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editorial

SOLA SCRIPTURA

Essa foi e continua a ser uma das marcas fundamentais de saber por que ela foi ali colocada, mas será um bom da Reforma protestante do século 16. É marca fundamental, exercício tentar descobrir onde e por que surgiram alguns mesmo. Básica, isto é, o alicerce sobre o qual se apoia a dos costumes, instituições e programas que hoje nos própria fé cristã. O ponto de partida abençoam. O espírito que norteou para sabermos em que vamos crer e nossos irmãos do passado nos ajudaria ... o que deveria ser sola o que vamos fazer, tudo nessa ordem atualmente na busca e aceitação de passa a ser sozinha, mas e na mais completa harmonia. novas soluções. O mesmo se dá com acompanhada de preferências Conquanto seja esse um ponto costumes. Metido em um terno com pessoais, pressões da inegociável da fé Reformada, praticácolete e usando a então indispensável família, da sociedade, lo é outra história. Ocorre que o que sobrecasaca, o Rev. Samuel Gammon das instituições... e a sola deveria ser sola passa a ser sozinha, transpirava sob o calor da tórrida transforma-se em um bando mas acompanhada de preferências região de Lavras, em Minas Gerais, de sinalizadores para o crente pessoais, pressões da família, da visitando famílias na área rural. Vestir e para a igreja. sociedade, das instituições... e a algo mais leve? Impensável naquele sola transforma-se em um bando de tempo, e ainda hoje vários pastores sinalizadores para o crente e para a igreja. têm diárias sessões de sauna por conta de sua vestimenta Um dos mais corrosivos ácidos que buscam solapar o termicamente inadequada. caráter exclusivo de nossa base de fé são alguns de nossos E essas questões valem um Editorial? costumes e tradições. Claro, não estamos prontos a admitir Ocorre que, na defesa de pontos de vistas sobre isso. Pelo contrário, afirmamos serem as tradições base de questões culturais ou programáticas – questões de somenos fé da Igreja Católica, não nossa. importância – corremos o risco de cometer um erro da maior Um teste de nossa firmeza na Escritura surge quando gravidade, que seria apelarmos para a Escritura a respeito temos de lidar com propostas de mudanças em nossos de temas que ela não aborda e enxertarmos no texto o que programas, questões de dias e horários, costumes culturais e lá não está. outros pontos não definidos biblicamente, mas sustentados Jesus falou duramente aos religiosos de seus dias a por nós como artigos de fé, mesmo à custa de uma exegese respeito desse procedimento condenável. E a Reforma estrábica e irreverente. Nossa identidade como “povo da insistiu fortemente na necessidade de uma exegese e de Bíblia” se dilui e se transforma em “povo irredutível em uma hermenêutica caracterizadas pelo temor de Deus, não suas tradições”. pelo temor das tradições. Certamente, não se deve derrubar uma cerca antes Não faremos diferente hoje.

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sumário Servos Ordenados Igreja Presbiteriana do Brasil Ano 12 – Nº 62 julho / agosto / setembro de 2019 ISSN 2316-5553 Uma publicação da

editorial Sola scriptura

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a igreja no mundo A alma católica dos evangélicos no Brasil por augustus nicodemus

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teologia reformada Deus, por seu poder, sustenta e preserva o mundo por ele criado... por joão calvino

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EDITORA CULTURA CRISTÃ

Rua Miguel Teles Júnior, 394 – Cambuci 01540-040 – São Paulo – SP – Brasil Fone (11) 3207-7099 www.editoraculturacrista.com.br cep@cep.org.br Superintendente Haveraldo Ferreira Vargas Editor Cláudio Antônio Batista Marra Editor assistente Eduardo Assis Gonçalves Produtora Mariana dos Anjos Esteves Colaboraram nesta edição Revisão Brenda Borges Capa & Editoração Magno Paganelli Conselho de Educação Cristã e Publicações Clodoaldo Waldemar Furlan (Presidente) Domingos da Silva Dias (Vice-presidente) Alexandre H. M. de Almeida Anízio Alves Borges Hermisten Maia Pereira da Costa José Romeu da Silva (Secretário) Misael Batista do Nascimento Walcyr Gonçalves

Conselho Editorial Antônio Coine Carlos Henrique Machado Cláudio Marra (Presidente) Filipe Fontes Heber Carlos de Campos Jr Marcos André Marques Misael Batista do Nascimento Tarcízio José de Freitas Carvalho

a sociedade reformada Dez aspectos em que a cultura moderna é diferente por causa de João Calvino por david w. hall 9

pregação O privilégio e a responsabilidade dos que pregam (Parte 2) por hermistem maia

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vida na sociedade Fazer o bem... agora! por antônio cabrera

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revitalização Como implementar mudanças em comunidades petrificadas? por samuel vieira

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vida de pastor Enfrentando o desânimo no ministério pastoral por valdeci santos

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educação cristã Como preparar estudos bíblicos a partir de livros por misael batista do nascimento

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identidade presbiteriana Por quem os sinos dobram? por cláudio marra

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a igreja no mundo | augustus nicodemus

A ALMA CATÓLICA DOS EVANGÉLICOS NO BRASIL Os evangélicos no Brasil jamais conseguiram se livrar totalmente da influência do Catolicismo Romano. Por séculos, o Catolicismo formou a mentalidade brasileira, a sua maneira de ver o mundo (cosmovisão). O número de evangélicos no Brasil é cada vez maior, mas há várias evidências de que boa parte dos evangélicos não tem conseguido se livrar da herança católica.

É um fato que conversão verdadeira (arrependimento e fé) implica mudança espiritual e moral, mas não significa necessariamente uma mudança na maneira como a pessoa vê o mundo. Alguém pode ter sido regenerado pelo Espírito e ainda continuar, por um tempo, a enxergar as coisas com os pressupostos antigos. É o caso dos crentes de Corinto, por exemplo. Alguns deles haviam sido impuros, idólatras, adúlteros, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes e roubadores. Todavia, haviam sido lavados, santificados e justificados “(...) em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.9-11) sem que isso significasse que uma mudança completa de

mentalidade houvesse ocorrido neles. Na primeira carta que lhes escreve, Paulo revela duas áreas em que eles continuavam a agir como pagãos: na maneira grega dicotômica de ver o mundo dividido em matéria e espírito (que dificultava a aceitação entre eles das relações sexuais no casamento e a ressurreição física dos mortos – capítulos 7 e 15) e o culto à personalidade mantido para com os filósofos gregos (que logo os levou a formar partidos na igreja em torno de Paulo, Pedro, Apolo e mesmo o próprio Cristo – capítulos 1 a 4). Eles eram cristãos, mas com a alma grega pagã. Da mesma forma, creio que grande parte dos evangélicos no Brasil tem a alma católica. Antes de passar às argumentações, preciso esclarecer 3

Alguém pode ter sido regenerado pelo Espírito e ainda continuar, por um tempo, a enxergar as coisas com os pressupostos antigos. um ponto. Todas as tendências que eu identifico entre os evangélicos como sendo herança católica, no fundo, antes de serem católicas, são realmente tendências da nossa natureza humana decaída, corrompida e manchada pelo pecado, que se manifestam em todos os lugares, em todos os sistemas e não somente no Catolicismo. Como disse o Reformado R. Hooykas, famoso historiador da ciência, “no fundo, somos todos romanos” (Philosophia Liberta, 1957). Todavia, alguns sistemas são mais


a igreja no mundo como se a oração do pastor fosse mais poderosa do que a deles, e os pastores funcionassem como mediadores entre eles e os favores divinos. Esse ranço do Catolicismo vem sendo cada vez mais explorado por setores neopentecostais do evangelicalismo, a julgar por práticas já assimiladas como “a oração dos 318 homens de Deus”, “a prece poderosa do bispo tal”, “a oração da irmã fulana, que é profetisa”, etc. vulneráveis a essas tendências e as absorveram mais que outros, como penso que é o caso com o Catolicismo no Brasil. E que tendências são essas? 1) O gosto por bispos e apóstolos – Na Igreja Católica, o sistema papal impõe a autoridade de um único homem sobre todo o povo. A distinção entre clérigos (padres, bispos, cardeais e o papa) e leigos (o povo comum) coloca os sacerdotes católicos em um nível acima das pessoas normais, como se fossem revestidos de uma autoridade, um carisma, uma espiritualidade inacessível, que provoca a admiração e o espanto da gente comum, infundindo respeito e veneração. Há um gosto na alma brasileira por bispos, catedrais, pompas, rituais. Só assim consigo entender a aceitação generalizada por parte dos próprios evangélicos de bispos e apóstolos autonomeados, mesmo após Lutero ter rasgado a bula papal que o excomungava e queimá-la na fogueira. A doutrina reformada do sacerdócio universal dos crentes e a abolição da distinção entre clérigos e leigos ainda não permearam a cosmovisão dos evangélicos no Brasil, com poucas exceções.

2) A ideia de que pastores são mediadores entre Deus e os homens – No Catolicismo, a Igreja é mediadora entre Deus e os homens e transmite a graça divina mediante os sacramentos, as indulgências e as orações. Os sacerdotes católicos são vistos como aqueles por meio de quem essa graça é concedida, pois são eles que, com as suas palavras, transformam, na Missa, o pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo; que aplicam a água benta no batismo para remissão de pecados; que ouvem a confissão do povo e pronunciam o perdão de pecados. Essa mentalidade de mediação humana passou para os evangélicos, com algumas poucas mudanças. Até nas igrejas chamadas históricas os crentes brasileiros agem

3) O misticismo supersticioso no apego a objetos sagrados – O Catolicismo no Brasil, por sua vez influenciado pelas religiões afrobrasileiras, semeou misticismo e superstição durante séculos na alma brasileira: milagres de santos, uso de relíquias, aparições de Cristo e de Maria, objetos ungidos e santificados, água benta, entre outros. Hoje, há um crescimento espantoso entre setores evangélicos do uso de copo d’água, rosa ungida, sal grosso, pulseiras abençoadas, pentes santos do kit de beleza da rainha Ester, peças de roupa de entes queridos, oração no monte, no vale, óleos de oliveiras de Jerusalém, água do Jordão, sal do Vale do Sal, trombetas de Gideão (distribuídas em profusão), o cajado de Moisés... é sem limites a imaginação dos líderes e a credulidade do povo. Esse fenômeno só pode ser explicado, ao meu ver, por um gosto intrínseco pelo misticismo impresso na alma católica dos evangélicos. 4) A separação entre sagrado e profano – No centro do pensamento católico existe a distinção entre natureza e graça idealizada e defendida por Tomás de Aquino, um dos mais importantes teólogos da Igreja Católica. Na prática, isso significou a aceitação de duas

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a igreja no mundo realidades co-existentes, antagônicas e frequentemente irreconciliáveis: o sagrado, substanciado na Santa Igreja, e o profano, que é tudo o mais no mundo lá fora. Os brasileiros aprenderam durante séculos a não misturar as coisas: sagrado é aquilo que a gente vai fazer na Igreja: assistir Missa e se confessar. O profano – meu trabalho, meus estudos, as ciências – permanece intocado pelos pressupostos cristãos, separado de forma estanque. É a mesma atitude dos evangélicos. Faltanos uma mentalidade que integre a fé às demais áreas da vida, conforme a visão bíblica de que tudo é sagrado. Por exemplo, na área da educação, temos por séculos deixado que a mentalidade humanista secularizada, permeada de pressupostos anticristãos, eduque os nossos filhos, do ensino fundamental até o superior, com algumas exceções. Em outros países, os evangélicos têm tido mais sucesso em manter instituições de ensino que, além de serem tão competentes como as outras, oferecem uma visão de mundo, de ciência, de tecnologia e da história oriunda de pressupostos cristãos. Numa cultura permeada pela ideia de que o sagrado e profano, a religião e o mundo, são dois reinos distintos e frequentemente antagônicos, não há como uma visão integral surgir e prevalecer a não ser por uma profunda reforma de mentalidade entre os evangélicos.

a alma da graça salvadora e condenam ao inferno, enquanto que os veniais são mais leves e merecem somente castigos temporais. A nossa cultura se encarregou de preencher as listas dos mortais e dos veniais. Dessa forma, enquanto se pode aceitar a “mentirinha”, o jeitinho, o tirar vantagem, a maledicência, etc., o adultério se tornou imperdoável. Nas igrejas evangélicas – onde se sabe pela Bíblia que todo pecado é odioso e que quem guarda toda a lei de Deus e quebra um só mandamento é culpado de todos – é raro que alguém seja disciplinado, corrigido, admoestado, destituído ou despojado por pecados como mentira, preguiça, orgulho, vaidade, maledicência, entre outros. As disciplinas eclesiásticas acontecem via de regra por pecados de natureza sexual, como adultério, prostituição, fornicação, adição à pornografia, homossexualismo, etc., embora até mesmo esses estejam sendo cada vez mais aceitáveis aos olhos evangélicos.

