Nova legislação das águas interiores
Machadada
no bom senso
A FECHAR
SALMONÍDEOS
PREDADORES
CARP FISHING CARP FISHING
TÉCNICAS DE BÓIA
DIVULGAÇÃO
ALTO MAR
PESCA DE COSTA
A ABRIR
Especial
A nova legislação sobre espécies exóticas e invasivas é uma autêntica machadada no bom senso, na ciência e na pesca desportiva nacional, diz Pedro Martins; e usa conceitos errados e dados mal demonstrados para chegar a conclusões sem fundamento. TEXTO:PEDRO MARTINS (WWW.APCF-INFO.BLOGSPOT.COM) FOTOS: AUTOR, ANTÓNIO GUERRA E ARQUIVO 68 O PESCADOR Maio 2009 www.joeli.pt/pescador
A ser concretizada, esta ideia da ‘erradicação’ afectaria as possibilidadaes do carp fishing de trazer benefícios económicos para Portugal, como já acontece em tantos países
A
legislação recente sobre espécies exóticas e invasivas (que pretende rever a legislação anterior), disponível no site do ICNB (basta entrar em http:// portal.icnb.pt e pesquisar o termo ‘Invasoras’), devia merecer mais atenção por parte dos pescadores desportivos, em especial dos carpistas, achiganistas e pescadores de predadores como o sandro e o lúcio. Independentemente de poder ser aplicado ou não — toda a experiência portuguesa de leis como esta e sua aplicação encaminha-se mais para a segunda hipótese — o diploma é altamente discutível sob todos os pontos de vista, incluindo o científico, aquele precisamente que devia ser salvaguardado. Mas há mais, muito mais, que merece a nossa crítica bem fundamentada e a nossa contestação firme.
Invasores seremos nós?…
Dir-se-ia que os modernos pescadores desportivos, preocupados com a conservação do ambiente, a biodiversidade e os recursos aquícolas — e cada vez mais praticantes de pesca sem morte — são uma «espécie exó-
tica e invasiva», a «erradicar» ou a «controlar» severamente, como se não existissem ou não tivessem direitos e interesses a salvaguardar, incluindo direitos de cidadania. No respeitante ao carp fishing, a legislação, se realmente fosse levada à prática, seria um golpe de misericórdia, numa luta convicta pela pesca sem morte e pela dinamização turística e desportiva de uma modalidade que tem animado, nos últimos anos todas as organizações envolvidas de carpistas, incluindo a APCF. Em Portugal, como se já não bastasse a legislação injusta e inadequada, os estragos da pesca com morte, a dificuldade ou impossibilidade de se travar um diálogo com o Governo, o desconhecimento dos benefícios que esta modalidade pode trazer ao desenvolvimento económico do interior, ainda surgiria mais este escolho pelo caminho.
O ‘perigo’ da carpa
A carpa, à semelhança de outras espécies de peixes com alto valor desportivo, como o lúcio (Esox lucius) e o achigã, é, à luz do documento, uma espécie «exótica» e «invasora», altamenMaio 2009 O PESCADOR
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te perigosa para os ecossistemas e as espécies autóctones da Península Ibérica que se pretende preservar (o que em si é positivo, mas não desta maneira). A Convenção sobre a biodiversidade orienta e fundamenta todo o articulado do documento. Pretende-se generalizar as directivas da Convenção para a legislação de toda a Europa. Mas em países como Inglaterra e França, isso jamais acontecerá, temos a certeza, atendendo ao gigantesco valor económico e desportivo do carp fishing. Ora, os argumentos e dados ‘científicos’ evocados, quer no âmbito do diagnóstico, quer da solução, parecem-nos em muitos casos falaciosos e discutíveis. No mínimo, seria preciso muitos mais estudos e debate científico sobre o tema em questão. Para evitar equívocos, convém esclarecer que consideramos a biodiversidade um valor positivo e estimável a defender, quer do ponto de vista natural, quer humano. Mas, ao contrário das expectativas, este documento não lhe presta um bom serviço. Ironicamente, muitas das suas disposições — tendentes à «erradicação» e ao «controle» (na melhor das hipóteses) de certas espécies, se fossem postas em prática, seriam nocivas precisamente para a biodiversidade desejável, empobrecendo radicalmente os ecossistemas existentes. E letais e empobrecedoras para a pesca desportiva, que, infelizmente, já não está no melhor dos seus dias.
