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O capital humano do SNS
from Revista "O Hospital" | Nº 32
by APDH
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Não é um livro em branco: é um livro cheio do que penso e não penso, do que vou escrever e não vou. Ei-lo que veio à minha mente agora, eis que chegou.
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É um começo: talvez fique em meio, talvez seja o que nunca se acabou. Far-se-á de quê? – Não sei, eu encontrei-o como coisa que nunca se buscou.
Prefácio, apenas, quando muito. O resto é uma hipótese vaga que se perde numa linha longínqua do horizonte.
Fico parado a olhar: é manifesto o sonho ao longo da planície verde, ouço a água correr, canta uma fonte.
Armando Pinheiro (2001)
O que há de comum. Porto: Caixotim Edições, p. 187
Constantino Sakellarides foi, muito justamente, agraciado com o Prémio Nacional de Saúde de 2019, em cerimónia que teve lugar no INFARMED, em 31 de janeiro de 2023, pelo prestígio inspirado e inspirador que sempre consigna às organizações de saúde do serviço nacional de saúde, no exercício de papéis ativamente relevantes e mobilizadores dos saberes comum e científico avançados e da ação e inteligência coletiva que, acima de tudo, privilegia.
Três dias depois está a dizer-nos, no semanário Expresso, que o serviço nacional de saúde precisa de mais capital humano, tecnológico e financeiro, mas que, todavia, não basta acrescentar, é também necessário transformar (...).
Todos sabemos a dificuldade que os sistemas de saúde nacionais, especialmente os europeus, têm no campo do reforço de recursos humanos para fazerem face ao aumento da procura permanente ou de picos, num esforço constante de assegurar a sustentabilidade demográfica dos profissionais da saúde que passa, naqueles países mais avançados, por abordagens de adoção de skill mix eficiente, de respostas com mais qualidade e melhor coordenação funcional local entre prestadores de cuidados saúde e sociais.
No caso do serviço nacional de saúde português, este é um campo onde a necessidade de transformação é muito reconhecida mas a decisão pública de a levar à prática permanece muito limitada.
Na mais recente legislação reformadora da saúde, a enunciação das respostas de cuidados de saúde e sociais de proximidade aponta para processos de implementação a ocorrerem brevemente, com a transferência ou partilha de atribuições entre órgãos regionais e locais, bem como a dinamização de sistemas locais de saúde que põem diferentes serviços em comunicação efetiva.
É incontornável a transformação urgente do status quo na área da gestão de recursos humanos em relação pelo menos a três questões que têm sido evitadas nos últimos vinte e cinco anos, pondo em evidência a perpetuação de um custo de oportunidade gerador de aumento de risco na área da segurança clínica e de limitação em maximizar as competências dos profissionais da saúde.
A urgência da administração do serviço nacional de saúde empreender um plano de desenvolvimento da combinação eficiente de competências profissionais na saúde, designadamente visando a melhoria do rácio persistentemente baixo de enfermeiros por médico (1,3), dos mais baixos no âmbito dos países da OCDE (2,6), mesmo considerando a conhecida sobrestimação de médicos registados em Portugal; bem como a atribuição de práticas avançadas aos enfermeiros, mormente na saúde materna, saúde infantil e na urgência, entre outras. Também a urgência de dotação das equipas de saúde com mais técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, de psicólogos, de assistentes sociais, de farmacêuticos e nutricionistas.
E bem assim, a urgência da abertura à integração de novas profissões nas equipas de saúde, como a de técnicos auxiliares de saúde, de podólogos, biólogos, sociólogos, estatistas e outras.
Os principais resultados a obter com estes reforços de recursos humanos são o ajustamento de competências profissionais à satisfação das necessidades dos utentes e dos serviços, a redução do desvio de funções sobretudo dos médicos e enfermeiros, a estabilização de rácios da combinação eficiente de competências profissionais e, maxime, a redução de riscos de iatrogenia sempre associados à escassez da quantidade e qualidade de recursos humanos.
HÉLDER MOTA FILIPE
Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos