OPINIÃO
Que tal um pouco mais de individualismo?
João Paulo Feijoo Professor, consultor, investigador e conferencista nas áreas de Capital Humano, Liderança e Qualidade
Habituámo-nos a ver nos países da Europa do Norte e em certos países anglófonos (como por exemplo o Canadá e a Nova Zelândia) modelos de sociedade a seguir. Admiramos-lhes o desenvolvimento económico e social, o sentido de responsabilidade coletiva sem pôr em causa o respeito pela liberdade individual, o foco na coesão e a repulsa pela desigualdade – todos eles atributos que costumamos associar ao primado dos valores coletivistas sobre o interesse individual, ao contrário dos comportamentos egoístas que presenciamos entre nós. Porém, paradoxalmente, aquilo que distingue aquelas sociedades é exatamente o marcado individualismo que carateriza a sua cultura, em contraste com as nossas preferências, essas sim, de orientação coletivista. Ao contrariar o sentido que habitualmente damos aos conceitos de “individualismo” e “coletivismo”, esta afirmação é seguramente fonte de perplexidade, pelo que se impõe uma clarificação semântica. No contexto em apreço, “individualismo” significa que o indivíduo, enquanto agente social, se sobrepõe ao coletivo e não deve depender deste para as suas decisões vitais. Ora, isto só é possível se os indivíduos se virem a si mesmos como entes autónomos, capazes de tomar boa conta de si e dos seus sem necessitarem da proteção de um qualquer coletivo; ou, por outras palavras, que não põem os direitos antes dos deveres. É esta visão do indivíduo como “sujeito primário de agência” que o leva a assumir a responsabilidade por ajudar os outros – os seus iguais – no infortúnio, em vez de atirar essa responsabilidade para cima de um coletivo “protetor”, seja ele a família alargada, o clã, o cacique local ou o Estado. Não devemos, por isso, surpreender-nos com o facto de as sociedades individualistas
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serem aquelas em que o associativismo espontâneo e o mutualismo tendem a adquirir a sua máxima expressão, assentes numa solidariedade baseada na reciprocidade entre iguais. O “coletivismo”, pelo contrário, significa que a identidade do indivíduo só se completa no grupo em que ele se integra, e sem o qual aquela identidade deixa de ter sentido. Quem sou eu, se não tiver a minha família (ou a minha aldeia, ou a empresa onde trabalho, ou o meu clube) como referência? Esta identificação, aparentemente positiva como fonte de coesão, tem dois efeitos negativos. Ao fazer-se com um grupo específico, é particularista e excludente, pois os interesses do meu grupo raramente coincidem com os da sociedade em geral; e esses interesses conflituam com os de outros grupos que, consequentemente, são vistos como rivais. Além disso, como todos os grupos possuem uma hierarquia, adotá-los como referentes identitários gera dependência e, com ela, desigualdade: em contraste com as culturas individualistas, que recorrem à entreajuda perante as adversidades, as culturas coletivistas reagem com súplicas de ajuda – à família, ao patrão ou ao Estado. Assim, enquanto o individualismo exalta a independência, a agência e a responsabilidade, o coletivismo incentiva a subordinação, a passividade e a desresponsabilização – e em última análise o egoísmo, que não é mais do que uma expectativa de acesso privilegiado às benesses distribuídas pelo coletivo “protetor” (ou melhor, pela autoridade que as controla). O que é que isto tem a ver com a vida das empresas? Tudo. No plano conceptual, todos estamos de acordo: as empresas vencedoras apostam no empowerment da sua força de trabalho; precisam de trabalhadores dotados de iniciativa, autónomos, capazes de pensar pela sua cabeça e de tomar decisões;