colaboradores
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A + AnA CArolinA AndréiA hortA o MArtinelli + CACo GAlhArdo láuCio André AnGheiA + dAnilo nAto + doMeniCo A + FáBio Moon BrA + FrAnCisCo AnsérGio ArAújo te FAdel + Giselle huGo possolo + GustAvo sol o + joão CAldAs Aes + kely vArelA + leAndro nunes do Medeiros A + líviA pAivA lAnCo + luisA Celo druMMond kiss + MAteus + Mel lisBoA nikov + osGeMeos pAni + renAtA Gio BAiA + shiMA + yArA de novAes + ZeZão
agradecimentos Adriana Martins Dias
Lívia Donadele
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Maria Tuca Fanchin Maristela Gaudio Martim Pelisson Mathias Paes Maxim Didenko Neusa Martins Paço das Artes Patrícia Dominguez Patolino Paulo Camacho Paulo Lins
Dudu Bertholini
Pinacoteca de SP
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Pivô
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Ricardo Muniz
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Roberta Koyama Roberto Setton Rogério (Grupo 3) Rogério Voltan Sandra Oksman Sayonara Sarti Sesc Pinheiros Sesc Pompéia Silva a Garcia Simone Handa Tatiana Dias Tatiana Dias Tom Zé Verônica Stiger Vídeo Brasil
editorial
E
ncontrar o outro. Encontrar no outro e ser nele um tanto de si mesmo e do todo. Ser totalmente parte do outro, compreendendo o convívio como princípio
de sobrevivência. Ao tempo, ao cotidiano, ao exercício da solidão. Então, encontramos. Fomos a eles e trouxemos até nós. Com Yara de Novaes chegamos a um Brasil confuso e, exatamente por isso, interessante; enquanto Maurice nos conduziu a uma viagem por suas memórias na França
ruy filho
do Théâtre du Soleil. Pela primeira vez, a revista recebe visitas ao invés de visitar. Isabel Teixeira e Danilo Grangheia iniciam um novo espaço na revista, Café Duplo. Sem roteiro, sem perguntas, sem controle. Disponível ao descobrir o que interessa ao outro pensar e falar. Quando se está aberto ao ouvir, quando se permite, os encontros surgem. E foi assim que terminamos uma tarde sentados na plateia do Sesc Pinheiros com Willem Dafoe e Mikhail Baryshni-
patrícia cividanes
kov. Naquele instante, eles eram os outros, eram muitos e não mais o impossível. Só o querer permite o sonho ser real. Então é preciso sonhar e seguir. Juntos. Somando. Sem distâncias ou diferenças. Por isso iniciamos uma nova campanha: Somar pela Cultura. Participam artistas de diferentes áreas, linguagens, estilos, épocas e interesses, E está aberta a quem mais quiser. A Cultura não precisa ser um outro deslocado, preso em sua idiossincrasia e desprovida de importância. Ao contrário. Cabe a ela confluir as demais estruturas políticas, sociais, filosóficas, artísticas. A Cultura é o meio de ser no outro a exposição de si mesmo. Ao momento, ao simbólico, ao exercício da participação. Então que seja. E nos debruçamos novamente sobre os aspectos de sua realidade, no como o outro se relaciona com a Cultura. Partimos da pesquisa recente, denominada Públicos de Cultura, e uma conversa com Danilo Santos de Miranda, para ampliar o olhar da ação. Agir é sem dúvida a condição única ao exercício de provocar encontros. Nós estamos aqui e percorrendo os espaços possíveis e improváveis. Venha também. Esteja junto. E sejamos, para além de nós mesmos, a viajem ao íntimo do homem e da imaginação. É só virar ou correr as páginas.
Agosto de 2014
SP / BR
c a m p a n h a
Mel Lisboa atriz FoTo patrícia cividanes
soMAr pelA CulturA Lourenço Mutarelli escritor e desenhista FoTo patrícia cividanes
Esta é uma campanha
por MAis estruturA, presençA, interesse e respeito
Leonardo Medeiros ator FoTo patrícia cividanes
www.antropositivo.com.br
Gregorio Duvivier ator e poeta FoTo lívia paiva
realização
antroexposto.blogspot.com
Antro positivo é uma publicação trimestral, com acesso virtual e livre, voltada às discussões sobre teatro e política cultural.
Para comentar, sugerir pautas, reclamar, colaborar, alertar algum erro ou apenas enviar um devaneio:
antropositivo@gmail.com AquI ANONIMATO NãO TEM VEZ. quEM TEM VOZ, TEM TAMBÉM NOME E É SEMPRE BEM-VINDO
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Ruy Filho Patrícia Cividanes
foto de capa: PATRíCIA CIVIDANES
editores
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expediente
sumário
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VISITANDO Yara de Novaes
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POR AquI Casarão Sesc Ipiranga
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DIÁLOGO X2 Não vejo Moscou da janela...
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CAFÉ DuPLO Isabel Teixeira e Danilo Grangheia
62
POLíTICA DA CuLTuRA Comportamento em nos.
70
TEATRO EM PAPEL
74
CIRCuNFERêNCIAS
88
CAPA Willem Dafoe e Mikhail Baryshnikov
110
OuTROS TEMPOS
118
TODO OuVIDO Domenico Lancellotti
120
DIÁLOGO X2 Vermelho Amargo
128
OBS por Ruy Filho
136
VISITANDO Mauroce Durozier
150
CONTAMINAçãO Lincoln Center
160
CARTA ABERTA para Patricia Secco
164
FOTO PALCO Vania Toledo
192
VERTICAL por Fransérgio Araujo
198
DIÁLOGO X2 A Hora e Vez
207
MÁquINA DE ESCRITA
216
INFINITO
Yara de Novaes
visitando
E as perspectivas de podermos ser quem verdadeiramente somos por
ruy filho
“É PRECISO CONSIDERAR UM CAMINHO DIACRÔNICO COM O FAZER” 12
ANtro+
A
Yara em cena com Gustavo Werneck em 1991, no espetáculo “trivial simples”, do Grupo teatral Encena, em foto de Guto Muniz.
vantagem de alguém transitar por diversos lugares é a potência que surge ao olhar ao redor. Ao instruir a percepção com amplitudes maiores de convívios e especificidades, a pessoa pode explorar a elasticidade iniciada e desenvolvê-la para abordagens mais radicais. Que São Paulo é a uma das maiores metrópoles também na produção de espetáculos teatrais, isso sabemos. Mas, quanto as idiossincrasias daqui se divergem de outros importantes polos nacionais e refletem um existir especifico brasileiro? Não se trata, então, de levar para o julgamento ou limitar por comparações. É preciso reativar a percepção e o viver em espaços diversos, e no caso do teatro o fazer é ainda mais fundamental. Para nos aproximarmos de tantos aspectos, visitamos a atriz e diretora Yara de Novaes. Junto à Debora Falabella e Gabriel Paiva, Yara formou a companhia Grupo 3 de Teatro. Os trabalhos, assim como outros realizados independentes, circulam o país por caminhos próprios, de grandes centros à pequenas cidades, possibilitando-lhe a experiência qual buscamos. É um pouco desse encontro que trazemos agora. Nosso primeiro momento ocorreu durante o Festival de Curitiba, quando sentamos um ao lado do outro, apresentam-nos e logo a conversa sobre alguns espetáculos e diretores viraram foco. A peça começou e ficou a vontade avançarmos para além daquelas primeiras impressões sobre o teatro contemporâneo e também nós mesmos. O tempo passou, e no interior da casinha tornada escritório, saboreando um café, retomamos os assuntos. Logo lhe pergunto o quanto é para ela diferente o fazer teatral em São Paulo, uma vez que seu inicio profissional é muito associado à Belo Horizonte. Yara chama atenção para o fato de BH ser um celeiro de grupos de teatro. A diferença no desenvolvimento das companhias lá e aqui está, sobretudo, nos argumentos de suas
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criações. Enquanto na capital paulista, os grupos se desenvolveram por décadas fortalecidos pela conquista de uma lei de incentivo ao teatro, dando oportunidade de sustento e permanência, na mineira surgiram frente à falta de possibilidades individuais aos artistas, quase impondo o agrupamento como solução. O Galpão, ao seu ver, é um dos grandes predecessores e exemplos desse processo. Definindo São Paulo como um bom amante, acrescenta os riscos de submissão ao mercado que a cidade aproxima. É preciso ter rédeas curtas para fazer teatro em São Paulo, diz. Já, sobre o Rio, outro dos mais relevantes circuitos do teatro brasileiro, Yara define como um ambiente ligado principalmente ao evento e não tanto a um mercado, portanto, quanto mais próximo à possibilidade do teatro ser apropriado pelo
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cotidiano da cidade como evento, mais existirá disposição em abrigá-lo. A cena teatral de Belo Horizonte, por sua vez, pode também ser traduzida pelas especificidades de sua geografia. Esse contextualizar o fazer sugere uma interessante observação: o de São Paulo estar mais próximo aos desenhos econômicos, o Rio das dinâmicas socioculturais e BH das condições geográficas. Se ambos os aspectos evidentemente coexistem nas três cidades, pontuar quais se sobrepõem é uma tarefa árdua e bem resolvida nessa maneira de encontrar os detalhes. Para Yara, em Minas muito das distâncias tem sido encurtado no convívio com a universidade; assim como a campanha de popularização do teatro, ainda que voltada a produções mais comerciais, desenvolvem uma real aproximação do público com o desejo pelo teatro.
Percorrer dinâmicas tão distintas exige ao artista perceber a importância de sustentar sua condição diletante, antes de tudo. É preciso ser um pouco inconsequente com as estruturas, criar mecanismos de saudáveis insubordinações, rompendo a segurança e armadilha que cada mecanismo oferece, possibilitando novamente o sentido de querer, certo valor quixotesco, que é o que faz tudo valer a pena, conclui. Foi por conta dessa busca também que fugir ao óbvio das produções mais certeiras se colocou necessário aos trabalhos do Grupo 3 de Teatro. Por isso a investigação teatral da obra de Murilo Rubião, na qual o realismo fantástico exigiu superar as relações habituais com o público oferecendo-lhe mais do que a convenção realista, mas o que denomina por supra convenção de realidade. Inquieta o quanto uma escolha como essa
no escritório do Grupo 3 de teatro, em são Paulo, Yara conversa com a revista antro Positivo.
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reflete as três instâncias nomeadas anteriormente. Há nela um tanto da intimidade própria do fazer restrito ao movimento pessoal, assim como o pretexto por tornar a ousadia um acontecimento, e também a confirmação do experimento como aspecto essencial de ocupação dos espaços estabelecidos. Não fosse a subjetividade de cada uma dessas dinâmicas, talvez o trabalho se perdesse demasiadamente em poesia ou oportunidade ou ocupação. E, longe disso, a obra se mostrou ousada e pertinente nas três qualidades. Essa é, sem dúvida, uma das grandes características dos trabalhos de Yara, a qualidade em lidar com o planejamento de estados do fazer teatral. O café continua e avançamos sobre o fazer no Brasil, então. Com a presença recente de dois grandes nomes internacionais, Bob Wilson e Romeo Castellucci, Yara constrói também o olhar mais profundo ao nosso íntimo. Fala sobre o quanto o diretor americano estrutura a linguagem de seus trabalhos na capacidade e técnica pelo uso dos equipamentos. Algo impensável para nós, ainda poucos preparados para cons-
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truir a produção em tamanha escala, salvos processos específicos, mas longe da realidade das estruturas disponíveis. Isso não quer dizer que lá fora essa também não seja uma condição. Trata do reconhecer na qualidade final técnica de Bob Wilson o convívio a meios e estruturas especificas. No trabalho desenvolvido pelo diretor italiano, por sua vez, a questão é menos tecnicista e mais social, no aspecto de formação do indivíduo. Na Itália a educação cultural é mais próxima às artes. O convívio está nas ruas, nas arquiteturas, monumentos, praças. A história cultural disponível todo o tempo, portanto. E também nas escolas, na aproximação com a literatura e poesia e demais artes. Em relação ao Brasil, onde as estruturas culturais são sistematicamente substituídas e a percepção histórica da cultura se perde de tempos em tempos, tratamos o processo de contato pela educação limitado e atrofiado. A literatura é sempre mais direta, nunca aproxima o aluno da abstração; a filosofia, o pensar, se propõe a sublimar a realidade como meio de suportar a existência, e não
Cena de “o Continente negro�, em foto de Lenise Pinheiro.
Yara de novaes e débora Falabella em cena de “o Continente negro”, em foto de Rodrigo Hypholito.
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“A VIDA SIMBOLIZADA FOI RETIRADA DE NÓS”
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Yara em cena com Ferruccio verdolin em 1996, no espetáculo “o Beijo no asfalto”, em foto de Guto Muniz.
“O TEATRO PRECISA DE SER MAIS INSUBORDINADO”
de aproximar o individuo ao real em sua potência poética, ela diz. Assim, lidamos com os autores como regras de possibilidades e nunca como o pensamento mais próprio, original, disponível ao desdobramento consequente. Lacan apontava esse movimento qual vivenciamos, a impossível saturação do simbólico pelo real, como morte do simbólico, qual denominou por ponto do apocalipse. É o filosofo Sérgio Paulo Rouanet quem desdobra esse pensamento para nossa especificidade ao definir nossa sensação de impotência diante dos desdobramentos incontroláveis das técnicas como respostas da fragmentação do saber e impedimento à uma visão clara do conhecimento. Deste modo, ambos aproximam ainda mais a inquietação de Yara sobre a questão da técnica e tecnologia e a limitação do conhecimento cultural desde nossa educação. Antes de parecer se tratar de uma análise meramente pessimista, todavia, essa condição oferece a oportunidade ao teatro para desenvolver procedimentos para deflagrar uma certa loucura, criar um mundo próprio, tanto em latitude como historização, e gerar a possibilidade de não rela-
cionar tão explicitamente com as repostas do cotidiano. Essa proposição implica em buscar no espectador o retroalimento ao artista. O fato da vida simbolizada ter sido tirada das pessoas, revela a importância da experiência teatral no contemporâneo. Mas é preciso, ainda, sustentar outra qualidade de relação. O que nem sempre é fácil. Yara diz ter encontrado um caminho a isso nas apresentações realizadas nos CEUs, escolas municipais de São Paulo, pois a falta de repertório e convívio com a arte, provocada pelo distanciamento das periferias, abria para uma plateia que não buscava a produção de sentidos próprios, mas se relacionava a partir do sentido produzido pelo artista. O medo de romper com os padrões necessários ao desenvolvimento dessa outra qualidade de relacionamento com o espectador, está na dificuldade inerente do artista buscar sobreviver em todos os níveis. O mundo das coisas no Brasil é muito difícil, explica. E ser brasileiro é muita coisa. Esse é o ponto, portanto. Ser brasileiro. A incoerência como meio de ser. Se pensada as manifestações mais próximas à arte presente no imaginário comum, em
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Yara em cena de “trivial simples”, do Grupo teatral Encena, em fotos de Guto Muniz.
“SHAKESPEARE PODERIA SER CANTADO PELOS RAPPERS”
nossa história, encontraremos dois desdobramentos: o modernismo e sua tentativa consequente de identidade, e o tropicalismo e sua inconsequência à obrigação de um desenho especifico. Trata-se, então, de perceber o quão interessante são nossas confusões, falhas e impossibilidades; nossa pluralidade e superficialidade que oferecem um reconhecimento estrangeiro a nós mesmos. Somos muitos. Somos tantos. E o mais inquietante à arte é dar conta de
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conviver com isso sem tratar como inferior a nada, mas meio de construir um idioma próprio e original. Yara caminha a esse desafio na maneira como se utiliza do discurso da presença cultural escondida na face confusa do brasileiro sem cair nos estereótipos dos personagens tipos. Constrói pela amplitude olhares específicos a multiplicidade de uma identidade sempre em formação, sem tornar isso defeito ou problema. O teatro
o olhar secreto de Camille sob as lentes de Roberto setton.
qual propões se torna assim um espelho de algo sem objeto definido e radicalmente presente. E essa é a expressão mais poética e profunda de tratar nossas circunstâncias como ambiências e não problemas e defeitos. O teatro ganha a condição de ser a possibilidade da inquietação de si mesmo. E isso é muito e cada vez mais raro. O medo de rompre com os padrões necessários ao desenvolvimento dessa outra qualidade de relacionamento com o espec-
tador, esta na dificuldade obvia do artista sobreviver em todos os níveis. O mundo das coisas no Brasil é muito difícil, explica. E ser brasileiro é muita coisa. Esse é o ponto, portanto. Ser brasileiro. A incoerência como face de ser. Se pensada as manifestações mais próximas à arte comum, encontraremos dois desdobramentos: o modernismo como uma busca consequente de identidade, e o tropicalismo como inconsequente a um desenho especifico.
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“SER BRASILEIRO É SER MUITA COISA AO MESMO TEMPO”
Trata-se, entao, de perceber o quão interessante são nossas confusões, falhas e impossibilidades; nossa pluralidade e superficialidade que oferece um reconhecimento estrangeiro a nos mesmos. Somos muitos. Somos tantos. E o mais inquietante à arte é dar conta de conviver com isso sem tratá-lo como inferior a nada, mas como meio de construir um idioma proprio. Yara realiza esse desafio na maneira como se utiliza do discurso da presenca cultural escondida na face confusa do brasileiro sem cair nos estereótipos e desenhos óbvios do tipos. Constroi na amplitude olhares específicos a multiplicidade de uma face sempre em formação, sem tornar isso defeito ou problema. O teatro se torna assim um espelho de algo sem objeto definido. E essa é a expressão mais poetica e profunda de tratar nossas circunstancias ambiencias e não problemas. O teatro ganha a condicao de ser a possibilidade da investigação. E isso é muito e cada vez mais raro.
Yara em cena de “Contrações”, espetáculo que atua com débora Falabella, com direção de Grace Passô, em fotos de Guto Muniz.
por aqui onde casarão sesc ipiranga são paulo/sp
a entrada do casarão, localizado a menos de 100 metros do sesc ipiranga, com a apresentação de “]entre[aberto”.
É logo
ali A intimidade como residência poética ao convívio
o 28
antro+
cupar uma casa. Não no
mos, artistas, qualquer um nela é parte. Não
sentido de invasão, mas na
apenas da casa, há mais no estar ali. Agora,
apropriação de seus espa-
os transeuntes, sejam mais presentes ou me-
ços, torna-los simbólicos,
ramente passageiros, fazem parte de um ins-
estruturas, preceitos. Cada
tante. Uma casa deixa de ser uma e passa
quarto, canto, acesso. Cada instante, cômo-
a ser afirmativa. A casa. Enquanto à cidade,
do e história. Uma casa não é apenas um edi-
resta o reconhecer ser menos algo. Ela, abri-
fício, agrega ao tempo o imaginário daquilo
go socializante de passageiros, é lugar. A casa
que reserva por marcas e arranhões. Então
é fundamentalmente o logo ali.
não se pode apenas ocupar a casa. Estar nela
O Sesc Ipiranga, enquanto finaliza suas
implica a dimensão de potencializar suas po-
reformas, viu-se sob o dilema de ter a casa
éticas, e isso muda tudo. Gaston Bachelard
invadida pelo imponderável. Era preciso dar
afirmou ser a casa o recanto no interior da
continuidade. E foram além. Encontraram
cidade.
Se eleita espaço ao outro, então
no casarão vizinho a oportunidade de ex-
tudo muda. Tudo se dobra. A casa espaço de
perimentar ser outra qualidade de abrigo.
encontro refaz-se em superlativo, deixa de
Assim, a programação passou a contemplar
ser meramente esconderijo e impõe-se ma-
atividades processuais de teatro, dança, ar-
jestosa ao entorno como centralidade. Anôni-
tes visuais e arte mídia, com forte presença
acima, à esquerda, a vista do café ao fundo. À direita, parte interna, com livros a disposição. abaixo, sala de apresentão.
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da palavra invasora de cada inesperado recanto tornado poético. Em Busca de Poéticas Perdidas tratou de oferecer os espaços aos escritores. E seguindo a lógica de Bachelard todos serviriam ao propósito, ainda que fosse um vão de escada, um espaço de porta ou algo mais claramente identificado. A literatura, também insistente no convívio entre frequentadores e convidados, fez do encontro um sistema de reinvenção simbólico familiar. Ouvir se revelou a abertura mais preciosa ao imaginário. Sem nunca avisar qual ser fato o artista visitante, restava ao público sustentar ta. Os Encontros Definitivos assim se revelaram principalmente por sua capacidade em produzir momentos únicos. E bem sabemos o quanto a arte precisa do alívio de ser menos nas duas imagens acima, a parte interna do casarão e sua escada. no detalhe, a cozinha mantem o mesmo charme. 30
antro+
um produto e mais o estímulo ao descobrimento do outro. O casarão permanece por tempo determinado, apenas. Segue até final de outubro suas atividades, quando a unidade original estará novamente em pleno funcionamento.
fOTOS: DAnIEl DUccI, rOgEr SASSAkI E AlExAnDrE nUnIS.
o interesse pelo encontro e menos pela visi-
De todo modo, a experiência de abrigar mon-
lizadores das programações e conceitos do É
tagens ainda a serem finalizadas, processos
logo Ali, como ficou denominado o espaço, a
abertos e atividades formativas de encontro
vontade de continuar o processo fica eviden-
entre público e artista, esses meios de cami-
te. Será preciso encontrar os caminhos para
nhos, surtiram efeitos definitivos. Ao conversar
levar ao interior de um espaço menos íntimo
com Antônio Martinelli e roberta leão, idea-
e mais reconhecidamente institucional, cons-
antro+
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truir na unidade uma ambiência familiar sobre os aspectos da intimidade, tal como o casarão conquistou desde o primeiro dia. A vantagem está na própria perspectiva de muito ter ocorrido em cumplicidade aos artistas. Mudou-se o eixo de encontrá-lo e apresentá-lo. É seguir assim para consolidar
um
espaço
intermediário ao fazer e ao público, onde ambos se confundem um como processo
de
descobri-
mento do outro. Se como afirmou Bachelard o real depende do espaço para acima,o projeto symbiosis. nos detalhes, elke Maravilha em um dos “encontros Definitivos”e, abaixo, “listening to the sheep
provar sua objetividade, circunscrevendo-o, portanto estabilizando-o, o espaço da cultura, por sua vez, subverte a lógica e faz da subjetivação a localização de urgências poéticas. Assim torcemos. Assim esperamos. Seja na sala de estar, seja no estar na sala, não importa. O fato é que o Sesc Ipiranga inicia um movimento sem volta de recuperação do íntimo ao fazer, conviver e querer arte. Um momento para estar registrado em nossos porta-retratos. Ainda é tempo de conhecer e experimentar.
