua caricatura. Ao lhe existência em convívio, o indivíduo torna-se plural, corpo coletivo ahomem-muitos representar a todos. Não lhe importa nome ou origem, na totalidade representada o anonimato é o mecan infla o peito. Anda como quem conquista. Apanha como quem batalha. Esconde-se como qu múltiplo. A ruatransborda arealidade. teatralidade deotraz uma narrativa incompreensível, pois seus atores, tornados assim im de ação a teatralização da E isso consequências. A mais urgente é contaminar de volta os art se vale da representação da totalidade, se pleno se justifica na persistência do discurso ideológico, então o te to. A sala de teatro faz-se novamente a rua dos artistas. O que muda tudo. A rua não está limitada ao dep se tornou maiorclaras, que ela própria eaagora ecoa. Por conseguinte, osegundo, teatro contamina dessepropõe-se homem-múltip Todavia, épreciso atentar-se para diferença gigantesca existente entre ose espetáculo ideológico eopolítico. Opel pr supostamente objetivas e direcionadas ao bem-comum. O diferentemente, não estabelecida, possibilitando maior amplitude de observação sobre os fatos e questões, o que certamente lhe cons ateatro, aceitação de sua verdade, o outro faz da desconfiança o estímulo. Assim, mudam as maneiras e respostas como oO pois permite ser destruído em seuspróprios argumentos por aqueles que seensinamento interessam em não ouví-los. que pouco podem entregar de transformações ao espectador que não venha do escolhido. Já o p expl i c ati v o, quase sempre medi a nte provocações estéti c as, experi ê nci a s comprovadamente mai s radi c ai s ao desl o c Portanto, eoisso, texto étodo sómais paradisponível chegarmos aaisso, oquede fato interessa aoartista que sequer ser, adoutrina explicativ se perguntar quais se está Entre . o discurso ou calar perfeitos, entre a manipulação e a inutilidade abso de arte. Sem nem a ideologi a nem a polí t i c se valerão ao i n di v í d uo. E as ruas conti n uarão a di t ar as urgênci a s estéti c as que são incapazes de abandonar. Aser ruasubmetida érua mais fortedo que oteatro. Porque acapitalismo, vida ésempre mais re Aruainevitavelmente deixou deser espaço público aoteatro. Morreu ao aos sistemas fugidios aos interesses primeiro Seja de instituições, seja de interesses governamentais; a passou a ser domada, ora pelo ora pela fornecidos por terceiros. Pois é. Instituições, governos e empresas privadas acabam determinando o que estará oferecida. Aruamorreu como espaço aoartista.por Eomuito porquê, para além dode jádito, também pelo isolamento eseu ndividualizados, provocados econduzidos disputas territoriais emigalhas. Asuposta solução mais evidente fora rea pela estratégia. Juntar para gerar no conjunto argumento de validação uma autenticidade. Só qu editais há muito. Nenhuma novidade nisso. Cria-se pela mistura dividida em partes desequilibradas do que se qu profundidades selimitaram aservir as expectativas dos juris ecomissões. A rua,há que porsuaEntão própria característica tinh ógicas.Como fugir aoscustos do fazer teatral? Como não necessitar dos terceiros, patronos emecenas? Nãopare escolhem, o artista poderá ocupar a rua como real espaço à arte. Sem isso, não solução. precisa o artista pen discursos como argumentos, sua presença como ruído fundamental ao outro para levá-lo para fora do cotidiano, de lusório. Figurinos custam, cenários custam, pessoas custam e,cada vez mais, tempos custam ecaros.eEideologia. não pagar despeito de tudo. Isso é verdade. Contudo, cada vez mais difícil de ser realizado apenas por paixão Ao Sem ocupar a rua pela arte, abre-se espaço para sua espetacularização. A rua precisa ser estetizada. Isso porqu mem esse real ao afirmar sua perspectiva de utilidade. Homem esse útil ao ser afirmado como existente e real. Na co por exemplo, diz mais sobreas respostas àpresença dodo indivíduo. No cotidiano de suaserve espacialidade, arua secon naturalidade, amúsico rua necessita portanto da encenação homem como personagem maior. Etanto assim seaquiet espaço público. Tal experiência não é fácil de ser detectada, e por isso mesmo a arte à rua ou mais q mperfeição. O que toca com sua banda na esquina. O grupo que declama maquiado ao som da percussão foro. Tudo isso pode não ser exatamente arte, apenas utilizações de linguagens artísticas para expressões banais Mas a rua permanece rua, e como tal insiste-se palco, espaço a ser ocupado, violado, destruído e ressignificado vida atodos para serem seusagentes, seus atores, edesenhar oferece aqualquer umosde instrumentos básicos ao desen Ereplicada otranseunte, esteja consciente ouimpor não, acaba por àruaum estado transformação contínua, noq em sua caricatura. Ao lhe existência em convívio, o indivíduo torna-se plural, corpo coletivo ahomem-muitos representar a todos. Não lhe importa nome ou origem, na totalidade representada o anonimato é o mecan infla o peito. Anda como quem conquista. Apanha como quem batalha. Esconde-se como qu múltiplo. A ruatransborda arealidade. teatralidade deotraz uma narrativa incompreensível, pois seus atores, tornados assim im de ação a teatralização da E isso consequências. A mais urgente é contaminar de volta os art se vale da representação da totalidade, se pleno se justifica na persistência do discurso ideológico, então o te to. A sala de teatro faz-se novamente a rua dos artistas. O que muda tudo. A rua não está limitada ao dep se tornou maiorclaras, que ela própria eaagora ecoa. Por conseguinte, osegundo, teatro contamina dessepropõe-se homem-múltip Todavia, épreciso atentar-se para diferença gigantesca existente entre ose espetáculo ideológico eopolítico. Opel pr supostamente objetivas e direcionadas ao bem-comum. O diferentemente, não estabelecida, possibilitando maior amplitude de observação sobre os fatos e questões, o que certamente lhe cons ateatro, aceitação de sua verdade, o outro faz da desconfiança o estímulo. Assim, mudam as maneiras e respostas como poispermiteserdestruídoemseusprópriosargumentosporaquelesqueseinteressamemnãoouví-los.oO

A RUA VENC A

rua deixou de ser espaço público ao teatro. Morreu ao ser submetida aos sistemas fugidios aos interesses primeiros dos artistas. Pública enquanto passarela, privada pela imposição mercadológica que torna o artista dependente. Seja de instituições, seja de interesses governamentais; a rua passou a ser domada, ora pelo capitalismo, ora pela política. Se não em suas regras e ocupações, na condição de só se conseguir efetivar a criação através de recursos fornecidos por terceiros. Pois é. Instituições, governos e empresas privadas acabam determinando o que estará na rua, impondo o discurso que transitará entre os transeuntes, exigindo características específicas à experiência oferecida. A rua morreu como espaço ao artista. E muito porquê, para além do já dito, também pelo isolamento e seu afastamento da arte como ação profunda. No

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contemporâneo, os artistas acabaram aprisionados em si mesmos, individualizados, provocados e conduzidos por disputas territoriais e migalhas. A solução mais evidente fora reunir em coletivos as individualidades aproximadas por interesses. E cada vez menos o interesse é pela arte, e mais pela estratégia. Juntar para gerar no conjunto o argumento de validação de uma suposta autenticidade. Só que, para tanto, é preciso seduzir, envolver, ser aceito, atingir os interesses dos escolhedores. Tal processo ocorre nos editais há muito. Nenhuma novidade nisso. Cria-se pela mistura dividida em partes desequilibradas do que se quer fazer e do que se espera ser feito. E os espaços acabaram ocupados por espetáculos e pesquisas capengas, cujas profundidades se limitaram a servir as expectativas dos juris e comissões. A rua, que por sua própria característica tinha a capacidade de subverter tal dominação


os dos artistas. Pública enquanto passarela, privada pela imposição mercadológica que torna oartista dependent política. Senão em suas regras eprofunda. ocupações, na condição desóse conseguir efetivar acriação através de recurso áaafastamento na rua, impondo o discurso que transitará entre os transeuntes, exigindo características específicas àexperiênc ueunir da arte como ação No contemporâneo, os artistas acabaram aprisionados em si mesmo em coletivos as individualidades aproximadas por interesses. E cada vez menos o interesse é pela arte, ecuja ma ue,para tanto, épreciso seduzir, envolver, seraceito, atingirocupados osinteresses dos escolhedores. Talprocesso ocorre no uer fazer e do que se espera ser feito. E os espaços acabaram por espetáculos e pesquisas capengas, nha a capacidade de subverter tal dominação ideológica-mercantil, agora se encontra aprisionada pelas mesma ece existir outras saídas que não o se desvencilhamento da dependência econômica. Apenas assim, livre dos qu nsar paraalém deésua economia, assumindo apassividade misériacomo condição estrutural, passantes como sustento, o deslocando-o criticamente àpercepção de sua frente àrealidade? Sim.Oos que épossível obviamente impossível ruê, os custos básicos iniciar fadado ao fracasso do empreendimento. É claro, alguém dirá, é fazer teatro na rua A rua pode até deixar sobreviver o teatro, mas inevitavelmente nela tem morrido muito do que poderia ser arte àruana conversam valores comopresença eparticipatividade, pelos quaiso indivíduo seafirma real esua útil.fals Ho omplementariedade redundante desse binômio, aruaexiste pela ocupação que lhe define. Calma ou perigosa ntenta encenação das realidades e utilidades, das presenças e das participações. Na permanência de eta, permite-lhe o uso. A rua respira livre para existir enquanto o indivíduo teatralizar a si mesmo na apropriação d que oimporta. próprioque homem, aoseraum manifestação artística oampliado desvioque sustenta osruídos necessários para abast fals o. A dançarina experimenta lugar com o corpo. O malabarista equilibrista que se apropria do tempo do semá s. Não Aos seus modos, tornam a rua um espaço de encenação de sua realidade, e isso lhe do. Seos artistasnão aconseguem mais como ambiência àcriação,apenas aos produtos permitidos, amesmo ruacon nvolvimento de sua narrativa. Aviolentamente rua exige àpresença sua condição narrativa para dela construir experiência oonismo qual ohomem deixa de ser indivíduo e se faz coletividade disforme, em uma espécie de imagem de si de uma civilização específica e teatral. Ao estar na rua, o homem deixa de ser alguém esujeito passO maisprimordial para ser geral. Dessemodo, reacende-se noqual asfalto ecalçadas suacondição de palco. uem protege. Perde-se como quem descobre. E assim ocorre a inversão incontrolável advinda desse novo mpositivamente, pouco ou nada compreendem do espetáculo estão. A rua revisita e deforma em acas tistas evolta depois suas salas protegidas nos espaçoscuja tradicionais ao teatro. Se aruasociais teatraliza odo sujeito, seosujeit eatro a ser ocupado por artistas politizados, presença lhe exige função para além entretenimen pois da janela de casa ou do carro, está ampliada na fala invasora pelas redes e telenoticiários. Aru plo preenchido porpela dissonantes gritos evoltaaese querer exercício crítico decapazes um discurso politizado inevitáve rimeiro sustenta-se defesa argumentativa filosófica de pontos de vistas específicos apoiados em posiçõe ela defesa ou condenação de algo, mas no provocar o espectador experiências de lhe distanciar da realidad respostas novas. Resumidamente, enquanto oda teatro explica, oteatro político provoca. Umexig o.struirá espaço cênico se coloca em relação acontaminação rua.Eideológico confundí-las édiscursos um dos problemas maisperigosos ao O teatro ideológico traz da rua a experiência do conflito e responde a ele com quase sempre de violência político, este assume da rua a experiência da inquietação crítica respondendo sobretudo pelo discurso aberto e nã camento do observador-espectador, cujo encontro poéti c o com a experi ê nci a faz-se de modo parti c ul a r e i n omi n áve vaao ou aexperiência poética? Cada proporciona potências, radicalidades efracassos particulares. Bast solutas, osdoisteatros exigem quepossibilidade odo espetáculo deixe de ser meramente um gesto criativo erecupere sua dimensã as comportamento do homem, como tanto estão fazendo, com todos os ví c i o s e desdobramentos equi v ocado real e poderosa como experiência que a arte. E quanto a isso, não há muito mais o que fazer, a não ser viver e dele cria os dos artistas. Pública enquanto passarela, privada pela imposição mercadológica que torna oartista dependent a política. Se não em suas regras e ocupações, na condição de só se conseguir efetivar a criação através de recurso á na rua, impondo o discurso que transitará entre os transeuntes, exigindo características específicas à experiênc ueunir afastamento da arte como ação profunda. No contemporâneo, osartistas acabaram aprisionados emocorre siarte, mesmo emtanto, coletivos as individualidades aproximadas porocupados interesses. Epor cada vezmenos ointeresse épela ecuja ma ue, para é preciso seduzir, envolver, ser aceito, atingir os interesses dos escolhedores. Tal processo no uer fazer e do que se espera ser feito. E os espaços acabaram espetáculos e pesquisas capengas, nha a capacidade de subverter tal dominação ideológica-mercantil, agora se encontra aprisionada pelas mesma ece existir outras saídas que não o se desvencilhamento da dependência econômica. Apenas assim, livre dos qu nsar paraalém deésua economia, assumindo apassividade misériacomo condição estrutural, passantes como sustento, o deslocando-o criticamente àpercepção de sua frente àrealidade? Sim.Oos que épossível obviamente impossível ruê, os custos básicos iniciar fadado ao fracasso do empreendimento. É claro, alguém dirá, é fazer teatro na rua A rua pode até deixar sobreviver o teatro, mas inevitavelmente nela tem morrido muito do que poderia ser arte àruana conversam valores comopresença eparticipatividade, pelos quaiso indivíduo seafirma real esua útil.fals Ho omplementariedade redundante desse binômio, aruaexiste pela ocupação que lhe define. Calma ou perigosa ntenta encenação das realidades e utilidades, das presenças e das participações. Na permanência de eta, permite-lhe o uso. A rua respira livre para existir enquanto o indivíduo teatralizar a si mesmo na apropriação d que oimporta. próprioque homem, aoseraum manifestação artística oampliado desvioque sustenta osruídos necessários para abast fals o. A dançarina experimenta lugar com o corpo. O malabarista equilibrista que se apropria do tempo do semá s. Não Aos seus modos, tornam a rua um espaço de encenação de sua realidade, e isso lhe do. Seos artistasnão aconseguem mais como ambiência àcriação,apenas aos produtos permitidos, amesmo ruacon nvolvimento de sua narrativa. Aviolentamente rua exige àpresença sua condição narrativa para dela construir experiência oonismo qual ohomem deixa de ser indivíduo e se faz coletividade disforme, em uma espécie de imagem de si de uma civilização específica e teatral. Ao estar na rua, o homem deixa de ser alguém esujeito passO maisprimordial para ser geral. Dessemodo, reacende-se noqual asfalto ecalçadas suacondição de palco. uem protege. Perde-se como quem descobre. E assim ocorre a inversão incontrolável advinda desse novo mpositivamente, pouco ou nada compreendem do espetáculo estão. A rua revisita e deforma em acas tistas evolta depois suas salas protegidas nos espaçoscuja tradicionais ao teatro. Se aruasociais teatraliza odo sujeito, seosujeit eatro a ser ocupado por artistas politizados, presença lhe exige função para além entretenimen pois da janela de casa ou do carro, está ampliada na fala invasora pelas redes e telenoticiários. Aru plo preenchido porpela dissonantes gritos evoltaaese querer exercício crítico decapazes um discurso politizado inevitáve rimeiro sustenta-se defesa argumentativa filosófica de pontos de vistas específicos apoiados em posiçõe ela defesa ou condenação de algo, mas no provocar o espectador experiências de lhe distanciar da realidad respostas novas. enquanto explica, oteatro político provoca. Umexig o.struirá cênicose coloca em acontaminação rua.Eideológico confundí-las édiscursos umdos problemas maisperigosos ao Oespaço teatro ideológico trazResumidamente, da ruarelação aexperiência doconflitooda eteatro responde aelecom quase sempre deviolência

