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agradecimentos Adriana Monteiro Alexandre Félix Anette Naiman Carolina Ferreira Celso cury Centro cultural rio verde Cesar Augusto CIT-Ecum Claudia Marques Claudia Schapira Clovis Severo Daniele Avila Small Fernanda Capobianco Galeria Pivo Georgette Fadel Gustavo Ferreira Gustavo vaz Henrique Mariano Heros Mussi Schwinden Hugo Possolo Humberto calligaris Inez Viana José Fernando de Azevedo Kiki vassimon Laura Salerno Luana Ferrari Lube Luiz felipe Reis Mac Marcelo Drumond Marcelo Olinto Marcio Meirelles Marcos Santos Marina simões MIS Nilton Moreno Paço das artes Paulo Faria Rachel brumana Raul Barreto Roberto Alvim Roberto Audio Rodolfo Garcia Vazquez Sérgio de Carvalho Sergio Miranda Sesc Pompeia Thais Arruda Wesley Kawaai
editorial
T
oda edição possui um sabor especial. São meses de buscas, curiosidades, descobertas. Em cada conversa, imagem, som, novas possibilidades aproximam
o fazer teatral de um rascunho do presente. É esse movimento, o convívio, o condutor do desejo pelo continuar. Chegar à décima, depois de experimentar a vontade com a número zero, é um prazer único. Perguntam-nos incessantemente o que ainda poderia ser encontrado e dito. O país
ruy filho
segue o rumo nebuloso de muitas incertezas. Assumimos, hoje, a verdadeira face escondida pela alegria dos trópicos ou os acontecimentos revisaram nosso semblante? Vivemos momentos complexos. As portas dos teatros deixam de servir à arte e passam a ser aposentos da especulação imobiliária. É com o tom de apelo e enfrentamento que os artistas participam da campanha Deixe o Espaço do Teatro em Paz. Por ela, gritamos contra os empreiteiros em nossos quintais
patrícia cividanes
e ao capital impositivo sobre o teatro arte. Por outro lado, exemplo de como os poderes podem ampliar o existir da cultura, temos o orgulho de homenagear a OSESP. Enquanto a sinfônica leva o melhor do Brasil ao mundo, a primeira Mostra Internacional de Teatro de São Paulo apresenta-o a nós. A MITsp certamente mudou a cara do teatro por aqui. E, também por isso, não haveria de ser outra nossa capa. A relevância da arte de Antônio Araújo, a eficiência de sua docência na ECA-USP, somam-se ao olhar de curador. Tó, como é conhecido, representa o mais valioso no teatro das últimas décadas. E não só por aqui. Nesses intercâmbios possíveis, um pouco da Irlanda misturada com Londres de passagem pelo Brasil, do Rio de Janeiro, Curitiba, Bogotá, Berlim e também Estados Unidos, através do singular Odyssey Works. Tem sido assim, os meses de criação da revista. Caminhando cada vez mais para fora de casa, enquanto abrimos a sala de visitas. Tocamos suas campainhas e eles a nossa. Resistimos pela criação de um espaço múltiplo e denso frente ao esfacelamento do momento. Pensar, experimentar, reagir, querer são nossos trajetos. Por isso, tantas noites em claro, tantos cafés. Por isso, tantas páginas. Sejam bem-vindos. A porta está novamente aberta. É só entrar e deixar a conversa fluir.
Maio de 2014
SP / BR
realização
antroexposto.blogspot.com
Antro positivo é uma publicação trimestral, com acesso virtual e livre, voltada às discussões sobre teatro e política cultural.
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Ruy Filho Patrícia Cividanes
foto de capa: PATRíCIA CIVIDANES
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VISITANDO Camille O’Sullivan CêNICO Ophelias por Sergio Santoian OBS por Ruy Filho DIÁLOGO X2 Nem mesmo todo o oceno TODO OuVIDO João Millet Meirelles VISITANDO Odessey Works VERTICAL por Ruy Filho CONTAMINAçãO Festival de Bogotá CAPA Antonio Araújo OuTROS TEMPOS PONTE AéREA Alemanha FOTO PALCO Ligia Jardim IDA E VOLTA MITsp VISITANDO Chris Jatahy CARTA ABERTA para Patricia Secco DIÁLOGO X2 Lenz, um outro CIRCuNFERêNCIAS VISITANDO Beto Bruel DIÁLOGO X2 Dentro Fora HOMENAGEM OSESP POR AquI Zuleika POR Aí Novelas Curitibanas MÁquINA DE ESCRITA :) Priscila Rodrigues e Yuri Neto INFINITO
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Camille O’Sullivan visitando
A voz da atriz que amplifica as palavras de Shakespeare por
ruy filho rachel ripani fotos roberto setton intĂŠrprete
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ma mulher, um pianista e William Shakespeare. Com aparente simplificação, a Royal Shakespeare Company trouxe ao Brasil sua aclamada montagem de The Rape of Lucrece, poema narrativo do escritor inglês, datado de 1594. No palco, a impressionante Camille O’Sullivan se ocupa com os personagens acompanhada por um elaborado jogo de iluminação e o excepcional pianista Feargal Murray. O impacto em assití-la foi tamanho que, ao sairmos da sala de espetáculo, já tínhamos praticamente acertado o encontro. Uma semana depois, terminado o Festival de Curitiba, lá fui eu, com a ajuda sempre fundamental de Rachel Ripani como nossa intérprete. Cafés distribuídos. Bastou o primeiro minuto para Camille disparar a falar sobre tudo, com uma disponibilidade ao momento, que nos levava à uma cumplicidade muito peculiar. A energia da mulher aos saltos e urros que surgira ao final do espetáculo, como que compartilhando um acontecimento com o público, estava de volta. E como era delicioso ver tamanha paixão pelo viver. Logo de início, uma pequena provocação. Sou irlandesa, ela diz, e montar Shakespeare sem ser inglesa é como dar-lhes um tapa na cara. Refere-se, obviamente, à disputa secular entre os dois países, e, para além disso, à imensa dificuldade para qualquer um ser aceito no círculo shakespeariano. Há uma maneira correta de pronunciar cada palavra, os sons das letras, explica, e para um estrangeiro, não seguir o entendimento deles da prosódia perfeita é quase uma agressão. Todavia, Camille foi convidada pela diretora Elizabeth Freestone para o projeto na Royal Shakespeare, templo absoluto da tradição. Olhar para o lado e ver o ator que faz Rei Lear há décadas, enquanto me preparava, não sendo dali, era assustador, conta se divertindo. Ela, uma boa propriedade rítmica, mais do que outras que não se diz atriz, mas uma cantora que culturas próximas. Quem mais poderia? E a resposta interpreta através da canções, aceitou o coné simples, os rappers do Brooklin. vite, encarou as condições e transformou em The Rape of Lucrece traz diversos traços postealgo tão particular, a ponto de tornar indisriormente verticalizados por Shakespeare em sua cutível seu talento e importância da montadramaturgia mais conhecida. O poema é profundo, gem. O espetáculo tem viajado por diversos denso e tão belamente sonoro quanto a narrativa. festivais mundo afora. Para Camille, o ponto centrar era transformar o Para Camille, o importante está na condipoema em música. Procurar a verdade da música, ção de saber encontrar os ritmos precisos às explica. Exigindo-lhe estar sempre forte no momenfalas do poema. Concorda não ser nada fácil, to de apresentação e simultaneamente vulnerável mas acrescenta que os irlandeses possuem às circunstâncias únicas do instante. Apreende a cada apresentação, e se diz entusiasmada com as novas descobertas feitas em São Paulo, dias antes o olhar secreto de nosso encontro. Descobri coisas incríveis, e isso de Camille sob se dá porque o público é muito particular no Brasil. as lentes de Essa disposição para deixar o processo de construRoberto setton.
“CANTAR SHAKESPEARE FAZ O TEXTO TER MAIS VIDA” ção sempre vivo e pulsante é facilmente perceptível durante a apresentação da peça. Camille ocupa a cena com tamanha liberdade que assistí-la é como descobrir cúmplice o próprio trabalho. Parece estarmos em plena euforia das descobertas todo o tempo. E isso é cada vez mais raro de ser encontrado no teatro contemporâneo, sobretudo quando se tratam de grandes espetáculos produzidos para eventos específicos. Desde sempre, interessa-lhe cantar canções narrativas, processo esse desenvolvido em seus shows-espetáculos-cabarés. Em Lucrece, intercalando narrativa e canto, diferencia o eu da personagem central e os demais. Gosta desse universo de trabalhar com canções mais escuras e sombriar, por isso o poema se colocou como um desafio ainda mais interessante. Afinal, atuar narrando e cantando a história de um estupro é um tanto quan-
to violento, inclusive à atriz. Se você está conectado com um personagem, ele pode ocorrer a qualquer hora, diz. No caso de Lucrece, trazê-la agora, quando o assunto explode em discussões, é reconhecer a importância da percepção de Shakespeare sobre o entendimento também da psicologia humana. Ele é o melhor nisso, ao seu ver. De fato, o poeta traçou um repertório, em pleno século XVI, antecipando a estrutura psíquica e comportamental do homem moderno ocidental surgido apenas séculos depois e permanente até os dias atuais em muitos aspectos. Foi uma opção conjunta retirarem os trechos do poema referente à Guerra de Troia e as configurações diretamente políticas. A busca era trazer o político na própria condição de crueza do ser, explica. Há no poema a exposição do quanto a condição humana é terrível em seus limites e especificidades. Por isso, as metáforas com animais espalhadas por todo a narrativa, ampliam ainda mais a percepção do público ao terrível e à dor. Para Camille, a descrição do sofrimento de animais atinge muito mais profundamente do que a de pessoas. É uma história muito violenta. E, compreendendo o animal como um vivente indefeso e dependente, curiosamente o sofrimento adquire uma empatia maior e urgente. Uma dor é verdadeiramente sentida quando alguém sente empatia por você, conclui. E a estratégia de Shakespeare oferece brilhantemente essa aproximação de modo profundo. Com Feargal no piano, o espetáculo ganha um encontro singular no uso da voz e som. O brilhantismo da execução não invade a atuação, ao contrário, potencializa a presença cênica ao máximo de suas sutilezas e explosões. Camille conta que Feargal foi para a cidade de Shakespeare para se contaminar com a atmosfera local. O pianista se inspirou nos movimentos dos cines, revela. Diz ser a parceria de muitos anos possível pelo grau de cumplicidade e desafio empregado de um ao outro. Em
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Camille segura seu caderno pessoal e mostra o desenho que fez do Museu oscar niemeyer, de Curitiba, enquanto participava do festival na cidade. 2
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Lucrece, confessa ter se supreendido a descobrir a partitura sobre o piano apenas com os acordes e não a melodia composta. Por isso toca o tempo todo olhando para ela, assistindo-a, ora auxiliando na condução dos momentos e transições de estados, ora provocando radicalidades ainda mais profundas ao que está em construção e invenção. É também por essa relação de completude entre voz e música que o espetáculo se coloca diferentemente de um musical. Não se trata de dar à música a centralidade da cena como narrativa, mas subverter a relação estruturando a música como composição da narrativa. Assim, Camille consegue usar o canto como elemento sígnico da cena. Perguntado sobre as possíveis diferenças de apreensão do espetáculo em cidades distintas tanto culturalmente quanto no convívio com linguagens teatrais contemporâneas, Camille afirma ser mais difícil impressionar as pessoas nas cidades grandes. Não só pelo repertório, mas também porque a vida nas metrópoles conduz o espectador a uma busca diferente. Não se quer ver coisas desagradáveis, conclui. A pressão diária e o convívio com a ambiência de uma violência latente nos grandes centros, faz com mille concorda, e cita Leonard que os espectadores busCohen, afirmando existir um vão quem no teatro formas em cada um de nós. de experienciar aquilo Em São Paulo, para onde esque lhes falta. De modo pera trazer em algum momento mais profundo, explicoseu show, Camille diz achar tudo -lhe, a violência que não um tanto curioso. Além da maser assistir é também neira pela qual foi recebida pelo uma maneira de fugir do espectador, cita dois instantes reconhecimento de suas peculiares. Diverte-se com o próprias realidades. Cafato de sair de um espetáculo tão doído, com textos tão radicais para serem ditos por uma mulher, e ser conduzida de volta ao hotel com o rádio ligado propositadamente pelo motorista para lhe apresentar o samba e o pagode. O contraponto entre
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“AS CIDADES GRANDES SÃO MAIS DIFÍCIES. NÃO SE QUER VER COISAS DESAGRADÁVEIS”
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o estado da atriz e o da artista traduz a ambivalência com que o espetáculo fora recebido por aqui. E diz estranhar muito a condição dos três sinais no início das apresentações. Afinal, o clima para a narrativa precisa ocorrer gradativamente, encontrando o público. Feito como fazemos, se sentiu como no em contar suas sensações, a disposição à reflexão revelam uma artista jóquei, pronta para a largada. de tamanha fome pela arte extremamente contagiante. É impossível O tom engraçado de suas fanão ouvir suas histórias, não rir dos momentos recortados por comenlas, a maneira como se diverte tários absolutamente inesperados. Assim como é estimulante saber da
eu faça algo com James Joyce. É, acho que sim, Joyce seria bastante estimulante e difícil. E tem tudo a ver com a Irlanda, brinca. Então, um pulo para fora da cadeira. Inesperadamente. Em pé, enquanto ouvimos o que de tão importante precisa ser dito, Camille leva as mãos ao chapéu e solta entusiasmada “Oh, my God, I love cachaça”. E terminamos assim, gargalhando, a conversa e a manhã.
pretenção em continuar sua pesquisa sobre o canto de narrativas. Mas quem poderia ser depois de Shakespeare, pergunto-lhe, o que fazer depois dele? Ela me olha, balança a cabeça pensativamente e solta, como se fosse a resposta mais natural e evidente, talvez
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Camille se despede, com um simpĂĄtico e sincero “vamos manter contato!â€?.
“SHAKESPEARE PODERIA SER CANTADO PElOS RAPPERS”
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cĂŞnico
Ophelias as
de sergio santoian
A presença eterna de uma mitologia cada dia mais real em todos nós
Jeyne Stakflett
thiago Sancho
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miguel falabella
ranieri gonzalez
charleS friSckS
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tiago martelli
matheuS Solano e Paula braun
“mundo grampeado, uma ópera tecnotosca”, da cia monte de gente.
alexandre nero
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ney matogroSSo 2
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angela diPPe
“Quantas loucuras cabem dentro de uma ofélia? Quantas normalidades nos cabem? nos cabem normalidades? De qual ofélia falamos? De Shakespeare? De Pessoa? Da etimologia “serpente”? ofélia, irmã de Amélia, que não era a mulher de verdade? Falamos da ophelia de Santoian! na fala da luz. na “phala” da “photo”! Do grito sem som! Do vôo parado no ar! A grafia do incerto! ophelia project é a tortografia da luz!” AlexAndre nero
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spar transpa tran nspa aicnêr obs
por ruy filho
as contas da cultura também são bens públicos e devem ser tratadas como tal
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esconheço aquele que não se indigne ao assistir pela televisão momentos de corrupção. Dos mais elaborados aos mais simplórios, chegando mesmo aos idiotas, os golpes acumulam somam absurdas de assalto aos cofres públicos. E, hoje, é raro algum setor não estar, ao menos, indiretamente ligado às estruturas públicas. O Estado pode ter privatizado o acesso aos meios, mas também o terceiriza como estratégia de retornar aos empresariados seus domínios. Burocracias são fundadas diariamente. É difícil saber qual a nova assinatura, papelada, cópia, carimbo, autenticação, via. Tudo muda, e sempre no sentido de acumular procedimentos. Sem isso, a corrupção não teria tantas entradas livres. Tudo teria apenas dois ou três caminhos e observá-los seria fácil demais. Então se cria cargos, entraves, fachadas administrativas. Em cada mesa, em cada cargo, a possibilidade de uma brecha potencial para instaurar a corrupção. Assim, alguns diretores de hospitais, de escolas públicas, de serviços
estruturais ao cotidiano das cidades, incontáveis setores roubam as verbas públicas despudoradamente, como se estivessem autorizados por ofício ou liberados por um conluio intrínseco à maquina de funcionamento político-social. Ótimo, fácil de resolver. Diminui-se a burocracia e observa o cumprimento das regras. Será? Para muitos, ou quase todos os setores, certamente isso traria melhorias radicais, tanto sobre os entraves e atrasos, quanto sobre a fiscalização. Mas há um em específico, e é esse o interesse aqui, que, apesar de já recheado de burocracias, ainda assim, parece caminhar à necessidade de mais. A tal da Cultura. Só que o problema com ela começa muito antes de chegarmos às vias de fato. É preciso perguntar por que os mesmos artistas que se indignam com a roubalheira nos outros setores recusam, tão veementemente, uma observação mais próxima aos gastos de seus projetos realizados com recursos públicos. O primeiro grito vem com certa lógica, a do processo criativo necessitar certa liberdade no
rênci arência nspa arênc psnar uso dos recursos, visto que a criação sofre mudanças inevitáveis durante o percurso. Evidentemente, sim. Contudo, os editais, em sua ampla maioria, ainda exigem do artista menos um projeto artístico e mais um projeto de produto. Isso quer dizer que, ao ser obrigado a listar os custos de um cenário qual não se sabe nem se existirá, o artista formaliza a dimensão do produto a ser entregue ao final do serviço. O dilema é, como defender o deslocamento do recurso sem previamente determiná-lo. Para tanto, é preciso dos órgãos públicos outra compreensão metodológica do criar, sem sua configuração explícita, portanto, e mais por sua sustentação ética. Opa, essa palavra tão desconhecida nos entremeios públicos e também dentre alguns artistas por aí. Imagine o pânico dos mecanismos gerenciais dos editais ao receber por proposta um preciso de 300 mil para criar, ao invés do costumeiro, 28 para elenco, 8 para cenografia etc. Como é possível crer numa dimensão não abusiva do requerido se este não se coloca explícito? Como
dito, a estrutura de seleção precisa ser clara e disponível a todos, a partir de princípios determinados previamente. Aquilo, igualmente desgastado, denominado por Plano de Governo. Por que este ou aquele caminho no investimento à Cultura, por que por tais princípios, em busca de quais resultados? Você pode estar se perguntando sobre o quanto isso interferirá na pluralidade dos objetos financiados e o perigo eminente das atividades culturais servirem como dirigismo político, ou pior, partidário-ideológico. E você estará certo. A multiplicidade é melhor? Sim, sempre. Tem funcionado? Não, quase nunca. E esse paradoxo se deve, sobretudo, pela ineficácia daquela palavrinha estranha há muito esquecida por todos os lados envolvidos. Passa a ser, então, uma questão de escolha. O risco pelo dirigismo ou pelo mal uso (para não nos apegarmos ao termo roubo tão imediatamente) dos recursos públicos. Se você acreditar nos políticos e em seu voto, a melhor é realmente a primeira opção. Confesso, não coloco minha mão no fogo por ninguém.
Só a culpa por antecipação é capaz de explicar alguém ser contra abrir as contas
Sobra, assim, atribuir mecanismos de reaproximação entre a estrutura e artista. Entende-se, aqui, por estrutura, a sociedade como provedora dos recursos e igualmente supervisora de suas utilizações. Como? Simples. E muito! Que tal, nós, os artistas, abrirmos nossas contas para qualquer um? Um blog onde as notas fiscais podem ser anexadas e por onde os gastos serão acompanhados pela sociedade, ongs, departamentos públicos e interessados em geral. Pode parecer pouco, mas não é. Sabe aquele marceneiro ótimo que construiu um cenário por 4 mil, talvez ele exponha o exagero daquele outro que fez por 20 uma estrutura substancialmente menor. Ou, vai ver, ele não tenha feito realmente por 20, não é mesmo? Compras e alugueis superfaturados serão impossíveis. Notas frias? Nem pensar, pois o Ministério Público e o público estarão acompanhando em tempo real. Sonegação? Esquece. Se não temos como controlar os políticos e estruturas burocráticas, temos como controlar o outro lado da moeda, os artistas, e fazer da Cultura um meio de transparência exemplar. Como não há, necessariamente, uma lógica de mercado cultural, esse é nosso segundo ponto aqui: o artista. Dependerá dele seu entendimento de como os recursos públicos devem ou não ser utilizados, com o risco de sofrer as benesses e consequências da opinião da própria classe e sociedade. Talvez nenhuma dessas duas partes aceite tão facilmente a montagem de um monólogo que envolva três pessoas e uma cadeira
e custe mais de 200 mil para seis ou oito apresentações à preço nem sempre popular. Abuso? Bom, acontece. Acontecem. Projetos esdrúxulos economicamente, como o exemplo, rodam as salas de teatro sem que ninguém interfira, a partir de uma discussão ética de sua realização. Abrir as contas. Talvez esse seja o grande passo a ser dado para o encontro real entre sociedade e artista, respeito e ética. Estou certo de que ninguém será contra o ganho financeiro, ao contrário. Ficará mais fácil ao consumidor entender os custos do ingresso. Como está, paga-se 40 reais na entrada do teatro imaginando que o artista recebe duas notas de vinte diretamente ao próprio bolso. E não se está errado em pensar assim. Só que é pior. Muitas vezes, o bolso já está lotado pelas notas sacadas nas contas públicas. As novas, as nossas, em muitos casos, infelizmente, fingem ir para os custos, para os trabalhos, para os meios, mas, no fundo, vão igualmente para dentro das cuecas de grifes. Se abrir as contas incomoda tanto, parece mesmo certa antecipação à condenação. Grita-se muito por mais. Grita-se pouco por aquilo que se finge não acontecer. Os recursos públicos escapam nas burocracias da cultura e na capacidade dos artistas em achar caminhos alternativos para justificar seus usos. Mais dinheiro para quem? Por que? Como sempre, gritamos na rua em coro sem nos atermos aos interesses dos que puxam os gritos.Ouse! há dezenas de blogs gratuitos por aí.
