MINUTA REUNIÃO - "Doenças Neurodegenerativas e Metabólicas

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Exmos. Senhores:

No âmbito do projecto agora denominado “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar” realizouse no passado dia 10 Março de 2011, no IPATIMUP, uma reunião que teve a participação de representantes de associações de doentes neurodegenerativos e metabólicos, bem como especialistas de ambas as áreas. Da discussão resultou a identificação dos seguintes temas como suporte para a continuação de colaboração:

- Complexidade e raridade das doenças Uma característica comum às doenças contempladas nesta reunião é a tendência para que sejam tratadas como doenças raras, sendo essa raridade definida pelas suas implicações do ponto de vista médico mais do que pela sua prevalência, nomeadamente pela falta frequente de preparação dos clínicos na identificação das doenças e pela dificuldade de diagnóstico - particularmente pela ausência de âncoras de diagnóstico - ou o aparecimento de doentes não diagnosticados. Relativamente às doenças neurológicas, parece ser frequente a confusão entre estas e as doenças psiquiátricas. Para além disso, há um frequente desconhecimento da maioria das doenças neurológicas por parte dos clínicos mas também do “público em geral”. As doenças hereditárias do metabolismo, além disso, apresentam uma complexidade que se manifesta nas suas dimensões individual, médica, social e política. A resposta a estas características e implicações passa por duas vertentes principais: - a primeira incide sobre a formação dos clínicos, incluindo a formação académica de base, a formação pós-graduada e a formação hospitalar; - a segunda vertente envolve a criação prevista, mas ainda não concretizada, de centros de referência. A discussão apontou para a mais-valia representada por esses centros, tanto para as equipas multidisciplinares neles envolvidos como para os doentes. Esses centros permitiriam promover diferenciação adequada na assistência e diagnóstico, assim como maior capacidade de difusão de conhecimento sobre a doença. O seu papel seria central para responder ao problema da dispersão geográfica dos doentes, mas também para uma melhor coordenação das intervenções clínicas, principalmente tendo em conta a diversidade de trajectórias de algumas doenças. Apesar do elevado grau de especialização e da concentração de conhecimentos e meios que detêm, foi assinalada a dificuldade da criação desses centros, sobretudo pelo problema que constitui a justificação da aplicação de recursos financeiros. Para além dessa dificuldade, é necessária a superação de dois outros obstáculos. O primeiro é a tendência para recusar “abrir mão” de pacientes como condição de acesso a novos recursos; o segundo


é a dificuldade de criação de pressão colectiva capaz de influenciar as decisões políticas e a justificação da falta de capacidade económica. Daí a necessidade de pensar no denominador comum das diferentes doenças antes de equacionar a especificidade de cada uma. Um passo importante nesse sentido poderá ser o de seguir um caminho que tem sido percorrido com algum sucesso por organizações ligadas à deficiência, e no qual se incluem as ajudas técnicas, as ajudas pecuniárias, a integração da escola no mercado de trabalho e a defesa dos direitos dos doentes enquanto cidadãos. Contudo, o desperdício de esforços e de recursos ou a falta de resposta dos serviços podem ser considerados impedimentos à realização destes objectivos. A necessidade de se conseguir um equilíbrio adequado entre a importância da doença e a visibilidade das organizações foi outro dos aspectos contemplados. A ideia transversal à discussão é a de que o trabalho em rede, a par de uma boa definição de objectivos, é fundamental e urgente.

A pessoa doente A DGS encara a pessoa portadora destas doenças como doente crónico, e coloca no horizonte das intervenções junto deste a promoção de uma melhor qualidade de vida. Foi realçada a necessidade de “passar à frente desta visão”, o que implica: 1 - Trabalhar para informar o doente; 2 - Considerar o doente como uma pessoa normal, mas com as suas diferenças, cuja qualidade de vida deve ser promovida de maneira adequada; 3 – A realização efectiva destes objectivos depende da capacidade de criação de centros de referência.