NCE A ARTE ideológica-mercantil, agora se encontra aprisionada pelas mesmas lógicas. Como fugir aos custos do fazer teatral? Como não necessitar dos terceiros, patronos e mecenas? Não parece existir outras saídas que não o se desvencilhamento da dependência econômica. Apenas assim, livre dos que escolhem, o artista poderá ocupar a rua como real espaço à arte. Sem isso, não há solução. Então precisa o artista pensar para além de sua economia, assumindo a miséria como condição estrutural, os passantes como sustento, os discursos como argumentos, sua presença como ruído fundamental ao outro para levá-lo para fora do cotidiano, deslocando-o criticamente à percepção de sua passividade frente à realidade? Sim. O que é obviamente impossível e ilusório. Figurinos custam, cenários custam, pessoas custam e, cada vez mais, tempos custam e caros. E não pagar os custos básicos é iniciar fadado ao

fracasso do empreendimento. É claro, alguém dirá, é possível fazer teatro na rua à despeito de tudo. Isso é verdade. Contudo, cada vez mais difícil de ser realizado apenas por paixão e ideologia. A rua pode até deixar sobreviver o teatro, mas inevitavelmente nela tem morrido muito do que poderia ser arte. Sem ocupar a rua pela arte, abre-se espaço para sua espetacularização. A rua precisa ser estetizada. Isso porquê, à rua conversam valores como presença e participatividade, pelos quais o indivíduo se afirma real e útil. Homem esse real ao afirmar sua perspectiva de utilidade. Homem esse útil ao ser afirmado como existente e real. Na complementariedade redundante desse binômio, a rua existe pela ocupação que lhe define. Calma ou perigosa, por exemplo, diz mais sobre as respostas à presença do indivíduo. No cotidiano de sua espacialidade, a

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de ação teatralização da realidade. Eisso consequências. Amaistudo. urgente écontaminar devolta os artis e vale daade representação da totalidade, se otraz pleno sejustifica napersistência do discurso ideológico, então otea o. A sala teatro faz-se novamente a rua dos artistas. O que muda A rua não está limitada ao depo e tornou maior que ela própria e agora ecoa. Por conseguinte, o teatro se contamina desse homem-múltip odavia, é preciso atentar-se para a diferença gigantesca existente entre o espetáculo ideológico e o político. O prim upostamente claras, objetivas edirecionadas ao bem-comum. O segundo, diferentemente, propõe-se não pela estabelecida, possibilitando maior amplitude de observação sobre os fatos e questões, o que certamente lhe const aceitação de sua verdade, o outro faz da desconfiança o estímulo. Assim, mudam as maneiras e respostas como oOe eatro, pois permite ser destruído em seuspróprios argumentos por aqueles que seensinamento interessam em não ouví-los. que pouco podem entregar de transformações ao espectador que não venha do escolhido. Já o po expl i c ati v o, quase sempre medi a nte provocações estéti c as, experi ê nci a s comprovadamente mai s radi c ai s ao desl o ca Portanto, eoisso, texto étodo sómais paradisponível chegarmos aaisso, oquede fato interessa aoartista que sequer ser, adoutrina explicativa e perguntar quais se está Entre . o discurso ou calar perfeitos, entre a manipulação e a inutilidade abso de arte. Sem nem a ideologi a nem a polí t i c se valerão ao i n di v í d uo. E as ruas conti n uarão a di t ar as urgênci a s estéti c as que são incapazes de abandonar. Aser ruasubmetida érua mais fortedo que oteatro. Porque acapitalismo, vida ésempre mais reap Aornecidos ruainevitavelmente deixou de ser espaço público ao teatro. Morreu ao aos sistemas fugidios aos interesses primeiros eja de instituições, seja de interesses governamentais; a passou a ser domada, ora pelo ora pela pormorreu terceiros. Poisé.espaço Instituições, governos eporquê, empresas privadas acabam determinando oqueestará oferecida. Arua como aoartista. Eomuito para além dode jádito, também pelo isolamento eseu an ndividualizados, provocados e conduzidos por disputas territoriais e migalhas. A solução mais evidente fora reu pela estratégia. Juntar para gerar no conjunto argumento de validação uma suposta autenticidade. Só que editais há muito. Nenhuma novidade nisso.Cria-se pela mistura dividida em partes desequilibradas doNão quese que profundidades selimitaram aservir as expectativas dos juris ecomissões. A rua,há que por suaEntão própria característica tinh ógicas. Como fugir aos custos do fazer teatral? Como não necessitar dos terceiros, patronos e mecenas? parec escolhem, o artista poderá ocupar a rua como real espaço à arte. Sem isso, não solução. precisa o artista pen discursos como argumentos, suaContudo, presença como ruído fundamental ao outro para levá-lo para do cotidiano, de usório. Figurinos custam, cenários custam, pessoas custam e,cada vez mais, tempos custam efora caros. Eideologia. não pagar despeito de tudo. Isso é verdade. cada vez mais difícil de ser realizado apenas por paixão e Aor em ocupar a rua pela arte, abre-se espaço para sua espetacularização. A rua precisa ser estetizada. Isso porqu mem esse real ao afirmar sua perspectiva de utilidade. Homem esse útil ao ser afirmado como existente e real. Na com por exemplo, diz mais sobreas respostas àpresença dodo indivíduo. No cotidiano de suaserve espacialidade, arua secont naturalidade, amúsico rua necessita portanto da encenação homem como personagem maior. Etanto assim seaquieta espaço público. Tal experiência não é fácil de ser detectada, e por isso mesmo a arte à rua ou mais qu mperfeição. O que toca com sua banda na esquina. O grupo que declama maquiado ao som da percussão. A oro. Tudo isso pode não ser exatamente arte, apenas utilizações de linguagens artísticas para expressões banais. N Mas a rua permanece rua, e como tal insiste-se palco, espaço a ser ocupado, violado, destruído e ressignificado ida a todos para serem seus agentes, seus atores, e oferece a qualquer um os instrumentos básicos ao desen otranseunte, esteja consciente ouimpor não, acaba por desenhar àruaum estado detorna-se transformação contínua, noqd eplicada emasua caricatura. Ao lhe existência emna convívio, ocomo indivíduo plural, corpo coletivo representar todos. Não lhe importa nome ou origem, totalidade representada o anonimato é o mecan homem-muitos infla o peito. Anda como quem conquista. Apanha quem batalha. Esconde-se como que múltiplo. A ruatransborda arealidade. teatralidade deotraz uma narrativa incompreensível, pois seus atores, tornados assim im de ação a teatralização da E isso consequências. A mais urgente é contaminar de volta os artis e vale da representação da totalidade, se pleno se justifica na persistência do discurso ideológico, então o tea o. A sala de teatro faz-se novamente a rua dos artistas. O que muda tudo. A rua não está limitada ao depo eodavia, tornou maiorclaras, que ela própria eaagora ecoa. Por conseguinte, osegundo, teatro contamina dessepropõe-se homem-múltip épreciso atentar-se para diferença gigantesca existente entre ose espetáculo ideológico eopolítico. Opela prim upostamente objetivas e direcionadas ao bem-comum. O diferentemente, não estabelecida, possibilitando maior amplitude de observação sobre os fatos e questões, o que certamente lhe const aceitação de sua verdade, o outro faz da desconfiança o estímulo. Assim, mudam as maneiras e respostas como eatro,poispermiteserdestruídoemseusprópriosargumentosporaquelesqueseinteressamemnãoouví-los.oOe rua se contenta na encenação das realidades e utilidades, das presenças e das participações. Na permanência de sua falsa naturalidade, a rua necessita portanto da encenação do homem como personagem maior. E assim se aquieta, permite-lhe o uso. A rua respira livre para existir enquanto o indivíduo teatralizar a si mesmo na apropriação do espaço público. Tal experiência não é fácil de ser detectada, e por isso mesmo a arte serve à rua tanto ou mais que o próprio homem, ao ser a manifestação artística o desvio que sustenta os ruídos necessários para a falsa imperfeição. O músico que toca com sua banda na esquina. O grupo que declama maquiado ao som da percussão. A dançarina que experimenta um lugar com o corpo. O malabarista equilibrista que se apropria do tempo do semáforo. Tudo isso pode não ser exatamente arte, apenas utilizações de linguagens artísticas para expressões banais. Não importa. Aos seus modos, tornam a rua um espaço ampliado de encenação de sua realidade, e isso lhe basta. Mas a rua permanece rua, e como tal insiste-se palco, espaço a ser ocupado, violado, destruído e ressignificado. Se os artistas não a conseguem mais como ambiência à criação, apenas aos produtos permitidos, a rua convida a todos para serem seus agentes, seus atores, e oferece a qualquer um os instrumentos básicos ao desenvolvimento de sua narrativa. A rua exige à presença sua condição narrativa para dela construir experiências. E o transeunte, esteja consciente

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ou não, acaba por desenhar à rua um estado de transformação contínua, no qual o homem deixa de ser indivíduo e se faz coletividade disforme, em uma espécie de imagem de si mesmo replicada em sua caricatura. Ao lhe impor existência em convívio, o indivíduo torna-se plural, corpo coletivo de uma civilização específica e violentamente teatral. Ao estar na rua, o homem deixa de ser alguém e passa a representar a todos. Não lhe importa nome ou origem, na totalidade representada o anonimato é o mecanismo mais primordial para ser geral. Desse modo, reacende-se no asfalto e calçadas sua condição de palco. O homem-muitos infla o peito. Anda como quem conquista. Apanha como quem batalha. Esconde-se como quem protege. Perde-se como quem descobre. E assim ocorre a inversão incontrolável advinda desse novo sujeito múltiplo. A rua transborda a teatralidade de uma narrativa incompreensível, pois seus atores, tornados assim impositivamente, pouco ou nada compreendem do espetáculo qual estão. A rua revisita e deforma em acaso de ação a teatralização da realidade. E isso traz consequências. A mais urgente é contaminar de volta os artistas e depois suas salas protegidas nos espaços tradicionais ao teatro. Se a rua teatraliza o sujeito, se o sujeito se vale da representação da totalidade, se o pleno se justifica na persistência do discurso ideológico, então o teatro volta a ser ocupado por artistas politizados, cuja presença lhe exige função para além do entretenimento. A sala de teatro