FOTO VICTOr huGO CECATTO
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diรกlogo. x2
m ne m e to sm o d o o
por Daniel Schenker e Dinah ceSare
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ceano A PROFUNDA INCERTEZA DE SUSTENTAR A SI MESMO
Daniel Schenker: Oi, Dinah. Já estou por aqui. Dinah ceSare: Olá Daniel estou k também. E então acordado... DS: Pois é... Agora, dou aula cedo. O Ruy disse que não teremos mediação Dc: Sim somos nós dois. DS: Então, quem começa? Dc: Bom sei lá... mas fiquei pensando ontem sobre a peça... Nem mesmo todo o oceano já tem uma coisa que eu gosto ou tendo gostar que é a esfera do romance, a ideia de transposição. quer falar um pouco disso? DS: podemos Dc: ok. DS: eu gosto bastante da transposição do livro do Alcione Araújo para a cena. acho que o grupo mantém o fio condutor, não incorre em dispersão
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Dc: sim eu concordo em relação ao grupo. tem um funcionamento que é coral mas que
também individualiza as figuras. eu considero isso bacana e vai ao encontro de uma transposição do romance. é que tem a coisa da leitura, da imaginação e dos personagens também DS: eu gosto bastante desse trabalho coral em relação ao texto, que vem à tona por meio de uma cena quase destituída de cenografia Dc: sim uma cena quase vazia, que privilegia o vazio DS: exatamente. isto é o que mais me atrai no espetáculo. para mim é um grande mérito da direção da inez viana. ela (em parceria com cláudia marques) só coloca duas cadeiras em cena Dc: é e eu considero que a cenografia assim abre o espaço para a imaginação que o romance imprime. então é um jogo interessante entre a cena e o que acontece com o leitor DS: vc acha que seria diferente se fosse uma peça de teatro? a imaginação do espectador tende a ser mais estimulada no
caso de um romance transportado para acena? Dc: não não é isto, é que o romance inaugurou o aspecto de pluralidade mesmo imaginativa, pois cada um um mundo lendo sozinho sem nenhum referência ali visível. então a cena vazia de algum modo se assemelha, estabelece uma relação com esta história toda do romance. mas eu também acho que o desenho de luz da peça é interessante quando recorta o espaço DS: claro. quando eu vejo um trabalho como esse me lembra sempre a vertente do Aderbal Freire-Filho do romance-em-cena - que ele realizou com A Mulher Carioca aos 22 Anos, O que Diz Molero e O Púcaro Búlgaro. No caso do romance-emcena, a experiência é mais radical porque, de propósito, não há adaptação do livro para a cena. A base da proposta é a nãoadaptação. Dc: talvez como se a luz do Renato Machado nos encaminhasse na narrativa
DS: sim. a luz me passou uma atmosfera algo opressiva. DS: e acho que a cena também é preenchida pela direção musical de Marcelo Alonso Neves, que imprime tensão de forma bem discreta. Dinah, vc está escrevendo? Não está chegando aqui. Dc: ah Daniel não chegou nada. agora está carregando? S: agora, estou recebendo Dc: estranho... mas vou tentar reaver a conversa DS: eu disse que a luz me passou uma atmosfera algo opressiva e que a direção musical imprimiu tensão de forma bem discreta. que ambas as criações preencheram a cena Dc: a atmosfera tensa de que você fala é bem interessante. e estou pensando que solicita que o espectador tome uma posição. não acho que a direção faça uma tomada de partido, mas sim de posição. você na plateia não se sentiu um pouco cúmplice... sei lá a plateia fica no escuro
DS: acho que há uma clareza muito grande que atravessa o espetáculo: a questão do dilema ético do protagonista, cada vez mais atado aos porões da ditadura militar, chega de forma bastante nítida
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Dc: concordo e considero que a direção não estabelece dicotomias simplistas. todos ficamos incluídos no dilema
DS: exatamente. a direção é clara e sem incorrer em simplificações, como vc diz. eu realmente gosto muito das soluções encontradas pela inez viana, não só nesse espetáculo. lembro da utilização dos biombos em As Conchambranças de Quaderna. Sempre soluções simples, mas eficazes Dc: sim eficácia que não fica separada de
uma proposta estética, eu acho. porque a questão ética que você se referiu de algum modo fica colocada pela encenação como um todo. e quanto ao ritmo? o ritmo da encenação que é acelerado, não é? quase te deixa sem fôlego em alguns momentos... como você vê a direção trabalhando isso, quer dizer, por que mesmo com o ritmo intenso as
questões não se perdem DS: exatamente. concordo. não se reduz a um mero vapt-vupt Dc: rsrsrsr DS: e é interessante como a proposta estética do espetáculo está fundada numa cena quase vazia Dc: sim não se trata mesmo de um vaptvupt. bom então você,
ObRA: Alcione Araújo ADAPTAçãO E DIREçãO: Inez Viana ElENCO: leonardo brício, Zé Wendell, Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Junior Dantas, luis Antonio Fortes IlUMINAçãO: Renato Machado FIgURINO: Flávio Souza CENOgRAFIA: Claudia Marques E Inez Viana DIREçãO MUSICAl: Marcelo Alonso Neves
voltando aqui neste ponto, pode significar que o espaço vazio também oferece uma boa possibilidade de movimento ou de movimentação, o que também constrói a dramaturgia não é? DS: exatamente. afinal, a dramaturgia não se reduz apenas ao texto verbal em si. no caso dessa montagem, ele é disposto numa espécie de fluxo
contínuo, ininterrupto. Dc: é e minha impressão foi a de que o fluxo ininterrupto formava uma espécie de tecido invisível que mantinha as coisas em conexão. assim as questões colocadas pelo espetáculo não caiam em uma pura formalidade entende? quer dizer a forma-fluxo não ficava grátis DS: claro. não foi um ritmo “artificialmente”
imposto. e há outra coisa de que gosto muito Dc: rsrsrs. quero saber DS: o fato de a quase ausência de objetos deixar os atores sem bengalas em cena Dc: sei DS: o fato de a direção não se apoiar em bengalas, numa sucessão de ações
destituídas de valor Dc: vamos desenvolver isto um pouco, porque é bem bacana poder pensar sobre tal esfera quando você se refere a não ter bengalas acho que também está dizendo ou podemos dizer que o ator fica exposto, ou melhor mais explicitamente exposto? uma encenação que tem um fandamento no trabalho do ator?
DS: acho que sim. inez viana não se vale de recursos falsos, “artificiais”, para resolver a cena, ocultar fragilidades.
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Dc: você coloca aspas na palavra artificial e eu acho isso legal por que também explicita que está se referindo a recursos extirpados que não tem relação
com a cena ou com as questões. os atores segurando assim a cena também se colocam mais em questão não é? DS: é que a cena é artificial, na medida em que é construída. sim, a direção não facilita a vida dos atores Dc: sim sim, entendo.... e na
direção de Viana aparece o trabalho dos atores mesmo sem ter intenção de virtuosismo? aparecem as questões mesmo de atuação dentro do jogo de cena eu achei isto no espetáculo muito pertinente pra mim fazia sentido com o conteúdo é vida difícil a de ator, mas deve ser recompensador poder
atuar também sem bengalas ou amarras DS: acho que esse é o desafio lançado Dc: é você definiu bem e talvez seja uma desafio também para o público não é? ter que lidar com algo que está se desenvolvendo assim
DS: sim. talvez o público também fique sem bengalas. Dc: pois é, daí a dificuldade. eu senti isto assistindo, que tinha uma exigência para mim em relação ao trabalho dos atores, no sentido de que eu tinha que abandonar certos preceitos ou conformidades, e talvez
a razão esteja aí. gostei Daniel DS: acho que sim. acho que já estouramos o tempo. Ruy falou em máximo de 1 hora de conversa Dc: sim sim. mas tivemos algumas frases minhas amputadas. acho que então compensou. bom...
bacana uma trabalho que promove reflexão de memória. achei bem frutífero. agradeço DS: também gostei bastante da proposta. nossa conversa foi ótima! Dc: Valeu Ruy, valeu Daniel! Beijos! DS: Beijos!
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Foto jo達o caldas
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informações
todo ouvido
Meire jo達o millet
elles A melodia como medidas de sopros
Para conhecer uma das composições de Meirelles, clique no botão acima
“A
s camadas chegam uma a uma. Colorem, arranham. Riscam o ouvir na sobreposição de uma melodia estranhamente familiar. É preciso se acostumar ao ruído e ao gotejamento armônico. É impossível não suspender a respiração. Como se o ar fosse mover as notas que despencam e cantam. 59
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visitando
O outro. Matéria única e intranferível. Poética singular. E teatro. por
ruy filho
Q
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ue a arte surge da inquietação é evidente. Esta, transposta ao homem por perguntas, define e estabelece as especificidades de como será respondida. Surgem movimento de toda ordem para reconfigurar esse processo. É preciso compreender mais profundamente o que se quer perguntar, então. E, inevitavelmente, aceitar a condição de sua originalidade. Assim, o Odyssey Works escapa das estruturas tradicionais e realiza suas produções, como denominam, fora das estruturas convencionais. Mas não lhe basta o efeito da ocupação espacial. Condicionada a cada construção, reflete mais aquele para quem é realizada, do que meramente o ocupar. Em outras palavras, o grupo parte da escolha de uma única pessoa. Será ela toda a base inicial e final do trabalho, envolvendo o público na mais preciosa cumplisi a inspiração, reconhecer algo relevante e entregar ao cidade. Para entender esse teamundo. Para o grupo, o processo pode ser também por outro de um único indivíduo criado tro caminho, na qualidade de um diálogo colocado em enem multidão, a revista convidou contro do artista sobretudo com nossas vidas, ou seja, com o grupo para uma conversa. o material vivo de todos nós. Tal prática questiona muitos dos Abraham Burickson, Abe, diprocedimentos realizados por aqui. Cada vez mais, o teatro braretor artístico do OW, explica, sileiro se formaliza pelo depoimento autorreferente, pelo qual o logo ao início, lhes interessar artista centraliza sua biografia como pressuposto de narrativa. O rever os procedimentos de coOdyssey Works inverte radicalmente essa tendência do biodrama municação com o espectador. construindo pela individualidade do outro a experiência teatral coA comunicação na arte muitas letiva. Por isso, continua Abraham, perceber como o público é afetavezes é realizada via mão únido pela experiência é importante. São produções grandes, longas, que ca, após o artista procurar em
podem chegar a meses como acontecimento. O fato de estarem deslocados dos espaços tradicionais não os coloca como obsoletos, explica Aydan, integrante do grupo. Ao contrário. Há nos museus e teatro a utilidade especializada de certas formas de artes. Contudo, diz, as necessidades de alguns artistas se expandem e as perguntas acabam se tornando maiores em outros espaços. O Odyssey Works cria arte por perguntas diferentes, enquanto afirma se surpreender com o que a humanidade tem sido capaz de criar no espaço da galeria, por exemplo. Feito como propõem, o deslocamento resignifica o espaço ocupado pela potência disparada ao encontro com o outro. Não basta apenas o espaço. Este, estruturalmente, serve à cenografia. Mas é
na página anterior, “Cellist in the Cube, saskatchewan”, de “When i Left the House it was still dark”, foto de ayden L.M. Grout. acima, “the Midden of Possibility”, em foto de Milan Collins.
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preciso mais. Torná-lo narrativo depende do quão poderá ser essencial ao convidado. Uma cena de solidão em um museu ou teatro deixaria a sensação ali mesmo, continua Aydan. Sozinho em uma cratera, no É preciso, então, pensar de forma, linear e oceano ou em um trem em alta velocidade para um lateral ao mesmo tempo, explica. Ser profundo destino desconhecido é diferente. Deste modo, o e amplo. Não tratar a experiência com ficção. espaço passa a ser menos a ambientação narrativa. Um procedimento que busque dar conta de conAtinge a qualidade de personalização do instante, tar sobre a pessoa. As ficções e não, explica Abe, e a sensação a ele sobreposto marcará o seu recosão apenas maneiras diferentes de compreendenhecimento sensível e emocional durante o viver. mos nossas intersubjetividades. É preciso ir mais
“Carl’s Joan of arc Moment”, de “the Map is not the territory”, em clique de ayden L.M. Grout.
“A vidA sociAl se desmAteriAlizou nA internet. É preciso sAirmos de nossAs cAbeçAs” longe. E para isso, é essencial que passemos a entendê-las através da observação do outro. Importa, ao fim, saber o que a vida simbólica e emocional da história experienciada é para o participante, conclui. Para isso, as produções são combinações extremante elaboradas e derivadas de quantidades diferentes de desempenhos e performan-
ces, tanto narrativos quanto estéticos. Como por exemplos, histórias, conversas com amigos ou com a própria mãe da pessoa, como momentos narrativos oferecidos durante a experiência, e o metrô repleto por dançarinos, como momento estético. A presença do público como parte integrada à produção, exige-lhes
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ariel abrahams e ayden Grout retratados por abraham Burickson. E o próprio abraham, em foto de ariel abraham. no detalhe, o diagrama de “When i Left the House it was still dark”, produzido por abraham Burickson e danielle Baskin.
rever os procedimentos constantemente. Saber como ele está sendo afetado determina as nuances do processo. Assim, não se trata meramente de desenvolver um procedimento para o participante aceito, mas, utilizando-o como argumento, ampliar a vivenciação de específicas sensações aos espectadores. Seja o sentimento de espanto, seja a sensação de grandeza, diz Ariel, integrante do grupo principal. As performances, continua Ariel, são, antes, atos de amor. Servem para ampliar o sentimento mágico de percepção sobre a condição de que a natureza está em perpétua mudança. O foco com a ação é explodir no outro essa sensação, perturbar os fluxos normais da vida gerando dissonâncias pelo maior tempo possível. São centenas de interessados inscritos pelo site se oferecendo para ser o próximo disparador de uma produção. Abe explica ser necessário alguém aberto o suficiente ao processo, já que, como coloca, um odyssey é extremamente invasivo. É preciso saber tudo sobre a pessoa. E para isso, os integrantes do OW conversam com familiares e amigos, em busca
sua montagem de “Medea”, em 2008, fotografada por René Habermacher.
de materiais de vida interessantes. O que você acha que ele precisa passar?, perguntam sem nenhum pré-julgamento, e abertos para que a experiência seja onírica ou radical. Conta também o quanto a pessoa difere deles próprios e de outros para quem já realizaram odysseys. Essa procura pela diferença gera nos artistas um diálogo com qual experiência estão abertos a provocar e qual ao
público reflete importância. Oficinas de preparação são especificamente idealizadas a um e outro, escolhido e espectadores. Em tudo há um código a ser respeitado, para que a soma dos movimentos narrativos e estéticos conduzam ao mais profundo possível. No fim, diz Abe, é importante que a pessoa não tenha nenhum distúrbio. Não pretendo lidar com problemas psicológicos das pessoas, finaliza. E para garantir isso, o que é sempre um risco, quando se trabalha em
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“Primer Readers”, de “the Map is not the Territory”, em fotografia de ayden L.M. Grout.
“todo mundo deveriA ter um. o governo deveriA pAtrociná-lo como AjudA AlimentAr” ”
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enhanced carlness The Map is not the territory
Legend The Thicker the line the slower the tempo Solidity of color follows density of people (blue) and density of nature (green)
acima, o diagrama de “the Map is not the territory�, produzido por abraham Burickson, ayden L.M. Grout e Bjorn stagne ankre. no detalhe, bastidores por ayden L.M.
removal o
of carlness
animal
life in the other side
N W
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profundidade sobre e com o outro, o OW conta com a consultoria de psicoterapeutas. Um processo amplo desses sofre de limites, explica. Desde segurança, orçamento e, sobretudo, quanto às leis. Todavia, está no outro o dilema a ser enfrentado. Há sempre algo mais urgente, importante, rentável. As pessoas não querem enfrentar a elas mesmas de forma real. O Odyssey Works está longe de produzir experiências para desviar o homem do incômodo, trazer alívios, entretenimento, diversão. Centralizam suas ações como meios de colocar em alto relevo o material da vida do participante, confrontando a segurança provida pelo ego e identificações com os hábitos comuns do cotidiano. Promovem a ampliação da percepção de modo radical e insuspeito. Sem desvios e fugas. Essa, talvez, seja a potência mais instigante a ser investigada no contemporâneo. A do encontro
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“the sound Bath”, de “the narrative spiral”, em foto de Frederic Grasset.
com a experiência mais radical da poética de si mesmo, descontrolada, aterrorizante, emocionante e, acima de tudo, pessoal. Passar por algo assim modifica o olhar sobre o viver, dizem os depoimento dos que já tiveram para si um odyssey. Assistir participando é ter a dimensão mais próxima da transformação do outro em acontecimento. E é impossível que isso também não modifique igualmente o espectador. Imagine, então, o abismo de reviravoltas dentro dos próprios artistas. Nas palavas dos integrantes, após a realização de um odyssey as sensações se misturam em: Exultante. Exalto. Solitário. Alegre. Aliviado. Perdido. Amei. Certo. Pronto para fazer outro. Pronto para nunca mais fazer outra obra de arte de qual-
quer tipo. Talvez também por isso realizem odysseys para eles mesmos. Vale a pena viajar três mil milhas, ao longo de cinco horas, para experimentar um pedaço específico de música, em um momento específico de dia, em uma sala específica no Canadá? Se for a mais poderosa experiência artística da vida, você não estaria disposto a viajar uma semana, um mês?, pergunta Abe. Certamente, sim. Afinal, o que é a arte, se não o homem perder-se em seu próprio infinito?
vertical
A IM PORTÂNCIA DO TEATRO SER INVIÁVEL por ruy filho
início
EsquEça o tEatro como sErviço o tEatro como mEio
cultura é Então historicamEntE uma rElação
o tEatro como Encontro
É preciso mais
até as rElaçõEs sociais nEcEssitarEm sEr rEconfiguradas
mas para isso é preciso reconhecê-lo arte
a cultura exige reconhecer e seguir regras
mas para isso é preciso diferenciar arte de
e todo reconhecimento assume particularidades
artesanato
toda individualização expõe diferenças
mas para isso é preciso determinar a cultura
por isso os mecanismos determinados
mas para isso é preciso distanciar cultura e natureza
por isso as regras
todo sentido começa na ideia de natureza
assim cultura sE rEfErE ao ExistEntE ao rEdor E Em nós
a cultura também começa nela como derivação etimológica de cultivo
Destina-se à afirmação Do eu
Então fala dE produzir
Disciplina esteticamente o eu
fala dE trabalho
regra o eu
fala dE cuidar
protege o eu cuiDa Do eu
cultura dEnomina originalmEntE uma atividadE
e o Determina
um procEsso matErial
o configura ao outro a si mesmo
até o existir do homem
ao habitar coletivo
mudar do ambiente rural ao urbano
cultivar ganha outros sEntidos como protEgEr
cultura é tudo aquilo quE trata dE dEmonstrar os princípios fundantEs dE uma civilização.
como rElacionar como habitar
se é possível cultivar o campo também é possível cultivar o humano
Então Está na catEgoria da moral do controlE comum da ordEm
cuidar das atividades cuidar do homem e cuidar do entorno habitando a si e ao outro
a naturEza não pErtEncE a Essas catEgorias
produzindo espaços comuns espaços físicos
É necessariamente
espaços simbólicos
amoral
e ideias
impositiva DesorDenaDa
porquE possui sua lógica própria porquE é incapaz dE uma coErência ExtErna
A TéCniCA é, AnTEs, O ArTEsAnATO De um proceDimento
porquE não sE rEaliza pEla acEitação do outro porquE sua construção é inErEntE ao sobrEvivEr porquE não cria por dEsEjo dE traduzir ao comum
a arte é o oposto a poíeses se funda na formulação de linguagens para fins esteticamente conceituais
naturEza E cultura não são as mEsmas coisas cabe ao homem constituir sua própria Cultura fazendo, elaborando,
não lhE sErvE a gEnEralização, mas a invEnção não lhE sErvE o procEdimEnto, mas a ExpEriência
artEsanato E artE não são as mEsmas coisas
reconhecendo, generalizando dE tanto fazEr gEra-sE procEdimEntos ExposiçõEs dE conhEcimEntos EspEcíficos aplicados chamados por técnicas dE tanto aprimorar-sE gEra-sE um sabEr único chamados na orgirgEm por artE E não artE tEknê E não poiétikés
Técnica se desenvolve se produz e multiplica e se realiza como forma reconhecível
sE o artEsanato sErvE aos propósitos da cultura a artE não sErvE a qualquEr propósito sE o artEsanato dimEnsiona a importância cultural a artE não dimEnsiona nEnhuma afirmação
cultura E artE não são as mEsmas coisas
disciplinando a estética a um fim específico
a cultura abriga o cuidar colEtivo protEgE o Eu como idEntificação comum
A técnica não se refere ao criar conceitos
assumE o papEl dE Equalização dE uma rEalidadE EspEcífica
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mas à capacidade em generalizar e
a artE provoca a individualização
reproduzir conhecimentos
dEscEntraliza a idEia dE sujEito
assumE o papEl dE ruído sobrE a rEalidadE rEconhEcívEl O problema está na finalidade da técnica já que toda técnica gera em sua ação um produto sE artE E técnica forEm comprEEndidas iguais
a linguagem só sobrevive como arte se tiver raDicalmente Distante Da tÉcnica o que é impossível, já que toda linguagem se revela pela forma, e toda forma pré-determina a possibilidade de uma técnica
a artE passará à construção dE produtos à manifEstação pEla qual sE EstEtiza um produto
Então é prEciso buscar uma anti-linguagEm à artE criar a partir do paradoxo
a técnica rEsulta Em Estética
sobrE o Existir inErEntE da linguagEm
o produto sE rEconhEcE pEla EspEcificidadE Estética
toda linguagEm ofErEcE uma lEitura
a artE sE valida como linguagEm Estética
toda linguagEm aponta possibilidadEs dE acEsso toda linguagEm impõE-sE como comunicação
Então é preciso diferenciar pela estética como se coloca aquilo que afirma e nega o que produz
o que significa que existe o objeto e aquilo que este comunica
a técnica sE coloca como Estética afirmativa a artE como Estética dE nEgação
cabe à estÉtica afirmativa
agir sobre o objeto não modifica
produzir consenso
a presença da linguagem
portanto reconhecimento imediato
apenas substitui o recurso estético
cabe à estÉtica negativa
afirmativo presente
produzir ruído portanto ausência de reconhecimento coletivo
agir sobre a comunicação interfere
pEla Estética afirmativa gEra-sE produtos pEla Estética nEgativa gEra-sE linguagEm
na dimensão de acesso e expande o recurso estético negativo ao nível de presença
para quE a artE sobrEviva à Estética é fundamEntal quE a linguagEm não sEja mais um produto
é prEciso não comunicar, mas mostrar
não sEja comprEEndida como técnica
é prEciso não dizEr, mas aprEsEntar é prEciso não sEr claro, mas acEssívEl
a artE cuja linguagEm é Estruturada
Em nívEis pEssoais E não colEtivos
sobrE fortE prEsEnça da técnica
Em lEituras abErtas E não dEtErminantEs
é artEsanato, portanto
por objEtos plurais E não EspEcíficos
se a estética é inevitável
cabe ao teatro arte
o objeto é inevitável
gerar a impossibilidade da técnica explícita
a comunicação é inevitável
ainda que a anti-técnica coexista ao residual
a linguagem é inevitável Então age-se sobre o discurso tornando-o indescritível
arte É a experiência inDiviDual para alÉm Dos valores
inerente da presença do objeto cena
cabe ao objeto gerar a impossibilidade do discurso objetivo ainda que o anti-discurso coexista ao residual inerente da presença da comunicação
cabe ao Discurso
culturais cuja experiência
gerar a impossibilidade da comunicação
É impossível De ser
reconhecível ainda que o incomunicável coexista
relataDa e DiviDiDa
ao residual inerente da presença da linguagem
cabe à linguagem
o tEatro não Escapa a nada disso ExistE o tEatro como manifEstação cultural ExistE o tEatro como artEsanato técnico ExistE o tEatro como artE o teatro cultural se realiza na escolha por Demonstrar as manifestações comuns
gerar a impossibilidade da estética afirmativa ainda que a afirmação coexista ao residual inerente da presença do objeto espetáculo
o teatro só atingirá o valor De arte quanDo impossibilitar justificativas CulTurAis, O quE lhE ExigE nEgAr seu próprio existir como estrutura relacional com o espectaDor sua conDição simbólica proDutificaDa à utiliDaDe imeDiata Do observaDor e negar-se como estrutura De realização um espetáculo só se justifica existir no momento em que se tornar inviável a toDo e qualquer outro sentiDo que não apenas o De sua realização
o teatro artesanato se realiza na escolha por apresentar uma mecanismo particular o teatro arte se realiza na escolha por representar a presença De um conceito intangível
nada é mais fundamEntal ao tEatro do quE sEr inviávEl aos discursos dE sEu tEmpo
CONTAMINAçãO
por maria tereza cruz
B
TE(R
BogotĂĄ
A descoberta do ver pela observacĂŁo de andarilho das ruas e palcos
(RR)ATRAL
82
N
unca havia tomado contato
preâmbulo se faz necessário, porque a produção
com a produção artística co-
artística diz muito sobre uma sociedade.
lombiana. Sei que o sombrero
No simpático bairro histórico da Candelária,
é patrimônio cultural do país,
salas, casarões, palcos, espaços e praças, um
dois importantes ritmos são o
bem perto do outro, te convidam para o mesmo:
Vallenato e Vaqueria, e bailam
conhecer um pouquinho da história daqueles que
a Cumbia e muita Salsa.
passaram por ali antes de você e experimentar a
Do aspecto político, é um país que, até muito
produção cultural local. Dois são os festivais pela
pouco tempo, vivia uma guerra civil em que o
capital colombiana em abril: o Festival Ibero-
Estado mostrava sua total ineficiência diante do
-Americano de Teatro de Bogotá, que abre espa-
narcotráfico, que mandava e desmandava. Não
ço para grupos de dezenas de países – o Brasil le-
te parece familiar? Não, não. Não estamos no
vou seis representantes: todas as apresentações
Brasil, estamos na Colômbia.
com ingressos esgotados –, e o Festival Alterna-
Na capital, os muros estão cobertos de grafi-
tivo de Teatro, voltado para trabalhos latino-
tes e frases que emanam luta. Alguns contam um
-americanos que ficam fora do circuito principal,
pouco do gozo que pode gerar a liberdade. Esse
mas que tem qualidade equiparada. Para minha
Na página anterior, a fachada do teatro municipal com a programação do festival. No recorte abaixo, em preto e branco, o teatro de arena da universidade Distrital de artes de Bogotá. Nesta imagem, o flagra de um muro no centro da capital. todas as fotos são de maria teresa cruz.
surpresa, na programação, um grupo de teatro
Parra “Ofelia o la madre
cubano (!). A arte tem o potencial de derrubar
muerta”, uma espécie de Hamlet femi-
muros, por mais altos que possam parecer.
nino. Curioso notar que, com algumas diferenças
As duas mostras acontecem paralelamente
devido a formação cultural, o tipo de pesquisa
e dialogam, já que ambas focam a produção
se assemelha muito com o que se vê no dito te-
contemporânea do teatro. Isso está longe de
atro contemporâneo por aí, inclusive no Brasil.
significar que você encontrará apenas vanguar-
Essa peça aconteceu no teatro La Candelária,
das das artes. Pelo contrário: algumas peças
algo como a Praça Roosevelt de Bogotá. Os fes-
são bastante tradicionais. Na verdade, uma das
tivais estavam realmente espelhados por todos
mais belas características do festival é essa: é
os espaços possíveis. Os convencionais e os nem
possível encontrar na programação uma gama
tanto. Mais de uma Antígona, alguns textos polí-
de trabalhos para todos os gostos e bolsos.
ticos, performances e muitos trabalhos que fler-
Eu, por exemplo, tive contato com o trabalho
tam com o conceito de dança-teatro. No meio da
de um grupo da cidade de Cartagena: Teatro Tal-
tarde, entre as apresentações mais badaladas no
ler Atahualpa. O coletivo existe há quase 20 anos
Teatro Municipal Jorge Eliecer Gaitán, em uma
e estava com o trabalho de Marco Antonio de La
das principais avenidas, por volta das 15h, um
No detalhes em preto e branco, cartaz no centro cultural de Bogotá, na candelária. Nesta imagem, mais um muro da cidade.
grupo de jazz colombiano se apresenta gra-
Há uma praça na charmosa Candelária chama-
tuitamente, enquanto as pessoas aguardam as
da Chorro de Quevedo. Em uma das tardes, esta-
peças mais esperadas do festival.
va sentada esperando o por do sol e tomando uma
Do outro lado da cidade, na zona norte, na Casa
cerveja. De repente, fui surpreendida por um ator
Ensamble, mini montagens em algum idioma do
que, informalmente avisou que ali, a partir da-
velho mundo eram entrecortadas por um combo
quele momento, aconteceria uma encenação. Em
de músicos brasileiros. Os gringos piram. Mesmo.
poucos minutos, jovens, crianças, velhos, casais
Festivais de teatro como esses dão, durante
– e até os cães – começam a se aproximar. As apre-
o período em que acontecem, a oportunidade
sentações entram noite adentro e tornam práti-
de transformar a cidade em um grande palco.
cos os conceitos filosóficos do livre arbítrio e da
Me arrisco a dizer que modifica até mesmo a
relação entre significante e significado. No fundo,
relação do indivíduo com a cidade. A ocupa-
o teatro que você acredita pode não ser o mes-
ção dos espaços, muitas vezes em ações que
mo para quem está ao seu lado. Isso na praça e
nem se pretendem tão modificadoras, mas
nas minhas andanças ficou muito evidente. É algo
que são sim capazes de transformar o instan-
como uma profissão de fé. A parte interessante da
te daquele que passa, como em toda grande
Bogotá Te(rr)atral é que as linguagens (e as pos-
cidade – como São Paulo, como Bogotá – com
sibilidades) são múltiplas. E o conceito de bom e
muita pressa e sem enxergar o que acontece a
ruim depende muito mais das suas escolhas do
volta. Respirar. Contemplar. É quase um con-
que meramente daquilo que se oferece.
vite ao reencontro com a vida, que pulsa com
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a arte durante o período.
