ANTRO POSITIVO ED.04

Page 1


colaboradores

Aline FAnju + Aline Filóco GuilherminA + ArietA corrêA + Borut KrzisniK + clArissA K André + cláudiA leitão + cl dAni BArros + dAni cAlABres + eduArdo semerjiAn + éricA + ernesto Filho + esmir Filh VieirA + FABiAnA GuGli + FernA + FernAndA de FreitAs + FrA GABrielA mellão + GeorGette cAmilo + GildA nomAcci + Go VAz + ÍnGrid GuimArães + irmã isABel teixeirA + ismAel cAneP leite + joão cAldAs + joão de GABriel de limA + johnnAs Feldens + juliAnA GAldino + K + KiKo rieser + lAVÍniA PAnn FernAndo rAmos + luÍzA no helenA chirA + mAriA teresA c limA + mArÍliA PêrA + mArjo mArtA rAmos-yzquierdo + miK silVA + PAulA cohen + PAul renAtA AdmirAl + roBertA e + rodriGo contrerA + rodriG sABrinA GreVe + VAlmir


omo + AnnA + BárBArA PAz Kiste + cláucio léo de Páris + sA + ed morAes A montAnheiro ho + euGênio AndA Brenner Anz KePPler + e FAdel + Gero oyA + GustAVo ãos chAPmAn + PPele + jAnAÍnA FreitAs + joão oliVA + juliA KiKo Bertholini nunzio + luiz oVAes + mAriA cruz + mAriAnA orie estiAno + KA lins + óscAr lA PicArelli + estrelA d’AlVA Go Gorosito + r sAntos

agradecimentos A Casa Branca Ale Catan Aline Novaes Allyson Spellacy Andréa Silva Anna Guerra Antonio Araújo Antônio Prata Bete Néspoli Bruna Palhari Camila Morgado Camila Motta Carla Candiotto Carlos (Ed. Globo) Carlota Cafieiro Carmen Mello Carol Abras Cauê Célia Forte Celso Sim Chaim Produções Christian Gaul Chus Martinez Cibele Forjaz Cristóvão Tezza Daniel Gaggini Daniel Oliva Daniele Santos Dara Liberman Débora Falabella Deutsches Theater Berlin Dominique Pietroni Enrique Diaz Fernanda Stefanski Fernando Oliveira Flávia Tonazeli Frame Boy Gladstone Gallery Guga Stroeter Guilherme Gorski Guilherme Guimarães Gustavo Machado Helena Huguet Henrique Mariano Hugo Possolo Isabela Flórido Ivany Turíbio Janaína Pinho Jaqueline da Silva Júlia Pitthan Juliana Ferreira

Kiki Vassimon Laura Lobo Leandro Knopfholz Lígia Tourinho Liza Rocha Luiz Päetow Lulu Pavarin Marcelo D’Ávila Leal Márcia Chiochetti Possolo Márcio Miranda Marco Dutra Maria (Rio Verde) Mariana Dantas Marina de la Riva Marisa Orth Marta Soares Matthew Barney Mica Neiva MIS Morente Forte MTV Brasil Nelson Baskerville Nilza (Chaim) Otávio Martins Pant Bó Patolino Paula de Miranda Pedro Andrade Rafael (Coruja) Rafael Primot Raul Barreto Renata Forato Renato Ferracini Roberta Della Noce Roberta Koyama Roberto Alvim Rodolfo Dias Paes (Dipa) Rodolfo Garcia Vazquez Rodrigo Nogueira Rosalie Benitez Sarah Oliveira Sérgio de Carvalho Taís Reis Tata Wernek Teixeira Coelho Thiago Amaral Tuca Notarnicola Tyaga Sá Brito Vânia Alves Verônica Cordeiro Vladimir Brichta


editorial

A

no passado, começamos a maluquice de idealizar e produzir uma revista eletrônica sobre teatro. Claro que não

entendíamos nada quanto às possibilidades e de como a faríamos. Então, fizemos. Apenas

ruy filho

isso. Ligamos para aqueles que gostaríamos de conversar, de se aproximar, e o resto foi consequência dos acertos. Ainda trabalhamos assim. Vamos aos que nos provocam, criam outras maneiras de vermos as coisas. E nada é melhor do que descobrir, nesse primeiro ano da Antro+, que as conversas se tornaram

patrícia cividanes

encontros entre um número incontável de leitores. Isso deu a certeza necessária para continuarmos. E aqui estamos, então. Nesta edição, achamos por bem homenagearmos os artistas de teatro. E escolhemos elas, as atrizes, como representantes de todos nós. E também um ícone, para dar face ao aniversário. É curioso como tantas outras surgiram definindo a edição como a mais feminina de todas. Entretanto, a revista existe também por outras questões. O momento político envolvendo eleições e a troca da ministra da Cultura permeiam muitas das reflexões trazidas aqui, além de dar voz à nova campanha da revista: Trocadálio tem limite. Isso mesmo. Chega de comparações, metáforas e brincadeiras. Caramba, isso ofende! Mas não vamos ficar aqui nos lamentando. Os recados estão dados. É dia de festa. Hoje sopramos a primeira velinha e queremos convidá-los a corta o bolo conosco. Deliciar-se com os recheios. Saborear os sonhos. Vamos? 3...2...1...

Outubro de 2012

SP / BR


c

a

m

p

a

n

h

a

trocadalho

TEM LIMITE

por ingrid guimarães

estA é umA cAmPAnhA


no

s

en

co

nt

re

ta

m

m

no

fa

ce

tte

om

foto da capa: euGênio VieirA

wi

realização

+t

r

ti Vo

-V I

ND

O

M

M VE NO z. M E

om

re cl Par a e volt rime an ou mar, a co po ad st líti a ral tr ape cola men ca às , c t o a n b as o r, s p q Aq cu dis om r o uE uI en ar, ug ltu cu s M e A iti via ale rir ra ssõ TE NO l. vo r um rta pa es NI E M r a ut VO M A é @ d a SE T gm eva lgum s, M z, T O PR EM Nã ai neio erro E O BE TA l.c : T E M M

.c ot sp og .bl vo iti os op tr an w. ww Pa trí Ru edito ci y re An ac a Fi s é es u C lho m so a tr ivi vir p so da tu ub o br al lic P e ne te e liv açã o at s s r o e ro , i t

expediente

antroexposto.blogspot.com


sumário

8

0 8

1

92

96

:)

s 52 o do se as na om io str óc c itz Fil en lin llw int er ine Ko Al mrB te or be DO p s ea a AN A O ho Th nc LT SIT 2 Fil s a x VI y Br he VO O Ru a A/ o tsc s r G ID o a O eu itã p C D ÁL Le S s al l A DI Aí g ia So da PO uI R tu al o M ud or C PO Aq P á l TE 2 rd R o C S A Pô 2 oã PO RE RA RO J 8 do Aé Tu uT O L 2 E O C so u L 2 C NT es PA O A 3 pr P D 4 Ex TO A a 3 ra IC x2 FO 0 Pê es Lim LíT O z i a r e o 4 G PO ríli At ilh O 2 ld y F a e i ÁL ic r M 4 EM uy DI pl 0 ab PA rR AG Su G 6 EN CA po o ta 6 ã M L ar al A L Jo 6 M HO PE Sin 6 TIC ra o DO PA r a ER i 7 V p e AN 8 EM rc A ho SIT 8 8 Te RT O Fil VI A 3 BE TR x k A A i I se i 1 4 TE isn ivô TA CA 4 Pa ... z P R r S os 1 2 NA x2 tK CA IA 5 ad ru M O NC Ilh as Bo O 1 G Ê t s i S R s 54 E LO po Fre DO ue r T I I IÁ NF 1 o ig D A u uV de 58 C dr TR O o 2 IRC R 1 Ro x ã C O 60 P Jo DO O ila 1 G O LF O isc T E ã O 66 S Pr ç ÁL e 1 O I TA DI o 76 N ÁR et O 1 ND C iN 78 LE ur rY CA po

1

88

1

1

1


te fo xto to : s: RU P Y E ATR FIL AC ÍC H ER IA O VO CI V DA IDA CI NE A. S

KOLLWITZ visitando


ZSTRASSE Estar. Ali. Ou lรก. Ou fingir estar. Ou fingir o fingimento. Estar em ambos. E viver a verdade de uma possibilidade irreal


Imagens produzidas durante a realização e apresentação do espetáculo.

“Misturar novas coisas, quebrar formatos. Não consigo mais ficar numa coisa só” 10

Esmir Filho


F

azer teatro. sempre surge isso, como fazer, o que fazer, com quem, onde, quando... Coisas assim. não se questiona, no entanto, a condição implícita no verbo. Fazer? será mesmo que a arte precisa ser feita? É preciso confrontar certeza e valores muito bem estabelecidos e descobrir que a arte, e também o teatro, se dá por outra instância. Para encontrar algumas possíveis respostas, a revista conversou com Esmir Filho, ismael Caneppele, Julia Feldens e Ernesto Filho,

idealizadores de Kollwitzstrasse 52, apresentado no Mis-sP. não se trata de um coletivo ou grupo de teatro. não se trata de algo formalizado por esses princípios, apenas a resposta a uma vontade. a experiência, no sentido mais amplo do termo, nega a necessidade de nomear sua estrutura, de burocratizar a realização como algo pertencente a isso ou aquele. Colocar algum nome, explicam, estabeleceria o perigo de aprisionar Kollwitzstrasse 52 em algo menor, em uma espécie de produto a ser consumido, e não de ser ele a

exposição de um acontecimento dividido com o público. de fato, a prática teatral atual confinou o existir do processo ao resultado de sua produção. Festivais e quase toda a imprensa tratam a existência dos trabalhos a partir de realizações de companhias, como suas consequências. Quem nunca passou pela dificuldade de ter de inventar um nome durante uma inscrição ou divulgação? discutir a desnecessidade de nomeações é romper o viciado mercado que visa reconhecer o artista/companhia como grife.



Em Kollwitzstrasse o teatro não é feito, simplesmente acontece. Exatamente. É resultante de um processo que une cinema, dramaturgia e instalação. Mas não tão simples como o ato de reunir linguagens como efeito. antes da resolução estética, houve a vivência daquilo que geraria o espetáculo. E não tão fácil assim também. Porque a vivência não se tratou de um estudo laboratorial para levantar materiais de supostos depoimentos, mas do existir um ao outro, em pelo inverno alemão de fim de ano, pelo qual reconhecimentos, descobertas e toda sorte de emoções foram trazidas às relações, determinando suas particularidades. Em outras palavras, não se partiu do desejo pelo teatro, a escolha de um tema, as possibilidades dramatúrgicas a serem investigadas em laboratórios autorais. Permita-se traçar o inesperado. E o que se tem é o desejo de viver o instante que se desdobra em encontros individuais e coletivos sobre si

mesmo e os outros, que, ao serem documentados, tornam-se materiais de reencontro explodindo a necessidade de reviver e reexistir. É nesse instante o nascer do acontecimento no teatro. no retornar ao ontem. na busca por reproduzir as verdades vividas, não pela mentira da representação, mas pela verdade do se reexperimentar. da passagem em Berlim ao que assistimos no Mis, tem-se a sobreposição de dois tempo, ontem e agora, através do uso de tecnologias (vídeos, gravações e sons) e do humano. dessa maneira, assistimos o desdobramento de outra qualidade narrativa para a cena, desde um teatro-documentário-performativo, até e também sobre si mesmo, desvelando a maneira como a subjetividade se configura a partir das relações. Portanto, é desnecessário o repetir, ainda que o teatro se faça novamente, em temporada. Repetir, aqui, pode ser traduzido por recuperar o sistema que liga o todo, que leve os

Cenas de projeções utilizadas durante o espetáculo.


14

envolvidos de volta ao ontem e reconfigure o agora como acontecimento necessário. a vida mudou e é preciso transformar a experiência em obra de arte, acrescentam. É necessário estabelecer novos encontros, outras qualidades de agenciamentos, sair dos perigos de derivações particulares e gerar a perspectiva do que definem por solidões povoadas, quando os indivíduos estão sozinhos e juntos, vivendo as mesmas questões, compli-

cando-as por assim estarem. E concluem: “a complicação é, de fato, o estímulo que mais precisamos hoje”. aproximar a imagem da cena seria um processo natural, visto os envolvimentos dos participantes com o cinema. Entretanto, enquanto no cinema o controle é total, detalhista e milimétrico, potencializando com o enquadramento e câmera a própria imagem que se busca apresentar, no teatro, explicam,

as questões estão mais abertas e incorporam outras possibilidades. Por isso, é tão importante em Kollwitzstrasse 52 a presença de todos em cena, inclusive do diretor, as fragilidades, a qualidade em mover o fluxo, em dialogar com o erro como instrumento de criação e arranjo contínuo. É necessário discutir com a tecnologia em cena, mais do que meramente encontrar meios de acrescentá-la, afirmam. Os


Esmir Filho em vídeo, ao fundo. Em cena, Ismael Caneppele e Erneto Filho.

cabos se soltam sem permissão de seus equipamentos, fios se enroscam, conexões caem, filmes falham, sons falham, microfones falham. os improvisos surgidos involuntários oferecem ainda mais a sensação de liberdade, de propriedade daquilo construído, obriga ao atentar-se todo o tempo para a completude e não para instantes ou certezas treinadas. Quase sempre a relação com a tecnologia ocorre em cena de

maneira literal e estereotipada. Quase sempre, também, o cinema entra como ilustração de certos instantes narrativos. Em Kollwitzstrasse 52, por sua vez, a imagem documentada serve ao estimulo do desejo de reencontrar em cena as mesmas emoções. simultâneas, as imagens documentadas são revividas em palco e novamente em vídeo reprojetado, rompendo o binário comum das historias comuns. aqueles quais se assiste

em cena são os mesmos de ontem e são outros; são os mesmos da projeção ao vivo renquadrada para imitar o passado e são terceiros. não há verdade que não pela soma dos três tempos. não há história que não pela sobreposição dos três instantes. E na consolidação de certa ficcionalização da realidade do passado, da ficcionalização da realidade do presente e da presentificação da realidade ficcional, o teatro surge como


32


Ernesto Filho e Julianae Elting durante cena no interior do cenárioinstalação, junto ao elenco de Kollwitzstrasse 52.

ambiência poética de consolidação de um sofisticado hipertexto, ou melhor, em hiperimagem, ou ainda, em hiperacontecimento. a busca por não fazer teatro conduziu a cena a outra potência, levou a criação à necessidade de ser diferente, algo incontrolável, inerente às consequências do processo. Há nisso a disponibilidade de ir mais a fundo em todas as direções. Rizomaticamente. sem pretensões de atingir resultados, mas com o intuito claro de chegar a si, ao outro, e a outro de

si. o teatro de Kollwitzstrasse 52 recupera a necessidade do próprio teatro existir. Esmir, ismael, Júlia, Ernesto e toda a equipe e elenco reinventam a perspectiva do desejo pela cena. E assistir é menos olhar algo, então, e mais o afogar-se nas qualidades e memórias de quem se é. são as historias no palco também as de quem as observa. E não é exatamente essa a melhor e mais interessante qualidade do teatro, perdida no contemporâneo?


ida / volta

por aline filócomo

U C

a U s qw 16 00

w w 06

s 16 08

Q

e Q

P Q

...hoje aline acordou meio rio de janeiro meio são paulo. esse fraseado, por exemplo, é um hiato no tempo. e tudo isso é só mais uma repetição, um prólogo desnecessário ou uma outra mentira qualquer. verdade. 12 de outubro de 1993. rio de janeiro. ...tempo marcado. o público começa a entrar no teatro. eu repito bem vindos para o público, um por um. tempo. cada um no seu lugar, no lugar do público, no lugar marcado. tempo. ... eu deveria começar agora. na hora marcada. talvez eu pule o prólogo. tempo. o público continua a entrar no teatro. talvez eu pule todo o começo. tempo. eu continuo repetindo bem vindos para o público, um por todos. mais tempo. talvez eu pule os créditos finais. muito mais tempo.


s V 16 20

s 16 22

$

...tempo interminável. eu pulo os bem vindos, todos de uma vez, em coro, por favor. pelo amor de deus, eu não tenho mais tempo. ...a cortina se abre no rio de janeiro. eu peço desculpas. desculpa. aline olha para o lado pra sinalizar que começou. música italiana antiga. e esse é o meu solo. (um hiato de ficção no tempo)

s 17 19

1

v b

a

s U 17 44

a

...aline olha para o lado pra sinalizar que acabou. tempo. aplausos. a cortina se fecha no rj. correria no corredor do tempo. correria no elevador do tempo. correria no trânsito do tempo. correria no aeroporto do tempo. correria contra o tempo. ...rio de janeiro. embarque. tempo marcado. cinto afivelado. minha jaqueta, cadê a minha jaqueta. perdi minha jaqueta. agora não dá tempo.


(um hiato de vôo no tempo)

s 19 07

C

x

;

a C

s qw 20 00

w P

1

$

...são paulo. desembarque. minha jaqueta, cadê a minha jaqueta. perdi minha jaqueta. agora também não dá tempo. talvez um táxi. talvez uma carona. talvez uma banana no porta-luvas. talvez uma ficção. talvez um respiro de meio tempo. verdade. 12 de outubro de 1993. são paulo. ...tempo marcado. o público já está no teatro. eu repito bem vindos para o público, um por um. cada um no seu lugar, no lugar do público, sem lugar marcado, sem cortina. sem ficção. eu peço desculpas. desculpa. aline filócomo entreou em aline olha para o lado São Paulo e Rio pra sinalizar que começou. de Janeiro, simultâneamente, o música italiana antiga. espetáculo Ficção, pela cia. Hiato, e esse é o meu solo. em 2012. Baseado ou talvez um pas de deux. em fatos reais. ou talvez só mais uma repetição. tempo de sobra. (um hiato de cena)

s 20 57

Z

... (créditos finais)


c

a

m

p

a

n

h

a

trocadalho

tem limite

por geRo camilo

Esta ĂŠ uma campanha


diálogo. x2

por luiz fernando ramos e renata admiral

os bemintencionados

Aonde cabe o outro? Onde se localiza a permanência de alguém? Lume e Grace Passô. Está servido?

renata admiral: eu gostei muito deste novo trabalho do Lume, é um grupo que me interessa e que sempre me chama a atenção.

para quem acompanha o grupo e conhece seu repertório creio que há um condicionamento, por parte do telespectador, de gostar

luiz fernando ramos: pois é, o que é mais belo e mais problemático no trabalho é exatamente ser o Lume, esse bastião de uma bandeira barbiana no Brasil e que decide um pouco aposentar tudo isso e partir para uma coisa totalmente nova.

lfr: Mas não sei se essa fama é tão decisiva. Porque afinal ali não se trata de gostar e de ser ou não capturado para uma viagem muito “pessoal”, no sentido de grupo e de todos os seus indivíduos.

ra: independente de ser uma proposta nova,

ra: entendo, falei sobre este ponto porque, sendo um grupo de pesquisa e tendo o

histórico que tem, imagino que muitos dos espectadores são do meio. Outros trabalhos deles são mais abrangentes no que diz respeito às pessoas que são, digamos “leigas” lfr: Sim são, mas não é para eles que o espetáculo existe e sim para a história e para o espaço e sei lá para toda uma escuta que possa se interessar pela crise de meia idade de um grupo de teatro experimental no Brasil. O que é interessante é que esse assunto quase bobo, se

torna uma matéria muito interessante, como uma transformer que na cena se desveste da bufonaria e investe no sacrifício. esta é a chave de espetáculo a dialética , talvez ainda basicamente cristã, entre o desejo e a volúpia da subjetividade e o sacrifício da entrega “a alguma coisa.

ra: dentro do que vc mencionou, tenho algumas questões que foram sendo levantadas durante o espetáculo, assim talvez consiga imprimir neste diálogo



fotos de cena do espetĂĄculo ambientado como o interior de bar, no qual o pĂşblico ĂŠ acomodado e servido pelos atores.


minhas sensações.... Em um primeiro momento, me senti muito bem recebida por aquele grupo, vi naqueles atores/personagens, não o estereótipo do ator/artista moderno, na superfície sim, mas na sua profundidade, enxerguei o ator pela arte. Após este primeiro momento, me deparei com um sorriso incessante no meu rosto e nos rostos que estavam ao meu lado. A platéia estava envolta. Em seguida, tive a sensação de algo “egóico” que me preocupou e a partir daí acho que entramos em algo mencionado acima por você e algumas linhas publicadas por ti na ilustrada onde você dizia: “Há sempre o risco de tudo ser percebido como piada interna, pouco permeável a olhos estranhos”. lfr: esse envolvimento foi natural pela bela música, e pelos atores tão prontos, mas que essa “empatia” de araque tinha muito de intencionalmente postiça por conta da Grace Passô, que é a outra vertente desse trabalho, que o escreve e o encena. Ela é articuladora e traz a sua estética da demolição para brincar com a estética da atuação do Lume. Então assim

como, mais do que uma trapaça dramática, no sentido de buscar um engajamento fácil, vai ocorrendo um lento esgarçar das máscaras e da própria encenação que mobiliza outros sentidos. ra: Exatamente, foi envolto demais, feliz demais, agradável demais!! O que eu escrevi em relação a ser “egóico” foi neste sentido... chegou um momento que aquele meu sorriso já me doía a mandíbula e eu comecei a me dar conta que todos da platéia estavam da mesma forma... comecei a ficar entediada com tanto entretenimento e magia, não acreditava mais no que via, tudo começou a soar falso.... só pensava em uma frase: “não pode ser só isso, é o Lume”. E de repente não era só isso, era muito mais! A quebra necessária veio neste momento, reveladora! Depois daquele “falso entretenimento” o público não sabia mais para onde ir, para onde olhar, não encarava mais os atores, os sorrisos sumiram subitamente. Aquela introdução apenas mascarava o que estava por vir e particularmente, foi muito bom tirar a ilusão do riso imediato.

lfr: Pois é, você descreveu muito bem o processo fenomenológico que ocorre entre a cena e o público. Mas, voltando ao desmonte, e a reinvestidura de novas personas não personas no Lume me parece o mais intenso daquilo, porque, afinal, é o Lume, e eles estão ali se desvestindo em ficando em carne nua, quase que sacrificados ( daí a idéia do sacrifício) mas também renovados, no que se revela o caráter redentor desse cristianismo que transborda de Grotowski para a diluição do Barba e remanesce nas estéticas deles tributárias. Mas é uma missa linda .bufa, que talvez na conjuminância de dramaturga/ diretora/e grupo de atuantes, enquanto tais ambos os lados puros, que alguma coisa ainda imbrica, algo se perde, não se transformam de fato. ra: Inquestionável o casamento Lume e Passô, as técnicas e vivências do grupo. O espetáculo se completa como um todo. Mas eu entendo quando vc menciona esta “perda e falta de transformação”. O grupo, artistas, pode criar a ilusão que bem entenderem, no momento da quebra,

quando os personagens, nesta “autobiografia”, neste momento de exposição, neste aprofundamento... afastam quem não entende um pouco além.... quem não entende esta história, quem não entende a vivência, conflitos, questões do ser artista. Teve um momento que aquilo me tocou tão forte, me desviou para lugares dentro de mim que nunca são visitados, ou assumidos, que eu não pude controlar as lágrimas. E quando acabou e eu fui quase a última a sair, eu estava com meu marido que também estava neste estado de embriaguez e só pude dizer...que pena, quem não faz parte deste meio, não entendeu metade, não foi tocado o suficiente. lfr: Talvez não, porque realmente eles tem a força, como atores tão prontos, e a Grace também faz suas bruxarias cênicas e encanta, mas o ponto mesmo é essa ignição em algumas pessoas que atesta a legitimidade e integridade do espetáculo. Quando eu problematizo é que acho que eles próprios não ficaram plenamente satisfeitos, nem Lume nem Grace, porque ainda que a entrega


ra: mas vc sente isso? por que? de onde vc tira esta insatisfação? lfr: Talvez de achar que só essa entrega e desvestimento não bastasse a eles, pelo tanto de bagagem que trazem. É lindo e emocionante, mas é a vida dos artistas, e não a arte mesma que está ali.