Gestão da doença Foi discutida a relevância da figura de um “gestor de casos” vs a função do médico como “facilitador” ou transmissor do conhecimento e capacitador do doente. Este deve ter “fácil penetração” na sua condição; “perceber os nomes todos”; “ter uma visão muito mais clara”; “ser um par de discussão”. Para isso deve ter acesso ao melhor conhecimento que lhe possa ser facultado. Como afirmou uma das pessoas presentes, “um doente devidamente informado será o melhor parceiro” e poderá contribuir activamente para a melhoria da sua qualidade de vida.

Arquivos da doença Foi discutida a utilidade de constituir arquivos de experiência da doença baseados em testemunhos e narrativas dos doentes. Foi sugerido que uma das funções mais interessantes e relevantes que poderia cumprir esse trabalho seria o de funcionarem como repositórios de informação para a construção da história natural de cada uma das doenças. Essa história natural seria construída a partir de narrativas individuais, a partir das quais seria possível identificar um conjunto de características comuns às


experiências dos portadores de cada doença específica. Deste modo, poderia ser possível responder a algumas das dificuldades suscitadas pela ausência de marcadores biológicos que permitam identificar inequivocamente a doença e que tenham valor preditivo. A importância de histórias naturais é especialmente evidente nos casos de doenças pouco estudadas, com dificuldades de diagnóstico e cabendo na definição de “raras”. As colaborações entre associações de doentes e outras entidades, como as que participam neste projecto, podem assumir especial relevância para a elaboração de testemunhos a partir dos quais se constituem essas histórias. A construção de histórias é facilitada e pode ser mais pormenorizada quando aparecem terapias, como é o caso das doenças do lisossoma. Nessas circunstâncias, o uso de registos de doentes pode ser especialmente útil e é frequente a existência de patrocínios por empresas farmacêuticas que fornecem as terapias. Foi aventada a eventual necessidade de supervisão de testemunhos em função de diversidade de formas de manifestação clínica da doença, de maneira a evitar identificações não apropriadas com o conteúdo desses mesmos testemunhos. Esta poderia ser uma função da plataforma.

Informação e sua relevância Foi referida a necessidade de existência de dois níveis de conteúdos de informação, um relativo a profissionais de saúde e outro a doentes e famílias. Foi salientada a importância da cadeia de informação e da produção dos materiais até à sua apropriação, utilização e partilha, bem como a utilidade da obtenção de feedback dos diferentes participantes na identificação do que é importante fazer e não está a ser feito. Um ponto-chave deste item foi a assunção de que constitui obrigação médica fornecer a informação. Para além de algumas considerações quanto ao modus operandi de algumas das entidades envolvidas no processo saúde-doença, foram identificados vários tipos de informação relevante e o seu enquadramento/destinatários: 1 - Urgências hospitalares: - Partilha de informação junto de urgências hospitalares para garantir assistência adequada. - Proposta de criação de um cartão de doente com informação mais básica sobre doenças raras, com nome e do médico especialista. Como alternativa foi proposta a criação de um boletim individual de saúde, que deverá incluir diagnóstico e as atitudes em crise.

2 - Clínicos de especialidade: - Importância da plataforma. - Contributo dos neurologistas: “explicar a informação de uma forma acessível”.


- Elencar sinais de alerta e ensinar a identificar esses sinais de alerta (nomeadamente pela sua transformação num processo como o das FAQs); - Diversidade de momentos de onset de diagnóstico: avaliação de grupos de risco. - Controlo e capacidade de decisão por parte dos profissionais como condição da adesão dos doentes.

3 - Médicos de família: - Efeito da simultaneidade da ampliação e da especialização do conhecimento e da informação afectando a capacidade de resposta dos médicos de família. - Pressão das condições de exercício da medicina geral e familiar, nomeadamente na definição de objectivos, induzindo uma relação selectiva com o conhecimento de certas patologias ou condições. - Controlo e capacidade de decisão por parte dos profissionais como condição da adesão dos doentes.

4 - Doentes: - Dificuldade de acesso a informação adicional à transmitida pelo médico, que por vezes têm dificuldade em compreender. - É obrigação do doente a exigência de inclusão de informação acerca da doença de que é portador, designadamente pela posse do cartão de doente e respectiva apresentação. - Diminuição das tensões existentes entre doentes e profissionais de saúde em função do estabelecimento das respectivas prioridades, discursos e tipos de respostas.