Vida longa aos festivais. Mas esse, agora, só em 2016.
FOtO LiNA SuMizONO
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+
informações
capa
Antônio
ArAújo A tripla potência de um artista único por
ruy filho
fotos
patrícia
cividanes
E
ra para ser um dia como outro qualquer, se não resolvesse procurá-lo na USP. Não sabia exatamente o horário, sala, nada, apenas conhecia seu rosto. Não sabia como me receberia e ao meu pedido. Mas o que é a vida sem um pouco de risco? O sol forte da tarde aumentava a sensação das horas demorarem, quase como um teste para desistência. Vida de estudante não é simples. E eu era um. A água sorvia pelo bebedouro, o almoço teria de esperar mais, ou como ocorreu, juntar-se à janta. E eu ali, aguardando. Apenas isso mesmo, sem ter muita certeza do que fazia. Até vê-lo surgir. Apresentei-me. Conversamos nem dois minutos, dando conta de minha timidez. Venha quando as aulas começarem, você fica como ouvinte. Aceitei. Fui. Voltei por um ano, acompanhando,
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. na ECA Teatral o ã ç e e Dir o esp o curso di muit n l, e e r ív p s a s po mpre inte, ida do uase se eci ouv q n , a s o m r r na med t e ià con s, p tros en trora fu s amigo . Os ou . Se ou Fiz bon z im e o v m e a e r r d cont i a ca te sob a e en inutos t m cialmen is t r m a d a r nto o o do , ganha surgime m tant o u r casuais a r a a c is s p u dem ses ma idade b . E nes s se fun s o ê b univers r t m a , e pemim or, hoje é para s curtas o la j a ú f a profess , r s ato are io A ue de f es e olh r. Antôn versa q curado esbarrõ n e o r or c t lh n a e e ltava tir m anos, ria exis eias, fa de dez e id d o o e p a d Não rutur d trocas QG est contro. n o e quenas n l , a li e r r ina a e. A aria ao de term que ess is o o d nos lev p s e o b tamos tos d to a am lo, sen momen u , a P m u momen o c ã IT-E de S , eleo do C Teatro -artista e le d e l no porã r, a o se cion eu-edit ersamo Interna -aluno, s, conv u o Mostra e t n , u a t J e o d sse ícia. eu-artis m pouc r e Patr u o d É todos: a . r s u a -c zer de ivers sor, ele m o pra rmas d e o t f + -profes e o d r t os a An todos. ontram dição d itura a e le a a o nos enc im b c m é a dé os e em mã e, que er. Que instant . Cafés óprio s r a r p o g o a ta me in com ividir pergun meçar A o poder d ? c o a o m ã s rio o me el n necessá o em si Impossív io ic e t r íp c r l t a o m cada a qu revelad prias e o artist ó r á p t aquele s s e a la rístic az copois ne co se f caracte ífi i c u s e s p quieta, o s mo ir e Tó p ssim co m exist empo. arte, a tudo, u nosso t n a o u C osS n . . s uma sobre s face asivos er cada uma da v s in o m s ç e e cort trodu ã o risco uma in tas de le mum: m p e e r c e er las, são ões, of suas au omodaç c a e s teza sas cer
io t么n an a煤jo e a ar rant o du ita n m, de vis -Ecu nos cIT , me 贸s o nto Sp h ap ame 48 cerr sp. en MIT da
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inquieta e radicalmente particular sobre o mundo, o homem, a linguagem e a arte. É exatamente esse homem inquieto e um tanto quanto inconformado que produz o professor e o artista. Ambos surgem mais como consequências do que como vernizes de proteção. O filósofo analítico americano Willard Quine explica que, quando as forças do mundo afetam as superfícies das pessoas e elas respondem criando marcas próprias para o registro de suas concepções sobre os acontecimentos, então as pessoas criam ruídos capazes de registrarem o conjunto das subjetividades que constroem o real. Tó, por sua vez, vai além do ruídos controlados. Confere por suas realizações um estado inominável ao aluno/espectador, cujas marcas interferem em suas subjetividades. Assim como se expõe sem a proteção formalista das funções e cargos, requer abertura e desprendimento, ao ponto de exigir igualmente um estado de risco. E não é isso o mais profundo que se quer de um artista? Professor e artista se fundem no reconhecimento do outro como cumplicidade ao risco. Não se trata de oferecer segurança ou solução, visto que ambas implicariam em uma postura de detenção da verdade. E, voltando para Quine, qualquer verdade aceita seria, ao fim, parte de uma nova história total acerca das coisas, e, certamente, rejeitada se a experiência fosse diferente. Quando se assiste um espetáculo, seja teatro ou ópera, criado com a presença de Tó – já que trabalha em colaboração a outros artistas -, tem-se a sensação de abandono pela pouca ou nenhuma disposição ao didatismo. É essa solidão, paradoxalmente, a responsável por levar à cumplicidade do instante, o reconhecimento da própria solidão pela desconfiança das verdades evidentes e que poderiam ser companhias ao homem e servir ao artista. Esse movimento de desconfiança que igualmente nos toma requer também escolhas daquilo admitido como discurso nas experiências. Professor e artista, então, subvertem a fuga pela
qual nos p rotegemos, pois, quan a teia com to mais re um de cre jeitamos n ç as, mais d domínio so ifícil é ma bre o que ntermos aceitamos. minado po Processo e r Quine po sse denor Máxima Conclui-se de Mínima ser o proc M utilação. esso de co maior do q nvívio com ue com o o homem artista e p dobrados rofessor. A como artif m b o s, desícios de e íntimo do ncontro p outro. Afin ossíveis ao a l, há um tan desafiando to do pro o aluno n fessor a maneira culos dest como seu roçam as s e sp aparência etáespectado s da realid res; assim ade para o c o s m o moral da muito da arte no m contraven o ç d ã o o c omo o pro certezas p fessor inva ré-program de as adas dos a mais urge lunos. E nã nte ao con o é isso o temporân Trata-se d eo? e exigir alg o mais, de como mec conjugar o anismo de desejo exigência Para o filó a o saber e q sofo inglês uerer. B e rnard Willi seja arrem ams, a me essado ad n o s que ia nte pelo im projeto e pulso do d interesse, e se não seria jo, deveria pro claro por sseguir. Pre que algué m c is a -se, por c vrar-se da onseguinte utilização , c li o m um do Eu to, trabalh como argu á-lo por n m e n o vas orienta como um ções, assu inevitável mindo acúmulo ru truído pela mo ao futu s combina ro consções de am planos e e bições, esp sforços, a erança, firma Willi não se re ams. Entã aliza nec o , o teatro essariame ficcionista nte como de discurs e x posição os provido distanciad s pela ob a. Requer se rvação o assumir ambicioso do Eu com de desface o p rojeto lamento d tro Eu, en a realidad tão. Possív e. Um oue l a penas aos Deste mod moldes cu o, a arte lturais. pode se o quência e ferecer co experiênc m o conseia, ou rec explicativ usar e se o, figurati li m it ar ao vo e didati Quando se smo. assiste, a c ompanha alguns esp e convive etáculos d com o Teatro d nhia dirig a Vertigem ida por A , c o m n patônio Araú estética e jo, as exp relacional e ri ê n cias são determ ao destroç inantes. A amento d ssiste-se o E u configurad nadas dom o por dete inações cu rmilturais. O espetáculo o especta dor como invade experiênc ia real. J McDowell, ohn filósofo su l-africano , explica
1 34
extremos
o teatro como entre a presenรงa
e a realidade
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onalidades, de diversas naci s ta tis ar m co alhar ir orienia do fato trab e 1 francês, dirig que a experiênc ileiros, 5 belgas em as a br id 2 es ed o m nd se na razão a obra em 2 mes o processo o em si de uma ioma, gerar um id çã o ia tr cr a ou ta em ili o pa ib ram anos ra rcep- tand como fato poss espetáculos leva à consciência pe ns o gu st al ife , an em m ig do rt an (no Ve ução, mais para julgar, torn quema de prod servacional, cones ob o tr ízo ou ju , s) um do a ntido ativas. serem cria tual e dando se s empíricas, os flexível a tent objetivo e men tema de crença l, sis na um io ta. ss a ofi te nc pr en e. Essa errado é co re sequentem chance de dar nectar à realidad a co e se qu a a to rm de en afi am há rizante, McDo- Tó levando o pens safiador e aterro de ativo, continua e to qu en a am nd ns ai pe a, Todavi ard Williaé a capacidade do para todos. Bern a ar juízos observaul bo rm ia fo nc de riê os pe ei rm que r uma ex well, a de envolve ver restrições no o, os espe- se que o fato de ha rienciais. Por iss pe ta er ex s al s na falno o os s nã ad m ador a cionais. E cionais base geram no espect o que nos faz ra é m r ge ze rti fa Ve os mda m te ro de , cultura ento po táculo do Teat ojeto, de língua, de um acontecim pr ão ao s aç õe cip riç rti st pa o, seguindo o tam re sensação real de que for, fica clar ao público com o m ja ca lo Se co .. a. se ur o r. Nã , estrut ente o maior e singula ver-se-á novam ssitadas de po periências nece do filósofo, que ex to as en m m , gu es risco ar çõ jo o iza cu tudo, ecioso, meras real de um artista pr ção de juízos. E ce iva fa at o o m m co co s em to m tiv la ho ão cria a. seus pensamen ursos, ocorrem pe mais a própria aç e sc di so e ur as sc ei di id o r os po o é men nsciência de antes de validad . Ürick Beck, a co ão aç go rv lo se ció ob so la o pe o ívio Segund izada em instância do conv de cultural enra Eus são sube uma sensibilida de como nossos ng ra to xiui ab m co o ris ss o ni Se há coloca odernizaçã refle ras, agora Tó se vidualização e m di ltu in cu de as o ss so o, no es r nt oc co, porta e des- pr produzidos po consciente de ris do sconhecimento ta de es lo no pe as co en po ris - va. Ap denomina r novamente em espetáculo auto sobre o que ele r um ua r at ia rá cr ui a eg o ns ad nvid artista co indivíduos cobrimento. Co as, integrante undo em que os el m ux Br um : de co l ris na de todade tre Natio os básicos de au Festival socie ral para o Théâ gociar seus term com estreia no ne e, a èn os Sc ad l. en rç s cia fo so o lle rtinência primei- sã do projeto Vi ado cultural e pe fic portantes, pela ni im sig s ai e, m ad o s ei tid do m o -iden real por d’Avignon, um debatem com o s condições, com s va oa no ss a pe e as nt fre ue rq Isso po ra vez se vê
Tó ir para a Bélgica, , afirma. Ao segu co ris do lo re lcu ab cá , do sume o risco minho oposto. As ca o te en am at ina faz ex é contam lturais enquanto cu s de ida cil fa as ida mão de su ncia a ser oferec cerçando a experiê Es. co do por outras, ali ris ciedade de ao confronto à so e nt ne rti à pe o lor m va co guração de o risco como confi o, nt rta po a, ar canc bretudo ao criador. criação, e mais, so iro a ser convidado é o primeiro brasile à Salvo engano, Tó nstância. Deve-se táculo em tal circu ge fo o para criar um espe seu utilitarism linguagem na qual qualidade de uma car as experiênmados à produtifi tu os ac os m ta Es cia à regra. termina a relevân do sua utilidade de aà or ad cias artistas, quan ct pe uma es a é a conclusão de ro Liv O ao convívio. Clássic ntação de as (durante aprese or nh se s ba am rti , Ve outra iada pelo trilogia bíblica cr da ça pe a nd gu se de Jó, do disse: um hospital), quan de ior er int no da nogem, realiza rgão, a expressão ? Hoje, além de ja e. cif Re satisfeita, Yolanda teatrais no e site de críticas nt sa es er int um ut meia ise sobre o ili ica em sua anál pl ex s no s m ra ia Will ribuiu, de manei , que ele nos at pontarismo moderno nomina por “res a forma qual de agir em implausível, um cassamos a”, sempre que fra tiv ga ne e ad lid m bi sa gerais do unar as condições iço fe er ap a ra ei de man m e Antônio balhos do Vertige tra os ue rq po z, do do. Talve içoações do mun busca de aperfe e qu é l Araújo fujam da ia experienc s à sua exposição ai m se ond lta vo a. a ser reconhecid sua utilidade pass rais capazes experiências teat as to fa de o sã s aQuanta singulares ao pens como experiências ra pa s de desdobrar-se vo constituir no tas dão conta de an Qu ? ivo at su to o en m m ndimento co além de seu ente ra pa , Eu ao de as digm logia do po r ravés de sua socio at , ieu ud Bo rre tre jeito? Pie ta das relações en onde. A teoria tra am ir ag simbólico, nos resp iso o é prec social e ação. Entã ra tu tru es , os ra s do ltu cu is. Para ele, to s culturais e socia pliando as relaçõe interesses ecorais corporificam ltu cu s ica át pr e mo símbolos , a cultura age co o da cultura. Assim o, çã ula nômicos ao domíni um cas de ac com leis específi lo pe r, se forma de capital, , ver-se-á la lógica proposta Pe io. cíc er ex e íci troca caminho prop o ens distintas, o ag gu lin m co o convívi
a única utilidade
verdadeira é a sustenta pela
experiência poética
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espetáculos
“a crise gerou
mais formalista e
acima do bem e do mal”
para desestabilizações e ampliações da capacidade de criação de juízos sobre a realidade, como propôs McDowell. De um lado, Tó vivencia exatamente esse movimento. Mas, como nunca lhe basta ser apenas artista, eis que 2014 revela, junto à parceria com Guilerme Marques, a pertinência de um olhar amplo também sobre a produção contemporânea. A primeira Mostra Internacional de Teatro de São Paulo reuniu muito da produção não-comercial comumente denominada por experimental (por falta de nome melhor). Trouxe alguns dos nomes mais importantes da atualidade, associando apresentação de espetáculos, massa crítica e encontros com artistas, em uma oferta de ideias, conceitos, visões de mundo, linguagens, técnicas e estéticas. Tó afirma que, de algum modo, a crise estabelecida mundo afora nos últimos anos, gera trabalhos mais formalistas acima do bem e do mal. O aspecto não-comercial existe mesmo nos grande nomes, pela construção de trabalhos cujos valores e experiências não oferecem ao espectador uma confirmação daquilo que lhes confortaria. São, a priori, experiências ao indizível e ao silêncio. Ao apresentá-los conjuntamente, novamente se coloca em risco, ao oferecer sua própria experiência como parâmetro das relevâncias. Essa é uma das premissas de qualquer curadoria. No entanto, aquilo que poderia lhe ser o mais simples é descartado e a curadoria não afirma a estética
e pesquisa do próprio Tó como a artista são rtista. Entã distintos. o, curador Tampouco urgência da Mostra como acontecique os esc e se liga ao pro olhidos pre fe e ss n o c r, h mento, principalmente aos jovens. e já possibilida m uma ga ma tão ec des, ao p lé o n ti to c a de se con Agora imagine uma geração que, dude marem co tradizerem ncomitante e reafirmente. rante anos, assistirá dez ou mais granComo esc olhas sem pre partic des diretores e companhias, cada qual criticá-las ularizam é quase as decisõ uma varia e oferecendo experiências únicas! Só por s, após os fe ção óbvia stivais org . Muitos a n iz a a n d os os por Ruth isso, a MIT já seria suficiente. Mas eles ração de a rtistas e e Escobar, u spectadore ma gede se espe decidiram ir além. s retomam rar avalia a rotina. E ções de to ra ansiedade Era noite, e o Teatro da Vertigem prod os os lado de cada u s. Faz part m. Contud e d pela qual a jetava em uma parede da Praça das Aro, a mane alguns se ira destru c o lo c ti a v ra avaliaçõe a tes, no centro de São Paulo, seus espetám leva a p s são semp ensar por re tão pro que as e pouco p culos. Ali, Tó me explica que precisariam fu n damente ropositiva amargura s por aqui. d a tões e exp s de mais. E reuniu-se uma série de pessoas Tó compre lica ser pre ende as q ciso temp u e spe e ente para construir uma elaborada coleção de o para form nder a din ar uma eq âmica rea u isso parec ireflexões. Criamos críticas, resenhas, conl e os pro e evidente blemas. C a qualque omo versas... Para Tó, a satisfação maior era ver r um, o to m destruti vo o quanto o público estava ávido também por dos radicalmente contrários surge menos por descoisso. Pessoas lendo as críticas impressas nas nhecimento e mais como a face atual de um brasileiro filas, passando os papéis de mãos em mãos, cada vez mais incrédulo, imagino. Também a recorrenconversando e opinando sobre as ideias cote comparação da Mostra com os festivais de cinema locadas. Esse movimento de pensamento e revela o quanto, até mesmo artistas, estão distanciados troca, como identifica, dialoga novamente de uma relação não-produtificada em escala. A dimencom aquele primeiro Tó encontrado na USP. são industrial do cinema possibilita recursos técnicos e Para Randall Collins, sociólogo americafinanceiros que o artesanato presencial do teatro não no, os rituais de interação ocorrem em quacomporta, mesmo com a aproximação da MIT de uma tro movimentos: co-presença, distinção de rede de festivais e curadores. Não reconhecer a dinâparticipantes, dedicação da atenção ao obmica dessa diferença amplia o desconhecimento dos jeto conscientemente, e compartilhamento críticos da práxis, até com certa ingenuidade incomprede uma experiência emocional. Seguindo ensível. O teatro possui questões próprias, coloca Tó. tal estrutura, a MITsp ritualizou a interação Evidente. Mas parece que alguns que tanto questionam entre artista e público, cidade e arte, exse esqueceram delas ou se acostumaram aos produtos periência e reflexão. Fruto de uma busca encomendados e de fácil digestão e distribuição. intelectual inquieta, para além de toda sua A reunião de nomes consagrados como Romeo Casconcretização prática. Diz Collins, ainda, tellucci e não, MPTA, por exemplos, criou uma ambiênque a força animadora da vida intelectual é cia de curiosidade sobre as duas pontas, apresentando o conflito, seja de ideias, pontos de vistas, surpresas marcantes e o tom de acerto da curadoria. A recursos intelectuais, seja pelo controle do soma das experiências redimensiona aos artistas locais espaço de atenção. Mas atentar-se a quê, as possibilidades do fazer teatral e recupera o instinto afinal, em um mundo tão poluído de possipela independência e autoria, até então adormecido. bilidades? Através de Tó descobrimos ser o Se a quantidade de público surpreendeu até mesmo a mais valioso ao artista o viver ininterruptaorganização, e esse era um risco fundamental a ser asmente em estado de inquietude e se arrissumido, a mistura e ecletismo revelou a importância e car querer. Simples assim.
“é desafiador e aterrorizante
criar fora daqui rola uma adrenalina boa”
outros tempos por ruy filho
O ESTADO DO GOLPE Reis, rainhas, príncipes. Tronos. E o povo. Lados opostos. Protegidos nos castelos do arquiteto japonês. O restante, seduzido pelo artista plástico americano. Tudo ia bem. Até surgir o teatro escondido no campo de refugiados.
o
momento estabelecia urgência. Preparar as circunstâncias e recuperar o controle e permanência no poder. Ou o sério risco de desabar, mesmo após duas gerações no trono. As coisas não seguiam bem. A população inquieta iniciava um desvio, os grupos mais próximos ao palácio cochichavam pelos corredores e vielas, a imprensa se descontrolara e resolvera manifestar opiniões próprias. O império estava a um passo de ruir. Parecia mesmo não haver solução. Não tão imediata, quanto era preciso. A rainha, desgastada e distante da popularidade de outrora, era pressionada para passar a coroa. O homem, que sempre se mantivera ao seu lado, exibia a vontade de subir o degrau mais alto. E muitos gostariam de vê-lo ali. Ele também, cumprindo o retorno, tal qual a promessa feita à nação, desde muito cedo. Era o jus-
to, gritavam alguns. Contudo, a força e a maneira pela qual se impôs, subornando nobres e camponeses, levaram parte do seu império ao medo e terror. Sempre se importou, e nunca vira nada ao redor, dizia. As roubalheiras, as intervenções... Mantinha-se, ao seu modo, popularesco, enquanto, na verdade, cultivava o sangue azul, certo de seu destino. Tê-lo no trono, a história comprovaria, seria maior ainda ao erro de um dia predestiná-lo ao cargo máximo. Ficasse como filho rebelde, que fosse. Não. Queria o máximo. E, a rainha, envelhecida em argumentos e atrapalhadas, só poderia aceitar a derrota e ceder. Não o fez. Morreu antes. E o homem chegara ao trono definitivo. Agora, o imprevisível se revelava a moeda real. As festas de sua consagração reuniam reis de toda sorte. O imenso banquete incluía a presença de esportistas, políticos, artis-
Na página anterior, montagem com fotos do Príncipe Charles, Príncipe William e a Princesa Kate. Nesta, imagens do campo de refugiados em Zaatari na Jordânia, após a apresentação de rei lear. Acima, uma das casas com intervenção de Tyree Guyton, em Detroit.