26

ra: da mesma forma “egóica” da minha parte de pensar “ vc público, não entendeu, pq não sabe como é, não vivencia isso” e vc acha que a força deles é muito maior e que pode/ deve ter tocado a todos pela sua beleza e afins. Será que simplesmente não é um trabalho diferente, como tantos outros, será que vc não está comparando com outros espetáculos e não somente enxergando este como algo único? Dá para analisar separado?

lfr: Não sei dizer sobre isso, até porque assistir poucos espetáculos do Lume. Conheço-os muito examinando teses que eles fizeram e avaliando suas pesquisas, Para mim o melhor espetáculo deles é Café com Queijo, onde se cristaliza alguma coisa de todo aquele esforço. Aqui já é a lenda que está na roda. e um cansaço e uma vontade de virar a página. Então me emociona muito a coragem artística dessa obra, a atitude que ela encerra, assim como tenho um apelo extra como quase amigo pessoal de alguns deles,. Mesmo assim, espremendo em mil o olhar mais crítico que pudesse ter, reconheço que não é uma obra acabada. Suspeito que tenha a ver com a dialética LumeXGrace, mas pode ser uma encanação. Porque afinal, esse encontro propicia esse espetáculo tão sincero. É que eu acho que a grande arte, que o Lume já visitou, precisa um pouco mais do que essa entrega abstrata. Há um jogo concreto, poético em que ou você faz o gol ou bate na trave. Nesse caso, acho que bateu na trave, ra: creio que falamos bastante a respeito,

suas considerações são muito importantes, foi um desafio, confesso, um diálogo contigo, que conhece tanto desta área e tem uma visão muito mais abrangente e “crítica” do assunto. Foi uma troca para mim muito boa e com certeza pude aprofundar minha visão deste espetáculo. Você acha que faltou falarmos de algo que vc acha importante? ou finalizamos por aqui? lfr: Sim Renata. Vale irmos terminando porque já falamos muito mais do que eu supunha poder dizer. engraçada essa forma de escrita xadrez em que se espera a jogada do adversário. ra: foi um prazer trocar contigo, espero ter oferecido nem que tenha sido um pouco, da minha visão, menos crítica e mais romantizada! lfr: OI Renata, foi um prazer conversar com você. Me desculpe as falas metidas e difíceis. Adorei a sua leitura e me fez repensar a minha. Assim caminha a humanidade. Boa sorte. Um beijo.

Criação

Atores do LUME Teatro e Grace Passô. Dramaturgia e Direção

Grace Passô. Elenco

Ana Cristina Colla Carlos Simioni Jesser de Souza Naomi Silman Raquel Scotti Hirson Renato Ferracini Ricardo Puccetti.

FOTOS: ALESSANDRO SOAVE E ADALBERTO LIMA

do Lume tenha sido total, e que a Grace não tenha se intimidado com a responsabilidade, conduzindo-os a bom porto, alguma coisa ficou por definir, ou aparecer, além do sacrifício e do desvestimento. Não um final feliz, mas uma encenação mesmo que se desfizesse, como se desfaz, de forma mais plena e menos tímida.


Cantos, conflitos e o encontro direto com o espectador determinavam a dramaturgia do espetรกculo.


por aí onde deUtscHes tHeateR beRLIn aLemanHa

28

te xt o:

RU Y

FI LH O

3x


teatro Berlim, Alemanha. E as salas definitivas do Deustsches Theater para os apaixonados por teatro e ousadia


a

30

fachada bem conservada dá a grandeza do espaço teatral no seu interior. Mas não se engane, são três salas, com tamanhos e propósitos específicos. O Deutsches Theater Berlin possui um auditório para 600 pessoas, construído em 1850. Já no século XX, em 1906, com a proposta de investigar o drama moderno, levantaram a Kammerspiele, criada por Max Reinhardt, com cerca de 230 lugares. E, mais recentemente, a Sala Box, uma sala preta, aberta em 2006 para produções mais atuais, novos roteiros e temas voltados às experiências cênicas contemporâneas, abrigando 80 pessoas. O DT é referência absoluta em investigação teatral. Suas produções, cerca de 50 só em repertório e 30 estréias a cada estação, influenciam artistas mundo afora, inclusive nos palcos brasileiros. Passar pelo Deutsches Theater em Berlim é quase

uma condição obrigatória aos apaixonados pelo teatro. Além dos palcos, um ótimo café recebe o público no saguão, e sua fácil localização na cidade torna o deslocamento por metrô rápido e sem maiores dificuldades. É preciso dizer, ainda, que o próprio trajeto até o espaço tem sua relevância. Dê prefrência para ir a pé. O encontro com o prédio oferece igual experiência às encontradas quando se acomoda em uma das plateias. Não é a toa que Berlim é, sem dúvidas, umas das cidades mais interessantes para os apaixonados em arte.

DeuTsches TheaTer berlin >> schumannstraße 13 10117 berlin, alemanha 030 28441-0 . http://www.deutschestheater.de


acima, saguão do teatro. Foto maior, fachada e entrada. abaixo, foto histórica, interior do espaço de convivência e cena de Othello, na sala box.


por aqui onde a casa bRanca sãO paULO

aé casa NoSSA Arte, tecnologia, encontros e inquietações, agora em novo endereço

32

te xt o:

RU Y

FI LH O

T

odo espaço novo que se aventure a receber artistas e suas invencionices são fundamentais. A arte se coloca como meio de fruição não apenas para o simbólico, mas para a descoberta de novas maneiras de convívio e de compreendermos a partir de quais perspectivas nos lançamos ao futuro. A Casa Branca, espaço multidisciplinar de Artes Híbridas,

como se definem, reunem um pouco de vanguarda, um tanto de experimentos, outro de jovens inquietos criadores, e toda sorte de interessados em encontrar por experiências estéticas e vivências algo mais significativo e inquieto sobre a própria realidade. O espaço, uma casa sobrado em Perdizes, também abre as portas para a realização


de workshops, residências e trocas artísticas. A ambiência disponível ao encontro com o outro favorece a perspectiva da contemporaneidade da proposta. Músicas, artes visuais, tecnologias, e o que mais houver de confluência com o presente. A Casa Branca, em breve, completará seu primeiro ano. E mesmo que você não tenha tanto pique para enfren-

tar jornadas mais experimentais, acalme-se, tenha a certeza que, antes de tudo, você realmente se sentirá em casa.

A CASA BRANCA >> Rua Ministro Gastão Mesquita, 243. Tel.: (11) 2533.5403.


outros tempos por ruy filho


O último movimento

ais toma a m e z n e H rer. rner omo mor Hans We c : ro t a s e id ks v a Om de sua ssey Wor y o d ã is O c s e a rtist va difícil d tivo de a . Só não imagina le o c o Convida -lo nessa tarefa á capazes d m ju a ia r e a r s pa eles do que

M

orro, ele disse. O velho maestro conversava com seus cães, enquanto o enfermeiro terminava de escrever o que a ele era ditado de modo tão desesperado. Morro e não espero outra coisa, apenas de volta a poesia que doei. A quem estiver lendo, de Hans Werner Henze. Roma estava quente naquele final de tarde. O enfermeiro, suando além do comum, não via como fazê-lo mudar de ideia. Seria, de certa forma, uma espécie de suicídio pós-moderno? Poderia ele ser condenado por eutanásia? Todas as dúvidas éticas se evaporavam a cada segundo em que o observava falhar a frágil respiração e as mãos,

tão habilidosas nas conduções das principais orquestras, tremiam e dispensavam o desejo de viver. A carta, ou melhor, email destinava-se a um grupo de desconhecidos. Hans havia lido sobre eles no New York Times. Era preciso se inscrever e ser escolhido. E não tinha dúvidas sobre o impacto de seu pedido. Simples, em poucas linhas, com a força precisa de sempre. Levem-me ao mais vivo deste corpo morto em pleno entardecer. A mensagem terminava com um breve até logo. E, ainda inseguro, mas pressionado pela aspereza do olhar do moribundo, o enfermeiro apertou a tecla derradeira. O email voou. E não levou meia hora para que


o telefone particular do maestro tocasse. Sim. Eles chegariam em uma semana. Os três homens e a garota apenas ouviam. Fiz da vida algo que não se simplifica, vivi, disse-lhes Hans. Por oito horas seguidas. Suas histórias, seus romances, suas atrapalhações. Quando o quarteto anônimo deixou o quarto, a única coisa possível de ser ouvida na antessala foi um descontextualizado tenho tudo o que preciso para seguir. A porta bateu. O silêncio retornou. Apenas os barulhos de aparelhos hospitalares, da respiração maquinada por segurança, das respirações fortes dos cães ao pés da cama. E permaneceu assim por alguns dias e noites seguintes. Até que estranhou ser acordado pelo enfermeiro. Preciso ir agora, senhor, que tudo dê certo, não nos veremos mais, então, adeus. Deitado, único, o velho se conforma com o abandono, enquanto as horas passam e as coisas permanecem desenhando uma inércia própria dos fins. E, então, adormeceu. Foi acordado pelo toque leve nos lábios de outros úmidos, teve os olhos vendados e foi levado ao pedido exposto em seu email. Aqui não me parece um teatro, disse aos seus acompanhantes. De fato, estava longe de ser qualquer lugar construído por alguém. A maneira como a cadeira de rodas sentia dificuldade em vencer o percurso revelava o quanto ele deveria estar longe de todos os lugares que conhecera. Preciso descansar, a viagem de avião foi cansativa. Pedido aceito, copo d’água, cálice de vinho e o sabor proibido por tantos anos. Não era fácil chegar aos 86. Muitas paixões se tornavam perigosas, mesmo em doses mínimas. Nos instantes em que o líquido descia trazendo tantas lembranças, uma a uma as figuras de sua vida sentavam-se a sua frente. Amigos, parentes, amantes, músicos... Dezenas deles. Nada era dito. Por nenhum. Nunca. Apenas se olhavam, até que as bordas marejadas dos olhos se secassem, passassem as expressões de culpas, tristezas e saudades de ambos, e a tranquilidade confirmasse a aceitação por sua escolha em não querer mais viver. Uma a uma

as figuras de sua vida. Uma a uma aprendeu a respeitar e entender sua vontade. Ao fim, quando ninguém mais poderia surgir, o velho recebe um pouco de sua glória no sabor de uma safra rara. Um Eiswein, balbucia emocionado. Um jovem rapaz concordou. Tão raro e caro… As horas seguintes gastou em um delicado ritual de apreciação, agora dele com ele mesmo. E, sem sequer perceber, embriagado pelo prazer, viu-se horas depois, acomodado em um aconchegante quarto cuja janela à sua frente expunha a fachada do La Scala Opera em Milão. Alguns dos mais brilhantes concertos mudaram sua vida ali. Dormiu olhando as lembranças se sobreporem à paisagem de suas melhores conquistas. Já se dava por satisfeito na manhã seguinte. A hora para seu fim era mais do que apropriada. No entanto, seus condutores não pensavam exatamente assim. Banharam-no como se fosse o mais precioso dos cristais. Vestiram-no como se fosse a maior das realezas. E, nem bem era chegava a tarde, Hans novamente apertava o cinto de segurança em outra poltrona de avião. Na área onde foi acomodado não se via ninguém à sua frente. Estava só, preferiu fingir. Foi quando a nave fez uma e depois outra curvas e desceu em um enorme e inesperado descampado. Chegavam a uma ilha, sem dúvida. Mas qual? Grega, talvez? Pouco ensolarado demais para ser algo mediterrâneo. Então, onde? Os homens o soltam, recolocam-no em uma cadeira motorizada, levam-no ao chão já fora do avião, cumprimentam-no e levam consigo o pássaro de volta. Hans fica só. No meio do nada, bem vestido e exposto à natureza estranha, levemente sombria e abandonada. Permite-se tempo para ouvir os pássaros e pequenos e indecifráveis ruídos. Morrer assim, só, e apenas isso, falou. Tentou lembrar-se de cada um com que estivera, do vinho, da vista da janela, tentou se apegar aos sentidos mais sublimes, enquanto aceitava sua despedida. Mas foi interrompido por algo. Por vários outros. E notou ser aquilo também o som de um violino distante no inte-




rior do desconhecido. E acordes de violoncelos e pianos. Fagotes, flautas, oboés, clarinetes... Provavelmente uma hora, ou mais, não saberia dizer, o velho empurrou a pequena alavanca de sua cadeira elétrica em direção ao interior da mata. Havia sido construída uma passarela de madeira para que pudesse deslizar e se guiar. Era tranquilizador saber que estava, de certa forma, protegido por aqueles que planejaram sua morte. E tudo ia bem assim. O ar puro, as notas dos instrumentos, a beleza em seu entorno. O que não esperava era pela bifurcação. Uma placa indicava seguir ao infinito, outra, ao fim. Ele sabia que em poucas horas poderia não mais estar vivo. Sabia que morreria de uma maneira ou outra. Retornar seria desistir e permitir que a morte o alcançasse. Seguir, seria encontrá-la, oferecer-se. Nunca foi um homem de abandonar sonhos, e não haveria de ser agora, nos seus últimos minutos. Parecia escolher o caminho certo. A música estava mais audível a cada metro. A noite se apresentava, portanto era bom estar próximo seja lá do que e de quem. Minutos depois, Hans se depara com a origem da melodia. Não se tratava de alguns instrumentistas. Montada entre as árvores e protegida por um céu especialmente desenhado ao momento, a orquestra completa executava trechos de suas óperas pela regência de seu amigo Pierre Boulez. Era impossível não chorar. E o velho, arqueado sobre seu próprio estado indefeso, deixou as lágrimas escorrerem, enquanto o sorriso tomava a face deformando a idade e lhe oferecendo novamente as feições de uma criança. A noite terminou assim. Depois de jantar, dormir e acordar, foi levado por seu enfermeiro para a beira do acesso ao Oceano. Onde estou? Na Grã Bretanha, senhor, respondeu-lhe. Por que aqui? Uma última coisa ainda, me pediram para lhe oferece companhia, senhor. Você?, perguntou sem entender o que estava prestes a acontecer. O homem um pouco gordo e forte, com suas roupas brancas sujas pelas folhagens do caminho, visivelmen-

te cansado, apenas se afastou e apontou ao lado uma jangada, do outro uma solitária e única flor. Pode levar a orquídea com o senhor, se assim o desejar. Hans era apaixonado por elas. Cuidou de dezenas, durante décadas, em uma espécie de coleção poética de serem vivos. Chegou mais próximo e levou a mão direita ao seu encontro para arrancá-la quando percebeu de quem se tratava. Mas é uma Cypripedium calceolus, disse visivelmente emocionado, sempre achei que estivessem extintas. É a última, senhor, ninguém sabe explicar o que lhe permitiu estar viva até agora, queríamos que esta fosse sua companheira a partir daqui. Os minutos finais se aproximavam. Hans saberia dizer com exatidão quando a morte o abraçaria, depois de tantos finais trágicos escritos e estudados nas óperas que realizou. A jangada flutuava no oceano tendo apenas as estrelas como testemunhas de sua solidão, feitos refletores de um monólogo final. Era a réplica perfeita da pintura de Théodore Géricault. Os sons das águas se fundiam à uma gravação de rádio antigo de sua composição sobre a jangada e parecia ser mesmo o som da primeira execução. Sua respiração, enfim, falhava. Não havia sofrimento, no entanto. A última garrafa azul de vinho adormecia-lhe as sensações, certamente por ter sido preparada devidamente para a ocasião por seu tão prestativo enfermeiro. Não haveria crueldade em sua despedida, e só lhe restava olhar o infinito escuro dos céus e deixar a morte acontecer. Da terra, os integrantes do coletivo Odyssey Works apreciavam a figura sumir para sempre. Permaneceram por horas ali, em silêncio. Os rapazes, a garota, parentes, amigos, amantes, músicos, Pierre, o piloto do avião e o enfermeiro. Ninguém saberia dizer quando Hans estaria morto. Quase ninguém. Atrás de todos, em um momento específico, aceitando o foco difuso e impreciso do luar, a última orquídea de sua espécie simplesmente secou, desprendeu-se e teve suas pétalas varridas pelo vento em direção ao escuro oceano.


ponte aÉrea por óscar silva

o

teatro hoje

É

inevitável esbarrarmos na crise quando se fala do que quer que seja português. Mas no que pertence às expressões artísticas, nomeadamente o teatro, a conversa vai além desse problema imediato. E o teatro em Portugal acomodou-se, como é mais que sabido, ao magoado destino que o carimba como português e do qual não consegue sair. Ou seja, não falamos aqui de economia, mas sim de ideologia. Portugal está afundado numa crise ideológica e, por muito que pareça terrorista, é, também, sob o teatro que recai a grande responsabilidade. O teatro sempre foi um importante estandarte ideológico, e hoje não consegue propor uma única palavra de ordem, nem mesmo desapegar-se do sistema que lhe sufoca a criatividade. O teatro português deixou, assim, de ser criativo. Quando em 74, Portugal vivia uma situação igualmente preocupante, o teatro aparecia como a voz de um povo reprimido; gritava-se

“Liberdade” e essa era a expressão pela qual todos lutavam. O problema económico existia também, mas a força era outra. A exemplo, o Teatro da Comuna pensava em alternativas, fazia, propunha, ensaiava onde quer que fosse e ocupava. Eram marcadas posições. Hoje o teatro vive de uma posição outrora conquistada, e parece-me que não quer assumir que a está a perder fazendo-me questionar a função do próprio teatro. Deverá o teatro português voltar a olhar para o que está à sua volta em vez de querer igualar-se a linguagens que lhe são exteriores? A posição de um teatro que nasce num país periférico deverá ser voltar as costas para si e para o seu público, achando que o que é melhor é estrangeiro? Talvez estes pontos de vista assentem no facto de Portugal ser um país periférico e nunca ter sido capaz de usar isso a seu favor, tentando esconder sempre essa condição a todo o custo. Uma resposta a isto deve-se à tentativa de tudo se ter centralizado excessivamente em

7.957.79 km são paulo > lisboa


Portugal

Lisboa, mas sabia-se que isso viria a saturar o meio teatral. Estas condições de periferia e centralização, deram então origem a um teatro sem opinião, cansado, e incapaz de ter um discurso próprio. Tudo ficou alicerçado a um discurso mais dirigido para a verba do que propriamente para o público, e o teatro debruçase num abismo quando é lembrado de que sem público ele não existe. E hoje, levanta-se o problema de como deve o teatro português responder a isso. Parece-me uma luta de duas frentes: por um lado há que responder ao próprio teatro, e por outro procurar a sua própria identidade. Atualmente os coletivos que desenvolvem algum tipo de trabalho de pesquisa e de assunção de uma linguagem própria, resistem também contra a castração dos dogmas instalados pelas companhias de grande hegemonia. As companhias emergentes, que lutam contra tudo isto não têm força mediática para se assumirem. Talvez o Teatro Praga

tenha tido alguma perspicácia ao fechar absolutamente as portas à centralização teatral em Portugal, conseguindo assim enquadrar-se bem no mainstream europeu. Hoje falar do teatro português deve ser uma tarefa de motivação de guerrilha. Por isso não posso deixar de ressalvar quem batalha por ideais e acredita que tem que marcar um posição artística e social. O caminho para instalar uma identidade teatral portuguesa passa também pela análise do panorama que o rodeia, pelo manifesto, a descentralização, mas principalmente, pela formação de um público jovem que deve ter a coragem de assumir o progresso português.

De passagem pelo Brasil, o jovem ator e pedagogo reflete sobre as condições do fazer teatral português.

1

4


foto.palco

C


Caldas joão

A delicada recriação e resignificação da cena através da fotografia


48


a

s muitas faces da arte de João Caldas unem-se na sensibilidade do olho que recria os tempos, os espaços e os corpos da cena, talvez recuperando o que

Roland Barthes chama de punctum. É esse acaso que me punge em sua fotografia, que reencena o teatro com liberdade ao demarcar seus pontos sensíveis. O fotógrafo e suas imagens, o encenador e seu teatro, o artista entre criadores e espectadores são modos de atuar no registro de espetáculos que João praticou desde o início do percurso, há mais de trinta anos, na apaixonante recepção visual de Clara Crocodilo. E que hoje permitem aos amantes da cena ver a cena brasileira que se transforma e se pereniza no seu filtro. Se encenar é concretizar, na teatralidade, um ponto de vista, João Caldas é um dos grandes diretores do teatro brasi-

Montagem de lala deheinzelin de Clara Crocodilo (1981). na página anterior, raul Cortez em rei lear, com direção de ron daniels.

leiro. Ao refazer o caminho da criação e atualizar o que se vê no palco, constrói ambiências, performances e sentidos. Afinal, não é esse o ofício do teatro? Sílvia FernandeS

9

4


46

acima, Caminho para Meca, com Cleyde Yaconis (2008). ao lado, denise Weinberg em Balangangueri (2011).




nesta página, Tiago lacerda em Calígula (2008). ao lado, em cima, angels in america (1995), com Cassio Scapin, João vitti e lucia romano. ao centro, Jorge Cerruti e igor Zuvela em primeiro plano (desfocado), em Hotel lancaster (2007). abaixo, montagem de Fim de Jogo, com linneu dias e antonio Galleão. (1996).