plesmente, falaciosa, quer do ponto de vista teórico, quer factual. Mas este é apenas um dos erros mais graves da legislação, que convém denunciar com urgência e firmeza. Com efeito, não é preciso possuir um mestrado ou doutoramento em Biologia ou Ecologia para chegar à conclusão de que uma das grandes causas de declínio/ extinção das espécies nativas se prende com a construção de grandes empreendimentos hidroeléctricos, e com a decorrente ARTIFICIALIZAÇÃO dos leitos de rios, o que afecta os ciclos de desova e o habitat natural e originário das espécies autóctones. Sendo assim, convém perguntar ao ICNB: quantos dos nossos rios e massas de água são ecos-
As causas verdadeiras
Quantos dos nossos rios mantêm ainda as condições originárias habitat das espécies que se pretende preservar?…
Relativamente às espécies piscícolas — é somente esse aspecto que nos interessa aqui — um dos dados ‘científicos’ que fundamentam as soluções radicais defendidas (erradicação das espécies exóticas) é, em última análise, que estas (falamos sobretudo da carpa) seriam as grandes responsáveis pelo declínio e extinção das espécies nativas da Península Ibérica. No entanto, essa relação de causa e efeito afigura-se-nos, sim70 O PESCADOR www.joeli.pt/pescador
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Se a ideia é deixar os recursos naturais ‘intocados’... então temos de ir destruir todas as barragens da Península
Convém perguntar ao ICNB: quantos dos nossos rios e massas de água são ecossistemas
plenamente selvagens e naturais?
Aos pescadores lúdicos não é preciso pedir que defendam a Natureza; são os primeiros a querer fazê-lo
As espécies que se pretende agora erradicar das nossas águas são as mais adaptadas a viver em águas paradas, como grandes lagos artificiais
A carpa já está entre nós há séculos; desempenha nos nossos ecossistemas um papel importante: a sua erradicação poderia ter consequências
muito piores do que a sua manutenção sistemas plenamente selvagens e naturais? Quantos dos nossos rios mantêm ainda as condições originárias que haviam servido de habitat às espécies que se pretende preservar? Talvez fosse mais pertinente interrogar quantos não são, se é que ainda há algum… Dir-se-ia que, neste aspecto, há uma contradição manifesta entre as orientações do ICNB e a política energética do Governo, que vai precisamente no sentido de reforçar a construção de barragens. O caso do Baixo Sabor é apenas o mais mediático. Ora, é elementar que as barragens prejudicam gravemente, se não se construir estruturas de passagem (o que na maior parte dos casos não acontece), os ciclos reprodutivos das espécies nativas. Por outro lado, essas espécies estão sobretudo adaptadas a viver em águas correntes e não em águas paradas (albufeiras de barragens), ainda que consigam sobreviver aí. Em conclusão, se o ICNB fosse inteiramente coerente com as premissas radicais do raciocínio, devia propor a destruição de todas as barragens da Península Ibérica.
A verdade é que as espécies que se pretende agora erradicar das nossas águas são as mais adaptadas a viver em águas paradas, como grandes lagos artificiais — o tipo de massas de água afinal dominante em Portugal. São espécies europeias, com raras excepções, e não cremos que os nossos parceiros europeus levem à prática estas medidas. E têm um valor humano também, sobretudo no respeitante à sua dimensão lúdica (pesca desportiva). E isso não pode ser ignorado nem omitido.
sença de carpas causa, por si só, o declínio das segundas. Também não se consegue provar que a presença de carpas numa albufeira, pese embora o seu carácter prolífico, poderá, por si só, pôr em causa a sobrevivência de outras espécies nativas, como os barbos e as bogas. A pesca abusiva também tem con-
tribuído em larga medida para o declínio das populações das espécies nativas.