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tas. A carne servida mal passada, meio às pressas, sem tanto trato e acabamento, preparada por um dos bastardos, revelava o pretexto. Excluídos do salão principal, o povo, desconfiado e descontente, era mantido como uma espécie de gado, conduzido a um lado e outro da pátria estábulo, sem conhecimento, sem clareza, sem possibilidade de futuro. O rei estava mais para bobo. Era preciso reagir. Arranque-o como puder, disse a princesa ao marido, esse trono é seu por direito, seu pai inútil nunca o fez por merecer. O jovem príncipe, exemplo de bom moço, soldado humanista, preencheu-se, assim como Macbeth, parente distante na linhagem real, com as palavras de incentivo e desafio. A esposa, mãe recente, saia das casas
comuns e desejava ser também rainha. Cresceu ouvindo sobre princesas e príncipes encantados e avistando pela pequena janela de seu quarto a opulência do Palácio Central. Foram dias nervosos. Ninguém sabia como costurar o enredo para que a traição familiar ocorresse. Foi escutando as palavras ditas por um grupo de atores no Almeida Theater, que a solução chegou. Diga-lhe que o príncipe William deseja com ele compartilhar o chá da tarde amanhã, ordenou ao estabanado e um tanto inútil marqueteiro do espetáculo. Dia perfeito. Nublado, como deveriam ser os bons dias, a Casa de Campo recém reformada e pronta à visita. Mike Bartlett sorveu cada palavra dita por William, ao ponto de esquecer o chá sobre o tabuleiro. De volta ao teatro, ao lado
de Rupert Goold, diretor da companhia, traçaram estratégias e mecanismos para colocarem o golpe em ação. Pouco mais de uma semana depois, a coroa novamente mudava seu assento. Rei William, bradavam os entusiastas. Enquanto, pelas ruas e imprensa, circulavam o manuscrito do dossiê que ficou conhecido por King Charles III. Não basta ocupar o trono, é preciso nos livrarmos deles, disse-lhe a rainha. Era evidente que, sem uma intervenção mais profunda, nada daria certo. Proibir e censurar não trariam seguranças. Era preferível rebater com invencionices retóricas, manipular os dados, os números da economia, do crescimento, das dívidas internas, antes do aparecimento de um novo Robin Hood. Um valentão travestido pela máscara de uma fábula
era o menos necessário. Manter o poder dependia de sustentar a estrutura dos homens que o construiam. Assim, o reino passou a contemplar uma matilha incontável de participantes dispostos a manter a monarquia, desde que mantida suas mamatas. Em épocas de crises, o rei chegara a ter pouco mais de dez conselheiros estratégicos. Agora, servia-se de quase quarenta, e cada um de suas centenas de subalternos. Conquistada a lealdade da máquina pública, bastava agir sobre o povo mais simples. Subsídios, mesadas, auxílios..., mecanismos para aproximação da corte aos mais necessitados. Se caísse o rei, perderiam todos. E, experimentados os sabores fora da pobreza, dificilmente o ex-miserável gostaria de voltar à origem.
Nos telhados dos palacetes babilônicos, o céu permanecia nublado
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As vizinhanças abandonadas mantinham ainda a podridão das áreas sem saneamento e possibilidades de decência. O povo continuava a se lembrar do próprio inferno. Nem as casas melhores, carros, créditos a perder de vista conseguiam apagar o submundo do passado. Resolva, você, gritou o rei para a esposa, me colocou aqui, agora faça alguma coisa, porra. Kate arremessou copos, rasgou cortinas, destruiu vasos. Até se lembrar de uma notícia. Sim, seria perfeito. Não vamos destruir as favelas, mas ocupá-las, tornaremos a memória digna daqueles que lá estiveram, sem precisar fingir que tudo aquilo existiu. O rei ouviu. E como não era muito ligado à arte, respirou fundo e permitiu em silêncio sua guarda pessoal partir ao estrangeiro. Tyree Guyton era um negro de meia idade, risonho e aparentemente feliz pela mera possibilidade de executar seu trabalho. Uma a uma, interferiu sobre as casas abandonadas, saqueadas e destruídas dos subúrbios substituindo pobreza e sujeira por arte. Bolas coloridas, bichos de pelúcias, quadros, molduras, pequenos objetos decorativos, objetos comuns... O que encontrasse levava e distribuída, a partir de uma lógica estética particular. As casas deixaram de ser memórias melancólicas e ocuparam o imaginário dos antigos moradores como histórias importantes e fundamentais ao reino. Agora, a nova classe sentia orgulho de suas misérias. E o rei ganhava mais apreciação do povo aparecendo nas milhares de inaugurações. Fitas vermelhas, discursos políticos, falas de Tyree sobre suas ideias e devaneios, e a música sinfônica sempre comandada pelo jovem maestro Gustavo Dudamel. Tyree voltou à America praticamente ignorado, salvo uma revista e outra sobre arte contemporânea. Suas ações não significavam grandes acontecimentos, enquanto o país buscava sobreviver à crise eco-
nômica. Mais tarde, o corpo do artista foi encontrado soterrado por uma de suas criações. Trabalhava na casa, quando homens atearam fogo. Suas obras sumiam das ruas pela ação da especulação imobiliária e a higienização que se espalhava. Dudamel, ao contrário, retornou recebido aos pontapés. Ativistas dos direitos humanos e outras facções questionavam-lhe a presença nas inaugurações, seu silêncio junto ao rei, sua cumplicidade ao extermínio executado diariamente nas cidades-fantasmas pacificadas. Sou apenas um músico, respondia. O que nada modificava. Do outro do Atlântico, os sobreviventes opositores foram conduzidos aos campos de refugiados de Zaatari, na Jordânia. Com a chegada dos súditos expulsos, o campo logo se tornaria o segundo maior do mundo. Agora, o reino estava salvo das centenas de protestos diários, quebradeiras, ataques aos bancos, aos ônibus. Emoldurado pela fantasia de uma cenografia produzida sobre destroços, enquanto erguia imensas torres de falsos luxos para seus filhos decentes. Fujimoto, o expoente arquiteto, construía refúgios ao simpatizantes do rei, verdadeiros palacetes contemporâneos, remodelando a vida na cidade. Sua procura era pela arquitetura como experiência ao viver, pouco importavam os absurdos reais. Agora, banqueiros e empresários estariam protegidos dos contatos com as pessoas normais. Havia aqueles em baixo e suas ilusões de que um dia subiriam às torres, e os de cima, cada vez mais altos e inalcançáveis. O reino estava seguro, enfim. Não fosse por um único deslize. Sem perceber, o rei enviara ao exílio o homem que deveria ser morto. E isso definiria o futuro de todos. As crianças corriam endiabradas pelas vielas. Tomavam conta dos espaços entre os abrigos improvisados e gritavam convites aos adultos. Era hora de teatro. Nawar Bulbul e sua esposa foram
Montagem com outras intervenções de Tyree Guyton e o edifício planejado pelo arquiteto japonês Sou fujimoto para Montpellier, na frança.
Ao fundo, o campo de Zaatari, segundo maior na atualidade. Coloridas, detalhe do maestro venezuelano Gustavo Dudamel e do cartaz para a estreia de rei Charles iii, em londres.
igualmente expulsos de Londres. Juntos, dirigiam as peças apresentadas por crianças e jovens em Zaatari. Shakespeare, em sua maioria. E, naquela tarde, Rei Lear. Mas com apenas uma pequena mudança, o rei, agora, chamava-se Wil. Dia após dia, a plateia continuava a ir. Para o grupo de jovens artistas improvisados, era a consagração. Contudo, Nawar reparara a crescente presença da juventude inglesa de exilados. Não demorou para as peças servirem de desculpas às reuniões. Durante semanas. Meses. Até o momento preciso. William e Kate, o casal improvisado e representação máxima do oportunismo pelo poder, ainda dormiam, quando o palácio foi invadido pelos excluídos. As torres de Fujimoto se revelaram suficientemente fortes para manter seus donos. Ainda que a monarquia tivesse caído, os donos do poder continuavam protegidos por um sistema perverso
de submissão popular. Não importava mais. O reino deixava de ser a possível capital do mundo. Perdera a chance. Talvez se contentasse com eventos esportivos e shows de subcelebridades superfaturados. Desde o início da dinastia, não se sabia o que era ser terceiro mundo. Aos poucos, as casas-pinturas foram recuperadas por seus antigos proprietários, perdendo seus atributos sublimes. As ruas se sujaram pela lama nunca removida. Os políticos retornaram um a um, protegidos por jogadas judiciárias e legislativas. A era do rei Wil também terminava. Só que ninguém aceitou o poder. Ninguém seria capaz de corrigir o estrago causado por tantas gerações de governantes inconsequentes, desde antes da monarquia. Viveu-se, então, na mais profunda barbárie social e solidão humana. Até o fim dos dias.
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pOnte aérea por Dominik Walther TrADUçãO VErIDIANA MErCATELLI
teatrO cOntempOrâneO na alemanha
desafios estéticos e O
Alemanha
“ Theatertreffen “ em Berlim é uma mostra anual bastante respeitada das melhores produções de teatro da Alemanha, Áustria e Suíça. Acontece todos os anos por cerca de três semanas e é considerada como a vitrine do teatro alemão. Um convite para o Theatertreffen é uma honra para qualquer teatro ou artista. Na cerimônia de abertura do Theatertreffen em 2010, o Secretário de Estado de Assuntos Culturais da Alemanha anunciou com orgulho que os 145 teatros com financiamento público na Alemanha tinham atraído mais de 10 vezes o número de espectadores, assim como o campeonato da primeira liga de futebol alemão no ano anterior. Mas o que parecia uma reafirmação da força e da vitalidade da cena teatral na Alemanha foi também um grito de socorro, porque o cenário do teatro historicamente único da Alemanha está em um processo de queda e com corte de budget pelas últimas duas décadas, seguindo a crença política neoliberal de redução dos gastos públicos. Isso tem um grande efeito para as artes em geral e os teatros, especialmente em cidades menores: a luta de instituições contra a redução do seu financiamento ao ponto em que o trabalho artístico não é mais possível tornou-se um tema comum na imprensa alemã. Mas não é só a redução do financiamento público que desafia os teatros e seus artistas na Alemanha: parece que nos últimos dez anos, as inovações das produções teatrais não foram feitas pelas instituições grandes e bem conhecidas (e fortemente financiadas). Portanto, o que acontece
organizacionais na Alemanha não é só uma mudança dramática nas condições de produção do teatro e de seus artistas, mas também uma mudança estética e organizacional de grandes proporções. O “artista pobre” é um tema comum e, infelizmente, a realidade de uma grande parte dos praticantes de teatro alemão. Ainda que esses artistas recebam, em geral, uma boa educação, sua renda média pouco ultrapassa a linha da pobreza e é muito recorrente que eles tenham trabalhos não-artísticos para assegurar níveis mínimos de vida. Essas mudanças não são apenas causadas pelas mudanças nos gastos públicos, como também pelas escolhas dos artistas. O teatro independente, que geralmente é pouco financiado e tem poucas conexões com os teatros grandes, tornou-se cada vez mais significativo. Muitos artistas aceitam uma insegurança financeira em nome de uma maior liberdade artística. Porque apesar de ainda ser financeiramente seguro trabalhar para um teatro com amparo público na Alemanha, as inovações estéticas não foram feitas dentro dessas instituições recentemente. E os artistas de teatro seguem (talvez se antecipam) a condição de trabalho de muitos trabalhadores criativos, como na indústria de “Start-up” e da internet, onde é comum a perda da situação tradicional empregador-empregado e um aumento na flexibilidade e mobilidade. Quando em 2005 o “Podewil”, um dos poucos teatros que apresentou obras entre os gêneros tradicionais de dança, teatro, performance, música e videoarte foi fechado em Berlim, pa-
rece que a cidade perdeu seu lugar como centro do teatro alemão. Durante décadas, as mais de 60 casas e muitos outros espaços de performance na capital receberam financiamento público integral ou parcial e inspiraram uma cena rica e experimental de teatro na Alemanha. Mas em 2005, apenas alguns pequenos teatros não-tradicionais, que apresentavam obras fora do teatro ilusionista tradicional, permaneceram. Mas a mudança aconteceu rapidamente. Sete anos mais tarde, o “HAU Berlin” foi eleito o “Teatro do Ano” com um programa baseado em artistas e cooperações internacionais, com uma cena vívida de grupos livres de teatro, dentro e fora da cidade. O perfil programático do HAU foi muito além dos limites do que era tradicionalmente considerado teatro. “HAU” ainda parecia, para muitos, mais um exemplo do declínio do teatro alemão, quando três teatros conhecidos e famosos foram combinados em uma estrutura organizacional - com muito menos recursos. “Hebbel Theater”, o famoso “Theater am Halleschen Ufer” – pátria do “Schaubühne”, que tinha sido um dos grupos de teatro alemão mais influentes nos anos 70 e 80, e o “Theater am Ufer”, especializado em Teatro do Leste Europeu, tornou-se “HAU - Hebbel am Ufer”. Mas sob a curadoria genial de Matthias Lilienthal, um dos dramaturgos mais inovadoras na década de 90, o novo “HAU” logo se tornou em um espaço não só para o teatro (experimental), mas para discussões acadêmicas e artísticas, concertos, performances etc. Grandes produções não foram mais financiadas
10.253,10 km são paulo > berlim
pelo teatro sozinho - devido à falta de patrocínio - mas dentro de uma rede de instituições e artistas de diversas cidades européias. Surgiu, então, uma rede transeuropéia de espaços de performance e artistas, muitas vezes com conexões com a Ásia, América do Norte e do Sul, com novas abordagens estéticas. As mudanças estéticas do teatro contemporâneo na Alemanha seguem em três eixos principais. Primeiro, há a experimentação técnica com o uso de vídeo e internet no palco: transmissões ao vivo de processos teatrais e o uso do vídeo como outro meio de contar histórias. Segundo: um processo de politização se torna visível, pautas políticas são escritas (de novo) e muitos teatros concebem o seu trabalho explicitamente como político. Terceiro: um processo contínuo de experimentação desafiando as disciplinas tradicionais das artes e suas relações, como dança, cinema, música, arte performática, concerto, discussão acadêmica etc. Um exemplo famoso deste trabalho foi o evento espetacular “Ausländer raus!” (Estrangeiros, para fora!) de Christoph Schlingensief, no qual foi adotado o formato do Big Brother, com contêiner numa praça central em Viena, em que habitavam pessoas que solicitaram asilo na Áustria. Um refugiado era votado para sair do contêiner a cada dia e, depois, era deportado para fora do país imediatamente. Este evento recebeu uma cobertura de mídia enorme e Schlingensief, engenhosamente, fez desta atenção uma parte do evento em si. Não ficou claro até o final que parte foi “encenada” e o que era “verdade”. Hoje, muitos grupos de teatro trabalham com incertezas semelhantes: Rene Pollesch, com seu teatro histérico com gritos de alta velocidade, She She Pop e Gob Squad com material autobiográfico que se torna texto e material do seu teatro. “realidade”
tornou-se o foco no trabalho de muitos artistas de teatro contemporâneo. O teatro documentário bem conhecido do grupo “Rimini Protokoll”, em que os eventos “normais” (como uma reunião anual geral de uma empresa como Daimler Benz) ou pessoas “normais” (como um grupo de empresários da Nigéria) tornam-se sujeitos e produtores ao mesmo tempo em um contexto teatral. Outro nome importante e atual nesta lista é Milo rau e suas produções teatrais de reconstituição. Eventos históricos, como o julgamento sobre o genocídio em ruanda, ou o julgamento dos ativistas da “Pussy Riot”, em Moscou, estão sendo encenados em seus países e no exterior, muitas vezes com reações fortes na política e na mídia. O teatro contemporâneo na Alemanha está se esforçando de maneira cada vez mais bem-sucedida para ser novamente uma parte controversa, por vezes vital, na sociedade alemã. Tentar atrair um público mais jovem, formar ou influenciar a opinião pública e os discursos, é uma boa maneira de renovar-se (mais u m a vez). Com desafios aos fundamentos organizacionais, às técnicas e às estéticas, o teatro se torna uma forma de arte apropriada para o século 21.
Dominik Walther é alemão e trabalhou como assistente de pesquisa no “Centro de artes Cênicas e estética” na Universidade livre de Berlim e como Gestor Cultural por muitos anos. ele é co-fundador da “Performer Stammtisch” (www.performerstammtisch. de), uma rede alemã de artistas performáticos.
FOTO rONALDO DIMEr
apresenta
por acaso, navalha
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informações
foto.palco
“A Sagração Da Primavera”, do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, 2009.
J
Jardim lígia
E suas versões dos instantes através da observação pelas lentes
Georgette Fadel em “Rainha(S)”, com direção Cibele Forjaz, 2009. À esquerda, Luciana Paes em “Ficção”, com direção de Leonardo Moreira (Cia Hiato), de 2012.
“a
direção de um espetáculo é a forma que o encenador vê o mundo. Por isso os espetáculos carregam sua identidade, suas digitais impressas nele. O mais inocente olhar seria capaz de distinguir uma obra de Antunes Filho ou Zé Celso. Mas o teatro é a arte do efêmero, o que torna o trabalho do fotógrafo de teatro a eternização desse efêmero. E o trabalho do fotógrafo também é sua visão de mundo e também carrega suas digitais. Próprias. Particulares. Peculiares. Lígia Jardim é encenadora da própria obra e como um diretor também revela, através do seu olhar apurado, sua versão da história, oferece ao público e aos que virão depois de nós, a visão caleidoscópica do que é e o que foi o teatro de algumas gerações. Lígia capta algumas belezas que escapam aos olhos nus. Destrincha a obra em quadros menores da grande tela do palco e os faz tornarem-se outras obras porque a sensibilidade de um artista encontrou-se com a sensibilidade de outro, como um brinquedo que se quebra e dos seus pedaços se fazem outros brinquedos até mais interessantes que o original. Lígia é uma garimpeira que gosta de fotografar “pedaços”. Fotografa o abstrato, a respiração de um ator, a ação suspensa, o objeto esquecido de propósito e lapida-os de forma extraordinária tornando sua obra única. “
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NeLSoN BASkeRviLLe
“Luis Antonio Gabriela”, de Nelson Baskerville, 2012
Domingos Montagner e Fernando Sampaio em “A La Carte”, com direção Leris Colombiani (Grupo La Mínima), 2007.
À esquerda, Thais Medeiros e Pedro Guilherme em “As estrelas Cadentes Do Meu Céu São Feitas De Bombas Do Inimigo”, da Cia Provisório Definitivo (Direção Nelson Baskerville), 2012 Acima, “A Serpente no Jardim”, com Cristina Cavalcanti e Lavinia Pannunzio e direção Alex Tenório 2010.
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kazuo ohno em “Admirando La Argentina”, 1997.
Andrea Tedesco e Angela Barros em “o Salão De Baile elétrico”, com direção de Cristina Cavalcanti, 2012.
Acima, Pascoal Da Conceição e Luciano Chirolli em “As 3 velhas” com direção de Maria Alice vergueiro, 2010.
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À direita, Mauricio De Barros, virginia Buckowski, Rose de oliveira e Walter Portela em “Cais ou A indiferença Das embarcações”, com direção de kiko Marques (velha Cia), 2012.
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À esquerda, “Donka, Uma Carta A Tchechov”, da Companhia Finzi Pasca e direção Daniele Finzi Pasca, 2011. Nesta página, “Rumo a Cardiff”, com direção de André Garolli, 2004.
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“Nas Rodas do Coração”, com direção de ednaldo Freire (Cia As Graças), 2005.
Briza Menezes, elvis Shelton, Flavio Barollo, Ana Cândido Tardivo, Clóvis Gonçalves em “Brincando Com Fogo”, com direção de Nelson Baskerville, 2012.
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À esquerda, Fredy Allan e Aury Porto em “o idiota”, com direção de Cibele Forjaz, 2011. Lu Brites em “Love N” Blembers”, com direção de Georgette Fadel, 2008.
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“Ten Chi” do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, 2011.
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ida / volta
por Julia lunD
U
Rio De JaneiRo >> são Paulo QuaRta feiRa Dia 12/03. Saio de casa às oito da manhã (cedo demais pra mim) pra pegar um ônibus rumo à São Paulo. Vou assistir as peças da MITsp. Entre Quarta e Domingo, verei 8 peças.
b
São seis horas e meia de viagem, pela janela lacrada do ônibus leito, vejo a paisagem passar rapidamente pelos meus olhos e uso esse tempo pra criar novas imagens na minha cabeça. Chego no hotel, largo minha mala, chuveirada rápida e já a 1º peça:
qqqqqqqq qqqqqqqq qqqqqqqq
“De repente fica tudo preto de gente” uau! Que forte! É dança? É teatro? É performance? Não importa. É potente, é encontro, é gente inventando jeitos novos de se fazer alguma coisa. Com a cabeça a mil, parto para a próxima peça: “Bem vindo a casa” parte 1. Calor, cansaço, ainda com a sensação causada pelo “De repente...” saio dalí sem saber se gostei, sem saber se entendi... vamos esperar a parte 2.
são Paulo Quinta Dia 13/03
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Café no hotel. Pão com nutella, transgressão total. Mas pode, tô viajando.
Janela de quarto de hotel, das coisas que mais amo. 15º andar, morro de medo dessa altura toda, mas tô com ele (tem um “ele” comigo) e esqueço do meu medo. Olhando pra Paulista lá embaixo, me parece que São Paulo é um mundo de possibilidades, e que os meus amigos atores daqui tem uma vida mais fácil do que a minha vida de atriz de lá. Hoje é dia de “Escola” e “Golgota Picnic”. Fazia tempo que um trabalho não mexia tanto comigo. “Gólgota” me virou de cabeça pra baixo, saí tonta, enjoada, angustiada, excitada, querendo coisas, pensando coisas querendo engolir o mundo, e achando que não ia dar tempo pra tudo. Deu medo. Mas foi bom. Depois da dor, o prazer.
são Paulo sexta Dia 14/03
V
Acordamos querendo assistir a palestra do Rodrigo Garcia, diretor do “Gólgota Picnic”. Enquanto ouço ele falar, penso no meu processo criativo. Penso em como é potente quando conseguimos alinhar o discurso com a prática. Seguimos para “Bem vindo a casa” parte 2 e depois “Hamlet.
(:
Tudo faz sentido e se encaixa após o “Bem vindo...” parte 2. Simplesmente genial! Resignifiquei toda a parte 1. Quando teatro é bom, é muito bom!
são Paulo sábaDo Dia 15/03 Transbordando sentimentos e sensações, parto para as últimas duas peças: “Cineastas” e “Eu não sou bonita”. Fechar a maratona teatral com a Angélica Liddell foi das coisas mais transformadoras que vivenciei. Ela e o cavalo. Penso no que é ser uma mulher. De novo a dor e o prazer.
U
são Paulo >> Rio De JaneiRo DoMingo Da 16/03 A volta. O fim da viagem. Tenho dificuldades com finais, quaisquer que sejam eles. Uma espécie de morte.
Z
Muitas coisas dentro de mim morreram nesse período, e deram assim lugar para novas coisas nascerem: ideias, sentimentos, vontades, novos horizontes. Seis horas e meia de viagem e mais a minha vida inteira para que essas novas coisas achem seus lugares.
a atriz Julia lunD mora no Rio de Janeiro e veio a são Paulo para acompanhar a Mitsp, Mostra internacional de teatro de são Paulo, em março de 2014. Julia começou a trabalhar em 2004, e vem “passeando” entre teatro, cinema, novelas e séries. Porque além de linda e talentosa, é curiosa e inteligente!