Mais um resquício de catolicismo na alma dos evangélicos? O que é mais surpreendente é que os evangélicos no Brasil estão entre os mais anticatólicos do mundo. Só para ilustrar (e sem entrar no mérito dessa polêmica), o Brasil é um dos poucos países em que convertidos do catolicismo são rebatizados nas igrejas evangélicas. O anticatolicismo brasileiro, todavia, se concentrou apenas na questão das imagens e de Maria, e em questões éticas como não fumar, não beber e não dançar. Não foi e não é profundo o suficiente para fazer uma crítica mais completa de outros pontos que, por anos, vêm moldando a mentalidade do brasileiro, como mencionei acima. Além de uma conversão dos ídolos e de Maria a Cristo, os brasileiros evangélicos precisam de conversão na mentalidade, na maneira de ver o mundo. Temos de trazer cativo a Cristo todo pensamento e não somente os nossos pecados. Nossa cosmovisão precisa também de conversão (2Co 10.4-5). Quando vejo o retorno de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais católicas de usar no culto a Deus objetos ungidos e consagrados, procurando para si bispos e apóstolos, imersas em práticas supersticiosas, me pergunto se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro não é, na verdade, um filho da Igreja Católica medieval, uma forma de neocatolicismo tardio que surge e cresce em nosso país onde até os evangélicos têm alma católica.

5) Somente pecados sexuais são realmente graves – A distinção entre pecados mortais e veniais feita pelo romanismo católico vem permeando a ética brasileira há séculos. Segundo essa distinção, pecados considerados mortais privam

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teologia reformada | joão calvino

DEUS, POR SEU PODER, SUSTENTA E PRESERVA O MUNDO POR ELE CRIADO, E POR SUA PROVIDÊNCIA ELE REGE CADA UMA DE SUAS PARTES As Institutas – Capítulo XVI.1–2 1. A PROVIDÊNCIA, RESULTADO LÓGICO DA CRIAÇÃO, RAZÃO POR QUE NÃO SE SEPARAM Com efeito, tomar Deus como um Criador momentâneo, que haja realizado sua obra de uma vez por todas, seria fútil e de nenhum proveito. E nisso, principalmente, convém que sejamos diferentes dos homens profanos: que a presença do poder divino nos fascine, não menos no estado contínuo do mundo do que em sua origem primeira. Pois, ainda que até mesmo as mentes dos ímpios sejam, só ante a visão da terra e do céu, compelidas a elevar-se ao Criador, contudo a fé tem sua maneira peculiar pela qual atribui a Deus o pleno louvor da criação. Ao que é pertinente essa afirmação do apóstolo que já citamos antes [Hb 11.3]: “Somente pela fé entendemos que o mundo foi produzido pela Palavra de Deus”, porquanto, se não chegamos até sua providência, por mais que pareçamos não só compreender com a mente, mas até confessar com a língua, ainda não

aprendemos corretamente o que isto significa: “Deus é Criador.” O senso carnal, quando uma vez tenha se confrontado com o poder de Deus na própria criação, aí se detém, e quando avança bem mais, nada além pondera e contempla que a sabedoria, o poder e a bondade do autor em criar tal obra, coisas que se evidenciam por si mesmas e se impõem até aos que não querem; além disso, contempla certa operação geral em conservá-la e governá-la, de que procede o poder movimentador. Finalmente, pensa que a energia divinamente infundida de início basta para suster a todas as coisas. A fé, entretanto, deve penetrar mais fundo, isto é, que imediatamente conclua ser aquele sobre quem aprendeu ser o Criador de todas as coisas também o perpétuo Governador e Preservador de tudo. Não significa apenas acionar, mediante determinado movimento universal, tanto a máquina do orbe, quanto a cada uma de suas partes, como também a sustentar, nutrir, assistir, com determinada 6

providência singular, a cada uma dessas coisas que criou até o mais insignificante pardal [Mt 10.29]. Assim, Davi [Sl 33.6], após prefaciar em termos breves que o mundo foi criado por Deus, desce imediatamente ao curso ininterrupto da providência: “Pela Palavra do Senhor foram firmados os céus e pelo sopro de sua boca, todo o poder deles.” Logo em seguida [v.13], acrescenta: “O Senhor lançou o olhar sobre os filhos dos homens”, e as demais coisas que entretece na mesma sentença. Ora, ainda que nem todos raciocinem tão doutamente – uma vez que não seria crível Deus ter sob seus cuidados as coisas humanas, a não ser que ele fosse o Criador do universo, e ninguém creria seriamente ter o mundo sido formado por Deus sem se convencer de que ele tem cuidado de suas obras – Davi, não sem causa, nos transporta, na mais excelente ordem, de um ao outro desses dois polos. De modo geral, os filósofos não só ensinam que certamente todas as


teologia reformada porções do universo são vitalizadas, por meio da secreta inspiração de Deus, mas também as mentes humanas o concebem. Enquanto isso, não chegam até onde Davi é transportado e enaltece consigo a todos os piedosos, dizendo: “Todos os seres olham para ti, para que, a seu tempo, lhes dês alimento; dando-o tu, ajuntam; abrindo tu a mão, fartam-se de bens; tão logo desvias o rosto, ficam perturbados; quando lhes retiras o alento, perecem e voltam à terra; se de novo envias o Espírito, são criados e renovas a face da terra” [Sl 104.27-30]. Com efeito, ainda que subscrevam a afirmação de Paulo [At 17.28], de que em Deus existimos, nos movemos e vivemos, longe estão daquele sério senso de sua graça que ele, Paulo, recomenda, porquanto nem de leve provam o especial cuidado de Deus, com o qual manifesta o paterno favor com que nos trata. 2. O QUE REGE O MUNDO É A PROVIDÊNCIA, NÃO O ACASO NEM A SORTE Para que melhor se patenteie esta diferença, deve-se ter em conta que a providência de Deus, como ensinada na Escritura, é o oposto de sorte e dos acontecimentos atribuídos ao acaso. Ora, uma vez que, em todos os tempos, geralmente se deu a crer, e ainda hoje a mesma opinião avassala a quase todos os mortais, a saber, que tudo acontece por obra do acaso, aquilo que se devera crer acerca da providência, certo é que não só é empanado por esta depravada opinião, mas inclusive é quase sepultado em trevas. Se alguém cai nas garras de assaltantes, ou de animais ferozes; se do vento a surgir de repente sofre