9

4



Fรกbio Herford em cenas de Guetto (2010).



do lado esquerdo, Paulo autran em visitando Sr Green (2005). acima, ant么nio Fagundes, restos (2009)

3

5


nesta pรกgina, Maria luisa Mendonรงa em a Falecida (2012). ao lado, cena de Chicago (2004) com Gianna Pagano, Katia Barros, estela ribeiro, entre outras.



ao lado, em arsênico e alfazema (2004), Henrique Stroeter. abaixo, denise Fraga e ary França em alma Boa de Setsuan (2008).

no centro, roney Facchini, leonardo Medeiros, Maureen Miranda, Guilherme Weber e Magali Biff em avenida dropsie. À direita, Marilena ansaldi em desassossego (2005)


ao lado, em cena de Maria MiSS, daniel alvim e Cacรก amaral. abaixo, Claudio Fontana em Macbeth (ambos de 2012).



À esquerda, elias andreato em artaud - O atleta do coração. acima, eva Wilma em Primeira Pessoa (2004). ao lado, antônio Fagundes em restos (2009).


política da cultura amplificada com claudia leitão por ruy filho

o maior dos acertos o minc oficializa a criação da secretaria de economina criativa

O

Brasil assistiu novamente

Ministérios e setores governamentais.

seu Ministério da Cultura

Para conhecer mais proximamente a am-

passar por reviravoltas e

plitude de ação e a relevância e inovação da

trocas. Sabemos, desde

Secretaria, convidamos a Secretária Cláudia

sempre, ser ele um dos

Leitão para uma conversa por Skype. E já

menos aproveitados, quando consolidados

antecipo minha conclusão sobre o encontro:

os planos de governo. Todavia, vivemos,

para que algo possa atingir a plenitude de

agora, três momentos: o aparente interesse

sua capacidade é preciso ter a pessoa cer-

dos candidatos às prefeituras das principais

ta para sua coordenação. E não há dúvida

capitais, através da realização de diversos

de sobre ser Cláudia esta pessoa. Passemos,

encontros com artistas e interessados, em

então, a essa que foi uma das mais incríveis

números suficientes para chamar a aten-

entrevistas realizadas pela revista.

ção. Estrategistas ou sinceros, de alguns

Começo por um dilema. Como tornar a

saberemos em poucos meses. O segundo, o

economia criativa interesse da estrutura

repentino aumento no orçamento da pasta

econômica formal? Haja visto o quase cem

ministerial, a tanto tempo desejado. Re-

por cento por financiamentos de projetos

conhecimento ou oportunismo, nesse caso

culturais ocorrerem somente mediante o

pouco importam as justificativas. O que se

uso de leis de incentivos fiscais e a pouca

confirma é que a troca do cargo maior trou-

propensão da estrutura financeira do país no

xe possibilidades de novos caminhos, ainda

relacionar a Cultura como ação consequen-

que sejam eles por princípios não tão inte-

te e desenvolvimentista. Cláudia amplia a

ressados na Cultura em si. Por último, e me-

problemática antecedendo-a por outra mais

nos exaltado pela imprensa, temos, enfim,

estruturante. Como culturalizar o que não

a oficialização da Secretaria de Economia

é visto, o simbólico? E retoma princípios

Criativa, órgão pertencente ao MinC e com

iniciados na gestão Gilberto Gil, quando se

disposição de linkar Cultura com os outros

colocou à tona a condição de ser a Cultu-



política da cultura

amplificada

ra a própria experimentação do simbólico,

condição, já oficial, de vivenciarmos a de-

em suas mais amplas diversidades. Todavia,

sindustrialização do país.

Cultura também deve ser a relação entre o

Para Cláudia, o dilema não se resolve com

simbólico e sua permanência na construção

a recuperação das indústrias, mas na formu-

social, portanto acesso ao próprio desenho

lação de novos modelos de negócios, onde

do que se pode compreender por cidadania.

criador e consumidor sejam aproximados.

E, claro, é preciso, ainda, desmitificar as re-

“As velhas lógicas da velha cadeia produtiva

lações com a economia, como se a Cultura

acabaram”, continua. Faltam políticas pú-

fosse apenas face de mais possibilidades de

blicas que possibilitem o surgimento desses

mercado. Pelo contrário. O simbólico, como

novos modelos. A moda, por exemplo, de-

comprova a economia criativa, interfere

termina muitos aspectos da indústria têxtil,

desde as relações mais básicas de consumo

compõe na cadeia o reconhecimento do

até mesmo ao desenvolvimento de indús-

simbólico traduzindo e agregando valores. O

trias fundamentais ao país.

exemplo trazido dialoga com a reconheci-

A economia pobre, explica-me aproxi-

da importância do setor desde a agricultura

mando a reflexão aos conceitos trazidos por

às exportações, turismo e comércios locais,

Edgar Morin, só quantifica os resultados e

das modernizações das fábricas ao desen-

processos, é uma ciência limitada de obser-

volvimento científico de novos materiais. A

vação do todo que implica em uma enorme

potencialidade do valor simbólico da moda

redução do Real. A economia criativa surge

reflete seu reconhecimento na estrutura

como outra maneira de construir a observa-

econômica global.

ção, compreendendo a Cultura como pro-

O Brasil, no entanto, desperdiça enormes

cessos sobrepostos, pelos quais variações e

possibilidades de desenvolver também essa

ramificações aproximam-na da macroecono-

compreensão em tantos outros setores,

mia, de maneira a existir em seu interior por

como o design, tão evidenciado na produção

substanciais cifras percentuais. É a proposta

italiana, todavia menos diversificado e ino-

de Morin, reconhecer a economia como fun-

vador que o nosso. Questões como essa de-

damento, mas sem limitar-se a uma visão

pendem de políticas públicas, certamente,

economicista das coisas.

mas não só. É preciso construir a percepção

Recuperar, então, a complexidade da

62

Cultura no espectro econômico implica em

de quanto maior o valor simbólico agregado, maior também o lucro alcançado.

reconhecer o Real como algo mais híbrido

Cabe à Secretaria de Economia Criativa

e menos categorizado. Se a Cultura age e

agir sobre alguns mitos, explica. O capitalis-

se revela também na cadeia produtiva em

mo dividiu a economia entre os que fazem

diversas escalas, outro paradoxo surge à

e os artistas. Por sua vez, os artistas passa-


ram a acreditar serem incapazes de parti-

pondo estudar e apresentar planos para

ciparem do desenvolvimento local que per-

uma educação também voltada a esses no-

tençam a arranjos produtivos. No primeiro

vos trabalhos, setores aonde o simbólico e a

instante, a reação foi que a Secretaria não

criação determinam mais ao conhecimento

deveria estar na Cultura, mas no Ministério

do que as informações específicas tecni-

da Industria, então. Em uma clara limitação

cistas de agora. Seja essa outra educação

em enxergar ser a Economia criativa apenas

na mediação da formação escolar, seja no

a consolidação de lucros mensuráveis me-

que denominou por pós-educação, através

diante o montante produtivo.

do desenvolvimento de processos focados

O segundo mito diz respeito a como o ar-

em uma cultura de empreendedorismo. É

tista passou a ser incluído no processo, no

preciso, antes, estabelecer um ensino mé-

requerer-lhe que requalificasse suas apti-

dio inovador e, anterior a isso, estruturar

dões para capacitar-se à gestão administra-

o docente para estar apta a ele. Por isso a

tiva. Os artistas passaram a estudar as leis,

importância do projeto Ciências sem Fron-

princípios econômicos e obter CNPJs como

teiras, iniciado na gestão Dilma, pelo qual

se fossem ações naturais. Contudo, segun-

enviamos estudantes e acadêmicos às me-

do o Sebrae, 80% da empresas morrem ra-

lhores universidades, com a perspectiva de

pidamente. Para Cláudia, o artista deveria

que, ao retornarem, tragam novos saberes e

trabalhar seu maior tempo na sua criação

outras possibilidades de atuação.

simbólica, este é o seu oficio, e não o de se debater no enfrentamento de burocracias.

É preciso abrir caminhos para os pequenos empreendedores, continua Cláudia. Os

Outro desafio proposto à Secretaria é o

bancos não podem emprestar apenas para

desenvolvimento de uma expertise mais so-

os grandes. Enquanto isso não ocorre, o ter-

fisticada. É preciso formar profissionais para

ritório virtual passa a ser a grande possibi-

gestão de empreendimentos, diagnosticar

lidade de negócios. E é direta quando per-

as gaps e investir nas lacunas existentes

gunta se é possível um país se desenvolver

entre os artistas e os técnicos. “Não pode

nos dias de hoje sem sequer ter banda larga

só formar diretores de cinema, precisa-se

disponível a todos. E não é diferente quando

também de bons roteiristas”, exemplifica.

se fala em Cultura ou empreendedoramente

Os profissionais intermediários, em grande

cultural. Sem desenvolvimento tecnológico

parte, sofrem de enorme fragilidade de co-

a amplitude do simbólico fica restrito aos

nhecimento e técnica, cometem sistemati-

mesmos circuitos, tanto nos aspectos pro-

camente os mesmos erros.

dutivos, quanto nos seus acessos.

Para encontrar saídas, a Secretaria se

Segundo pesquisa feita pelo Instituto

aproximou do Ministério da Educação pro-

de Pesquisa Econômica Aplicada, o Brasil 3

6


política da cultura

amplificada

construiu uma grande classe média, com

enquanto nega sua vocação cultural. A ma-

forte poder de consumo e fruição. Entre-

neira como desenha suas tecnologias sociais

tanto, somos também, como revela o Ín-

pode determinar, a seu ver, um modelo de

dice de Desenvolvimento Humano, a 4a.

desenvolvimento para a América Latina e

Economia mais desigual da América Lati-

África, pois se tratam de culturas fundadas

na, estando grande parte dos miseráveis

sobre aspectos civilizatórios muitos próxi-

em plena juventude. Para essa imensa

mos. Nosso erro é querer sustentar os mo-

massa, a educação não se fez, tampouco

delos dos nossos colonizadores. Para ela,

os processos de auxílio profissional. Clau-

temos a disponibilidade social e histórica de

dia vê como saída a inclusão dessa juven-

gerar novos modelos a partir da Economia

tude dentro de uma produção produtiva

Criativa, nova mediações sociais e econômi-

criativa, sobretudo na elaboração de bens

cas, outra perspectiva humana, mais próxi-

simbólicos. Ainda sobre a inclusão social,

ma ao reconhecimento do século XXI.

afirmar ser o mercado apenas um aspec-

Por fim, pergunto como modificar também

to possível, todavia é preciso desenvolver

a maneira como o artista lida com a produ-

uma visão diferente de marketing capaz de

tificação do simbólico, e de forma rápida e

enxergar a Cultura como desenvolvimento

concisa responde: “Não somos o Ministério

econômico e social. O problema está na fal-

da Rouanet e dos editais. Como está, isso é

ta de diagnósticos sólidos para comprovar o

mais do mesmo”. O MinC precisa se rever, se

que já se reconhece, de pesquisas críveis e

quiser ter alguma utilidade, finaliza.

indicadores. Outro hercúleo desafio ao qual se propôs a Secretaria solucionar.

Cláudia pegaria o avião para algum outro canto do Brasil em minutos. Eu, no en-

Parece haver um caminho possível, en-

tanto, permaneci na frente do computador

tão, Trago à conversa a dificuldade real de

olhando a janela do Skype fechada e a do

se falar com artistas e empresários sobre

escritório aberta, percebendo ter sido con-

Economia Criativa. Cláudia volta ao início da

vencido de que essa maluquice chamada

expressão, ainda sobre a forma de Indústrias

Brasil encontrou alguém disposto a fazê-lo

Criativas, passando depois para Economia

dar certo. Simplesmente sorri, no mesmo

da Cultura, e afirma que o modelo surgido

instante em que ela deveria levantar voo.

na Austrália mantém uma estrutura im-

Cada um, em seu momento, disponí-

portante de realizações, mas sem avançar

vel a voar mais alto.

com tanta ênfase pela Europa. O Brasil, diferentemente, permanece aprisionado em uma economia de exportação de commodities,

CLIQuE PARA CONHECER MAIS secretaria de economia criativa observatório brasileiro da economia criativa


c

a

m

p

a

n

h

a

trOcadalhO

tem limite

POR gustavo vaz

esta ĂŠ uma campanha


diálogo. x2

por MARIA TERESA CRUZ E LUIZA NOVAES

s

o expresso do pôr do Há responsabilidade sobre o não querer? Há culpa em desistir de acreditar?

MARIA TERESA CRUZ: Os dois personagens, Black e White, são, na verdade, paradoxos. Porque se pensarmos, Black é quem tem a fé, que traz a luz, que é a favor da vida. White está mergulhado nas trevas da solidão, da falta de sentido da vida. Qual o sentido em criar esse paralelismo? Ou podemos admitir que, na verdade, a decisão sobre o que é treva e o que é luz, o que é ignorância e o que é sabedoria, deve ficar a cargo do espectador? LUIZA NOVAES: Ao mesmo tempo, o “criolo”, como ele se auto-define, é um pregador, que prega a vida,

enquanto o professor prega a morte? De toda sabedoria que apreendeu? O espaço se determina no encontro, no limite do pôr, onde o sol expressamente deixa a cena. Se a cargo do espectador ou não, não sei...Arrasto também a simbologia das correntes será que somos condenados, como Prometeu que roubou o fogo e agora tem somente uma sentença? MTC: O pôr-do-sol em si, sinto que é a própria morte. Eu, aliás, adorei essa analogia: o expresso que leva os passageiros para o pôr do sol, que é um lugar que nem sequer sabemos se existe. É a


sol


Os atores em cena iluminada por Caetano Vilela, em cenário de Fábio Namatame.

68

simbologia mais clara do perecer. A sabedoria dos dois é distinta: uma, a do professor, é a dos livros que de tanto conhecimento o tornou um cético, um fraco, um cara despreparado para a vida. A do criolo, a outra, é a escola da vida (com o perdão do clichê - risos). Quem, senão ele, que passou por tantas dores, perdas de filhos, prisão, tantas

agruras, seria mais indicado para falar das correntes que arrastamos ao longo da nossa jornada? Acho que ficamos presos aos nossos fantasmas, muitas vezes criado por nos mesmos. Por exemplo, o professor tinha alguns fantasmas: relações conturbadas com o pai, ceticismo, solidão. Embora não ache que o autor faz um ode a religião, mas a fé...

LN: O refrão da peça, que conduz, é um: não foi isso que aconteceu? Pergunta determinante que o crioulo fazia ao professor, e que em dado momento o professor inverte para o seu interlocutor, intensificando o diálogo...Acredito que o maior ganho nesse texto teatral é demonstrar claramente que há um direito de escolha, porém se nós o usamos bem ou não

é outra questão. Até o conhecimento pode vir como desatino, afinal, o que nos salva de nós mesmos, das prisões que nos impomos, da nossa incapacidade de ver saídas, ou entender o motivo ainda que nunca entendemos, ao menos ver algum significado que seja suficientemente forte para nos manter ao menos vivos! MTC: Então talvez a fé seja uma forma


Elenco

Cacá Amaral e Guilherme Sant’Anna direção

Fábio Assunção

de nos manter vivos, porque algumas coisas simplesmente não têm explicação e a fé é reducionista. Ela explica o que não tem explicação, não sei se suficientemente plausível ou reconfortante, mas explica. Ao mesmo tempo, quanto mais conhecemos, mais nos questionamos e mais questionamos nossas escolhas. E nesse sentido, o que você

disse, torna-se chave: de fato, o livre arbítrio é um direito universal e inato. Mas quando nos questionamos, começamos a julgar a qualidade das escolhas. E entramos no impasse sobre errar e acertar. Aí que vem a noção de fracasso. Quem muito se questiona, uma hora vai chegar a conclusão de que tudo, na verdade, é um fracasso e sem sentido... O comportamento

vacilante do professor indica uma falta de certeza a respeito do caminho a seguir? LN: O ponto de confluência está exatamente na escolha entre a felicidade e a tristeza, lembra-se? O crioulo determina para o professor que a gente pode preferir algo, quando simplesmente percebemos que a vida do próximo vale tanto quanto a nossa

e, com isso, seguramos sua mão mesmo nas trevas ainda que saibamos claramente que esse outro, talvez, e somente talvez, não mereça ser “salvo” dessa corda no pescoço? que é a mesma corda que no palco fica evidenciada pela prisão de estar vivo, de ser. E, quando escolhemos caminhar, ou como escolhemos falar, e assim, reconhecer o palco,


1 82


o espaço, o tempo... nessas transições reconhecermos também que o próximo pode compartilhar alguns questionamentos...o que aponta os atores para o público nos agradecimentos. MTC: Mas será que tristeza e felicidade são escolhas ou são resultados das escolhas? Você citou o caminhar, fiquei pensando no andar dos personagens no início do espetáculo. Teria o formato do palco alguma ligação de significado com isso ou mais uma opção que vai dialogar com a interpretação, que por sua vez se relaciona com a excelente iluminação do espetáculo... Mas voltando ao questionamento inicial: vivemos encerrados em uma roda onde, fatalmente, mesmo que a gente não queira, vai lidar com impasses que encontramos a medida que vamos caminhando? Ao mesmo tempo, andar em círculos não é inócuo? Talvez os dois personagens procurassem a mesma coisa: a salvação pra alma deles, mas um encontrava isso na vida

(fé na vida eterna) e o outro na morte (finitude). LN: Creio nisso em caráter bastante particular enquanto a gente não entende uma lição, não vai pra próxima, por outro lado, se o caminhar é circular, assim como uruboros, temos de comer do rabo para voltar para a cabeça. A arena é o maior desafio do ator, é o palco que o público fica ao redor, julgando permeando nas falas, nas imagens, quando o trabalho dos técnicos de iluminação consegue criar a ilusão da jaula, e ao mesmo tempo as brechas de claridade, no palco onde se discute o que há entre as trevas e a luz, acho que fizeram um bom trabalho. Fiquei emocionada no momento em que a jaula delimitou o espectador daquele cenário, ainda que tão exposto como sempre é a ilusão de uma arena... MTC: Fiquei encantada, como se aquela ilusão se tornasse real... LN: Quero retomar um assunto que acho relevante, sobre a questão da salvação,

por exemplo, quando pensamos nas maldições que desejamos ao próximo, será que não estamos colocando uma sentença em nossa própria vida? Isso em questão de energia, em questão de alegria, em questão de sentimento perante o outro... Gostaria que as maldições que empregamos aos outros e a nós mesmos fossem extintas, acho que seria mais leve viver... factualmente. Mas isso, também é uma decisão. MTC: A ideia de que o que desejamos, de coração, volta é tão antiga quanto verdadeira. Acredito que quando amaldiçoamos a existência de alguém é a nós mesmos que estamos colocando o fardo pesado de viver. Acho que tudo é permeado pelas escolhas, como você disse. Além de cenicamente belo, arrepia mesmo aquelas grades tão etéreas e, ao mesmo tempo, tão delimitadoras, cerceadoras. E o que ele relata dentro da prisão, também está embasado em escolhas. Uma escolha pressionada, sob grave

ameaça, mas não deixa de ser uma escolha... e, sim, o sentimento, seja ele bom ou ruim, volta. Ao mesmo tempo, acho um pouco cristão demais não considerar que a raiva, a ira, o rancor podem, em alguma momento, fazer parte da nossa caminhada. Você nunca teve raiva de alguém e desejou amargura? Eu já...embora tenha sentido na pele que isso voltou para mim, quem ficou amargurada, dolorida, fui eu...já te aconteceu? Outra provocação: você, assim como o professor, já pensou que dar cabo da vida fosse uma solução? LN: Outra palavra que é muito utilizada na dramaturgia é a primazia que foi referida ao “intelecto”, “de mim mesmo”, e quando assim é utilizada, fala sobre a falta de necessidade em ser virtuoso para compreender as razões, senão, prescindir somente ficar em silêncio, acredito que a imagem mais forte da falta de silêncio é a guerra, que pode ser compreendida em nível individual: uma briga, como a descrita pelo personagem, ou


72

em nível coletivo: a hecatombe, a chacina, a catástrofe. Nós humanos estamos sempre cerceados por essas possibilidades que limitam a liberdade, sempre... esse é o perigo. acho que o suicídio é sempre uma hipótese, mas a falta de conhecimento do que vem depois limita essa possibilidade como uma escolha racional, entende? é quase uma impugnação em termos. sim já tive má águas, mágoas, mas, limpá-las também faz parte de um caminho pessoal. Não acho cristão o fato de que em dado

momento ira, rancor, ódio faça parte da trajetória, acho que o melhor e o pior de cada um mora dentro. O que escolhemos oferecer ao próximo colocamos em uma bandeja e isso é seleção, se vai ser apreciado ou não é outra conversa... MTC: A gente sempre tenta oferecer o melhor. Ou melhor, quer oferecer o melhor, mas nem sempre dá certo, porque diante do estímulo há uma resposta...mesmo porque o que é ótimo para nós pode ser um lixo para o outro.

Gostei das más águas, se pegarmos a água da mágoa, a gente limpa rapidinho (risos). Os sentimentos ruins se convertem em coisas ruins para quem sente. Até doenças mesmo... uma úlcera, uma alergia crônica, uma dor de cabeça que não passa. O suicídio é um mergulho no desconhecido. Ao mesmo tempo que acaba sendo um caminho escolhido por quem padece de desespero, de ausência de sentido, de ausência de eco daquilo que pensa. Uma pessoa só vacila frente

ao suicídio, porque sente medo que aquela amargura, aquele desespero não passe depois da morte. Justamente por ser desconhecido para onde vão os suicidas. Onde esse tal sol se põe? Qual a estação onde para o expresso do por do sol? Toda vez que tive pensamentos de morte, me vi diante desse dilema. A guerra pode ser silenciosa, ou ainda, ter um limiar que não se especifica, que não fica claro, mas que tá ali, latente, esperando qualquer ruído para eclodir todos esses sentimentos que


são muito individuais como você disse. Do individual para o coletivo, a origem da guerra acaba sendo a mesma: a divergência, a ingerência do diferente, a imposição da própria opinião. Essa perspectiva da guerra como o caos, como o barulho supremo, talvez explique a perturbação existente em um conflito, seja ele literal ou figurado, aquele que se faz dentro de nós mesmos e que muito é mostrado na peça. Agora, voltando ao suicídio como opção, para o professor racional era uma saída.