stas evolta depois suas salas protegidas nos espaçoscuja tradicionais ao Se aruasociais teatraliza odo sujeito, seosujeito eatro aserde ocupado porcarro, artistas politizados, presença lheteatro. exige função paraalém entretenimen ois da janela casa ou do está ampliada na fala invasora pelas redes e telenoticiários. Arua plo preenchido por dissonantes gritos e volta a se querer exercício crítico de um discurso politizado inevitável meiro sustenta-se pela defesa argumentativa e filosófica de pontos de vistas específicos apoiados em posições a defesa ou condenação de algo, mas no provocar o espectador experiências capazes de lhe distanciar da realidade respostas novas. Resumidamente, enquanto oda teatro explica, oteatro político provoca. Umexige ostruirá espaço cênico se coloca em relação acontaminação rua.Eideológico confundí-las édiscursos um dos problemas maisperigosos ao O teatro ideológico traz da rua a experiência do conflito e responde a ele com quase sempre de violências olítico, este assume da rua a experiência da inquietação crítica respondendo sobretudo pelo discurso aberto e não amento do observador-espectador, cujo encontro poéti c o com a experi ê nci a faz-se de modo parti c ul a r e i n omi n ável aou aexperiência poética? Cada proporciona potências, radicalidades efracassos particulares. Basta olutas, osdoisteatros exigem quepossibilidade odo espetáculo deixe de ser meramente um gesto criativo erecupere sua dimensão sao comportamento do homem, como tanto estão fazendo, com todos os ví c i o s e desdobramentos equi v ocados eal e poderosa como experiência que a arte. E quanto a isso, não há muito mais o que fazer, a não ser viver e dele criar spolítica. dos artistas. Pública enquanto passarela, privada pela imposição mercadológica que torna oartista dependente aafastamento Senão em suas regras e ocupações, na condição de só se conseguir efetivar a criação através de recursos na rua, impondo o discurso que transitará entre os transeuntes, exigindo características específicas à experiência da arte como ação profunda. No contemporâneo, osartistas acabaram aprisionados emocorre siarte, mesmos unir emtanto, coletivos as individualidades aproximadas porocupados interesses. Epor cada vezmenos ointeresse épela ecujas mais ue, para é preciso seduzir, envolver, ser aceito, atingir os interesses dos escolhedores. Tal processo nos uer fazer e do que se espera ser feito. E os espaços acabaram espetáculos e pesquisas capengas, ha a capacidade de subverter tal dominação ideológica-mercantil, agora se encontra aprisionada pelas mesma ce existir outras saídas que não o se desvencilhamento da dependência econômica. Apenas assim, livre dos que nsar paraalém deésua economia, assumindo apassividade misériacomo condição estrutural, passantes como sustento, os eslocando-o criticamente àpercepção de sua frente àrealidade? Sim.Oos que épossível obviamente impossível eà os custos básicos iniciar fadado ao fracasso do empreendimento. É claro, alguém dirá, é fazer teatro na rua Aomplementariedade rua pode até deixar sobreviver o teatro, mas inevitavelmente nela tem morrido muito do que poderia ser arte uê, à rua conversam valores como presença e participatividade, pelos quais o indivíduo se afirma real e útil. Ho redundante binômio, aruaexiste pela quealhe define. Calma ou perigosa tenta naencenação das realidades edesse utilidades, das presenças eque dasocupação participações. Na permanência de sua falsa ta, permite-lhe o uso. A rua respira livre para existir enquanto o indivíduo teatralizar si mesmo na apropriação do que o próprio homem, ao ser a manifestação artística o desvio sustenta os ruídos necessários para a falsa o.o. A dançarina que experimenta um lugar com o corpo. O malabarista equilibrista que se apropria do tempo do semá Não importa. Aos seus modos, tornam a rua um espaço ampliado de encenação de sua realidade, e isso lhe basta Seos artistasnão aconseguem mais como ambiência àcriação,apenas aos produtos permitidos, amesmo ruacon nvolvimento de sua narrativa. Aviolentamente rua exige àpresença sua condição narrativa para dela construir experiências qual o homem deixa de ser indivíduo e se faz coletividade disforme, em uma espécie de imagem de si ouem de uma civilização específica e teatral. Ao estar na rua, o homem deixa de ser alguém esujeito passa nismo maisprimordial para ser geral. Dessemodo, reacende-se noqual asfalto ecalçadas suacondição de palco. O protege. Perde-se como quem descobre. E assim ocorre a inversão incontrolável advinda desse novo mpositivamente, pouco ou nada compreendem do espetáculo estão. A rua revisita e deforma em acaso stas e depois suas salas protegidas nos espaços tradicionais ao teatro. Se a rua teatraliza o sujeito, se o sujeito eatro volta aserde ocupado porcarro, artistas politizados, cuja lhecrítico exige função paraalém doentretenimen ois da janela casa oudefesa do está ampliada napresença falaexercício invasora pelas redes sociais eapoiados telenoticiários. Arua plo preenchido por dissonantes gritos e volta a se querer de um discurso politizado inevitável meiro sustenta-se pela argumentativa e filosófica de pontos de vistas específicos em posições a defesa ou condenação de algo, mas no provocar o espectador experiências capazes de lhe distanciar da realidade respostas novas. enquanto explica, oteatro político provoca. Umexige ostruirá cênicose coloca em acontaminação rua.Eideológico confundí-las édiscursos umdos problemas maisperigosos ao Oespaço teatro ideológico trazResumidamente, da ruarelação aexperiência doconflitooda eteatro responde aelecom quase sempre deviolências faz-se novamente a rua dos artistas. O que muda tudo. A rua não está limitada ao depois da janela de casa ou do carro, está ampliada na fala invasora pelas redes sociais e telenoticiários. A rua se tornou maior que ela própria e agora ecoa. Por conseguinte, o teatro se contamina desse homem-múltiplo preenchido por dissonantes gritos e volta a se querer exercício crítico de um discurso politizado inevitável. Todavia, é preciso atentar-se para a diferença gigantesca existente entre o espetáculo ideológico e o político. O primeiro sustenta-se pela defesa argumentativa e filosófica de pontos de vistas específicos apoiados em posições supostamente claras, objetivas e direcionadas ao bem-comum. O segundo, diferentemente, propõe-se não pela defesa ou condenação de algo, mas no provocar o espectador experiências capazes de lhe distanciar da realidade estabelecida, possibilitando maior amplitude de observação sobre os fatos e questões, o que certamente lhe construirá respostas novas. Resumidamente, enquanto o teatro ideológico explica, o teatro político provoca. Um exige a aceitação de sua verdade, o outro faz da desconfiança o estímulo. Assim, mudam as maneiras e respostas como o espaço cênico se coloca em relação a contaminação da rua. E confundí-las é um dos problemas mais perigosos ao teatro, pois permite ser destruído em seus próprios argumentos por aqueles que se interessam em não ouví-los. O teatro ideológico traz da rua a experiência do conflito e responde

a ele com discursos quase sempre de violências, que pouco podem entregar de transformações ao espectador que não venha do ensinamento escolhido. Já o político, este assume da rua a experiência da inquietação crítica respondendo sobretudo pelo discurso aberto e não explicativo, quase sempre mediante provocações estéticas, experiências comprovadamente mais radicais ao deslocamento do observador-espectador, cujo encontro poético com a experiência faz-se de modo particular e inominável. Portanto, e o texto é todo só para chegarmos a isso, o que de fato interessa ao artista que se quer ser, a doutrina explicativa ou a experiência poética? Cada possibilidade proporciona potências, radicalidades e fracassos particulares. Basta se perguntar quais se está mais disponível. Entre o discurso ou calar perfeitos, entre a manipulação e a inutilidade absolutas, os dois teatros exigem que o espetáculo deixe de ser meramente um gesto criativo e recupere sua dimensão de arte. Sem isso, nem a ideologia nem a política se valerão ao indivíduo. E as ruas continuarão a ditar as urgências estéticas ao comportamento do homem, como tanto estão fazendo, com todos os vícios e desdobramentos equivocados que inevitavelmente são incapazes de abandonar. A rua é mais forte do que o teatro. Porque a vida é sempre mais real e poderosa como experiência do que a arte. E quanto a isso, não há muito mais o que fazer, a não ser viver e dele criar.

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capa

brett


bailey entrevista exclusiva

O teatro contra o esquecimento dos horrores por

ruy filho

intĂŠrprete foto

gustavo vaz

audoin desforges


AA À direita, coro dos cantores da Namíbia, cantando em memória de prisioneiros decapitados em campos de concentração sulOeste Africano no espetáculo “Exhibit B”, em fotografia de Victor Tonelli.

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antropóloga negra convidada para falar sobre racismo não pode falar. Não lhe deram espaço nem tempo. A escritora que também participaria do debate foi impedida de concordar com os negros, aos gritos de acusação de alguns de ser branca. A jovem cineasta negra, ali, com as demais, atrás da mesa oficial, optou por não pensar muito sobre tudo e preparou o terreno para outros tomarem conta do microfone, impedindo com isso o debate programado. O sociólogo negro, com seu sorriso e texto cínicos e insistentemente desrespeitoso, falou - em seus muitos mais que os cinco minutos prometidos, mais do que todos, ainda que não fosse convidado para ocupar a tribuna, quer dizer, a mesa -, ao olhar para o jornalista que mediava, o elegante e inteligente Luiz Felipe Reis, percebendo não ser ele um loiro de olhos claros –, que alguns podiam “até ter sido filho de negro, algum dia”. O que querem dizer “ter sido” e “algum dia”? Por acaso alguém que descende de negros ou mulatos o deixa de ser? O homem do movimento negro, regendo impositivamente a audiência, termina olhando para o artista sul-africano e diz que para estarmos no MAR, o belo museu no Rio de Janeiro, antes deveríamos pedir licença aos ancestrais – o que poderia ser uma ideia generosa à história, de fato – e, diretamente ao artista, não ter ele, o artista, direito de ali estar. Repito, o artista não tem direito de estar no museu. Para terminar seu depoimento, o líder negro que combate raivosamente o preconceito sentencia: por ele, o artista nem poderia voltar à África, pois lá não seria sua terra, querendo dizer ser o chão somente dos negros, e deveria ele ir direto ao Oriente Médio, para algum homem-bomba explodí-lo. Diz isso com o prazer e sorriso de quem marca um gol histórico. Alguém grita na plateia do auditório sobre ele clamar contra o preconceito sendo islamofóbico, por generalizar quem no Oriente Médio está como sendo obviamente terrorista. Terrorismo e territorialismo podem ser igualmente distorções perigosas de quem os quer impor, e certamente o líder negro nunca pensara sobre isso. Seu territorialismo deformado esquece de alguns detalhes importantes: o artista é sul-africano de nascença e o acusador brasileiro nato. A África é sim a casa do artista, não do ativista, e por ser negro isso não confere a ele e a ninguém o domínio de um continente ao qual se está distante a vida toda. Até por quê, a África não é somente negra. Definindo as muitas culturas e países em qualquer um que não seja branco como sendo negro, padroniza-se as diferenças. Afinal, se levado ao extremo, o mundo é de todos, pois todos somos humanos, e o território, esse tal planeta, passa a ser uma terra só. Nascer no Brasil e se enxergar africano requerendo sua ascendência como argumento é



“Exhibit B”, pelas lentes de Sofie Knijff.


“Confrontadas com o mundo simbólico,

as imagens são

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“Exhibit B”, apresentado no Festival de Avignon em 2013, foto de Pascal Gely. exatamente o avesso complementar à postura dos conservadores franceses que negam a origem francesa entendendo serem os nascidos de pais estrangeiros de outra origem. Recupero o exemplo pois o argumento levou o subúrbio a explodir por lá por uma geração de jovens que exigem sua origem local e não sua ancestralidade. O homem no Rio quer o oposto. Quer ser africano, mesmo sendo daqui. E, assim, ele que se diz sem preconceitos revela-se tanto quanto preconceituoso como tantos outros, tal como a direita branca da Europa. Gritos, histeria, histeria coletiva, ameaças verbais, físicas. O debate não aconteceu. E praticamente nada ali foi útil para mudar qualquer coisa. ra, a complexidade é extrema e insolúvel, quando confrontada pelos mesmos instrumentais para avaliações. Sem mudar as estratégias, nada pode realmente ser transformado. A violenta reação ao branco presente tem dois fundamentos: o primeiro, o fato da opressão imposta historicamente pelo branco ao negro. E por opressão é preciso compreender o termo como sinônimo dos piores meios de ação sobre alguém. Durante séculos, não se deu espaço ou voz aos negros, e agora a vontade pelo diálogo se esgotou. Então se formou também do negro ao branco um nós e eles. Como reclamar de quem chega ao seu limite e exige o reconhecimento de sua existência? O segundo é mais profundo. Tratar o outro como diferente e, sendo assim, menosprezá-lo, humilhá-lo, ofendê-lo, afastá-lo, agredí-lo, retirando do diferente sua voz e presença, em uma espécie de vingança ingênua. Não fora exatamente isso, para ser bem resumido, o feito pelo branco ao negro? Ao repetir as mesmas estratégias de anulação do diferente, o negro, na verdade, está inconscientemente submetido ao pensamento branco de dominação e humilhação. O negro acaba agindo como o branco, por mais paradoxal e constrangedor que possa ser. O que se esconde nisso é a manipulação no imaginário feita pelas estruturas brancas racistas milenares que se utiliza da revolta genuína do negro para manter e ampliar as distâncias e diferenças. Os gritos tornados proibições à arte de Brett repetem com eficiência os interesses racistas brancos, pois colocam os negros na situação de incapazes de dialogar e se unirem aos tidos por outros, mesmo quando com pensamentos iguais, provocando ainda mais o fortalecimento das segregações. Não todos os negros que lá estavam, é óbvio. Havia aqueles que queriam ver a obra e pensar, ouvir e pensar, falar e pensar. Ainda bem. O negro fanático, no entanto, e eram infelizmente muitos, esse que distorce a importância dos argumentos sinceros, das tentativas verdadeiras, acaba inconscientemente como a nova face do poder racista branco. “Eu não falo com branco” foi uma explicação recorrente entre as pessoas que lá estavam para se encontrar; “isso não é uma democracia”, a resposta para impor a proibição ao vídeo, enquanto acessavam agressivamente o computador do artista sem seu consentimento. Exemplos preciosos do quanto os racistas brancos estarão orgulhosos desses novos discípulos. Por gritar, o volume faz parecer que algo está em movimento. E está. Só que mais para trás, nunca para mais próximo do outro. A vitória continua ainda no mesmo lado de sempre.

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“Exhibit B”, durante apresentação em Amsterdã, em foto de Sofie Knijff.


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uriosamente, durante as duas horas do encontro, não se ouviu dos representantes dos movimentos negros qualquer menção mais profunda sobre a condição dos negros fora do Rio de Janeiro. É como se a condição carioca fosse mais aterrorizante, mais deprimente, degradante e urgente, deixavam subentendido. Há nisso certa disputa pelo status de pior, o que não faz o menor sentido. Mas, ainda que assim seja, ali, no Porto, na Praça Mauá, antes de ser o lugar de chegada e descarga de negros escravizados, reduto dos negros libertos e abandonados, fora espaço dos índios massacrados pelos colonizadores portugueses, e esses, ao menos durante os depoimentos, foram sumariamente esquecidos. Parecia haver deliberadamente uma tentativa de contar a história a partir do sofrimento do negro, esquecendo-se convenientemente daqueles que antes existiam. Afinal, o índio não serve à causa negra, então não precisa ser lembrado e existir nesse debate difícil. Se o branco conta a partir de si e isso incomoda com absoluta razão, então contar a partir do negro como sendo uma espécie de ponto zero, é igualmente manipulador. Fato é que, quando uma causa ganha argumentos centrados apenas em seus próprios interesses, essa mais parece um trunfo casual em busca de legitimação de excessos e exageros. Um extremo só serve para revelar o outro extremo e validar a si mesmo frente ao modelo. Durante o encontro com Brett, no Rio de Janeiro, nada não fora diferente disso.


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sse longo prólogo se deve como introdução em tempo real ao trabalho de Brett Bailey. Artista polêmico, provocador, inquieto e nunca condescendente. O narrado ocorreu em terras cariocas, durante o Tempo Festival, e foi, em um primeiro rascunho, publicado no Caderno Especial Tempo 2015 da Antro Positivo. Estando lá, acompanhando a programação, fui reencontrá-lo. Exatamente isso. Outra vez. Após a discussão sobre o uso de black face no espetáculo d’Os Fofos em São Paulo, a revista procurou o sul-africano. Afinal, a rebelião ocorrida na pequena sala do Itaú Cultural, Brett enfrenta em níveis estratosféricos pelo mundo. Tudo explodiu no instante em que movimentos negros confrontaram a existência de uma de suas obras em Londres. Ainda que o espetáculo-instalação já tivesse se apresentado em tantos outros lugares, a proibição londrina gerou uma cisão. Mesmo em Paris, onde estivera, e com imensa aceitação, à ponto de voltar para uma nova temporada, foi necessário proteger a entrada do teatro com policiais, para que pudesse ser reapresentado. De lá pra cá, distorções dão conta de se aproveitar apenas das informações que lhes servem. Justificam ser Brett um racista irremediável, de ser o trabalho humilhante. Por isso se exige a não realização. Ora, os brasileiros que assim desejam o fazem por ouvir dizer ou por ter lido em algum lugar. Espalha-se as sensações como teses em uma espécie de doutrinação preventiva. Mas não se expõe do mesmo jeito quem mudara de opinião depois de assistí-lo, ou daqueles tantos artistas negros que participaram com justificativas pessoais e ideológicas. Brett carrega o incrível e maravilhoso vício de reinventar Exhibit B, espetáculo em questão, complementando com artistas e histórias locais. ntes de avançarmos, ainda preciso de um pouco mais de seus tempos. Aqui vocês não encontrarão outro termo que não o “negro” e suas variações. Sei o quanto o Governo brasileiro se esforça para o uso de afrodescendente e os movimentos igualmente nele insistem, mas é preciso escolher a quem respeitar. Um pequeno desvio para que entendam a escolha. Durante o Festlip (Festival Internacional de Teatro da Língua Portuguesa), qual tive o imenso prazer de participar com um espetáculo representando o Brasil, curiosamente também no Rio (essa cidade realmente tem algo de especial em toda essa discussão), durante a mesa formada com os diretores dos países participantes, alguém se dirigiu a um dos diretores utilizando o termo politicamente correto. Qual foi a surpresa ao assistirmos surgir uma imensa revolta de vários dos artistas africanos. O que deveria ser respeito, revelou-se a eles enorme ofensa. A África não é uma coisa só, há diferenças culturais profundas, os negros não são iguais por serem negros, explicaram. Desde então, escolhi ficar com os negros e deixei pra trás os afrodescendentes tão utilizados no confronto com Brett pelos próprios negros, sem saberem que em suas defesas ofendiam profundamente seus próprios ancestrais. etorno ao primeiro encontro com o artista. Combinamos. Estando no Brasil, iríamos nos ver. Ele veio para preparar o espetáculo, olhar espaços, conhecer atores, conversar e pensar junto. A Antro Positivo foi ao hotel. E no saguão mesmo, espalhados nas poltronas, com ajuda de Gustavo Vaz como nosso intérprete, tratamos sobre suas vontades, buscas, inquietações. São elas que estão aqui. Então, abra sua mente. E vamos a elas.

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O ator Owen Metsileng como “Macbeth� fotografado por Nicky Newman.

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Nesta página, cena de “The Witches” e, na página seguinte, “Macbeth”, ambas fotografadas por Nicky Newman.


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ntes de chegar a São Paulo,Brett esteve no Rio. Assustou-se. Poucas pessoas percebem estar acontecendo um genocídio, e nem sempre, mesmo os negros e pobres que o sofrem, entendem-no tão explicitamente. Parece absurdo? Então atente-se ao termo utilizado. Um genocídio não é um massacre, pois esse se faz como um acúmulo de mortes sem maiores conceituações, não é apenas crimes que se acumulam, também não é violência despropositada e desproporcional. Genocídio quer dizer extermínio, aniquilação planejada, e que não sendo controlado leva ao desaparecimento de uma população, raça, comunidade, o que for. Brett, confessando-se encantado com o Rio, surpreendeu-se com a profunda mistura entre raiva e frustação nas favelas e o quanto sentí-las passou a ser entendida por todos como natural e inevitável. Aonde chegamos, explica, nunca vira em nenhum outro país. Nem mesmo na sua África do Sul, ainda que essa tenha origens urbanas mais próxima ao Brasil, cidades desenvolvidas com periferias extremamente pobres. ergunto a Brett, então, o quanto criar em um país que não se percebe profundamente influi na resposta de suas criações. Não é simples, diz. Nesses instantes de preparação dos espetáculos acaba conhecendo mais as pessoas ligadas às organizações e não as comuns. Explica existir uma bolha limitadora na interferência, e é sempre mais confortável a todos permanecerem nela. Busca fugir, criar furos que interliguem o universo protegido e o segregado, e isso tem consequências de toda ordem, inclusive de ódio. Aos que acompanham seus trabalhos é perceptível a importância em suas obras da estética. Está na beleza aquilo que se oferece como experiência maior, ainda que as abordagens sejam rasgos radicais definitivos sobre as bolhas de nossas proteções e não apenas furos. Assim são seus trabalhos mais recentes. Com uma diferença profunda. Em Medéia, apresentada em diversos países e culturas, e a ópera Macbeth recentemente estreada no Colón, em Buenos Aires, ambas representadas com intérpretes e artistas negros, Brett se indagou sobre o quanto essa relação com a raça provoca diferenças na recepção das obras, ainda que admita permanecer, de certo modo, protegido pelas histórias serem clássicos universais. Já em Exhibit B, o confrontamento é mais direto e desprovido de artifícios. A história que justifica o espetáculo não serve como segurança. Ao contrário. É ela, por si só, a dimensão ao horror que se quer justificar ao espetáculo. Aí está o dilema. m pouco sobre a origem do espetáculo. Exhibit B refaz como representação cênica as feiras realizadas pela Europa, em que negros eram expostos como aberrações e espécie exótica, muitas vezes de formas absurdamente humilhantes, chegando ao assustador mecanismo de apresentar corpos exumados para ser observada a fisiologia. Utilizando-se de caricaturas reducionistas sobre os costumes e culturas, os homens e mulheres, de todas as idades, eram expostos em um circo de horror para divertir o branco curioso. Um zoológico humano. Brett, por sua vez, convida atores negros a representarem esses negros de outrora. Assusta. Os movimentos negros justificam ser igualmente humilhante colocar o ator nessa circunstância

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“O mais próximo ao teatro é

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Nobulumko Mngxekeza como Lady Macbeth e Owen Metsileng como Macbeth em foto de Nicky Newman.

para o deleite do branco que só se divertirá com as imagens de cada quadro. É temível o desenvolvimento desse argumento, pois chega a requer o esquecimento do ocorrido, como se esquecido estivesse solucionado. Desde quando esquecer algo resolve o passado? Brett busca exatamente o oposto. Quer manter viva em nossas lembranças tais feiras, as exposições, alertar à urgência de percebermos o quanto podemos e somos desumanos, muitos vezes em níveis indescritíveis, e que tais ações não estão tão distantes de agora e de retornarem. Anular o passado é evidentemente reescrevê-lo. Não fazer o espetáculo, pois ele agride e nos atinge ao mais assustador de nós mesmos? Brett, ao criar Exhibit B deixa imperativo que não. Nascido no Apartheid, foi incansavelmente acusado no Rio por ser branco, portanto alguém do lado certo da cerca, como insistiram o líder negro e o sociólogo sorridente. Antes, porém, conosco, em São Paulo, Brett resumiu em uma única dor, perguntou-me se eu sabia o que era não ter o direito de não ser racista. Como o Apartheid era o mecanismo legal de segregação, não lhe cabia o direito de não se submeter às suas leis sem ser um criminoso. O horror distorcido em sua mais profunda representação. obre o pré-julgamento inevitável e crescente, o artista entende como uma voz possível de existir e que não pode limitar o criar artístico. Reconhece poderem as escolhas lhe trazer problemas, mas vê como urgências, explica. Isso leva, ao seu dizer, a uma espécie de loucura sobre as obras. No entanto, basta entender ser Brett quem mais espalha pelos principais teatros da Europa, e não só, espetáculos representados apenas por negros. Exemplo é a montagem da ópera na Argentina, uma dessas provocações fundamentais. Afinal, em uma sociedade onde o negro não é alguém menosprezado, é ignorado como se não existisse, subir negros ao palco máximo, no ambiente mais elitista das artes, é mais do que outra apresentação. É revolucionário. artimos para suas escolhas como criador. A importância da imagem, sobretudo. Brett acredita ser a poética suficiente, por isso seu interesse em criar imagens. E confessa, texto é chato. Rimos. Na verdade, explica, texto é mesmo sua limitação. A dificuldade, no entanto, é da necessidade da imagem precisar de certa inteligência por parte da plateia, ou será limitada ao mais ordinário. A imagem cria outra atmosfera, sustenta certa possibilidade de hiperrealidade, por isso a ambiência é essencial em suas obras. Sentir o espaço e por ele provocar sensações como estratégia para construir jornadas individuais. Seu teatro é um misto de instalação cênica e narrativa imagética, onde o ator é a centralidade da imagem e do narrado. A realidade fora do teatro não é literalmente representada, valorizando mais a amplitude da experiência poética. Assim, a ambiência cênica valida-se como uma espécie de realidade fosforescente, onde é possível condensar fotografias específicas e, portanto, experiências próximas ao real que muitas vezes não prestamos atenção. O mais próximo ao teatro é mesmo o mundo do sonho e não o cotidiano. E conclui, quando os espectadores se confrontam com o mundo simbólico, as imagens se colocam como um aparente paradoxo dele mesmo.

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Ndumi Zweni em cena de “House Of The Holy Afro”.


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Os atores Andile Bonde (O Guia) e Bebe Lueki (Orfeus).

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ara entender as consequências de suas escolhas é preciso voltar aos detalhes. Sendo seu material criativo a presença do negro como representação do ser na narrativa simbólica e histórica, faz-se necessário pensar sobre o que isso estabelece de particularidade e paradoxo. Busquei reflexões fora dos meus argumentos, ainda que muitas se aproximem das trazidas na primeira parte desse texto. E foram pelos pensamentos do intelectual camaronês Célestin Monga. Nome importante da África contemporânea, da economia à filosofia, Célestin consagrou-se ao duvidar das argumentações de sempre afastando-se dos julgamentos pré-deterministas, oferecendo olhares originais e radicais à condição do negro. Seus pensamentos, como cedo nos informa, encontra outros ecos. O intelectual Wole Soyinka (Nigéria), o poeta Paul Dakeyo e o filósofo e cientista político Achille Mbembe (Camarões), os também filósofos Kwame Anthony Appiah (Gana) e Valentin Y. Mudimbe (Congo), Orlando Patterson, sociólogo negro americano, principalmente. xplica Célestin a importância ao negro se colocar niilista sobre a ideia de negritude comunitária, visto ser ela, para além da recusa do sofrimento político-cultural, a construção aos novos líderes e elites africanas para que encontrassem espaços de poder em meios a suas sociedades, manipulando a todos pelo pressuposto de uma “personalidade negra”. Negro, igualmente, o pensador se descreve pertencente à geração de africanos nascidos após as independências, e afirma não se sentir ligado às “querelas identitárias e bizantinas forjadas em torno da ideia de raça negra”. Para ele, o mito da homogeneização racial do mundo negro e a perspectiva de haver uma visão de mundo advinda dessa condição não resiste à analise, pois o mundo se tornou mais acessível via tecnologia e comunicação, trazendo maior absorção de nossos imaginários do patrimônio filosófico de agora. Portanto, é o negro de hoje um cidadão do mundo, podendo ainda ser também africano. Conclui não poder ser a tal negritude a filosofia ao pensar o agora pelo ontem, precipitada que está em seu postulado nativista de solidariedade ligada à cor da pele, elaborações raciais e explorações por políticos profissionais. Essa “alteridade artificial” pacientemente construída sofre críticas amplas na literatura dos pensadores citados. É preciso enfrentar as barreiras e impasses conceituais do nativismo dos que imaginam a África como um todo homogêneo, birracial, e a ideia de autenticidade cultural africana ainda invocada pelos “saudosistas de um paraíso perdido”. partir do abandono da negritude nativista, radicalmente presente e sustentada como valor insuperável (tal como incansavelmente argumentaram muitos dos presentes no encontro com Brett), o homem compreenderá não existir o outro, porque o outro, nas palavras de Célestin, é “nós mesmos”. Caminho esse fundamental ao entendimento das obras de Brett. Sua inclusão do negro em cena, seja para a ocupação de papéis clássicos, seja na representação do horror historicamente infligido, importa sobretudo por sua capacidade de deslocar pela experiência estética para o da reflexibilidade do espectador sobre sua natureza, e não

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apenas quanto às condições de raça. Em outras épocas, o homem fizera igual ou pior, subjugando os vencidos e sucumbindo civilizações. E milênios atrás não se tratavam de negros, e sim de pessoas. Basta percebermos todo o movimento de genocídio no Leste Europeu, na Rússia, Europa, mesmo no continente Americano antes das colonizações oficiais, e atualmente no Oriente Médio, onde a cor da pele não é questão, mas a igualmente falsa ideia comunitária de um povo único, a partir de supostas semelhanças religiosas e origens territoriais sagradas. Mesmo na África muito fora provocado de um negro a outro, que ora destruía e exterminava, ora vendia como produto aos interessados. É preciso pensar mais amplamente, portanto. Brett não reduz o discurso ao negro para utilizá-lo novamente como mero objeto, mas apropria-se do instante de horror a esse para ampliar o olhar sobre a desumanização do ser. Não a toa, seu próximo espetáculo-instalação diz respeito aos imigrantes, preconceitos, medos, confrontos. or fim, é Orlando Patterson, a quem Célestin se aproxima com profunda atenção, o pensador necessário ao entendimento dessa identidade limitada pela ideia de negritude. Para o sociólogo americano existem diferença entre as Identidade Pesada e Leve. A Pesada carrega a filosofia de promoção de uma autonomia de raciocínio “à africana”, única e exclusiva, para legitimar uma racionalidade da diferença. A Leve, por sua vez, trata da visão partilhada de interesses coletivos, inclusiva aos africanos de todos os horizontes e suas lições das cicatrizes, para poderem imaginar e construir futuros abertos. o ser confrontado, como por vezes ocorre, e como foi por aqui, Brett esteve cerceado pela Identidade Pesada ainda dominante nos argumentos. Argumentos esses que mais revelam o medo dos indignados em tomar para si a responsabilidade do futuro aberto proposto por Patterson. Mudanças são movimentos complexos confundidos quase sempre com mobilizações. Brett continua. Ainda que incomode. Ainda que tentem impedir e até consigam. Seus espetáculos circulam o mundo expondo a Leveza da identidade dos livres do passado capazes de falar sobre e expô-lo sem desvios e piedades. Em suas ações, o artista confirma Célestin e tantos outros pensadores negros, e as reflexões deles o seu trabalho. O resto é esperar o tempo. Haverá os que permanecerão presos às negritudes entregues em manipulações políticas. Haverá os fugitivos dos controles em direção ao amanhã. Certo mesmo é que, ao se olhar para frente, avistamos Brett Bailey como quem nos convida a sentir o mundo e o homem reinventando nossa identidade, e por conseguinte, maravilhosamente, a beleza possível de uma civilização esquecida das diferenças entre as cores. Afinal, Newton demonstrou ser negro a ausência de luz, o escuro, o desconhecido, o perigoso, e ajudou a distanciar simbolicamente os homem na forma de um e outro; Goethe, por sua vez, confirmou ser o negro o convívio entre todas as cores, a junção mais bela, a completude, simbolicamente a união surgida na ausência de diferenças. Fico com os artistas e poetas.