naufrágio no mar; se é soterrado pela queda da casa ou de uma árvore; se outro, vagando por lugares desertos, encontra provisão para sua fome; arrastado pelas ondas, chega ao porto; escapa milagrosamente à morte pela distância de apenas um dedo; todas essas ocorrências, tanto prósperas, quanto adversas, a razão carnal as atribui à sorte. Contudo, todo aquele que foi ensinado pelos lábios de Cristo de que todos os cabelos da cabeça lhe estão contados [Mt 10.30] buscará causa mais remota e terá por certo que todo e qualquer evento é governado pelo conselho secreto de Deus. E quanto às coisas inanimadas, por certo assim se deve pensar: embora a cada uma, individualmente, lhe seja por natureza infundida sua propriedade específica, entretanto não exercem sua força senão até onde são dirigidas pela mão sempre presente de Deus. Portanto, nada mais são do que instrumentos aos quais Deus instila continuamente quanto quer de eficiência e inclina e dirige para esta ou aquela ação, conforme seu arbítrio. De nenhuma criatura é a força mais admirável ou mais destacada do que a do sol. Pois, além de iluminar com seu fulgor a todo o orbe, quão ingente é que, com seu calor, nutre e vitaliza a todos os seres animados; com seus raios insufla fecundidade à terra; acalentadas no seio desta são as sementes; daí retira herbescente verdura, a qual, mantida por novos elementos, faz crescer e fortalece, até que se eleve em hastes; que nutre de contínuo e tépido alento, até que a flor cresça, e da flor o fruto; que ainda então, sazonando, conduz ao 7

amadurecimento; que, de igual modo, árvores e vides, por ele acalentadas, primeiro despontam em brotos e se cobrem de folhas, depois emitem floração, e de floração geram o fruto? Mas o Senhor, para que a si reivindicasse o pleno louvor de tudo isso, não só quis que, antes que criasse o sol, existisse a luz; mais ainda: que a terra fosse repleta de toda espécie de ervas e frutos [Gn 1.3,11,14]. Portanto, o homem piedoso não fará do sol a causa quer principal ou necessária destas coisas que existiram antes da criação do sol, mas apenas o instrumento de que Deus se serve, porque assim o quer, já que pode, deixado este lado, agir por si mesmo com nenhuma dificuldade. Quando, além disso, lemos em duas ocasiões que às preces de Josué o sol se deteve em um grau [Js 10.13], e que, em atenção ao rei Ezequias, sua sombra retrocedeu dez graus [2Rs 20.11; Is 38.8], com estes poucos milagres Deus testificou que não é por cego instinto da natureza que o sol nasce e se põe diariamente, mas porque ele próprio, para renovar a lembrança de seu paterno favor para conosco, governa seu curso. Nada é mais natural do que sucedam, cada um por sua vez, a primavera ao inverno, o verão à primavera, o outono ao verão. Com efeito, nesta sequência observa-se diversidade tão grande e tão desigual, que transparece facilmente que os anos, os meses e os dias, um a um, são governados por nova e especial providência de Deus. Na próxima edição continuaremos o Capítulo XVI – Deus, por seu poder, sustenta e preserva o mundo por ele criado, e por sua providência rege cada uma de suas partes.


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a sociedade reformada | david w. hall

DEZ ASPECTOS EM QUE A CULTURA MODERNA É DIFERENTE POR CAUSA DE JOÃO CALVINO Amando-o ou odiando-o, Calvino foi um agente transformador – e um agente cuja influência foi para melhor. A compreensão que Calvino trouxe para a sociedade tornou o mundo um lugar fundamentalmente diferente, depois que o trabalho de sua vida começou a ser divulgado.

Algumas pessoas, em uma época menos preconceituosa, consideravam espetaculares os feitos de Calvino. George Bancroft, professor de Harvard, em meados do século 19 classificou Calvino como “o principal legislador republicano moderno”, o qual foi responsável por elevar a cultura de Genebra à “fortaleza inexpugnável da liberdade popular, o solo fértil para a semeadura da democracia”. Bancroft ainda creditou as “instituições independentes dos Estados Unidos” como provenientes “principalmente do calvinismo por meio do puritanismo”. Além disso, traçou o legado vivo de Calvino entre os peregrinos de Plymouth, os colonizadores huguenotes da Carolina do Sul e os colonos

holandeses de Manhattan, concluindo o seguinte: “Aquele que não honrar a memória e não respeitar a influência de Calvino tem pouco conhecimento a respeito da origem da liberdade [norte-] americana”.1 Quando as devidas considerações tiverem sido feitas, o calvinismo provavelmente será mais digno de celebrações internacionais do que quaisquer outros movimentos. Em comparação a diversos movimentos ideológicos no decorrer da História, o impacto cumulativo e positivo do reformador genebrino é maior do que o de Rousseau, Nietzsche, Marx e muitos outros filósofos. Certamente uns poucos — se é que alguns — ministros ou teólogos contribuirão mais 9

para mudanças políticas, sociais ou culturais do que o fez Calvino. Pensadores e estudiosos cautelosos de História talvez achem o quingentésimo aniversário de Calvino o momento oportuno para avaliar a assertividade do comentário surpreendente de C.S Lewis de que os observadores modernos precisam compreender “a originalidade, a audácia e (em breve) a modernidade do calvinismo”.2 Esse é um desafio bem colocado. Ademais, essa modernidade à qual Lewis se refere talvez explique como e por que até alguns dos principais pensadores anticalvinistas – inimigos funestos de Calvino, na verdade, como Thomas Jefferson – empregaram motos antigos dos calvinistas huguenotes, a fim de


a sociedade reformada justificarem a resistência aos tiranos em terras norte-americanas. Mesmo que os pesquisadores contemporâneos persistam em não enxergar o imenso legado de Calvino, houve um tempo em que o seu legado foi muito mais aparente. Nós podemos ser perdoados se o nosso objeto em comum for reabilitar uma imagem que, de fato, nos deu tantas coisas boas. Existem dois tipos de líderes: (1) aqueles que preveem mudanças futuras e (2) aqueles que mudam as previsões futuras. O primeiro exemplo percebe as tendências e rapidamente reivindica um lugar em destaque na mudança, adequando-se, assim, a tais tendências inevitáveis. Tratase, portanto, do tipo de líder que se apercebe da direção do desfile e corre para estar à frente da procissão. O segundo exemplo – e Calvino, por certo, foi um deles – observa a trajetória, porém, decide que ela necessita de correção. Calvino foi um criador de acontecimentos que mudou a rota do desfile e deixou uma marca enorme na história do Ocidente. Adiante, encontram-se resumos de algumas mudanças ocorridas como resultado de seu legado. Como será possível observar, a vida depois de Calvino tornou-se irrevogavelmente diferente do que era antes dele.