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chris jatahy visitando
Entre o teatro expandido e o cinema encenado por
ruy filho
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teatro e o cinema se encontraram de muitas maneiras nos últimos anos. E os processos já se colocam como acontecimentos reconhecíveis. De certo modo, ainda que tenhamos nos acostumado, resultam do encontro o estímulo e surpresa como argumentos para experimentarmos as criações. Há, entretanto, de se diferenciar o vídeo em cena da intersecção entre as linguagens. O vídeo, colocado ao canto ou projetado meramente, estrutura sua condição cenográfica e não cinematográfica. O equívoco comum reitera o alto grau de elaboração conceitual necessário para fundir teatro/cinema. E são muitos os criadores de teatro confundindo as possibilidades. Para entender essas e outras questões, a revista convidou a diretora
Christiane Jatahy para uma conversa. Seus trabalhos atuam na ambiência teatral gerando a cena como epicentro entre cinema e instalação. Durante nosso encontro, ela ofereceu um valioso olhar sobre o fazer, somando, ainda, sua disponibilidade aos labirintos das reflexões mais complexas. Então, vamos a elas. Começamos abordando exatamente sua escolha em aproximar teatro e cinema. Para Jatahy, não
À esquerda, “Utopia. doC”, criada especialmente para a Feira de Frankfurt 2013. abaixo, “do lado de Fora”.
haveria de ser diferente. Confessa ter sido fundamental ao seu trabalho de direção no teatro, sua vivencia como espectadora de cinema. Partindo inicialmente de instalações, gradativamente o cinema passou a ocupar a cena como estrutura dos espetáculos. Não apenas em artifício, mas como conceito de utilização de linguagem. Interessa-lhe oferecer ao espectador diversos pontos de vistas da cena como aconteci-
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mento narrativo. Trabalhar, portanto, a partir de estruturas em diálogo com a subjetividade do espectador. É como se ele estivesse dentro da câmera, resume. Para chegar a isso, os espetáculos foram conquistando um jogo dialético entre observador e palco, até transmutá-lo em receptor. O que muda tudo. Quando se tem por princípio o outro como observador, tal qual as plateias tradicionais são tratadas, há de se conduzir a narrativa pela
premissa do outro estar fora do processo teatral. É ele apenas o que espia o teatro como acontecimento. Diferentemente, o outro como receptor passa a ser o foco final do processo. A expiação, ainda necessária, agora é sobre os mecanismos estéticos e estruturais pelos quais a narrativa se justificará. Essa inversão entre a narrativa estável ofertada e a narrativa como decorrência de presença externa, gera um estado de presença ao observador mediado por suas possibilidades de escolhas. O movimento é semelhante à câmera e o princípio do enquadramento. Enquanto no cinema enquadra-se a imagem, no teatro, faz-se com a história. A relação cúmplice de significação da narrativa necessita de preceitos de aproximação ainda maiores. No caso, sendo o teatro uma expressão viva presencial, quanto mais próximo estiver da condição de seu receptor/observador, melhor. Talvez por isso, Jatahy
“Me sinto cada vez Menos uMa diretora de teatro”
Retratos de participantes de “Utopia. doC”, em são Paulo.
tenha gradativamente aproximado seus espetáculos das histórias humanas. Ou seja, do indivíduo como centralidade do acontecimento. O Entre, como denomina a dinâmica palco-espectador, no seu caso atua a partir de novos territórios. Não trata de ser apenas de teatro ou instalação cênica, mas do processo de descobrimento e entendimento por fora da própria cena, em tempo real, empiricamente. Diz não saber mais se o que faz é teatro, e confessa se sentir cada menos uma diretora de teatro. O processo de narrar as histórias conduziu à importância do desenvolvimento de uma dramaturgia biográfica, a partir dos artistas e elenco envolvidos. O Eu como poética do presente, fazendo com que o contexto documental trouxesse a qualidade do real para dentro da dramaturgia, estabelecendo novos lugares de criação. Dividindo em dois momentos, Jatahy aponta as diferenças
no próprio entendimento desse percurso. No primeiro, a escrita olha para fora, como também faz o cinema documentário, ainda estabelecendo a ficção como suporte. É como se o ficcional fosse encharcado de realidade, explica. Em outras palavras, trazer para dentro da ficção o documental biográfico possível de apropriação. Há um evidente valor para cada elemento, sobrepondo a condição ficcional como sustentação primeira. Assim, a vida é trazida para o contexto do espetáculo, e ao público resta compreender como a transposição simbólica e metafórica ocorrera. No segundo momento, introjeta a atualidade, distanciando-se do texto teatral, sobretudo dos clássicos com os quais mais tem trabalhado, para, mediante a intromissão da realidade poder retornar a ele. O deslocamento, qual denominou por estilingue, cumpre a necessidade de trair a ficção do teatro para recuperá-la a partir do real. Agora, o
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o olhar de René Habermacher sobre “Medea”.
espectador é a centralidade descrita antes, pois é o ponto de apoio à fuga do teatro e onde o encontro com sua realidade oferecerá a aproximação determinante. Os espetáculos de Jatahy passaram, desde então, a ser uma coleção de possibilidades de olhar a realidade e o homem. As histórias são intrínsecas ao humano. As pessoas ficcionalizam as próprias histórias, diz. A aproximação do outro também como narrativa seria o passo mais coerente. Trazer
para a cena não mais a observação e recepção, mas o particular do outro como argumento. Através de conversas, encontros e diversos mecanismos de exposição da subjetividade do espectador/ personagem, Jatahy perfura a ficção com o real exposto e conduzido. É e não é uma ficção, portanto. Sustentar o outro, não preparado à cena, e manter nele a disposição à realidade sem artificializações requer convívio. A extensão do tempo, explica, levava os convidados a esquecerem a câmera. No fim, o trabalho passa a ocorrer mais na relação do que no indivíduo. E a centralidade do processo se revelava no como a imagem gravada e levada ao espetáculo-instalação poderia captar o invisível. O paradoxo está na condição de ser toda imagem uma representação, ou seja, a concretização de sua presença. Tra-
Cena do espetáculo “Julia”, dirigido por Jatahy.
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zer o invisível é como definir o nada. Toda e qualquer definição determinará algo, deixando-o, por conseguinte, de ser o nada. Assim como o nada só pode ser nomeado por ele mesmo, sem que isto lhe agregue desdobramentos concretos de representação, também o vazio só pode ser representado imageticamen-
te pela não presença. Encontrar no outro a face particular do vazio significa representar dele sua substância irrepresentável. Afinal, o vazio pressupõe o ser algo, diferentemente à nulidade do nada. Todavia, o teatro é por si só representativo, na medida em que o código acorda com o espectador ser tudo o que nele oferecer uma apropriação do real e não o real. Significa que o vazio, ou a subjetividade do outro, ao ser trazido em cena, necessita ser construído artificialmente para oferecer uma sensação e nunca sua fotografia real. Essa é condição teatral do documental na dramaturgia e que tem sido equivocadamente
nesta página, Julia Bernat e Rodrigo dos santos em cena do espetáculo “Julia”, e à esquerda, “o Livro”, com o ator Eduardo Moscovis.
“Medea”, em foto de René Habermacher.
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utilizada com mero falar em primeira pessoa. Chris Jatahy alcança a dimensão poética dessa artificialização da subjetividade ao ponto de acreditarmos na potência de sua veracidade. A diretora explica que trabalha com os atores pela premissa de só ser possível existir verdade em cena quando o especta-
sua montagem mais recente, “E se elas fossem para Moscou?”.
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dor e o atore estiverem vendo a mesma coisa. O teatro, para ela, é, antes, um acontecimento pelo qual é essencial buscarmos novamente encontrar o outro, recuperando o Entre perdido por essa espécie de cisão entre palco e público. A plateia, explica, é feita de indivíduos. E só é possível compreendermos a gente mesmo se olharmos para aquilo que não está na geste mesmo. Esse princípio de identificação acarreta a necessidade de outra qualidade de cena, de narrativa, de dramaturgia, de ator e direção. Por isso, novas intersecções e aproximações. Por isso, o cinema como interface de condução do olhar à multiplicidade de uma narrativa. Jatahy enfatiza também a importância em se diferenciar hermético e profundo. O teatro, explica, não precisa ser incompreensível. Mas também não precisa ser superficial. É possível encontrar o limite onde ambos se esbarram, o instante em que a cena é acessível e profunda. E nada é verdadeiramente mais viável para provocar esse encontro do que a representação daquilo mais diretamente reconhecível ao outro: sua humanidade. Christiane Jatahy é, sem dúvida, uma das artistas mais interessantes ao tempo em que estamos. Seus trabalhos recuperam o existir como algo singular e comum, estabelecendo pela estética processos de vivenciação do presente como instante próprio do sublime. Com suas dores, sombras, é verdade. Mas o que seria mais próprio do agora, se não o estado nebuloso no qual nos impusemos? Se a humanidade se esconde pela presença de um presente confuso e estranho ao próprio homem, a arte é a maneira mais ampla de traduzir e representar seus esconderijos. E Jatahy nos convida, como poucos, a passear pela escuridão, feito o mais belo caminho de encontro a nós mesmos.
“até onde pode-se usar o que se entende por real?”
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“coMo a iMageM pode captar o invisível?”
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Espetáculo nowhere, em foto de Marilena stafylidou.
isabel teixeira em “E se elas fossem para Moscou?�.
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ca r t a a b e r t a remetente destinatário
Ruy Filho
Patrícia Secco
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i, Patrícia, tudo bem? Quer dizer, blz? Não nos conhecemos, então nem sei bem como iniciar esta carta. Não conheço muito bem seu trabalho, sei de seus livros infantis, produções pra teatro e seu projeto sobre leitura e distribuição de livros. Mais que isso, não sei mesmo. Mas tudo bem, acho, já que você nunca deve ter ouvido falar de mim. Ficamos iguais nisso. Você deve estar se perguntando do por que um cara como eu lhe escrever, assim, do nada. Bom, tenho o péssimo costume de ler jornais. Não me julgue por isso. Calma. Todos temos defeitos. Esse é um dos meus. Te garanto que tenho vários. Acredita que leio até livros? Tipo livro difícil mesmo, filosofia, ciências políticas, sociologias, até romance! Umas paradas pesadas, dessa que deveriam ser proibidas, saca? Então, aí vi teu nome no jornal, fui ler e tal, e a matéria era sobre seu projeto a partir dos clássicos da literatura brasileira. Chapei. O q vc quer dizer quando diz q os jovens não leem Machado de Assis pq em cada frase tem 5 palavras q eles ñ entendem? Pronto, pensei, ela vai radicalizar e propor um sistema novo de alfabetização e vai tornar nossas crianças
geniais e vai conseguir fazer a diferença. Foda. Tava bem feliz. Mas não, né? Pra você deve estar tudo indo muito bem. O problema mesmo são esses escritores de merda que não sabem facilitar nada pra ninguém. Bem ousado vc reescrever obras de Machado de Assis e José de Alencar. Essa sua proposta de descomplicar o vocabulário e a história é algo q nunca havia pensado. Taí, vc deu o pulo do gato. Vai ganhar rios de dinheiro. Agora, então, aprovada pelo nosso glorioso Ministério da Cultura, patrocinada por empresas q se interessam por esse movimento, uhu, vai voar longe. Como o livro vai chamar? Descomplicando a literatura a golpes de Machado... Gosta? Pode usar, ñ me importo. Fica pra vc. Na boa. Mas quem disse q a coisa saia da minha cabeça? Foi aí q saquei tudo – to fazendo força aqui pro texto ficar fácil pra vc, mas se tiver puxado de entendimento, me aviso q te mando um desenho. A sacada é q vai ver q é isso q tá dando errado no MinC, os manos tão escrevendo uns projeto muito cabeção e os caras lá ñ tão chegando na parada, tão sem firmeza nas ideia das coisa. Carai, mina, é isso, certeza. Pq aí o maluco chega e olha a parada e ñ saca nada e fica tudo mesmo na coisa da impressão das ideia
só q o mano se fode pq ele queria a grana e tinha as ideia bacana pra grana e como os cara ñ ficaram na boa sem saber dizer q ñ entenderam nada os mano perde a bocada da grana e fica sem ação pra fazer a ação q é o q os cara queria fazer com a grana. Isso explicaria como propostas como a sua conseguem ser validadas por um Ministério. Claro que sua versão descomplicada irá ser comprada pelo Governo e distribuída em todas as salas de aula de nossas escolas públicas. Será lindo de ver. Em poucos anos, com o sucesso de suas versões, quem sabe nossos jovens não saberão de cor os enredos das principais histórias de nossa literatura? Mas eu achei que as novelas ruins já faziam isso, não? Talvez, pensando sobre seu argumento, os nomes dos livros também devessem mudar, podendo construir um paralelo mais franco com a iniciativa e também seus resultados. No lugar de O Alienista, que tal O Alienado? E no de A Pata da Gazela, O Pé da Mona Saltitante. Quando leio você defender ser o processo uma ação elaborada por diversos participantes, pertencendo ao grupo de trabalho dois jornalistas, pergunto-me quem poderiam ser esses interessados e, sobretudo, o tipo e qualidade do jornalismo praticado
por esses dois sujeitos. De verdade, pode dizer, vocês estão realmente fazendo isso por ideologia? Acreditam mesmo que facilitando ao jovem construirão indivíduos mais profundos e preparados para lidar com a vida? Ou se trata apenas de ganhar dinheiro, mesmo que isso tenha consequências nefastas sobre crianças e jovens? Nem os militares chegaram a tamanho abuso durante a ditadura. Censuravam e pronto. Reescrever? Isso vai ao cúmulo do fascismo. Posso fazer o mesmo com seus livros? Posso facilitar as mensagens das suas histórias infantis? Posso intervir no resultado de seu processo criativo? Posso desfigurar sua linguagem? Posso ganhar mídia e dinheiro surrupiando suas obras? Duvido. Você não permitiria, pois cada instante, palavra, cada personagem criado tem sua lógica para a plenitude da obra. Sei como é. Sou assim com as minhas também, apesar de fazer parte do processo no teatro, o desapego à dramaturgia. Ah, a velha história de que nos dos outros é refresco. Como isso é tão inexoravelmente brasileiro. Qual o próximo passo? Que tal facilitar a poesia? Afinal, nada mais complexo ao entendimento imediatista e simplório que você propõe, do que a escrita
poética. Ou então, vamos estender logo esse mecanismo para outras linguagens. Foda-se o rebuscamento e erudição das músicas clássicas, vamos fazer logo versões de dois minutos em funk e sertanejo. Foda-se Pollock, os expressionistas abstratos, os minimalistas, a arte conceitual. Eles não passam de um bando de punheteiros mesmo arrotando técnicas e mais técnicas. Fodam-se a ópera, o ballet, a dança, o teatro, os romances, as palavras, o alfabeto. O importante é mesmo educarmos nossos jovens para a plena e saudável ignorância. Que a próxima geração seja cria dos cursos técnicos mais superficiais possíveis. Que sejam idiotas manipuláveis aos interesses de uma estrutura de consumo destrutiva e escravizante. Essa é a centralidade do seu projeto, certo? Tornar os jovens idiotas. Que lindo isso. Adoro pessoas com ideologias claras e com coragem de as exporem sem nenhum pudor. Na dúvida, guardarei meus exemplares originais dos clássicos. Valerão uma fortuna no teu futuro. Porque prefiro meus filhos lendo por meses Dom Casmurro. Sentando comigo na sala, conversando sobre suas dúvidas, falando de suas descobertas, abrindo dicionários (aquele livro esquisito q ñ conta história e nem tem figura, só um monte de palavras), aprendendo a falar e pensar com os melhores escritores e poetas, apreendendo a vida também pela me-
lhor literatura. Talvez isso te incomode e não queria ver seus filhos e netos por aí assim. É uma escolha. Mas é a tua escolha. Não torne tua preguiça a de todos, por favor. Já temos um presidente que afirmou que ler é tão chato quanto correr na esteira, não precisamos de uma escritora afirmando que os livros precisam ser descomplicados. Ou então, se for ideologicamente genuíno, um conselho: deixe Machado e Alencar como estão, descomplique aos jovens um outro livro, aquele esquecido de todos nesse país cada dia mais idiotizado e mediocrizado, aquele que chamam por Constituição. Facilite o entendimento de seus direitos e deveres, das obrigações dos nossos governantes, de como as coisas devem e podem ser. Facilite a percepção de suas cidadanias, do funcionamento da Nação. Facilite as entranhas dos três poderes, dos mecanismos estatais, das agências reguladoras. Facilite sua independência, porra. Mas não destrua sua capacidade em ser livre para pensar e agir. Vocabulários reduzidos impedem o raciocínio. Afinal, como diz o ditado, o que seria do verde se não fosse o laranja? Se bem que, vendo seu projeto ser aceito pelo Ministério da Cultura, para ser financiado com recursos públicos, talvez a pergunta certa a fazer seja mesmo: o que seria do vermelho, ah o vermelho, se não fosse a ignorância.
diรกlogo. x2
por leandro nunes e renata admiral
UM OU TRO
A REDENÇÃO INCIADA NA ACEITAÇÃO DE SI MESMO COMO SENDO OUTRO
DRAMATURgIA: Tadeu Renato ENCENAÇÃO: Wagner Antônio ElENCO: Fábio de SouSa, Isabel Wolfenson, Melo garcia Marcus Vinícius, Murilo Thaveira, Sofia Botelho de Almeida e Valéria Rocha e atores convidados a cada sessão ASSISTêNCIA DE DIREÇÃO: laura Salerno TRIlhA SONORA: Julia Teles FIgURINO: Éder lopes
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CRIAÇÃO DE VíDEO: Tom Butcher Cury
renata admiral: Sua primeira impressão quanto a peça,.... leandro nunes: Fui não sabendo bem o que encontrar, peças sobre artistas loucos esquizofrênicos são bastante comuns, aliás, artistas loucos esquizofrênicos muito mais comuns rs Depois, eu me apeguei ao como foi feito, e fui acompanhando ra: eu fui bem curiosa afinal é realmente difícil alguém montar os textos deste autor aqui....eu adoro o Buncher (não sei onde fica o trema deste computador), Woyzec é um dos textos dele que eu mais gosto, fui bem ansiosa para saber o que iria encontrar com Len. O que é se apegar ao como foi feito, me explique mais ln: Bom, eu tive a sensação de que o palco era, sim, espaço de experimentação, melhor, um espaço de ousadia. Senti que existia uma certa “molecagem” dos atores. No sentido de testar, pela simples curiosidade de “vou ver no que vai dar”. Eu fiquei bastante
empolgado quando pensei que o que estava sendo feito ali era algo vivo, do mais vivo que você possa imaginar hehe. Eu digo, talvez nem seja, mas isso emanou o tempo todo pra mim ra: eu escrevi bastante sobre isso nas minhas anotações, sobre o local, o espaço. O espaço de um grupo teatral é a sua identidade conjunto de caracteres próprios, exclusivos. E acho que para a primeira aparição deles naquele espaço, com um texto nunca antes montado no Brasil, como escolha, mostra um movimento de querer se encontrar e formar esta identidade... tipo, tudo lá tinha sido ocupado... as paredes, a porta onde continha a ficha técnica... o espaço todo se identificava com eles... ln: Exato! ra: entendo o que vc fala... eu entrei com a impressão de que ia ver um “teatrão”, logo quando se iniciou... mas isso foi mudando e eu também acompanhei o jogo... Leandro sabe
do que eu mais gostei? de eles terem trazido o clássico com essa molecagem que vc fala, com esse teste, sei lá... com a impressão de que “podemos fazer tudo ali” ln: Hmm... Sim, porque eu esperava apenas um espetáculo sobre loucuras, ainda que Lenz não seja qualquer “louco” rs, E essa cena que não teme experimentar me entusiasmou ra: confesso estar cansada do tão falado “pós moderno”, performático, tecnológico... estava com saudade de ver atores dando um texto, sem medo... sem medo da fala... queria muito ver trabalho de ator... preparação... e não uma estética incrível com atores medianos que não seguram um texto... foi uma boa surpresa para mim gostei também desta experimentação com o público... sinto tanta falta da cena teatral que foi revigorante me sentir dentro dela novamente ln: Eu gostei também, não negaria que me deu certa vontade 69
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de me jogar em algo assim, por conta dessa experimentação, o ambiente acaba entusiasmando
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ra: nossa... senti o mesmo... quase pedi para ser a próxima a participar daquela cena onde rola a atriz convidada...rs. vamos?? kkk
ln: hahaha vamos, claro, mas vc primeiro rs. A atriz que faz o Lenz me impressionou. Ela segura a cena, não descansa, acredita e me faz acreditar ra: e Lenz é muito atual né... como vc falou no início o tema é recorrente... mas é mesmo, até hoje sofremos pela
arte, pelos nossos personagens, para podermos ter um espaço, nos expressar... gostei dela!!! senti falta da participação maior do elenco que vi que também segurava bem... queria ver todos ali dando um show...
ra: kkkkkkk algo que vc não gostou? que ultrapassou? foi impressão minha, ou rolou uma mistura de crenças?? ln: Eu não gosto muito do formato do palco... ra: pq?
ln: Uhum, eles parecem confiar nela... demais
ln: me sinto num jogo de tênis/volei. cabeça
pra todos os lados, eu nunca sei o que acompanhar rs ra: mas a opção, como eles resolveram... eu achei ótimo... ln: Mas isso não é ruim, uma hora eu me cansei e parei haha ra: é... vc não consegue ter uma visão do todo
ln: Sim, eu adorei a cena do índio se pintanto, como aquela cena é linda
universo que poderia haver ali. Que fosse a portinha pra cabeça do Lenz
ra: mas adorei a porta no chão, com aquele lago... sim....
ra: kkkkk um portal, bem ali na nossa frente com muitas possibilidades... genial...rs. gosto de ver que tudo foi pensado, que essa preparação do ator foi feita com cuidado carinho, que
ln: Eu até achei que era outro ator, porque a força... Ai, ai, aquela porta, eu perdi um tempão imaginando o
o mesmo ator possa surpreender várias vezes ln: E no chão, ela me pede isso, uma porta no chão com água?! Me lembra aquela cena fétida do filme Trainspotting rs ra: kkkkk é verdade!!! ln: Deu vontade de testar. Olha,
to achando que quero ser ator, Renata. rs ra: vem, vem... é uma das melhores coisas da vida.... vc tem toda uma sensibilidade, se entrega, acho que super rola! mas pelo que vejo e falam por ai... todo artista (todos nós, mas principalmente os artistas) precisam de cura
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ln: Ahh obrigado, vou pensar
ra: uma vez infectado, vc nunca mais é o mesmo ln: O bichinho do teatro é poderoso. haha. Nem a loucura cura rs ra: gosto muito do final com a música A Cura. todos vivendo hermeticamente, com medo, culpa, escondendo suas vontades, necessitando de salvamento...
ln: Talvez a condição seja se unir por isso, já que está tão dificil de solucionar ra: porque não podemos ser “Loucos e Santos” como queria Oscar Wilde ln: Não, isso, não, que a santidade continue sendo dos deuses e que Baco olha para nossa loucura ra: concordo!!
ln: Acho que temos aí redenção rs ra: afinal, como eles mesmos falaram... pq queremos tanto sermos alguém, ter, ser e afins? viemos da areia, do pó e da lama...queremos ser mais que isso?? REDENÇÃO
circunferĂŞncias
ESPACIALIDADES A construção de uma lente de aumento sobre as perspectivas de nossos esconderijos
circunferências
detalhe da obra transarquitetônica, de Henrique oliveira. À direita, detalhe de sua montagem.
O
nde se localiza o espaço, se não a partir do reconhecimento naquele que lhe configura e observa? Ele é tanto o que se pode imaginar pai-
sagem, quanto o sujeito, espaço de sua própria subjetividade. Então, está após a janela, no corpo, na esfera pública, no íntimo. Posso imaginá-lo, recriá-lo como lugar possível, e assim compreendê-la, a partir de como sua natureza amplia a dimensão poética de sua experienciação. É o que a curadoria de Paula Alzugaray nos oferece. Em A Invenção da Praia, a exposição amplia a relação entre figurativo e subjetivo, ao ativar a praia como possibilidade de experienciar a natureza pela memória, reconhecimento de seus elementos e por outras qualidades de simbólicas. A natureza acomoda-se à galeria, respira-a delicada e persistentemente. Assim como pode também soterrar e transgredir a magnitude de um museu, valendo-se da imponência de sua ampliação. A obra de Henrique Oliveira oferece a potência da invasão. O espaço da arte sucumbe à transgressão da Instalação Transarquitetônica, labirinto de túneis, entradas, saídas, levando a experiência espacial ao jogo entre o convívio com o invasor e a permanência das circunstâncias institucionais. Deste modo, o espaço é a própria arte, em suas estruturas e entranhas. Esse aspecto fundamental de compreensão
fotos sergio miranda e elaine maziero
do todo exige ao indivíduo a percepção da monumentalidade da presença sobre o espaço e do espaço como ambiência ao existir. As megalópoles são ambiências propícias ao esconderijo das percepções e do homem. Christian Boltanski 19.924.458 traz um dos mais consagrados artistas visuais das últimas décadas, em diálogo com São Paulo, através de 950 torres de papelão recobertas com páginas de listas telefôni-
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cas. O inesperado jogo de luzes atenta o
transeunte dessa cidade miniaturizada de que a cada 2m40’ alguém nasceu, explodindo em luz, e a cada seis, pela escuridão, morreu. O espaço trata, então, a ambiência como o disponível ao viver. Ou sobreviver. A melancolia provida no convívio com o urbano é tema das 19 fotografias de Fábio Astolpho. Happy Montain aproxima o espaço da multidão e o isolamento do ser, em uma espécie de afastamento voluntário, sobrevivência e derrota, quando o existir passa a ser a condição máxima ao paradoxo do desaparecimento frente ao coletivo. Esteja em São Paulo ou Madri, como demonstram. Culturas distintas, mas, ainda assim, próximas. Todavia, há aquelas cujas diferenças culturais colocam novos ângulos sobre essas inquietações. A exposição Chinaartebrasil desloca o olhar para a produção contemporânea chinesa. São obras que indagam o real espaço do país em um mundo globalizado, após a abertura econômica e investigam os espaços concretos e necessários de suas tradições milenares. Por fim, aqui ou no Oriente, cidades ou praias, reais ou imaginárias, resta ao artista encontrar nele mesmo o espaço para sua criação. A autoria do auto-espaço como elemento de construção da experiência artística está em Umas e Outras, individual de Lenora de Barros, expondo desde textos de sua coluna experimental no Jornal da Tarde, quando tratava diálogos imaginários com grandes mulheres da arte contemporânea, até vídeos e instalações sonoras, a partir da reunião de materiais realizada pela curadoria de Glória Ferreira. Conviva com a experiênciada de cada um desses espaços. São eles também os seus. transarquitetônica mac usP nova sede av. Pedro Álvares cabral, 1301 são Paulo-sP até 30 de novembro
circunferências
“Happy mountain”, de fábio astolpho, é a segunda série exposta no nova Fotografia 2014 do mis.