Ele, tão racional. Para o Black, era a pior opção, porque era a antítese da luz, da vida. Mas ele falava isso baseado em crenças, baseado na fé. Talvez a fé seja imprescindível para aplacar as guerras (interior ou universal)? LN: A fé é um lugar onde há esperança, o que acontece quando não se encontra esse lugar dentro? A fé também já foi a razão de diversas guerras incluindo de poder. E onde há dois há poder e política, porque há embate e discussão. Como no nosso caso,

ou do deles. Às vezes me questiono, por que é tão difícil simplesmente dizer o que se pensa, sem filtro, só por dizer... talvez porque isso que limita o silêncio, quando emitimos a primeira palavra apagamos a folha em branco como proposta e colocamos algo no lugar, mesmo que sejam só letrinhas e estas já limitadoras em si do pensamento. Acredito que seja extremamente importante ver que alguns personagens da nossa história teatral em determinado momento dão

importância a um ou outro discurso, no caso, a discussão sobre o amor à própria vida como argumento principal. Afinal falar em amor tá bem em voga, e na falta de amor por si, que é o primeiro da lista... MTC: O professor é a personificação da falta de amor: pelos outros e por ele. Porque, em uma análise mais teológica, são intrínsecos os dois primeiros mandamentos: “amar a Deus sobre todas as coisas. Amar o próximo como a ti

3

7


FOTOS: JOãO CAlDAS

mesmo” - o que pressupõe amor próprio como primazia, para usar o termo da peça. Ao mesmo tempo, vejo que o Black se valoriza, mas também tem consciência de que é um indivíduo a margem. Ou seja, ele sabe seu valor, mas duvida do seu valor diante do outro. Com relação ao silêncio X palavra, o verbo é o início de toda história. Ao mesmo tempo, pode ser a centelha necessária para desencadear um conflito e limitar o fluxo de pensamento, como você disse, a palavra limita, cerceia e, em certa medida, contamina a tábula rasa do nosso olhar mais puro. Talvez por isso quem não use filtro seja apontado, por vezes, ridicularizado. E é uma pena, já que falar sem filtro é a essência da espontaneidade e por que não o exercício da ingenuidade que tanto e muitas vezes nos falta. LN: acho que termino com o pessimismo do professor: quem tenta melhorar o mundo, só piora, então afinal, o que devemos nós pobres humanos fazer? não ter desejos e só viver com o que precisamos? Como argumenta o pregador...mas, afinal, o que precisamos, necessitamos?


c

a

m p

a

n

h

a

trocadalho

tEm limitE

POr EdUARdO SEMERjIAN

Esta ĂŠ uma campanha


capa

Marília Pêra A sAbedoriA mAdurA de umA eternA gArotA em buscA de desAfios texto: RUY FILHO fotos: eUgênIO vIeIRa



78

Horário marcado, Marília chega e a aparente timidez não pode ser escondida por seu olhar inquieto e extremanente vivo. Começamos...


Q

uando pensamos em fazer uma edição comemorativa, um aspecto se revelou fundamental: a capa precisaria ser alguém que permeasse nosso imaginário. Desde sempre. Para além do teatro. Alguém cuja atuação atravessasse os meios, coexistisse aos nossos próprios caminhos. Não foi nada difícil chegarmos a escolha de Marília Pêra. Da primeira lembrança, ainda no filme Pixote de Hector Babenco, os depoimentos sobre sua participação em Roda Viva, peça dirigida por Zé Celso, e o espancamento sofrido por ela pelo Comando de Caça aos Comunistas, aos inúmeros trabalhos na televisão. Sim, assisto novelas. Sou viciado na ficção dramática de suas tramas. Talvez por isso me dedique também à leitura de romances. A televisão faz parte do meu cotidiano, tanto quanto de centenas de milhões de brasileiros. Comecemos por aí, então. Na sala de ensaio, em São Paulo, onde se preparava para a estreia do musical Alo Dolly, a atriz, após fotografar para a revista, senta-se elegantemente e se dispõe à conversa. É preciso dizer, ainda, que a delicadeza e sutileza com a quais começamos transformou o encantamento de estrela que eu carregava em humano. A mulher linda, jovem e sensível não recusou perguntas, nem fugiu de dilemas. E ofereceu, de fato, um momento digno para celebrarmos nosso aniversário. Marilia afirma não ir tanto mais ao teatro como antes. Hoje volta-se mais à

ópera. O fato é que, para além dos interesses, resta-lhe pouco tempo, dentro de uma rotina de ensaios de oito horas diárias. Outro aspecto é quanto sua própria presença na plateia. Sente, como explica, ser observada o tempo todo, chegando a perceber ter suas reações copiadas pelos mais próximos. Em outras palavras, a figura pública, a artista, acaba sendo também a observação dos espectadores, o que a impede de assistir com naturalidade ao trabalho. “Tento manter uma atitude positiva”, comenta. Na ópera, todavia, e sobretudo em outros países, consegue se entregar com mais tranquilidade às próprias emoções. A atriz explica ser agora tudo muito mais complexo e diferente. Volta à sua infância, relembrando assistir sua família, também de atores, morrer na miséria. Era difícil sobreviver de teatro se não fosse seu próprio produtor. Dulcina de Moraes, Henriette Morineau, Procópio Ferreira serviram de exemplos sobre como tornar o teatro um meio de sobreviver. Esses e outros tantos atores e atrizes formaram suas próprias companhias, produziam seus espetáculos, ainda que, após as temporadas, permanecessem desempregados. De algum modo, a perspectiva de encontrar em uma companhia própria os caminhos de sobrevivência levou Marília a formar a sua. Aos vinte e poucos anos, então, junto a Paulo Villaça, reuniu as economias e partiu para suas próprias produções.


contrAcenAr com Jovens me dá esperAnçAs

80

Detalhes fotográficos, sob o olhar de Eugênio Vieira, durante a realização da visita.

Hoje, no entanto, reconhece não ter o dom para produzir, pedir patrocínios e se envolver nas condições que o fazer teatro impõe ao artista, condicionando-o mais ao trabalho burocrático que aos de investigação da linguagem. Some a isso a assumida impaciência para esperar 2 anos para efetivar um projeto. Marília foca, então, em algumas propostas próprias e, sobretudo, em convites onde consiga se entregar ao desenvolvimento de sua arte. O que a ela é um incômodo, aos novos artistas parece não ser nada demais, revelando um problema: acostumar-se a passar mais tempo no escritório do que na sala de ensaio, determina e muito a qualidade e verticalidade dos projetos desenvolvidos. Não é incomum percebermos o quanto algumas propos-

tas permanecem na primeira leitura, na superfície de ideias, em tratamentos técnicos visivelmente limitados e consequentes à falta de tempo de seus treinamentos. O preocupante nesse depoimento é o reconhecimento de não haver mais possibilidades de se trabalhar de outra maneira, mesmo quando um espetáculo envolve nomes consagrados. Aos jovens artistas, aos grupos iniciantes, portanto, sobram o exercício de se encaixarem em políticas públicas e engrenagens de um mercado cada dia mais imprevisível e esquizofrênico. Ainda sobre os novos tempos, diz o quanto a própria relação do artista com o fazer teatral se tornou outra. “Tudo é diferente, agora”. Antes, explica, comentava-se entre os atores a apresentação, o que levava a ensaios diários para ajustes, assim como


cresceu ouvindo críticas. Aliás, diz gostar de ouví-las. Mas, convenhamos, essa postura deixou de ser normal entre os artistas atuais. Afirma, também, incomodar-se com o volume excessivo com que os atores falam em cena hoje, argumentando ser sempre possível aveludar a voz. Para Marília, seu processo de criação é mais subversivo. Contudo, reconhece não haver mais tempo para experiências. Por isso trabalha sozinha experimentando vários lados de uma personagem, assim como a própria manutenção, o que confessa torna-se, sobretudo, um conforto saudável. Em algum momento, a percepção sobre o fazer teatral mudou. Ela está certa, sim. Olha-se o fazer por outras perspectivas. Os editais, premiações e coisas do tipo determinaram ao artista a compreensão

de que o ganho, até mesmo os financeiros, devem vir antes ao próprio trabalho, e não como respostas a ele. Esse mesmo pensamento constrói também a relevância do que é mais apropriado, mais significativo à sociedade, gerando diversas expressões preconceituosas sobre tantas outras possibilidades. Marilia é direta ao afirmar que o preconceito aos musicais vem de quem não quer estudar muito. É preciso treinar a atuação, o canto, a dança e o conhecimento com a musicalidade para construir um musical. A questão parece ser sempre haver uma tendência no Brasil à castração. Ao tempo em que o país se coloca como uma estrutura democrática, há na manutenção de suas estruturas culturais o cerceamento do outro. Diria até com certa ignorância e truculência.


82

o mundo mudou. tudo ĂŠ diferente AgorA. eu continuo subversivA



84

Se os musicais são tratados como menores na pirâmide de valores entre as linguagens de representação, a televisão nem faz parte desse universo. A recente manifestação de diversos atores e atrizes, alguns já estabelecidos, condenando a inclusão de Ivete Sangalo no elenco da novela Gabriela, demonstra duas possibilidades: mesquinhez e/ou medo. Não há motivos para não convidá-la. O espaço é e deve ser aberto a todos os que potencialmente podem ocupá-lo. Por que não? O resto é talento e conquista. Marília não vê problemas, mas assume a dificuldade em se trabalhar com a linguagem. Poucas são, verdadeiramente, desse universo. “Atriz de televisão é a Glória Pires. Um luxo”, finaliza. Retomando o teatro, surgem, ainda, duas últimas considerações: o público e o intérprete. Sobre o primeiro e seu desinteresse, até mesmo quando já no interior da sala de espetáculo, entende que parte pode ser explicado pela qualidade ruim dos próprios teatros, do recebimento à acomodação e parte técnica. E inclui a existência também dos telões antecedendo os espetáculos com publicidades e informações de patrocinadores e programações como responsáveis por gerar certo esgotamento e desestimular o espectador a se envolver com a obra. Por isso não estranha o fugir de parte do público para dentro de seus celulares para acessarem suas caixas de mensagens e redes sociais. É preciso permitir-lhe respirar o espetáculo, estar disponível ao encontro oferecido. “O público sofre no Brasil”, lamenta. Por fim, o próprio intérprete precisa ser compreendido. Marília surpreende com uma leitura tão pessoal e poética que é impossível não se ver maravilhado com a maneira como entende sua profissão. Para ela, o interprete é aquele que quer ser amado. Não pelo amor fraternal, mas por uma outra qualidade de amor. O intérprete é aquele que busca




prefiro eu te Amo À meiA voZ

no outro o reconhecimento de sua própria existência, e para isso faz de si próprio outro, o outro, a face daquele qual procura para se reconhecer. O contemporâneo, no entanto, tem massacrado esse amor, ou essa procura por amor. Os atores trocaram o sentimento por uma obsessão pela aceitação. Com a televisão e a internet, com toda a mudança sofrida no mundo, a busca é aparecer por um escândalo ou bobagem, colocando o sujeito como mais significativo, do que pertencer a uma obra de arte. De certo modo, o que Marília nos aponta é o quanto o intérprete passou a se achar a própria obra. Há uma enorme distância entre a exaltação e o amor. O primeiro é circunstancial e banal. O segundo é

fruto de um encontro, da eternização de um instante. Recuperar o sentido de ser amado. Talvez seja essa a solução para o teatro. Querer do outro apenas seu existir, oferecendo-lhe em tro ca a verdade da poesia própria dos artistas. O teatro como exposição do amar em suas delicadezas, violências, matizes e possibilidades. Quem sabe... Gosto da ideia. Pode ser que pelo fato de sair da sala de ensaio apaixonado. Mas pode ser também, e prefiro acreditar, que realmente não há outra maneira de lidar com artistas como Marília que não pela pura e singela descoberta desse amor. Depois desse encontro, estar em um palco me parece mais saboroso. Obrigado, querida.


homenagem

A capacidade maior em levar a atuação ao descobrimento da alma e das paixões por ruy filho

fotos patrícia cividanes


S

urgem como a grande qualidade do teatro atual. Mulheres ou meninas ainda, tomam para si os palcos e revelam a potência dessa geração. algumas mais próximas, outras recém encontradas, as atrizes apresentadas a seguir são a nossa homenagem a todas as atrizes brasileiras. de todas as idades. de todas as épocas. o reconhecimento de que a arte sempre se renova através de talentos especiais. sorte nossa podermos conviver com artistas tão incrivelmente necessárias.



Clarissa Kiste Como se o belo fosse simples, como se simples fosse apenas ser, como se ser construísse, e a construção estabelecesse ao artista a alma. Que nada. o belo aqui amplia, o simples engana a fragilidade, a construção se ergue do talento e é a alma quem estabelece a artista. Dessas que é impossível não se viver perdidamente apaixonado. Dessas onde se encontra o impossível.


Isabel Teixeira

A maneira como se coloca e se entrega e se revela e se complica e se desconstrĂłi e provoca e quebra e respira as falas, as palavras ditas em cada gesto, em cada sombra, em cada pausa, em cada milimĂŠtrica experiĂŞncia de cena, de palco, de estado, de teatro. A maneira como me encanta e ataca e vocifera minhas mais esquecidas vontades. preciso sempre disso.




Anna Guilhermina

forte e menina. surgindo na passarela do Teatro Oficina, dionisíaca, sem aviso. Devorando. Conduzindo aos goles tintos, aos sabores dos corpos, cânticos. Especialmente única. Em plena disposição à arte, ao viver, ao estar. E, então, nascer. renascer atriz. renascer a si mesma. reapaixonando o outro , a cada vez, como se fosse eternamente o primeiro encontro.


Lavínia Pannunzio

poucas atrizes são capazes de fazer papéis tão distantes e heterogêneos. Há a força trazida pela sua presença, determinante por onde passa. Um namoro à distância que pude provar com brevidade em uma única noite dividindo o palco. E em tantas dezenas de outras, em conversas e devaneios. Incomparavelmente especial.




Juliana Galdino É preciso coragem para encarar a determinação transbordada em seu talento. E não apenas no palco. No agora. No intante em que o teatro se reclama e propõe ser outro. pelos seus espetáculos. pelas pesquisas. A vontade de investigar mais profundamente os riscos do fazer. Há uma história sendo escrita nesse instante. E parte também muito por ela o roteiro a ser lido amanhã.


Uma viagem para Curitiba, um processo maluco e a descoberta de uma jovem atriz que falava como gente grande. Cresceu. E tudo aquilo era verdade. Nela, na arte, na ousadia de ir à frente e encarar o mundo. Não se engane com os belos olhos. Cuidado. Há tanta magia e talento que eles são capazes de te confundir entre o sonho e a realidade.

Maria Helena Chira



foto rodrigo gorosito


Mariana Lima

Houve uma peça em que começava com ela apenas andando e respirando. E eu ali. olhando. Como era possível me encantar apenas com isso? o melhor começo que já assisti. A atriz mais impressionante. Depois vieram as peças inteiras. As outras coisas. E o encantamento absoluto. talvez a devoção. Exagero? Então, pergunto, por quais palcos você anda?


Um encontro rápido. Até certo ponto ridículo. Um encontro forte e denso. Como se fotografa alguém que é, acima de tudo, um jeito de ser? Como dar forma a quem é, antes, uma maneira de entender a vida? Entre um clique e outro, um sorriso e uma frase solta. E risos. ficou assim, então. Deixei a foto ser o instante. Irreverente. Contagiante. E necessária.

Dani Calabresa


foto ruy filho



Roberta Estrela D`Alva

A dança, o canto ritmado, o intervalo entre o dito e o encenado, a mistura da rua e palco, o trabalho de um improviso treinado e sugerido como estado, como presença, como estÊtica e reconhecimento do excluído. o teatro reavivando os sentidos dos esquecidos. o teatro na qualidade de um encontro preciso. E uma artista singular e sobretudo


Janaína Leite

Vizinhos. Ela nunca soube. Ela numa Casa Vermelha, eu na ao lado. Ela traduzindo outros, alguns outros amigos. Às vezes, quase apresentados. Até vir o oi. Mas já a conhecia. Ela não sabe. Dos palcos, dos encontros, das universidades, das ruas, vielas. Do acompanhar seu talento. Do encantamento. Da observação constante. Agora, vizinhos de histórias.




Sabrina Greve

Era menina, ainda, quando a ví pela primeira vez. Já impressionava pela diferença, distância e originalidade com que impregnava a cena. tornou-se grande. Maior. E revelou a naturalidade de um talento preciso, belo, rígido e essencial. Como se o palco fosse um lugar simples de estar. E as dúvidas fugissem por respeito. ficam as certezas plenas.


posso dizer que nos conhecemos. passamos por poucas e boas. posso dizer que a admiro também. A assisto em muitas e melhores. posso contar que o talento é maior do que se imagina. talvez até mesmo por ela. A personalidade forte reflete a complexidade desse talento. Há na qualidade de sua arte a precisão de quem sempre está em movimento.

Gilda Nomacce




tomar o palco. ser o espaço da cena. Ela é assim. o primeiro impacto ao vê-la foi o de assistir a um terremoto. De ser totalmente desestabilizado, ficando às suas vontades e invasões. A respiração parece querer fugir, silenciar e permitir que ela engula toda a vida. ou não. talvez ela mesma a única viva. o risco de uma explosão poética a qualquer instante.

Paula Cohen


foi tão singelo o encontro, tão abertamente disponível, que tudo aquilo sentido ao assistí-la fez-se coerente. As verdadeiras artistas me parecem ser assim mesmo. simples, fortes, doces. Nada é melhor que se flagrar admirando um talento verdadeiro. olhos que brilham, as sutilezas que se projetam. A beleza exposta. Conhecê-la é viver algo mais do que especial.

Fernanda de Freitas




Um furacão. Não é possível descrever diferente. Mas esse é apenas o primeiro instante. Há o seguinte. o da mulher divertida e inteligente, o da inquietude criativa e constante. Há, ainda, o olhar penetrante. A voz que se aproxima e toma. Há a permanência, o que fica, aquilo que está. Então o furacão retorna. E os ventos mudam. E as cortinem se abrem ao sublime.

Barbara Paz


Fabiana Gugli Eram de assistir calado, seus ensaios. Cada movimento. Cada bailar. É de sufocar o sonho, cada lembrança sua sobre o palco. É de respirar no tempo a expectativa de cada próximo encontro. E poucas são as atrizes que calam. Esse estranho poder sobre mim. sobre muitos. sobre a maneira como teatro deixa de ser cena e vira ar. tempo. respiro de momentos únicos.




Arieta Correa

Certa melancolia. E o tempo da observação. Não dá para assistí-la sem que se assuma esses dois sentidos. É preciso entregar-se e descobrir nela o próprio de si. simplesmente. É preciso olhar aquela que o traduz. E se oferece. E veste em si. Nada além disso. olhar. Apreender. Deixar o encontro se dar. E você se surpreenderá com o infinito tão próximo a ti.


Aline Fanju

são tantas histórias. são tantas distâncias e kms. Hoje, tudo se reflete de um a outro. A menina cresceu. E tomou as telas e palcos. A mulher se revelou. tomou para si a ousadia de caminhar os próprios passos. E há mais nas suas escolhas. Há mais na inquietação de suas buscas. A artista surge. E a menina e a mulher se despedem para alguém mais especial a todos.




Dani Barros Das terras cariocas, sim. Das ondas e passagens e praias e músicas. E não deixa de ser de tudo isso um pouco. Da violência do mar que arrasta aos oceanos. Das paisagens a que se assiste entregue em silêncios. Das músicas que permanecem como memória e lembranças de algo mais particular. Das praias, dos convívios, do palco como encon-


Marjorie Estiano Era para ser só uma peça, quando a vi pela primeira vez. A supresa de ser algo tão maior do que se esperava, fez daquela noite, única. tamanhos são relativos, eu sei. sobretudo quando não podem ser descritos. Há mais nas coisas que nos apresenta. É como se as expectativas fossem bobagens. Como se assistí-la fosse realmente o suficiente. E é.


foto christian gaul



A praça roosevelt recuperou para o teatro sua potência social e cultural. faz sua história em sp, servindo de modelo a todo o país. E toda história tem uma musa. E musas são sempre complexas. Misturam docilidade e força, sutileza e voracidade. Nem todas iguais. Na roosevelt, a musa seduz o ingênuo lhe revelando o que se preferiu esconder. Domina e fere através do palco.

Cléo De Páris


toda doçura engana. fui traído por essa ilusão. E toda doçura seduz. E assim me trai constantemente. A imprevisibilidade dos olhos ingênuos que guardam as mais inesperadas possibilidades. toda doçura encontra. E leva ao esquecer-se. Ao impossível. Ao reencontro. E traz e te carrega junto. toda doçura marca. E me traí por seu sabor. E me transformei.

Erica Montanheiro




olhe. Ela nunca é a mesma, então se atente. Ela nunca é simples, então se arrisque. Ela nunca é menos, então prepare-se. E deixe surgir a entrega de seus presentes. Deixe-as suprir as faltas das suas mentiras. Deixe-as deixar tudo aquilo que precisa ser. Ela lhe mostra. sobre o palco vi uma mulher se transformando em menina brincando de ser mulheres.

Paula Picarelli


Georgette Fadel

Um jeito que parece tornar tudo tão simples. fácil. Um jeito próprio. De próprio desenho. De traço experiente. De invenção. Um jeito de inverter o óbvio e desenhar o inverso. De inverter o traço e apropriar-se do invento. Um jeito de saber de si e de ser tantas. E de ser todas. E de ser tudo. Um jeito de ser o rascunho de mim. E rascunhar a arte em mim.



vertical

qual a

humani dade doseu personagem por ruy filho

iníCio

Cabe ao teatro revisar e reintroduzir o Homem Como identidade de seu tempo. e mais. Apontar o de amanhã. Cabe ao teAtro reenContrar no Homem sua resignifiCação simbóliCa e ConCeitual.

É preciso entender o Homem a partir daquilo que lHe particulariza. É preciso que a compreensão se dê na perspectiva do tempo para desenHá-lo ao presente.

fundAmentA o homem o definível em humAno Para o filósofo Francis Wolff, humano não é um conceito estável ao tempo.

4 são as concepções de humano: antiga ClássiCa Humanista Cognitivista

1

ConCepção AntigA parte de Aristóteles

o Cosmos é dividido entre seres vivos e não. todos os homens são seres vivos. nem todos os seres são homens. existem 3 tipos de seres vivos: animais, homens e deuses

É preciso diferenciar os vivos. Homens e animais não são deuses, pois deuses são imortais, e eles são mortais.

É preciso diferenciar os mortais.


nem todos os animais mortais são animais sociais. homens e abelhas são animais sociais.

É preciso diferenciar os tipos de animais sociais. animais soCiais são diferentes entre si pelos sentidos que dão às suas CoexistênCias. Abelhas coexistem para sobreviverem. homens coexistem para “viver bem”. há diversas maneiras de se viver bem.