1. Educação: a Academia Calvino rompeu com a pedagogia medieval que limitava a educação principalmente à elite aristocrática. Sua Academia, fundada em 1559, foi um programa piloto baseado na difusão da educação para a cidade. Apesar de os genebrinos terem tentado, por dois

séculos, estabelecer uma instituição de ensino superior, somente após o estabelecimento de Calvino na região, é que uma universidade progrediu. No momento da chegada de Calvino, os oficiais da cidade ansiavam por uma instituição educacional de ponta, porém, em 1536, a maioria dos genebrinos considerava tal objetivo extremamente ambicioso. Está explícito também que o êxito no estabelecimento de uma universidade duradoura não ocorreu até Calvino colocar a mão no arado educacional, depois de Genebra ter definido sua identidade protestante na década de 1550. A Academia de Calvino, adjacente à Catedral de São Pedro, caracterizavase por dois níveis de cursos: um voltado à educação pública dos jovens de Genebra (escola de nível fundamental e médio ou schola privata) e o outro nível era um seminário para treinar pastores (schola publica).3 A primeira não deveria desconsiderar o impacto advindo da educação dos jovens, em especial, em uma época quando a educação era comumente reservada aos filhos dos aristocratas ou aos membros das sociedades católicas. A Academia teve início em 1558 com Calvino e Teodoro Beza no comando da faculdade de Teologia. O edifício da instituição foi consagrado em 5 de junho de 1559, com a presença de 600 pessoas na Catedral de São Pedro. Calvino coletou dinheiro para a escola, e muitos expatriados fizeram doações, a fim de colaborar com a formação dela. A escola de nível fundamental e médio, que era dividida em sete séries, tinha 280 alunos matriculados em seu primeiro ano, e o 10

seminário da Academia que aumentou para 162 alunos em apenas três anos. Na época da morte de Calvino, em 1564, havia 1.200 alunos na escola e 300 no seminário. Ambas as escolas, conforme observaram os historiadores, não cobravam mensalidades e “foram precursoras da moderna educação pública.” Poucas instituições na Europa já experimentaram um crescimento tão rápido. Pa r a a c o m o d a r o f l u x o d e estudantes, a Academia planejou acrescentar – naquilo que se tornaria característico da visão calvinista de influência cristã em todas as áreas da vida – os departamentos de Direito e Medicina. Beza pediu oração em favor do novo departamento médico logo no início de 1567, quando a escola de Direito já havia sido estabelecida. Após o massacre ocorrido no Dia de São Bartolomeu (1572), Francis Hotman – e diversos outros importantes acadêmicos constitucionais – passaram a lecionar na escola de Direito de Genebra. A presença de dois gigantes da área jurídica, Hotman (de 1573-1578) e Denis Godefroy, deu à Academia de Calvino uma das primeiras faculdades de Direito da Suíça. A escola de Medicina, idealizada pouco tempo depois da morte de Calvino, não foi estabelecida com êxito até a década de 1700. A Academia tornou-se o símbolo da educação em todos os principais campos do saber. Historicamente, a educação, muito mais do que qualquer outro fator isolado, promoveu o avanço cultural e político. Uma das contribuições mais duradouras de Calvino para a sociedade – contribuição que também assegurou


a sociedade reformada a longevidade de muitas das reformas calvinistas – foi o estabelecimento da Academia em Genebra. Por meio dela, Calvino também obteve êxito onde outros haviam fracassado. Digno de nota é que nenhum dentre os outros principais reformadores protestantes recebeu créditos pela fundação de uma universidade que durou por séculos, chegando a se tornar uma propriedade desejada por alguns admiradores inesperados — a exemplo de Thomas Jefferson.

eficácia de sua opinião com relação à assistência social por meio da diaconia da igreja. Em sua obra, Olson observou que, diferentemente de algumas caricaturas modernas, os reformadores trabalharam de forma diligente para abrigar os refugiados e ministrar aos pobres. O fundo francês (Bourse Française) tornou-se o pilar da assistência social em Genebra; na realidade, esse ministério da misericórdia influenciou tanto a Europa de Calvino quanto a sua teologia em outras áreas.

2. O cuidado para com os pobres: o fundo francês A maioria das pessoas não liga Calvino à compaixão pelos pobres ou indigentes. Todavia, uma breve recapitulação de seu cuidado para com os órfãos, os necessitados e os refugiados durante o período de crise não só mostra o contrário, como também apresenta princípios duradouros para auxílio social aos verdadeiramente necessitados. Calvino achava que a compaixão da igreja poderia ser melhor expressa por intermédio de diáconos ordenados, os quais representavam o epítome da obra de caridade privada. Para o reformador, o desafio era obter protocolos práticos que possibilitariam o cuidado adequado aos pobres, utilizando os mecanismos diaconais que Deus já havia providenciado por meio do ministério de misericórdia da igreja. O perspicaz volume histórico de Jeannie Olson – Calvin and Social Welfare: Deacons and the Bourse Francais – é um estudo da visão do impacto de Calvino sobre a cultura da Reforma, focando na duradoura

As atividades do fundo francês eram numerosas. Seus diáconos proviam moradia para órfãos, idosos ou para as pessoas deficientes. O fundo francês protegia os enfermos e lidava com aqueles envolvidos em imoralidades. Essa instituição eclesiástica foi precursora das sociedades voluntárias dos séculos 19 e 20 no Ocidente. Calvino estava tão interessado em ver o diaconato desabrochar que deixou parte de sua herança familiar, em testamento, para a Escola de meninos e para os imigrantes pobres. O plano inicial do Fundo francês era amenizar o sofrimento dos moradores franceses que, enquanto fugiam da perseguição sectária na França, estabeleciam-se em Genebra. Estimase que, em apenas uma década (15501560), cerca de 60.000 refugiados passaram por Genebra, número suficiente para gerar um estresse social. Os diáconos cuidavam de várias necessidades, não muito diferentes daquelas enfrentadas em nossa sociedade hoje. Eles proviam subsídios 11