SESC IPIRANgA CASARÃo É logo AlI >> Rua Bom Pastor, 822, SP. São Paulo, RJ . Tel.: (11) 3340..2000 https://sescsp.org.br/ipiranga
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antro+
fOTO lInA SUMIzOnO
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informações
c a m p a n h a
Osgemeos artistas plĂĄsticos foto patrĂcia cividanes
somar pela cultura Georgette Fadel atriz e diretora foto patrĂcia cividanes
Esta é uma campanha
por mais estrutura, presença, interesse e respeito
Zécarlos Machado ator foto patrícia cividanes
www.antropositivo.com.br
Marina De la Riva cantora foto patrícia cividanes
diรกlogo. x2
por AnA CArolinA MArinho e renAtA AdMirAl
E A CAPACIDADE EM TRADUZIR O INOMINÁVEL
da janela do meu quarto
Moscou
eu não vejo
CONCEPçãO, DRAMATURgIA E DIREçãO: Silvana garcia CRIAçãO: Maria Tuca Fanchin, Sol Faganello e Leonardo Devitto DIREçãO DE ARTE E FIgURINOS: Maria Tuca Fanchin CENOgRAFIA: Ciro Schu ILUMINAçãO: Beto Bruel FILMAgEM EM MOSCOU: Nikolay Erofeev EDIçãO DE VíDEO: Sol Faganello CENOTéCNICA: Jimmy Wong, Yuri Cumme e Diego gonçalves
renAtA AdMirAl: E aí? qual foram as suas impressões? a encenação me pareceu bem concisa, resoluta, ágil, foi tão rápida! ;) AnA CArolinA MArinho: sim! tem uma frase da peça que diz muito sobre o que achei de tudo, “nós sabemos muita coisa desnecessária”. tanto em relação ao texto adaptado, a velha e conhecida espera
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antro+
de Moscou, quanto a encenação simples e objetiva. AC: As três irmãs sempre me inquieta com essa espera, mas aqui essa espera me levou mais longe. rA: fala mais sobre isso, de te levar mais longe... AC: lembrei de uma peça que assisti no FIAC 2013, do grupo argentino El silencio, em que a protagonista
já não queria sair de casa, porque sentia que conhecia todos os lugares pela tela de seu computador... e a encenação parecia reforçar essa frase também, quando a peça começa com tantos objetos - já que quando se conhece apenas um lugar, todas as coisas que nele habitam ganham uma relevância maior ainda - e termina, depois de tantas migrações, com apenas os atores.
ou um e outro objeto não lembro ao certo... mas eles foram ficando pelo caminho, não é? rA: é, no programa da peça, durante ela, em citações de Tchekhov, esta questão de abrirmos mão da liberdade, até por opção é bem destacada... eu sempre vou com o olhar mais atento para peças teatrais que revisitam autores e obras clássicas, me encanta
ver este movimento contrário diante de tanto pós-moderno performativo.... foram sim.... achei sutil e poético esta questão dos objetos sendo deixados para trás.... e sobra o mais importante né...o ser humano o ser humano e suas lembranças.... lembranças que seguem e ninguém as tira... AC: exato! e a luz foi de forma muito sutil
e objetiva conduzindo nosso olhar para a vastidão de coisas desnecessárias que deixamos pelo caminho. o medo apequena a gente e faz a gente agigantar o que nos é desnecessário. isso foi primoroso nessa montagem. e fiquei pirando numa coisa rA: foi sim, anotei muito sobre a questão do tempo...tempo de cena, de respiração
sem a pressa da fala, do argumento...e mesmo assim..ágil...brilhante! no que? AC: hoje, acho que existem duas questões que se desenrolam de forma diferente, mas bem próxima ao texto de Tchecov, uma é que muitos de nós conhece tantos lugares, visitou e conheceu tantas culturas, temos acesso ao mundo dentro de casa que Moscou se tornou nossa vizinha,
antro+
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e aí onde para a nossa imaginação? e a outra é que ainda que conheçamos lugares muitos distantes, nos refugiamos em casa com medo do que há fora dos muros na nossa cidade. coisa que a Macha me parecia temer também. uma moça inteligente que perdeu a capacidade de sonhar. e por isso aquele espaço pros atores tão reduzido, tão espremido. e fora do contorno da luz, a escuridão. um universo inteiro rA: exato! cada vez mais trancafiados, reféns de jornais, notícias, desgraças, medo... o espaço
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antro+
reduzido me dá a impressão desses apartamentos modernos sabe...com uma metragem ridícula, porém com um espaço de lazer para que vc não tenha que sair de casa....é academia, disk lavanderia, disk pizza.... cada vez mais dentro de uma redoma e a luz se apaga mesmo...vc se acomoda, se basta daquilo....
rA: esperamos pelo quê? uma vida melhor? que a violência acabe? que a sociedade mude? dentro de casa, esperando por nada... gostei muito Carol!!! AC: eu também Re! ah, e isso também é reforçado pelo filme que eles assistem, “O horror vem do espaço”
rA: que sem uma vivência fora não valem de nada, não acha? AC: com certeza! existe um universo lá fora e aqui dentro. é preciso migrar por ambos! rA: exato! esta foi a maior prova de encenação em que “menos é mais” né?
rA: sim..... tem tudo a ver!!!
AC: sim, sim
AC: realmente, nos achamos seguros dentro de casa, dentro do nosso quadrado iluminado e de nossos objetos cotidianos com a nossa água, nosso pezinho de pimenta e o nosso computador. haha
rA: me assusta muito esta visão que ainda perdura.... muda-se a época, as aflições, os medos, o tipo de exilamento...mas nada muda né....só as formas
AC: isso! rA: tem uma outra frase da peça que diz: “quando não sabemos o porquê de se viver, tudo não passa de algo inútil” AC: nossa, isso é muito forte!
AC: é, mas acho que tem a ver com a gente, o tempo todo, tentar evitar conflitos, atrito, faíscas, para manter nosso conforto e comodidade rA: acho que é desistência mesmo... falta de paciência, de vontade AC: também... rA: desistimos do outro e desistimos principalmente de nós mesmos... rA: Ah, Cá!!! acho que é isso né?? a peça é bem resolvida AC: acho que sim, Re! rA: quer debater algum outro ponto?
rA: tranquila.... vou passar para o Ruy e a Pati....vou só dar uma revisada no texto... AC: ok, obrigada querida! foi super bacana!
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rA: foi sim!!! e parabéns pelos trabalhos!!! to acompanhando!!! e morrendo de vontade de voltar pro teatro, para projetos mais densos de pesquisa!! ...
FOTOs: ANdRé sTéFANO E RObERTO sETTON
AC: Não, acho que é isso. E você?
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café duplo
Danilo Gr anGheia isabel teixeir a _ Eu compreendo quem não gosta de teatro. _ Então por que a gente faz? _ Porque, mesmo assim, ainda faz algum sentido.
por
ruy filho patrícia cividanes
fotos
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antro+
U
m cigarro dura cinco minutos. Como eram dois fumantes e o café levou 210 minutos, feitos os descontos, para fumarem os 17, tiveram de acenderam um a cada 22 minutos, em média. Já o pouco mais de um litro e meio de café, imaginando-me sutilmente devorando o dobro deles, faz minha conta chegar a quase um litro sozinho. Então pergunto: como alguém tomando essa quantidade de café consegue falar menos que a outra pessoa? O fato é que falou. Falamos. Nós quatro. E muito, principalmente sobre... Calma, antes, preciso explicar o porque ganhei a aposta. Danilo chegou primeiro, simples assim. O pão saindo do forno, a mesa arrumada e... Se eu disser que levamos dois minutos para quebrar o gelo, estarei exagerando. Dois minutos seria um eternidade frente ao ocorrido. Ele entrou, e as piadas vieram. Naturalmente. Não sei por quê. Vieram e rimos e sentamos à mesa, servimo-nos e Bel chegou... Foi aí que... Não, antes disso ainda. Eu e Patrícia, não me lembro aonde, jantando, falando da revista, das possibilidades, das vontades. Vamos fazer uma conversa com um ator e uma atriz?, ela disse. Não pode ser um Visitando, respondi, precisa ser outra coisa. Café duplo! Mas algo não correspondia aos nossos desejos. Que tal em casa, pra ficarmos mais à vontade?, novamente ela. É isso!, sempre visitamos, agora vamos receber visitas! Com isso, definimos o contexto e o conceito do convite. E escolhemos a dupla. Nossas primeiras visitas nesses praticamente três anos de Antro Positivo. Não poderia ser qualquer um, a inauguração precisava ser pra valer. Isabel Teixeira, durante muito tempo, foi para mim a impressionante atriz do espetáculo Rainhas, dirigido por Cibele Forjaz. Mas, ao substituir às pressas na remontagem do excepcional Ensaio.Hamlet da Cia. dos Atores, que descobri o quanto é amplo seu talento. Só que isso também fazia um certo tempo. Queríamos algo de agora. Nem um, nem outro, foram os motivos, então. E sim, sua magnífica Olga em E se elas fossem pra Moscou?, de Chris Jatahy, o empurrão definitivo para dizermos: quero ouvir o que ela tem para falar sobre tudo e qualquer coisa, quero ouvir essa mulher. Danilo Grangheia poderia sim ter sido escolhido por seus trabalhos junto à Cia. Folias D’Arte. No entanto, em O Livro de Ítens do Paciente Estevão, dirigido por Felipe Hirsch, sentíamos impelidos à convidá-lo, a uma aproximação. Aí o cara surge em cena em Sit Down Drama, peça de Michelle Ferreira e direção de Eric Lenate, e torna urgente e fundamental sentarmos e dar-lhe fala. Dois enormes artistas da mesma geração. Capazes de mapearem por suas parcerias boa parte dos melhores criadores brasileiros da cena experimental contemporânea. Ouví-los é também encontrar um pouco de cada um desses criadores. É trazer à tona o presente do fazer teatro na plenitude da investigação de uma linguagem ainda a ser decifrada. Voltando ao café... Então a campainha tocou, ele entrou, tomamos a primeira xícara, ela chegou e, dez minutos depois, a conversa sem pauta, sem perguntas, radicalmente aberta, disponível a eles da maneira mais livre e pessoal, revelou o quanto vivemos um tempo em que é preciso dar espaço aos encontros e às vozes.
o ensaio fotográfico exclusivo para a revista Antro Positivo acontece entre os lençóis de Bel Teixeira.
A história é a seguinte: em determinado momento, concluímos estar no percurso do artista, de suas escolhas, o espelho de sua importância. A tal da coerência foi o tema mais citado durante o encontro. Coerência com o passado e trajetória, com o foco em relação ao que virá. Coerência em descobrir nas mais diversas instâncias e caminhos aquilo semelhante e próximo, seja na linguagem, seja nos motivos. Bel e Danilo colocaram muito enfaticamente a importância desse estado de consciência e responsabilidade sobre as próprias decisões. A falta de consciência do artista incomodava aos dois. Confesso, minha cabeça girava, pois sempre acreditei estar na incoerência a liberdade maior ao artis-
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ta. Mas, de certo modo, percebo falarmos a mesma coisa. Claro, aquele que é capaz de sustentar a liberdade como princípio é, antes, coerente com seu desejo de amplitude. E os dois também pensam assim. O problema, no entanto, está no entendimento mundo afora dos limites e possibilidades das escolhas. As instituições, não meramente espaços ou empresas, mas em seu sentido mais determinante à arte, aquele que institui algo a ela, não oferece
mais tanta possibilidade de diálogos. Tudo é difícil, dizem. Tudo é complicado. As institucionalizações das relações estão acachapando o artista como criador. É nesse ponto, entre um pedaço de queijo, café e geleia, e claro cigarro, que entendo ser esse movimento mais pragmático sobre as responsabilidades e importâncias ao provocar encontros novos. Opa, espera, tem algo aí, os dois deixaram suas companhias. Falam sobre, a
dureza, os sentimentos, o abandono e ansiedade que tal ação provocou. Talvez porque em um grupo formal já se reconheça as dinâmicas inclusive de contraposições e pouco se consiga efetivar como reação. É, tudo bem, também passei por isso. Dá mesmo uma certa vontade de seguir, olhar mais pra frente, para além das pessoas à frente. Eles tem razão. Danilo sintetiza da maneira mais precisa ao dizer ser ele mesmo o responsável por sua própria liberdade. Difícil é ter coragem de encarar isso de frente, penso. Esse é o ponto, conclui, a epidemia de bundamolismo. Mas se é tão melhor ir e criar seus pares no exercício dos encontros momentâneos, por
“sou preguiçosa, adoro um pijama” que tantas dificuldades no fazê-lo? Um responde, outro também, as experiências se assemelham em alguns momentos, em outros nem tanto. Mas é quase comum nas falas a sensação de ser a própria pessoa quem cria suas ciladas. Uma espécie de auto-sabotagem, talvez. Então tem a percepção de ser cada vez mais raro espaços para dialogar junto, com a condição de vivermos uma cultura impositiva de personagens de si mesmos, de sermos aquilo que não somos. Bom, enquanto preparo um novo café, reflito sobre estar o problema antes das escolhas, então; na própria maneira com nos criamos por estereótipos do que venha a ser o artista, nessa imagem deformada exigida pelo entorno. Ferrou. Aí depende de muitas coisas. Vai desde tentar entender como conduzir o outro no relacionamento com o artista, no sentido de oferecer-lhe empatia e distanciamento, de como os espaços para tal encontro estão configurados hoje, e o quanto de memória, portanto reconhecimento, existe nessa relação. Ser mãe ajuda muito, em diversos aspectos, diz Bel. Ela é direta ao traduzir essa relação como educação, e define educar como um processo de estragar o outro. Fala do como educar uma criança, do quanto a ação em si se revela uma instância de horror. Quer dizer que, quanto mais buscamos educar o outro na tentativa de aproximá-lo da arte, também mais impomos a ele um estado de horror, de distanciamento. Isso porque nem um dos lados acumula o convívio como experiência do tempo. Não há memória da presença dessa relação, então é preciso sempre recomeçar e reeducar o outro para o reconhecimento do artista. Não perder o foco já é uma batalha, explica Danilo. Enquanto a memória vai ficando cada vez mais curta de todos os lador. A conversa segue, é um tanto confuso dar conta de entender onde começa o novelo de quatro pessoas sobrepondo suas falas e ideias. Bel fica brava quando lhe ofereço Nutella. Trata-se de configurar uma nova condição de espaço para o encontro. Abrir outras pautas, dialogar, construir ao invés de conduzir. Como estamos agindo, de certo modo, ficamos todos à mercê dos espaços de exclusão. É mais fácil dizer onde não se está do que revelar o espaço da própria presença. De novo a questão da coerência. O teatro é absolutamente belo e efêmero, e depende dos espaços de permanência para a acumulação das memórias. Até se tornarem naturais. Algo como “o teatro existe, e tudo bem”. O que é muito diferente do “o teatro existe, e eu com isso?”, de agora. Alguém quer mais café? Sim, Danilo quer, e eu sorrio cúmplice e agradecido por isso. Só sei que, ao voltar da cozinha, Décio de Almeida Prado e Mariângela Alves de Lima estavam sentados conosco. Difícil é dar conta do fluxo de pensamento enquanto se devora bolo e biscoitos.
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“a morte do cinema e do teatro é o filme e a peça que não se vê”
“educar é horrível, é estragar o outro”
“vivemos uma epidemia no artista de bundamolismo”
De pijamas, Bel e Danilo, por sugestão de Paulo Camacho, refazem a clássica foto de Yoko ono e John Lennon. 58
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Entretanto, havia sentido. Surgiram como exemplos de pessoas coerentes com suas próprias vidas. Pessoas que fizeram, cada qual ao seu modo, o exercício da escrita sobre o teatro um processo de produção de memórias. Quem leu Décio tem mesmo a nítida sensação de assistir aos espetáculos para quais resenha suas ideias. O dilema está em entender o que agora é uma opção do artista e o que lhe é imposto com profissão. Ninguém conseguiu ali chegar a um desenho final sobre isso. E seguimos passando de um a outro a garrafa de Cointreau. O teatro é em si a expressão da potência de exposição poética do homem. Fácil assim. Então lhe cabe tudo, e principalmente ser louco, ou seja, ser deslocado da realidade, como meio de expor a realidade pela clareza em mostrar seu oposto. Os artistas são os malucos que dão formas a isso tudo. A confusão, nas palavras de Danilo, é que o mundo está louco demais em muitas outras instâncias. Criar não significa o diferencial em um mundo cuja realidade se porta como absoluto absurdo. Assim, o teatro, a arte, não faz sentido. Gostar ou não é irrelevante. Eu compreendo quem não gosta de teatro, disse ele. E ela: então por que a gente faz? Depois de um tempo de silêncio, a resposta: porque, mesmo assim, ainda faz algum sentido. Momento perfeito para a Patrícia fotografar os quatro juntos através do espelho. Abraços, beijos de despedidas, o elevador. Como é que dou conta de falar de tudo isso agora? Não dou, deixo sobrar o que sobrar. Como tentar explicar para alguém uma visita? No dia seguinte, Patrícia foi fotografar. Sei que Bel foi conversar madrugada à dentro com Cibele, e que Danilo saiu entusiasmado com o encontro. As fotos que chegaram são essas aqui, decidiram entre eles. E eu pensando, isso depois de termos conversado tanto sobre coerência? Exatamente. Afinal, construir pensamentos, levantar questões impossíveis, provocar vontades, inquietar-se é tão divertido, profundo e necessário quanto uma guerra de travesseiros. Ambos partem da ilusão e sonho. Ambos desejam a aventura. Ambos se colocam em risco ao outro. E nada é mais próximo ao artista do que o mais íntimo dos anseios de uma criança prestes a recriar o mundo. Ao menos, na coerência de sua livre imaginação. E só possível ser verdadeiramente artista se se der a liberdade de ser irresponsavelmente livre até de si mesmo. Não sobrou café. Precisei fazer mais para começar a escrever.
bete coelho + ricardo bittencourt + emĂlio kalil + carlos augusto calil jaram lee + luiz melo + romeo castellucci + thomas ostermeier + win vandek
www. a ntropo
+ danilo santos de miranda + jô soares + marília pêra + enrique diaz keybus + denise fraga + antonio araújo + willem dafoe + mikhail baryshnikov
osi ti vo. com. br
política da cultura amplificada por ruy filho
o teatro frente ao espelho as percepções de como o teatro brasileiro se relaciona com o outro e o faZer
D
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e tempos em tempos, surgem pesquisas so-
inglesa, produções próprias alternativas e envolvi-
bre a cultura e suas especificidades. Neste
mento em trabalhos mais próximos aos entendidos
ano, o SESC e a Fundação Perseu Abramo se
por comerciais. É com ela, portanto, que passamos
uniram para investigar mais atentamente
ao fazer teatral, visto pelo ângulo das ações propo-
os hábitos e práticas culturais do brasileiro.
sitivas por parte dos artistas e governos. Se, ao final,
A pesquisa denominada Públicos de Cultura, realizou
os editais se tornam de fato os meios mais presentes
2.400 entrevistas em 139 municípios, e trouxe à tona
de realização ao teatro paulista, modelo este já em
ângulos mais específicos dos relacionamento e inte-
expansão para tantos outros Estados, fez-se necessá-
resse dos brasileiros. Para compreender mais profun-
rio também buscar outra qualidade de avaliação des-
damente como a instituição leu o conteúdo final e o
ses mecanismos. Para tanto, conversamos por Skype
quanto pode influenciar novas diretrizes ao SESC, a
com Francisco Edilberto de Oliveira Filho sobre sua
Antro Positivo conversou com Danilo Santos de Miran-
recente tese de mestrado na Universidade Federal do
da, diretor regional do SESC São Paulo. Interessa-nos,
Espírito Santo, sob orientação de Fábio Luiz Malina
sobretudo, perceber especificamente as condições de
de Lima, As Políticas Públicas no Espírito Santo entre
como o teatro se relaciona com o público e vice-e-
2008 e 2014, pela qual constrói outra configuração de
-versa. Para aprofundar tal viés, convidamos a atriz,
recolhimento e organização de dados, propondo res-
tradutora e produtora Rachel Ripani. A diversidade de
ponder com grafos rizomáticos específicos a relação
atuação a tem permitido circular por estruturas di-
de eficiência, diversidade de distribuição, envolvi-
versas, dos musicais americanos remontados em São
mento, áreas etc., referentes aos editais públicos em
Paulo à traduções de autores estrangeiros de língua
seu Estado. Portanto, ainda que sempre inevitavel-
antro+
atividades cultur ais que produzem
somos uma grande minoria: apenas 1% faz teatro no brasil
EM %
faz não faz
CANtA
15
85
DANçA
13
87
tOCA INStRUMENtO
10
90
FAz FOtO
7
93
FAz PINtURA, DESENhO EtC
5
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FAz ESCRItA CRIAtIvA
4
96
FAz OU COMPõE MúSICA
4
96
FAz FILMES OU víDEOS
3
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FAz tEAtRO OU CIRCO
1
99 FONtE: PUbLICOS DE CULtURA, SESC, AgOStO E SEtEMbRO DE 2013 antro+
63
política da cultura
amplificada
tipos de apresentação de teatro que gosta de ver boa parte dos entrevistados respondeu que não gosta de nenhum tipo de apresentação. ou pior: nunca assistiu alguma.