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Odidiva em “House Of The Holy Afro”.



“O pré-julgamento é uma voz que existe

mas não vai limitar o fazer




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istĂŠrio ozosos

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O espetĂĄculo foi fotografado dia 16 de janeiro de 2016, no Teatro Oficina, em SĂŁo Paulo.

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Oswald de Andrade é mais uma vez o prato a ser devorado pelo Teatro Oficina, uma adaptação de José Celso Martinez Corrêa, musicada por José Miguel Wisnik, do poema O Santeiro do Mangue.

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A primeira versão da peça ganhou vida nas ruas do centro de São Paulo durante o Carnaval de 1994, para mais de 4.000 espectadores.

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José Celso Martinez Corrêa Catherine Hirsch Direção musical: Felipe Botelho Trilha sonora original: José Celso Martinez Corrêa, José Miguel Wisnik y ala de compositores da Cia Teatro Oficina Uzyna Uzona Dramaturgia y direção:

Conselheira poeta:

Atuadores Cia Teatro Oficina Uzyna Uzona y Universidade

Marcelo Drummond, Denise Assunção, Camila Mota, Mariana de Moraes, Vera Barreto Leite, Roderick Himeros, Glauber Amaral, Sylvia Prado, Letícia Costa, Céllia Nascimento, Danielle Rosa, Joana Medeiros, Luiz Felipe Lucas, Madalena Bernardes, Tony Reis, Sergio Siviero, Lucas Andrade, Lucas Rangel, Felipe Velozo, Ayla Alencar, Leon Oliveira, Wallace Ruy, Clarisse Johansson e Igor Phelipe. Antropófaga:

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diĂĄlogo. x2

por ana carolina marinho e claucio andrĂŠ


la mer da ConsciĂŞncia em estado de explosĂŁo


Ana Carolina Marinho Pensei em te propor de a gente tentar fazer esse diálogo num fluxo de pensamento, num jorro contínuo, como o texto de La Merda. Nos dando conta daquilo que dizemos exatamente no momento em que escrevemos. rs Vamos tentar? Claucio André Podemos tentar! AC Esse fluxo de consciência acelera um processo de desnudamento. Nós nos livramos um pouco de nós mesmo e de nossas mediações com as palavras. CA Eu não senti tanto isso, mas é uma questão pessoal que queria te perguntar. Achei que o texto toca em temas que sensibilizam mais os que sofrem mais o “bullying” da sociedade. Podia ser uma minoria. No caso, o corpo feminino. Não lembro exatamente, mas foi o que me chamou atenção. Você concorda? AC Confesso que a peça me tocou mais pela força

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com que as palavras iam sendo ditas do que pelo que se era dito. CA E por quê? AC Por que a atriz era a concretude do arquétipo de mulher selvagem. Tinha a sensação de que o caos saia da sua boca. Do que se era dito, me prende muito a proximidade daquela mulher com o suicídio, no caso de seu pai. Mais do que sobre as inquietações do corpo feminino. CA Mas a articulação (do que era dito com o como era dito) passa por esse arquétipo, não? AC Sim! Mas nem sempre isso acontece. Acho que em La Merda aconteceu. Ela estava só ali, sem artifícios, sem tantos efeitos. Ela estava de frente a nós com a mesma coragem que o pai na frente da linha amarela. Sabe? Nós, somos o trem que passa. CA Talvez me expressei mal.

Quando digo “corpo feminino” foi mais no sentido... (to procurando a palavra) AC hahah ta CA (desencana, se eu achar eu conto) Mas no sentido “o que se vê e o que se espera deste corpo e o que isso reflete algumas das questões que se passavam no subtexto”. Na falta de uma palavra, fica isso. Porque, afinal, toda essa coragem passa justamente por exporse nua, sentada, corajosa e ao mesmo tempo numa postura frágil. AC isso! mas acho que se somam essas contradições. na verdade, lhe confesso que durante a peça eu não embarquei tanto. passados dois dias ainda estava pensando sobre ela e me dei conta que na verdade aquilo ficou reverberando em mim. inclusive fico pensando sobre isso que a personagem sempre dizia de arrancar as coisas com os dentes, mastigar e defecar... e sobre o quanto povoamos o mundo com

os pensamentos que não nos é necessário, que na verdade são evacuados. o quanto povoamos o mundo com os excrementos que rejeitamos CA É vero! Afinal, aqueles meus pensamentos, sempre orientados pela forma como que se dizia o texto, fizeram, por vários momentos, perder a história. Como quem perde uma parte do que se mastiga... Mastigando, engolindo até; mais o como do que o quê. Como você falou lá em cima; mas com pontos de vista diferentes, rs. AC rsrs CA Aliás, vc assistiu o filme do Pasolini? AC não! e você? CA (Saló) Acabei de pegar o programa da peça e lembrei do motivo pelo qual fiquei atento a tais questões, mais que em outras. Ele remete ao “120 dias de sodoma” (assista, mas sem seus pais por perto) e depois sobre


texto Cristian Ceresoli com Christiane Tricerri


o regime totalitarista disfarçado, que é a sociedade de consumo. E lembrei que, como o tema me sensibiliza, fiquei mais atento a eles. AC hahaha! sem os seus pais por perto. CA Erro, né, porque não peguei toda a coisa. E a própria sinopse já indica na cara: “uma ‘jovem’ e ‘feia’ mulher luta [...] em sua bulímica e revoltada confidência pública, para abrir seu próprio espaço como celebridade em uma sociedade de Coxas e Liberdade.” AC uma sociedade de aparências e consumo. toda vez que a luz aumentava e existia uma explosão das palavras, ela sempre dizia: essa sou eu. precisamos o tempo inteiro dessa autoafirmação. como se precisássemos garantir a nós mesmos que existimos. mas existirmos: a que será que se destina? rs. CA Um grito de revolta, de liberdade (e de,

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“subtextamente”, de apelo à humanidade) passa por isso. AC sim! logo depois desse grito de revolta, a luz diminuía bruscamente, como numa ressaca. CA Eu sempre me dou mal nessas peças. Minha inteligência auditiva não é boa para acompanhar muitos minutos só de texto... AC hahaha talvez por isso me prende mais como as palavras foram ditas do que o que se foi dito. CA A atriz se autodirige, né? O que você acha disso? AC acho sempre complicada essa relação. mas acho que em La Merda funciona. e você? CA Aí a gente entra mais na questão teatral, menos do discurso. Mas vamos lá. Eu também acho complicado porque é bastante intimista: o texto é um grito


intimista, a luz é intimista, a encenação é intimista (nua, num auditório pequeno, haja coragem), no entanto depois do segundo grito parecia que ia seguir a mesma toada: fala, fala, fala, de repente uma palavra de gatilho libera uma energia descontrolada até o “mastiga, digere, caga” e vem o respiro final. Ficou a impressão que faltou um olhar de fora para ter essa perspectiva. CA Complementando: Ficou essa impressão porque a forma pareceu fórmula. Vejo isso com frequencia.

fotos: gal oppido

AC Entendo. Mas a mim não soou como fórmula, sabe? Mas entendo, porque o gráfico era esse mesmo. Fala, explode, acalma. Fala, explode, acalma. CA Pois é. E eu acho que ela já teve uma sacada boa, mas falta aproveitar. Que é: “show de rock”. Como um show de rock, investigar esse gráfico dramatúrgico

e explorar suas diferenças. Acho que ganharia bastante. Não quero fazer desse Diálogos X2 uma indicação de gosto, e nem é isso; mas é que no programa já se fala disso, então acho que já é uma intenção da atriz/diretora de chegar lá. AC entendi. porque o gráfico pode permanecer nesse fala, explode e acalma, mas com algumas qualidades distintas. a aproximação com o rock me faz todo sentido (não li o programa rs). tem alguma coisa que você ainda quer dizer? CA Os pontos que me chamaram a atenção eu já expressei. AC só pra fechar: que dar forma ao caos que nos habita seja sempre um ponto de partida para as criações. CA Apolo e Dionísio!

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visitando

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perform


matron

Uma companhia em dialogo com o mundo por

ruy filho

fotos de cena

vitor manon

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aproximação se deu de forma peculiar. Recebemos um email e nele não conhecíamos qualquer integrante do grupo que se denominava Performatron. O nome já provocou interesse. Quem são e que convite maluco é esse, afinal?, pergunte à Patrícia. Eles nos chamavam para acompanhar um evento religioso. Espera, não se trata de um grupo de performance? Não, de teatro. Conrado Dess, diretor da companhia, e alguns atores estudam artes cênicas, outros integrantes não são brasileiros. Como assim? Pois é, estrangeiros. Migrantes, especificamente. Estão aqui após saírem de seus países, vieram reencontrar possibilidades e, em certo sentido, respirar a vida e não mais a morte. Pesado? Bom, mas estamos desse lado, e isso faz tudo parecer exagero. Mas não é. Vir ao Brasil significa-lhes voltar a olhar o presente e querer o futuro. Isso se você é do Congo, da Síria, Haiti e tantos outros lugares soterrados por guerra, violência, terror. Voltando ao convite... Ainda assim, um evento religioso? Aceitamos pelo ineditismo da proposta, pela experiência, pela curiosidade. Não conhecia a Performatron. Claro, eles estavam preparando seu primeiro espetáculo! Bom, parecia-nos que o grupo começaria realmente acertando. Chegamos na mesquita do Pari, em São Paulo, eu e Patrícia, e aguardamos os integrantes da companhia. Estávamos ali

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para acompanhar o desjejum do Ramadan. O que? Tive que ir pesquisar na internet. E entendi ser o Ramadan algo como um jejum de trinta dias praticado pelos mulçumanos, um dos fundamentos mais importantes do Islã. São trinta dias de rezas e devoção espiritual. Algo incrível, impressionante e assustador também. Bom, marcamos no dia em que jantaríamos todos. Quando chegaram, mostraram-nos o lugar. Havia um atmosfera séria, plena, cortante dentre os que lá estavam. Subimos ao segundo andar e conversamos um pouco. A imensa maioria por ali eram de refugiados Sírios. Penso o quão importante é abrigarmos essas pessoas, famílias inteiras, absolvermos suas culturas e costumes, oferecer-lhes esperança e oportunidades. A troca de conhecimento e visões de mundo só pode engrandecer a quem participar. Mas, então, contam-me como esse processo tem ocorrido. Ao chegarem no aeroporto são recolhidos pelas autoridade e transferidos às mesquitas. Parece bom. Não. Ninguém lhes pergunta se são mulçumanos e se querem ir para lá. Preconceito e abandono se acumulam. Explicam-me, todos os dias sírios procuram as mesquitas em busca de auxilio para retornarem ao seu pais. O desprezo real travestido de boas-vindas da nossa sociedade leva homens e mulheres à tamanha solidão que a guerra parece ser melhor lugar, pois, ainda que horrível, ali existem. Aqui são somente fantasmas. Pitchou, o congolense divertido que aqui se descobriu ator, é advogado por formação. Um dos lideres do Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto de São Paulo


Nas páginas anteriores, Ériko Carvalho, Elise Garcia, Conrado Dess e Pitchou Luambo, integrantes da Performatrom. Aqui, o ator Ériko Carvalho em ensaio no Departamento de Artes Cênicas da ECA/USP.

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Aqui, Ériko Carvalho em cena de “São Paulo Refúgio”, apresentado na Casa das Rosas. À direita, Pitchou Luambo e Conrado Dess na roda de conversa Arte, Imigração e Refúgio promovida pelo Performatron no Museu da Imigração, como parte da pesquisa para criação do espetáculo.

(GRIST), fundado em 2014, após um documentário produzido por Eliana Caffé, relata os maus-tratos a que estão submetidos os imigrantes. Uma de suas frase mais fortes alerta para o Brasil oferecer o mesmo tratamento aos migrantes aos dados historicamente aos escravos. Ouvir isso de um homem como ele, sorridente, inteligente, culto, que soube vencer a tudo e encontrar novas saídas, deprimiu-me e me envergonhou. Com palestras, atividades culturais, campanhas de esclarecimento e aproximação, estimulando a inclusão social, o GRIST se coloca urgente e essencial, enquanto as políticas públicas são meras falácias. Dezenas de nacionalidades diferentes estão entre nós. Milhares de estrangeiros. Parece estranho não ouvirmos falar sobre isso todo o tempo, não é mesmo? Então pense o quanto estranho é em um pais que, desde o seu descobrimento, se fez pela reunião de povos diversos. Devemos nos perguntar que transformação é essa que nos leva agora a ignorar os migrantes e tratar como subempregados, escravos, mendigos, quando não pior, como ataques físicos e tentativas de linchamento.

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São Paulo Refúgio, nome do primeiro espetáculo da Performatron, traz relatos de migrantes diversos, depoimentos, respostas aos contatos tidos pelos artistas com situações e lembranças. Agora, após o movimento em massa rumo à Europa, parece óbvio trazer o assunto ao teatro. No entanto, antes disso, o grupo assimilou aquilo que ignoramos nas ruas, a condição depreciativa dessas pessoas pela cidade de São Paulo. Olharam para fora das janelas de casa e carro e não pelas imagens impactantes protegidas pelas telas dos televisores. A inquietação, portanto, aconteceu sem o oportunismo do momento, como tem se revelado alguns dos trabalhos mais recentes ocorridos por ai. Há algo especial em uma jovem companhia de teatro, desconhecida, cujo primeiro trabalho lhe exige tanta dedicação e pesquisa, alto envolvimento emocional e prático. De volta à mesquita... Patrícia e Elise foram para o andar de cima, em uma sala fechada. Os homens terminariam em breve suas rezas e subiriam para comer. Elas não poderiam estar ali. A preparação do desjejum estava a cargo de Talal e esposa. Come-

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A arte n達o substitui a exclus達o, apenas a revela. 208

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Cena do espetáculo “São Paulo Refúgio”. Em destaque, menor, Muçulmanos realizam oração durante o mês sagrado do Ramadan na Mesquita do Pari.