É preciso entender o viver bem. Viver bem significa ser feliz. O homem pode buscar a felicidade por ser capaz de se estruturar politicamente. por ser político, o homem usa a linguagem de maneira racional. A linguagem permite ao homem se sobrepor sobre os outros animais. A linguagem permite ao homem identificar e reconhecer outro homem. A linguagem permite ao homem reconhecer sua posição mortal. A linguagem permite ao homem perceber sua essência divina. para aristóteles, a concepção do homem é essencialista e hierárquica. homem é aquele que compreende sua inferioridade aos deuses, sua superioridade aos animais, e consegue construir sua felicidade utilizando-se da linguagem como instrumento de construção política na organização do convívio social.

2

ConCepção ClássiCA parte de galileu e descartes

antes de tudo, o que existe é natural. a vida é igualmente um processo natural. estar vivo é um processo natural. o que diferenCiA os seres vivos é A quAlidAde de suA nAturezA. O homem conhece a Natureza porque não tem a mesma natureza que ela.

É preciso diferenciar as naturezas das coisas. A natureza é apenas corpo, mesma e única matéria na homogenia do espaço. A fisiologia é somente mecânica. A mecânica é somente geometria. A Natureza é incapaz de modificar despropositadamente sua mecânica. A natureza não reconhece a si própria, apenas reage a ela. o homem reconhece a existência de si mesmo.

É preciso entender por que o Homem se reconHece. O homem é formado por duas substâncias, Corporal e pensante.

É preciso diferenciar as substâncias. Corpo é toda substância exterior e sem interioridade. pensante é tudo o que sobra quando se supri o corporal. Pensante é toda substância interior e sem exterioridade.


É preciso definir qual substância determina o Homem. o homem reconhece que algo nele existe.

É preciso definir o que no Homem existe indubitavelmente. o que existe de mais próprio é sua substância pensante. o que existe de mais real é sua consciência sobre a existência de sua própria consciência. o homem é uma coisa que assume sua consciência. A natureza do homem é pensar sem parar.

É preciso entender como se dá a consciência. A consciência não é sempre racional. A consciência não é sempre clara e distinta. A consciência é também a manifestação de percepções. percepções são sentimentos sobre as coisas. A consciência é também a manifestação de emoções. emoções são paixões sobre as coisas.

3

ConCepção humAnistA parte das ciências humanas

o homem não é apenas um único modelo. o homem não se limita a um ser social. o homem não se limita a ser histórico. o homem não se limita a ser cultural. o homem não se limita ao uso da linguagem.

É preciso entender o que compõe o Homem. o homem é a soma de todos os seus limites.

É preciso entender como o Homem pode se reconHecer. o homem não sabe o que é. por não saber o que é, não pode ser considerado apenas um sujeito cognicitivo.

É preciso entender como o Homem pode ser reconHecido se não por ele mesmo. Cabe às CiênCias dizer ao Homem quem e o que ele é. por não saber o que é o Homem não domina suas próprias ações. pela ignorânCia sobre seu ser, o Homem também se limita na ilusão daquilo

homem é Aquele que por pensAr, existe. e, Ao existir, é CApAz de rACionAlizAr suAs Ações, impondo-se sobre A nAturezA, estruturAndo suAs perCepções pelA ConsCiênCiA que possui sobre As CoisAs, ACeitAndo suAs emoções e pAixões Como pArte

1 40

de suA humAnidAde.

que entende ser.

É preciso entender como pode o Homem agir. tudo o que está ao alcance do homem é limitado a sua capacidade em se reconhecer. tudo o está ao alcance do homem é necessariamente enganador. o homem está sempre limitado a sua própria ignorância. o homem só pensa o que consegue traduzir na limitação de sua própria língua.


É preciso entender como a consciência se coloca.

É preciso entender como Homem se expressa.

o ego e a consciência são dominados pela vida psíquica. A natureza do homem se limita ao desconhecimento de si mesmo.

Não faz sentido entender o homem como sistema simbólico. o homem existe inerente A suA CApACidAde de simbolizAr.

É preciso entender onde se encontra. É preciso entender como o Homem se representa. A natureza segue leis universais. A cultura segue regras infinitas e variáveis. A cultura não segue nenhuma regra universal. o homem é um ser desnaturado. o homem é um ser cultural. Homem é um ser inCapaz de dar Conta de tudo o que é, pois não se Constrói em leis fixas, mas variáveis determinadas por CirCunstânCias HistóriCas, etnológiCas, Culturais, polítiCas e soCiais, e inCapaz de dominar suas ações, pois sua natureza psíquiCa o Conduz a opor-se à natureza fora dele. ApenAs As CiênCiAs podem dizer Ao homem Aquilo que é.

4

ConCepção CognitivistA

o homem não é um ser nAturAl Como os outro. o homem não possui essênCiA fixA.

Não faz sentido entender o homem como consequente representativo de seu inconsciente. o homem existe Anterior Aos estímulos psíquiCos.

É preciso entender como o Homem se relaciona. Não faz sentido entender o homem como oposição cultural à natureza. o homem existe Anterior A seu isolAmento nA CulturA.

É preciso entender o que resta para identificar o Homem. o homem é um animal como outro qualquer. o homem não possui nenhumA essênCiA universAl e neCessáriA.

É preciso entender qual faculdade resta para identificar.

É preciso entender como o Homem se revela. Sobra ao homem a linguagem como faculdade. Não faz sentido entender o homem como fruto das ciências humanas.

É preciso entender como a linguagem Humana se diferencia.

o homem existe inerente Ao seu pertenCimento e pArtiCipArividAde.

A linguAgem humAnA possui CApACidAde ilimitAdA.


A linguAgem é um proCesso nAturAl dos seres.

o homem portAnto não é um sujeito AntinAturAl.

A concepção humanista levou o teatro a reconhecer o personagem como estrutura épica condicionada aos valores do meio. o personagem nasCe da existênCia do ator Como meio de aCesso a ideologias.

Homem é um ser natural como os outros, em constante evolução causada por necessidades adaptativas provocadas pelas modificações do meio ao qual está

A função do personagem no teatro moderno é conduzir a narrativa ao esclarecimento sócio-econômico-político-cultural.

inserido, criando e determinando a partir

de suas modificações a História, cultura,

o indivíduo moderno condiciona as ações comuns às consequências determinadas pelos estruturas vigentes de poder.

A concepção antiga levou o teatro a reconhecer o personagem como estrutura trágica condicionada à valores maiores. o personagem nasce da existência do ator como elo de ligação.

A concepção cognitivista levou o teatro a reconhecer o personagem como estrutura de autorrepresentação performativa do ator.

sociedade etc, e não o contrário.

A função do personagem no teatro antigo é conduzir a narrativa ao desfecho moral. a moralidade antiga condiciona as ações comuns às consequências determinadas pelos deuses. A concepção clássica levou o teatro a reconhecer o personagem como estrutura dramática condicionada à valores individuais. o personagem nasCe da existênCia do ator Como representação. A função do personagem no teatro clássico é conduzir a narrativa ao reconhecimento do indivíduo.

1 42

o indivíduo antigo condiciona as ações comuns às consequências determinadas pela inevitabilidade dos sentimentos.

o personagem nasce da existência do ator como meio de constituição de arquétipos. A função do personagem no teatro contemporâneo é conduzir a experiência de estruturas narrativas desprovidas de contextos autoexplicativos. O indivíduo contemporâneo condiciona as ações comuns às consequências determinadas pela autobiografia em expansiva interpretação de sua humanidade.

é possível construir a partir de mais de uma concepção de Homem. é possível contrapor concepções em cena. mas é impossível não determinar escolHas. todA representAção trAz Consigo umA perCepção de homem. todo homem que se desenhA em CenA, representA pArte de seu próprio tempo.


c

a

m

p

a

n

h

a

trocadalho

tem limite

por kiko rieser

Esta ĂŠ uma campanha


aut Ficatincta dolupti sum quam quamsum aut dole dol Ficatincta dolupti q nam, volendistios serFers piciamet et e nam, volendistios serFersblabo. piciamet n et eum ute eturerio id ma voluptatis eos nonecae omnisom ea vel id ma voluptatis eos nonecae piciamet et endae nos aut ap usapiet uta nonse voluptumqui iliquib usapiet uta nonse voluptumq id ma itatium voluptatis eositat n vendand eum rem ut verio. sequia vendand itatium eum rem ut ve sequidebis mo que qui dit landipsa do re perchil exerumque iliq reptiorem. sequidebis mo que qui sim re nisi ommolup itiati simusciisi vod voluptumqui aut quo elibus deliatiis sim delenda re nisi ommolup il enihicit autet esequat itia ini sequia vendand itatium luptatia velit mi,ilullestion parchil ea et volupic tet enihicit autet delen acereic tem Faccum no ipiet hicti occataqui omnieturit, inctur siminul luptatia velit mi,totat ulle mo que qui ditipiet landipsa experumquo blaborporum ipsum Fugiam evelic tenis hictiFuga. occd qui sanitaquam nobisti dernam elibus deliatiis sim reetur? nisi parumque comniet des eicimil expee eium aut doluptatum ipictis magnam q volupta tionsenim invera deria porem etur rest, nos restias ea atur mi, corunti auda sitium, soluptatq autet delenda esequat etur? edlaceaquis quam es dolupit maximil que ium autquatur pore, om inctur siminul luptatia vc ipictis magnam quamus debit odit ve numet velique niae velesti busapiduci auda sitium, soluptatquam quaes s ea dolupti ossitatiam Fug volupta in necea cullabo rporerovit, esed magnatibus eos voluptibus nist v laceaquis que ium aut pore, omnitem occataqui omnieturit, to que odipit labo. neque idelit as vercie velique niae velesti busapiduci corr comniet des eicimil ex stiorrovita velignim sus, omnimin im volupta in necea cullabo rporero ipsum Fuga. deria porem erspis molestem cor adit, eavoluptib qui oFF harum esedqui magnatibus eos eatur, sanitaquam quidendi rem solut prorpor iberaes simn sdantori labo. neque idel quam que es odipit dolupit quatu essitiscia corit eat quunt quo dolo re nonsedi stiorrovita velignim sus, rerepelendae si visitando optatis quundia dolup doluptatum ipictis mag oFFicipiciis erspis molestem cor exp ad dolleseque nimped eosdescit nesecerrum velic te perum atu volupturibea quidendi remmi, solut pr ressus, sequas es corruptate quia cu soluptatquam quaes so molor ra itaquiderum coreces torest eos estios as e accabo. essitiscia corit ad etmaximil laceaquis qu omnietur acerorum ipsam, net dolorum sum eria doluptae rerepelendae si ipsa cuptia incias rempor aut utes ut ut pratem latur? que Fuga.dolleseque mentet Fuga maximus n omniandes san velesti busapiduci corrum sitae conetmos pedellabor eaquid epuditiasim et ressus, sequ expedis verspient qui omnimagnim volo volent in molor nec dit aborum, volupta into blatibusanis volorit Faccusam ut porporepro oFFic simaior aut alique pa ex verum rem quiatem. eatest odipsa doloreptas eossimpdoloris oruptis v magnatibus eos voluptib dolorum eatevoluptatae. auditatur, sunt queulc doluptaspero vitibus, alite Fuga. restibu sdantori qu mentet ga. itatiis millori aut busapid eliciatquam utatur, oFFictur oFF rerchit asperum quiscisolessi totatur abo.bea et p epuditiasim sandiscia pa di doluptatu as vercietur qui que maio dissim vendae. et FererFe qui omnimagnim volorio et quiru stiorrovita velignim sus, doluptiatur, mo maximi, ipid mo Faccusam utvollor porporepro oFFiciti accaerro oFFicipiciis ersp

Ficatincta d quam aut dol eum ute etu nam, volendis piciamet et en lautem. ut Fa ma voluptatis omnis eatiorio exerumque il uta nonse vol quo maio expl sequia vendan rem ut verio. tem Faccum n sequidebis mo landipsa dolo eum elibus de nisi ommolup volupta tion et volupic te

1 28

jo達o gabri


enimet odipid eum ute eturerio eturerio blabo. lenimet odipid blabo. quam aut dolenimet odipid endae nos apit lautem. ut ut Faccum vel t endae nos apit lautem. Faccum nam, volendistios serFers atiorion re perchil exerumque iliquib mnis eatiorion re perchil exerumque pit lautem. ut Faccum vel quo maio explique ipsapienti sequia qui aut quo maio explique ipsapienti nonecae omnis eatiorion tus acereic tem Faccum non reptiorem. erio. itatus acereic tem Faccum non olorae ceratquis elibus nonse deliatiis quib usapieteumuta dit landipsa dolorae olupta tionsenim inveraceratquis et volupiceum tet maio explique ipsapienti ati simusciisi volupta tionsenim invera i dolut animodi diam inctur siminul eum rem ut verio. itatus dolupti ossitatiam Fugiam evelic tenis nda esequat ini dolut animodi diam on reptiorem. sequidebis parcimparchil se parumque comnietossitatiam des eicimil estion ea dolupti a dolorae eum deria porem etur ceratquis rest, totat nos restias eatur, cataqui omnieturit, parcim se ed quam es dolupit quatur re laborum ommolup itiati simusciisi erumquo blaborporum ipsum Fuga. quamus debit odit velic te perum descit aatur, et qui volupic tetnobisti il enihicit sanitaquam dernam quam quaes solupta conecte nitatet ad ini laborum dolut animodi diam re eium aut rempore doluptatum mnitem ipsa cuptia incias non velit mi, ullestion parchil elic te perum descit atur mi, corunti corrumq uuntincit quiasperum volent solupta conecte nitatet ad maximil giam tenis ipiet hicti simaiorevelic aut alique pa perFerum harum veratemo doles alite sdantori ipsa cuptia incias rempore non numet otat parcim serestibu parumque etur beatisquiasperum milibust re nonsedi rumqsolessi uuntincit volent xperumquo blaborporum maxim reptatur? oFFicipiciis ovit, simaior aut accaerro alique parestias perFerum m etur rest, nos Ficianist vendust volorum bus veratemo dolesvolupturibea alite restibu nobisti dernam ed mus. Ferent Faccus accabo.etur? itaquiderum lit asre vercietur solessi beatis milibust ur laborum eium aut orrum Fugiatur sum et eria doluptae omnimin imaxim reptatur? accaerro ptate quiquamus quid maximusdebit ut pratem que gnam odit dit, ea debitas qui oFFicia vendust plian sitae conet ped volorum eaquid et ur mi, corunti auda sitium, rorpor iberaes simus. Ferent Faccus uptatquis dit aborum, into blatibusanis olupta conecte nitatet estquunt verumquo rem quiatem. doloris simi, tex eat dolorrum Fugiatur ue ium aut pore, m eate auditatur, sunt queomnitem conserepre optatis quundia doluptate qui quid re non numet velique niae a. ga. itatiis millori busapid quatisque nimped eos nesecerrum explian debitas ndiscia pa di doluptatus apelit Fugia sae mqes corruptate uuntincit quiasperum uas mi, quia cuptatquis Entre o pescador orio et cullabo et qui ut que non re doluptatem cea rporerovit, r ra coreces eos estios as e a baleia, ostorest desafios citi voluptaqui volorae cus rerehenis a harumipsam, esed deet quem lida com simi,perFerum omnietur acerorum net voluptae iliquia que maximol oribus bus abo. nist veratemo doles o universo editorial conserepre aut utes utmodi latur? Fuga. llum nam, consed aligend ue odipit labo. neque idelit dFicillaut quatisque omniandes mos ellabor hari qui torro quasit quas poreper nonecum us apelitFeratem Fugia exerem. sae expedis verspient atis milibust repore nonsedi umqui unt, simuscit adit ut quequiaero nonimaxim reelit doluptatem volorit omnimin reptatur? odis desequist,volorae nem hitasimporit esequi voluptaqui cusadit, rerehenis pis molestem cor ea

dolupti sum lenimet odipid urerio blabo. stios serFers ndae nos apit accum vel id s eos nonecae on re perchil liquib usapiet luptumqui aut lique ipsapienti nd itatium eum itatus acereic non reptiorem. o que qui dit orae ceratquis eliatiis sim re itiati simusciisi nsenim invera et il enihicit

iel de lima


i s u t odipim d blabo. serFers os apit vel id onecae perchil usapiet ui aut apienti m eum cereic orem. ui dit tquis m re sciisi a et ute 1 30

nimurreero io bblla abbo eumt. utetrio o. d ltat i dhtaiius p i d e F a m c . i c o u u t s m lp exeru seFr ac v cr ues F ml eF m e r uqet q c u h e i l i l e a ue ipsaccxerumiquib qeue ienu xpliqpu timseq v mocnceius e uil m ne i a p s a a o p n i t e c r n i o e t p t i e t r m i i o o r Fia teumut e n m c . c ela uem non rvaeer cerbus n d lin n at siies quea eitpavtoqluuo i s e snappiiecntut tia amtio em ti n i n s e c t v i u m e r i r n s i v i o m e o inu ral Fu lu ieo gtiaa t a mn.eim t u v m s l idci tdeia .olmus n dco e m is q n u ptiei to i d d e e b s s ietiactiim im s tr,tn a il a ot q sar o u e s t i t s i t a parsceie uum a qut a re, mt o s ra reu uitmusriipm l a oriu le ictte pe sumsbc isami. F ug r m u i m l n obise diescit on e c tindih e rc t t naim e n n i i m t a a u t o t e t ncias rdd a i o d pd i a t emlpu a m t u o tuaio m r e n on rpem itausn i,a c r rp o u c m vo rluehn tti ntaipsetertFipearieudt nil mmh haaixc rim ili ut m erpeop st ra iebn u o r sd n u a mnnq utm o uereti ib a su p tu o esu r r r e invo m m nlu seen dti s eurero o po m F p F a i e c aotu perr,Fiepricuiis m v mi q l l u u e p t mboes.siad u lito r i b el a reustibeu t a q p u i i b t d eatis mi erum tu erm libust ia d i p i c o l u u pt r tias e c uum c t?pa a e rd r a r t o e e mc d qu upsetd vo s ite ta l o e a m r q u quua ideem t e orbelnatt s F a i c b a u cnuiss coeaqsu a m rr. u dm isri l Fourg isiastim a u , innusc tuaetc i eoq a s e epurid i rq e uxpipsdla p q i uadd ian teibsu c q us ei i t a oaellciutup F u g t ia e a eldolputpatqsuian is osiq tat u e e e m s t p as us rerieos a h l e u m n is ipop slatmib xim ,riu s n e o but toao s t r u i r di a?liFq u u g e a end. o s q oseilltleagqs usa buo s arsi rn seiv n meorns sepc ieus u nmt, mm u s c itilc icvip o ad o iit iris o

Jo찾o Gabriel, em ensaio exclusivo para a Antro+, no dep처sito de revistas da Editora Globo, em S찾o Paulo.


É

um processo inevitável, após esse primeiro ano de produção da revista, voltarmos o olhar também para o que venha significar sua existência e o quanto nela cabe e traz seu próprio presente. a primeira parte é relativamente simples de responder : a antro+ existe por uma vontade de aproximar pensamentos e artistas. Mas isso, e exatamente por isso, é o maior desafio a ser superado, quando se busca olhar a coisa toda de maneira mais profunda. Como tudo na vida, compreender o feito, muitas vezes necessita do olhar distanciado e não contaminado pelas paixões. Fomos atrás desse olhar. E convidados João Gabriel, atual redator chefe da revista Época e ex-diretor de redação da Bravo!, para almoçar e refletirmos juntos. Minha primeira questão é sobre como efetivarmos uma publicação cultural por aqui, visto ser a Cultura mais a manipulação de determinados mercados do que observações sobre o homem e o presente, e também o fato de estarmos longe de sermos um país de leitores. João Gabriel ameniza minha crise retornando ao passado em busca de comparações e respostas. “Já houve épocas com mais acessos à cultura e informação”. Ele não se referia à quantidade, afinal é possível não ter existido em outros momentos tanta variada quanto a que vivenciamos, mas à qualidade daquilo que as pessoas se aproximam. volto aos meus pensamentos. E me lembro de quando li, nas mesas de madeira da biblioteca Mário de andrade, ainda adolescente, as disputas retóricas e teóricas entre concretistas e neoconcretistas, Haroldo de Campos e Ferreira Gullar, através de páginas e páginas de jornais, como se fosse assunto cotidiano, como importância comum e banal, feito qualquer acontecimento de um dia normal. sim, pode parecer estranho, entretanto houve um momento em que falar de arte e teorias tinham a mesma relevância de colunas econômicas e acontecimentos políticos e sociais.