CIRCO
33
COMÉDIA StAND UP
29
tEAtRO DE bONECOS
19
CONtAçãO DE hIStóRIA
13
MíMICA
8
óPERA
7
OUtRAS
1
NENhUMA QUALQUER UMA NãO SAbE OU NUNCA ASSIStIU
15 4 14
circo e stand up se destacam entre os tipos preferidos. teatro experimental se comprime entre as minúsculas partes denominadas por “outras”.
mente limitados a um primeiro olhar, trazemos aqui
os relatórios finais, ao contrário, junta-se ao empí-
uma breve reflexão sobre as informações técnicas, as
rico da avaliação informal cotidiana a certeza de
conclusões pessoais, as possibilidades de reinvenção
haver ainda um tanto mais para além do nomeado
do fazer teatral e seus os dilemas. Sabemos ser sem-
nos formulários. Existe uma parte da cultura que se
pre insuficiente limitar o olhar ao contexto de instan-
realiza nas instâncias da informalidade, espalhada,
tes. Mas é o que temos. E, agora, é exatamente o que
regionalista, periférica aos circuito das artes reco-
mais precisamos construir para prosseguir.
nhecidas, ele reconhece. Assim, a pesquisa aponta
Em sua sala, no SESC belenzinho, Danilo nos recebe
a cultura dentro do cânone artístico estabelecido e
disponível à conversa. Sabe não se tratar de uma en-
oficializado pelos sistemas econômicos e mercado
trevista comum, no formato perguntas e respostas, e
cultural. Confessa ter mais interesse em tentar ago-
sim de uma conversa mais aberta ao refletir conjun-
ra observar com igual propriedade as expressões não
to. Ouví-lo é sempre encontrar atalhos por dentre
alcançadas pela oficialidade, abrir, através do SESC,
os percursos mais espinhosos e surpreender-se com
cada vez mais espaços a elas.
desvios radicais originais. Explica-nos, logo de iní-
A importância dessa revisão está na valorização
cio, que o SESC mantém o interesse sobre o público
de outras possibilidades de manifestações culturais,
permanentemente, e que agora, junto à Fundação
híbridas ou verdadeiramente singulares, mas que,
Perseu Abramo, a curiosidade de desenhar perfil e
ao serem percebidas, já transitam por dentro das
interesses do público de cultura pode, enfim, ser
estruturas artísticas. validá-las no abrigo institucio-
em âmbito nacional. Para ele, todavia, a pesquisa
nal certamente fortalecerá o vínculo do SESC com a
se limita por sua possibilidade estratégia de avaliar
produção contemporânea, esta produzida presente
principalmente os setores reconhecidos integrantes
ao instante de acontecimento, podendo, ainda, des-
da indústria cultural. tal observação não desvaloriza
cobrí-las como faces próprias da nova modernidade. FONtE: PUbLICOS DE CULtURA, SESC, AgOStO E SEtEMbRO DE 2013
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antro+
Quando olhados os dados referentes ao teatro, os números assustam os apaixonados. Cerca de 75% das pessoas nunca foram ao teatro assistir peças ou danças, 89% nunca à opera. Dentre os 57% que não foram ao teatro, as respostas variam entre 21% dos que alegam não haver teatro em suas cidades, porém,
gêneros de teatro que gosta
24% assumem não gostarem, outros 16% não acharem
COMÉDIA
33
importante frequentarem as salas e 18% assumem não
DRAMA
9
terem costume de assistir peças. Somados esses últi-
INFANtIL
6
mos, totalizam 58% das pessoas que objetiva ou indi-
MUSICAL
5
retamente assumem não terem interesse por teatro
tRAgÉDIA
1
nos últimos anos. A relação com o valor dos ingressos
OUtRO
2
surpreende ao revelar que 6% não foram ao teatro por
NENhUM
23
achar os ingressos caros. O que esse primeiro desenho
QUALQUER UM
7
NãO SAbE OU NUNCA ASSIStIU
28
dos interesses revela é um amplo distanciamento do teatro como experiência de reencontro com a realidade e o homem. Entrando mais detalhadamente, entre os que assistiram alguma ou algumas peças, 33% escolheram comédias, 10% drama e tragédia (9 pra 1), 7% dizem que tanto faz o estilo, 6% preferem os infantis e 5% os musicais. Se pensarmos que os altos valores afastam uma porcentagem significativa do público
Quase 30% nunca assistiu um espetáculo de teatro. e menos de 0,1% se baseia na crítica especializada para escolher qual atividade cultural ir, confiando mais na sugestão dos amigos.
comum não especializado e serem os mais caros os musicais, veremos que junto à comédia somam com ampla vantagem como as linguagens são preferidas. Por conseguinte, ainda que as pessoas não se interessem tanto pelo teatro como experiência poética e reflexiva, entre o público presente o apreço está mesmo voltado ao entretenimento. Quando perguntado o que gostaria de fazer com seu tempo livre, a maioria escolheu viajar ou permanecer em casa, só depois o teatro aparece na lista de opção. Deduzimos esse movimento, por fim, como uma quebra de rotina, para a qual as pessoas não estão mais tão disponíveis, preferindo o lazer e o descanso, principalmente quanto possíveis de serem simultâneos. Para Danilo, a vida cotidiana oferece excelentes possibilidades de fugas e encontros, e também o que há na rotina de ruim, como o esgotamento e automatismo.
como se informa sobre as atividades culturais que costuma ir SUgEStãO DE AMIgO
47
DIvULgAçãO NA MíDIA
36
INtERNEt
25
CARRO DE SOM
8
PANFLEtOS E CARtAzES
6
OUtDOORS E FAIxAS
3
Ir ao teatro depende mais de estar o indivíduo acostu-
INDICAçãO DE PROFESSOR
2
mado ao convívio. Contudo, afirma Danilo, o aparato
CRítICA ESPECIALIzADA
0.08
escolar não prepara a criança e o jovem para o reper-
OUtRAS
2
tório simbólico e estético do teatro. Curiosamente, o
NENhUMA
15
teatro, o circo e o cinema estão entre os mais citados
NãO RESPONDEU
1
antro+
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política da cultura
amplificada
como atividades culturais iniciais quando ainda crian-
chegamos ao dilema de quanto o artista atual está
ças. A conclusão aponta o paradigma das políticas de
condicionado às regras do mercado. Rachel, por sua
formação de público. Não basta levar a criança ao te-
vez, é enfática ao defender não existir de fato um
atro, é preciso oferecer-lhe a cultura como parte da
mercado teatro, assim como não existe uma classe
educação geral. viver é um processo de troca perma-
teatral. Para ela, cada um está atrás do próximo edi-
nente, estabelecemos muitas relações diretas e sim-
tal e apenas isso mesmo. Os editais não funcionam
bólicas durante a vida, e a educação é permanente ao
como agregadores, ao contrário, impelem ao con-
homem, afirma Danilo. A questão, continua ele, está
fronto por espaços, verbas, ocupações e tudo mais.
na diferenciação feita entre cultura e processos edu-
E define, é preciso buscar uma unidade que seja pelo
cativos, provocando uma ausência de diálogos entre
interesse ao teatro, algo que vá para além do dinhei-
os dois mundos, enquanto deveria haver mais sinergia.
ro. É importante que se perceba as questões que lhe
A cultura como interface conjunta da educação tem
sejam próprias e não genéricas, portanto.
a ver com a potencialização das percepções humanas
Esse movimento de observar sobre nova ótica ne-
em todas as suas dimensões políticas, históricas, mo-
cessita revisar a própria estrutura burocrática e fun-
rais, filosóficas e simbólicas.
cional da cultura como setor de ação e presença. Qual
O pragmatismo decorrente da mercantilização da
o papel cabe ao Ministério da Cultura? Essa foi uma
educação origina-se principalmente nos excessos e
das questões mais relevantes trazidas à público por
distorções de nossa sociedade sobre o conhecimen-
Fábio Cesnik, há pouco mais de um ano, em encon-
to. Como selecionar o conhecimento e quem te dá
tro realizado em São Paulo, quando reuniu-se interes-
os parâmetros? O que define quais devo ter? São
sados e convidados de diversos setores da prática e
perguntas trazidas por Danilo, sem respostas ainda
intelectualidade cultural para discutir o Pró-cultura,
claras aos nossos dias. Apenas que se sabe haver uma
legislação que está sendo preparada para substituir a
disputa entre quantidade e qualidade do conheci-
atual Lei Rouanet. Naquele momento, debateu-se se,
mento. E, definitivamente, as escolas e seus novos
efetivamente, a dimensão paternalista do Ministério
modelos de serviço optaram pela quantificação diri-
seria mesmo o melhor caminho, quando se trata de
gida principalmente aos vestibulares.
recursos alocados vias leis de incentivo e mecenato. A
Ao final do encontro, a observação de estar na
reflexão foi interrompida por diversos jovens que inva-
relação da formação da criança os preceitos funda-
diram o hotel onde estávamos, exigindo participação
mentais ao desenvolvimento de indivíduos cultos,
nas conversas, em um espaço curiosamente privado
informados e necessariamente curiosos. O teatro se
e aberto às inscrições. Um dos palestrantes resumiu
faz exatamente no mover desses três elementos para
bem ao dizer que estávamos em uma viagem filosófica
se colocar em contato com o espectador. Sem algum
quando os inquietos trouxeram apenas a questão fi-
deles, perde-se boa chance de ser o espetáculo uma
nanceira como o grande problema a ser resolvido. Mas
experiência, seja ela intelectual, dialética ou inventi-
cada um pensa a Cultura como lhe interessa, afinal.
va. Imagine, então, quando pouco ou quase nada dos
Não há uma resposta simples a tudo junto. E precisa-
três vértices existem no universo escolar.
remos de muito mais tempo para elaborar princípios
É preciso recorrer a outros caminhos, encontrar no
66
que norteiem a revisão de tal estrutura.
artista os meios de reverter o desinteresse e cons-
Rachel aponta dois problemas ao pragmatismo do
truir os acessos ao imaginário simbólico, reflexivo e
artista: o primeiro se refere à transparência em to-
crítico do espectador. A conversa com Rachel Ripa-
dos os seus momentos; o segundo, diretamente de-
ni ocorreu em dois momentos. Sentados, avaliando
pendente dos artistas, resume-se na inquietação de
como estamos nós, os artistas, interagindo a essas
qual ser mesma a ideologia atual. Para o quê lutamos?
lacunas na formação do jovem, principalmente, logo
Pede-se mais recursos, mais editais, mais verbas. Isso
antro+
razões de não ter ido a espetáculo de dança ou teatro no último ano em %
em ordem decrescente de razões mais citadas
não gostar ou simplesmente não ter interesse ocupam boa parte das razões pela ausência das pessoas nas salas de espetáculos
NãO gOStA
24
NãO tEM NA CIDADE
21
NãO tEM COStUME
18
DESINtERESSE / NãO tEM IMPORtâNCIA
16
NãO tEM tEMPO DE IR
10
NãO tEM PERtO DE CASA / DIFICULDADE DE ChEgAR
6
É CARO / NãO tEM CONDIçõES FINANCEIRAS
6
NãO tEM COM QUEM IR
2
FALtA OFERtA DE QUALIDADE
2
RELIgIãO NãO PERMItE
1
CôNjEgE OU NAMORADO(A) NãO DEIxA
0.5
NãO gOStA DE IR ONDE tEM MUItA gENtE/FILA
0.2
freqüência a atividades cultur ais em %
já FEz SIM, NOS úLtIMOS 30 DIAS SIM, NO úLtIMO ANO, há MAIS DE 1 MêS SIM, MAS FAz MAIS DE 1 ANO NUNCA FOI OU FEz NA vIDA
57%
IR A UMA PEçA DE tEAtRO NO tEAtRO
43
vER UMA PRESENtAçãO CIRCENSE, FORA DE UM CIRCO
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vER UMA PEçA DE tEAtRO NA RUA OU OUtRO LOCAL QUE NãO tEAtRO
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IR A UM CIRCO tRADICIONAL (LONA/PICADEIRO)
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IR A UM ESPEtáCULO DE DANçA OU bALÉ NO tEAtRO
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nunca foi a um espetáculo de teatro
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FONtE: PUbLICOS DE CULtURA, SESC, AgOStO E SEtEMbRO DE 2013 antro+
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política da cultura
amplificada
infográficos pertencentes À pesquisa de políticas públicas de cultur a no espírito santo a metodologia oferece mesmo para um leigo possibilidades de reconhecer os valores dos gráficos, através do discurso estético
não é suficiente, é preciso mudar a dimensão dos nos-
grandes centros, os editais auxiliam e possibilitam a
sos próprios desejos. O que desejamos? E como e para
permanência das manifestações, com menos impac-
quem pedir? Camadas de intersecções entre e dentre
to sobre a totalidade.
a sociedade são diferentes de camadas fechadas em si
A maneira como a pesquisa se coloca oferece mesmo
mesmas, diz ela. É urgente encontrar outro mediador
ao leigo um discurso estético de imediato reconheci-
aos interesses imediatistas para gerar no outro o que-
mento dos valores envolvidos. talvez este seja o próxi-
rer teatro também como arte. O que Rachel coloca é
mo passo aos estudos dos editais, portanto da cultura
amplo e inicial: a necessidade dos artistas se coloca-
como economia criativa e indústria, a ampliação dos
rem ao outro de maneira a voltarem a ser relevantes.
dados aos seus contextos sensíveis, simbólicos. vale
Sem isso, como estamos, conduzidos e limitados aos
uma expiada na página disponível com os grafos e na
editais, o artista está se sucateando e sucateando a
tese de Francisco. É só clicar nos links.
arte. Não é possível ainda dialogarmos com o mercado
Por fim, se é possível ter alguma conclusão e dela
como única possibilidade, nessa espécie de aluguel de
extrair certezas, está a condição do teatro subsistir a
proponente para um vale tudo ao vencedor.
uma série de limitações que vão desde a defasagem da
Como ler por novas lentes este cotidiano dos edi-
educação simbólica, a dependência de um mercado
tais e fugir das avaliações de sempre e desculpas de-
reduzidos aos preceitos econômicos, aos editais como
coradas? Francisco Edilberto construiu um elaborado
suporte de validação. Parece não haver soluções, en-
esquema de cruzamento de informações para apre-
tão. Mas se o copo está pela metade... Que tal pen-
sentar mais claramente quem e com o que se ganhou
sarmos ser esses mesmos dados os instrumentos para
mais vezes editais, linguagens, mecanismos de apoios,
apontar um futuro brilhante? há uma imensa popula-
financiamentos etc. Iniciando o processo no Espírito
ção disponível ao encontro e consumo do teatro; há
Santo, a proposta foi trabalhar com identificação de
um imenso espaço a ser desenvolvido ao simbólico, e
pontos. No primeiro instante, levantando nas políti-
sem vícios dos cânones tradicionais, aberto portanto
cas dos editais as relações entre proponentes e tipos
às novas expressividades e experiências; há um uni-
de editais; quem tinha mais chance com cada edital.
verso complexo e livre de possibilidades de enfrenta-
No segundo, os parâmetros de julgamento: quantida-
mento do mercado, quando o artista se propuser inde-
de de editais e projetos, respostas de classificação ou
pendente das estruturas financiadoras e instrumentais
reprova, entre outros itens envolvendo repetições por
públicos. O teatro pode parecer à beira do precipício,
vezes inevitáveis e também algumas viciadas.
mas ninguém disse ser obrigado a pular. Até porque, é
Para Francisco, os editais se revelaram válidos
ele o espaço mais próprio para desafiarmos as regras
aos iniciantes, mas desnecessários dentre os artis-
e, quem sabe, descobrirmos como voar. basta estar-
tas estabelecidos. Melhorar a eficiência dos editais,
mos dispostos a correr riscos. Pois não se perde o que
então, dependeria menos de recursos e mais da per-
não se tem. O que se pode é conquistar o infinito na
cepção de serem eles os mecanismos extremamente
ousadia de uma mera tentativa.
eficientes aos municípios menores, nos quais sua presença realmente seria determinante ao existir de manifestações culturais, enquanto que nos 68
antro+
http://www.sesc.com.br/portal/site/publicosdecultura/ http://www.artes.ufes.br/pos-graduacao/PPgA/detalhes-da-tese?id=7733 http://politicasdeculturanoes.wordpress.com/ (acesso aos grafos)
EDITAIS COM MAIOR NÚMERO DE PROPONENTES CONTEMPLADOS
EDITAIS COM MAIOR NÚMERO DE PROPONENTES
PROPONENTES QUE MAIS PARTICIPARAM DE EDITAIS EDITAIS REGIONAIS E SEUS PROPONENTES CONTEMPLADOS
teatro em papel
a inversão do olhar Se cabe ao artista estruturar de forma objetiva os princípios e interesses na forma de projetos, do outro lado é fundamental que empresas e potenciais patrocinadores aprofundem instrumentais de planejamento e análise, afim de ambos os interessados construirem um diálogo mais eficiente ao desenvolvimento e desdobramento de
proposições culturais. O livro Editais de Patrocínio Empresarial serve a ambos, ao provocar uma intensa verticalização do olhar sobre a estratégia do patrocínio, para além dos benefícios fiscais. Um assunto urgente, estruturante e fundamental ao desenvolvimento de nossas possibilidade também ao empreendedorismo cultural.
c a m p a n h a
somar pela cultura
Kiko Marques
Lia Chaia
ator e diretor
artista plĂĄstica
foto patrĂcia cividanes
foto patrĂcia cividanes
Esta é uma campanha
por mais estrutura, presença, interesse e respeito
Gabriel Bá quadrinista foto patrícia cividanes
www.antropositivo.com.br
Chris Jatahy diretora foto patrícia cividanes
circunferĂŞncias
DESESTABI LIZAÇÕES A investigação da identidade em suas instâncias de pessoalidade e pertencimento
L
idar com o contemporâneo significa inves-
olhar ao redor estabelece os instrumentais para
tigar o quanto dele há do próprio homem
olhar a si próprio, também o histórico amplia o
na consolidação daquilo que se reconhe-
gesto ao contextualizá-lo ao tempo. É o que se
ce, e esse é, antes, um processo solitá-
propões Memórias Impagáveis, com curadoria
rio, individual. Apenas no reconhecimento de
de Augustín Pérez Rubio, ao selecionar 18 ar-
sua própria condição, poder-se-á chegar à am-
tistas no acervo do Videobrasil, sob o propósito
biência coletiva. Porém, a perspectiva de uma
de revisitar episódios polêmicos e conflituosos,
identidade possível de ainda ser reconhecida,
a partir das perspectivas pessoais dos artistas.
necessita compreender o existir de ausências
Ao estabelecer o conflito como princípio re-
e estados desestabilizados. Aliando abstrações
sultante ao sensível, expõe igualmente a per-
linguísticas e simbólicas, a colombiana Johan-
manência da presença em seu movimento de
na Cale traz em Grafos três séries de desenhos
diálogo. Assim, o sexteto de artistas forma-
pelos quais a experiência de percepção reve-
dos pela vontade ao diálogo trouxe ao Pivô a
lam um estado de vulnerabilidade e fragilida-
ação Que coisa é?. É preciso entender estar
de. Uma vez aceita essa condição ao homem,
na base do diálogo coletivo a constituição
resta-lhe estabelecer vínculos de convivência
das dinâmicas à uma reflexão sobre as rela-
à solidão que lhe afere o existir. Partem de
ções de poder, dentre as quais, a política e
tais aspectos, as 50 obras do argentino Guil-
estética dialogam inevitavelmente. É Cildo
lermo Kuitca, ao escolher trabalhar na repre-
Meirelles, em Bling Bling que oferece a pos-
sentação abstratas de espaços, desde mapas,
sibilidade de vivenciar essa reflexão de for-
planos de teatro até plantas arquitetônicas,
ma sensorial e mental. Por fim, tentar en-
na exposição Filosofia para Princesas. Assim,
contrar uma resposta a essas relações exige
a solidão revela dialogar também ao entorno
compreendê-las em suas contradições e
e não apenas ao seu íntimo. Cabe reconhe-
complementariedades. Espaços esses que
cendo o movimento de suspensão no tempo
as 90 colagens e autorretratos de Nino Cais
e espaço e o instante em que ambos são
no Paço das Arte, em Um Cais para Nino,
convertidos em cultura. É como responde a
se debruçam, apropriando-se das retóricas
gigantesca instalação de Carlito Carvalhosa,
dos meios tradicionais para gerar uma re-
em uma espécie de eternização do transi-
flexão de desconfiança sobre a artificiali-
tório. Tal deslocamento não permanece li-
dade das imagens. Como de início, então,
mitado e ocorre também no cotidiano, ge-
descobrir-se-á como desestabilização do
rando suspensões próximas, menores, como
sujeito não mais sua instância de desco-
as sofridas pelos objetos comuns em suas
nhecimento, mas de reconhecimento.
esperas de uso. As Pinturas Mudas de Luiz Ernesto em faz um inventário sobre tais objetos provocando ainda mais suas sensibilizações. Mas é preciso sensibilizar-se o conviver ao que de fato deve e precisa ser olhado, como propõem Nati Canto em A Falta que
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capa
entrevista
exclusiva
willem dafoe & w ikhail baryshnikov O percurso entre uma história de talento único e um artísta único na história por
ruy filho
intérprete fotos
rachel ripani
patrícia cividanes
d
eve ser divertido ser Willem Dafoe. Rodar o mundo e ocupar as salas de cinema e teatro. Isso, após seus 25 anos participando dos espetáculos experimentais do The Wooster Group. Então, imagine quão poucos possuem a possibilidade de se encontrar e criar com artistas tão diversos como os grupos experimentais nova-iorquinos e cineastas do porte de Lars Von Trier. Não é por acaso. Basta assistir a um dos bons filmes, ou para quem puder vê-lo no teatro, e a personalidade única desse artista se revelará quase imediatamente. Hoje, novamente, e agora o segundo trabalho com o diretor, Dafoe percorre diversos países com o espetáculo A Velha, a partir do texto do russo Danill Kharms, dirigido por Bob Wilson. A revista foi convidada a acompanhar a entrevista coletiva e teve a honra de encontrá-lo para uma conversa exclusiva no Sesc Pinheiros. Estar frente à frente com ele não é simples. Mas, sem dúvida, é divertido. Dafoe sorri o tempo todo. Ri de si mesmo nas respostas. Escapa das
er o huas sem perd ex pl m co s pergunta nhum momen eza. E, em ne la ve re mor e gentil o. Como e incomodad to, coloca-s ro vestindo vir ao encont em a lh co sua es nas. Poazul e havaia ão up ro um sse apenas onia, não fo enas uma ir ãos m deria ser ap as em su cara de café xí sa en b, im a bre Bo o conversar so de e ad nt vo e a se ali. e mais surgis teatro e o qu cola tem de uma es ve e qu , oe tá Para Daf do artista es a liberdade al qu na to l ra au at de de sua capacida em o ud a et rn sobr b Wilson o to alhar com Bo nomia, trab porque, lmente. Isso na io oc em e o mais livr a, ao ser tã or, a partitur spo a segundo o at ece-lhe e clara, ofer determinada mais presen tar em cena es de de da sibili rsensível estado hipe um em o, ir de te, inte e, no caso E afirma qu de po de atenção. a xada, el retação rela rp te in a s um er atrá de a se escond or at o ar ajud . Não se maneirismos e s ai ci so s ra máscara ado na manei ado ou limit e põ im sente intimid o erican o diretor am o m co da gi rí
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Willem Dafoe durante a coletiva realizada no SESc pinheiros, em São paulo.