temporários e treinamento profissional, quando necessário; em certas ocasiões, providenciavam até as ferramentas ou suprimentos importantes para que uma pessoa fisicamente capaz conseguisse se engajar em uma vocação honesta. Inserido nessa geração de trabalho assistencial, o diaconato de Calvino descobriu a necessidade de contar aos beneficiários de tal assistência que o objetivo era que eles retornassem ao trabalho logo que possível. Eles também cuidavam dos casos de abandono, apoiavam os enfermos em fase terminal que deixavam seus filhos para serem sustentados, além disso, incluíam o ministério com as viúvas, que quase sempre tinham filhos dependentes e uma série de necessidades. Naturalmente, havia valores teológicos que sustentavam essas reformas e esses distintos valores levaram aos compromissos práticos. A visão com relação ao chamado e à incapacidade humana, ao valor do trabalho e o papel da igreja, como uma rede de segurança social privada, determinavam a maneira como as necessidades eram atendidas. Os líderes modernos talvez estejam em uma posição melhor para perceber o que podem aprender com o passado; em suma, encontramos os seguintes princípios influentes da Reforma na assistência social de Calvino: – Era apenas para aqueles verdadeiramente desamparados; – Pré-requisitos morais estão ligados à assistência; – A caridade privada ou religiosa, e não a generosidade do Estado, era o veículo para a ajuda; – Oficiais ordenados administravam e


a sociedade reformada prestavam contas; – Fundamentações teológicas eram normais; – Trabalho ético produtivo era o alvo; – A assistência era temporária; – A história é valiosa. Um dos companheiros reformadores de Calvino, Martin Bucer, foi muito além ao dizer o seguinte a respeito do diaconato: “Sem ele, não é possível que haja verdadeira comunhão dos santos”.4 Em um sermão sobre 1Timóteo 3.8-10, o próprio Calvino argumentou que a compaixão da igreja primitiva deveria ser a medida do nosso próprio cristianismo: “Se quisermos ser considerados cristãos e quisermos que acreditem na existência de uma igreja entre nós, essa organização tem de mostrar-se e manter-se”.5 Em certa ocasião, Calvino fez a seguinte afirmação de modo retórico: “Queremos mostrar que há uma Reforma entre nós? É necessário que haja pastores que testemunhem tão somente a doutrina da salvação, e diáconos que se compadeçam dos pobres.”6

3. Ética e interpretação da lei moral: o Decálogo A interpretação de Calvino dos Dez Mandamentos como pilares éticos foi decisiva no desenvolvimento do caráter de várias gerações. Em sua discussão, Calvino argumentava que a lei moral era necessária porque, mesmo tendo sido o homem criado à imagem e semelhança de Deus, a lei natural, por si só, poderia assistir apenas indicando as direções corretas. Embora reconhecendo a consciência como um “conselheiro”, Calvino sabia que a depravação afetava a consciência, e as

pessoas estavam “presas na escuridão do pecado”.7 Portanto, a humanidade não foi renegada à lei natural, a fim de que não se entregasse à arrogância, ambição e a um cego amor próprio. A lei, sendo assim, foi tão graciosa quanto necessária. Um ponto de vista tão fundamentalmente positivo a respeito da lei de Deus se tornaria uma contribuição ética característica do calvinismo. A lei também mostra para as pessoas o quão imerecedoras elas são, e as leva a desacreditar na capacidade humana. Calvino utilizava, com frequência, frases como “total impotência” e “total incapacidade” para mostrar que as pessoas são dependentes da revelação de Deus se quiserem fazer o bem. A lei é uma “regra perfeita de justiça”, mesmo que as nossas mentes naturais não estejam inclinadas à obediência. 8 Calvino observou que a lei é repleta de ramificações e ela não deve ser limitada a aplicações restritas. Sempre existe, escreveu ele, “mais nas exigências e proibições da lei do que o que está expresso [literalmente] em palavras”. Cada mandamento também exigia o contrário da ordem. Se não era para a pessoa roubar, logo, ela deveria também proteger o seu bem e o das outras pessoas. Se não deveria mentir, então, teria que dizer a verdade. E se não deveria cometer adultério, portanto, deveria cultivar a fidelidade matrimonial. Calvino acreditava que devíamos raciocinar partindo do mandamento positivo até o contrário dele da seguinte maneira: “Se isso agrada a Deus, o contrário desagrada; se isso desagrada, o contrário agrada; 12

se Deus ordena isto, ele proíbe o contrário; se proíbe isto, ele ordena o contrário”.9 Essa ampla aplicação da lei moral criou a base de uma teoria ética que se disseminou por todo o Ocidente na época, e também demonstrou uma sofisticação, que nem sempre se fazia presente em determinadas teologias. Calvino acreditava que a lei tinha muitas funções práticas – ela convencia como o espelho, restringia como a rédea e iluminava ou despertava à obediência. Todavia, outro plano predominante da lei de Deus era conduzir os cristãos às normas do Pai e lembrá-los disso. O comentário de Calvino a respeito da sexualidade (ao discutir o sétimo mandamento) contou com menos de mil palavras nas Institutas, mesmo assim, é muito profundo. Sua discussão a respeito do “não furtarás” era rica em consistência, postulando que a pessoa não só evitasse o roubo, mas também “se empenhasse com honestidade a fim de preservar” sua condição.10 Esses e outros comentários constituíram a ética do trabalho protestante. De semelhante modo, quando Calvino falou a respeito do escopo interno do mandamento que proibia o falso testemunho, ele observou que era um “absurdo supor que Deus odeie o mal proferido pela língua de quem o fala, mas não desaprove a malignidade presente na mente”. 11 Embora essas exposições sejam breves, são excelentes e tão dignas de consulta que a maioria das confissões protestantes as têm consultado desde então. Algumas das codificações em vários contextos puritanos seguiram a vertente de Calvino em relação ao seu