HaPPy mountain mis - avenida europa, 158, Jardim europa, são Paulo - sP até 22 de junho
detalhe da obra “46 bicicletas” de ai Weiwei, de 2008.
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cHina arte Brasil oca - Parque do ibirapuera Portão 3 – av. Pedro Álvares cabral. são Paulo/sP até 18 de maio
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obra de lenora de Barros, que abre individual na galeria.
umas e outras galeria Pivô - edifício copan, loja 54. avenida ipiranga, 200, são Paulo/sP até 17 de maio detalhe da instalação de christian Boltanski.
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Boltanski 19 924 458 +/sesc PomPeia - rua clélia, 93, Pompeia. são Paulo/sP até 29 de junho
foto cassio vascocellos
circunferências
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detalhe da obra de allora y calzadilla_ land mark.
a invenção da Praia Paço das artes - av. da universidade 1 cidade universitária. são Paulo/sP até 22 de junho
agora algumas das matérias publicadas em nossas edições poderão ser lidas também em inglês www.AntroPoSItIvo.Com.br
BEO r B Ue visitando
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Quando o olhar supera a densidade da luz desenha a poĂŠtica por
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fotos
ruy filho patrĂcia cividanes
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O
Beto se diverte ao mostrar os equipamentos e sua oficina, em Curitiba.
senhor sentado mais ao canto, durante os ensaios de Puzzle, parecia compenetrado demais para puxar uma conversa. Deixei-lhe ali, sem perceber realmente quem seria, já que o escuro da sala e a falta dos óculos me impediam de perceber os vultos. Foi só no momento em que se levantou e deu uma ordem à sua assistente, que notei. Óbvio, era Beto Bruel. E ele não estava simplesmente assistindo a mais um ensaio, mas criando. Enquanto observava a cena, eu o acompanhava. Queria estar dentro de sua cabeça e assim decifrar para o quê seus dedos apontavam, traçavam retas imaginárias, contavam, como se nos espaços vazios dos teto e chão estivessem realmente os refletores. Nada havia. Era o seu primeiro momento conosco. E nem bastou muito para que sua imaginação começasse a agir em alta velocidade. No intervalo, sentei-me ao seu lado e, devidamente apresentados, conversamos. Misteriosamente como se sempre nos conhecêssemos. Falei de sua linguagem e ele me mostrou fotos de dezenas de processos seus. Falamos da luz e de Puzzle. Falamos. Mas não foi ali, na sala de ensaio, que conversamos realmente. Meses depois, durante o Festival de Teatro de Curitiba, nos vimos. Venha conhecer meu espaço, você vai gostar, ele convidou. Retribui com outro convite, claro, e podemos aproveitar e fazer uma conversa para a revista também. Sentar para um café com ele é uma aventura rumo ao mais interessan-
te que se tem produzido no teatro atual brasileiro. Esteve e está envolvido com muitos dos melhores artistas. Histórias não faltam. Mas nosso papo era mais pontual. São suas reflexões sobre o fazer e o espaço do iluminador no contemporâneo que passo a dividir com todos. Instalados, depois de conhecer sua coleção de lâmpadas, mesas de luz e outros equipamentos impressionantes, servidos os cafés, pergunto-lhe como é lidar com a velocidade da tecnologia e as mudanças sistemáticas. Beto discorda em parte. Corrige-me, dizendo que o avanço técnico e tecnológico chegou mais rapidamente ao som do que à iluminação. Estamos agora aprendendo a lidar com tecnologias novas. Antes, era sapão, depois veio a lâmpada par e hoje a led, explica. Vivenciamos durante muito tempo a lâmpada par, sua preferida ainda, por achar a luminosidade da led ainda muito fria e distante do calor necessário ao teatro. Ao seu ver, ainda que tenhamos desenvolvidos lâmpadas diferentes, os refletores continuam os mesmos. Isso quer dizer, não ter sido inventado ou descoberto nenhuma outra propriedade
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de lentes e lâmpadas capazes de oferecer ao artista condições novas de exposição da luz. Troca-se a tecnologia, mas os discursos da linguagem são praticamente os mesmos produzidos desde sempre. Contudo, conclui, ganhamos muito em economia de tempo e energia com os recentes aparatos. As descobertas chegarão. Vamos viver tempos interessantes, afirma, inquieto e entusiasta. Se por um lado, o momento é de futuras descobertas, por outro, há uma carência de informação imensa no Brasil sobre os próprios trabalhos desenvolvidos pelos iluminadores. Não se conhece mais tão profundamente o que cada um está pesquisando ou desenvolvendo como linguagem. Hoje é cada um por si, lamenta Beto. O intercâmbio já ocorrera com mais organização e interesse. Como está, individualizado e ensimesmado, o artista perde a observação mais ampla sobre os discursos de seu tempo, quase que impondo à estrutura sua linguagem como única plausível. Beto escapa a isso. Provoca-se a cada trabalho, chegando ao ponto de discutir com cenógrafos para
que não lhe facilitem as coisas. Discussões comuns entre ele e Daniela Thomas, com quem compartilha sistematicamente o palco. A parceria se dá, sobretudo, pelo respeito ao outro como artista, pela aceitação das condições, compreendendo que, se cenograficamente é importante uma condição específica, cabe ao iluminador criar as saídas sem desconfigurar o discurso construído, acumulando-se com o seu. Por isso seus desenhos de luz são sempre inesperados e fundamentais aos espetáculos. Seja em um grande trabalho como os de Felipe Hirsch, seja em uma cena curta para um jovem diretor durante o Festival de Curitiba. A potência de sua linguagem está, sobretudo, na capacidade em traduzir pela luz uma ambiência conceitual, ao contrário do que se tem normalmente, quando a luz serve para a criação de ambientes cênicos. Resta ao artista, então, seguir sua busca pelo desenvolvimento de sua assinatura. O problema, diz, está principalmente nas faltas de espaço e tempo para fazer experimentações. Cada vez mais urgentes, as produções não dispõem de recursos
“vamos viver tempos interessantes” Sede de Beto, em Curitiba: galpão, arquivo e oficina.
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físicos, estruturais, produtivos e financeiros para experimentos. As respostas criativas são facilmente reconhecíveis, na medida em que os espetáculos se apropriam de algumas poucas estéticas e replicam incansavelmente seus atributos. Para Beto, a mudança ocorreu pela própria condição participativa do iluminador junto aos grupos. Antigamente, o iluminador fazia parte da companhia, ele interpretava um
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O olhar de René Habermacher sobre “Medea”.
conceito pela luz, explica. Autônomo como está, a iluminação acabou se tornando mais um acessório da estética ou mecanismo de solução ao diretor, enquanto o lado artístico da luz perdeu muito potencial. Beto é, sem dúvida alguma, o mais indicado entre os iluminadores brasileiros para falar da luz como arte. Vencedor de diversos prêmios, demorou a sair de Curitiba e chegar a São Paulo, mas fez da cidade o
trampolim para seu reconhecimento em todos os cantos. Reconhecido por sua imaginação e apuramento técnico, fez da invenção constante sua metodologia. Preocupa-lhe também a padronização dos espaços teatrais. Cada vez mais parecidos, as estruturas oferecem aos artistas limites muitos próximos e capacidades técnicas semelhantes. Beto é enfático ao traduzir o momento como fruto
de um lobby sobre a condições dos espaços, envolvendo desde interesses de construtoras até o ensino na arquitetura. Será cada vez mais acadêmico e menos artístico, preconiza. O ensino tem padronizado o conhecimento pela compreensão equivocada, oferecendo ao futuro iluminador uma ótima base sobre o uso da tecnologia, mas muito pouco sobre o aprofundamento da linguagem. Por conseguinte, não é
Sua mão sobre a tabela organizacional dos equipamentos utilizados durante o Festival de Curitiba.
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o palco como instrumento primeiro de conhecimento da luz
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raro encontrarmos técnicos de luz que acabam desenham um espetáculo. Não precise haver hierarquias. Não se trata disso. Mas do perceber diferentemente os focos centrais. Enquanto um se volta ao estudo técnico dos mecanismos, o outro se debruça ao aprofundamento conceitual. A soma entre os dois pode ser sim determinante à diferenciação dos artistas da iluminação. Todavia, as escolas parecem ter escolhido preferencialmente apenas a mais prática e objetiva delas.
Outra questão, ao seu ver, é o fato da nova geração ter perdido o respeito pelo palco. É claro que a busca por outros espaços cênicos gera a todos um momento maravilhoso de invenção. Mas é pelo palco que o artista em iluminação vai entender inicialmente a linguagem. A pouca relação com o tradicional se reflete na igual falta de referências. É preciso resgatar o palco, insiste, e assim recuperar a vastidão de um vocabulário sobre o uso da luz. Um iluminador precisa entrar no cérebro do diretor, se aproximar ao
máximo do processo. É assim que Beto define seu jeito de criar. São fundamentais cumplicidade e liberdade. Por isso, trabalhar com Felipe Hirsch é sempre seu maior desafio. As ousadias das criações e a própria maneira caótica de construir um espetáculo, exige-lhe a capacidade de chegar a um resultado com iguais proporções. Mas não são todos os diretores assim, diverte-se. Muitos não entendem nada de iluminação e acham que tudo pode ser feito com mínimos recursos. De todo modo, dialogar com diretores inexperien-
tes obriga-lhe a inventar caminhos, improvisar, até mesmo para alguém com sua experiência. O teatro não cessa nunca de oferecer novas possibilidades. Beto se diz apaixonado tanto pelo mínimo possível de uma cena, quanto pela grandiloquência das estruturas operísticas. Teatro ou ópera, grandes salas ou palcos improvisados, não importa. Beto resume sua vocação por uma única frase: o próximo trabalho é sempre o mais interessante. Disso, todos que frequentam os espetáculos iluminados por ele, duvida mais.
“tem diretores novos que acham que a luz faz curva”
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Em seu galpão, Beto mostra o poster de “A vida é cheia de som e fúria”, marco em sua carreira.
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diรกlogo. x2
por ana carolina marinho e luiza novaes
dentr
fora tro A presença provocada na ausência do outro
ana carolina marinho: Oba, vamos lá? luiza novaes: posso começar?
corpos que no seu limite tem a pele e no todo tem o nada, quem sabe o computador ou esse emaranhado de mundo entre um e outro.
am: claro am: sim! ln: acho que a gente sempre constrói, por que no princípio não há nada. E, ai vem a primeira palavra e outra e quando a gente vê define. e com isso, pode ver todo sistema de classificação do universo do isso e do não isso. o teatro também é assim, e me parece que o início da peça vem com essa perspectiva, a semântica da construção da palavra.
am: a palavra como essa ordenação interior. essa tentativa de dar forma aquilo que não não se vê o contorno. e nesse sentido a palavra tanto liberta quando põe as coisas em caixas. porque ao dar uma forma, cria um contorno, um limite...
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ln: isso! e o vidro ao redor contornando
ln: e os mudras? as posições com a mão que definem o que se dá, o que se recebe e como se faz para contagiar o outro com seu próprio movimento. am: que bacana isso. mudras? ln: sim, sabe no início, que eles mexem as mãos, e fazem como posturas corporais... am: não conhecia esse conceito, fala mais sobre isso ln: oriental. que o tempo e o espaço não consegue definir. falas por posturas e poses, que trazem toda uma simbologia para além das palavras, como se o corpo contasse uma história, ainda mais interessante que a própria fala, por que nele contém todo o
Direção: Carlos ramiro Fensterseifer elenCo: liane Venturella nelson Diniz CriAção De luz: Cláudia De Bem TrilhA sonorA originAl: Álvaro rosaCosta Figurinos MAquiAgeM: rodrigo nahas ProDução: Venturella Produções
caminho percorrido.
descontente.
am: nossa, isso é bem interessante. pensando inclusive que aqui a palavra decreta sua incapacidade. jamais “azul” teria a dimensão do azul que penso. o que você acha que aqueles corpos queriam dizer para além das palavras, a partir das posturas corporais?
ln: como se encontrar com alguém que esta fechado em si? qual encontro e possível? mesmo assim, gostei disso, a frase repetida pela personagem feminina, mostrava abertura, não havia repressão ao outro, senão um estar sendo, ter sido, parafraseando a Hilda tão coerente quanto possível na existência.
ln: poder ver, sentir, se deliciar de estar, azul, que pode parecer triste, mas completa uma certa pureza de espírito desses personagens tão branco e preto.
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am: não tinha olhado com atenção para esses gestos, essas posturas... Os personagens pareciam inquietos com o tempo prolongado ali dentro, mas não havia nenhum gesto de descontentamento, pelo contrário, pareciam existir numa espécie de resiliência. diziam coisas que não cabiam para aqueles corpos e pareciam aceitar a condição, sem submissão - não tem nada disso de submissão - mas permaneciam num fluxo de contentamento
am: pois é. mas existe ai uma contradição interessante, lembro que algumas vezes eles dizem se sentir solitários, rememoram o passado, como se lá tivesse existido dias felizes, mas dizem que concordaram em estar ali em caixas, que estão ali para ajudar. mas ajudar a quem e como? ln: como se sai de si, desse ego, que constrói a si e ao outro, sem a noção do todo, isso que me desassossega, digo por que dentro da caixa, dentro do corpo, dentro, a alma, que clama por sair da solidão. am: Sim, aqui dentro tem uma alma aprisionada pelo
contorno desse corpo/ caixa, mas o que impede eles de saírem? você acha que quando a mulher abre a porta alguma coisa muda? ln: e como fazemos todos, para nos libertar, sem somente abrir a porta, sentir lá fora e decidir voltar. esse desnudar-se das máscaras caveiras, das roupas exageradas, de todos esses apetrechos que escondem a real beleza de só sermos... dentro fora ilusão. que vc acha? por isso sentimos, vibramos, caminhamos, atuamos, escrevemos, vivemos, cantamos, juntos... somos. passado, presente e futuro. am: sim! é preciso se permitir a um instante de inteireza, em que dentro e fora seja tudo, sem essa pele que separa. ln: todo instante é tempo e o legal desse teatro de Porto Alegre é tentar discorrer sobre um tema tão filosófico, que nem ao certo podemos definir qual é, mas com uma clareza de vida e de seus segredos e todos essas pequenas delicadezas de estar vivo, criando
um contorno, com as quatro paredes de si... retirando, modificando. am: bonito isso, Luiza. eles são realmente muito afinados. fiquei impressionada com o que vi. a possibilidade de fazer viver em um quarto vazio. de inquietar o pensamento com a impotência do próximo passo. ln: somos tão cheios de nós que o vazio do outro não tem como nos esvaziar, ou tão vazios de nós mesmos, que não temos como encher os outros. se lembra da historia das picas e bocetas que tem vida própria e fazem o que querem e andam, não nos pertencem, eu vi uma cena que não pára de me surpreender mentalmente...sério! am: lembro. qual cena? ln: a fala... fico imaginando isso acontecendo... am: ah, entendi. hahah eles tendo vontades incontroláveis e indomáveis. saindo pelos ruas e fazendo o que querem... hahaha ln: fiquei tb impressionada com a
historia das palavras escorrendo e entrando no ouvido das pessoas e pensei que no nosso caso, são as palavras caminhando até os olhos dos leitores. am: exato. e tentando dar conta de um azul que vimos e que não será o mesmo azul que eles verão quando lerem. se é que verão algum azul nesse preto e branco. ln: se tivermos feito o que devemos fazer, dito o que deveríamos ter dito e agido como deveríamos, creio que será azul. am: mas parafraseando os personagens, por eu não conseguir falar dele, ele não deixou de existir. ln: o oculto que não se controla e onde é que a poesia esta escondida. parafraseando eles tb! am: bom, escrever sempre é pra mim essa tentativa de desemplastificar, de olhar o abismo desse quarto vazio olhos nos olhos e o amar. ln: que lindo. acho que foi, né?
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am: acho que sim
e les n 達 o aca ba m q ua n d o t e rmin a m
especial
www.antropositivo.com.br
homenagem
os s e
o Brasil invade o alto circuito da música sinfônica. e mostra a potência de seus músicos e regentes
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3
FOtOs: ALexAndRe FéLIx (2010/2013) e desIRée FUROnI (2012)
“P
oucos são os encantos que se aproximam ao impacto de ouvir uma orquestra sinfônica pela primeira vez. É preciso disponibilidade ao ouvir. Deixar notas, metais, timbres, cordas, melodias se acomodarem em suas estruturas e desempenhos. Requer, portanto, convívio e rotina. e ouvir uma orquestra é assimilar um pouco mais profundamente a alma humana. Por isso assusta. Por isso encanta. Quanto mais convivermos com o homem, mais seremos capazes de ouvir. então, é preciso querer saber o mais profundo de si, naquilo que apenas os artistas são capazes de acessar. Quanto ouvirmos, mais nos reconheceremos e ao outro. Sentar, deixar-se conduzir pela sonoridade muitas vezes descritivas de composições geniais é submergir ao próprio íntimo. De certa forma, todas as orquestras são capazes de levar ao mergulho. mas divergem nas profundidades alcançadas. a oSeSP, completando oficialmente 60 anos, amadureceu na última década de maneira definitiva. Com os acertos de sua sequência de regentes fixos e convidados, alcançou o salto ao mergulho mais profundo pelas ampliações técnica e sensível de seus músicos. Hoje, ouví-los, oferece a dimensão das águas intocadas, habitadas em esconderijo, prontas ao descobrimento. Sejam compositores clássicos, produções modernas, sejam partituras encomendadas a grande nomes da atualidade, a oSeSP se reinventa em concertos memoráveis e aproximações, cada vez mais evidentes, com o público leigo e circunstancial. Basta um mínimo interesse em música e a pessoa saberá da existência da orquestra. Basta a primeira plateia para ser acometido pela vontade genuína de querer mais. aqui, nos cantos desse imenso Brasil, e pelos recantos das principais salas internacionais, a OSESP exerce o fascínio de ser a música sinfônica a amplitude máxima ao desdobramento poético do ser. em um país, no qual falta a dimensão cultural da música sinfônica e erudita, faltam orquestras públicas e privadas ao convívio natural com a linguagem, faltam possibilidades aos músicos, regentes e compositores, poder dizer sermos a casa da OSESP é o suficiente para gritar e bater no peito com paixão. A música, já diriam poetas e filósofos, é a musa mais bela das manifestações divinas na dimensão de nossa humanidade. Fácil de reconhecermos isso, agora, enquanto nos acomodamos na impecável Sala São Paulo e ouvimos o primeiro movimento dos violinos, enquanto o maestro dimensiona sua presença. Permita-se. Tenho certeza de que, após o primeiro encontro com a OSESP, vocês também se tornarão grandes e inseparáveis amigos. RUY FILHO
v 32
viena
ensaio no belĂssimo Musikverein.
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Concerto da Osesp para as cerca de 1900 pessoas que foram ao incr铆vel teatro da Filarm么nica de Col么nia, em 2010. 2
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COl么niA
c
l
ljuBljAnA
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Apresentação de 2010 em Ljubljana.
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f t r u f k n A fr
Em 2010, final do concerto, pouco antes do primeiro Bis. O pĂşblico no Alte Oper foi um dos mais calorosos da temporada.
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maDRi
m Audit贸rio nacional da M煤sica, em Madri. em 2011 foi a segunda vez que a orquestra se apresentou nesse teatro. A primeira foi em 2007.
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l lOndrES
O incrível público no Royal Albert Hall, em Londres, 2012.
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n e D a B S e i w
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Concerto de 2012 em Wiesbaden, hรก 40 minutos de Frankfurt.
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m
m r E t S E H C n mA
em 2013, em Manchester, no moderno the Bridgewater Hall.
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b 32
BErlim
Philharmonie, de Berlim, em 2013.
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s
SAlzBurg
s Concerto em 2013 no lindo teatro de salzuburg.
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v em 2013 foi a vez de Konzerthaus, nesta que é uma das mais importantes cidades da música clássica.
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viena
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Maestro Yan Pascal tortelier, no Alte Oper, de Frankfurt, em 2010.
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por aqui onde casa de zuleika são paulo/sp
zuleika de todos Um espaço para a construção de encontros
Nesta página, a entrada da casa e à esquerda, banheiro e espaço de exposição.
detalhes de trabalhos apresentados na casa.
dos outros. Esse costume provinciano retrata bem a dimensão cosmopolita de uma
posta de Estela é trazer diversidade e reavivar o contato do público (mais para frequentador do que espectador) com artistas, tendo por
metrópole como São Paulo. Pode parecer
interface a arte contemporânea. A casa também esta-
paradoxal, mas essa é a mais viável e interessante
rá aberta ao protagonismos de artistas com deficiên-
possibilidade para reunir pessoas diferentes, conhe-
cia, já podendo nela antever um dos mais relevantes
cer amigos de amigos e ampliar seu círculo social.
a esse encontro. A Casa de Zuleika, ainda em proces-
Então, que tal exercer o mesmo artifício para elevar
so, já mostra ao que veio. Os eventos começam a ser
seu convívio cultural? Perto da estação Clínicas, Es-
programados, sempre para grupos de até 20 pessoas,
tela Lapponi resolveu reformar o sobrado da década
por uma hora, convivendo com obras e participantes.
de 30 e transformá-lo em um espaço multidisciplinar,
É ficar de olho e ligar para os amigos. Que tal ir à casa
reunindo produções e intervenções em artes visuais,
de uma artista, na próxima vez que resolver sair de
performance, instalação, vjs e o que mais surgir de
um pouco do prórpio casulo?
instigante. Denominadas por Ode à OBRA, as ações angariar os recursos necessários à reforma. Inter-
CAsA de ZULeIKA >> Rua silvio sacramento, 121, sP.
venções são bem-vindas, e espera-se projetos até
são Paulo, RJ . tel.: (11) 9.5211.4937
mesmo para a fachada, a cada novo evento. A pro-
https://www.facebook.com/CAsAdeZULeIKA
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ocuparão os cômodos da casa, durante 2014, para
fOtOS DIvuLgAçãO
S
air de casa para ir à casa
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por aÍ
onde novelas curitibanas curitiba/Pr
CaSa OCUPADA
Recuperando a vocação, o Teatro Novelas Curitibas ressurge com força total.
o
casarão familiar do início do século
nível de artistas iniciantes e consagrados locais, tem
passado levou quase um século para se
oferecido bons momentos ao Festival de Teatro de
transformar em algo mais audacioso.
Curitiba. É essa certeza na qualidade do olhar so-
Foi em 92, já como espaço cultural,
bre a produção atual que torna o espaço ponto obri-
que o Teatro Novelas Curitibanas passou a ocupar
gatório aos apaixonados pelas artes cênicas. Ainda
o edifício abrigando parte da produção teatral de
dependente dos editais e estruturas burocráticas
Curitiba. Depois de sete anos abandonado, o espaço
governamentais, o Novelas Curitibanas comprova a
ressurgiu em 2006 reformado e reestruturado. Nos
pertinência do envolvimento entre políticas públicas
últimos anos, a qualidade da programação e o alto
e a arte, sem que esta necessite ser imediatista ou
facilitada. Um bom exemplo do quanto não se precisa de muito para criar ambientes à cultura, desde que se tenha um projeto coerente e administração
FoTos AliCe RoDRigUes
engajada. Quando você estiver por Curitiba, vale verificar a programação para uma vista.