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se , explicando ça em cena en es pr ao a su el ív ao ator el e flex -se disponív do en ec er lu of rar as so prepara poder encont , m si as , ra e, resuexigido, pa artificialidad da ta os G o. r. ções à direçã como criado e mais pureza ec er of be su lh a ão me; el ir da limitaç rdade a part Pensar a libe ça em cena. ópria presen pr da o id nt narrativa verte o se a a compor a ss pa or at o mas Uma vez que bjetividade, posição da su ex la ra pe se s ai de não m deixa de da forma, da vi ti sje pa ob e jeito, sim da portanto o su l, ra nt ce o e rsão qu a sustentaçã . É nessa inve do to ao o esença, sa a ser sign tência de pr po o m co te is za liberdade ex . E a grande sição do ator po ex o m re co o s não mai edimento ia desse proc pr ro ap se pela qual e original. imprevisível na ce em conhecila ve dialmente un m e -s ou Dafoe torn No entanto, pelo cinema. te en l lm pa ci do prin cífica com ta relação espe a um u ui di tr e m el não cons relacionar co se o nã a rm de po público. Afi m, a plateia teatro, poré o N . r-se te ta en en m at reta eciso ra, então é pr to du se mo to co ui ser m diz. Lida influenciar, ar ix de , se at o para nã ço do te ro rte do espa pa o m co se le espectador torna audíve e às vezes se qu , nçou co si ca fí al algo ue Dafoe te vivo. Porq en m não va no ez lv la reve las, ta ento das te im ec nh or co at re o ele é cedo o espectador ao to an qu aproximação perceba o ção muda a la re sa Es do de cinema. que é espera momento em no e o, el tr E ou . o es com s film conhecida do re a on rs en pe lm dele a principa a qualidade, su o ss is di r ra s teat sabe faze los e diretore er espetácu lh co hos no es ao ab te s seus tr al roximam ao ap se e Bob da qu na a que a, cont público, aind o e o br So a. cinem para que nã ige os atores rr co e pr m is ntir, po é Wilson se ateia irá se pl a e qu o oe rindo. interpretem comenta Daf ir, nt se á ir e a plateia qu
alse existiria no entanto, r, ze di ze be Não sa ver à fa r. e preferiria qu ro at te ssante, gum tipo de r sim intere se ce re pa do ieto Para ele, tu artista inqu visão de um a o do nd to ta e susten í-lo. D os ao assist m zi du de al de trab ho tal qual de criação e as ur ut tr es reconhemodo, as m tamanho co ém gu al to de mudam para -se com o fa oe lamenta af D E l de . ve to ní cimen mesmo contrado o en r te s ai an nunca m como qu do dos artistas to en im et comprom ster. nto ao Woo o simples, trabalhara ju do não é tã un m do que Ser alguém Dafoe sabe er que vá, qu e m nd co O . porém dar bem ano, e diz li ic er am e do pr o será sem como cidadã muito tempo o ss istir, Pa ex e . so ec is s reconh ai qu s no e, m da mundo, resu mo produto pecíficos, co es s to en om em m ltural. para Dafoe estrutura cu r o quanto ri ob sc de o são bemÉ curios e a cultura te ar a m co trasuas relações cinema por escolhas no a su m s; bé da m vi -resol ivos e ta ente alternat m ta lu o, so ud ab balhos o, sobret ais. É curios ci er m co ai s torna m s pelos mai atro isso se te no to an por ver o qu e em excando sempr fo o, os ad is cuid exas, difíce mais compl u se periências ao ada ietas se pens m co ao ator, inqu aceita nema. Dafoe público de ci relação a na portância im a su za leve ite-se flanar ltural, perm s estrutura cu ma os desvio ndo nela mes por ela gera
desconfortável “Me sinto
eM estar eM cena no
conforto”
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do outro. ao provocar necessários o artista mo poucos, Sabe ser, co precisar ser. que entende a que termina, aind A conversa dia todo sse passar o a vontade fo hora de . Afinal, era rindo juntos ino e volão pelo figur trocar o roup lado da A noite, ao tar ao palco. orou seu que comem esposa, ele rtamente no Brasil, ce aniversário pelos resencontrado poderia ser i, Dafoe cidade. Aqu taurantes da ows, copara ir a sh ou it ve ro ap por isso vertir. Talvez nhecer, se di sponível. teja tão di o sorriso es to, um Na última fo Não importa. olhar e a , a troca de to en im pr m co persoe um grande certeza de qu nda terá sso tempo ai nagem do no dizer. muito a nos
se transformar na luz, “não há nada Mais bonito do que
Música, arquitetura” W.D.
d
eve ser complicado ser Mikhail Baryshnikov. Rodar o mundo e ocupar os espaços de performances e teatros. Isso, desde seus nove anos, quando começou sua carreia de dançarino. Então, imagine quão poucos tiveram a possibilidade de dançar junto às maiores companhias clássicas e dialogar com coreógrafos e artistas tão diferentes, desde o aclamado balé russo até cineastas como Roman Polanski. Não é por acaso. Basta assistir a um de seus trabalhos, ou para quem puder vê-lo no teatro, e a potência poética desse artista único se confirmará imediatamente. Hoje, inaugurando a parceria com o diretor, Misha percorre novos espaços com o espetáculo A Velha, texto de Daniil Kharms que sugeriu a Bob Wilson. A revista, presente na coletiva, pode conversar também com ele em um momento somente nosso no teatro em São Paulo. Estar frente à frente com ele não é simples. E minha ansiedade parecia não passar em momento algum. Misha é denso e objetivo, principalmente sobre si mesmo. Não escapa das perguntas
entando um sempre sust s, ca ófi os fil mais o sua opão. Haja vist ex fl re de l alalto níve e corrigir qu se intimidar eap r ção por não se deria o tempo. Po do to s um lo er pe qu a paixão o, não fosse sm si io ec pr nd nas expor ai a ição em se os sp di e os assunt tista. mais como ar uma arte ex que vem de a al Para Misha, qu ente, na rígida e exig tremamente ividade do lada à subjet ve re é de liberda har com ento, trabal im ov m do a detalhe de sustentar ao exercício nse , Bob o obriga so, porque no corpo. Is imobilidade erece uma formalista of ro at te o e, romper do el profunda ao s ai m ão ns o compree a linha entre o gerando um , ra ca ás com o realism Essa m a vanguarda. e l na io já ic , al ad tr bém liter b Wilson tam no caso de Bo
e pintada facial é o ã n s s e s e r e xp apr smo a e vezes, o s a it a u t que me s uali . a, m opção d da, torn a m u o congela ntad ras forreprese por out o l e ia r o e d t ta o dio ma ia sobre atacar c o n ê is u c fl e r in iÉp o-nos a essa rig plicand ara ele, P . o al ic t mas, ex t o t siá uma teatro a érprete t in , o retor do d iv xige criat a rente e esença r a p p a o z m e a o d ir c e su s de exist úmulo d c e a d a o d r o e m lib ista co õe o art pois exp saiências. conden s exper artir da p a própria is lo u eir mo o acúm do man a iv t c Pensar e p pers passa a verte a o corpo b e u s u q o ã z ç a ve de sua rações ista. Um u n g fi io n c o le c co inadas determ conter apresentação, o vocabulário simbólico se expande e tende a formar um discurso original. É isso que a rigidez de Bob Wilson impede, ao trazer do artista não o discurso, mas o próprio acúmulo com linguagem. Reconhece-se, assim, a dimensão particular de um vocabulário nas estruturas internas do movimento e tempo e não mais pela expansão do gesto singular. Misha tornou-se mundialmente reconhecido principalmente pelo balé. Sua capacidade técnica e pessoalidade levaram a dança a um novo instante na história. É, sem dúvida, um dos maiores gênios dessa expressão. No entanto, incomoda-lhe a definição de dançarino. Por isso insiste para ser denominado como artista, ampliando ainda mais sua importância. Se dançarino, já seria um dos nomes centrais na história da arte recente, ao compreendê-lo como o artista que por um momento fez do dançar sua expressão,
passado
“não sou Mais dançarino.
a dança está no
toda dança para MiM é
iMpossível”
Mikhail Baryshnikov durante coletiva em São paulo.
Misha se coloca principalmente como um dos grande performers pelo qual o corpo foi material de discurso simbólico. Essa relação muda a maneira de olharmos inclusive a dança. Se entendido assim, artista em cena durante um balé clássico, a dança necessita ser assistida em sua totalidade de objeto, pelo qual ele se apropria e subverte ao se fazer presente. O que tornaria tudo, então, possível de ser artisticamente ocupado por ele. Mas assume haver autores, espetáculos e pesquisas que lhe interessam mais assistir e não fazer. Rvela se fã dos teatros tradicionais russo e inglês, e autores como Ibsen, Dostoiévski, Zola e Pinter, entre outros. E conclui argumentando não ter tempo para eles. Significa dizer, portanto, estar mais interessado e envolto com o contemporâneo, com as possibilidades de agora. Quando completou 50 anos, dezesseis atrás, portanto, o solo HeartBeat:mb era dançado seguindo as batidas amplificas de seu próprio coração, a partir de um dispositivo preso ao peito. É essa busca pela contemporaneidade, seja tecnológica ou estética, que o leva a inquietar-se e se aproximar de importantes ícones da cena contemporânea e das criações originais. Residente nos Estados Unidos há 40 anos, nascido na Letônia, ficou marcado como ícone de uma Rússia onde a dança clássica era a expressão maior, país onde também morou por 10 anos. Incomoda-lhe essa localização ao russo. Diz sentir orgulho de ser americano e não se imagina morando em outro lugar. E nos pergunta: o que é ser russo? Eu não sei dizer o que aquele lugar se tornou, conclui. É curioso perceber o quanto Misha se diferencia artista e homem. Se para o artista a localização na dança é um problema, exigindo
antro+
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artista de bob Wilson”
“você não consegue
se esconder coMo
M.B.
não ser classificado por linguagens, como homem a postura é inversa, impondo sua identidade pela localização geográfica a partir da sua escolha particular. Esses mesmos valores servem ao Baryshnikov Arts Center, não apenas espaço de dança, mas e principalmente um lugar de construção pelas artes de outros modos de se tratar a educação e formação. Para ele, é preciso provocar, mostrar o que é arte à criança, deixar que reverbere, e encontrar as paixões. A conversa termina, ainda que a vontade fosse passar o dia todo ouvindo e apreendendo. Afinal, pronto desde o início, era hora de ocupar o palco e treinar outra vez os movimentos da peça. A noite, perambulando pelos cantos da cidade, talvez ele retornasse à casa de Forró onde fora assistir e fotografar. Mesmo a diversão lhe serve à experiência de acumular possibilidade de vocabulários novos. Talvez por isso seja ele tão profundo a cada instante. Na última foto, o agradecimento chamando-o por Misha, e, enfim, a conquista de seu sorriso pronto pra devorar a vida.
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c a m p a n h a
somar pela cultura
Ana Carla Fonseca economista da cultura foto patrĂcia cividanes
Aline Fanju atriz foto sergio baia
Esta é uma campanha
por mais estrutura, presença, interesse e respeito
Fábio Moon quadrinista foto patrícia cividanes
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Igor Angelkorte ator e diretor foto sergio baia
outros tempos por ruy filho
FAIXAS FI AIS
Dois povos que travam suas guerras santas territoriais. Um coreógrafo e um cineastas em lados oposto buscando discutir os conflitos. A rua como discurso de realidade em pleno movimento de recriação da experiência do Real. Será que a humanidade é capaz de sobreviver a isso?
n
ão é fácil resumir algo que não se compreende muito bem. Com uma certa expulsão de suas terras, o povo passou a errar pelos cantos e vielas do planeta, Faz muito tempo isso. Então a Guerra aconteceu; não a dele, mas a de todos. Novamente, pela segunda vez. E outro povo, assim como aquele, passou a ser massacrado e perseguido, só que maneira muito mais cruel. O mundo reagiu, construiu para ele uma pátria, e permitiu sua resistência histórica e cultural. Parecia tudo estar resolvido, só que havia o povo anterior, e ele queria voltar para casa. Qual, se as terras agora tinham novo nome e moradores? E se tentou chegar a acordos de mil maneiras diferentes, gerações após gerações. O mesmo povo que foi acolhido pelo mundo se colocou contra dividir pedaços com os errantes. Famílias de ambos os lados fizeram seus assentamentos como deu. O conselho internacional igualmente não aceitava a formação do novo Estado para os abandonados. Depois voltou atrás. E hoje, nesse exato instante, o céu é consumido por uma quantidade infindável de mísseis, escolas são atacadas, milhares de pessoas mortas. Tudo parece voltar à absoluta falta de diálogo. Ninguém mais quer se envolver, porque o mundo não é mais o mesmo, e também retoma sua divisão política. Certeza mesmo é saber que o novo início do conflito se deu por parte do assassinato de três jovens. E pensar que por serem eles quem eram, acreditava-se em suas salvações. Dez dias antes. O teatro vazio reúne três garotos com caras e jeitos de estudantes. Novos, ainda. Eles decidiram criar o espetáculo como resposta ao cotidiano de um conflito mais histórico do que concreto. Era a maneira deles traduzirem suas juventudes, a paixão pelo país, pelas lutas e conquistas. Ali, distribuídos pelo palco, enquanto trocavam os uniformes empoeirados pela espera no ponto de ônibus, Arkadi Zaides explica o que pretende construir. É uma dança, diz, nos três e um vídeo ao fundo, nós entramos e copiamos os movimentos das fotografias como estrutura coreográfica. Tem certeza?, pergunta o mais novo.
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Claro, o que pode dar errado?, estamos falando de nossa historia, de nosso povo, de nossos pais e avós, estamos falando de nós! Arkadi estava certo. Ao menos na maneira de encarar por seu ponto de vista. O problema é dar a impressão de serem os palestinos a origem de toda a confusão. Ninguém pensará isso, tenho certeza, somos artistas e seremos compreendidos exatamente por dançarmos. O argumento era o ponto final à discussão, eles topariam ou não fazer o espetáculo, apenas isso importava agora. E decidiram por continuar. Foram dias, tardes, noites e uma ou outra madrugada. Enquanto estudavam os gestos
e posturas corporais dos soldados israelenses, se acostumavam com a ideia de que para todos seria fácil entender o discurso, sobretudo por sua literalidade autocrítica ao existir da guerra. Seis dias antes. Na noite de estreia, porém, o que aconteceu foi o improvável. Assistindo a dança, Khaled Jarrar precisava se segurar para não puxar uma arma e resolver ao jeito tradicional a afronta. A Faixa de Gaza era uma região mista, e uma apresentação como aquela evidentemente ofendia diretamente o seu povo. Quem esses sionistas acham que são? O berro dado por
Na página anterior, grafite do egípcio Gnazeer, com alusões às guerras no Oriente Médio. À esquerda, a cidade de Svalbard na Noruega que aboliu e proibiu a presença de pobres e desempregados. Acima, foto do espetáculo Archive, de Arkai Zaides, pelo qual palestinos filmavam os israelenses durante a ocupação.
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Khaled ainda nos primeiros dez minutos de cena, pouco antes de se retirar do teatro, chegou a provocar calafrios. A noite continuou. Não igual para todo mundo, porém. Cinco dias antes. Levem essas câmeras, são fáceis de usar, não se preocupem com a imagem ficar perfeita, o importante é gravarem com atenção e sem cortes. Os soldados israelenses não conheciam Khaled. Para eles, participar de um documentário sobre o conflito para Bollywood era divertido e curioso. E saíram noite adentro e nos dias seguintes. Trouxeram as câmeras?, perguntou-lhes o cineasta. Desculpe, senhor, mas uma delas se perdeu durante o caminho. Assistiu pequenos trechos de cada uma das máquinas e percebeu que os soldados não imaginavam nem reconheciam a monstruosidade de seus atos no campo de batalha, pareciam mesmo se orgulharem, posando para câmera, agindo com violência pouco natural, forçando suas atuações. Era exatamente o necessário. Agora, as cenas precisavam vir à publico e esperar a resposta acontecer. Três dias antes. A galeria de arte estava lotada com a intelectualidade palestina, universitários, professores, simpatizantes, artistas, agentes cul114
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No canto esquerdo, o Oculus Rift, mecanismo que poderá ser desenvolvido para produzir um efeito de realidade no cérebro incapaz de ser diferenciado do real. No centro, Chris Grayling, Secretário da Justiça do Governo Britânico. Abaixo, frame do filme Inflitrators do palestino Khaled Jarrar.
turais locais e estrangeiros, e alguns outros desavisados. Enquanto os filmes traziam a brutalidade dos soldados israelenses atacando civis palestinos, alguns gritavam, outros puxavam seus celulares, havia choro, havia ódio, havia humilhação. O jovem mais ao fundo da sala nem esperou o vídeo terminar, saiu em direção ao escritório geral do Hamas e contou o assistido. Duas horas depois, a lista com os nomes, identificando Arkadi como líder, pousava sobre a mesa de madeira velha com marcas de balas e as decisões foram tomadas. Um dia antes. Como sempre faziam, lá estavam os três amigos aguardando no ponto o ônibus. O carro chegou cercando, homens com metralhadoras e fuzis em mãos. Gritos, porradas nas caras, e os três deixaram de ser novos jovens dançarinos para se tornarem reféns. Poderia ter sido horrível, como meses de tortura, contudo o fato é que naquela tarde mesma, os três foram assassinados e apresentados como culpados ao resto do mundo. Então Israel reagiu. E continua agora. O Hamas e a Palestina tentam encontrar meios de vencer e se defender, só que o poderio do oponente é gigantesco, principalmente por contar com armamentos disponibilizados pelos americanos. A
guerra pelo solo sagrado sangrava ambos os povos. E nada parecia ser uma solução possível. As potências se reuniram e, após muita discussão, a conclusão de que, enquanto o solo viver, o povo morrerá. Era preciso agir rapidamente, arrancar do Oriente Médio toda a Gaza e gerar no vácuo a possibilidade de interrupção das bombas e mortes. A China ofereceu-se ao serviço. Ela sabia como fazê-lo, pois estava nos últimos anos construindo algo parecido em seu litoral. Se era o melhor caminho, ninguém ali sabia dizer. O fato é que se não tentassem nem isso, o mundo poderia ver eclodir uma nova guerra mundial. A Faixa de Gaza por invadida por um exército internacional criado especificamente para desabitar ambos os povos. Israel e Palestina não tinham escolha. As máquinas eram criações aterrorizantes, os chineses sabiam como fazer algo assim melhor do que ninguém. Avançavam sobre os territórios ocupados. Arrancavam quilômetros de terras santas e depositavam em dois novos montes no início do Mar Mediterrâneo. As novas ilhas dividiam o chão ancestral em porções iguais, dois pequenos continentes independentes e definitivos. Os povos foram realocados cada um à sua
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pátria. E, depois de décadas de disputas, enfim as duas nações existiam em seus solos sagrados. Bastava controlar também o imaginário, a dependência emocional ao ódio e conflito cristalizada pelo tempo. A ideia veio da Noruega, criar Estados onde os criminosos seriam deportados sumariamente, onde teriam seus direitos ao convívio com sua terra proibidos. Logo, em pouco tempo, não havia nem crime e nem disputa nos dois territórios. Israel e Palestina se tornaram uma variação de Svalbard, a cidade modelo norueguesa, onde o mesmo princípio foi aplicado, criando uma sociedade sem crime, sem pobreza, sem incômodo. O problema era como controlar também os prisioneiros antigos, os que já existiam desde antes das ilhas. Tirem os livros, explicou Chris Grayling, Secretário de Justiça do Governo Britânico. Funcionou muito bem em nossas prisões, ao não lerem 116
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e se informarem acostumaram-se rapidamente a outra esfera de pensamento. Parecia absurdo. Tentaram, e funcionou. Sem acesso aos livros, mesmo os religiosos, pouco à pouco as pessoas passaram a conviver e esquecer os detalhes históricos que impediram a paz. Nas escolas, os jovens receberam seus Oculus Rift, e eram moldados por uma criação virtual onde a realidade era perfeita. Todos os dias, as lembranças forjadas de paz, amizade e compreensão eram implantadas em seus cérebros tornando indissociável de experiências concretas. Até o egípcio surgir e resolver, por conta própria, colocar fogo em tudo outra vez. O Oculus não funcionou para Ganzeer. Ele bem que gostaria, mas simplesmente nada se fixava em sua mente que não viesse da própria realidade. Era preciso retirar as pessoas de seus mundos inventados e manipulados, trazer a história no-
À esquerda, outra vista da cidade de Svalbard na Noruega. Ao centro, intervenção em grafite de Ganzeer. Acima, imagem da ilha em construção pela China em alto mar, sem comunicação e autorização das organizações internacionais.
vamente ao conhecimento das gerações jovens, oferecer a verdade mesmo com seus dilemas e problemas. E isso só poderia ser feito com uma linguagem interessante aos garotos. Passou, então, a grafitar imagens e associações sobre como ambos os povos divergiam e se odiavam. Aos poucos, os muros ocupados reavivaram os sentimentos de guerra. Mas não havia porque lutar. Cada nação possuía sua parte sagrada da Faixa de Gaza e Jerusalém. E mesmo sem livros, submetidos a uma realidade manipulada, com a expulsão dos criminosos, permanecendo assim em paz, não seria problema alguma ver as bombas enferrujarem no deserto. Mais de dois mil anos depois. O planeta havia aquecido, a natureza perdera muito de sua beleza, fauna e flora, e também desenvolvera seres novos. Os recursos como alimento e água se esva-
ziaram. O homem havia guerreado por séculos e praticamente chegara ao próprio extermínio sem ajuda de mais ninguém. Restavam dois oásis, somente, duas pequenas ilhas no Mar Mediterrâneo. Duas nações. Mas com os dias contatos. Com o tempo, as ilhas fabricadas pela antiga China foram grão por grão de areia se aproximando levados por água e vento. Até se tocarem, até se misturarem. Outra vez não se sabia mais dizer a quem pertenciam. E naquela última tarde de vida humana, os dois povos cobertos com armas e tanques dividiam a pequena faixa de chão que antes era apenas mar. Não se sabe quem começou. Era possível ouvir de todos os cantos do planeta as explosões. Eram músicas de uma natureza inexplicável que depois de tanto tempo conseguira chegar ao fim.