Para João Gabriel, o distanciamento da relação com a Cultura ocorre pela falta de repertório cultural brasileiro, ou seja, pela pouco exposição à cultura, em seu aspecto reflexivo e histórico, quando comparado a outros povos. Cita os ingleses como contraexemplo, e a maneira como a educação cultural por lá ocorre desde cedo, acompanhando-os por toda a vida. o teatro em Londres tem uma variedade absurda de peças e um público extremamente diversificado, diz, descrevendo a plateia formada por velhinhas, punks e engravatados, com quem dividiu um espetáculo, certa vez. a falta de repertório na nossa formação atinge também aos que buscam falar sobre cultura, tornando como grande safio conseguir falar ao outro de maneira clara e interessante sobre temas pouco ou nada pertencentes ao repertório comum. dois são os pontos cruciais, portanto: a maneira como o jornalista ou resenhista escolhe se colocar, apresentar suas ideias, perspectivas, dúvidas, conclusões..., e o fato das pessoas procurarem coisas diferentes em momentos diferentes, afirma João Gabriel. o problema está em conciliar as duas questões. Coincidir a maneira de dizer com a constante mutação no interesse pelo o que é dito sem nivelar por baixo. Retomando a história do jornalismo brasileiro para buscar caminhos, João Gabriel apresenta-a dividida em dois momentos fundamentais. o primeiro, nos anos 50,


oriu sumsc isami. reum dFeug sciit stindih i c e r t n am n i t a t e t d a i o d dia mlpu m t u oprtea m n on cr o u,a c m r hnnil volue tti d ut mmh haaixc rim ili ut m o usdnm ann utm q o uereti n voo nlu seen ip dti s m F uperirc,Fiepq is ricuim i truribeu a e s o tibit u p uildu e r u m ilibust pomilc ut s e ceaeprtriao es mc qu e i t l o r q uem ua ide u t s auc cnuiss sa q u isri g isiastim u , c iea s ei rq purid e d teibsu us ei iqtc a a sian a tiq uise ea m p oast a h e n is s b u s n e “O jornalismo não é mais t ribus q u e. uma produção interessada” gueg na d buo qs s arsi c ueus nmt, od iit iris quando surgiram os cadernos culturais e revis- no entanto, é haver nos Estados Unidos maior dispoq tas, a partir dos intelectuais vindos ao Brasil, no nibilidade do jornalismo para educar, e um ambiente u i eatt s pós-guerra, oferecendo repertório e historicida- cultural mais disponível a esse encontro, levando ao eos de, sempre com muito envolvimento e passiona- desenvolvimento de olhares mais particulares e ao sur-

ecae chil piet aut enti um reic em. dit uis re isi et et

lidade. Como pode ser encontrado nas resenhas de antônio Cândido, décio de almeida Prado e tantos outros ícones da nossa literatura crítica. Nos anos 70, por sua vez, os jornalistas passam a escrever sem preocupação em serem compreendidos, perdendo a aproximação iniciada décadas antes. Para alcino Leite neto, essa postura talvez tenha se dado como influência do estruturaríamos, conta. “o que se percebe é que, naquele instante, o jornalismo cultural perdeu o encontro léxico que havia com os leitores”. o segundo momento, então, ocorre com a aproximação da tradição cultural americana. a diferença,

gimento de jornalistas mais autorais no tratamento da linguagem e da observação sobre a manifestação cultural. Exemplo maior, a revista new Yorker mantém, desde 1925, o mesmo projeto, servindo, ainda, de referência de ousadia às novas publicações. os dois momentos apresentados na construção do jornalismo cultural no Brasil refletem as consequências de outro anterior: a maneira como o Modernismo estabeleceu formalidade ao encontro entre a subjetividade e a Cultura. Fundamentalmente, o movimento partiu, dentre outras e relevantes atribuições, da construção cultural alicerçada na perspectiva de releitu-


er sequia quo mavend uta no io e exerum nse omnis que ma voleatio lautem upta piciamet. ut nam, v et eum u olend quam ate e Ficatinc ut d ta

isc orroavm tisuqs sdauna tiraui q corrit r ita vueuld t n o q e e u a i ig d t u l e s e q a n a u d o b u i n d o r n h i p e i a t t r m i r t a u u s l olut pr abo. nq m erspism eseq u a d e m o m m r F o a n p u g l o o e g n r s b t a i a b e t i s l m i b svto . u u t p d iorro cor as ta enr i sia a vitin dieto e p a c c , o e e v o v a r e lignic mudn qe uleiq o lm musle e e eipiin a t t bo u i d a t s e , e l o s a v m b e o o l e lea e . i c sec s c n tiuebu eq dec iim a mq agut a liidteua sa d a n i s eilp a q q t i u b u e u i v s i u euoadluad o e a m oa sm pt uvton a ieprtteiu so plo iu i n u t l i n u m e ,bo r p c , u e t s n a o u i c mteist ve l o u u iipnic l p s l t a s c a b t tumralgiqs tuoaart u po emniae v iq m r i n m a a q a i m x i m q i e n e i l u tu l u e a a l s td urrt? eetd aq ipe ceaqui lmu bt l su sta atu buia s u d q a u m e m e l i , d i e c e u eo s a orunti nd m ria dole ut po eviu us r a paite e u p mlau m d t a q e a u q s t i t u t d r i t p u a o i r m o r l e u , u s s e n p m t o liibsaunq tatum qu siep, incnio l uaed com s rin s m e i t s t e q i n l F u s iebiitsdes am i magv a geir e t au n muxpo m o i e s e v ti s ic mq elbic q im de im meil ueo u rn r t a e in l q n a ia i b pic s u t o e u i ipuiemt hic e rd te poit hr icestiim r c i n o r u lia c tiFi psn l ca i um c lu te e lu a p d t q t p a v t u t t o a i i o t a m l ma se uiuiaa pvic niv elittem eetlc F uitru c t im tm i i , it , l eillibeq u e l nsihdie v l n u e e i h s n t i c c i d i o vorleuplttiataiiustseim ae nd itnitapuartecth t d rsiem r a u e lnein ptior neism tuiu m do s i .osm q a i u e m s m r i e m q o e s e l e o a q u q a lu u p paeebriscmhoil uidebiitsiamtui t sequiid q s i u m o quusecii vendanqueex vendm e q a r u d q n u i i d iild t a d m a i i i q t t t q i a u u l t v m i u a b i u o n e u e m u d um remips sapiet l apiiet u ueap um pesic t ret a u m t u a v t a i m s n l t ve neotnse onseu d ma evt e id mia r o i o volupts. vd ola volupo e l e n u u u p p m t t u a n un t t a mo e m,, v ullteend eattiu qu nam eo s eoiss n vo i o s a n s o onecaenecaea endiissttiiosrerio icc FFiic omn F o s atta t e s r a i b iin s n F e l e r r nc a F ta s ct e ac t r p d a s i o picic do im abem ollu upptd a tii so l u te u sum mq tamims qp uua u uttm aau dd ras e apropriações como estratégia de rever os valores consagrados, reinventar vocabulários simbólicos e incluir o novo como princípio de excelência, quando consequente à crítica histórica. Muitos são os exemplos possíveis de serem recuperados para demonstrar tais aspectos nas mais diversas áreas da criação artística. Ficarei com dois, como meio de ajudar a visualizar o argumento em si: a propensão da Bienal internacional de são Paulo em reler a história da arte com certo tom de panorama comparativo ao tempo, ao invés de dialogar com o novo e sua atualidade, como ponto de partida a novas observações da produção artística; e a formação das primeiras companhias teatrais profissionais, onde os trabalhos partiam do revisitar textos clássicos, levando um tempo considerável até que fossem assumidos os dramaturgos contemporâneos como maioria dentro de suas programações anuais.

Para João Gabriel, o Modernismo, em certa medida, estabeleceu mais do que o distanciamento do público não acostumado às linguagens das vanguardas europeias. Levou o próprio movimento a se confirmar como elitização de cânone cultural. É evidente a sobrevivência dessa relação canônica em diversas escalas artísticas, sociais e mercadológicas, e não haveria de ser diferente quando olhamos ao jornalismo cultural. Pressupõe-se, para uma publicação com tal intuito, servir à afirmação dessa tal elite, ou de meio àqueles que busquem ascender ao topo imaginário supostamente existente na Cultura, como se fosse esta meramente atributo de superioridade. das primeiras décadas do século passado até às primeiras deste, muito foi modificado no fazer jornalístico. Contudo, nenhuma transformação foi tão determinante à linguagem como o impacto trazido pela internet. a possibilidade de acesso 49

1


pti imet odsum rio bl ipid s serFabo. e nos ers um velapit s none id c e perc ae h i l usapiet umqui a ipsapienut tium eu ti s acere m eptioremic . qui dit eratqui s sim re imusciis vera eti t aute 1 34

n rt eerrio t pliaute ime olspeia io bblla o o abbo t m o. d n l . a i d u p u r t i e i t d s e F p a m t e c r . o i c o c u u reim sm st eFrac mcv on rheilp exeru t l ues o F m . e e r e u q c r x u t p h e l i q l i que Fipa liquib exu erm m uim c acueo am sac i qeue o p i tem e e n o x t p v i l F i a q s n e c u u q i c s s aacere um neoa etipsapieuil a r ues n i t c r n i qpuie o e a t p t i e t r i steum m Facc ioiro e n m ased . e u l u ne o t i bus n npimlo nton rvaeer cea do emlin x iq n a l i r siies a a toq u eit nsiim vo e u v o i s l l u d p u e p i u p s ie dtia amtio cn a tt p em ti u i inncsteunr t um saitait v i m e n i r n iiam s i v i min do eu ral .im Fu lu i gtiao t a o a m at t n r e r u c v e hiu e m s o lidci tdeia ilmeqauedco .olmus n e m is q n u i a e p i t d t i d e u mentie e o c b r s s e i r s e etureits,tr, n itiactiim a il am ot q s t r o u e du s t o i t s a l imediato em grande escala de informações i t a u p s p e p e i tpia a laboit u a r t q m c u u i r a m , r t t se expandiu para a capacidade em criá-las, us se rim tuodit oruim r e l a u b i levando a uma imensa competição por conp vt oriu elic te sumsc i np c i m t i a s F q i u e u p g teúdos, em constante crescimento, ofereciereum d a. olupta amtno i l e b n s c i u s das de muitos jeitos e com muitos intuitos, c onecte ti dih it muteiua t i c e r i n c m n a n m explica João Gabriel. No entanto, o jornalisi i ptia inau m tatet a o t d d c i o d i u a mo também sofreu as mazelas das facilidades m l s rempu pd lecseictsitqtaio teaia ntl m t idn u o m r trazidas pelo acesso rápido e, quase sempre, n on uitausn r m p a i , p lnaeilc e c dos conteúdos frágeis, cópias de outros conter rum v oo c r ic h qtue u te enpn i n l t l ita i e údos, simplificações, reduções e pouca reflexão a i n te t ps e t i r p F a i e e d r t u c e m e investigação. vale a ordem da quantidade, e s m ciaiam h aaixc h slrites i m r t i eme u l i m r p e o parece ser isso o suficiente também para essa s ptra iebn u ro sd nm u ann isq aecabito nova qualidade de leitor. utm m q o i e r u upila i t i b r e u s s p t o É preciso distinguir a linguagem rápida da ine rm ru e invo ?t aacca ru m n o s e p ternet da realizada nos veículos tradicionais iml earus dti en s eurero o liq u t m i a s F p pressos, afirma. Todavia, são cada vez maiores F voloru eaatu ircFiepicii p e em o s m r r as mimetizações das especificidades referentes a u do volupt , qu mi l e cq a s usu m a u essas velocidade e estética. Os principais jornais l a r ito e.sitd itbea el rusolcecsabo r e s i b e revistas atualizaram seus projetos (e continuam) u r sp sti beataisquidu p i t ut e a m r u com a finalidade de deixar as colunas e resenhas e tu mi ilibusm erm m i a r i e p p d t mais simples, rápidas e supostamente funcionais, t m c o teaxipmeuarstu u rt? acclaupttias e u a partir da nova lógica de leitura diagonal e hiperm c prd e i a r a r t a o v e e e e m n textualidade. Quando esses aspectos meramente s c tatoqnu qu upsetd vo c ite ed ta mercadológicos atingiram também os cadernos de l o e a su m or r immu, sin q u u m q i d . u e cultura começamos a perder os vínculos de aproF t e i q il lta orbelnattiFa aes m fundamento e reflexão sobre os matérias abordados, om buc cnuiss duo sa c ialto e a e m r q limitados que estão ao servir a interesses pagos, muir .u dm u olFourg i s u r p i s t sdu a,c i tas vezes, para promover produtos e apenas isso. a stim iua ur onltuq i , i n p e t c a c o almoço termina. a conversa poderia e deveria duteoq i eoesrrirtbiuReconhecer a nu s s e r e i p q b r rar tantos outros. os cafés são tomados. E as respostas u a uide s umsa pip a d e p q x i u d permanecem nebulosas para todos nós. Com uma cerl a ian dteibsu epetnamt c q tusv i u e a i t p a teza, apenas. É preciso fazer, agir, buscar o outro e nele importância o s i, quiael lciu t F u p g t u i e a a o diálogo que os instrumentos clássicos perderam ao u ptatqsuian aruenst onda e r o e Cultura d i serem confinados à sobrevivência do mercado em extins o a lu l e petatem i q olort o s u e ção. diálogos também perdidos entre os instrumentos noa s eéctambém o a s us retrieospa c e v s r o vos afogados em excessos e redundância coletiva. E nós, o a que m ruamlu henis p i t p s i o que fazermos, então? a antro+ apenas se coloca por aí, a b, iu x m i s m s traduzí-la como o n dssea e l t o otne r n u disponível. atenta de ser a cultura a soma de algo extremabus loao d tmt t r u i r ? d q mente mais indecifrável que quaisquer recortes. Qual o i aliFgueg u etntodu a e a . n rnecessidade d rers caminho? Que surjam outras, espero. Que se avenomq o s sao u e l l s l e i a turem outros. E somem. Multipliquem. nossos t buo qs s eev reeem r i a xlp. ipeg s braços estão abertos aos inquietos. o dirn seiv n m e o r n s e s p t c i ueus o nmt, oluunpo tt,asFtie mm u s c F i i v cip otilc ad ic o ta iit iris Fehic ussim p o r r


c

a

m

p

a

n

h

a

trocadalho

tEm limitE

PoR Ed morAES

esta ĂŠ uma campanha

2

3


teatro em papel

olhares

Ne Ninguém falou que seria fácilDramaturgia Coleção

Auto Autor: Felipe Rocha A Coleção Dramaturgia apresen ISBN: 978.85.60965.32-8 e encenadas nos últimos anos, a Brochura / 13 x 19 cm págs e de consolidar u criação92 teatral R$ 25,00

A Giostri tem realizado inúmeros lançamentos de peças de teatro, em suas mais diversas linguagens e aspectos. É uma ótima oportunidade para conhecer a produção recente brasileira.Aqui, dois títulos especiais: A Casa Amarela, de Gero Camilo, e Excêntrico, de Hugo Possolo. www.giostrieditora. com.br

O SESI e o Britsch Council publicam mais uma edição com autores participantes do Núcleo de Dramaturgia. A partir das aulas ministradas pelo diretor Roberto Alvim em Curitiba, Ninguém falou também pelo novos Nem um seSESI, passa que seria fácildiasão dramaturgos publicados sem notícias suascom pela Editora 7 Letras, Autor: Felipe Rocha curadoria do Club Noir. ISBN: 978.85.60965.32-8 Autor: Daniela Pereira de Carvalho Destaque o belo texto da Brochura / 13 xISBN: 19para cm978.85.60965.30-4 92Angélica págs jovem Kauffmann. Brochura / 13 x 19 cm R$ 25,00 60 págs www.7letras.com.br

Tr Ningu que

Auto ISBN: 97 Brochu

R$ 25,00

Nem um dia se passa Nem um di sem notícias suas sem not Os estonianos Autor: Daniela Pereira de Carvalho

Autor: Daniela Pere ISBN: 978.85.60965.30-4 Autor: Julia Spadaccini ISBN: 97 Brochura / 13 x 19 cm ISBN: 978.85.60965.28-1 Brochu 60 págs Brochura / 13 x 19 cm R$ 25,00 68 págs R$ 25,00

Os estonianos Autor: Julia Spadaccini ISBN: 978.85.60965.28-1 Brochura / 13 x 19 cm 68 págs R$ 25,00

Os e

Autor: ISBN: 97 Brochu


www.cobogo.com.br

www.cobogo.com.br

ParTICUlares

Alguém acaba de Trabalhos de amores em um dia se passa Ninguém Alguém acaba de Nemfalou um dia se passa Trabalhos morrer lá fora sem notícias suas de amores quase perdidos que seria fácil morrer lá fora sem notícias suas quase perdidos a Autor: Jô Bilac or: Daniela Pereira Coleção de Carvalho Dramaturgia Autor: Pedro Brício Autor: Felipe Rocha Autor: Jô Bilac

Carvalho 978.85.60965.31-1 ISBN: 978.85.60965.30-4 Autor: Pedro BrícioAutor: Daniela Pereira de ISBN:

ISBN: 978.85.60965.27-4978.85.60965.31-1 ISBN: 978.85.60965.32-8 nta peçasBrochura de novos/ autores do978.85.60965.27-4 teatro brasileiro, escritasISBN: 978.85.60965.30-4 Brochura / 13 xbrasileiro, 19 cm xISBN: 19 cm A13 Coleção DramaturgiaBrochura apresenta peças de autores do teatro escritas Brochura / 13 xISBN: 19Brochura cm cmnovos/ 13 / 13 x 19 cm x 19 cm a fim de registrar esse momento de/efervescência na/ 13 x 19Brochura 68 págs 60 págs Brochura 13 x 19 cm 92 registrar págs editoras e encenadas nos últimos de anos, diversas a fim de esse momento de efervescência na teatro, 108 págs 68 págs publicações com peças de 60 págs R$ 25,00 R$ 25,00 108 págs um panorama da nova geração de dramaturgos do país. R$ 25,00 R$ 25,00 R$ 25,00 criação teatral e de consolidar R$geração 25,00 de dramaturgos do país. R$ 25,00 um panorama da nova

alimentam a produção atual da dramaturgia

rabalhos Nem umde dia se passa de amores Trabalhos uém faloude amores Alguém acaba perdidos Os estonianos Ponto de fuga sem notícias suas quase perdidos seriaquase fácil morrer lá fora Os estonianos

Autor: Pedro Brício Autor: Julia SpadacciniAutor: Daniela Pereira de Carvalho Autor: Rodrigo Nogueira Autor: Pedro Brício or: Felipe Rocha ISBN: 978.85.60965.27-4 Jô Bilac Autor: Julia Spadaccini ISBN: 978.85.60965.28-1 Autor: ISBN: ISBN: 978-85-60965-29-8 978.85.60965.30-4 ISBN: 978.85.60965.27-4 78.85.60965.32-8 Brochura / 13 xISBN: 19 cm x 19 cm978.85.60965.31-1 Brochura / 13 xISBN: 19Brochura cm978.85.60965.28-1 / 13 xBrochura 19 cm / 13 x 19 cm ura / 13 xBrochura 19 cm / 13 108 págs Brochura / 13 x 19 cm / 13 108 x 19págs cm 68 págs 88 págs 60 Brochura págs 92 págs R$ 25,00 68 págs 68 25,00 págs R$ 25,00 R$ 25,00 R$ 25,00 R$ R$ 25,00 R$ 25,00 R$ 25,00

No Rio de Janeiro, a Cobogó lança uma coleção de dramaturgos cariocas atuais, trazendo uma perspectiva mais ampla do cenário carioca. Dentre os participantes, Rodrigo Nogueira, Julia

Alguém acaba de morrer lá fora Ponto de fuga

Autor: Jô Bilac Autor: Rodrigo Nogueira ISBN: 978.85.60965.31-1 Brochura / 13 xISBN: 19 cm978-85-60965-29-8 Brochura / 13 x 19 cm 68 págs 88 págs R$ 25,00 R$ 25,00

Spadaccini, Pedro Brício, Felipe Rocha, Daniela Carvalho e Jô Bilac. Além de títulos de importantes autores estrangeiros, como Daniel Maclvor, de In on It. http://cobogo.com.br

Alguém Alguém acaba de ia se passa acaba de morrer lá fora morrer lá fora tícias suas Os estonianos Ponto de fuga Autor: Jô Bilac

eira de ISBN: Carvalho Autor: Julia Spadaccini Autor: Jô Bilac 978.85.60965.31-1 ISBN: 978.85.60965.31-1 78.85.60965.30-4 ISBN: 978.85.60965.28-1 Brochura / 13 xAutor: 19 cmRodrigo Nogueira / 13 x 19 cm ISBN: 978-85-60965-29-8 ura / 13 x 19 cm Brochura / 13 x 19Brochura cm 68 págs 68 págs Brochura / 13 x 19 cm 60 págs 68 págs R$ 25,00 R$ 25,00 88 págs R$ 25,00 R$ 25,00 R$ 25,00

Ponto de fuga estonianos

Ponto de fuga

Autor: Rodrigo Nogueira Julia Spadaccini ISBN: 978-85-60965-29-8 78.85.60965.28-1 Brochura / 13 x 19 cm ura / 13 x 19 cm 88 págs 68 págs R$ 25,00 R$ 25,00

Autor: Rodrigo Nogueira ISBN: 978-85-60965-29-8 Brochura / 13 x 19 cm 88 págs R$ 25,00

Ponto de fuga Autor: Rodrigo Nogueira ISBN: 978-85-60965-29-8 Brochura / 13 x 19 cm 88 págs R$ 25,00

53

1


ca r t a a b e r t a remetente destinatário

Ruy Filho

Marta Suplicy

O

i Ministra. Tudo bem? Quem diria... Ministra da Cultura! Certamente você não se lembrará de mim. Sem problema, não ligo para isso. A última vez que nos encontramos, e já faz um bom tempo, a senhora estava ocupada cantando com Favre e o Cauby Peixoto, sobre um palquinho improvisado, lá no Palácio das Indústrias. Lembra? Tinham reformado o lugar para ser o Museu da Cidade, aquele projeto que envolveu tantos recursos financeiros e humanos da sua gestão como prefeita, aqui em São Paulo. Engraçado, acho que não rolou o museu. Pelo menos não como imaginado. Agora que a senhora voltou para Brasília, talvez nem desconfie disso. O Planalto é distante demais daqui, e imagino que, quando retorne para casa, o tempo seja insuficiente para acompanhar o que deveria ser parte de seu legado. Desculpa te decepcionar, não é falta de interesse, mas sabe que também não tenho a menor ideia do que aconteceu com o Palácio? As coisas passam. Os valores se voltam a outras promessas. E assim a vida segue. É assim para todos nós. Ministra, sei, quero dizer, imagino que a época seja muito complexa para querer que alguma coisa mais concreta já esteja desenhada para sua gestão. De todo modo, existe algo? A Cultura é um assunto que me interessa muito. Apesar do enigma que foi a passagem da sua antecessora por aí, ainda não desisti de acreditar na Cultura. Por isso a pergunta. Até por que, convenhamos, a senhora entrou com sorte. O aumento recebido pela pasta vai lhe dar a oportunidade de arrumar boa parte da casa, ajeitar as coisas, colocar em dia. Isso é uma chance e tanto. Já pensou, ser lembrada como aquela que recuperou o prestígio do MinC, a que foi responsável por desburocratizar e modernizar os departamentos, melhorar a relação com a sociedade e artistas? Isso


sem falar nas possibilidades com a Copa e a relação com os outros ministérios, já até conseguiu enfiar a moda na jogada. Taí, boa sacada, envolveu uma indústria de responsabilidade. Seria o máximo, não, chegar ao fim com tudo isso? Mas sem saber seus planos, fica difícil te ajudar nessa batalha. Cuidado só para não cair no mesmo erro da outra e se trancar no gabinete. Cultura não é algo tão simples que possa ser feito apenas com canetas e rascunhos. É preciso estar nas ruas também, encontrar pessoas, bater papo, sair pro mundo. Eu sei que a senhora adora falar, ainda que seja um tanto impaciente com entrevistas improvisadas, então acho difícil que queira se isolar. Por isso te escrevo. Para que saiba que estou aqui disponível. Disponível à principio, quero deixar claro. Essa relação, de verdade, vai depender mais da senhora do que de mim, entende? Mas vamos falar de coisas mais relevantes, vamos ao que interessa. A senhora tem uma posição sobre a questão dos direitos autorais, do creative commons, copyright, esses negócios aí? Espinhoso isso. Sabe que tem dia que sou a favor, depois, em outros, sou contra? Sei lá. Difícil mesmo, essa. Pulemos, vamos deixar mais para frente, outro dia falamos sobre isso. Deixa eu ver... Complicado essa coisa de "primeira conversa". Já sei, até porque com dois filhos músicos, a senhora deve estar bem informada sobre o assunto. Seguinte, a coisa do ECAD, os repasses aos artistas que desaparecem antes de chegar aos donos, e tem também a máfia de cobranças e multas, enfim, você sabe. Entendo que primeiro é preciso uma investigação séria, mas, se serve aqui um depoimento, tudo que paguei para o compositor de um espetáculo que dirigi não chegou a ele. Acho que vale a pena olhar a coisa toda mais de perto. Claro que não a senhora, mas pede para alguém daí.