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Ao lado, Conrado Dess acompanhado de crianças congolesas refugiadas em passeio ao parque Hopi Hari promovido pela ONG IKMR. Esse foi o primeiro contato de um membro do grupo com famílias refugiadas e aconteceu no segundo semestre do ano de 2014. Na imagem maior, Conrado e criança congolesa refugiada medem suas mãos durante passeio.

ríamos juntos, nós, mulheres, Talal e artistas, após os praticantes. Éramos seus convidados, e isso nos permitia algumas coisas. Fui avisado, será impressionante, mil homens passam por aqui, explicou-me Érico Carvalho, também ator. Pensei, claro, isso é seu jeito de dizer que serão muitos. Ingenuidade minha. Surgiram de uma pequena porta milhares de homens em absoluto silêncio. Seguiam para retirar suas marmitas individuais e as devoravam, alguns acomodando-se em mesas, outros em pé mesmo. A velocidade com que se entregavam àquele prato imenso de comida era tão grande que o chegar e sair

se fizeram como um movimento contínuo, sem pausa. Cada um desses homens, ao me encontrar quieto e interessado no canto, olhava-me por alguns segundos tentando decifrar pelos meus olhos quem sou e o que fazia ali. Olhos duros, quase sempre; olhares profundos e perdidos, em muitos. O estado de melancolia era predominante. Alguns, sem me entender, estendiam a mão e me cumprimentavam. Enquanto a vontade era abraçar um por um e lhes dizer, cara, calma, acharemos um jeito e seja bem-vindo, esse país também é sua casa. Na sala de cima, Patrícia tirava self com as mulheres enquanto se divertiam entre os mais variados tipos de conversa sobre ambos os jeitos de cada uma viver. Um único instante me trouxe de volta. O homem chega até nossa mesa, onde conversávamos, e questiona porque algumas mulheres na outra sala estavam sem véu. São jornalista e atriz, não são mulçumanas. Ele se irrita. Balbucia algumas coisas que não entendo e percebo apreensão nos demais. Ao sair, explicam-me. Ele, brasileiro convertido, faz parte de um pequeno grupo que segue os ideais mais ortodoxos do Estado Islâmico. Oi? Nós temos brasileiros, em território brasileiro, que apoiam o EI? Aqui se sabe de alguns assumidos, devem existir outros, certamente. Por “aqui” leia-se “nessa mesquita”. Semanas depois uma revista fez uma reportagem sobre a relação na cidade entre convertidos, empresários e o IE. A

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Em destaque, teste de projeção na ECA/USP, onde ocorreu a segunda etapa do processo de criação no segundo semestre de 2015. Menor, ao lado, Pitchou Luambo e Ériko Carvalho durante visita de estudo à exposição Cartas de Chamada de Atenção no Museu da Imigração.


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Em destaque, teste de projeção na ECA/USP. Abaixo, A atriz Elise Garcia e Ghazal Barambo, refugiada Síria que vive no Brasil há três anos, em tarde de entrevistas em sua casa na região do Brás; em Preto e branco, os atores e a fotógrafa Mariana Boaventura no início do processo de pesquisa. Essa primeira parte do processo aconteceu na Ocupação Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, durante o primeiro semestre de 2015.

cidade comporta cerca de 30, hoje. Se imaginarmos existir brasileiros convertidos ao EI em todas... Assusta é claro. Ainda que seja uma ínfima minoria - e cuidado, por favor, antes de generalizar, o que seria demasiadamente estúpido e ignorante -, eles existem. E talvez isso diga algo sobre a falência evidente das nossas instituições e a intolerância religiosa que se espalha pelos nossos cultos e crenças. Por fim, jantamos. O jantar oferecido por Talal foi uma das comidas mais saborosas e incríveis que já provei. Sabores e aromas nunca provados e simplesmente incomparáveis. A conversa passou a ser sobre muitos outros assuntos. Ríamos, encantávamos com as histórias, falávamos, dividíamos impressões. Foi um dia de muitas novas sensações, de descobertas lindas e inquietantes. Uma tarde e noite extremamente agradáveis ao lado de pessoas e artistas incríveis. Talal é realmente um gênio da gastronomia síria. A Performatron nasce com a potência de quem olha o mundo e se sente responsável por ele, e isso faz toda diferença a quem se quer artista, pois apenas assim, de fato, se poderá ser verdadeiramente um. O espetáculo São Paulo Refúgio acabou sua segunda temporada agora, na Casa das Rosas. Deve voltar. Precisa voltar. Precisa ser visto e vivido. Conrado, Elise e Érico, obrigado por terem enviado o email maluco. E Pitchou Luambo, você é uma das figuras mais agradáveis que alguém pode conhecer, bem-vindo ao Brasil, meu caro. Primeiro espetáculo! E vocês começaram como precisa ser. Chacoalhando o mundo e levando nossos sentimentos a explodirem. Valeu, moçada. Vocês são foda.

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Todas as fronteiras s達o inicialmente emocionais. antro+

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Imagem construída com objetos cênicos, doados por refugiados, durante improvisação.

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polĂ­tica da cultura por ruy filho

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PRODUZIR IDEIAS

C

omo pensar uma estrutura de financiamento capaz de abarcar o constante surgimento de grupos e artistas? Como definir quais devem receber os aportes financeiros, sabendo implicar tal escolha no abandono de muitos, ainda que lhes reconheça iguais importâncias? Como definir o que de fato se vale ao rótulo de experimental ou pesquisa e assim atribuir-lhe o justificado continuísmo? Assuntos complexos que envolvem muitos outros ângulos e superam o ter ou não estímulos e recursos. Perguntas que encontrarão várias respostas superficiais e nunca definitivas, revelando a dimensão profunda da questão, sobretudo quando compreendida a solução estar limitada no setor público, por ele ser ausente de interesses culturais reais, ou no privado, frente sua distância da construção de diálogos mais transversais. O grande dilema, então, não está nas respostas supostamente escondidas, mas nas próprias perguntas, já que, como trazido, a pluralidade de interpretações inviabiliza as soluções mais objetivas. Só se chegará verdadeiramente a outros paradigmas, superando os atuais, quando as perguntas olharem às abordagens por fora dos mecanismos estabelecidos pelas urgências do cotidiano. Assim, responsabilidades social e política, por um lado, e importância não-comercial, por outro, são termos falidos que não servem mais à justificativa e

produção culturais. O entendimento desses valores se transmutou frente às necessidades de agora. A responsabilidade social superou o sentido altruísta da ação e se valida mais por sua capacidade em permitir desdobramentos inclusivos consequentes; a responsabilidade política também mudou para a importância do desaparecimento do excesso ideológico, até então radicalmente impositivo; e a relação comercial está cada vez mais atrelada ao sentido desenvolvimentista trazido em uma ideia, inclusive em sua resposta ao humano. Portanto, paternalismo, dirigismo e lucro deixam de pontuar como os mais urgentes em uma obra de arte. É preciso pensar inicialmente por quais lacunas a arte pode se reinventar como proposição ao indivíduo e à sociedade. Respostas nada fáceis, é fato. Enquanto se manter aprisionado pelo mercado cultural via o mecenato como sustentação ao fazer e existir continuado, outras formas permanecem pouco aproveitadas como estratégias de encantamento, exatamente por serem pouco conhecidas, pesquisadas ou lembradas. Em resumo, dizer ao governante ou empresário sobre a importância e uma obra parece não ser nada eficiente à conscientização ou interesse de construir o teatro como modelo de negócio. Faltam argumentos. Por conseguinte, a culpa é nossa. É preciso ampliar o vocabulário nas conversas com diretores de empresa e instituições e falar a língua certa.

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política da cultura

Pensar por outras estratégias, então: Diversidade Cultural, Acessibilidade Cultural, Economia Criativa e Indústria Criativa, Valor Intangível e Valor Imaterial, Democratização Cultural, Produção Criativa, Produtificação Cultural, Sustentabilidade Cultural, Agente Cultural, Arquitetura da Cultura, Cidade Criativa, Urbanismo Tático, Empreendedorismo Criativo, Fluxonomia 4D. São essas algumas das principais estratégias para auxiliar o artista e produtor a revelarem o teatro como instrumento de diferenciação social, participatividade, pertencimento, inclusão, desenvolvimento social e econômico, ampliação e criação de mercado de trabalho, inovação da cadeia produtiva e de tecnologias, sistemas comunitários, intersecções transnacionais, ecologia de produtos... Para compreender cada um em profundidade vale acompanhar mais de perto pensadores e pesquisadores, principalmente Ana Carla Fonseca Reis, Claudia Taddei, Leonardo Brant, Minom Pinho, Lala Deheinzelin e André Martinez, cujas pesquisas e aplicações práticas de conceitos têm gerado respostas e consequências extremamente positivas. Seja por qual for, a mudança paradigmática está principalmente na maneira de abordagem do outro. Seduzir é a condição própria do contemporâneo, quando muito de tudo está disponível e soterra a todos de possibilidades tão diversas que torna as escolhas impossíveis de se diferenciarem. Quer dizer, a estratégia é somar os meios e quem os oferece, e não mais os conceitos de um espetáculo. Afinal, parece evidente não interessar nada além, dada a profusão do teatro. Debruçada a oferta de um espetáculo não apenas como produto efêmero, condição essa indiscutível, como resposta a cada uma dessas possibilidades de participação aos setores público e privado, passará o teatro a existir também propositivamente, plausível aos dilemas e necessidades socioeconômicas concretas e urgentes. Sei continuar nem um pouco fácil. Contudo, assim se escapará da dependência louca e destrutiva à qual a arte está submetida. Seduzir não mais pelo discurso artístico, nem pelos argumentos de sempre desde muito ignorados. Seduzir pela capacidade de

produção da arte gerar circunscritamente possibilidades de ganhos amplos e indiscutíveis. Essa é a maneira de continuar e reinventar a relação com os financiadores e patrocinadores, e, principalmente, de gerar novos interessados. Em outras palavras, é preciso que o outro se apaixone pelas consequências ao existir de um espetáculo e não por ele. Então temas, estéticas e técnicas deixarão de ser balizas aos avaliadores dos projetos, mais interessados que estarão por todo o resto. O espetáculo deixa de ser um produto e passa a ser o mecanismo de efetivar respostas ao entorno. E o artista ganha a liberdade de voltar a ser somente artista, entendendo não apenas o palco como seu espaço criativo, e sim a sociedade e indivíduo como materiais para interferência, apropriação e criação. Como mover a sociedade tornando-a elemento simbólico de ação criativa? Como invadir a individualidade ampliando-a de modo inesperado ao seu sentido coletivo sem lhe descaracterizar ou impor um jeito de existir qual não quer? Como fundir abstração criativa e implicações reais consequentes? Como ampliar discursos para experiências singulares amorais, liberando a potência crítica do espectador? Como sustentar a irrelevância da arte pelo paradoxo de ser apenas por ela o meio para conquistas fundamentais? Como reinventar a relação apoio-patrocínio/artistas, sem explodir a dinâmica ainda imponderável do capitalismo, propondo possibilidades e gerando estratégias ao desenvolvimento de novos interesses? Essas são perguntas de agora, mais do que as trazidas ao inicio desse artigo. Sem as quais, nada se modificará ou ressignificará. Os mecanismos estão sendo criados e experimentados em diversos segmentos, enquanto o teatro continua voltado ao tradicionalismo das perguntas pragmáticas e já comprovadamente envelhecidas e improdutivas. Fazer novas perguntas e desconfiar dos limites das regras são essenciais ao surgimento de saídas e evoluções, o que exigirá ao artista abrir mão de conquistas e facilidades. Os tempos mudaram. E continuar precisa se tornar sinônimo de subversão e reinvenção do mundo, e não apenas o narcisismo e o exercício inútil da sobrevivência.


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pensamentos sobre

2015 melhores internacionais e nacionais em SP por Ruy Filho



R

ecebo dois emails no final de 2015. Duas jornalista com intenções parecidas. Parecidas, pois ambas me convidavam a pensar em uma lista. Mas não iguais. Para a Folha de S. Paulo, sobre espetáculos internacionais; para o Estadão, nacionais. Confirmo às duas, Fabiana Seragusa e Maria Eugênia. E passei a investigar a memória os resquícios dos quase duzentos espetáculos assistidos durante o ano. Difícil tarefa. Antes fosse sobre os melhores cafés. Sabores são mais explícitos. Teatro, essa coisa estranha passível de ser de qualquer jeito e forma, confunde as tentativas de comparações. Pesquisas distintas podem ser comparadas? Nem pensar. E me travo nas primeiras tentativas de listar alguma coisa. Mas era preciso respeitar os prazos dados. Espalhei os ingressos acumulados sobre a mesa, e logo percebi haver uma porcentagem de espetáculos que se quer me recordava ter ido, e pior, nem do que trataram. Bom, a decisão foi simples. Se nada ficou na memoria, pouco deve ter realmente me provocado. Limitavam àquela larga camada dos nem amados e nem odiados. Dois, eliminar os piores. Confesso ser a parte realmente divertida nisso. Como repito sempre, respeito e gosto dos trabalhos profundamente ruins, pois, a partir de um determinado ponto, tantos equívocos juntos demandam alto grau de investimento e crença só possíveis pelos verdadeiramente apaixonados. No canto, ainda aguardando seus destinos, uma pilha de fato menor. Seriam eles os espetáculos que me causaram sensações e não fora elas ruins. Os bons, ótimos e excelentes, portanto. Parte três, diferenciar os ingressos a partir dessas categorias, em busca dos melhores. Aí começam os acúmulos de desculpas subjetivas e subconscientes. Ora por isso, ora por aquilo, o fato é que precisava desenhar a tríplice sentença e o fiz com muito sofrimento. Como é horrível julgar algo que não por ele mesmo. Ao escrever sobre espetáculos procuro ao máximo enxergá-los pelas tentativas e interesses dos artistas, o que nem sempre consigo. Mas tento. E assim espalhei cada ingresso restante até olhar a mínima coleção daqueles tidos por excelentes. Ótimo, então. Estou pronto, pensei. Mas havia mais de três em cada categoria, e ambas as listas me exigiam esse limite. Agonia única. Sem a menor capacidade de conseguir diferenciar as qualidades dos finalistas, sobrou-me buscar respostas nos trabalhos aos meus anseios sobre a realidade, o contemporâneo, o homem, o viver. Estava limitado à reflexão dos meus desejos. E, na falta de outro argumento, aceitei minha impotência e segui ao ranking definitivo. É ele quem trago aqui, acompanhado por pequenas reflexões sobre cada escolha. E, enquanto trabalho em cada parágrafo, penso que a listagem a seguir mais reflete a quem sou do que ao teatro propriamente. Começo pelos nacionais. Permita-me ser minimamente nacionalista, nesse instante. Minha listagem para o Estadão indicava a peça O Narrador, de Diogo Liberano, como terceira. Interessa-me no trabalho o quanto Diogo conquistou um profundo diálogo com Walter Benjamin, ampliando o filosofo para campos mais profundos do conhecimento dele mesmo e também do