todo ouvido
Domenico lancellotti Quando a melodia sustenta o íntimo
C Para conhecer uma das composições de Domenico, clique no botão acima 118
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abe à melodia determinar mais do que a trilha. Serve-lhe o instante, a sutileza do conviver ao mais íntimo da cena e nela resdesenhar um ambiente único. Escuta-se música, mas não como recurso. Como materialidade do existir próprio da subjetividade impossível ao dizer, ao agir, ao olhar. Por isso se deixa ouvir. Por isso convive. E Domenico Lancellotti sabe disso. Faz de suas melodias o sentir do cada um. E escondido em uma presença possível, resgata o íntimo em cores sonoras de profunda poesia.
o
diálogo. x2
por claucio andré e luísa valente
vermelho
amargo O EXISTIR LÍRICO COMO MEIO DE CONSTRUIR EM PLENO SONHO
luísa valente Cheguei claucio andré Vamo aê. lv: Bora ca: Seguinte. Já na saída a gente comentou brevemente sobre o aspecto lírico do espetáculo. Que acha da gente falar brevemente sobre isso e depois ir para outros pontos da peça? lv: Acho uma boa A presença do lírico é inerente ao próprio texto, Vermelho Amargo, mas a direção parece querer reproduzir esse lirismo na cena ca: Então. Também acho. Fica meio um lirismo ao quadrado. Toda hora me lembrava do “Lavourarcaica”, o filme/livro. De forma diferente, claro, mas tem esse elemento do(s) filho(s), da lembrança da mãe com carinho (no caso, o elemento vermelho-tomate-barco sempre presente), um pai nem tão amado... lv: Sim, e a peça é, assim como o filme, uma adaptação da obra Todo o lirismo em torno
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do tomate, por exemplo. Quando eu li Vermelho Amargo, eu sentia o tomate na minha boca, sua textura, seu (não) cheiro, sua cor Mas na peça esse mesmo tomate chegou de uma forma estranha até mim ca: Por quê? (Eu não li o livro. Tem alguma coisa que merece comentário, sobre a adaptação?) lv: Perdi um pouco da concretude das imagens, porque as palavras são criadoras de sentido por si só, senti falta de que elas chegassem até mim, na peça, sem tanto ‘’esforço’’, entende? ca: Não sei entendo, mas acho que tem a ver com uma sensação que tive. Li no programa deles que durante o processo o autor perguntou ao grupo o que eles queriam fazer com a obra, e responderam que não tinha muito o que ser feito, que tudo já estava lá. (vou pegar o programa pra ver se não estou falando merda) lv: Hahahaha, de fato, a escrita do Bartolomeu é muito imagética e
é impressionante a atmosfera de amor X opressão que ele cria durante a obra toda ca: Ah, sim, a resposta foi: “não havia muito a ser feito porque Vermelho Amargo é aquele tipo de obra que não carece muito, exceto da disposição para dialogar sinceramente.”
suficiente”, hehe. É o que você disse: o que fazer na transposição? ca: Mesmo sendo um texto muito bom. lv: Aí eu já discorde, rs •discordo ca: De que parte?
lv: Então surge essa questão da adaptação (e de todas as adaptações), o que se quer fazer com a obra? Uma simples transposição? Uma abertura de sentidos?
lv: Porque veja bem, qualquer texto pode ser encenado, ainda mais hoje! O texto do Bartolomeu, apesar de lírico, é em prosa. Acho que a força, mas também risco, da direção foi justamente transformar prosa em poesia no palco
ca: Mas aí o Diogo Liberano disse que foi um engano achar isso, pois as palavras carregam um vasto mundo, blablabla de programa de teatro...
ca: Sim, sim. Teve até uma cia. que encenou uma lista telefônica, rs. Não quis parar aí , e sim discutir o que eles fazem para transpor a obra ao palco.
ca: Eu penso o seguinte. Quando o texto é bom, ler ou apenas ouvir já é bastante compensador. Eu acho o texto muito bom, mesmo não sendo fã de lirismos nostálgicos, coisa minha. Mas, voltando à encenação, acho um perigo se basear só num texto lírico. Afinal, não é “dramático o
lv: Claro, entendo Você não saiu do teatro com a sensação de ter assistido à uma grande poesia? ca: Sim. lv: Eu sai. E acho que o caráter poético, lírico, vem não só do texto, mas também do cenário, da interpretação, luz e som
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DIREçãO: Diogo Liberano ELENCO: Daniel Carvalho Faria Davi de Carvalho e Luiz Paulo Barreto CENOgRaFIa: Bia Junqueira DIREçãO MUSICaL: Felipe Storino FIgURINO: Júlia Marini ILUMINaDOR: Daniela Sanchez SUPERvISãO: vera Holtz
ca: O som tinha um repetir de coros que me remetiam muito aos cantos de sereia, ou cantos de mãe no varal, cantos femininos de trabalho no cenário rural. lv: A peça é um turbilhão de lirismo, alguns deles muito bem executados, como o cenário, um gigante
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carpete vermelho bordô que se descascava ao longo da peça para revelar, já no final, um chão de nuvem, de algodão. Lindo! Hahahahaha ca: Confesso que achei um pouco over (a música), mas, se considerar o cenário, achei que coube bem: parte barco do tomate,
parte útero da mãe (tô viajando muito?) e, no fim, o tal chão de nuvem. Nuvem, aliás, que também achei fantástica, remete a uma simbologia rica do nosso inconsciente. lv: É, a trilha forçava um pouco a barra, por assim dizer, estranho como ela por vezes me
distanciava da peça por ser melodramática ca: E da interpretação? lv: Como sou atriz, acho estranho falar da interpretação, não me sinto autorizada, rs Mas se teve uma coisa que gostei, foi da presença. Os três atores estavam inteiros. Diga você
ca: Pela lógica, também estou descredenciado! lv: Haha ca: Mas concordo. Só não acho que estavam presentes 100% do tempo (nos “ais”, nas reações de susto, etc., achei premeditados) mas, considerando que os momentos eram aqueles em que eles
personificavam a infância e faziam brincadeiras de menino, então ok. Como ator sei que é muito foda estar presente enquanto criança! ca: Pensar/agir como criança... lv: Com certeza, isso é bastante difícil, a agilidade e leveza dos corpos dos atores
nesse momento me fez acreditar na criança deles
ca: Sem bombas de minha parte! haha Nenhuma alta discórdia, por exemplo? rs
ca: Mas e aí, não vamos polemizar nada dessa vez?
lv: Em relação ao que você disse até agora?
lv: Bom, se você perguntou, solta a bomba que eu vou sair de perto! Brincadeira, pode jogar que eu rebato
ca: Sim, mas nem encana com isso. Perguntei só de zoeira. É que é o primeiro Diálogos que vou encaminhando
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lv: Bom, eu só não concordei quando você deu a entender que ‘’Vermelho Amargo’’ não era passível de adaptação para o teatro por ‘’não ser dramático’’ Mas acho que discutir isso é um fetiche dos críticos, afinal o foco é a peça. ca: Não, não, eu falei que ler já é bastante compensador. Não quis dizer que é intransponível. lv: Você disse que era um perigo a encenação se basear ‘’só num texto lírico’’ ca: Estava justamente falando porque teve
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o Diálogos aí no seu computador ou tablet, se identificou com nossos dizeres e ficou curioso com o trabalho da Cia. Aberta, confira no Sesc Pinheiros até o fim de agosto.”
alguns momentos dos dois que eu sentia que o ritmo era o mesmo pra falar disto ou daquilo, então me causava a impressão de que eles estavam deixando que o texto fizesse tudo. Não foi em todos os momentos, mas foi uma impresão que tive lá pelos 10, 20 minutos de peça, antes do cenário se desdobrar em mil coisas.
O trabalho é corajoso! Que venham outros.
ca: Tendeu?
lv: Uau! Uau! Uau!!!!
lv: Ah, agora eu entendi, apesar de não ter me prendido na questão do ritmo da fala Quero dizer que isso não me incomodou, rs. Mas entendo. Fim da polêmica! Para encerrar, acho que é importante a gente dizer que esse é o segundo trabalho da Cia
ca: E no programa fala que são só os três, em parceria com outros artistas e em busca de explorar novas dramaturgias.
lv: Haha, boa. Bom, é isso aí.
lv: Incrível. Vida longa!
ca: Copiar-colarpro-Ruy.
ca: Sim, curti os caras. A cia. tem só os três? lv: Não sei, não conhecia Eles são do Rio, né? ca: (Wow, o próximo a estrear é em dezembro, direção da Cibele Forjas e Isabel Teixeira. “Só.”)
ca: “Bom, galera, é isso aí. Você que está acompanhando
lv: ‘’E não deixem de ler os outros diálogos!’’ ca: *Forjaz. Se ela me pega errando o nome, ela não me deixa pisar na USP.
ca: Valeu. lv: Valeu!
lv: Sim!
FOTOS: ANNA CLARA CARVALHO
sem nenhuma discussão de opinião, hehe.
obs
por ruy filho
QUE PAÍS É ESSE? [É A &#%{@ DO BRASIL]
P
ara alguns filósofos, a presença política sobre o sujeito está na disposição por tornar o viver um estado de construção de felicidade a todos. Era assim para Aristóteles e norteou muitos outros, fosse para reafirmar ou negar essa máxima. O problema é que da democracia grega à república moderna, muito se transformou, no que se refere à política. Não falo especificamente nela como ação, mas na condição filosófica de construção de um estado ao Homem e de um Estado ao homem. Nesse sentido, enquanto o filósofo pensou o primeiro, o mundo caminhou para sua eliminação e deixou apenas a compreensão pelo segundo. Então, o Estado, esse que se coloca prioritário ao indivíduo, consiste em tentativas de sustentação do coletivo mediante regras determinadas em parlamento. Ao menos aqui é assim, diferentemente das ditaduras, em que o Estado é a dominação do indivíduo para a configuração pré-determinada do que se quer por coletivo. Em outras palavras, vivemos em um país republicano e necessariamente democrático, mas estamos longe dos totalitarismos e ditaduras. Será? Claro que sim, afinal estamos à beira de uma eleição para substituir ou reconfirmar representantes em cargos executivos e legislativos, inclusive a própria Presidência da República. Então não há dúvida. E tudo bem. Não. Seria simples se fosse apenas isso. Ocorre que nessa tal república democrática representativa qual vivemos, um dos princípios fundantes de todos esses valores agregados e suas combinações é o da liberdade. Longe dizer que ter liberdade é fazer o que bem entender. Não se trata disso. Mas ser livre ao convívio das estruturas públicas, sempre tendo em vista a amplitude do coletivo, inclusive em seus aspectos políticos, o que, no nosso limite, significa manifestar-se e assumir as consequências devidas. Em
outras palavras, vivemos em um país onde agir, seja pelo ato ou pela expressão intelectual, é permitido dentro de limites claros em busca do bem comum, e estamos longe das censuras e proibições circunstanciais. Será? Claro que sim, afinal, saímos às ruas, dizemos o que queremos, opinamos, discutimos pelas páginas virtuais, pelos bares reais, entre amigos, entre conhecidos, dentre estruturas privadas e públicas e tudo mais. Tudo bem, então. Não. Seria incrível que fosse exatamente assim. Só que, para complicar um tanto, é preciso entender que toda forma de expressão é, antes, uma ação de escolha, mesmo entre as instintivas e intuitivas, já que o homem é, para além de sujeito, a possibilidade de representação dos valores culturais, sociais, históricos, morais, éticos, filosóficos etc., do que se nomeia por Sociedade. Qualquer ação, consciente ou não, dialoga com as ambiências de como o homem, esse agente ativo ou passivo social, sustenta em si o todo, as ambivalências e perspectivas de modo fractal. Assim, não se trata mais do rizoma deleuziano, pelo qual todos estariam ligados a todos, sendo causais e consequentes de infinitas maneiras ao social, e cuja somatória revelaria o panorama geral do existir Nação. Ser fractal, por sua vez, significa dizer ser cada um exatamente o outro, e que o conjunto não desenha mais o rascunho de Nação, mas verticaliza ao mais profundo da observação sobre a impossibilidade de decifração, pois não há fim. Não há como desenhar a Nação, o coletivo de mecanismos que a compõem, sem que o indivíduo se cristalize como unidade e, através dela, sustente a amplitude da sociedade. Tal complexidade se revela como movimento ou presença de possibilidade à ação no mero existir, na confirmação de cada um frente ao todo, e isso só é possível pelo pensar, pela intelectualização. A ação propriamente, como fisicalidade e
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Não poder falar, por um minuto, ainda que, sobre alguns assuntos. Assim destroi-se um país.
gesto, implica no caos generalizado. Cada um age como quer, e as regras deixam de importar, as estruturas deixam de sustentar, os poderes deixam de reger. Então se trata de fazer da fala, do pensamento, a ação em si. Lembra? Temos liberdade, temos espaço para isso. Então estamos bem. Afinal, pensar traz a plenitude do gesto físico como resposta consciente, e estar livre ao pensamento amplia o vocabulário crítico da ação. Será? Em alguns meses, iremos às urnas. Essa é a ação mais pragmática aos pensamentos. Apertar a urna, e para alguns ler suas digitais, o gesto mais concreto de participação. Mas do que adianta o gesto sem o pensamento prévio? Absolutamente nada. E do que adianta pensar isoladamente sem a disponibilidade a os pensamentos se colocarem coletivamente em desafio? Absolutamente nada. Então não somos de fato tão livres quanto acreditamos. Não vivemos a democracia qual entendemos. Não existimos na instância política-filosófica essencial que deveríamos. Por um simples jogo: não se pode falar de política antes das eleições. Pois é, exatamente isso. Os meios de comunicação são proibidos de interpretar os acontecimentos, as pessoas, as notícias, as informações. Salvos os encontros protegidos em regras determinadas rigidamente pelos enunciados, ou seja, pelos debates. Que país é esse em que o pensar politicamente é proibido por lei no momento mais fundamental à política? Que país é esse em que se proíbe a comunicação crítica diversificada e autoral? Que país é esse em que as punições ao pensar vão de multas milionárias aos extremos como processos de anulação de sua autonomia? Não falar em
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público de política, apenas limitar os meios de comunicação ao entretenimento das informações rasas e casuais, é destruir propositadamente toda e qualquer dimensão ao homem de se colocar como cidadão. Este não é quem vota, mas aquele que pelo voto afirma sua postura em relação. Sem relações, para que votar? Como votar? Por suposições e fofocas construídas entre adversários? Sim, lamento dizer que esse tal país democrático não existe. Morreu no dia em que foi proibido pelos nossos representantes no Congresso e Senado de pensar. A legislação não é de agora, então não se trata de culpar esse ou aquele partido. Mas hoje ainda permanece, então se trata de perguntar quando um governo de fato vai expor a própria face e permitir nossa liberdade intelectual de existir politicamente. Esse país não é a tal da república, pois estamos incapazes de traduzir nossa presença política. Tampouco, uma ditadura, qual se vê por aí. Não. Esse país é uma farsa governada pela encenação de uma Nação, pelo despropósito de uma falsa sensação de participação, pela manutenção de um desejar inútil à realidade, pela impossibilidade de um existir por si. O Brasil, não sendo nada, é a potência de tudo. É uma cama aberta aos amantes mais depravados, onde não se pode nem quer pensar. Onde não se pode nem quer desconfiar. Onde o gozo é a plenitude única ao exercício. Mesmo que seja provocado por falsas fantasias, falsas existências. Não importa. A cama é macia. E o país, já dizia o outro poeta, segue transformado inteiro em um puteiro. E não sejamos desagradáveis. Não estraguemos a festa. Afinal, ninguém vai a um puteiro para pensar e discutir política.
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maurice durozier
visitando
A experiĂŞncia de provocar suas prĂłprias aventuras por
ruy filho patrĂcia cividanes
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Maurice copia algumas fotos suas de cena para nosso pendrive, enquanto fica com as mĂşsicas brasileiras que continham nele.
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uando Martha Kiss me escreveu dizendo que poderia promover um encontro nosso com Maurice, o interesse foi imediato. Já nos conhecíamos, só que ele não sabia disso. Era final de ano, próximo ao Natal, Paris estava coberta de neve, e ela insistia em cair. Fazia dez graus negativos, mas isso não seria suficiente para nos impedir de chegar à Cartoucherie, espaço do Théâtre du Soleil. Chegamos cedo, o que nada adiantou, pois estavam desde antes trancados ensaiando. O frio era cortante. Um rapaz nos ofereceu entrar e esperar na cozinha. Foi quando Maurice surgiu e sem nada dizer acendeu a la-
reira, colocou um pequeno bolo caseiro e bule de café sobre a mesa, e saiu. Comemos, bebi o café e, após ser liberado para que percorrêssemos à vontade os galpões, antes de nossa caminhada, lavei a louça acumulada que esperava os atores. Era a forma de agradecer-lhes a recepção e liberdade. Era meu abraço à Maurice. Agora, ele em São Paulo, poderíamos ter a conversa que não aconteceu lá. E foi na Casa do Povo, no Bom Retiro, a segunda parte de nosso encontro. Maurice fala muito bem português, mas ter Martha como nossa tradutora oferecia aos dois maior tranquilidade ao papo. Curiosamente, ocorreu de ser ele convidado para conhecer os espaços do edifício. E lá fomos nós. A mudança fundamental aconteceu ao
entrarmos no teatro subterrâneo. Mantido destruído, cadeiras, palco e o mínimo de luz distante do palco, ofereceu uma atmosfera única ao encontro. E Maurice sugeriu: façamos a conversa aqui. Sentados no palco, em uma fileira de três poltronas velhas vermelhas, olhando a história de uma plateia preenchida de acontecimentos e vazios, praticamente no escuro, tratamos de suas histórias e inquietações. E, por mais uma hora, tive a sensação de não estarmos nem em Paris nem em Sampa, mas em um lugar especialmente construído para nós. Ao me conta ter estado por 11 anos fora do Soleil, revela também ter experimentado a função de dirigir. Não sabia que iria sair um dia, nem que voltaria, confessa. Trabalhar por tanto
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“o diretor deve ser um visionário”
o olhar secreto de Camille sob as lentes de Roberto setton.
tempo com Ariane Mnouchkine dava-lhe a sensação de ser possível, e traduzir pela direção as experiências adquiridas como ator, parecia o caminho mais instigante. Todavia, revela, faltava-lhe uma qualidade específica e fundamental. Dirigir atores não é o mais complicado, explica. Mas é preciso ter a capacidade de dar sentido ao espaço, imaginar onde e como vai acontecer o espaço poético. O que Maurice coloca em questão é a capacidade de elaborar espaços poéticos, não apenas em seus sentidos físicos, também em suas dimensões experienciais ao espectador. É interessante perceber o quanto nisso há de tradição e de nova potência à teatralidade no exercício conceitual da cena, dialogando uma e outra, em contraposição ao aspecto defendido de serem ambas antagônicas. Tratamos no contemporâneo, quase que naturalmente, o espaço como abrigo ao teatro. Assim, tomamos os espaços como possibilidades de sustentação estética e simbólica, enquanto o palco é limitado a ser a expressão do
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Maurice em cena de “Palavra de ator”, apresentada em agosto de 2014 em são Paulo.
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tradicionalismo. Ouvindo Maurice e olhando o teatro abandonado, a percepção é exatamente da necessidade de se buscar outra vez o palco como espaço teatral. É nele, hoje, o maior desafio ao diretor, que agora se vê também em diálogo com o mundo exterior. Talvez as questões sejam menos paradoxais ao se colocarem nos espaços preenchidos de significados históricos reais e reconhecíveis, e o desafio seja dar instrumentos ao espectador para encontrar a história e a realidade no palco, sobretudo por sua dimensão poética. Para ele, é preciso o artista estar sempre aberto, de modo que o público possa esperar ser o teatro um encontro também da
condição de sua inocência. É uma escolha, sem dúvida, por um teatro construído a partir das histórias dos homens. O valor épico tão marcante nas apresentações do Théâtre du Soleil. Então é possível dizer ser o poético também a maneira de encontro mais íntima do espectador com sua própria realidade, desde que a poesia esteja na dimensão de exposição da história comum, em seu estado de acontecimento. Por isso, explica, a companhia decidiu por montar sua versão de Macbeth. Vivemos a época de retorno à ditaduras e disputas de poder e submissão a ele, diz. Um diretor deve ser visionário, intuir o que contar, ler as angústias de seu público, conclui. E essa peça de Shakespea-
re traduz simbolicamente as urgências de se compreender esse movimento. Se falar com o público, ainda que poeticamente, é uma das maiores urgências da arte, compreendendo ser ele quem termina de fato o espetáculo através de sua imaginação, como manter o contato na era da tecnologia? Sem o reconhecimento do instante não há a comunicação, e sem ela torna-se impossível provocar no outro novas experiências de apreensão do presente. Para o filósofo Franklin Leopoldo a questão se refere principalmente na necessidade de compreender o movimento da mudança no tempo da história em suas especificidades. Se tratada a história como
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o artista precisa esperar que a arte seja sempre um encanto
estrutura objetiva, suas formas estão condicionadas às mudanças provisórias e passageiras, assim como suas realizações são instáveis. Contudo, se a história for entendida como mudanças históricas, então fala-se principalmente de experiências. E é exatamente à experiência que Maurice se refere quando condiciona esta à comunicação com o espectador nessa época tão particular. Franklin explica que em épocas de comunicação lenta, o homem lida com seu autoconhecimento através de identidades cristalizadas em um mundo organizado. Estabelece-se nele a centralidade do sujeito, e o ritmo das experiências corresponde a um universo humano dotado de
necessidades. No entanto, em épocas de comunicação velozes, a experiência não pode contar com apoios relativamente sólidos. A supremacia do sujeito se coloca em xeque, dada sua impossibilidade de permanência ao sentido de mudança. Assim, hoje, o homem vivencia um instante de ininterruptas mudanças, enquanto assiste sua incapacidade em mudar. Nas palavras do filósofo, a simplificação da experiência é também sua banalização. Retornando ao fazer teatral, Maurice confirma os mesmos argumentos por outros caminhos. Fala sobre a necessidade do artista estar aberto a conduzir a arte a partir da perspectiva da renovação, tanto própria quan-
to da criação. E cita ser este era o grande dilema enfrentado por Shakespeare ao se ver na condição de escrever para o povo e para a realeza, enquanto ambas se reestruturavam em comportamentos e estruturas. Não abrir mão da profundidade significa oferecer verticalidade às experiências. E conclui: O teatro popular não é simplório, banal, é antes um teatro elitista para todos. Por fim, cabe, então, ao artista determinar como poderá sustentar a profundidade à pluralidade. Maurice se coloca incomodado com a resposta cada vez mais individualista dos artistas e é enfático ao dizer que pensar o teatro assim é uma aberração. Não tem nenhuma aventura nesse
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Maurice durante fotos para antro Positivo, na Casa do Povo, em são Paulo.