Só não vai contratar mais outra pessoa só para isso, o país não precisa de mais funcionários públicos, e sim de funcionários competentes. O MinC tem uma quantidade maluca de funcionários, e nem é por isso que a coisa funciona. Fica a dica. Deixa eu ver, algo mais simples, então, para a senhora começar, para ser sua primeira batalha. Pelo visto o Sistema Nacional de Cultura está rolando, bacana. Vamos ver o que acontecerá mais para frente. O Vale Cultura, esse está enrolado, mas tem o Congresso e sei não, acho que não é uma briga para vencer rápido. O negócio é chamar a atenção e marcar território. Ah, pode ser a coisa dos pontos de cultura. Poxa, isso é importante. Pense comigo. Primeiro não existia nada disso. As relações eram de qualquer jeito e coisa e tal. Aí vem o Gil, cheio de ideias, vamos combinar que algumas bem interessantes, como essa coisa dos pontos. Aí vem o Juca. A coisa começa a desandar, mas ainda assim dá um jeito de se manter. Então, quando foi a ex, a grana não chegou mais para eles, e ferrou com tudo. Não dá para criar e não ajudar. Nesse sentido, tem também a Funarte. Caramba, acho que só a senhora é capaz de resolver os atrasos de repasse de verbas, os editais com cara de coisa combinada... Se a senhora resolver isso, tenho certeza que vai ganhar muitos pontos com a comunidade. E por falar em comunidade, a maneira como as relações se cristalizaram em São Paulo deixou tudo muito difícil, limitado a certos tipos de expressões artistas, principalmente às que se voltam ao popular etc etc. A senhora sabe, pois muito foi edificado em sua gestão por conta do partido e tal e isso e aquilo. Sei que não pode interferir na nossa política local, mas te peço encarecidamente que não cometa o mesmo em escala nacional. Esse Prêmio Nacional de Teatro,


sinceramente, não me cheira muito bem, não. Digo isso porque em breve sei que também será cobrada para tornar o MinC cabo eleitoral para a reeleição da Dilma. Normal. No Brasil as coisas são assim mesmo. Principalmente quando se vem da mesma casa. Mas na Cultura, o oportunismo tem consequências muito mais profundas e permanentes. Repito, não torne o MinC outra máquina partidária, por favor. Ou perderemos a chance de realmente mudar as coisas para melhor. Imagina, a senhora que viaja tanto, tem tanta cultura, conhece tantos lugares, se conseguirmos fazer o Brasil virar tipo uma Paris latina. Incrível, não é? Sei que a senhora adora Paris, eu me lembro bem de quando trabalhei para a prefeitura. Mas essa é outra conversa. Boas lembranças, apesar de tudo. Deixa para lá, depois te conto. Ministra, vamos mantendo esse contato, então. Acho importante essa troca. Podemos tomar um café, quando passar por São Paulo. Talvez no Suplicy mesmo, assim tudo fica mais em casa, certo? Avise quando puder e conversamos mais, ainda tem muitos assuntos, muitas outras coisas que valem a pena serem discutidas. Coisas que envolvem a educação e os cursos universitários para as artes (posso estar enganado, mas parece que não está dando tão certo assim), sobre o reconhecimento e oficialização de atividades especificas da área criativa como profissão (a senhora acredita que dramaturgo, por exemplo, ainda não é considerado profissional), também essa coisa maluca dos editais, a maneira como o país passou a ser dependente deles, e muitas outras ainda. Assuntos não faltam. Enfim, tomamos um bom café, batemos um papo sem tanta pressa, e podemos terminar a noite no karaokê da Liberdade. Poxa, vou adorar fazer um dueto contigo. Beijos e meu email continua o mesmo.


somnacaixa

TERCEIRO SINAL P

aula Picarelli estreia o quadro Terceiro Sinal no programa de rádio Galeria, comandado por Alexandre Ingrevallo, entrevistando artistas e pesquisadores, processos de criação e muito mais sobre o universo teatral. O boletim estreou no dia 24 de setembro e já anuncia algumas das conversas que irão ao ar. A revista Antro+ foi convidada a falar, através dos depoimentos de seus editores, Patrícia Cividanes e Ruy Filho. No interior do carro, ao lado do Teatro Cacilda Becker, durante a noite, encontramo-nos para falar sobre os motivos que levaram à criação da revista, os planos futuros, as respostas na classe cultural, entre tantas outras coisas. É para ficar de ouvidos atentos. O boletim vem somar forças à vonta de dialogarmos mais proximamente aos artistas. Parabéns, Paula, Rádio Cultura, ao portal Cultura Brasil e aos envolvidos. Vida longa a todos!

Segundas e quintas, entre 9h e 11h. O programa pode ser ouvido tanto pelo rádio, quanto pelo site www.culturabrasil.com.br, onde terá também interações ao vivo.

1.200am


PARA RECEBER A

PARA dOwNLOAd ENVIE UM E-MAIL COM O ASSUNTO PARA

antropositivo@gmail.com

VOCê ENTRA PARA O NOSSO MAILLINg E RECEBE UM EMAIL COM UM LINk PARA BAIxAR A EdIçãO ATUAL. A REVISTA é LIBERARA PARA dOwNLOAd SEMPRE dEPOIS dA PRIMEIRA qUINzENA dE LANçAMENTO.


diálogo. x2

por valmir santos e claucio andré

pais e As perspectivas e desencontros que determinam a reconfiguração do que possa ser definido por família. Confuso?

claucio andré: Valmir, já estou por aqui. Caso esteja invisível, podemos começar.

vs: Opa, tô aqui... Digerir, acho que não, mas abri uns caminhos para leituras....

valmir santos: Salve, Claudio, vamos por aqui então?

ca: Como qual(is)?

ca: Vamos! Tudo bem? Digeriu bem a peça? (Valmir?)

vs: Tinha assistido a um ensaio aberto, não completo, no mês passado, em Santos, durante o Mirada. Lá, foi em cima de um

palco gigante, tipo um teatro municipal, e havia muito a sensação de proximidade, de intimidade. Agora, no Pompeia, veio a vastidão do espaço...

ca: O palco do Mirada era maior e mesmo assim a vastidão veio no Sesc Pompeia? Por quê? (fiquei curioso)

vs: Logo no início, tem uma frase, não sei se Arkád ou Básarov quem fala, definindo a natureza não como um tempo, mas como matéria... Acho que o Shapiro materializa de tal forma a cena que o espaço é determinante... No Mirada, foi em cima do palco, no Pompeia arquitetado pela Lina


filhos Bo Bardi, o pé-direito alto, os vazios laterais, as duas plateias abertas, essa foi a vastidão que veio dar novos sentidos aos personagens... Há um drama íntimo, das relações de família, amizade a afeto, e como pano de fundo a história vai sendo movimentada pelos conflitos políticos lá

fora, o embate entre campo e cidade, proprietários ruralistas e camponeses...

ca: E mesmo nesse drama, seja íntimo ou seja o pano de fundo, achei interessante que não pude tomar partido de nenhum lado. Ambos estavam certos ou errados, e esse conflito

passou a existir em mim também. Bem bacana! vs: O Shapiro cria um sistema cênico de apropriação do espaço, isso lembra muito a versatilidade das encenações de Zé Celso no Oficina também arquitetado pela Lina Bo Bardi. Há um senso de monumentalidade

que tem a ver com a passagem do tempo (primavera, inverno) e os deslocamentos do próprio romance.

ca: Calma, deixa eu tentar recordar a travessia. Isso da passagem do tempo e das estações me interessa (rola isso na Gaivota também).


É, é bem possível ler assim, sim. Mas em que sentido você diz “senso de monumentalidade”?

colocados no desafios dos atores num espaço que os deixa tão longe e precisam nos crer tão perto...

vs: Talvez seja possível associar essas escalas também entre as oposições: niilismo e fé (...) Ops, celular tocando.... já voltei...

ca: Isso eu não tinha percebido (obrigado!). Do longe-perto da cena. Esses dias estávamos estudando essa relação, mas numa tragédia. Percebíamos que o teor da tragédia diminuía quando a distância entre os atores diminuía. Cheguei a reparar nisso durante o Pais e Filhos, mas era um drama, não seguia a mesma “lógica”. Mas é isso que você falou: essa distância física pode ser lida como a distância do modo, da geração, dos pensares. E eu sei que o que eu direi é clichê, mas... É tão atual.

ca: Por falar em fé... Só um parênteses: que personagens são os pais do Bazárov, hein? Fiquei impressionado com o jogo, a fé (na história, na cena) e tudo. E é muito bom também o momento da peça em que eles aparecem para contrapor totalmente ao filho deles! (isso é do autor, ok, mas foi levado à cena também). (Fecha parênteses) Mas você falava do senso de monumentalidade...

1 62

vs: Para mim, é a cena mais comovente. São o Vassíli e a Arina (Donizeti Mazonas e Luah Guimarãez). É justamenti isso, a oposição de percepções do mundo, da vida, flagrada na relação umbilical... E quanto à espacialidade, é como se as ideias de quem é mais liberal ou conservador ou descrente de tudo também fossem sujeitas aos obstáculos físicos/ naturais que estão

vs: Essas distâncias em Pais e Filhos são feitas de cruzamentos, paralelismos, perpendicularidades, verticalidades, horizontalidades no entra e sai dos personagens... ca: E tem a cena do banco, em que Bazárov senta com seu pai, mãe e seu (ex-grande-)amigo, e não consegue levar essa proximidade a sério. (Valmir, estou no laboratório de informática da Unicamp,

que fica aberto até as 22h, e o técnico veio avisar que vai fechar! você pode esperar 15 minutos para eu ir até outro instituto?) vs: Afetos, desafetos. O sentimento amoroso também se infiltra com muita beleza nas razões ideológicas de lado a lado. (SIM, ESPERO) ca: Ok, já volto. (...) Voltei, Valmir. vs: A postos... Você fala da atualidade por causa da descrença reinante e nossa época? ca: Também. É que é uma e a da razão que traz seus benefícios, mas que fica estéril sem o balanceamento de outras funções psíquicas. Digo isso porque estudo sobre os arquétipos. Fogo, água, ar e terra, ou Intuição, Sentimento, Pensamento e Sensação. Digo arquétipos porque são estruturas que se encontram em diversos aspectos da existência. Então, de Ar temos a razão, o distanciamento. De Água, os sentimentos, emoções, afetos. Ambos se complementam. Sozinhos não funcionam. E o que vemos na peça é isso. A negação de tudo, a separação de tudo não basta para a existência. Até mesmo o ceticismo

está sujeito a um turbilhão amoroso. E essas relações são vistas (Ignore essa frase solta “e essas relações são vistas”) vs: E lembrar que a gente assistiu ao espetáculo na véspera das eleições municipais... O carrinho de bebê que atravessa o tapete fofo e branco que também simboliza o inverno rigoroso, esse bebê simboliza alguma esperança (tanto o tio conservador quanto o médico niilista brincam com a criança). ca: Voltando às estações, você acredita que, nesse modo de ver, a peça começa com “inverno”? vs: Ah, é preciso dizer que essas visões espaciais são profundamente sugeridas pelo desenho de luz também... ca: Pode recordar uns exemplos? vs: Boa essa questão. Apesar de o texto sugerir a primavera, o estado de alma inicial dos protagonistas sugere nebulosidades, como se estivessem na defensiva e, aos poucos, fossem baixando a guarda...


ca: A chegada do novo, o retorno, sugere primavera. Ao mesmo tempo que Bazárov (o único nome russo que consegui memorizar) parece o mais duro, assim permanecendo até descobrir aquela dos “ombros impressionantes”. Mas confesso que não reparei no simbolismo da luz (desculpa, Cibele!). Fiquei mais atento ao trabalho dos atores. vs: A luz branca extra palco, a que reforça as colunas de concreto na estrutura do teatro, e a luz em sépia sobre galhos erguidos no meio da plateia são imagens que dilatam ou comprimem o peito do espectador tanto quanto o que se desenvolve em cena.... ca: Um dia terei esse olhar, rs. Valmir, estamos quase chegando ao nosso limite de caracteres (e ao meu tempo também). Tem mais alguma coisa que você gostaria de instigar na conversa? vs: E aquela mulher por quem Bazárov se curva, enfim, é o seu espelho em termos de convicções, dura na queda que o faz sucumbir. Turguêniev pincela a questão de gênero, do papel da mulher submissa, no

cenas do espetáculo com o elenco da mundana companhia.


ca: (quem é quem?) vs: Sim, Claucio, a questão dos atores - você prestou mais atenção. Os projetos da mundana têm me tocado muito pela qualidade dos atores desafiados a outros registros... Acho que o Shapiro deixou essa turma pirada no diálogo com a tradição stanislavskiana, não? A Lúcia é a mulher de ‘ombros impressionantes’ e a Sylvia, a folgosa, progressista e feminista efervescente em pleno século XIX...

1 64

ca: O trabalho grosso e o trabalho sutil são incríveis. Tenho lido as obras do Stanislaviski e teve uma hora que me atentei ao jogo de pernas do personagem que é aquele que chama o Bazárov para o baile (o baixinho), e aquele

joguete dava uma qualidade psicológica muito interessante. Ele estava tão interessante em cena que resolvi prestar atenção (e me desliguei da peça) só pra me atentar nos passos dele. E então pude reparar de jeito.

Adaptação e direção: Adolf Shapiro. Elenco: Beatriz Morelli Donizeti Mazonas Fredy Allan Luah Guimarãez Lúcia Romano Luís Mármora Sergio Siviero Silvio Restife Sofia Botelho Sylvia Prado Vanderlei Bernardino.

ca: E há a mesma coisa em diversos outros. Mas a questão da mulheres que você falou, concordo. Valmir, eu tenho que sair agora. Se quiser deixar mais uma mensagem pra mim, à noite respondo. Estava aprendendo bastante com seu olhar, mas infelizmente deu a hora pra mim.

Desenho de luz: Cibele Forjaz.

vs: Feito, Claucio . Vou anotar mais um pouco e depois você troca. Abraço, valeu! ca: Até mais, Valmir! vs: Já que falei muito de espaço, o trabalho dos atores pode ser

FOTOS: CACA BERNARDES

que as atrizes Lúcia Romano e Sylvia Prado dão um drible.

cena do espetáculo em montagem no sesc Pompéia.


associado também a “paisagens”. Se uma das bases da tradição russa tem a ver com a memória, então o Pais e Filhos projetado em cena nos alimenta com esses seres-paisagens tanto quanto o espaço cenográfico nos transporta. A interpretação

está sujeita ao antagonismo (ou complementariedade?) arte e ciência: equilíbrio do domínio técnico não transparente com o transbordar da emoção pousada em gestos, silêncios e cantos minimais. São os acenos para nossa rodada final. Abraço.

ca: Quanto à interpretação eu também diria isso. Pois, se eu falei há pouco que parei por uns minutos para observar (e até mesmo curtir) o “jogo de pernas” do ator, foi porque tive que me desligar da história para fazê-lo. O personagem era tão interessante

que eu decidi fazer isso, porque se não fosse meu interesse no assunto eu não teria “descoberto” o que trazia aquele estado ao personagem. É o trabalho e a técnica que, conforme você disse, não transparecem. Um abraço, Valmir!


cIRcunfERêncIAS AmPlIfIcADO

sp

ESPAÇO DE ARTES PIVÔ Renovação e ousadia em pleno centro da cidade



T 1 68

omar a cidade. Invadí-la. Torná-la pertencente de volta à estrutura social. E cultural. E conhecer nas vielas e descaminhos as possibilidades de oferecer novas potências, transformações. A cada novo espaço cultural, a cada novo canto destinado ao encontro entre as pessoas e à arte, a cidade amplia sua capacidade de construção simbólica e de reconhecimento e problematização de seus integrantes. Agora, traduza isso a um modelo original, e a ampliação pode se revelar uma completa explosão, tanto para o cidadão, quanto para o próprio universo cultural. Este ano, os andares abandonados há 20 anos no interior do Edifício Copan, marco arquitetônico moderno do centro de São Paulo, foi revitalizado e resignificado. O que antes era espaço vazio, hoje é um dos mais interessantes e significativos ambientes culturais. O Espaço de Artes Pivô. A Antro+ foi recebida por Marta XXX e Fernanda XXX, idealizadoras, num grupo de 5 participantes. De início, proponho discutirmos como é possível viabilizar um espaço com características tão particulares. Fernanda e Marta explicam que ainda o projeto se configura como desejo do grupo, mas que se organiza para oferecer meios para a inclusão de parceiros e interessados. As dificuldades, no entanto, são duas, apontam. Modificar a percepção de patrocinadores e investidores, modificando o olhar sobre o espaço e a arte como produtos para uma compreensão mais contemporânea. A outra questão é quanto a origem dos integrantes, nenhum advindo de setores burocráticos, mas artísticos. Sobre a obrigatoriedade de atuarem também nas funções mais estruturais, colocam que aprenderam a pensar a burocracia também como um projeto artístico, feito uma instalação, na qual a criação do lugar é um processo de produção de algo necessário.

Montagem a partir de fotografias da entrada e fachada do Espaço de Artes Pivô, no Edifício Copan, SP.


69

1


1 70

Investigar as artes a partir das dinâmicas com o próprio espaço

Sobreviver à especulação imobiliária, tão fortemente empregada na cidade, é também parte da ideologia da formação do Pivô. Gerar um espaço de cultura em ambiente pouco afeito a quaisquer realizações não destinadas ao lucro financeiro imediatista. O espaço inaugurou com uma exposição de artistas visuais contemporâneos que contou com a disposição de diversos setores, sobretudo a galeria Emma Thomas, presente desde o inicio na sua reativação. A oportunidade às galerias não é aumentar diretamente suas vendas, mas oferecer-lhes um lugar entre a galeria e o museu, trazendo o publico mais para perto da produção atual, com a presença de artistas, críticos e curadores.


Esse caminho intermediário, tão fundamental ao desenvolvimento das linguagens mais investigativas, ainda é novidade por aqui. Temos diversos espaços que abrigam produtos destinados ao consumo imediato, de galerias a teatros, e proposições de conteúdos com acesso a financiamentos e capacidade de realizar suas demandas. Faltava, no entanto, um que tivesse como especificidade abrigar o experimento sem a preocupação de responder a nada, para além do discurso artístico. Ao existir, o Pivô abre um novo campo para o encontro com a arte. Pela origem de vários integrantes permear mais proximamente as artes visuais, o Pivô nasce com a vocação para essa linguagem. Mas não só a ela. Interessam-lhes também as investigações de outras áreas que busquem pontos de interseção

À esquerda, detalhes da iluminação pertencente à exposição já desmontada. Acima, um dos ambientes disponíveis para os artistas.

71

1


O pĂşblico passa a ser pedestre e desafiado


Detalhe de um dos andares do Pivô, já sem a exposição que inaugurou o espaço de artes.

com as artes visuais. Ainda que determinem uma especificação a esse interesse: qualquer que seja essa relação, as interseções terão que travar um embate com o espaço, dizem. Também a maneira como lidar com o lugar em si se propõe mais particular. Pensando as ocupações como se fossem layers que se sobrepõem de maneira narrativa, o espaço assume a existência deixada por quem já lá esteve, seja uma parede repintada e limpa, seja uma intervenção que exija reconfigurar a iluminação, e até ações mais determinantes ao seu desenho estrutural. Esse pensamento está em concordância com a inquietação do que venha a ser a tal revitalização do centro da cidade. Observam que raramente as novas, iniciativas culturais dialogam com a região de modo mais profundo e simbólico; limitadas que estão a serem literais e superficialmente presentearias. O que o Pivô propõe, então, é trazer para a escala do espaço uma maneira de conviver com o passado, confrontando, assim, a higienização promovida pelo poder público como preparação para a revitalização. A estrutura labiríntica dos andares oferece outra qualidade de assimilação e percepção das obras. É preciso encontrá-las, vivenciar a especialidade, descobrí-la. Perder-se. Dessa maneira, o visitante é desafiado a conviver com outros códigos, onde a circulação defendia-se do formalismo dos museus mais tradicionais. Por isso, entre visitante, presenciador, presentificador, Fernanda e Marta definem a pessoa que ali está como pedestre. 73

1


Outras possibilidades, novos caminhos de trazer a arte

1 74

Por que um espaço voltado à arte contemporânea? Por que de maneira tão própria? Por que fugir dos modelos consagrados e reconhecidos como bons investimentos? Essas e tantas outras questão interligadas perpassaram toda nossa conversa. Para Fernanda, a manifestação do sensível é quase um milagre. Reconhece que o romantismo empregado em sua visão tornou-se, aos olhos do contemporâneo, algo pejorativo. Ser romântico estabeleceu-se ser ultrapassado e menor. Pelo contrário. Fernanda encontra no sublime da criação a qualidade única de consolidar em um instante a precisão da observação, reflexão e discussão do artista sobre o instante presente. E conclui assumindo que poder trabalhar perto dessas pessoas é um luxo, encontros únicos e fundamentais. Marta, define-se curiosa. Diz precisar estar em constante questionamento sobre as coisas, e os artistas são instrumentos para levá-la a questionar por outros pontos de vistas sobre tudo. Sem isso, finaliza, a vida fica miserável.


Fernanda Brenner e Marta RamosYzquierdo acompanhadas pelos também idealizadores do espaço.

O Pivô nasce. Talvez, melhor do que isso. Faz-se. Redescobre nas veias mais sinuosas da arquitetura da megalópole as qualidades capazes de desestabilizar o acomodamento dos pedestres e transeuntes que percorrem nossas estruturas culturais. Convida o centro a reconhecer-se centro. Convida o desavisado a descobrir romanticamente e inquietamente os comentários sobre o próprio presente. A cidade pulsa outra vez, agora. A cidade volta a ser fazer real. E nada mais precisa ser como antes. Nada deve limitar-se ao antes. Nada mais necessita ser simplesmente simples ou meramente banal. Entre. Descubra. Perca-se. O labirinto abre suas portas enquanto o minotauro corre sorridente pelas ruas e se apaixona pelos faróis dos carros, as luzes dos puteiros, as buzinas, os buracos de metrô, os cinemas pornôs, os camelôs, os traficantes, os anônimos, mendigos, executivos, pastores improvisados e os artistas. Alguém achou que o mito correndo fosse apenas outra estátua viva voltando pra casa...


todo ouvido

Boru tradução: KiKo Bertholini

A sonoridade do mundo em complexidades e narrativas sempre surpreendentes


ut

“N

ascido em 1961, o compositor esloveno, vive, atualmente, em Ljubljana. Com seis álbuns autorais e composições para diversos filmes, espetáculos de dança, performance e teatro, com colaborações para Peter Greenaway, Gerlad Thomas, Edwar Clug, Julie-Anne Robinson, a banda Laibach, entre outros, Krzisnik cria um ponto de encontro entre o avan-garde e a música popular, ou ainda, entre a acadêmica e a underground. Suas composições se caracterizam pela ousadia, intensidade, contrastes e sonoridade únicas. A orquestra é transformada pela tecnologia dos computadores numa orquestra que desafia as convenções da música sinfônica. Para ele, “A coisa mais excitante é descobrir e redescobrir as formas e estruturas do caos”.