TEATRO NOVELAS CURITIBANAS >> Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1222 Curitiba, PR . Tel.: (41) 3321-3358
a fachado do casarão que abriga o teatro e espaço de exposições. acima, detalhes do espaço cênico e escada de acesso.
máquina de escrita acompanhar o festival de teatro de curitiba possibilita encontrar excelentes textos de produções inéditas ou recentes. dentre alguns destaques, a antro+ traz dois. as diferenças de linguagens oferecem experiências próprias de leitura, para além da cena, onde a escrita é fundamental. então, boa leitura.
mรกquina de escrita
como estou hoje monรณlogo escrito por
Joรฃo Saldanha para o ator
Marcelo olinto
A
roupa. ou antes dela, o cor-
brevive, reinventa-se. Transformando
po. ou ambos, feitos gestos,
a imagem possível do instante mínimo
feitos estrutura e pele. Então
em que o homem deixa de ser apenas
há alguém como suporte. Mas quem?
ser para se tornar aquele. Agressivo
Quem suporta quem? Não seriam as
ou não, exagerado ou não, simplório
vestes também parte das estruturas
ou não, elegante ou não, tanto faz. o
que oferecem contorno ao indivíduo?
homem vestido é outro e não ele próp-
Aquele qual se percebe existe sub-
rio. É a identificação dos traços de um
merso aos tecidos, e o homem, lá de
comportamento, das escolhas, dos
dentro, lança ao mundo externo sua
discursos e dos verbos. Como Estou
imagem, sua resposta, sua tentativa.
hoje? veste pela primeira vez o coreó-
A roupa não diferencia mais o sujeito,
grafo João Saldanha pelos trajes do
mas o inibe ao cumprimento de sua
dramaturgo e diretor teatral. As infini-
relação com as imposições culturais,
tas camadas simbólicas e sensíveis no
sociais, morais, religiosas. A roupa pos-
talhar do texto trazem o paradoxo de
sibilita ao ser seu próprio desapare-
quanto mais numerosas, mais o artista
cimento. É possível se camuflar de
se revela nu. Exposto. Tanto quanto
sociedade e assim permanecer escon-
Marcelo olinto e sua entrega essen-
dido por toda a vida. Todavia, o corpo
cial aos movimentos de cada dobra de
reage, pois sempre haverá no gesto
tecido e ação. Do imóvel homem aco-
a intimidade daquilo inconsciente ao
modado aristocraticamente no início
ser. o corpo é mesmo presente e mais
à surpreendente figura das telas de
história. Acúmulo ao rabisco final do
Francis Bacon no final, o percurso de
homem sugerido. A roupa que o veste
uma historiografia possível do corpo e
é também a soma de ambos os lim-
da vestimenta reflete o mapeamento
ites. faz-se discursiva pela esfera de
íntimo do homem e dos anseios. o es-
uma exposição ao indizível, enquanto
petáculo impacta na precisão. E ler o
esconde a face verdadeira do grito. o
texto, amplia ainda mais a potência
homem se veste para poder sobreviver
do encontro entre dois artistas de in-
ao seu estado mais primitivo de pre-
quietudes siamesas que agora temos o
sença. E, assim, a sociedade surge, so-
prazer de nos deixar vestir.
ruy filho
máquina de escrita
u
m espaço com um homem sentado no centro. (início = exercício de sentar e me “deixar” mais solto. um estado estrutural e confortável. MOBILIDADE, não fixar apenas em um ponto)
sua postura estruturada observa a todos e principalmente a aqueles que se deixam ver sem constrangimento, sem risinhos amarelos sujeitos ao flerte. A esses, aliás, o homem desliza seu olhar sem demonstrar desinteresse, apenas uma impressão. pode haver uma sonoridade no ambiente muito ao fundo. uma camada sonora vinda de outro lugar, um som que vaza – música. pode ser um espaço silencioso, um silêncio tratado por frequências sonoras que estimulem a noção de vazio. contudo é primordial que todos percebam a postura desse homem, como ele observa e demonstra sua atenção ao outro pela simples razão de gostar de moda; dos modos como as pessoas se apresentam fora e dentro do seu habitat e ainda, como para ele todos desempenhamos múltiplas pessoas no estado da convivência. tudo é possível em se tratando de condutas, principalmente quando estamos vestidos de acordo com uma situação específica. nesse lugar podemos nos surpreender com o que escutamos ou enxergamos, com o aroma e o som que somos capazes de sentir e emitir. cada vez mais, o tal homem, num ritmo tranquilo, elegante, corre horizontalmente o seu olhar em busca de suas preferências, como um predador que apenas observa e não deflagra o bote, estudando suas presas como se estivesse numa aula de anatomia. minuciosamente ele as projeta em outros ambientes, inventa suas vidas e suas possíveis histórias. (Para o público, sobre o público) nesse espaço, repleto de roupas organizadas por tamanhos e cores, reside um conforto equilibrado e nenhum detalhe do lugar está em destaque
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a luz é bem uniforme, num tom caloroso, receptivo, que aos poucos, pela mudança de intensidade, movimenta as pupilas de todos, causando uma necessidade de busca de visão, pela noção de escuridão que se anuncia e começa a tomar conta do espaço. dando ao nosso personagem central, um circo de luz que isola a sua figura sem forçá-la, tornando
possível a sua exploração no lugar e em si mesma, uma verdadeira transformação interna. uma imagem. um início. um lugar; muitos estados emocionais. O encontro que proponho nesse momento está cheio de possibilidades e por um motivo aparentemente fútil, significa e importa pela qualidade e essência contidas em detalhes. o diabo mora nos detalhes! E firma a força, o caráter e o gosto que temos quando incorporamos e mudamos nossos modos. no convívio com os amigos, em casa com alguém próximo, influenciamos uns aos outros, críticos atentos das ações e estímulos que nos atravessam e transformam. (Uma pausa longa com o olhar no público) vou salientar a presença como um primeiro estado considerado. ah, (diz o Homem) é também através das diferenças que determinamos a amplitude e a correspondência que queremos ter em nossas vidas. o quanto é possível! se desenvolvemos ou não um potencial criativo no coletivo. isso mesmo! aqui, agora, em grupo. (observa a platéia. Conectar. Jogar com a resposta que virá da platéia) (Apóia-se numa das paredes, contrai-se, curva-se estruturando o corpo com as mãos entre as pernas e agita o cabelo uma vez mais, antes de voltar-se deslocando pelo espaço) (Transformar em uma grande mesa, criar esta imagem. Sentir o meu ritmo, o meu tempo. Não ter excesso de comprometimento com o texto. Se DEiXAr fluir. o PriMEiro jogo de sedução. Começando a me revelar. A minha intuição. SEM TENSÃo. Não perder a compreensão, não ser excessivo. Não se prender necessariamente ou somente ao que está contido nas palavras. Convicto + Convicção. Exercício iMPorTANTE: Reversão de frente + andar e modificar/reverter às frentes)
COMO ESTOU HOJE
a possibilidade de cruzamentos criativos me interessa, convivo com esta prática desde sempre. fiquei naturalmente acostumado a desenvolver minhas relações e encontros em cafés, mesas, salas de ensaio, festas, casamentos, sem a menor distinção. de vez em quando, tinha a companhia de lonita renaut. durante a luz do dia lonita gostava de vodka com suco de laranja, depois do entardecer: dry Martini para ficar mexendo o palitinho com azeitona no copo e se não tivesse dry martini fazia esse gesto charmoso com a ponta do dedo no gelo de um whisky. (Fazer ligação com o texto anterior) esse exercício renova o pensamento. a poesia existe nos fatos e o carnaval é o acontecimento religioso da raça. É bárbaro e é da gente. lonita rompia com a culpa instituída pela descendência portuguesa, não media seus afetos, ria de si mesma e dizia que era preciso dar uma choradinha todo dia para aliviar as tensões. É onde eu me identifico.
é bem comum, a partir dessa convivência, surgirem novas perspectivas e outras atuações que se expandem pela necessidade de liderar uma nova proposta de trabalho. uma única luta: contra a caretice. (Talvez desenvolver um pensamento) assim vingam outras coletividades, novas parcerias e possíveis buscas criativas por novas verdades que, me parecem, serão num futuro, novas modernidades e se caracterizarão pela linguagem que se expressam. seja ela qual for. (Aí imerge a consciência do ator que confidência e está “super” exposto, transformando sua postura num depoimento. *Pensava enquanto caminhava de um lado para o outra a procura) (Conduzir a todos para esta festa, aquilo que eu descrevo como festa. Criar esta festa. Aqui & Agora. Estado de presença. Dimensão especial desta festa. Tornar palpável! Só terá ressonância se eu me conectar com a minha essência.
(Deixar livre o ator. Deslocado. “Soturno” e lento e denso, momento “borracha” + ferrão de marimbondo. Degustar. Dar mais tempo, dar mais sentido, dar significado as pausas e aos assuntos que quero salientar. Da onde isso vem.
Conectar-me com a essência.
fluÊNCiA. Não é só corpo + atuação. Sou sim um corpo frequência, um corpo comunicação. A revelação do meu dizer = a expressão se faz presente)
Se envolver com o CoNTAr a estória, não cair na rotina, SEMPrE uma novidade.
as condutas e crenças proporcionadas por um único mentor, sob o risco de desaguar num conservadorismo habitual me parecem vaidosas, desinteressantes e desnecessárias. (Leveza. Dividir e “dar“ este raciocínio com a platéia) Artistas/criadores, pensam, sentem, discutem, refletem e opinam sobre o fazer. (Ser mais certeiro em relação ao público) alguns se dispõem a estar à frente de uma proposta ou mesmo assinar um trabalho colaborativo pela responsabilidade que assumem diante do coletivo, e claro, pela capacidade de liderar e organizar idéias. (Seguir fluxo. Pensar em preencher o corpo, ocupar o espaço. fisicalidade é estar presente. Andar na horiZoNTAl. liberar os gestos. fluxo da consciência, de um entendimento pessoal)
uma brincadeira com o que acabei de fazer CoNTAr não é iNTErPrETAr!
Entrar na delícia de contar esta a história) pensar é, para o homem, o passeio da alma. (Extrair do vazio) como é que eu posso? um lugar abarrotado de gente faminta e serviam coquetéis nessa primeira hora. os garçons eram dinâmicos e da mesma forma surgiam e sumiam levando as taças vazias. e os petiscos? (Criar um corpo sonoro. A performance de uma massa sonora. Fazer os sons e falar normal) as pessoas começavam a gargalhar, suas vozes num tom.
máquina de escrita
(Emite sons) estavam todos, inclusive o pai do noivo – bêbados! (Preencher com sentidos relacionados ao ícone Maria inês Piano) e dona maria inês com gestos econômicos num vestido assim como esse. (Mostra o vestido e começa a se vestir de dona Maria inês e ao mesmo tempo vou me agachando e abaixo até ficar torto e praticamente no plano baixo ) - (Desenhar a pose. Ir até os píncaros deste movimento ) distinta no meio daquela guerra, sim aquilo era uma guerra e a destruição estava a caminho. e dona maria inês segurava sua taça com uma firmeza próxima á estrutura do seu penteado, e que penteado, que postura, que, que alegria, estava num outro mundo, um mundo interno. (faz trejeitos de um mundo interno. inicia-se uma movimentação com gestos que indicam o abdome por pequenas torções que dão mobilidade ao vestido por gestos que deixam parte do torço a mostra. Entra uma música para formar uma dança) (GliSSADo. Não ter ou dar muita ênfase, passar de uma coisa para outra sem dar muita ênfase. Junções que não estão entre vírgulas, pode ser em silêncios. Movimentos que surgem dos estímulos provocados. Pode ser uma coceira, uma mordida, uma lambida nos dedos da mão, olhar para as costas, pegar no dedo do pé, etc ) guerra e alta costura tem tudo a ver! (interrompendo a dança) uma representa os destroços e a outra a beleza, a criação. (o rítmo tem que vir SEM engasgar. NÃo VirAr teatrão! Deixar o interesse surgir) lelong atingiu sua maior projeção nessa época. e chanel foi inspirada pelos marujos da normandia, desajustou a mulher trazendo estilo e fluência no andar, na atitude e nos modos. É quando a elegância muda seus hábitos e as mulheres começam a se vestir sozinhas. uma virtude feminina! (“Estados” de recuperação, uma extensão do MEu estado. MAIS SIMPLES!) novos tempos. Á volta ao sentido puro. (relatar fatos, senso de humor e senso de sarcasmo. Elaborar melhor os pensamentos. recuperar um “estado”. Ironia provocativa) enquanto isso as alemãs, discretas, num look limpo e virtuoso, tinham o firme propósito de dar a Hitler o maior
número possível de filhos. (Tom de deboche). começaram a pensar em roupas de uma forma econômica. de repente, as confecções passaram a ser importantes. transforme o velho em novo, então, inventaram o prêt-à-porter e o mundo nunca mais foi o mesmo. (MoMENTo DANÇA. Deixar BroTAr os movimentos. Primeiro deixar BroTAr e depois a dança dos cruzamentos corporais. Eu investigando, eu curioso, eu descoberta, eu intuitivo, eu provocativo. “Estado” está se desfazendo, passando para outro estado”. Não engasgar neste texto. PAuSA não é PoNTuAr. Vivê-lo, deixar perdurar, pontuar. GliSSADo, junções que não estão entre as vírgulas, pode ser em silêncios. Passar de uma coisa para outra sem dar uma ênfase. Passagens de uma ação para outra, de uma fala para outra, de um raciocínio para outro) triunfo!!!! depois da guerra a vontade de viver uma busca pela reinvenção e o desejo de construir uma vida prática e segura. (Se despindo e ficando de meias e cueca. Vai tirando a roupa, deixando-a no chão e pisoteando-a) tupy, or not tupy! Se locomove até a cadeira velozmente e a coloca mais a frente, próxima a uma caixa, enxuga o suor com uma pequena toalha, lentamente, senta-se e calça um par de meias, veste a parte debaixo de um slack azul claro, retira um sapato com salto bem alto, coloca-o em frente ao seu rosto, tratando de estilizar sua aparência com o dorso nu). pensar é o passeio da alma. (Defender minhas posições, transformar o texto em uMA CoNVErSA. Não resolver de/no súbito. Diferenciação entre: NArrAr CoNTAr = ato de revelar coisas
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DEPoiMENTo
COMO ESTOU HOJE
Cruzamentos horizontais e verticais. Estar solto, frescor, amoroso. Amplitude, se lançar na busca) monto no meu cavalo de aço e alimento meu espírito santo com um gingado pop. não se trata de uma caricatura não, é somente expressão corporal – uma cadência que flui e vaporiza conforto, ventila bem estar e seduz pela liberdade dos movimentos. sei que sou íntegro, que tenho gosto pela vida e nenhum portador de idéias vai me atropelar. flutuo nessa onda de formas e recortes para traçar linhas. minhas linhas, meus deslumbres. contra a cópia, pela invenção e pela surpresa! o momento é de reação à aparência. reação à cópia. substituir a perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental, intelectual, irônica, ingênua. uma nova escala! como é lindo o saber!!!! E qualquer esforço natural nesse sentido será bom. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos, como somos. Toda essa fluência me impulsiona sem hesitações. (retirando a camisa de um outro caixote para vesti-la durante um passeio circular)
vivo despido! (Suspender o tempo antes de falar ignorante) me exponho nesses ensaios e expresso a minha vontade de existir cheio de virtudes – ignorante - gerador de outras tensões. (Associações poéticas e devaneios que instigam, tencionam e provocam sensações físicas) tudo o que é interior vive, tudo o que é externo existe como matéria prima para a arte. (Suave. Conscientização. Íntimo como uma reza, sem travar) Sou um construtor, um operário, construo e não anuncio o que faço. Deixo lá para os outros conferirem minha moradia e continuo pensando se existo? (Horizontalidade. Atravessar o fluxo. Trazer o estado da sensação de flutuação. Mais associado. Deixar mais firme. Se deixar levar. Se permitir. Se escutar. Se realimentar. usufruir das coisas que brotam, não lutar contra, ir A fAVor. Me comunicar. revelar de onde você extrai. Dimensionar, criar proporções. Transformar assim em uma convivência interessante. A convenção é lidar com O AQUI E O AGORA) me igualo sem imposições. só me interessa o que não é meu!
Sinto-me emancipado e respeitado. Afastei-me dos conselhos e das formas do velho mundo e desfruto do que aprecio. (Não ter uma postura colonizada. ME ColoCAr.
Intuitivamente removo a figura do homem e torno-me cidadão permanente dessa flutuação. gosto de rua e da minha liberdade. gosto de gostar. Viva Zuzu, que já era uma Angel muito antes do segredo da victoria.
firMAr. Tornar este discurso numa verdade. A minha relação com o AQui E o AGorA. um relato. Com humor, ambíguo e com a dualidade) sou cabeludo e arrumado, um animal sem razão.
Viva Zuzu! que sem selvageria e matança, com flores, estampas de anjos e rendas brancas povoou nossas vidas e nosso imaginário com o seu talento. viva zuzu !!!!
sou contra a realidade social bem vestida e opressora.
o contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a repressão.
também sou pintor e faço minhas próprias roupas.
nenhuma fórmula para a expressão do mundo.
máquina de escrita
ver com olhos livres.
que jeito é esse?
Ágil o romance nascido da invenção. Ágil e ilógico. (Falar escolhendo uma pessoa, direcionar)
que jeito é esse que não devo falar? como é que se deve falar?
aqui esse manifesto indica uma jovialidade combatente contra a rotina, contra a representação cotidiana.
existe um jeito universal para se falar?
sigo mais veloz. (Mais rápido. Mais audível. Recordação)
isso é sério e me entristece. (Na minha liberdade gay
o estado de inocência substituindo o estado de graça que pode ser uma atitude do espírito. esta era germana! (Direcionar para as mulheres que gostam de moda)
Aqui brota o amor no meu discurso.
germana adorava caminhar por uma ipanema lotada de casas e boutiques com vitrines cheias de cor e vibração. quando a justeza não era tão justa.tortura e praia! (Reflete irônico)
Memória = faculdade de reter idéias, sensações, impressões adquiridas anteriormente. recordação. Revisão, lembrança, ação, experiência, revisitar)
cabelos ao vento, calças boca de sino, batas com cheiro de maresia, saias de todos os comprimentos, botas e presilhas. (Compulsividade. Viver) stop! look and listen! (Dar ênfase nas palavras em inglês, usar uma voz de comando) Márcia Mendes no “Jornal Hoje” vestida pela Marília Valls. Simão Azulay trabalhando seus jeans da “LIXO”, sujos de sangue da guerra do vietnã. essa é a realidade estamos ascendendo. (De mulher ,mas sem ser mulher e nem usar trejeitos e voz feminina. Não dar “pinta”) todas nós, e eu que começo a aparecer, sim eu, eu e eu, sem regras, solta e individualmente pronta, vestida e uniformizada pela indústria da moda. (Conscientização) Afinal ela é responsável pela realização de sonhos. e que sonhos! (recapturar aqui a memória “pura“ que é distinta do que é passado porque permite fluxo, enquanto o passado é formado e se modifica, se manifesta por imagens como algo vivido no presente) tenho pesadelos com meus pais dizendo que falo de um jeito.
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(Direcionado. Ser direto, falar para o público e trazer para junto) (Sentar)
Memória + lembrança + recordação.
e minha mãe perguntando se o meu futuro é fazer penteados por aí. fui convidado a me retirar da escola porque adorava pentear as meninas. eu adoro as meninas, adoro as mulheres! Posso ficar horas vendo como elas se portam. Como andam, como se expressam, seus gostos, como são criativas, charmosas e sedutoras. essas meninas e essas mulheres que eu não tive e não tenho a menor vontade de tê-las. Gosto de vesti-las e interpretá-las, com padrões e muitos bordados e Ir até a feira de tecidos de paris, escolher os materiais para desenhar e me transportar em seus mundos de fotos antigas, de lugares desconhecidos e costumes diversos. (Confessionário) a arte é inspiradora e só as grandes atrizes ousam quando o assunto é vestir. (Valorizar os nomes. Deixar a imagem ViVA. Degustar. Palavra-imagética. Capacidade de materializar imagens. A palavra materializa. Buscar um olhar que vislumbra e visualiza as imagens. Esbanjar conhecimento. Curtir. Amor puro. Mergulhar. Rítmo sincopado)
COMO ESTOU HOJE
catherine deneuve, num coque banana vestindo smoking Saint Laurent, Audrey Hepburn num pretinho básico hubert de givenchy, constance bennet num conjuntinho azul marinho Jean Patou e Tônia Carrero de Guilherme guimarães na capa da manchete. (Aqui podem ser descritas cenas ou detalhes de vestimentas de filmes, ou ainda especificar parcerias de estilistas com essas deusas do cinema, do teatro. Seria muito bom que chegasse até São Paulo, no Denner ou no Clodovil de alguma forma. Descrever ou não uma cena de cinema, um capricho. Se dirige a uma pessoa na platéia, caso tenha alguém conhecido, um coleguinha seria o verdadeiro desafio e confessa)
tudo bem que o preto favorece e neutraliza a luminosidade imposta, é o início de tudo, o ponto de partida, a silhueta e a soma de todas as cores. (Vagando) Como a vida está mais iluminada, não existe mais privacidade ou movimentos entre sombras e penúrias. delícia! estou num mundo revelado e comportado, acho que estou dando voltas e saltos e saltos e voltas. (Se deixar levar pelas palavras. Se deixar esgotar e se esvaziar. Dar sentido acumulado, provocar a escuta)
(o que está valendo é aonde vou despertar o interesse de quem escuta, pelo artista que sou. Escolher alguém e falar para esta pessoa)
(Assessor do roberto rosselini. Mesclar zonas, elegância, reserva, intimidade. Afecção = se deixar contaminar + contaminado com vigor + te deixa potente. Afecção X infecção. recupero a minha integridade. Grave e ponderado.
Meu amor, e quando a gente se reinventa e dá tudo certo?
Uma pessoa justa, eloquente)
eu estou esperando esse momento.
todos vestiam balenciaga, o gênio tradicional e inovador. e o pescoço de ingrid bergman parecia o de uma girafa quando vestia uma blusa do mestre. foi assim que roberto rosselini não cedeu aos seus recatos, sua elegância e logo tratou de fabricar isabella. musa de seu tempo. (A simples construção de uma imagem. Depois crio o seu desaparecimento. Falo com ironia a frase sublinhada)
acho que não preciso mais provar o meu entusiasmo perante a vida. Não vou mudar meu guarda-roupa e usar calças ainda mais arrojadas, com bolsos que expressam a amplitude do que guardo. (Coloca os óculos escuros) (Envolver a todos, quase um confessionário. Descobrir um ritmo, o ritmo da tranquilidade) sou muito reservado e não me mostro assim no dia a dia. este é um bom motivo para eu deixar que as coisas simples aconteçam. a energia íntima. a hospitalidade um pouco sensual, amorosa. o melhor de nossa demonstração moderna. (Quase justificando este momento)
Carismática, nunca ficou a sombra de sua “mother”. A mulher livre que vestia azul, com sapatos de camurça para estremecer as vidas de marty e david. boca pintada de vermelho profundo, com dentes de coelhinho, (começa a ficar pessoal) totalmente fora dos padrões de uma época. adoro isabella! suponhamos, agora, que isabella rosselini acabou de sair por aquela porta. (Tempo) Sincero! Direto! Diálogo direto, que revela.
óculos escuros são fundamentais para este ar de proteção, é como uma vitrine ao reverso.
A liberdade no jogo de contar histórias e se divertir com isso.
pensa só, lou reed com ou sem óculos. (Tira os óculos. Dar um tempo)
Para ter gosto e saborear preciso dissecar os sentidos e todas as metáforas inseridas e todos os subtextos que se tornam precisos para se atuar plenamente.
(Articular bem nas palavras luminosidade e silhueta, para não confundir)
máquina de escrita
(Mas que na verdade é uma grande brincadeira.) subitamente as lembranças sobre ela se perderam. ela não significa nenhum estado ou referência, apenas alguém que deixou o ambiente e puf! (pequena pausa) sumiu sem deixar vestígios. (Pausa longa. Vai num crescendo) impossível! por que nós, com sua saída, nos desorientamos e não nos deixamos firmar por nenhuma conduta ou estilo marcante. Sim, somos a camuflagem em si e nos decompomos com a ausência dessa figura exuberante e específica, um ícone que perpetuamos e cultuamos sua imagem no veludo azul para sempre. ( A luz cai na medida que o texto é falado, apenas uma roupa está iluminada na arara e nosso homem por entre roupas tira um sarro no escuro ao som de uma música, até o fade out de luz e som. Texto falado em black-out ) (Narrador) e diante daquela platéia, o homem olhava para o espaço sem enxergá-lo, minuciosamente deveria representar seus textos mesmo que o público não compreendesse o sentido da ausência de sua imagem. lembram? a presença era o primeiro estado a ser considerado. sem qualquer impasse expõe: sabes o que é o medo? é o sentimento inaugural!!!!! (A luz acende bruscamente) (Não olhar para o mundo de uma forma ingênua. Não justificar. Usufruir. Se envolver com cada instância. olhar para o belo. relação de conforto. Mobilidade, raciocínio, prazer, “deixar-se fluir” Sincero! Direto! Diálogo direto, que revela. A liberdade no jogo de contar histórias e se divertir com isso.
talvez, por uma postura desorientada, pela perspectiva social que é apresentada a vocês ou por serem representações de situações que foram apreciadas num outro lugar e que somos capazes de transpor no tempo pela carga de influências que somos submetidos nessa vida. (Caminhos líberos. Entrar em devaneios. Entrar confissões e debates) ora, christian dior adorava que o copiassem, para que todas as mulheres estivessem vestindo seus modos. mulheres de todas as partes do mundo sob a mesma aparência. entendemos aqui que christian era um ditador como napoleão, porque lutou durante a segunda guerra mundial e rendeu milhares de francos a economia francesa, criando comoção nacional e prestígio internacional. cocteau estava certo quando interpretou seu nome como “De ouro”. e o que é visto de fora, por vocês e aparenta um mero capricho me conecta com a vida e a relativiza porque traz possibilidades que duplicam a minha intuição. no entanto não acredito que esteja numa condição privilegiada pela capacidade de criar e recriar situações. (nosso homem coloca aos poucos em seu rosto pedaços de micro-pore que modifica sua expressão paulatinamente, dando um ar de freak) não, eu me emociono com as situações mais diversas, com as variações das formas e os detalhes que se apresentam. . não, eu me emociono com as impressões mais diversas, com as variações das formas e os detalhes que se apresentam. não, eu me impressiono com as expressões mais diversas, com as variações das formas e os detalhes que se apresentam. com o pensamento por trás da idéia. Com a escolha seletiva, com o conforto e a qualidade, com a ruptura de padrões nesse confronto de gerações.