5 - Associações de Doentes: - Revelam fragilidades organizacionais, que a tendência para a profissionalização poderia ajudar a superar. - A colaboração numa plataforma como a que o projecto prevê implementar constituirá um elemento potenciador de capacidades/dinâmica organizacional. - Especificidade do papel das associações em função da relação que estabelecem com as particularidades das patologias. - Diminuição das tensões existentes entre associações de doentes e doentes em função do estabelecimento das respectivas prioridades, discursos e tipos de respostas. - Proximidade das associações de doentes aos profissionais, nomeadamente pela presença em hospitais (através de representação a nível intra-hospitalar).

6- Outras entidades Orphanet: - Preenche vazio que existia para muitas doenças.


- Como acontece com outros sites do mesmo tipo, não existe avaliação sistemática dos modos de acesso pelos utilizadores nem da forma como estes usam a informação. Seria importante a realização deste tipo de avaliação. - Ausência de um link para questões científicas que não são específicas da população portuguesa. ARS: - Papel fundamental para garantir a deslocação e encaminhamento de pessoas (médicos e doentes), com respectivo tratamento local.

7 - Sociedade: - Desconhecimento das características da maioria das doenças neurológicas pelo “público em geral”. - Necessidade de informação geral relativa à diversidade de disponibilidade e eficácia de tratamento das diversas patologias. - Apelo à cidadania como vector de influência de decisões políticas relativamente a situações particulares como a dos portadores de doenças neurodegenerativas e metabólicas.

No que diz respeito às doenças contempladas, foram enumerados os seguintes aspectos como linhas orientadoras de funcionamento da plataforma: - Evitar repetição ou duplicação do que as entidades existentes (associações, especialistas) fazem, e bem. Existem diferentes organismos com função de aglutinação, mas assiste-se a alguma redundância. - Não replicar simplesmente o que foi/é feito noutros países. - Promoção de colaborações e acções para potenciação do que está a ser feito e para coisas que não podem ser feitas separadamente. - Necessidade de realização de trabalho alargado com população, com equipas multidisciplinares e clínicos gerais. A integração destes deve ser accionada pela plataforma : “ir ter com eles”. - Importância de informação adequada quando há trajectórias diferentes, mesmo quando existem instrumentos de diagnóstico precisos e conceptuais, que podem conduzir a diferentes opções terapêuticas. - Apoio a áreas mais debilitadas. - Difusão de informação e formação técnica, com recurso a plataformas adequadas (como acontece com a obesidade): - falta de avaliação do acesso à informação e da sua apropriação e uso, nomeadamente a que consta de websites, independentemente da sua qualidade (ex.: site do INEB sobre implantes não tem chegado como deveria a pacientes e profissionais de saúde) - arquivo de memória poderá ser ligado à educação escolar, para sensibilização e visibilização de doenças (como as do lisossoma);


- informação e apoio às famílias. - Urgência de criação de plataforma para discussão de problemas mais gerais, de diagnóstico (realçada a importância do papel do patologista nas doenças neuromusculares e da necessidade de complementaridade de outras especialidades médicas para outras situações clínicas), de follow-up e para ajudar a colmatar algumas lacunas dos médicos de família. - Plataforma como espaço de convergência entre a obrigação de informar o doente, o direito deste a ser informado, circunstâncias específicas desse encontro e actores-em-situação (médicos de família, clínicos de especialidade, investigadores, patologistas, associações de doentes, doentes, familiares e cuidadores,…). - Necessidade de garantir continuidade da plataforma, tendo em atenção o surgimento recorrente de situações novas e/ou imprevistas, a par da avaliação da pertinência da sua inclusão no projecto.

Estamos naturalmente disponíveis para incluir outros temas ou assuntos que considerem pertinentes, solicitando o seu envio por correio electrónico até ao final do mês de Novembro. Na sequência da recepção de propostas/sugestões, é nossa intenção organizar, durante o mês de Janeiro de 2012, um encontro para a discussão destas e, a partir daí, delinear de forma colaborativa as orientações para o prosseguimento da actividade da plataforma.

Com os melhores cumprimentos, Paula Silva e João Arriscado Nunes (co-coordenadores do projecto “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar”)


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