Para conhecer uma das composições de Borut Krzisni, clique no botão ao lado ou entre em contato em http://www2.arnes.si/~ksbkrzi/

77

1


diĂĄlogo. x2

por gabriela mellĂŁo e rodrigo contrera

corpos


s ilhados ou memória reinventada O contemporâneo e as vontades de criar sem limites de desculpas e medos

gabriela mellão: No cartaz do espetáculo, Luiz Paetow apresenta sua peça assim: trata-se de uma peça que não é peça não tem ficha técnica nem release nem bula muito menos sinopse nem fotos nem assessoria de imprensa. acho que esta apresentação diz muito da pesquisa do Paetow. Ele busca desprogramar o espectador por completo oferecendo uma experiência artística singular.

propõem. e posso até confessar que o resultado meio que escape de definições como essas, mas acho um pouco frescura ou bobagem. te confesso: peguei o programa e fiquei a ver navios. o desastre que o beckett fez por aí. não digo que não gostei, fiquei realmente pego pela goela, mas não li nada disso no “programa”. penso naquilo que nossos outros espectadores podem ter auferido da experiência.

rodrigo contrera: ok. bom, eu tenho visto várias coisas que se propõem experimentais por aí. tudo bem, é engraçado como eles, o paetow e a vera,

gm: acho que é justamente isso que o paetow busca. não trata-se de gostar ou não gostar, mas ser “pego pela goela”. tem uma tensão constante.

rc: longe de desmerecer qualquer pesquisa, claro. desprogramar é algo a que o espectador precisa realmente se ver sujeito, neste mundo repleto de programações. sim, eu gosto disso. por isso eu sempre busco coisas que quebrem minha espinha. mas penso também naquilo que o espectador médio apreende. não sei se chutar o balde tão longe serve para trazer mais do que para espantar. sim, concordo com a tensão. a figura subhumana que a vera constrói traz-me algo do movimento de um clown. mas um clown sem rosto, sem face, sem identidade.


gosto disso. é disso que eu mais gosto por aí. gm: pois é, não é personagem. podese projetar qualquer pessoa ou coisa naqueles movimentos que são na realidade desmoronamentos. pensei no homem desmoronado, na sociedade em ruínas, na lógica do mundo de hoje, que se desintegra a cada dia, na falta de profundidade, na impossibilidade do amor, na ausência da verdade... rc: sim, isso, a ausência do personagem é algo que fascina. remete a algo que o alvim defende, e é algo tão atual. porém: esse negócio de desmoronamento está virando ou já virou um clichê, chato para caramba. remete ao bauman, com a sua liquefação. é claro que vemos uma queda, mas ruínas, não sei. é aquele negócio do chico oliveira e quejandos ficarem levantando a bola do fim do capitalismo, etc. e tal. que é isso, o sistema está vivo e forte, o que nos resta, especialmente aos artistas, é jogar isso na cara de quem se deixa anestesiar, claro. mas ficar defendendo essa ruína completa me irrita um pouco. tenho um

amigo que tem uma companhia e em que só usa restos. é piada. gm: pode ser. mas o corpo ganha outro significado. ele cai não como um corpo humano, mas de outra forma. é intrigante. não acho que seja político. é maior. e para mim a busca é mesmo por uma sensação indefinida, mas forte e tensa no teatro. o que é raridade hoje. rc: com respeito à queda da vera. reparei nos detalhes. ela não se apoia nas mãos, mas nos pulsos, e nem nos pulsos, ela não anda para a frente, as pernas ficam duras e ela anda aos pulos. ela cai para um lado, apenas, se espalha, como se fosse uma coisa, desmorona, interessante, isso. sim, é uma construçãodesconstrução. o que me agrada mais é não ter identidade. gm: e cada um interpreta da maneira que quiser. o discurso é tão aberto. é também estranho como após infinitas quedas, ela de repente se levanta e anda. rc: pois é, esse negócio de busca de sensações indefinidas. sim, nós, que somos insatisfeitos buscamos muito isso. a força e a tensão, algo que fuja

dos mundos que vemos por aí. sim, mas sabe, eu também me pego refletindo: será que só tensão é o que pode nos oferecer algo diferente? e a singeleza do gesto? reparo nisso ao assistir peças quadradas que, contudo, aqui e acolá tocam minha mais tênue sensibilidade. gm: como vc vê isso? para mim é mais uma desprogramacão do paetow no espectador rc: desprogramação. apesar de ir nessa direção, na direção da diferença, creio que a desprogramação peca na própria suposta radicalidade. ir tão longe a ponto de não conseguirmos mais nos conectar conosco mesmos. vejo isso algo nas artes plásticas. a mensagem tão lá na frente que ficamos perdidos em nossa insignificância. E sabe que eu nem acho que ela caia, realmente? é como se ela andasse assim mesmo. parece movimentos de um organismo vivo não humano. mas não sei se estou viajando. gm: tbm tive essa sensação, de ser um ser vivo diferente do homem. mas ela cai, sim. o tempo todo. e de repente sai andando de forma bem natural.

rc: quando ela anda normalmente é porque ela deixa de ser a personagem. depois, quando ela anda, ela dificilmente anda para a frente, lembra, ela tenta, mas acaba seguindo um padrão outro. lembro-me de ficar reparando, quando ela anda para a frente, aqui, acolá, ah, mas ela se perde, o personagem não anda para a frente, quer, mas não consegue. e quando chega perto cai. Sobre a questão de o “personagem” não cair como um corpo humano. vi sua observação e realmente isso me levou longe. realmente vivemos uma época estranha. que parece conduzir a rumos inesperados. isso é por sua vez conectado à busca de uma sensação indefinida, mais forte e tensa. vc não acha que tem tudo a ver? parece que o ser humano não cabe mais em si, em sua pequenez, alguns dirão de classe. mas é claro, como eu disse, que desprogramar sempre vem a calhar. supõe um desafio. pena que poucos estejam dispostos a encarar. por isso um teatro mais radical, mais forte, toca em outros pontos que podem ser mais relevantes, revoltantes. digo isso porque ao ver uma peça em que os caras matavam umas rãs, podia ouvir um ahhh, de


croquis de cenas de luiz Päetow para preparação do espetáculo. na página anterior, Vera Sallas durante a apresentação.

Elenco

Vera Sallas direção

Luiz Päetow

81

1


1 82


tristeza, quando afinal o que nós todos humanos fazemos todos os dias, e muitas vezes em motivo algum. foi uma peça lá das oropa. gm: hahahha... eu via peça. achei muito ultrapassado tudo, o living theater já fazia este tipo de experiênciaera do jan fabre, né? o belga. rc: essa do belga confesso que me deixou intrigado. eu saí sem saber se gostei ou não. mas não me deixei levar pela embalagem. apreendi algumas coisas que eu não sabia possíveis, e só. eu ouvi falar muito do living theater, mas não vi nada, ignorância minha, ou o fato de não sair daqui do brasil, quem sabe. gm: Mas sobre a peça do Paetow, acho que a ideia é fazer o espectador voltar a se inquietar, a se perguntar sobre as coisas. a luz eu também achei interessante. principalmente no começo, na penumbra, em que aparece apenas o vulto da vera e só escutamos o som de uma respiração. O Paetow instaura uma atmosfera de estranhamento com um mínimo de recursos. elimina por

completo inclusive a palavra. a dramaturgia está sobretudo no movimento rc: ah, a luz. e a respiração. bom, esta última é previsível. para mim, pareceume um quase clichê. nascimento, respiração, nascimento, morte, etc. e tal. tudo bem. quando à luz, ah, aí já me pegaram pela goela. amei a solução. linda, complexa, simples, temporária, definitiva, amei realmente. se bem que ao final, bom, o que todo mundo esperava, o fim da luz, algo previsível, que coisa quando radicalizamos, a radicalidade pode perder-se facilmente. Queria te provocar. vem cá, tá certo que tanto você quanto eu gostamos desse negócio de experimentação, desprogramação, etc. e tal. mas questiono: será que não ficamos presos no novo pelo novo quando muitos fazem o velho mas bem feito e talvez seja algo que acabamos meio que por desmerecer? refiro-me a companhias que fazem tudo como sempre mas que apesar disso acrescentam. por exemplo, companhias derivadas do ambiente circense que, se por um lado não aprofundam discussões, por outro entretêm e colocam

aqui e acolá algum incômodo que pode, não ser revolucionário, claro, mas algo de bom, em linhas gerais. gm: Olha, eu vi agora no mirada o ensaio aberto de Pais e Filhos, nova peça da cia. mundana, e fiquei pensando nisso. é tudo absolutamente tradicional, mas você é tomado por certas delicadezas rc: sim, esse negócio de delicadezas me pega. se bem que o que tem de pessoal que pega autores que sabemos profundos e torna espetáculos rasos... é chato para carai gm: tbm vi o berliner ensemble em porto alegre, mãe coragem. fiquei arrebatada com uma peça sem nenhuma “desprogramação”, como geralmente fico em alguns experimentos mais radicais. rc: acontece que como faço oficina de interpretação me vejo cada vez mais imerso nisso. incrível como detalhes nada revolucionários podem causar em nós quebras tão ou mais relevantes que outras mais, digamos, racionais pois então, você sai muito mais que eu. legal que tenhamos os dois essa

impressão. no meu caso, isso aconteceu quando vi um espetáculo lá na mooca, longe para carai, com o barracão, lá de campinas, saí passado. o ésio magalhães comeu o meu fígado! gm: o ésio é maravilhoso mesmo. um ator raro. Eu acho que quando a gente fica arrebatado com um teatro mais tradicional é pq a gente se projeta nele. e a força do teatro contemporâneo que busca uma experiência mais fresca e sensorial é justamente fazer a gente sair do foco e viver uma coisa nova. como diz o roberto alvim, ampliar a experiência humana. rc: esse negócio de projetar-se no teatro tradicional acho que tem tudo a ver com a catarse que o brecht tanto combate. é necessário, claro, desconfiar do aburguesamento dos sentimentos. mas que há algo também aí, há. mas por outro lado não tem mais ninguém que simplesmente desconsidera o brecht. é como se todo mundo, lá no fundo, fosse brechtiano, ou seja, ninguém. gm: e o próprio brecht não conseguiu 83

1


eliminar o envolvimento emocional de sua plateia em suas peças

1 84

rc: sim, e é até um pouco passível de desconfiança essa eliminação da emoção. mas o porquê de acabar com a catarse tem, a meu ver, com tudo a ver. claro, sou brechtiano sem o saber ou o querer. mas não conversamos sobre a fala na peça do paetow. aquelas poucas palavras que ficaram em nossa “retina”. confesso que amei. eu não me cansava de repeti-las,

mas não era EU, era ALGO AQUI DENTRO. foi ótimo, senti o beckett vivo. gm: pois é. a fala surge no finalzinho e com uma potência enorme. uma potência enorme sem significado, o que é mais curioso. Paetow reforça a ambiguidade dos movimentos, da cena que construiu, através de palavras soltas como talvez, ou... rc: a fala final um enorme SEM SIGNIFICADO, e as

palavras reforçando uma ambiguidade DOS MOVIMENTOS. interessante, isso. um diálogo escondido. rc: não me lembro bem das palavras, mas aquilo que poderia parecer banal saiu tão forte. agora outro ponto: a luz final. em que podíamos ver nossas sombras. o que será que eles queriam com isso? gm: talvez apenas usar nossas sombras para enriquecer a estética da cena,

talvez enfatizar o papel ativo do espectador no espetáculo rc: parecia uma artificialização da luz do sol, o corpo estendido, etc. mas esse negócio do papel ativo etc. e tal acho um porre. sempre essa experimentação, sempre ela. Rs. aliás, venhamos e convenhamos, o espetáculo ACABOU? eu até agora acho que saímos no meio... claro que era o fim mas NÃO TINHA FIM.


gm: vi outros espetáculos do paetow assim, e sei que alguns espectadores resistentes prolongaram o espetáculo muito tempo rc: que legal, então deveríamos ter ficado!!!! eu aguento horas!!!! gm: hahaha... rc: na verdade, sem o teatro eu já teria pirado. prefiro horas sem nada no palco, mas tudo também, a horas com o mundo chato de sempre. por último (acho): como

vc classificaria isso, do paetow? é teatro? dança? nada? te confesso, ficaria muito intrigado se precisasse convidar alguém para ver aquilo. eu aprecio, sim, mas. gm: classifico como uma experiência de teatro-dança. a trajetória do paetow é muito coerente, tem uma linha de pesquisa bem definida. é interessante ver seu percurso até chegar a este espetáculo. ele passa por beckett, sarah kane, gertrude

stain, lagarce, faz abracadara, assinando tbm a dramaturgia do espetáculo. a descontrução perpassa todos esses trabalhos, que vão ficando cada vez mais rarefeitos rc: realmente é de apreciar o que ele e a vera fazem. irei acompanhar o paetow, gostei, sim.mas tem uma coisa: lá nos programas esse é o segundo de uma série de dois. você viu o primeiro? são independentes?

gm: não vi o outro espetáculo, não. Infelizmente rc: bom, precisaríamos levar isso em conta. gm: acho que toda a criação de Paetow busca criar uma nova maneira Poetica. é um corpo que não é corpo, uma peça que não usa estratégias comuns de construção teatral. este personagem não-ser por mais que tente se levantar, ou andar para frente, o faz de maneira estranha, se desmantelando, numa 85

1


distorção constante: de movimentos, valores, no mundo real e no teatro. rc: sim, uma distorção constante. se bem que reluto em avançar tanto nas leituras. mas é coisa minha, claro. tenho ojeriza à exacerbação de leituras da arte contemporânea que, apesar disso, também amo. já quanto à vera que de repente se levanta eu acho que tem a ver com o distanciamento. pois vemos a atriz se levantar, e o véu do personagem ir às cucuias gm: eu concordo com vc. é bonito pensar neste ser humano que não cabe mais em si. passou a ser coisa, a ser um não ser. acho que o trabalho do paetow nos desperta sensorialmente. ele não é panfletário. nos faz refletir sobre o mundo através de sensações. está aí sua maior força.

32

montagem sobre foto do diretor luiz Päetow.

rc: gosto de pensar que o espetáculo faz com que o espectador volte a se inquietar. sim, gosto disso, mas pergunto: será que essa busca não está levando a um paroxismo? ou mesmo quanto à eliminação da palavra. mas: o que colocar no lugar? colocar algo? há algo? por sua vez, vc diz que o que você vê quando fica arrebatada com um teatro mais tradicional é a projeção nossa nele. e a força do teatro contemporâneo seria em busca de uma experiência sensorial. parece haver uma lacuna tão profunda. vasos que não mais se comunicam.


c

a

m

p

a

n

h

a

trocadalho

tEm LimitE

POR ruy filho

Esta ĂŠ uma campanha


conTação por João de Freitas

Solilóquio para um rei de neve expoSto ao Sol


assim eu, numa única pessoa, represento o papel de muitos atores – e nenhum está contente. Ricardo II William Shakespeare

T

olo Narciso, que encantado pela visão de si tomou água por corpo... Eu, ungido na fronte pelo óleo sagrado, acreditei no princípio da autoridade acima da função. Como pude mergulhar nas águas da bajulação sem o escafandro da verdade? Antes me adulavam como cães, ávidos por um osso qualquer que lhes pudesse garantir a boa sorte. E agora me dão as costas, traidores, adoradores de um novo sol cujo brilho se mantém de empréstimo. Por que ceder às acusações de usura diante dos mais doutos ministros desta terra? Por que devo renunciar à coroa? ... Sim, devo renunciar. E não, não devo. Sim porque é meu dever cívico não ser mais nada. Em respeito à história daqueles que comigo pegaram em armas para combater os inimigos. Em respeito à memória dos soldados valorosos que tiveram as vidas covardemente ceifadas nos porões de batalha. Em respeito ao escarlate derramado inocentemente em nome de uma bandeira idealizada – a de uma nação melhor. Não porque é meu dever moral, mesmo deposto, continuar na frente de batalha lutando contra essa guerra jurássica e intestina pelo controle dos grandes mensais da plutocracia – ainda em vigor. A assembleia está reunida. E diante dela devo retirar da minha cabeça o peso vexatório dessa coroa. O peso de um Estado simiescamente atrasado. O peso dessa reputação enferma.

O fruto mais maduro é sempre o primeiro a cair? Rei Ricardo... Caminhas para o infortúnio como quem desconhece a altura do precipício. Não são estes os corredores do teu próprio palácio? Não os reconhece? Não são os mesmos salões, os mesmos castelos de concreto armado? Claro que são. Lembro-me bem dos traços desses homens... Não me pertenciam, todos eles? Não são os mesmos que ainda há pouco gritavam “Salve!” quando por mim passavam? “Deus projeta o Rei!” Não ouço nada... Também Judas fazia assim com Cristo... Mas o Cristo, entre os seus doze, de Judas encontrou um. Já eu, dos meus milhões, não encontrei um só fiel. Ninguém me dirá amém? Devo agora ser rei e súdito ao mesmo tempo? Pois que assim seja: vida longa ao Rei! Amém. ... Como é fútil a vaidade... Consome a tudo e a todos – depois devora a si mesma. ... Quem poderia chamar-me rei agora? Vives como cada um deles, não vives? Dormes e acordas como todos eles; comes como eles... Sentes necessidades como todos, de amigos, de sabores, prazeres... Escravo de tantos vícios, como eu poderia chamar-me um rei? Não sou mais do que uma estatueta de argila, vulnerável, esculpida ao acaso, entre um descuido e outro. ... O Tempo continua envelhecendo. ... Não tenho eu rugas ainda mais profundas? ... Bolingbroke me aguarda vitorioso enquanto as ervas daninhas crescem no jardim... Conheço aqueles dois jardineiros... Sim, eu os conheço. Já os vi trabalhando tantas vezes que deveria ter aprendido alguma coisa. Todo jardineiro, na época propícia, faz pequenas incisões na casca das árvores, na pele


jovem das frutíferas, por pura precaução: orgulhosas, cheias de seiva e sangue, elas podem se perder por excesso... Quando os ramos supérfluos começam a invadir demais o espaço, comprometendo o equilíbrio do caule, o jardineiro executa a poda para que os ramos férteis possam crescer robustos. Tivesse eu observado esse sistema tão simples – e tão antigo quanto andar para frente –, estaria agora colhendo frutos de súditos fieis... Que triste espetáculo o meu. Sinto-me um figurante, que acaba de entrar em cena depois da saída do ator principal – quando do público sobram apenas os olhares indiferentes, bocejos indiscretos e algum verniz de civilidade para escutar umas poucas palavras da minha boca. Há pouco a dizer sobre a minha defesa, talvez uma frase sequer... Mesmo assim devo falar, expor os meus motivos, justificar as minhas decisões, defender o nada que ainda me resta. Quando me penso rei, desejo então ser mendigo por não suportar a dor da traição. Quando me penso mendigo, volto então a ser rei por não suportar o castigo da miséria. E então, deposto por Bolingbroke, sou obrigado a reconhecer que não nada sou. Eu, Ricardo, como qualquer outro homem – se for somente

um homem –, não poderia me sentir satisfeito com qualquer coisa até ser reduzido a nada. Renuncio à coroa. O novo Rei já se apossou do meu trono, toma nas mãos o meu cetro e a vida no reino segue o percurso indefinido das histórias em construção. A minha derrocada se aproxima e os ministros discutem entre si o destino deste ungido, que falhou na função porque não pode ignorar a própria existência enquanto pessoa. Uma sentença está à minha espera. E eu aqui, me fundindo em gotas d’água sob o sol da Velha Vendada, como o jovem atrevido da lenda aborígene que, apartado das dores do mundo, foi adornado como um rei, cultuado como um deus, presenteado com belas virgens e, no dia do sacrifício, ainda arregalou os olhos ingenuamente surpreso – não com o gélido da pedra, mas com o brilho prateado da faca. — Tragam-me um espelho! Quero ver como é meu rosto despojado da majestade de minhas barbas


c

a

m

p

a

n

h

a

Trocadalho

tem limite

POR patrĂ­cia cividanes

Esta ĂŠ uma campanha


*

AUTORRETRATO: o ato de transformar em imagem sua própria identidade.

se lf -p o rt ra it *

pe um r c au son ale a an torr liza ndá e ive tr d rio r a o e a sp sar tos co c e ia d m pa ada cia nte e is s im ra pr s mê u s, e e ab sad sso r us o e , ad o

ca le nd ár io


johnnas oliva

novembro

01q 02s 03s 04d 05s 06t 07q 08q 09s 10s 11d 12s 13t 14q 15q 16s 17s 18d 19s 20t 21q 22q 23s 24s 25d 26s 27t 28q 29q 30s


dezembro mika lins

01s

02d 03s 04t 05q 06q 07s 08s 09d 10s 11t 12q 13q 14s 15s 16d 17s 18t 19q 20q 21s 22s 23d 24s 25t 26q 27q 28s 29s 30d 31s


01s 02t 03q 04q 05s 06s 07d 08s 09t 10q 11q 12s 13s 14d 15s 16t 17q 18q 19s 20s 21d 22s 23t 24q 25q 26s 27s 28d 29s 30t

fOTO: AlE CATAn

31q

janeiro

franz keppler


:)

por goya

irmãos chapman

yuri neto e priscila rodrigues

ISS...

implorando patrocínio

diminuir o cachê??

escrevendo projeto

eu faço como musical sim!!!

pelo menos eu tô trabalhando...

negociando condições

1 96

resultado final


a.c. era baCo

d.c. era Cristo

a.a+

d.a+.

2011

2012

um ano da revista

positivo

A revista antro Positivo completa nesta edição seu primeiro ano de existência. Muito pouco em relação ao mundo e muito pouco comparado ao que virá. Gostaríamos de agradecer a todos que de alguma forma nestas páginas permeiam e imprimem em luz um pouco de si. evoé! acompanhe a cobertura da festa de

1 ano em www.antropositivo.blogspot.com



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.