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artista. Além de ser um dos textos mais belos em sua qualidade de escrita que ouvi em terras brasileiras nos últimos anos. Diogo consegue ser romântico, crítico e delicado, de modo absolutamente original e encantador. Uma reflexão mais profunda sobre seu espetáculo poderá ser lida na resenha que escrevi para o site Agora Critica Teatral. O segundo lugar ocupei com Abnegação II, de Alexandre Dal Farra e O Tablado de Arruar, devido a radicalidade na construção de um espetáculo explicitamente político e ideológico, no qual são expostas as fraturas mais graves e absurdas da política moderna brasileira, sem entrelinhas, sem receios, sem pudores. E me parece que, ainda que muitos estejam tratando dessa atmosfera, Alexandre é o tipo de autor a ser considerado deliciosamente perigoso. Desses escritores em que a palavra realmente se coloca tão precisa ao que e dito, que torna-se um risco à ordem comum ouví-la. Um dramaturgo inteligente e determinado a investigar e questionar nossas certezas. Sobre o espetáculo escrevi uma longa reflexão para a Revista Trema. Por fim, em primeiro lugar, escolhi uma obra que marca a reinvenção completa de um artista consagrado. Puzzle D, que acompanhei como crítico interno, interessa-me pela dimensão de sua originalidade frente ao repertório de sucesso de Felipe Hirsch. Nele, dando conta de fechar a tetralogia do Puzzle, o diretor passa a investigar a palavra como essência teatral e construção de arcabouços pelos quais acessamos os infernos escondidos por nossas proteções. A partir dos manifestos poéticos e exageros nacionalistas em suas formas diversas de fanatismo, o Brasil trazido está explicitado em suas faces mais patéticas e constrangedoras. De certo modo, há um link possível ao que essa lista configurou, a descrença sobre o individuo e a sociedade, mas não apenas como negação dos estados atuais, e sim como tentativas de reencontrar os valores perdidos nas últimas décadas. É como se esses artistas quisessem negar quaisquer traduções e expusessem cruamente os temores, as perdas, os equívocos, as fugas, os fingimentos. Assim, Diogo volta-se ao indivíduo, Alexandre às ideologias, Felipe aos vícios sociais e culturais. Um país em descrédito de seus valores mais básicos, e disposto a correr o risco de identificá-los, destruí-los. Nada me parece mais importante ao Brasil de agora do que exatamente isso. Olhando para fora, então. Esse foi o pedido para a Folha de S. Paulo. Novamente três, e igualmente aqui em ordem inversa. Confesso que listar nesse limite os espetáculos internacionais fora desgastante e frustrante. Havia muitos outros para essa lista, mais complexa do que a nacional. Em terceiro, o sensacional Incêndios da mexicana Cia. Tapioca Inn. Não assistira o espetáculo em Santos, durante o Mirada retrasado, festival bienal Ibero-americano de teatro. Agora, em plena cobertura da Bienal de Dança, em Campinas, retornei a São Paulo apenas para ir ao Pompéia ver o que tanto falavam. Cansado, já conhecedor do texto pela mediana montagem dirigida por Aderbal com Marieta Severo, espera descobrir o que ali poderia ser tão melhor. Foram algumas descobertas. De que com a Tapioca eu realmente

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foto: divulgação

compreendi a beleza do texto; a simplicidade e despojamento da direção traziam ao trabalho acertos impressionantes; e Karina Gidi é, sem dúvida, uma das atrizes mais brilhantes que já presenciei. Ao final, as lágrimas corriam, o corpo tremia como em luta, a voz parecia estar calada para sempre. Fazia tempo que não saia do teatro tão profundamente rasgado em milhões de pedações. E essa sensação, além de provavelmente demorar muitos outros anos para retornar, jamais poderá me deixar. Em segundo lugar, nomeei do sueco Cirkus Cirkor o espetacular Underart. A profunda capacidade em tornar poética a melancolia do gesto, do exercício, enquanto trazia a narrativa da impossibilidade do voo e pouso, de ser o fracasso condição inerente ao homem, levaram-me a um esvaziamento de sentimentos tão profundo que poucos espetáculos até então conseguiram. Não sou deslumbradamente apaixonado por circo e tenho limites bem rasos sobre o entendimento de técnicas e acrobacias. No entanto, Underart não era exatamente circo, mas utilizava-se do circo para comentar também sobre mim. E na junção da imagem do homem mergulhado em um aquário sem respirar olhando em meu olhos e o equilíbrio arriscado sobre o ombro do terceiro ou quarto da fila vertical à espera de alguém que não chega, música e textos davam conta de ser a precisa demonstração de quanto vale ao teatro ser espetacular. Por fim, escolhi o primeiro. Stifters Dinge, do genial Heiner Goebbels, apresentado durante a MITsp. Sem atores, apenas contrarregras circunstanciais, uma gigantesca instalação nos conduzia por uma narrativa fabricada por barbantes, pianos, água, fumaça, sons, música, textos, falas gravadas e a infinita potência poética da estética. A diferença desse para os demais trabalhos é simples de explicar. Enquanto a Tapioca nos comprova a magnitude do teatro, Cirkus Cirkor faz do espetacular a experiência teatral. Já Heiner Goebbels supera tanto o teatro quanto o espetáculo e de fato nos oferece a dimensão maior daquilo que supera categorias e classificações pois se realiza na simples e absoluta forma de Arte. Curioso o quanto o poético se revelou mais forte na listagem internacional e os discursos tão fundamentais aos espetáculos escolhidos brasileiros. Não há julgamento entre essas diferenças, apenas a percepção de que nossas melhores criações voltaram a ser sobre nós mesmos, enquanto o mundo, esfacelado em seu desenho irremediavelmente em transformação e destruição, busca no homem a fuga à poesia que a realidade não lhes permite mais acessar. Ao reler ambas as listas, surge ainda uma última observação. Aqui, apenas um dado estatístico curioso para pensarmos futuramente sobre. Os três espetáculos internacionais e Puzzle surgiram aos espectadores brasileiros por festivais. Incêndios esteve no Mirada, quatro anos atrás, Puzzle estreou no mesmo festival hé dois anos, Underart veio para o Festival de Circo, e Stifters Dinge, como dito, para a MITsp. Interessante observar, ainda, que tantos esses quanto O Narrador passaram por São Paulo com temporadas nas unidades do SESC, com apoios da instituição. Apenas Abnegacao II assisti na Oswald de Andrade. Só que prepare-se, Abnegação I retorna aos palcos e em breve estreia também o III. No SESC, claro.


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publicidade


máquina de escrita Em tempos como os de agora, explorar a retórica pela condição da fala poética é fundamental à sobrevivência da arte. E Diogo Liberano é um dos melhores nessa transmutação em sua geração. Jovem e inteligente, seus textos surpreendem por irem além do dito, trazendo ao espectador o mais profundo. Aqui você ser deleita com uma de suas faces.


mรกquina de escrita

Mar cel

Mar ceau

escrito por

Diogo Liberano

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V

ocê chora chuva? Ele pergun-

ser possível convivermos com esses

ta. Não ele, personagem. Mas

outros tantos mundos. E nos lembra

ele, escritor. Porque é o escri-

que mesmo o nosso é, em seus escon-

tor quem escolhe e escreve cada pa-

derijos, as dores e surpresas de inven-

lavra. Então é dele a questão. Chorar

ções poéticas de nós mesmos. É por fu-

chuva? Como é possível? Depende de

girmos tanto dessa poesia que o teatro

quem chora, de quem define a chuva,

aparece urgente, pois nos relembra,

de quem é você. Ele, no caso, Diogo

oferece, sustenta o instante em que

Liberano, além do dono dessas pala-

o ar passeia pela falta de ar necessário

vras, é também uma espécie de poeta

ao nascimento de cada silaba. Chorar é

da cena. Faz das palavras as imagens

a essência mais próxima da descoberta

impossíveis de serem representadas.

dos vazios; materializa a dimensão hu-

E, assim, constrói um outro teatro;

mana e faz da fisicalidade de uma gota

um que exige ao espectador se sentir

a perspectiva da vida em explosão.

apaixonado e entregue ao estado po-

Chora-se por estar vivo, e nada mais.

ético de sua própria existência. Dio-

Assim é o teatro de Diogo. Vivo. Pro-

go, ainda, é o responsável por aquilo

fundo. Próprio. Escrito pela essência de

nomeado chuva. Não apenas água em

quem só poderia sobreviver ao mundo

queda, mas também a profundidade

em função de artista. Diogo reinventa o

que verticaliza o movimento das pa-

universo a cada estrofe, palavra e pá-

lavras soltas no palco em uma espécie

gina escrita, como artifício para chegar

de cachoeira ao devir. Então a chuva,

ao mais exposto e verdadeiro de nós

que é também lágrima, também é ho-

mesmos. Se eu choro chuva? Tento.

mem, pode ser entendida como ma-

Mas, ainda escritor, pouco são como

téria simbólica responsável por tornar

Diogo, inteiramente poéticos. Ele sim é

qualquer lugar um espaço sublime ao

capaz de escorrer tempestades. E nos

teatro. Assim, o dramaturgo nos avisa

banhar de dor e amor.

ruy filho

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máquina de escrita

Marcel – O nosso nome...

Marcel – Não. Até que me parecem exatas.

Marceau – O que é que tem?

Marceau – De onde você tirou essa água?

Marcel – Parece o mesmo. Mas, não é.

Marcel – Do vasilhame.

Marceau – Não mesmo. Nem acho que pareça. Além disso, somos muito diferentes.

Marceau – Qual vasilha?

Marcel – Ache uma diferença aqui em mim. Marceau – Diferença como? Marcel – Como diferença! Algo que em você é de um jeito e em mim é de outro. Marceau – O seu nome? Marcel – Não. O nome não serve Marceau – O que é que tem então de diferente se o nome não serve? Marcel – O nosso nome... Marceau – O que é que tem? Marcel – Parece o mesmo. Mas, não é. Marceau – Eu sei... Marcel – Sabe nada. Marceau – Às vezes, acho mesmo que não sei. Marcel – Só às vezes? Marceau – Quase sempre. Dá-me um copo d’água?

Marceau – Você me deu água de planta?! Marcel – Ora, qual o problema? Marceau – Essa água está suja! Marcel – Não, não está. Marceau – Eu não vou te explicar de novo. Marcel – Eu não quero ser explicado. Marceau – Você não tem jeito. Marcel – Mas agora você tem cor. Vês porque te dei a água? Marceau – Me dá um espelho? Marcel – Aqui está. Vês? Marceau – Em volta do olho, você diz? Marcel – Começou no olho, mas agora o seu pescoço violácea. Marceau – Violácea? Marcel – Não é lindo? Eu escolhi da planta exata. Combina com você.

Marcel – Aqui está.

Marceau – Certo. Combina sim. Certo. Agora isso sai?

Marceau – Obrigado. Acho que o fato de você me servir muda tudo.

Marcel – Não sei se devo te dizer.

Marcel – Tudo o quê? Marceau – O que existe entre eu e você. Eu digo, quebra uma possível hierarquia. Marcel – Você usa essas palavras... sabe o que significam? Marceau – Li uma vez. Devo ter esquecido. Por quê? Não funcionam? Te agridem?

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Marcel – Do vasilhame. Da planta violácea.

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Marceau – Eu sei. Repito. Isso sai? Marcel – Quando virar flor de enterro. Em menos de um dia, vai saindo feito degradê. Marceau – Só quando eu morrer?! Marcel – Você pode enfeitar meu enterro. Marceau – Quando eu morrer?! Marcel – Eu morrerei primeiro.


Marcel e Marceau

Marceau – Mas se eu morrer\ Marcel – Eu já terei ido. Antes, bem antes do seu último gemido, eu já fui, amado. Marceau – Por isso hoje lhe sou flor? Marcel – Violácea. Que eu acho um nome diferente. Marceau – Diferente de quê? Marcel – De tudo. Parece até que inventamos outra cor. Marceau – Inventamos sim. Inventamos outro\ Marcel – Pode dizer, eu consigo ouvir. Você ia dizer: inventamos outro amor! Marceau – Certo, vamos indo. Marcel – Certo, dê-me sua mão. Marceau – Meu Deus, ela está rosa também! Marcel – Não diz isso! Rosa é cor de delicado. Você está ficando violácea. Violácea! Marceau – Andando, amado. Andando. Marcel – Você disse amado? Marceau – Não. Você que quis escutar.

Vamos, me ajude com isso aqui! Já limpei 73 livros, 49 caixas de CDs e algumas bandeiras. Sabe quem eu encontrei? Marcel – Humm? Marceau – A bandeira do Cazaquistão! Você estava a procurando outro dia. Marcel – Ótimo. Marceau – Não diga ótimo de maneira tão ingrata. Eu achei a nossa bandeira! Marcel – Pode ficar para você. Marceau – Espera lá! Não é só minha, eu disse, é nossa! A nossa bandeira\ Marcel – Pode ficar. Marceau – Ora, Marcel, o que foi agora? Sempre foi a nossa bandeira. Eu fico emocionado com tudo o que construímos juntos! E fico feliz por tê-la encontrado, ainda que tão judiada\

Marcel sai. Marceau desce da escada. Marcel agora no banco de jardim. Marceau se aproxima com cuidado e se ajoelha sobre a grama verde-radiante, frente a Marcel.

Marcel – Isso é possível? Marceau – Você acabou de dizer que eu ia sarar!

Marceau – O que é que você não quer me dizer?

Marcel – Eu disse?!