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criar teatral solitário, nem entre os artistas, nem com o público, e o público é parte da aventura, conclui. Para ele, o problema está na inversão de como o artista se reconhece. Se antes o artista surgia como consequente ao homem, agora o homem se molda a partir da projeção imposta por uma formatação dada ao artista. Esta é a diferença entre o sucesso conquistado do construído.
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Por um lado, explica ele, o artista procura isso, até como meio de sobreviver em atividade, mas perde a essência da arte. O artista deveria projetar seu existir na duração e saber que não pode ser artista se perder a conexão com a realidade, explica. Viver é primeiramente marginal. É no viver que se deve encontrar a dimensão poética, para dele construir o mundo do sonho. Por isso a histó-
ria é a aproximação mais onírica ao real. Por isso contar histórias. Por isso o teatro como meio de construção de histórias possíveis. Foi na década de 1980 que Maurice viajou em turnê pela primeira vez aos Estados Unidos. Para ele, o sucesso do Théâtre du Soleil não estava na marca reconhecida, mas na construção de uma sociedade na qual se reconhecia nas crianças o gosto por ouvir his-
“o teatro popular é elitista para todos”
tórias. Pode ser. Tem certo sentido isso. E, enquanto nossos olhos se acostumavam à escuridão do teatro destruído, a conversa me levava a pensar o quanto mais de histórias esse ator possuía, o quanto havia ali mesmo de história, o quanto lá fora a história provocava, o quanto os silêncios e pausas entre nossas falas exigiam e preenchiam novamente o teatro vazio com nossas poesias.
o olhar secreto de Camille sob as lentes de Roberto setton.
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“quem termina o espetáculo é sempre a imaginação do espectador”
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CONTAMINAçãO
por Pedro Granato
imersão Lincoln Center
Um mergulho à pluralidade das experiências teatrais
O
processo do Directors LAB do
espetáculos, palestras, vídeos e debatemos o que vi-
Lincoln Center começa na ins-
mos; na segunda oferecemos oficinas sobre técnicas
crição. São perguntas abertas,
específicas e um painel sobre o teatro em nosso país
sobre ideias, experiências, fu-
e na última nos separamos em grupos de estudos que
turos e antigos projetos. Essa
compartilharam para todos pesquisa sobre diferentes
pausa para reflexão, em outra
aspectos do teatro contemporâneo.
língua, já vale por si só.
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No primeiro momento vimos espetáculos diversos:
O tema desse ano era a Plateia. Para quem fazemos te-
produções mais tradicionais e realistas com textos con-
atro? Eu, há menos de um ano cuidando do teatro Pequeno
temporâneas do Lincoln Center como “City of Conversa-
Ato sozinho, alternando direções de propostas tão diver-
tion” sobre o duelo republicano e democrata através de
sas como solos intimistas e peças de rua, senti que essa
gerações de uma família de Washington e “The Who and
pergunta estava fundamentalmente conectada a tudo que
the What” sobre as relações amorosas em uma família
eu faço. Diferentes espetáculos para diferentes plateias.
islâmica; o espetáculo de Heizei Nakamura-za de tradi-
Então tomei dias para fazer minha inscrição e quando sou-
cional kabuki japonês com suas trocas de cenário e per-
be que fui selecionado preparei o terreno para passar um
sonagens estonteantes; “Wayra” nova produção imersiva
mês distante de peças, alunos e do meu teatro.
e bem adaptada `a estética Broadway do grupo Fuerza
Cheguei com cadernos em branco, livros de teatro bra-
Bruta; um vídeo exclusivo da montagem minimalista de
sileiro e uma disposição de abrir os radares para todas as
“Carmen” por Peter Brook no Lincoln Center, além de ou-
propostas e ideias mais diferentes. Era o único brasileiro,
tras peças que podíamos acessar na biblioteca. Também
e nas três semanas de LAB só falei uma palavra em portu-
fizeram espetáculos especialmente para nós nas salas do
guês: “saudade” - porque não tem tradução e tínhamos
Lincoln Center: “No Child” um virtuoso monólogo sobre
que escolher uma única palavra na roda de fechamento.
uma professora de teatro no Brooklin, “Maafa” espetácu-
O LAB desse ano foi dividido mais ou menos em 3
lo imersivo sobre a escravidão e “Beertown” uma confe-
etapas ao longo de suas 3 semanas: na primeira vimos
rência interativa – e um tanto americanóide - para definir
ANTrO+
na página anterior, a entrada dos teatros do Lincoln Center e seu espelho d’ água. nesta página, o mesmo local, com uma apresentação no final de semana, e a grande sala de ensaios, onde a maioria das coisas do LaB acontecem.
leis em uma cidade fictícia. Aproveitei as raras brechas
No texto de abertura, a organizadora disse uma
que tínhamos (o laboratório ocorre de terça a domingo,
frase marcante. Quando ela começou a ideia do LAB,
das 10h `as 22h) para ver outras produções: “Here Lies
disseram-lhe “mas os diretores se odeiam”. E tudo o
Love” uma bomba idealizada por David Byrne e Fatboy
que vivi nessas três intensas semanas realmente ne-
Slim que mistura ditadura com pista de dança e “The
gou essa afirmação. Talvez pelos diferentes países,
Village Bike” interessante texto britânico com a atriz de
ausência de competição em editais e prêmios, todos
“Frances Ha” Greta Gerwig.
pareciam dispostos a uma troca verdadeira, mostran-
Além dessa maratona de peças, recebíamos em média 3 convidados por dia debatendo experiências diversas: o
do seus trabalhos. Me perguntei porque não podemos estabelecer mais trocas assim por aqui.
diretor Bryan Doerries que faz apresentações de tragé-
A primeira semana acabou junto da Copa do Mundo, e
dias gregas para o exército americano, o diretor de ópe-
felizmente futebol não era o assunto preferido. A segun-
ras e peças Bartlett Sher que dirigiu “Golden Boy” (peça
da semana para mim foi a mais interessante, onde nos
que foi responsável pelo meu interesse na produção te-
tornamos mais ativos e ministramos oficinas. Me pedi-
atral do Lincoln Center e me levou ao LAB e críticos),
ram para conduzir um trabalho a partir de conceitos de
administradores de teatro, set designers, coordenadores
Augusto Boal, que eu estudei na época do IVO 60. Pude
de programas de formação de plateia e etc.
participar de oficinas com alunos e assistentes do Lecoq,
Talvez você já possa sentir que foi uma overdose de
Barba, Lepage e diferentes técnicas desenvolvidas ao re-
informação que somente os cadernos de notas e compu-
dor do mundo. A troca deixava de ser só intelectual e
tadores poderiam ajudar. Éramos 70 diretores do mundo
passava para procedimentos, jeitos de conduzir, postura
todo, debatendo todos os aspectos de cada apresentação
dentro de sala de ensaio. A auto-percepção estava muito
dessas ao menos 12 horas por dia. O interessante é que
forte. Falando outras línguas (além do inglês, tinha uma
a cada momento, eu podia sentar ao lado de um outro
boa comunidade hispânica e em francês eu me arriscava)
diretor, trocar impressões, continuar a conversa nos bre-
meu jeito e consequentemente o jeito brasileiro de falar,
ves intervalos ou nos jantares que fazíamos após o LAB.
agir e trabalhar parecia cada vez mais nítido.
ANTrO+
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Hall do Vivian Beaumont theater no Lincoln Center, ponto de encontro para o primeiro e último dia. no detalhe, Pedro Granato (em primeiro plano) acompanhado do diretor russo Maxim didenko. Quando fui preparar meu seminário sobre o teatro no Brasil, já estava há 10 dias muito intensos imerso em ou-
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tras realidades e foi com estranhamento e olhar renova-
Muitos eram representantes únicos e tinham conseguido
do que voltei `a nossa cena teatral para escolher exem-
a vaga através de um prêmio ou apoio de instituições
plos representativos. Tive que voltar `a nossa história,
culturais e embaixadas, e me parece que só pelo fato de
`a formação do povo brasileiro para explicar e entender
terem viajado, estarem longe de seus grupos, amigos e
a linguagem que desenvolvemos. Foi muito interessan-
famílias, o mergulho era mais profundo. Abri uma pon-
te contar e selecionar exemplos de trabalhos realizados
te para desenvolver uma pesquisa com um diretor russo
aqui. A noção de identidade ficou muito forte e mais pro-
interessantíssimo, com estética forte e energia punk e
funda do que imaginava. Ao mostrar meu trabalho, pude
que vem de uma tradicional família de teatro russa. Ele
ter uma perspectiva muito mais histórica de influências
dirige peças, performances, musicais e até circo sem-
– até inconscientes – no desenvolvimento de minhas di-
pre com forte pegada de teatro físico. Formei um grupo
reções. E foi muito interessante poder ouvir sobre as re-
com os diretores que representavam Espanha, França,
alidades de outros países direto de quem vive essa cena.
Argentina e Uruguai em que começamos a pensar em um
Ouvir os gregos explicarem seu entendimento de catarse
trabalho internacional para o ano que vem, até porque
superou qualquer aula que pude ter sobre tragédias. Ou
após duas semanas intensivas já éramos amigos de longa
os russos contando as vanguardas e pesquisas estéticas
data com muita sintonia nas ideias.
que acontecem na Rússia e que estão a quilômetros de
Após formar fortes laços de amizade, cheguei à ter-
distância do “método Stanislavski”. Ou o poderosa inser-
ceira semana e então se estabeleceu uma corrida contra
ção do teatro no programa educacional inglês.
o tempo. A vontade era conversar e trocar com todos
Mas os mais surpreendente foi ouvir reclamações, in-
diretores que ainda não tinha passado um tempo junto,
clusive mais graves que as que ouvimos aqui, de falta de
aproveitar as últimas oportunidades ao mesmo tempo
apoio e oportunidades em países como Japão, Espanha e
que o cansaço vinha para todos. Estávamos exaustos de
os próprios EUA – onde o teatro tem pouquíssimo apoio
tanta discussão e queríamos experiências em sala de en-
estatal para se manter. Valorizei ainda mais e difundi ex-
saio. Os grupos de pesquisa fizeram suas apresentações
periências fundamentais para nossa cultura como a Lei
e praticamente todos incluíram atividades práticas para
de Fomento ao Teatro (que considero um paradigma in-
difundir seu trabalho. Eram onze grupos e escolhíamos
ternacional de apoio à pesquisa teatral), o sistema SESC
eles previamente. Ao longo do LAB tivemos tempo para
que tanto apoia artistas e forma público e os nossos edi-
fazer reuniões, trocar informações e referências e pre-
tais – que creiam – não são muito comuns por ai.
parar a nossa “sessão”. Na últimas semana, cartolinas
No começo falamos muito da cena americana. Com
com nomes de diretores, grupos, peças, instituições tea-
análises de americanos e a reação dos diretores interna-
trais ocupavam as paredes da grande sala que nos encon-
cionais a tudo que víamos. Ao mesmo tempo que critico
trávamos. E as informações continuavam e continuam
o mercantilismo da produção americana, é inegável a
chegando por e-mail, anotações, links e pensamentos.
habilidade e experiência que eles tem em tornar o tea-
O grupo que escolhi pensou novos rumos para o teatro
tro atrativo e interessante para as plateias. E não estou
em nossa época. Como o teatro dialoga com um mundo
falando de Broadway. É uma visão espalhada em toda
repleto de redes sociais, narrativas virtuais e uma gera-
cultura americana, dos grupos independentes `as estre-
ção que nasceu com a internet. O caminho é ir na dire-
las, todos estão muito focados em crescer e construir
ção oposta? Ou incluir interatividade, tecnologia? O que
um trabalho com fundamentos claros, buscando atingir
mudou no modo como a plateia recebe uma narrativa?
a plateia. Não à toa, é o país que propõe um espaço em
Fizemos muito mais perguntas que respostas e comparti-
que diretores do mundo vem pensar rumos para o teatro.
lhamos trabalhos em que todos se sentiram transforma-
Ainda assim, meus contatos mais frutíferos foram com
dos, representados, reinventados. Trouxemos projeções
diretores da Europa e América Latina. Eles pareciam mais
de vídeos, músicas e peças que nos marcaram,
famintos pela troca e com trabalhos mais interessantes.
um espaço para comunicação não-verbal (en-
ANTrO+
Pedro Granato com Lucia Miranda (eSP), Jorge eiro (arG), Florencia Lindner (UrU) e Maelle Poesy (Fra). no detalhe, a famosa fonte na entrada do Lincoln Center.
pecíficas, teatro interativo, imersivo e fechamos o LAB com uma emocionante sessão de teatro essencial. O ator no foco, a transformação do ambiente por um grupo de atores, a ressignificação de objetos no palco. Foi muito forte reunir 70 diretores para um grande aquecimento em coro e depois um a um subir ao palco vazio e se relacionar de diferentes formas com um objeto sem utilidade aparente. tenda isso como quiser) e um open
Para além das ideias e técnicas,
mic para ideias. Juntos formamos
as diferentes culturas e origens ex-
um arquivo virtual e colaborativo
pressas no palco, no jeito de subir se movimentar.
enviaram suas sugestões pela internet.
Foi uma emocionante despedida, tão
O grupo que estudou teatro político foi na mosca do conflito no oriente médio e mes-
156
no palco, de olhar para a plateia, de
dores que não estavam no LAB que
essencial e tão cheia de significados. Ainda fizemos uma última sessão de avaliação e suges-
clando nacionalidades russa, grega, libanesa, francesa,
tões para os anos futuros, onde entramos em uma rede
americana e mexicana apresentaram ama breve per-
de comunicação com todos os diretores que passaram
formance a partir da contundente peça curta “Jewish
por esses anos de LAB - onde trocamos informações sobre
Children”. Só a mistura de países e origens já criava um
peças, teatros e festivais - e fomos celebrar 3 das sema-
potente discurso político, já que todos diziam o mesmo
nas mais intensas que já vivi.
texto, cada um do seu jeito. Foi interessantíssimo discu-
A experiência ultrapassa a descrição em palavras e
tir com russos nos EUA a crise da Ucrânia enquanto todas
muitas fichas ainda estão caindo e vão cair. Tenho cen-
as revistas americanas anunciavam o retorno da Guerra
tenas de indicações de trabalhos e diretores para conhe-
Fria e ouvir o ponto de vista de israelitas que fizeram por
cer, ver e pesquisar e a sensação nítida é de que foi o
5 anos serviço militar obrigatório e tem uma sensibilida-
início de um processo de grande transformação.
de teatral delicada e assustada com os acontecimentos.
Volto com energia e ideias muito renovadas. A vontade
Tivemos grupos que discutiram grandes sucessos de
agora é espalhar essa experiência com alunos e compa-
público e quais os fatores que levaram a isso, grandes
nheiros de profissão, aproximar as pontes que nos ligam
obras de arte e seu contexto histórico, ações de ma-
com as diversas cenas internacionais sem jamais
rketing e engajamento de plateias, música no teatro
perder a consciência do enorme valor que te-
passando pela ópera, musicais e apontando para novas
mos. Nesse grande processo de troca teatral,
misturas, teatro para crianças, para comunidades es-
temos que assumir nosso papel.
ANTrO+
FOTOS: PEDrO GrANATO, MAxIM DIDENkO E BOB DEGuS
com participação de outros cria-
agora algumas das matérias publicadas em nossas edições poderão ser lidas também em inglês www.antropositivo.com.br
c a m p a n h a
Miguel ThirĂŠ ator e diretor foto sergio baia
somar pela cultura Diogo Granato bailarino e coreĂłgrafo foto patrĂcia cividanes
Esta ĂŠ uma campanha
por mais estrutura, presença, interesse e respeito
Marcelo Drummond ator foto patrĂcia cividanes
www.antropositivo.com.br
Cristiano Burlan cineasta foto patrĂcia cividanes
ca r t a a b e r t a remetente destinatário
Ruy Filho Deus
o
i, Deus, tudo bem? Deve estar, não é? Afinal, se a água não caiu até agora é porque está contigo, então, tranquilo aí. Aqui não. Logo vai ferrar geral e, não tenha dúvida, vai sobrar até pra você. Mas nem é por isso que te escrevo. Nem sei se você recebe carta, mas como o Papai Noel sim, vai que ele me ajuda e leva essa. Acho que carta mesmo você não deve ter muitas. Mais vela, oração, incenso e essas coisas. Agora, carta? Quem escreve cartas hoje em dia? Bom, vamos ao motivo. Tudo bem que eu não acredite em milagre, mas o senhor conseguiu realmente o impossível. Em um mesmo instante, em plena época eleitoral, tantos inimigos juntos em um mesmo lugar? Caralho, tava lá presidente, governador, prefeito, ministro, senador, deputado. A turma toda! Isso foi foda. Só você mesmo pra fazer dar certo. E todos ali, juntos com o grande representante na Terra. Como sei que você é um cara divertido, antes que tente fazer a piada, já respondo: não tô falando do Henri Christo. Não vim aqui falar de maluco. Falo daquele que te representa mesmo. O bispão. Foda
160
antro+
ele, heim? E essa cara nova de rabino? Aí fiquei em dúvida se o cara tá mudando a religião ou mudando de religião. Afinal, o cara é evangélico ou judeu? Porque tudo agora nele e na igreja dele é um tanto judeu. E essa é uma época bem confusa pra falar de judeu. Aliás, culpa sua também. Estão se estapeando em teu nome. Essa esquizofrenia de ter apelido pra cada época e região, aí, deu merda. Tem gente morrendo pra cacete, e nem você nem o Obama querem fazer alguma coisa. Tem lugar que Deus tá em baixa, camarada. Fica esperto. Voltando... Então, foda você ter juntado tanta gente. E é só a ponta do milagre. Me explica, como é que o Macedo conseguiu abrir um lugar maluco desse sem ter as certidões obrigatórias? Agora pensa, obrigatórias pelas instâncias que lá estavam conscientes de que os alvarás não existem. Diz se não é milagre? Pensa comigo, o cara rouba centena de milhões de dólares dos fiéis, quer dizer, ele não, você! Porque ele só fala em teu nome, se tu não resolve as coisas, o estelionatário é você. O cara tá de boa. Então eu penso, se ferrou, é caso de justiça. Tudo bem que sou ingênuo, mas é assim que tenho que pen-
sar, não é? Olho pra foto e tem Ministro do Supremo colado no cara? Quer dizer, se a justiça está com ele, mesmo sabendo do que vocês andam fazendo com a grana dos outros, estão quem vai julgar? O Diabo? Tava lá também, porra! Tinha um monte dele vestindo gravata e vestido caro com estilo da Zé Paulino. Difícil acreditar que ali alguém teria coragem de proibir, questionar alguma coisa. Fala sério. Quem quer brigar com Deus? Você estão a um passo de ter a maior bancada no Congresso, o partido só cresce, os fiéis proliferam mais de cinco filhos por casal, enquanto nós, os outros, quando temos filhos, eles não passamos de dois. É questão de tempo e a turma da fé vai liderar esse país. Então, quem vai encarar Deus, se até a terceira via possível, a mulher da mata, resolveu que você é o cara? Tá foda. E, convenhamos, acreditar em ti depois da Copa, tá bem difícil. Tu não era brasileiro? Cadê, agora? Porra, não dá. Você já passou por lá pra dar uma olhada na bagaça? 680 milhões de reais! Entendeu? Vou repetir, 680 milhões de reais! Olha o milagre da multiplicação aí. No predinho do lado, quem vendeu primeiro o apartamento ganhou 90 mil.
Miséria, também, nos dias de hoje, fala sério. Mas o mesmo tipo de apartamento agora é comprado por pouco mais de 2 milhões. Se é que qualquer coisa depois de dois milhões seja pouco. Outro milagre, só pode ser. Vem comigo. Que outro lugar do mundo, não vou nem falar do universo pra não parecer pedante, um apartamento valoriza isso tudo depois que as ruas em volta ficaram intransitáveis, o comércio foi arrancado aos tapas, a segurança ficou ainda mais ostensiva, as vielas se encheram de mendigos e moradores de ruas, o contrabando de tudo quanto é bugiganga religiosa tomou conta, a sujeira aumentou, os ônibus se multiplicaram e você ainda corre o risco de sair à rua e encontrar grupos cantando essas musiquinhas insuportáveis de ritual pop evangélico? Se for pra falar sério, o apartamento lá devia valer agora 900 reais no máximo, isso sim. Então, milagre teu, saquei a coisa. Quando tudo piora, quando a merda chega ao limite do absurdo, quando o ser humano é a lixeira das coisas mais ridículos, aí tudo se valoriza como se fosse o próprio paraíso? Você é o próprio sentido de escracho que tomou esse país. E Deus, fala a verdade, você já voltou pra casa
faz tempo, não é? Estamos ou não estamos sozinhos? Pode falar. Fala que eu te escuto! Tá, desculpa, não aguentei essa. Precisa dizer isso pra você um dia. Então é isso, vamos ter que conviver com uma igreja que possui uma esteira rolante para os fiéis depositarem suas granas e almas. Percebe que qualquer pessoa vai dizer que o Macedão tá roubando pra cacete? Mas, aí, prestando atenção nas imagens, eu vi que a grana sai de helicópteros o dia todo em direção, sabe pra onde? Não era pra nenhuma casa ou banco. Sai em direção ao céu! Vai pra você mesmo, Deus. Puta sacanagem. Nem Marx iria acreditar nesse teu materialismo nada dialético. Porra! Vai juntar tantas malas com dinheiro pra quê? Vai transformar em água? Ou vai me dizer que tem mensaleiro aí também? Sinceramente, Deus. Você está de sacanagem. Bom, o fato é que o mundo está uma merda, abandonado mesmo. Você tem recebido muito mais do que o combinado e fica aí esbanjando com templo novo. Até os conflitos que já tinham acabado estão de volta. E você, nada, blasé total. Depois vai querer meu voto, não é? Vai pedir pra eu acreditar em você, pra abençoar meu casamento, pra te entregar a alma dos meus filhos. Vai se ferra, Deus. Porra nenhuma. Você fica aí achando que o mundo é a Disney e a gente que se ferre? Nem pensar.
