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Final de novela na 25 de Março
Final de novela na 25 de Março aquele momento, ela tinha apenas três certezas: estudaria Direito em São Paulo, com isso mudaria a sua vida e a de sua família e, ao chegar à maior metrópole brasileira, iria direto para a 25 de Março. Queria arrumar um emprego na rua, que sempre sonhou conhecer. Decisões que ela começou a tomar desde menina, quando ouvia a avó materna, Maria de Lourdes, dizer: “vai ser advogada”. O pai e a mãe não tinham a mesma convicção e até tentaram convencer a filha única a tirar aquela ideia da cabeça: “faculdade custa caro, não é para nós”.
Entre um argumento e outro, ela ficou com o primeiro. E começou a pesquisar preços de universidades particulares na Grande Porto Alegre (RS), onde morava com a família.
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Logo se deu conta de que, em sua cidade, não seria possível pagar pelo único curso superior que a interessava com o salário de vendedora em uma loja de jeans. A família não tinha condições de ajudar. Não demorou a descobrir que, em São Paulo, existiam instituições de ensino superior com preços mais acessíveis. Com isso, fez contas: era preciso garantir uma quantia para pagar a matrícula, as três primeiras mensalidades, além do suficiente para comer e pagar alguma pensão no Centro onde pudesse se hospedar até conseguir um emprego. Com o dinheiro da venda de seu computador, presente de um exnamorado, os três primeiros meses de vida na capital paulista estariam assegurados.
E assim foi feito, tão logo ela conseguiu convencer a mãe de que, aos 18 anos, em 2007, daria conta do recado sozinha. Por fim, teve o apoio dos pais, com o reforço de que os dois confiavam nela e na educação que haviam lhe dado.
Uma vez no Terminal do Tietê, deixou as malas num guarda-volumes e foi direto para o Shopping D, ali ao lado, arrumar um salão de beleza onde pudesse lavar o cabelo e ir para a 25 de Março, procurar emprego.
Mal deixou a rodoviária, foi assaltada. O prejuízo: 300 reais e um celular cedido por um tio para que ela pudesse se comunicar com a mãe quando estivesse longe. Por sorte, a maior parte do dinheiro havia ficado guardada em suas bolsas. Voltou, fez um Boletim de Ocorrência, conseguiu reaver suas bagagens, e ligou para a mãe de um telefone público. Para não preocupá-la, preferiu inventar uma história e disse que havia esquecido o telefone no ônibus. Depois disso, tratou de arrumar o cabelo e ir à luta. Não havia tempo para lamentação. N
Até hoje a advogada criminalista Karina Ribeiro Araraki lembra do encantamento que sentiu, de cara, pela rua. Ficou impressionada com tantas lojas, com tanta gente, com tanta coisa para comprar. Bateu em uma, duas, três, dez portas com o currículo debaixo do braço. E nada.
Sem nem saber ao certo para onde estava indo, acabou chegando a uma rua ali pelos lados do Mercadão, quase na Avenida do Estado. Numa prova de que a sorte acompanha os corajosos, entrou num restaurante e encontrou uma mulher, Jandira, que quis saber da sua história. Ao escutá-la, propôs que ela fosse até a universidade no dia seguinte e voltasse ao local com o comprovante de matrícula em mãos.
Desafio aceito e cumprido, Karina ouviu, daquela que logo seria considerada a sua segunda mãe, o convite para morar na sua casa, com a sua família, até que ela pudesse se organizar na cidade. Deu medo, insegurança, desconfiança, foram necessárias algumas ligações para o Rio Grande do Sul até que a mãe número 1, digamos assim, permitisse que a filha fosse morar com desconhecidos somente um dia depois de chegar a São Paulo. O fato de o marido de Jandira ser gaúcho da mesma região da futura advogada contou muitos pontos para a liberação, dando aquela força para que o destino construísse uma trama digna de contos de fadas.
Para quem duvida que a realidade é mais surpreendente do que qualquer ficção, a futura advogada viveu bem, harmoniosa e respeitosamente, na casa de Jandira. Conseguiu um emprego numa loja do bairro, o Cambuci, conheceu o homem da sua vida, Ramon, com quem é casada, engravidou, teve seu primeiro filho, Khalid, concluiu os estudos após se ver obrigada a parar a faculdade em três ocasiões por falta de dinheiro para pagar a mensalidade, se firmou na carreira de advogada criminalista (com escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro), comprou a casa dos seus sonhos onde vive hoje com a família. Em tempo: o time acabou de ficar maior com a chegada, em outubro de 2019, de Khadidja, a sua caçula.
Até hoje é apaixonada pela 25 de Março. Frequentadora da região, nunca deixou de sentir a alegria daquele primeiro momento. Veio, viu e venceu, como vencem todos os dias homens e mulheres determinados como ela, vindos de todas as partes do Brasil e do mundo. Com ou sem final de novela, o Centro de São Paulo será sempre palco de histórias lindas como a sua.