Marcel – Você já disse. Não quero dizer.

Marceau – Não. Eu que quis escutar.

Marceau – Certo, mas a questão é: me diz. Eu te ajudo.

Noutro dia, Marceau sobre uma escada encostada à parede. No alto, ele retira livros e os limpa, devolvendo-os à prateleira. Marcel chega cabisbaixo. Senta-se na base da escada.

Marceau – Ainda bem que você chegou!

Marcel – Não preciso de ajuda. Preciso de cura. Marceau – Marcel, você está gripado? Marcel – Antes fosse\ Marceau – Não diga isso! Viu quanta gente está morrendo? Eu quero você vivo. Marcel – Mas é como se eu estivesse indo...


máquina de escrita

devagar, enquanto vejo tudo acontecendo...

escada só para que você caísse\

Marceau – Não é gripe, então?

Marceau – Você quis me derrubar?!

Marcel – Ora, não!

Marcel – Marceau.

Marceau – Ora, você está um tanto sem modos essa manhã!

eu

quis

te

derrubar,

Marceau – E por qual motivo?

Marcel – Eu preciso te falar\

Marcel – Eu não sei\

Marceau – Sim, um pedido de desculpas e depois há de me explicar\

Marceau – Eu te explico. Você quis me derrubar porque no chão, onde eu cairia, você já estava. Quis me derrubar pela vontade de estar junto, de eternizar. O que é eterno precisa de calor, sem isso não vale, fica tudo empoeirado. Escute! Eu sou eterno enquanto eu for. Você é eterno para mim enquanto existir. Não se deve lutar contra isso\

Marcel – Acabou. Marceau – Acabou o quê? Marcel – Acabou. Marceau – As ervas?! Eu já ia mesmo te chamar para cortarmos mais. Vamos agora? Marcel – Não. Acabou. Marceau – Ora, Marcel, o que acabou além das ervas? Marcel – Acabou, eu já disse. Marceau – A minha paciência?! Estou aqui sendo muito compreensivo, aproveite. Marcel – Não quero! Marceau – Se aproveitar de mim?! Ora, desde quando?! Marcel – Desde ontem. Acabou, Marceau. Não pode ser eterno. Eu pensei que fosse\ Marceau – Não pode ser eterno o que, meu Marcel? Marcel – A gente... não pode ser eterno. Marcel se levanta, deixa Marceau sobre o gramado e se aproxima do pé de ervas. Marcel volta o olhar para Marceau, desabando o próprio interior. Marcel – Eu pensei que você fosse eterno. Eu pensei que a gente pudesse ser para sempre! Eu tentei, você também. Mas não dá, não deu. Você não é eterno. Eu também não sou. Faz poucos minutos eu me vi empurrando a

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Ora,

antro+

Marcel – Mas ela morreu! Ela morreu! Não foi eterna! Ela acabou de me provar! Marceau – Ora, quem morreu, Marcel? Marcel – Minha mãe, Marceau. Ela era eterna. Agora se acabou. O que eu faço? Marceau – Oh, Marcel, é verdade o que me diz? Marcel – Não fosse eu não estaria assim. Marceau – Oh, que angústia me invade o peito! Dá vontade de ir no lugar dela! Marcel – Eu já tentei, não tem como. Eles fecharam o caixão hoje cedo. Marceau – Já foi o enterro?! Marcel – Estava voltando dele, por isso acordei mais cedo. É melhor você se segurar. Eu não vou ficar por muito mais tempo. Ainda mais agora que a mamãe morreu... Marceau – Ainda mais agora?! Você quer me desesperar? Marcel – Eu já pensei em tudo. Eu vou partir e você vai ficar. Marceau – Ora, muito bem, senhor Marcel! Vamos supor que tu partas. Sim, vamos supor.


Marcel e Marceau

Supor é só o que eu consigo agora. Supondo que você vá entrar nessa casa, pegar uma mala e sair, sem se despedir de mim, eu poderia ao menos entender o porquê?

Marcel em disparada para dentro de casa. Marceau sozinho.

Marceau – Ora, que coisa, não? Um dia você acorda e quem estava com você, na mesma obra, resolve largar o barco e mata todos afogados no final! Não pode ser assim, Marcel, eu exijo o mínimo de noção! Eu disse aquele dia no comércio, compre esta loção de noção, é bom ter em casa, às vezes a gente se desgasta e faz coisas que não devia fazer! Marcel, é noção o que está faltando aí dentro?

como sou eu quem coloca o prato, a gente acaba beliscando uma coisinha a mais, enfim... a gente cresce, Rabanada, e vai perdendo os cuidados, perdendo a linha. Tem indivíduo que perde até a noção, sabia?

Barulho no mato. Escuridão. Marceau não quis iluminar a casa para as comemorações de fim do ano. Sente-se sozinho e depressivo.

Marceau – Oh, Senhor! Tem alguma coisa se mexendo no meio do pântano. Oh, Pavor! É um pinheiro?! Como pode? Pinheiros não têm pernas, têm galhos! Marceau se ergue. Um pinheiro cambaleante vem em sua direção e acena com timidez. Marceau – Boa noite, seu pinheiro...

Marcel retorna, agasalhado e com um pinheiro de natal enfeitado pela metade.

Marcel – Seu pinheiro. Marceau – Sim, seu pinheiro. Marcel – Não. Seu pinheiro.

Marceau – Oh, Marcel! E ainda vai levar o nosso pinheirinho?! Oh, como eu me sinto mal. Marcel, eu não sou eterno como a sua mãe, mas eu tenho em mim alguma eternidade. Eu tenho! Quando é que você vai perceber? Não demore muito. Não deixe acabar isso que você fez brotar em mim. Não deixe.

Marceau – Não, eu não sou pinheiro.

Meses depois, na noite de natal, Marceau come rabanada sobre o banco do jardim.

Marcel – Sempre fui.

Marcel – Mas o pinheiro é seu. Marceau – Que pinheiro, senhor pinheiro? Marcel – Este pinheiro. Marceau – O senhor, senhor pinheiro, é meu?

Marceau – Perdão, não o reconheço. Marcel – Não tive tempo de me limpar.

Marceau – No último natal, suas primas não estavam assim. Estavam piores, é verdade. Como as coisas mudam, não? Ora, mudam sim. Eu sei, eu sinto. Eu sou alguém muito intuitivo, sabe? Apesar de não ser assim tão faminto. De forma alguma. Sempre fui comedido. Sempre fui! Sempre. Sempre fui! Desde criança, só comia o que colocavam no meu prato. Sem repetir. Mas agora, sozinho,

Marceau – Estás judiado. Te bateram? Marcel – Ele quer saber se me bateram. Marceau – Ele quem? Marcel – Você. Marceau – Eu quero saber se te bateram. Marcel – Um gambá.


máquina de escrita

Marceau – Você brigou com um gambá?!

Marceau – Mas é do subgrupo natalinus floreius?

Marcel – Ele urinou em mim. Marceau – Sinto o cheiro. Não quer entrar e tomar um banho? Marcel – Vou sujar sua casa. Marceau – Depois eu limpo, não se preocupe. Marcel – Não precisa. Eu me banho no lago. Marceau – É gelado.

Marceau arrasta o banco do jardim com agilidade e o posiciona logo atrás do pinheiro.

Marceau – Não achou que eu fosse te dar um vaso, não é? Marcel – Eu não sei o que dizer.

Marcel – Depois eu deito ao sol. Marceau – Mas o forno dentro de casa já está ligado.

Marceau – Fique tranquilo, eu nem sabia que pinheiros falavam. Marcel – Nós não sabemos muitas coisas.

Marcel – Vais me queimar?

Marceau – E o que pensa você, pinheiro, sobre o ser humano?

Marceau – São as rabanadas. Marcel – Você as convidou? Marceau – Elas vieram. É que eu fiquei sozinho, mas esqueci de desmarcar. Veio a família inteira, sabe? Eu exterminei metade, mas acho que não vou conseguir comer tudo até o amanhecer. E esta noite está indo embora, veja...

Marcel – Penso que o ser humano pensa demais. Marceau – Você está dizendo isso porque tem raiz e tronco? Marcel – Não, mas porque também tenho sapatos.

O pinheiro em silêncio tremido mira o céu. Marceau com os olhos marejados.

Marcel cruza uma das pernas, apoiando-a sobre o colo e amassando alguns galhos.

Marceau – Eu fico emotivo com o término das coisas.

Marceau – Então metrossexual!

Marcel – Minha espécie também está sendo dizimada.

Marcel – Eu sou alguém que está na seca.

Marceau – É mesmo? Qual espécie é a sua? Marcel – Sou dos pinheiros enfeitados, que usam brincos, pérolas, argolas, luzes, bolas. Marceau – metrossexual?

Não

acredito!

Marcel – Eu sou solteiro.

240

Marcel – Eu preciso me sentar.

antro+

Você

é

você

é

realmente

Marceau – E olha que tem chovido! Marcel – Não na minha horta. Marceau – Own, você tem uma hortinha? Marcel – Não, eu quis dizer que a chuva que cai sobre mim é outra... Marceau – Tem outra chuva circulando por aí?


Marcel e Marceau

Marcel – Tem. Chama-se chorus prantum. E sai de mim. Marceau – Nossa, mas pinheiros não choram. Marcel – Não é verdade. Meninos não choram. Pinheiros choram. Marceau – Não é verdade. Pinheiros não choram. Mas eu choro. Marcel – Você chora chuva? Marceau – Eu choro porque fui abandonado. Choro porque não entendi. Porque sinto que fui enrolado. Choro porque não sei me desenrolar e porque o cheiro que sinto agora parece me dizer que as rabanadas já queimaram. Por isso eu choro. Porque certas coisas morrem, certas se queimam, quando na idealidade eu queria que durassem mais tempo. Marcel – Você está um poeta de primeira categoria! Marceau – Foi Marcel que me fez assim. Marcel – Eu?! Marceau – Oi?! Marcel – Eu... trouxe um presente para você. Marceau – De natal? Marcel – De desculpas. Marceau – O que é isso? Marcel – Um pedido de desculpas.

Marcel se ergue cambaleante e se distancia um pouco de Marceau até parar diante dele, de costas. Marcel coloca para fora do pinheiro o seu braço esquerdo, emagrecido. Depois retira o outro braço, o direito. Na mão direita um passarinho aprisionado.

Marcel – Ele entrou aqui antes de eu decidir voltar. Pousou leve e sem medo sobre mim. Não se preocupou com o fato de eu respirar. Ele me deu asas, me cantou a vontade de te encontrar, de pedir desculpas, me cantou aquela canção que fazia tempo eu não conseguia lembrar. Como faço então? Sem a sua voz? Revendo seus olhos sem te escutar? Perdido em noites a frio, querendo dormir para nunca mais acordar? Me desculpe, mas era preciso voltar. Eu pensei primeiro em mim. Mas é assim, não é? O passarinho pousou em mim querendo comer, não foi para conversar. Não foi, passarinho! Não adianta resmungar. Ora, você mordiscou estas folhas, você bebeu as gotas do meu orvalho. Mas você não sabia que dentro deste pinheiro vivia um homem envergonhado, um homem meio ao meio, malpassado, malvestido, mas inda assim por outro alguém amado. Um homem espiando como o mundo faz para funcionar. Eu te asseguro, era mesmo preciso voltar. E se eu pouso agora diante de ti é para te provar que sim, pinheiros também choram, sim, porque o choro foi, por vezes, a única forma de te concretizar. De te ter aqui em mim reunido. De olhar o sol destemido e de poder dormir acompanhado e repleto. Meu amado, eu peço desculpas pela invasão, mas é meu peito que se abre.

Marcel abre a mão, sobre a qual um passarinho ergue a cabeça. Sem pressa ele alça voo ao longe e brilha como estrela negra diante da lua imensa. Marcel avança a Marceau que, trêmulo, se ergue. Marceau estica um braço e deita a mão dentro do pinheiro, que treme. Marceau encontra o rosto de Marcel, seca seu orvalho e sorri.

Marceau – Ei. Tenho em mim, agora sim, um pouco mais de eternidade.


David Boxie 1946 242

antro+

1947


Alain Rickman antro+

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Antonio Pompeo 1943 244

antro+

1953


MarĂ­lia P ĂŞra antro+

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:( Divulgação e Divulgação ap res e nta m

Divulgação

texto e direção: Divulgação

foto: patrícia cividanes

com: Divulgação, DIVULGAÇÃO, Divulgação e Divulgação cenário e luz: Divulgação patrocínio

divul ga ção

D

divulgação

MEU NOME NÃO É DIVULGAÇÃO!

manifesto pelo crédito ao fotógrafo, seja em materais de divugação, matérias ou publicações em redes sociais.


QUANDO VOCÊ FAZ SEU TRABALHO, VOCÊ GOSTA QUE SAIBAM QUE FOI VOCÊ QUE FEZ, CERTO? Por vários motivos... Reconhecimento, orgulho, divulgação, ego, justiça... Pois bem. Há um tempo tenho batido na mesma tecla sobre o crédito fotográfico. Na mídia impressa, o grande fotógrafo é um cara chamado divulgação. E em tempos de internet então, até esse cara phodão aí tá perdendo espaço. É um tal de pega aqui e cola ali, que o crédito se perde bem no início dessa roda. E olha que nem estou falando mais daquela coisa “antiga” de pedir autorização de uso. Isso a gente já até abriu mão mesmo existindo uma lei que assegura esse direito. Só pedimos um “carinho”, bem ali no finalzin do post, ou na vertical, no canto da página, em letras minúsculas. Não é pedir muito, vai? Pois é. Mas não é sempre assim. Às vezes chamam o fotógrafo pra clicar lá umas imagens, às vezes até pagam (é raro, mas normalmente nem ligamos pra isso, pois amamos muito nosso trabalho), e aí seu nome entra lá, todo pimposo! Você se sente até gente e fica achando o mundo um lugar melhor e tal. Aí passam alguns anos (ou meses até! Pior! Algumas poucas horas!), e eles resolvem publicar outra vez a sua foto, de tão legal que ficou!! Mas aí, meu bem, já te esqueceram. Vão-se os nomes, ficam os likes. O fato é que o reconhecimento da autoria é algo cada vez mais raro. Imagine se postássemos nossas fotos, com suas carinhas lindas, ou suas incríveis criações, e esquecêssemos de dizer do que se trata? Ou melhor: te chamássemos de “Divulgacão”? PATRÍCIA CIVIDANES





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