Não acredito mais em você. Não acredito mais nos teus profetas. Não acredito mais em ninguém que fale em teu nome. Não acredito nem mesmo em qualquer um que frequente as salas fechadas no décimo andar do teu templo cafona. Tô nem aí se é homem, mulher, mula sem cabeça. Porque, sinceramente, pra esses idiotas acreditarem em vocês, só sendo muito cínico e filho da puta. Desculpa aí o palavreado. Mas é isso mesmo. O cara sabe que você tá roubando, sabe que você é o pior veneno da sociedade, sabe de tudo isso e vai lá puxar o saco pra ganhar o quê, um voto, um bottom de campanha, tempinho na televisão, um abraço? Duvido. Vai levar uma mala daquelas lá que vi saírem voando pelo teto. Isso, com certeza. Você não está destruindo só as pessoas, mas também o país, o mundo. Nem culpo eles. São almas fracas, coitados. O culpado mesmo é você, Deus. É assim que penso. É isso que acho. E nada vai me fazer mudar sobre tudo isso. Só um milagre. E é por isso que tô te escrevendo. Segura as pontas aí, ok? Faz nada não, ficamos cada um onde estamos e vamos seguindo. Nada de milagre pra cima de mim. Para com isso. Porque minha vida já está difícil, só me faltava agora passar os dias ouvindo a Record. Pelo amor de Deus.
antro+
163
foto.palco
José Wilker e Rubens Corrêa em “O Arquiteto e o Imperador da Assíria”, de 1970, com direção de Fernando Arrabal.
Toledo vania
A potĂŞncia das cores subjetivas do teatro registrada em branco e preto
À esquerda, Marco Nanini em “Os Filhos de Kennedy”, de 1977, com direção de Sergio Britto. Abaixo, Xuxa Lopes em “Louco de Amor”, de 1989, com direç˜åo de Hector Babenco.
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Stênio Garcia em “O Rito do Amor Selvagem”, de 1969.
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antro+
antro+
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Acima, cena de “Salomé”, de 1997, com direção de José Possi Neto. À direita, Ileana Kwasinski em “A Vida é Sonho”, de 1991, com direção de Gabriel Vilela.
170
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Nesta página, Heleno Prestes em cena de “O Balcão”, 1969. À Direita, Raul Cortez em “Ah! América”, de 1985.
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Paulo Autran e Tonia Carrero em “Macbeth”, 1970, com direção de Fauzi Arap.
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Acima, Sergio Mamberti em “Os Dois Cavalheiros de Verona”, de 1971. Abaixo, Elizabeth Gasper e Assunta Perez em “O Balcão”, de 1969. À direta, acima, Nicette Bruno em “A Margem da Vida”, de 1988, com direção de Flavio Rangel. à direta, ao lado, “Aquela Coisa Toda”, com Patrícia Travassos, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães e Evandro Mesquita, de 1981, com direção de Hamilton Vaz Pereira.
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Regina Duarte em “O Santo Inquérito”, de 1977, com direção de Flavio Rangel.
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Ney Latorraca em “Bodas de Sangue”, de 1973, com direção de Antunes Filho. 180
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Maria fernanca Cândido e Petrônio Gontijo em “Pequenos Crimes Conjugais”, de 2006.
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À esquerda, Cleide Yaconis em “Medéia”, de 1970, com direção de Silney Siqueira. Acima, Renato Borghi em “Galileu Galilei”, de 1968, com direção de José Celso Martinez Corrêa.
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Cena de “O Percevejo”, de 1981, com direção de Luiz Antônio Martinez Corrêa. 186
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Cena de “A Vida e Época de David Clark”, de 1974, com direção de Bob Wilson.
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c a m p a n h a
Juliana Moraes bailarina e coreógrafa foto patrícia cividanes
somar pela cultura Hugo Possolo palhaço, dramatugo e diretor foto patrícia cividanes
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por mais estrutura, presença, interesse e respeito
Shima artista foto ana LuĂsa Lima
www.antropositivo.com.br
Inez Viana atriz e diretora foto sergio baia
vertical
O Selvagem verticalizadO por franSergio araĂşjo
início
Ele plantou algo que nunca colheu, talvez por não
fim o que não desejava, jamais cobiçar.
desejar colher coisa alguma, mais a vida passava
É aí que eu e você podemos crer que ele o
como se não existisse nenhuma certeza, nenhum
“Selvagem” não passava de um exemplo de um
sonho, nenhuma realização e por sua vez acreditava
estertor anacrônico do seu meio.
no vago vazio de nenhuma felicidade, é por isso que
Era preciso medicá-lo? Era preciso encarcera-lo,
muitos o classificavam como inaudito, como ex ;
ou apenas eleger uma terapia construtiva.
detentor da possibilidade de não ter acertado
Esta pergunta ocorreu quando estive em seus
algo ou alguém neste mundo.
aposentos numa noite me que a chuva inundava as
A sensação de não acreditar na imagem, angustiava,
ruas. Ao meu entender a chuva na cidade de um
“o Selvagem”, não desejava ser algo, ou alguém,
país tropical traz desarranjos naturais que acredito
não mais que outro não menos que ninguém. Assim,
refletir na saúde de todos. E aí bem perto de poder
sentia-se imobilizado, assim sentia-se vivo. Não se
dizer palavras o “Selvagem” pode falar em quase
sentir vivo, o fazia sentir a vida. Estranha dicotomia,
meio tom, com uma voz meio rouca, disse que
estranha escolha, talvez por não haver possibilidade,
desejava experimentar muitos desejos ao mesmo
por não haver necessidade nenhuma de amar, nem
tempo. E dizia que apenas isto poderia demover seu
de viver, digo viver como se vive hoje, amar como se
espirito , para as raias normais do viver. Mais o pior
ama hoje. Pensava em lugares no passado , pensava
depois desta injeção de má saúde, o importante era
em lugares no futuro , mais nunca o presente nunca
saber se ele deveria manter sua educação silenciosa,
o agora. A despeito de todos a sua volta o desejarem
apenas para ele, e para ninguém mais. Corriam
bem e apostarem no carisma. Sim, quem já morreu
boatos de que eram muitas coisas, e que aqui não
para si, não deve mais nada ao mundo, porque ele
há pretenso nenhum para tentar se familiarizar. Mais
não segue mais as leis do relacionamento, as leis
de pronto este homem, ou pessoa , ( O Selvagem)
da escolha. Nunca ter sido ninguém e ter podido
dedilhava em seus joelhos uma lembrança infantil.
ser tudo, esta certeza só cabia a ele que se calava
Era isto que o alucinava, sabia que a certeza infantil
sozinho entre seus pensamentos. Indiferente,
é a única que cobre todos os seus investimentos, e o
incauto, impreciso, mais fiel a lei do “tudo posso”
que aprendemos apenas enlameia nossos planos.
que o mais fiel dos religiosos, ou, até mesmo mais justo que o mais coerente. Pensava em não mais responder a nenhuma pergunta . Apenas para ele se
o TeaTro Selvagem
sentir único num mundo onde ele nunca seria único. Sim, o fac. símile da historia! Jamais poderia
Busca expandir caminhos para uma nova filosofia
habilitar uma certeza social, em sua cabeça nada
do ser e do pensar o humano sob o mundo.
possuía e seu espólio o subjugava, tão longe do
Hoje vemos que a mudança é necessária,
suicídio, tão perto da loucura e tão amigo da morte. Eis seu bem mais comum, como num
é de extrema urgência uma metamorfose para
conteúdo passado a ele pela humanidade que o
habitar o planeta
fez. Como pode um homem, uma mulher sofrer
e tentar evitar cataclismos
as interdependências da moral? Até mesmo uma
e desastres de toda espécie
especifica coluna jornalística sabida não conseguiria apalpar suas bochechas. E se tornava cada vez mais
é notório que a vida na terra grita por mudanças
claro, que jogava com a sorte, com a sorte de ter
de comportamento
”nada”, e de não ter o “tudo” que desejava e por
daqueles que nela habitam.
revelar a astúcia dos ideais de participação e unidade incutidos hoje; na tentativa de quebrar esta máquina de egos que transtorna e oprime, turvando a liberdade de sentir sua real importância e valor no mundo.
vai além da condição do mero “observador”. Levar os espectadores também por uma reação de mudança da química energética do estar ao vivo e compartilhar da experiência selvagem da cena . o teAtro selvAgem é à forçA dA
mostrar a decadência do homem e espelhar nele mesmo à necessidade de se buscar uma filosofia compatível com sua possibilidade de evoluir. A estética do estranhamento o levará a registrar cognitivamente o imenso abismo
metAmorfose A serviço dA vidA. A identificAção com A nAturezA A inspirAção pArA um rito desumAnizAdor no sentido dA extirpAção do AutomAtismo humAno.
a Ópera riTüal
que existe na tentativa de se livrar do homem automatizado pela tecnologia.
Organismo criado para investir no aprofundamentodo “Teatro Selvagem”
do homem podem fAzer o mesmo entender e
se bAseiA no conceito de “ teAtro e A peste”
questionAr seus princípios religiosos e filosóficos.
Busca um acertamento de técnicas anímicas
só os Autores que ferem A morAl restritivA
para execução de um teatro o TeaTro Selvagem
que venha causar impacto sensorial e energético,
Se denomina pela buSca de uma aTuação TeaTral
despertando o pensamento transformador
envolvendo TécnicaS xamânicaS de TranSe
no interprete e no espectador.
realinhamenTo de SenTidoS e energiaS corporaiS, aliada àS TécnicaS do “TeaTro da crueldade”
“Acredito em uma atuação libertária e revolucionária, com apuramento. Fundamentar o
a “respiração artaudiana”
interprete no: “nervo – exposto” - (Maiakovisk).
Uma respiração pré-fixada nos órgãos é o apoio para o salto vigoroso em direção
descobrir a capacidade de se lançar sem amarras
à concentração ritualística.
em um “ corpo novo”
o “desregramento das emoções”
a construção de potências cênicas
num “novo lugar”. (Erasmo de Rotterdam).
capazes de mobilizar audiências
o TeaTro Sem aS convençõeS riSíveiS.
e a partir daí quebrar o naturalismo das representações
a “fúria santa” das diversas religiões antigas, em face do fervor da entrega dos corpos ou até mesmo a redenção espiritual.
o manifeSTo Selvagem
Popõe-se incorporar a palavra,
O entendimento do que é “ser visionário”
de Isidore Ducasse e o seu “verbo muscular”,
não pode ser um conhecimento apenas
a “escrita da crueldade” de Artaud.
aprendido por indivíduos doutos.
para se atingir estados de renovação anímica,
Um teatro onde o envolvimento da audiência 194
antro+
As ideiAs trAnsformAdorAs não devem ser
seus pruridos, devem seguir sempre em busca de
hermetizAdAs em buscA de um AprisionAmento
uma atmosfera transformadora de si mesmo e de
teórico e rAcionAl.
todos os outros a sua volta a começar pela sua
A “pluralização” da força vocacional
Olhar os bichos e a natureza como fonte de total
família e amigos. de uma mudança não pode ser lida como
sabedoria da raça viva.
mera elevação de uma forma.
Entender a multiplicidade de sensações que um
O olhar lançado sobre qualquer objeto ou coisa em
desejo pode absorver quando adicionado a força
si, deve sim estar repleto de informações e não,
motriz da capacidade de entendimento que se
carregado de analise seja ela qual for.
adquire com o outro a sua frente.
O obscurantismo da forma gera e gerou
Sua emoção é a maior alavanca para se chegar a
total desapego a síntese das emoções
algum lugar vivo e transformador.
verdadeiras e reveladoras.
O selvagem é a necessidade de reencontrar a fonte
O naturalismo atual destruiu e destrói toda
real de como estar no mundo, é a origem sem forma
possibilidade de tentar ser inteiro, e potente diante
e que precedente a reação original do ser que
as diversidades da sociabilidade.
realmente se coloca em vida.
“Falar ao coração” ou “abrir o coração”, sobre as
o teatro selvagem é a inversão da busca de um
desilusões e as derrocadas da vida como traduções
teatro comum, ou seja, o teatro que luta pela
da providência para uma brutal autoanálise da tua
leitura de um pensamento, ou, do modo de vida de
existência diante do teu ser.
qualquer sociedade ou credo.
A eleição imperial de um conhecimento próprio,
Aquele que conhece mais e melhor suas fraquezas na
seu, sobre tudo “seu”, deve ser uma ferramenta
vida sorri melhor com elas para mundo.
para descoberta de ideias novas cavadas justamente por reconhecer a “sombra” dos verdadeiros investigadores da vida e sua existência.
filoSofia Selvagem
observar a condição humana como forma de não ser aprisionado por nenhuma idiossincrasia dominante.
Os vínculos do existir estão todos sendo revisitados
Acreditar sobre tudo e além de tudo em fatos
neste momento e a toda hora, a experiência da
sobrenaturais ou surpreendedores como verdadeira
vida pode deteriorar um individuo, a filosofia
experiência de transformação.
selvagem pretende através do trabalho transgredido
O seu corpo é a sua maior ferramenta de
do ator mostrar as entranhas que movem uma
autoconhecimento, nada é mais forte, nada.
revolta contra a existência, mais exatamente
Saber usar sua intuição como ferramenta para
apoiado na crueldade humana para se rebelar.
perceber humores e reposicionar investigativa mente
Com uma pesquisa corporal baseada no Teatro
a energia da ambiência.
da Crueldade de Antonin Artaud, a experiência
A libertação de qualquer tentativa de formar em
em cena busca um vinculo com a exposição dos
si, um “caráter sexual” seja ele qual for. Não
sentidos, apoiando-se na radicalidade da verdade
limitar sua percepção a apenas uma possibilidade
em busca de uma interpretação hiper-sensorial para
de ampliação do seu entorno corporal. Visto que
fugir ao naturalismo e auto-controle ditadas hoje
a gama de sensações que um individuo possui
para o ser. A pesquisa selvagem vivencia e acredita
é a contribuição milionária de todos os influxos
também em visualizar e tentar traduzir processos
transformadores ativos em seu corpo.
esquizofrênicos e bipolares e até mesmo surtos
Entender que seu corpo está posicionado no espaço
psicóticos vividos hoje por muitos indivíduos. É este
como forma de interceder no mundo.
o conhecimento limite da energia vital que pode ser
Seus movimentos, suas ações, seus pensamentos,
apreendido destas situações extremas
podemos denominar o sujeito do Teatro Selvagem
portal,sentido,dor,caos,imperativo,phoda,curva,g
de: ator-autor-interprete-selvagem-artaudiano-
osto,simples,cotidiano,inferno,sorver,devir,
nervo-exposto, que se propõe a descobrir “uma
linkar ,comprometido,focado,rock,metal,irmão,al
pulsão de metamorfose” na atuação.
iado,calado,membro,volúpia,intenso,
A filosofia selvagem na luz da verdade se propõe a
respiração, arfar,guerreiro,tronco,seminal,mestru
“desumanizar” o individuo para que ele descubra de
ô,olhar,furor,torpor,clamor,estupor,povo,
fato o que é ser vivo e potente.
órgãos, reação, ciclo, neutro ,coragem, presteza,
Por um teatro de resistência selvagem
feeling, backgroud, descrição, charme, oração,
Conscientizar a sociedade de que ela é um potencia
dorso, atingir, conquistar, salvar, sair, fugir, ver.
geradora de frustrações e deformidades na psique do homem é tarefa legada aos artistas que enxergam uma violência, de todas as formas, no, e sob o
ciTaçõeS TeÓricaS
indivíduo, pois o “massacre da sociabilidade”
que auxiliam este vulgo verbo de visão selvagem:
hoje gera um aprisionamento, e, leva a pessoa a incapacidade de transformar seu entorno, ou seja,
...voltar o espelho para suas deformidades... lançar
de ser um agente libertador de uma opressão
futilidade e ironia perante um plateia de crentes,
ditada pelos condicionamentos impostos por culturas
tendo como fundo o universo em mutação, mais
capitalistas ou não. Realizar este trabalho de rebeldia
ainda coerente........natureza do mundo que
é oferecer o espelho necessário para não mais cair na
evoca......atitude de revolta....individualismo...a
armadilha da concorrência e da exploração.
revolta é uma herança essencialmente romântica(romantismo do século XIX) idade média...
vocabulário Selvagem
revolta dramática...sob hierarquias desfeitas, valores desacreditados, instituições derrubadas da cultura...a cultura helênica e a cultura da Europa nos
vertigem,superação,conceito,transe,gozo,exaltaç
fins do renascimento, havia um crescente sentimento
ão,verve,vemência,prularidade,camarinha,
de futilidade e desespero...a filosofia naturalista que
sangue,fogo,sagrado,siderado,figura,transfiguraçã
tudo põe em duvida...mito da derrota, mutabilidade,
o,mergulho,liberdade,átimo,brilho,freme,
morbidez...sentimento de desintegração espiritual...
assertividade,eloquência,ponta,rasgar,romper,ca
continuidade de decadência num palco evoluído...
minho,luz,deus,excitar,iluminar,aplicação,
não, nada, nunca...a transformação total da vida
vislumbrar,ponte,sinuosidade,tridimensional,poro
espiritual do homem...a revolta desesperada em um
sa,abertura,telúrica,mágico,estratosférico,
universo absurdo...a revolta dramatúrgica é mais
além,imerso,consciência,adoração,extâse,glória,
imaginativa que pratica...conhecer a essência da
entrega,furor,atroz,pulsação,pulsão,idem,
matéria sem grandes perturbações para cabeça...dos
cavalo,voar,introduzir,simbiose,alquimia,nervos,v
valores do extremo: excesso, instinto, emancipação,
iajar,cool,Trash,next,agudo,profundo,
êxtase , embriaguez, arrebatamento, revolta...o
revelador,produtor,compatibilidade,certeza,fulgo
próprio espectador se vê alvo de ataque se tornando
r,dilatado,atravessar,eletricidade,avesso,
uma figura satírica...o progresso para o sentido
virado,cachaça,estamina,carpintaria,indução,pro
de uma nova religião...o publico como povo eleito
por,conectar,acessar,lugar,poder,possuir,
mediante o poder transfigurador da sua arte...a
desejo,correr,encontrar,servir,furar,rebeldia,anar
incansável busca de coerência num mundo de deuses
quia,beleza,sexappeal,mulher,homem,
abandonados...Artaud desejava restaurar o drama a
criança,menino,menina,velho,crer,surto,lavrar,la
sua função pratica...dicção oracular bombástica ....
stro,fluir,desconstruir,cotidiano,plano,folga,
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cio,fonte,ligação,propulsão,concisão,concatenar,s
Robert Brustein - O Teatro de Protesto
uper,transubistânciação,terror,flor,elo,
(The Theatre of Revolt, 1964) Trad. Álvaro Cabral – Zahar
antro+
Editores/Rio de Janeiro
diรกlogo. x2
por Luiza HeLena novaes e Leandro nunes
hora e vez O DESAFIO DE SE CONFIRMAR PELA PROFUNDIDADE DA SIMPLICIDADE
antro+
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Luiza HeLena novaes: Cheguei. Vamos lá. Quer começar?
perseguindo, nessa vida, nesse caminho, nas peças...
Leandro nunes: Olá. Vamos lá. Primeiro, a peça me trouxe muitas surpresas. A começar pela voz do ator. A técnica que ele possui, a potência e a as habilidades permitiu que ele criasse uma infinidade de personagens
Ln: Parece muito das tragédias, ele foi condenado a viver uma vidinha medíocre, pagando pelos seus pecados (à Igreja, claro), até que um dia decidiu buscar redenção, levando nas costas a responsabilidade por suas escolhas... E apesar de não ser um caminho fácil, também não era solitário, vide o nosso oráculo maluco, lembra?
LHn: Como se desenhasse a história só pela voz e a entonação com faces cada vez mais precisas. Ln: Sim, sim, em um momento eu fechei os olhos e me concentrei. Era fácil imaginar cada personagem, apenas pela voz dele LHn: E o texto do Guimarães bem como a pronúncia mineirobaiana do sertão deixava uma vontade de Brasil regional... O que você achou do forró cantado? Ln: Ah sim, pura poesia, mais que brasileira. Se tocasse uma musiquinha daria até pra dançar rs LHn: Creio que o trajeto do discurso era pensar sobre que hora e que vez é essa que estamos todos
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LHn: Com direito a coro e cego pra ver melhor o caminho... Tava pensando exatamente nisso! Ln: Olha aí, uma delícia aquele ceguinho haha andava...parava... andava...parava rs LHn: A tragédia é a vida cômica que nos deixa outra coisa senão o improviso, mesmo quando o padre dá o roteiro, a gente sabe que no fundo todo mundo tem que se virar, com o que realmente se quer vir aqui fazer, mesmo se for perseguir a tal da redenção... Ln: Exato, e acredito que só por decidir
trilhar esse caminho, já somos feitos dignos Estar no caminho tem muito valor... e aventuras LHn: Únicos e intransferíveis filhos... Todos! Sem exceção... Ln: Pessoal e intransferível, como RG hahaha LHn: Fiquei pensando que só pra decorar o texto e os respiros de cada uma das personas que mora dentro de nós já dá um trabalho... Ln: Opa! Achei muito interessante a maneira que o ator alternava, sincronizando corpo e voz. Me lembrou muito a umbanda, talvez pelos arquétipos de boiadeiro e do homem sertanejo. Eu repito, foi muito bom poder visualizar tudo aquilo, sem cenário e com luz simples. No início achei que iria soar como contação de histórias, mas a força é muito maior LHn: Monólogo no palco é um árduo desafio... Sem música, ou qualquer outro aparato que pudesse servir de muleta, né? Ln: E a escolha do texto, pensar no valor da nossa literatura...
LHn: O figurino nem precisava contar nada, nem o cenário, a pobreza dos objetos dizia muito da situação em si do ser e estar nesse sertão, árido de vida mas não de sentimento ou posições. Bem marcadas as características que firmavam quem eram as figuras. A figura feminina que na literatura brasileira é historicamente desenhada por homens e sempre com uma pobreza de detalhes, se pensarmos bem, mas sem relação com a peça em si... Ou a interpretação. Ln: hmm, pode ser, esse conceito vai refletindo em toda cultura, em todas as formas de arte. No máximo a publicidade posiciona a mulher como vítima ou objeto. Ou como formas etéreas, sem sal... LHn: E agora, você acha mesmo que todo mundo tem sua vez? E sua hora? Mesmo que seja a morte? Ln: Hmm, vamos lá de novo. Acho que podemos burlar, enquanto estivermos vivos, porque quando morrer... morreu. rs
TExTO: a partir da obra de João Guimarães Rosa DIREçãO, ILUMINAçãO E FIGURINO: Antônio Januzelli ADAPTAçãO E ATUAçãO: Rui Ricardo Diaz ATRIz COLAbORADORA: Fani Feldman PESqUISA DE VOCábULO REGIONAL: Joaquim Dias da Silva
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LHn: Tem gente procurando deus quem sabe acha... O que se procura se acha... Ln: Procurando ver deus neah, quem sabe vê... LHn: Perdoa pecado, traz marido, arruma a sorte... Se bobear, reza o terço e ressuscita morto! Ln: E se não ressuscitar, a gente canoniza! LHn: Religiosidade nesse país é sincretismo puro.
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Ln: Quanto a religião, a presença da umbanda e candomblé se refletiu muito no trabalho de corpo do ator. Nas figuras do homem boiadeiro e nordestino, que a religião adotou como arquétipos. Vc entra naquele momento do teatro como encarnação, e já nao percebe quem encarna quem, porque os signos já estão misturados. Já frequentei a umbanda algumas vezes, percebi como o teatro é sagrado tbm
LHn: E percebe-se o quanto nosso país só consegue chegar a um tipo religioso se pensamos sobre a mistura, aquilo que vem do catolicismo com o que vem dos orixás e com todo o resto que foi sendo criado no meio do caminho pra ir acrescentando mais uma mandinga só pra garantir... Esse sincretismo básico. A vida é sagrada! Ln: Sim, sagrado porque não só se fundiu na
nossa vida, como faz parte. Independente da crença, vale reconhecer isso como bem simbólico nosso. O espetáculo nos serve de bens simbólicos, seja nessa parte, na linguagem, no imaginário... LHn: Incrível como o teatro, que é um fingir, um brincar de ser o que não é, ou de pretender ser tão verdadeiro que também se mente, pode trazer uma verdade tão profunda que toca.
Quantas vezes podemos experimentar esse tipo de entrega? Frente a frente, o olhar, o estar lá, inteiro, esse respiro compartilhado com uma platéia que também é respiro e vibração? Ln: Isso! E Esse respiro da plateia é interessante, parece como uma dança. O elenco convida e a plateia escolhe aceitar. Na peça, a plateia parecia respirar ao mesmo tempo, dá pra
perceber essa entrega, o texto e a atuação dele conduziu a dança toda rs LHn: E com direito a música ao vivo... Creio que se somos um instrumento aprender a tocar a música e conduzir os outros como ratinhos, é uma das maiores maestrias que podemos alcançar... Ln: Esse segredo do ator dá vontade de descobrir! Perceber os
tons graves e agudos, suscitar emoções, o medo, o riso, a dor e a pena. Esse pretensão do teatro, que vc disse, de brincar ser, pretender e insinuar, se torna real porque causou emoções reais! LHn: Ah chorei durante o espetáculo e ri, senti vontade de consolar, tive piedade e compaixão, senti tudo dentro, dessa caixa ressonante que chamamos de corpo.
Ln: Então o espetáculo se fez real! Caminhou pelos nossos sentidos e sacudiu nossas ideias. LHn: Sabe fiquei pensando em como foi construir a partitura de fala de cada um dos personagens...Se ele fez um por um, ou se foi inventando em seqüência, por que montar essa estrutura e deixar coesa deve ter sido bem trabalhoso.
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LHn: O ritmo é bem rápido também, será que todo mundo conseguiu acompanhar? Na sociedade que a gente vive as pessoas tem uma digestão sempre facilitada por meio de comunicação de massa que ofertam a informação já bem mastigada, acho interessante quando o teatro oferece esse desafio pro cérebro mal acostumado, aquele desatino de fala, sabe?
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Ln: Era uma história fácil de compreender, mas as falas eram bem compridas e as conversas entre os personagens podem ter dado um nó, não
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podia perder nada, acho que por isso a plateia nem respirava. E esse desatino de fala é a primeira coisa que reconhecemos, os veículos de comunicação nos alfabetizaram e de vez em quando é bom mergulhar em “novos idiomas”. LHn: E se o teatro não for esse lugar de possibilidade de desafiar nosso local comum, melhor que nem se faça... Que ele seja assim, sempre um novo, sempre um se fazer e um efêmero que ainda que tentemos, guardando em nossas memórias, nos arquivos, ou nas críticas, seja o efêmero a sua beleza mais pura e sincera. Votos de uma amante do teatro! Ln: Ah, que bonito isso! Sinto que poderíamos encerrar com essa declaração rs. Me uno a você com votos a um teatro belo e efêmero.
FOTOS: BOB SOuSA
Ln: Sim, acho que deu trabalho, conectar todos os personagens, o ritmo e tom de voz, imagino que tenha sido criando e testando na hora, pra testar sonoridade das palavras, alternativas, e os movimentos característicos do corpo e graduar bem as vozes de cada personagem, que pra mim fez toda a diferença.
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máquina de escrita acompanhar o festival de teatro de curitiba possibilita encontrar excelentes textos de produções inéditas ou recentes. dentre alguns destaques, a antro+ traz agora o terceiro texto da edição 2014. jovial, inventivo, a palavra como fundação de uma subversão ao sujeito. então, boa leitura.
mรกquina de escrita
en
Sje escrito por
Kely Varela
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antro+
0
S
E
nsejos, do sentido de oportunida-
uma terceira imagem de desenho de sujei-
des. Assim, pelo título, o espectador
to, qual só é possível compreender por so-
recebe as primeiras instruções de
cial. Tudo se limita, em um primeiro olhar,
entrada ao texto. É preciso investigá-lo a
aos quatro termos fundamentais: não, sim,
partir de suas aberturas e não meramen-
talvez e tanto faz. Aqui, não se tratam de
te dos significados objetivos. E como tudo
limitados a condições específicas gramati-
aquilo revelado aberto configura igual-
cais, mas subversões instintivas e poéticas
mente um estado de esvaziamento, a peça
de como se relacionar com o real e o ideal,
fala, então, das oportunidades possíveis. A
com o irreal e o impossível, o ser e o ou-
diferença está principalmente na especifi-
tro, o querer e o desistir. A relação de loca-
cidade de tais possibilidade serem menos
lidade pertinente ao conflito surge antes,
a ação, mas a construção dialética de uma
portanto no uso dos próprios termos. É
realidade. Então, a oportunidade é menos
curioso o quando a repetição pode ofere-
um estado verdadeiro e mais a presença de
cer de aberturas, tantos ensejos ao dizer.
um desejo por certa realidade. Ensejos, ao
É igualmente interessante, o quando as
seu modo, amplia o paradoxo entre o real
palavras localizam instantes, sentimentos,
e o ideal, sobrepondo ora um, ora outro, e
sensações, movimentos e espacialidades,
confluindo em uma terceira cena a dinâ-
sem serem descritivas ou explicativas. A
mica instável de suas verificações. As falas
escrita traz uma arquitetura muito parti-
são tentativas de entendimentos, nunca
cular, um olhar sobre o papel anterior ao
a configuração de discursos e certezas.
teatro, mas que lhe oferece dinâmicas
São igualmente ensejos para a aproxima-
práticas precisas e surpreendentes em
ção ou conhecimento do outro. Todavia,
suas facilidades. um texto para ler em voz
igualmente, os sujeitos são instabilidades,
alta. E permitir que o som amplifique as
cujas faces se revelam principalmente em
imagens decorrentes dos ruídos das letras
seus vazios. Por isso é dada ao homem a
para conduzir o leitor ao valor de ser ele,
possibilidade de investigar a si mesmo,
por fim, seu próprio espectador. Ao assistir
de reconhecer ou desistir do espelhar no
ao espetáculo, a certeza foi de que preci-
outro o próprio ser. Ensejos explode o pa-
saria o mais rapidamente trazê-lo a todos
radoxo entre o existir e a sobreviver, anu-
por aqui. E aqui está. Agora cabe a você
lando ora um, ora outro, e mesclando em
invadí-lo também.
ruy filho
antro+
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máquina de escrita
A EncEnAção AconTEcE Em duAS SAlAS difErEnTES do mESmo ESPAço TEATrAl Ao mESmo TEmPo.
se e ir espiar pra ver, pelo menos, a cara de quem bate? homem faz gesto negativo com a cabeça Batem palmas novamente. mulhEr: voltaram.
um homem e uma mulher em uma sala, sentados em um sofá. mulhEr: escutou? homEm: não. mulher. escutou agora? homEm: não. mulhEr: e agora? homEm: não. mulhEr: estão batendo. é aqui, homem. homEm: não. mulhEr: deus do céu, você deve estar surdo. é aqui, sim. homEm: não é. mulhEr: por qual razão você teima em não querer escutar? eu vou lá atender... homEm: não! mulhEr: pode ser importante. mulher faz gesto de levantarse e é parada pelo homem mulhEr: pararam. devem ter ido embora. novamente devem ter ido embora. eles sempre batem e vão embora. por que será que batem tanto? você não tem vontade de levantar-
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antro+
homEm: não. mulhEr: deve ser importante pra eles ficarem voltando a todo momento. tenho vontade de ir ver quem é. faz tempo que batem e eu não vejo quem é. seria tão excitante ver o rosto de quem bate. ver as mãos vermelhas de tanto bater. ao menos me deixe espiar pela fresta da parede. homem faz sinal negativo com a cabeça mulhEr: as batidas parecem aflitas. Como se viessem trazer notícias urgentes. homEm: não. mulhEr: más notícias, homem. homEm: ... mulhEr: tem razão. eles só batem para dar más notícias. não estão interessados nas reações. homEm: ... mulhEr: reaja, homem! homEm: ... mulhEr: reparou que o ritmo das palmas parece com um coração acelerado?
homEm: não. mulhEr: olhe! (faz palmas ritmadas no compasso do coração). nossa, meu coração está batendo tão devagar. (faz o gesto simulando as batidas do seu próprio coração. Tempo. faz gesto de palmas pesadas imitando o coração do homem) reconhece essas batidas? homEm: não. mulhEr: preste atenção! (imita novamente) reconhece? Homem olha fixamente para ela e depois baixa a cabeça. mulhEr: são as suas batidas. está tão acostumado consigo próprio que nem é capaz de reconhecer as suas batidas. Barulho de pedra acertando a parede mulhEr: ouviu? homEm: não. mulhEr: jogaram algo aqui. escute! como se quisessem chamar realmente nossa atenção. tem certeza que não é bom irmos ver quem está lá fora? homEm: ... mulhEr: e se eles acharem que não tem ninguém aqui e resolverem entrar? homEm: ... mulhEr: sendo assim, não seria melhor abrirmos de uma vez?
ensejos
homEm: não.
homEm: não.
parada, esperando?
mulhEr: alguém que bate, atira e não chama!
mulhEr: quer apostar que dentro de alguns instantes eles vão voltar para bater? faz tempo, não faz?
Homem anda em círculos.
homEm: não.
homem faz gesto negativo com a cabeça
mulhEr: nem deve saber nossos nomes. homEm: não. mulhEr: mas mesmo assim faz questão de nos invadir. homem anda em círculos mulhEr: como será que eles chegaram até nós? será que não tem outros para bater? será que já bateram em outros lugares? homem parado. mulhEr: reparou como as batidas têm ficado mais fracas? devem estar cansados de insistir em nós. você acha que quem bate, bate sozinho? homEm: não.
homem anda em círculos. mulhEr: já não era tempo suficiente? homEm: não. mulhEr: e se eu fosse espiar...? homem faz gesto negativo com a cabeça mulhEr: não consigo entender como é que você aguenta. homEm: não? mulhEr: tá, na verdade imagino. escute! estão mexendo no portão. parece que estão entrando.
mulhEr: tenho medo dessa insistência. (imita som do coração acelerado). consegue ouvir?
homEm: não!
homEm: não.
homem anda em círculos.
mulhEr: não sei como você não é capaz de ouvir tanto barulho. Vamos ficar em silêncio para ver se escutamos algo. (Tempo) as batidas pararam.
mulhEr: o que fazemos? devo ir trancar as portas?
homEm: não! mulhEr: você não tem medo de tanto silêncio?
mulhEr: fico aqui, então, parada, esperando?
mulhEr: estão sim. existe barulho lá fora.
mulhEr: aqui, parada. nada! não consigo entender porque temos que ficar sem fazer nada. não seria melhor fazer algo? homem anda em círculos. mulhEr: talvez o melhor seja fazer nada, mas deve existir algo mais pra se fazer. homem olha a mulher. mulhEr: alguém invade tua casa e você acha que o melhor é fazer nada? homem olha a mulher. mulhEr: por que não reage homem? homEm: não. mulhEr: temos tempo ainda. homEm: ... mulhEr: escute, os passos estão pouco depois dos portões. homem anda em círculo.
homem faz gesto negativo com a cabeça
mulhEr: ainda há tempo.
mulhEr: devo abri-las?
homEm: não.
homem faz gesto negativo com a cabeça
mulhEr: há, sim, é só uma questão de você querer.
mulhEr: fico aqui, então,
homEm: não.
máquina de escrita
mulhEr: e você não quer?
PESSoA 1: e é sempre assim?
homem anda em círculo.
PESSoA 2: é.
mulhEr: preste atenção, eles vão entrar daqui a pouco. homem, pra quê? Som de passos se aproximando
PESSoA 1: sempre assim?
mulhEr: homem, pra quê? eu desisto. homEm: não! mulhEr: realmente não há mais tempo. eles chegaram e nós não fizemos nada. homEm: não? Os dois ficam imóveis no sofá. Alguém abre a porta.
cEnA 2 duas pessoas paradas diante de uma casa.
Pessoa 1 bate palmas. PESSoA 1: você acha que adianta ficar insistindo? PESSoA 2: sim. Pessoa 1 bate palmas novamente. PESSoA 1: faz tempo que você persiste nesse mesmo endereço? PESSoA 2: sim. Pessoa 1 bate palmas novamente.
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PESSoA 2: é.
você vai me explicar o motivo disso tudo? PESSoA 2: sim! PESSoA 1: tem certeza que é este endereço?
Pessoa 1 anda pelo espaço. Analisa as entradas da casa. chuta algumas pedras no chão.
PESSoA 2: sim.
PESSoA 1: não passou pela sua cabeça que já não exista ninguém aí?
PESSoA 1: por que este endereço e não aquele do lado? você já esteve naquela casa, ali?
PESSoA 2: sim. PESSoA 1: e, mesmo assim, você acredita neste lugar?
Bate palmas novamente com impaciência.
PESSoA 2: já. PESSoA 1: e naquela outra?
PESSoA 2: sim.
PESSoA 2: sim.
PESSoA 1: vamos continuar aqui por muito tempo?
PESSoA 1: e em alguma delas encontrou o que servisse?
Pessoa 2 anda em círculos.
Pessoa 2 anda em círculos. faz gesto positivo com a cabeça.
PESSoA 1: temos que continuar aqui por muito tempo? Pessoa 2 para diante do portão. PESSoA 1: quanto tempo? acho que devemos fazer alguma coisa. olha, vou bater e se não abrirem vamos embora.
PESSoA 1: mesmo assim temos que continuar aqui. mesmo já tendo achado o que servisse? PESSoA 2: sim. PESSoA 1: estamos jogando tempo fora... Pessoa 2 anda em círculos
Bate palmas.
PESSoA 1: você realmente acredita que é aqui que você vai encontrar o que precisa?
PESSoA 1: não vai me ajudar? sempre sozinho. não quer tentar outros?
PESSoA 2: sim.
Silêncio. PESSoA 1: em algum momento
Pessoa 1 bate palmas novamente. PESSoA 1: não aguento mais bater...
ensejos
Pessoa 1 bate com todo vigor.
PESSoA 2: sim.
PESSoA 2: sim.
PESSoA 1: nada! não percebe que não existe nada lá dentro?
PESSoA 1: e se não encontrarmos quem queremos?
PESSoA 1: e se não for?
Pessoa 2 anda em círculos
Silêncio.
PESSoA 1: percebe que não existem reações lá dentro?
PESSoA 1: e se não encontrarmos o que queremos?
Pessoa 2 Faz gesto afirmativo com a cabeça.
Silêncio.
PESSoA 1: estamos perdendo tempo aqui. Pessoa 1 mexe em algumas pedras no chão.
PESSoA 1: se não encontrarmos, desistimos?
PESSoA 2: ei, e você, tem medo?
PESSoA 1: está vendo? quem é que tem sua casa apedrejada e nem se dá ao trabalho de sair pra ver quem é? vamos entrar.
Pessoa 2 anda em círculos.
PESSoA 1: não quero mais esperar. precisamos saber se é neste endereço. sabe o nome de quem você procura? Pessoa 2 anda em círculos. PESSoA 1: insiste em alguém que não sabe nem que nome tem? PESSoA 2: sim. PESSoA 1: insiste em alguém que nem sabe que nome tem? PESSoA 2: sim. PESSoA 1: insiste em alguém? PESSoA 2: sim. PESSoA 1: devem ter medo aqui de fora. Pessoa 2 anda em círculos.
PESSoA 1: abro a porta? PESSoA 2: sim.
cEnA 3
silêncio.
Pessoa 1 Joga uma pedra na casa.
PESSoA 2: sim.
Silêncio.
PESSoA 1: tem medo de não ser o que procura? Silêncio.
PESSoA 1: é aqui? PESSoA 2: talvez. PESSoA 1: em todo caso, podem entrar. sentem-se. (ordena que a plateia entre no mesmo espaço. Espera que todas as pessoas sentem-se.)
PESSoA 1: se não for, vamos fazer o que? Pessoa 2 parada diante do portão.
mulhEr: quem são essas pessoas?
PESSoA 1: vamos começar tudo de novo?
homEm: ...
PESSoA 2: sim.
mulhEr: vai deixar essas pessoas entrarem na sua casa?
PESSoA 1: tudo de novo?
homEm: tanto faz.
PESSoA 2: sim.
mulhEr: estão sentando nas suas cadeiras.
PESSoA 1:tudo aqui faz tanto barulho.
homEm: …
PESSoA 2: sim. PESSoA 1: chegamos e nos apresentamos? PESSoA 2: sim! PESSoA 1: você parece tão seguro de que é aqui.
PESSoA 1: fiquem a vontade. Pessoa 2 fica parada na entrada da porta. Analisa o ambiente com o olhar.
máquina de escrita
mulhEr: estão dando ordens dentro da sua casa. homEm: … mulhEr: aquele na porta nos observa com um olhar desconfiado.
PESSoA 1: são essas pessoas que você procurava? PESSoA 2: talvez. PESSoA 1: ponha seus óculos. reconhece alguma delas? PESSoA 2: talvez. PESSoA 1: consegue identificar o que quer?
Pessoa 2 anda em círculos.
PESSoA 2: ... PESSoA 1: quer ver ela mais de perto? PESSoA 2: talvez.
mulhEr: estão falando de mim. vai deixar essas pessoas me olharem desse jeito? homEm: tanto faz. mulhEr: não vai tomar nenhuma atitude? homem anda em círculos. Silêncio. mulhEr: o que mais vão fazer na sua casa? homEm: … mulhEr: não vai perguntar o que querem?
mulhEr: por qual motivo entraram na sua casa? quer que eu pergunte?
homEm: tanto faz!
homEm: tanto faz.
PESSoA 1: ela fala com um homem. será que ele pode nos ser útil?
mulhEr: o olhar daquela pessoa me deixa nervosa.
homem anda em círculos.
PESSoA 1: vai me contar o que procura aqui? PESSoA 2: talvez. PESSoA 1: aquela mulher está com medo.
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ensejos
antro+
PESSoA 2: talvez!
pessoa 2 param um ao lado do outro,ainda de cabeças baixas. mulher faz som ritmado das batidas do coração, agora acelerado. pessoa 1 observa. homem e pessoa 2 continuam de cabeças baixas. mulher faz som ritmado do coração, agora lento. pessoa 1 pega algumas pedras do bolso e as atira no chão. Mulher intensifica as batidas. homem e pessoa 2 viram-se para a plateia. pessoa 1 junta as pedras do chão lentamente. mulher sussurra “reaja homem” enquanto simula as batidas do coração. pessoa 1 atira as pedras nas paredes da casa. homem e pessoa 2 observam a plateia. homem e pessoa 2 procuram algo com o olhar. pessoa 1 atira as pedras na vidraça. um vidro é quebrado. a mulher para de bater. a mulher ainda diz: “reaja homem”. o homem e pessoa 2 se olham.
mulhEr: querem algo de nós? PESSoA 2: talvez. PESSoA 1: podemos nos sentar? homEm: tanto faz.
a mulher senta-se assustada no sofá.
mulhEr: Vão ficar na nossa casa por muito tempo?
homem e pessoa 2 andam em círculos. passam um pelo outro algumas vezes. não se olham. mulher faz o som ritmado das batidas do coração. uma batida pesada. homem e
PESSoA 2: sim. PESSoA 1: vocês se importam? homEm: não.
antro+
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1951 1927
Ariano Suassuna
Robin Williams
Sebastião Milaré
1945
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