pregação | hermistem maia ponto de vista sobre a necessidade e uso adequado da lei. Os calvinistas, portanto, não eram legalistas, mas sim, admiradores das perfeições e da sapiência da lei de Deus, na qual confiavam mais do que neles mesmos. Os seguidores de Calvino consideravam as suas próprias habilidades naturais com tamanha baixa estima e a lei revelada de Deus com tão elevada estima, a ponto de se tornarem criadores e apoiadores do constitucionalismo e da lei, como instituições positivas. Além do mais, a caridade era o objetivo da lei, e a pureza de consciência era o resultado pretendido. A Herança de João Calvino – Sua influência na educação, economia e política do Ocidente. “Dez aspectos em que a cultura moderna é diferente por causa de João Calvino (1-3)”. Próxima edição: 4. A liberdade da igreja: a companhia de pastores. Publicado pela Cultura Cristã. 1 BANCROFT, George. “A Word on Calvin, the Reformer”. In: Literary and Historical Miscellanies. Nova York, 1855, p. 405ss; citado na obra de SCHAFF, Philip. History of the Christian Church, 8 vols. 1910; reimpr. Grand Rapids: Eerdmans, 1979, 8:522. 2 Citado por MCGRATH, Alister. A Life of John Calvin. Cambridge, MA: Basil Blackwell Ltd., 1990, p. 247 (publicado no Brasil pela Editora Cultura Cristã com o título A vida de João Calvino). 3 MONTER, William. Calvins’s Geneva. Nova York: John Wiley & Sons, 1967, p. 112. A schola privata iniciou as aulas no inverno de 1558, e a schola publica começou em novembro de 1558. MARCACCI, Histoire de l’Universitè de Genève, p. 17 4 HALL, Basil. “Diaconia in Marin Butzer”. In: Service in Christ. Londres: Epworth Press, 1966, p. 94. 5 CALVINO, João. Sermons on Timothy and Titus. Edimburgo: The Banner of Truth, 1983, in loco. 6 Ibid., in loco. 7 Institutas, 2.8.1 8 Ibid., 2.8.5. 9 Ibid., 2.8.8. 10 Ibid., 2.8.45. 11 Ibid., 2.8.48.

O PRIVILÉGIO E A RESPONSABILIDADE DOS QUE PREGAM Parte 2

Na quinta-feira de 18 de abril de 1521, Lutero (1483-1546) na Dieta de Worms, diante do Imperador, dos príncipes e de clérigos, é interrogado sobre a sua fé que tanto reboliço estaria causando à igreja romana, especialmente na Alemanha. Era um momento crítico. A pressão era para que Lutero se retratasse quanto à sua fé. Ele argumenta em tons respeitosos e com firmeza. A certa altura, na conclusão de sua breve exposição, declara: “(...) estou vencido pelas Escrituras por mim aduzidas e minha consciência está presa nas palavras de Deus – não posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a consciência não é prudente nem íntegro”. 1 Lutero, confiante na autoridade suficiente das Escrituras, declara que a sua mente é totalmente cativa da Palavra de Deus e, 13

por isso, não pode nem sequer cogitar de pensar de forma contrária. De fato, a autonomia cristã consiste numa total submissão à Palavra. Na Reforma Protestante do século 16, a Igreja foi compreendida dentro da perspectiva de “povo de Deus”, não simplesmente como um edifício ou uma organização institucional, mas sim, como povo constituído por Deus que se reúne para adorar a Deus, sendo a Igreja caracterizada pela ministração correta da Palavra e dos Sacramentos. A Reforma teve como um de seus marcos fundamentais o “reavivamento” da pregação da Palavra. “A divulgação da Bíblia na língua vernácula dos povos foi o centro do movimento em todos os países da Europa”.2 Ela foi caracterizada pela “emergência de uma nova pregação”.3


pregação mas, omitindo completamente qualquer menção daqueles assuntos sobre os quais eles com certeza esperavam ouvir,” Calvino explicou seu ofício e recomendou sua fé e integridade. Em seguida, retomou a exposição a partir de onde havia parado.8

Os Reformadores criam que se as Escrituras estivessem em uma língua acessível aos povos, todos os que quisessem poderiam ouvir a voz de Deus, e todos os crentes teriam acesso à presença divina. Portanto, “para eles, as Escrituras eram mais uma revelação pessoal que dogmática”.4 Calvino, por exemplo, entendia que as Escrituras eram tão superiores aos outros escritos que, “logo, se lhes volvemos olhos puros e sentidos íntegros, de pronto se nos antolhará a majestade de Deus, que, subjugada nossa ousadia de contraditá-la, nos compele a obedecer-lhe”.5

Calvino, fiel à sua compreensão da relevância da pregação bíblica, usou de modo especial o método de expor integralmente e aplicar quase todos os livros das Escrituras à sua congregação. A sua mensagem se constitui em um monumento de exegese, clareza e fidelidade à Palavra, e ele soube aplicá-la com maestria aos seus ouvintes. Referindo-se ao púlpito de Genebra sob o pastorado de Calvino, Lawson afirma: “Esse púlpito se tornou um trono do qual a Palavra de Deus reinava, governando os corações daqueles que se uniram no esforço histórico de reformar a igreja”.7

George sumaria: “Os reformadores queriam que a Bíblia lançasse raízes profundas na vida das pessoas que foram chamadas para servir. A Palavra de Deus não devia ser apenas lida, estudada, traduzida, memorizada e usada para meditação; ela também devia ser incorporada à vida e à adoração na igreja. A concretização da Bíblia foi muito claramente expressa no ministério de pregação, que recebeu nova preeminência na adoração e na teologia das tradições da Reforma.”6

Há um episódio bastante ilustrativo no ministério de Calvino em Genebra. No domingo, 18 de setembro de 1541, quando o Reformador pregava na Igreja de São Pedro, havia uma grande expectativa. Era sua primeira pregação depois que voltara a Genebra após sua expulsão (1538). Agora retornara por insistência dos magistrados da cidade. Meses depois (janeiro de 1542), o próprio Calvino narraria em carta o acontecido a um amigo: Ele admitiu que havia entre todos atenção e ansiedade, “(...) 14

Ele entendia que “a pregação é um instrumento para a consecução da salvação dos crentes” e que “embora não possa realizar nada sem o Espírito de Deus, todavia, através da operação interior do mesmo Espírito, ela revela a ação divina muito mais poderosamente”.9 “O ‘Espírito’ está unido com a Palavra, porque sem a eficácia do Espírito, a pregação do evangelho de nada adiantará, mas permanecerá estéril”.10 A Palavra não tem eficácia própria, não opera por si mesma, antes pela ação do Espírito Santo. “O ensino externo será infrutífero e inútil se não for acompanhado pelo ensino do Espírito Santo. Portanto, Deus tem dois métodos de ensino: primeiro, ele nos faz ouvi-lo pelos lábios humanos; e, segundo, ele nos fala intimamente por seu Espírito; e ele faz isso ou no mesmo instante, ou em momentos distintos, conforme achar oportuno”.11 É o Espírito quem confere poder à pregação do evangelho; por isso não há lugar para vanglória: “Todo o poder da ação (...) reside no Espírito mesmo, e assim, todo o louvor deve ser inteiramente atribuído a Deus somente”.12 Lutero acentuou que “Não há tesouro mais precioso nem coisa mais nobre na terra e nesta vida do que um verdadeiro e fiel pastor ou pregador”.13 Karl Barth (1886-1968), independentemente da divergência que temos em muitos de seus pensamentos, nos