Mas que na verdade é uma grande brincadeira.
é uma guerra geracional e vintage, com frescor e a necessidade de outros pontos de vista. o de vocês! (É uma referência, tem que “vir” com uma carga. Dualidade. Meu deboche tem que deixar a plateia em dúvida.
Criar uma conexão e poder se encontrar nesta perspectiva deste trabalho.
Sem perguntar. Manter as perspectivas estéticas. Ter ironia e convicção. Deixar escapar a ironia)
Estar contido neste trabalho a liberdade que se criará para transitar e tramitar nestes assuntos)
Casual-Chic, Retro-Kitsch e Punk-Futurista.
Para ter gosto e saborear preciso dissecar os sentidos e todas as metáforas inseridas e todos os subtextos que se tornam precisos para se atuar plenamente.
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Esse encontro torna-se bastante contraditório por que a minha vontade de falar de moda, implica em eu ter que me desviar dos modismos a que estou sujeito ao contar e expor minhas histórias.
COMO ESTOU HOJE
(Visto um gorro).e nós, classe média, buscando uma conscientização tardia dos movimentos de mudanças por novas posturas. pouco a vontade com a dimensão de possíveis transformações, resistimos a toda essa complexidade de tendências. esquecemos que somos gente de todas as raças e mais uma, que é experimental! (Dar uma diferenciação. Ser ritualístico)
Estranhamente, passamos a adotar hábitos e posturas inenarráveis, como dizia Scarlet Moon de Chevalier. posturas que não são apropriadas para a luz dos trópicos. e que, ao longo dessa guerra de exploração cultural, fomos transformando nosso comportamento, ao nos deixarmos atravessar por forças com escalas de domínio. o que nós somos?
com efeito, lembramos da nossa semelhança com os portadores de diferenças e esquecemos a falta de oportunidades que nos impuseram no passado. (Com tom professoral a La Paulo Francis) o nome brasil não deriva da palavra portuguesa “brasa”. Sua verdadeira origem é o termo celta Brésil, que significa vermelho. Os traficantes franceses da Normandia batizaram com esse nome nossa preciosa madeira vermelha, queriam fazer bom comércio com ela. davam aos índios facas, roupas e bonés enfeitados com penas de galo e em troca recebiam toneladas de Pau-Brasil que levavam para a Europa. Árvoresímbolo integra todas as questões cruciais do nosso país, no passado, agora e no futuro. fala dos nossos sonhos, das nossas realidades e da nossa jovialidade, uma metáfora vegetal capaz de refletir perfeitamente a usurpação da nossa cidadania, nossa cultura primitiva, nossas certezas e incertezas. prestem atenção! (mudança de voz-tom honesto de dizer uma verdade) Há 500 anos foi nos negada a experiência cultural dessa madeira que não incorporamos ao nosso mobiliário e tão pouco usamos como tintura ligada as cores das nossas roupas, ou até mesmo como espécie de arvore na paisagem de um lugar de encontros sombreados e aromatizados pela beleza de sua floração. Foi-nos negado! e os índios andam nus! E a propósito dos índios, sua maneira livre de viver refletiu na maneira de ser dos europeus absolutistas. milhares de franceses que vieram ao Brasil por causa do tráfico se depararam com uma postura de vida completamente diferente, mais livre. pudera, eles andavam nus! suas lideranças são repartidas e a relação entre os homens e as mulheres são bem mais justas do que no velho continente. para resumir tudo. essa convivência exerceu enorme influência nos movimentos humanistas que começaram a pipocar por lá desde então.
uma nova roma tropical ou um gênero humano que nunca existiu antes? (Indignado. Mas sem correr. MARCAR. BELISCAR) como eu estou hoje? Feroz e raivoso! sentindo-me, abandonado, falsificado e devastado pela autoridade imposta por homens moralmente desinteressantes. criminosos de diferentes roupagens. enquanto estou vivendo a experiência do saber me confronto com a minha resistência ao poder, o que torna esse nosso encontro em um ato político. porque tem que ser assim? por que não nos desviamos? (o homem se senta na cadeira e convence pelo papo, pelo ponto de vista) a idéia de homogeneidade é percebida no mundo pela semelhança de forças que expressam a sua potência. Nossa convivência trata-se de uma decisão pontual, um devir criativo de uma nova existência. inclusive no mundo heterossexual, a busca homossexual é o lugar onde mais cuidamos uns dos outros, isso porque a amizade com gays supera tensões entre os indivíduos e faz surgir um novo espaço, interativo, com acontecimentos diversos que se dão pela vontade de sermos criativos com o outro. qual é a nossa ética? quais são os nossos sonhos? (Muito debochado. Irônico. Iniciar momento irônico)sonhei com a mulher gato, ela existe sem o bat man porque sobreviveu a ele pela dualidade de ser uma lembrança minha. mesmo ausente em muitos de seus seriados e filmes, sempre espero por sua aparição e saio frustrado por sua não participação. fico imaginando o bat man comendo a gata, sendo o homem e não um rato de asas. E melhor, ela já foi negra, morena, loira, voltou a ser preta e morena. Ela está em todos os tipos de mulher, isso significa que todas são gatas, que contém muitas vidas e possuem recursos que as transformam e dão muitas opções para que desempenhem suas vidas. e porque atualmente ela veste armani.
máquina de escrita
é curioso o fato de que a maioria desses grandes estilistas e modistas não tenham deixado herdeiros por não terem constituído família nos padrões convencionais. sim, eles em sua maioria são gays que cuidam da aparência de famílias tradicionais, esposas de líderes, reis e rainhas em momentos decisivos de suas vidas. e a burguesia em geral se espelha e copia seus modos, tirando onda de princesinha. (Dançando trejeitos de funkeiro) uou uou!!!! miau!!!! miau!!!! (Veste um burca) Nesse momento, esta fantasia torna-se fundo para a Drag queen aparecer passo a passo numa montagem suprema. É super importante a gente não se conformar com os hábitos próprios de uma época. principalmente num lugar cheio de bandidos, onde ninguém é herói e todo mundo quer ser rico!!!! Sugiro uma renovação no olhar, uma inquietação diária que motive a exploração de novas peças. Sair do armário sóbrio, monocromático, para abusar das listras e de estampas coloridas, dos cortes de alfaiataria, dos acessórios que adornam nosso estado de espírito e emolduram um auto-retrato que reconhecemos pela alegria de estarmos divinamente encorpados e cheios de carisma. Esta figura aqui; masculina, travestiu-se de Isabel de Castela e manteve-se numa postura como se fosse retratada por velasquez. (em tom de discurso de político Sucupira) por que a religião que reivindica o amor e a alegria inspira a guerra, a intolerância, a segregação, o ódio e a tristeza? quando reconhecemos atitudes repulsivas e inadequadas por traços de ignorância humana percebemos o quanto a vida pode ser assustadora. Seremos todos condenados a um cárcere de angústias, inertes porque não assumimos nenhuma responsabilidade pelo entorno! somos reféns das nossas posturas e sabemos que as prisões de nada adiantam, são fábricas que produzem delinquentes há séculos!
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Eu não acredito no isolamento, na vigília, na desconfiança e na hostilidade.
COMO ESTOU HOJE
E mais e mais pessoas, em mais e mais faculdades tornamse legítimos portadores do poder proibitivo, amigos inseparáveis, construtores da moral. (Amenizar) entendo que ao saber dos fatos e por contar histórias, torno esse encontro uma ação transitória e mortal porque revelo o início e o fim. Não existe uma verdade, apenas escolhas situadas no tempo sem distinção entre opressão ou resistência. “ Segundo todas as aparências, o artista age como um ser mediúnico que, de seu labirinto fora do seu tempo e do espaço, procura o caminho que o conduz a clareira “. (Marcel Duchamps 1958) Há padrões que são estabelecidos pelo que a aparência é e o que ela pode ser uma vez que estamos, todos, sujeitos a sorte e ao acaso. E caso alguma coisa apareça no fim a ponto de se concretizar, isso se deve a obscuridade que reside em todos nós pela vontade de fazermos valer uma única opinião sobre a forma humana. estou aqui lutando contra os clichês. na minha cabeça as idéias do que quero fazer aparecem bem antes da minha disposição de fazer. (Comunicação X Extração X Expressão. o que extrai. o que emana. A expressão) aparento preguiçoso, mas na verdade estou sem energia para um desfecho intenso com ações que ocupem a atenção de vocês, pela vibração de uma imagem potente, que ecoe em suas lembranças e perdure até o fim. É claro, quero que sintam os espaços que estão dentro de vocês. um lugar de interferência no sistema nervoso, que altere os sentidos e motive todos os tipos de posturas e pensamentos críticos. (sentado dentro do circo laranja com um olhar através, distante, no fundo, toca uma música e o fade-out de luz é bem lento a ponto de distorcer o rosto de nosso homem e ir-se apagando, aos poucos, devagar, dando a impressão de não ter fim, ligando os elos auditivos a parca luminosidade do que conseguimos ver até o que imaginamos ver) vou salientar a minha ausência como um segundo estado considerado.
mรกquina de escrita
billie Alexandre Franรงa
A
lgumas personalidades dei-
Essa mulher, cuja felicidade foi tão
xam marcas que ultrapassam
rara, cuja emoção se fez tão explosi-
o momento e o tempo. Atin-
va, agora se aproxima de nós. frança
gem a todos, como se fossem poei-
construiu uma paralisia tão poetica-
ras de areia pairando em frente aos
mente precisa, que permanecemos
nossos olhos, provocando incômodos
como que acompanhando o ressurgir
e lágrimas. Algumas personalidades
de Billie. ilusão. Tudo não passa de
são marcadas por tudo aquilo que
apenas um tentativa. logo, ela está
as transpassam, pessoas, mundo,
novamente abandonada ao chão, pre-
o tempo. Atingem a alma, como se
enchida apenas por tudo aquilo que
fossem poeiras de estrelas e provo-
lhe permitia fugir de si mesma e da
cando infinitude. Billie Holiday foi a
realidade. Para algumas pessoas, a re-
mistura na dose precisa entre mo-
alidade deixa marcas que ultrapassam
mento e vazio. Dançou pelo cantar
o sentido e a vontade. Atinge ao mais
como se o viver fosse sempre a úl-
profundo, como se fosse aço furando
tima e mais generosa dose. Estives-
a veia. o texto oferece um encontro
se ela no copo, na voz. Para Billie,
raro e íntimo com tamanha sutileza e
aquilo que lhe atordoava o sentir
respeito, que se chega a duvidar se
servia apenas como instrumento
o autor não dividiu com a cantora ao
para o aguçar ainda mais. E as dores
menos algumas doses. Ainda que em
sufocam se não forem cantadas. Ma-
suas imaginações. Ainda que imagina-
tam. Desesperam. A mulher congela-
do, em certo sentido, é sempre par-
da em cena, o corpo aprisionado em
te da poesia oferecer o outro pelos
uma espécie de lamento fracasso no
olhos daquele que possui o dom de
próprio gesto, enquanto os homens
controlar o impossível. Deixe a vitro-
são todos e apenas outros dois mais
la lhe trazer Billie para junto desse
a lhes dizer onde e como prosseguir.
encontro. Permita-se o sonho.
ruy filho
máquina de escrita
i (Escuridão. Ouvimos a gravação original da voz de Billie Holiday – ela conversa, ri, canta e brinca com alguns amigos e músicos. Aparenta estar embriagada. O tempo se espreguiça entre o que vemos e o que ouvimos. A trilha insiste. A luz agora lentamente nos mostra o rosto da atriz que a interpreta. Ela está em um aquário de estúdio. O som finalmente se esvai)
BilliE ok.
ii (Dentro do estúdio, e fora do aquário - dois homens falam em microfones)
hoMEM 2 e dizer: aqui, sou em quem merece ser ouvida.
BilliE o que vocês estavam/ conversando?
hoMEM 1 apenas nada – para ver
hoMEM 1 podemos retomar.
para sentir para ouvir.
hoMEM 2 o canto mais puro. o mais inaudível.
hoMEM 1 o que nos faz dormir. hoMEM 2 e morrer. BilliE vou precisar de gim
BilliE ok.
iii (Áudio original – Billie e um produtor conversam. Ela reclama do andamento do acompanhamento. Ele pede para retomar a gravação. Um breve silêncio)
para limpar minha voz.
hoMEM 2 dormir. morrer. hoMEM 1 dormir e morrer. (pausa)
BilliE vamos rir juntos? hoMEM 1 então você...
vamos?
Você canta alto - alto. Sobe até o alto. onde não existe chão.
vamos?
vamos rir juntos ao mesmo tempo.
hoMEM 1 Agora uma mulher finge estar cantando. abre e fecha sua boca. finge pedir ajuda. pra quem?
hoMEM 2 ela canta e costura coisas por dentro. pra quem?
hoMEM 1 a nota mais alta. mais alta soando mais alta. e alta voando mais alta. Preparando arremessa-la. do alto mais alto. que o alto.
Juntos voltar a tocar nestes lugares.
hoMEM 2 o que se esvai? o que
eu poderia inclusive cantar em pé.
hoMEM 2 onde entendemos a
atravessa? o que se vê do som do canto?
Como sempre fiz.
melodia que ainda não toca. que ainda não soa. aquela melodia que dorme no útero do pensamento.
hoMEM 1 o que se sente na
acho que eu poderia voltar a fazer
língua ao lamber a pele humana?
as coisas que uma mulher faz,
hoMEM 2 um cisco não pede licença ao voar.
hoMEM 1 Nada. Não há nada num canto. Não há nada nos olhos. Na boca. nos dentes.
hoMEM 2 Não há nada. Nas mãos as unhas curvam as abas do corte. sangue é o que se vê depois.
hoMEM 1 ela poderia nos olhar
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e dizer: aqui, sou eu quem sabe cantar.
para que todos me vejam como sempre fui – aberta.
como arrumar a casa, tomar chá de camomila à noite, cuidar do marido, ter uma família, todos com o sorriso aberto, igual ao de louis, todos ao redor da sala, tomando o café da manhã, e eu cantando, com o canto dos lábios, olhando para cada um deles, da forma como se olham nos filmes, bem como Louis fazia para mim naquele filme e bem como todos os bons personagens fazem para nós todos em qualquer filme, uma família reunida/
hoMEM 1 billie?
hoMEM 1 percorremos seu útero. como a melodia. arrastando cobertas. pela sala.
BilliE lester chegou? hoMEM 1 Há ruídos de ratos. Ruídos de ratos afinam sua voz.
hoMEM 2 Há baratas rondando. Baratas rondando afinam sua voz.
hoMEM 1 Há toda uma constelação de insetos. perdida em sua cabeça. raspando nas paredes da sua cabeça.
billiE
hoMEM 2 por onde ela respira?
como nos velhos tempos,
dos olhos sombrios de seus
cruzando toda a américa.
colegas seres humanos.
hoMEM 1 qual a melodia de sua
sinto pena desses homens
respiração?
hoMEM 1
mas os admiro
o que se acha além de silêncio?
e sendo escorraçados em cada cidade do sul, feito porcos no curral.
feito a menina que mira o seu pai hora após hora dentro do carro vendo a paisagem passar
BilliE é a polícia?
(pausa)
vocês estão indo buscar o lester? é isto?
especialmente contadas pelo
BilliE lester?
condutor, seu pai, que dirige
vocês chamaram a polícia?
bravamente quilômetros e
Que notícia esplendida!
quilômetros para algum lugar
Preparem as garrafas de uísque.
hoMEM 1 billie, podemos
As mulheres usando vestidos de todas as cores.
retomar.
Eram lindas em seus vestidos.
BilliE ok.
Não chovia. Sem raios ou tempestades. Nenhuma lágrima caia de nenhum olho inchado de nenhuma lembrança ruim. Apenas as cores dos vestidos. lester? lester é você?
hoMEM 1 sim. sou eu. BilliE você veio me acompanhar. tem uísque aí embaixo.
hoMEM 1 obrigado. BilliE falei para os meninos que lester Young não é ninguém sem um bom uísque! hoMEM 1 podemos viver sem isso. BilliE vamos, beba!
darem tudo de si.
hoMEM 1 faremos o possível.
distante. Já fui à praia algum dia com eles?
iV
eles me levaram algum dia ao parque de diversões?
(Escuridão. Billie, em áudio original, com a voz já comprometida, fala sobre blues. Silêncio. A luz se acende. A atriz coloca os fones de estúdio. Começa a cantar “My Man”. A plateia não escuta seu canto. O silêncio se expande junto com o tempo. Novamente, escuridão)
V (A luz acende. Billie está caída com um garrote no braço direito. Toca ao fundo “My Man”. Ela aos poucos se afunda em areia movediça)
Vi (Billie está fora do aquário)
beba à vontade. hoje é o dia dos melhores
e ouvindo piadas sem graça
BilliE Há homens que entram em nossas vidas buscando uma espécie de permissão patética,
eles um dia me explicaram o sentido da palavra diversão? (aos poucos, volta para o aquário de gravação) que patético imaginar que os nossos pais possuem alguma obrigação dessa ordem já que envelhecemos e envelhecemos e envelhecemos e nos esquecemos e nos distanciamos e enfim nos libertamos de qualquer obrigação relacionada aos seres humanos. não é legal se importar com detalhes do passado. não é legal se alimentar com esses detalhes. não é legal falar sobre estes detalhes com ninguém. não é legal cantar pensando nesses detalhes.
Como um aluno de escola primária
BilliE uma turnê – o que você acha?
pedindo licença para ir ao banheiro e chorar sua angústia infantil
hoMEM 2 você deveria implorar
de solidão e medo bem longe
para cantar aqui.
máquina de escrita
hoMEM 1 o que prima ida vai
hoMEM 2 nós não nos
BilliE a gente vai até a sua casa!
pensar?
compreendemos em certos momentos.
hoMEM 2 os homens com quem
BilliE o bócio em sua cara explodindo carne
ela andou.
BilliE lester me entendia. hoMEM 1 sua mãe não valia
para todos os lados. ah, o início de tudo ela poderia me bater.
.
nada.
eu e papai e aqueles músicos todos. papai me ensinando tudo.
BilliE ela cuidou de você!
hoMEM 2 a mulher do lester?
papai me mostrando as manhas. papai me apresentando para os melhores.
de algum jeito
hoMEM 1 o que tem ela?
papai e sua fama de mulherengo.
de mim.
papai não gostava que eu o chamasse de papai.
como pode?
papai não queria parecer um velho.
Não posso deixá-la sozinha.
BilliE ela anda me atrapalhando com aquele ciúmes imbecil.
hoMEM 2 lester que se vire com
papai me amava à distância.
aquela mulher/
papai amava me ouvir cantar.
BilliE Aquela mulher insuportável
hoMEM 2 Já sua mãe...
que não entende nada de música.
hoMEM 1 dez dólares paga bem hoMEM 1 as mulheres geralmente
mamãe anda te mimando demais, lester. Ella é melhor.
BilliE a gente vai até a sua casa
Ella Fittzgerald marcará para sempre a música norte-americana.
hoMEM 2 os homens com quem
Ella canta como nenhuma outra cantora já cantou.
BilliE eu não sou assim ela andou.
hoMEM 2 elas se acham no
Quem anda metendo a mão na tua cara?
uma bela buceta.
não entendem nada/
eu não sou assim
ela cuidou
direito de se meter nos nossos assuntos/
hoMEM 1 sua mãe não valia
hoMEM 2 você deveria cantar
nada.
como ela.
BilliE vocês não entedem nada!
BilliE ela cuidou de você.
BilliE Soube que Bobby já é casado.
hoMEM 1 olha que chamamos a
hoMEM 1 dez dólares paga bem
polícia.
uma bela buceta.
hoMEM 1 muito bem.
BilliE vocês não fariam isto.
BilliE a gente vai até a sua casa.
BilliE agora fui promovida a “vagabunda que anda com homens casados”.
. A música sempre prevalece.
hoMEM 2 os homens com quem ela andou.
hoMEM 2 acho que eles estão por aqui para colocar as mãos sujas em nosso dinheiro. acho que eles podem fazer o que quiserem com a gente.
hoMEM 1 sua mãe não valia
hoMEM 2 você não entendeu quem manda aqui?
nada.
BilliE Sim, é você, meu homem. BilliE ela cuidou de você.
Meu homem. Faz o que você quiser comigo.
hoMEM 1 uma picada antes do
2 60
fim do mundo.
hoMEM 1 dez dólares paga bem
Mete por trás.
uma bela buceta.
Me arromba.
billiE
Eu deixo.
e não a pneumonia.
forma de te fazer uma mulher feliz.
hoMEM 1 seu pai era um vagabundo, filha. Ele te abandonou.
BilliE eu quero que ele se dane.
Eu deixo tudo. Eu deixo você cuspir na minha cara.
hoMEM 1 Ah, olha quem está aí! BilliE se não é o meu papai
hoMEM 2 Para ficar com as vagabundas.
mafioso... veio roubar o meu dinheiro?
hoMEM 1 não. hoMEM 2 você no mínimo quer que ele te proteja.
BilliE Minha vontade é de cantar uma nota que não pare de soar no ouvido do meu homem
BilliE ninguém mais mexe no meu dinheiro!
consegue heroína.
Até explodir seus tímpanos.
estão me entendendo?
BilliE é verdade.
meu útero Meus ovários
hoMEM 1 mas você não quer mais?
não vamos perder esta oportunidade, né, rapazes.
estão todos fodidos mesmo
hoMEM 1 e você ainda leva umas
um depósito vivo
porradas.
de natimortos.
hoMEM 2 bom, pelo menos ele
BilliE os músicos estão me esperando? hoMEM 1 amor, estou aqui para te proteger...
BilliE um homem de verdade arrebenta a sua mulher no meio
hahahahahahahahaahahahah
e toma a sua vida.
mas isso é suingue!
BilliE Louis está aqui. Cuidando de tudo.
só pode ser suingue! Benny, por exemplo, não seria capaz de me arrancar o coração com as unhas. No máximo tocar bem aquele clarinete comportado. Bobby não seria capaz de mastigar meus dentes Jonh seria, E já fez E seria muito gostoso se fizesse de novo.
hoMEM 1 lester não pode ouvir uma coisa dessas
BilliE Vem filha! Prima Ida precisa conversar uma coisinha contigo. Você será presa de novo.
hoMEM 1 hoje não. BilliE hoje vou morrer de tanto beber. dallas matou meu pai
eu ainda canto suingue!
hoMEM 1 cuidando do nosso dinheiro.
hoMEM 1 não, billie. hoMEM 2 você não vai se livrar
(pausa)
BilliE lester? é você?
da tristeza.
(breve pausa)
BilliE Mamãe não está aqui para me proteger
hoMEM 1 lester morreu. você
Foi uma grande figura.
(longa pausa)
não lembra?
Ela não está aqui
BilliE é claro. hoMEM 1 para te controlar?
eu sei. lester morreu.
hoMEM 2 ou para te falar sobre homens?
(pausa)
hoMEM 1 pelo menos ela te viu
billie holiday, também.
naquele ônibus. (escuridão)
BilliE Morreu sabendo que sua filha era grande. Louis está aqui?
hoMEM 2 deve estar arrumando uma
:)
por priscila rodrigues + yuri neto
ta ctoans s - ab n s -a r cao br as
ndo as bri d o an c as b-ri c -a
as cont as do n i c s o a n ta do s in
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- abrin as do nt a b r o ind as o nt o
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JosĂŠ Wilker 1944 1933
Paulo Goulart