Decisões que fariam sentido
Em suma, o nosso argumento pode resumir-se assim: existem outras causas mais importantes do que a introdução das espécies ‘exóticas’ para o declínio ou extinção de espécies autóctones de peixes (artificialização de leitos de rios, poluição, pesca abusiva, falta de políticas de repovoamento). Por outro lado, não nos parece que existam provas suficientes para mostrar o
O papel da poluição
Outra causa principal do declínio das espécies nativas que, espantosamente, tem sido omitida, é, sem dúvida, a poluição industrial e urbana. A isso se deve acrescentar a pesca desregrada, tanto profissional como lúdica. Eis um dos exemplos mais nítidos de uma relação de causalidade estabelecida falsamente. Pelo facto de as carpas, por exemplo, conseguirem sobreviver melhor em águas menos exigentes do que outras espécies, não se pode concluir que a preMaio 2009 O PESCADOR
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Conclusão
Quanto a considerar a carpa
Dir-se-ia que os pescadores é que são a «espécie exótica e invasiva» a ‘erradicar’...
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uma espécie exótica e invasora, pensamos que isso é um absurdo, mesmo em termos biológicos. Trata-se de uma espécie que já está entre nós há vários séculos, podendo assim considerar-se residente. Se se adaptou e integrou bem nos nossos ecossistemas (barragens e cursos de rios), é porque já desempenha aí um papel importante, tal como na Europa. A sua erradicação (sendo na realidade impossível) poderia ter consequências muito piores do que a sua manutenção. Mas será que a Natureza, pensando agora em termos ecológicos e biológicos, terá realmente as fronteiras rígidas que pretendem atribuir-lhe? E será em nome da natureza que estas disposições burocráticas são feitas? Será possível colocar redes no céu para evitar a entrada de aves exóticas indesejáveis? Colocar postos fronteiriços nos rios e impedir os lúcios espanhóis de entrarem nos cursos dos nossos rios? E o mar, como fazer? Em muitas ocasiões as espécies têm atravessado mares e continentes sem qualquer intervenção humana. E têm-se adaptado. Finalmente, do ponto de vista
da pesca desportiva — que tem um papel económico e social enorme — seria trágico, seria um erro simplesmente monstruoso, que se procurasse erradicar das massas de água portuguesas
espécies que nelas fazem falta, como a carpa e o achigã — aquelas que precisamente mais têm contribuído para animar e desenvolver o sector.
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Preservar as espécies ‘nativas’ é louvável, mas há maneiras e maneiras...
A questão dos predadores
PREDADORES
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contrário, como se pretende no diploma em causa. Concordamos que se deve tentar preservar as espécies nativas de peixes, designadamente as que estão em perigo. Mas discordamos totalmente da solução ‘fácil’ e destrutiva proposta. Se se quer realmente preservar esses peixes, por que não impor, de uma vez por todas, a pesca sem morte para eles? Por que não tomar medidas mais construtivas e pedagógicas deste tipo? Por que não criar stocks destes peixes em cativeiro e proceder a repovoamentos onde são precisos? Por que não vigiar mais atentamente o cumprimento dos «caudais ecológicos» (caudais mínimos que, de acordo com a lei, permitem a sobrevivência dos peixes) dos rios e barragens, por ocasião de obras de reparação (já não é a primeira vez que se ouve falar de esvaziamentos descuidados de barragens com a consequente morte massiva de peixes nativos e ‘exóticos’)? Por que não punir severamente os poluidores das nossas albufeiras e rios?
Por seu turno, a questão dos predadores não é tão óbvia e desperta temores e fantasmas (na maior parte dos casos injustificados); mas nem todos terão o efeito devastador que se lhes atribui. Mais, será concebível um ecossistema sem predadores? Será esse um ecossistema equilibrado? Por exemplo, será possível responder taxativamente à seguinte questão: numa água com bogas, barbos (espécies nativas), carpas e lúcios, o mais certo é as duas últimas espécies levarem à extinção as primeiras? Certamente, não está provado que isso aconteça de forma tão simplista. Para controlar o excesso de população de carpas, os grandes predadores como o Esox lucius são a espécie mais indicada, uma vez que são selectivos e jamais atingem grandes populações. Além do mais, não se adaptam a todas as condições existentes. Não podemos esquecer que muitos destes predadores são cobiçados pelo valor gastronómico, o que introduz um factor espontâneo de controlo de população por via da pesca lúdica. Não concordamos totalmente com a pesca com morte, mesmo para estas espécies, mas é um facto que existe, sendo certo que constitui uma poderosa medida controladora para predadores como o sandro ou o lúcio. O problema é que também se coloca em relação a espécies nativas altamente preciosas como a truta fario…