pregação exorta corretamente: “Para ser positiva, a pregação deve ser uma explicação da Escritura”.14 Em outro lugar: “Aquele que deseja pregar deve estudar mui atentamente seu texto. Em vez de atenção, seria melhor dizer ‘zelo’, ou seja, esforço de aplicação para descobrir o que se diz neste texto que está aí diante de seus olhos. Para isso é necessário um trabalho exegético, científico. Porque a Bíblia é também um documento histórico; nasceu em meio da vida dos homens”.15 Um estudioso da vida e pensamento de Calvino, William Wileman (18481944), escreveu: “Como expositor da Escritura, a Palavra de Deus era tão sagrada para ele como se a tivesse ouvido dos lábios de seu Autor”.16 Lutero em certa ocasião disse: “Eu prego como se Cristo tivesse sido crucificado ontem, ressuscitado dos mortos hoje e estivesse voltando ao mundo amanhã”.17 Não precisamos inventar a mensagem. Por graça, nós conhecemos a Deus e experimentamos o seu conteúdo da Palavra, do qual somos beneficiários; afinal, Deus operou e tem operado maravilhas em nossa vida. O pregador é o primeiro a usufruir dos benefícios do que prega. Antes de proclamar a Palavra, ele tem sido instruído, confrontado, desafiado e consolado enquanto, dirigido pelo Espírito, elabora o seu sermão. A pergunta de extrema relevância para todos aqueles que estudam as Escrituras com sinceridade: “O que este texto significa para mim?” deve ser a pergunta do pregador a si mesmo, humildemente diante do texto em submissão ao Espírito. Osborne nos chama a atenção para o aspecto devocional na elaboração do

Os pregadores devem continuamente se colocar diante do texto em vez de meramente se colocar por trás do texto para aplicá-lo a essa ou àquela situação na igreja. sermão: “A preparação de sermões deve ser um exercício devocional (um encontro em primeira pessoa) antes de se tornar um evento de proclamação (um encontro em segunda pessoa). Os pregadores devem continuamente se colocar diante do texto em vez de meramente se colocar por trás do texto para aplicá-lo a essa ou àquela situação na igreja.”18 Dentro de uma abordagem mais ampla, toda a igreja tem experimentado a essência da mensagem que proclama, afinal, fomos tirados das trevas para a luz, como escreve Pedro: “Vós (...) sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia” (1Pe 2.9-10). Encerro com a admoestação do grande pregador britânico, antecessor de Lloyd-Jones na Capela de Westminster, Campbell Morgan (18631945): “A obra suprema do ministro cristão é a obra da pregação. Este é um dia no qual um de nossos maiores perigos é fazer mil pequenas coisas enquanto ignoramos uma coisa, a pregação”.19 15

O Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa integra a equipe de pastores da 1ª IP de São Bernardo do Campo, SP, ensina Teologia no JMC, é membro do CECEP e do Conselho Editorial do Brasil Presbiteriano. 1 Martinho Lutero, Discurso do Dr. Martinho Lutero Perante o Imperador Carlos e os Príncipes na Assembléia de Worms – Quinta-feira depois de Misericordias Domini. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas. São Leopoldo, RS.; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1996, v. 6, p. 126. 2 Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654). Recife, PE: Fundarte (Coleção Pernambucana, 2ª Fase, v. 25), 1986, p. 22-23,227-228. 3 Marc Lienhard, Martinho Lutero: tempo, vida e mensagem. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1998, p. 97. 4 T.M. Lindsay, La Reforma en su Contexto Histórico. Barcelona: CLIE., (1985), p. 475. 5 João Calvino, As Institutas I.7.4. 6 Timothy George, Lendo as Escrituras com os reformadores: como a Bíblia assumiu o papel central na Reforma religiosa do século XVI. São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 181. 7 Steven J. Lawson, O Pregador da Palavra de Deus. In: Burk Parsons, org. João Calvino Amor à Devoção, Doutrina e Glória de Deus. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2010, p. 95. 8 A.L. Herminjard, Correspondance des Réformateurs des les pays de langue française, recueillie et publiée avec d’autres lettres relatives a la Réforme. Genève: G. Fischbacher, 1886, Facsimile Publisher 2017, v. 7, p. 412; I. Calvini,: In: Herman J. Selderhuis, org., Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 11, colunas, 365-366. 9 João Calvino, Romanos, 2ª ed. São Paulo: Parakletos, 2001 (Rm 11.14), p. 407. 10 John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah. Grand Rapids: Michigan: Baker Book House Company (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/4 (Is 59.21), p. 271. 11João Calvino, O Evangelho segundo João. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 109. 12John Calvin, “Commentary on the Prophet Ezekiel,” John Calvin Collection (CD-ROM). Albany, OR: Ages Software, 1998 (Ez 2.2), p. 96. 13 Martinho Lutero, Uma Prédica para que se Mandem os Filhos à Escola (1530): In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas. São Leopoldo, RS.; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1995, v. 5, p. 336. 14 Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 22, 37. 15 Idem, p. 56-57. 16 William Wileman, “John Calvin. His Life, His Teaching & Influence,” John Calvin Collection [CD-ROM]. Albany, OR: Ages Software, 1998, p. 100. 17 Lutero, Apud: Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2013, p. 64. 18 Grant Osborne, A Espiral Hermenêutica: Uma nova abordagem à interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 570. 19 G. Campbell Morgan, Preaching. Londres: Marshall, Morgan & Scott, 1955, 2ª impressão, 1960, p. 11.


vida na sociedade | antônio cabrera

FAZER O BEM... AGORA! “Não te furtes a fazer o bem a quem de direito, estando na tua mão o poder de fazê-lo” (Pv 3.27).

Em termos bíblicos, a responsabilidade de cuidar do próximo foi dada à igreja e aos seus membros, não às forças seculares. Quando uma igreja transfere esta prerrogativa bíblica para o Estado, temos aqui um desvirtuamento de propósito. A igreja não pode terceirizar esta delegação dada por Deus. Essa foi a minha surpresa quando visitei em Forth Worth, Dallas, o programa Clean Slate do Presbyterian Night Shelter. Clean Slate é um negócio, não um programa de distribuição. É totalmente baseado em receita, e opera como uma empresa. Tem como objetivo quebrar o ciclo da pobreza, proporcionando emprego estável que restaure a dignidade e forneça esperança aos desabrigados. A grande diferença é que os funcionários da Clean Slate são retirados da população sem-teto que vive nas ruas. A Clean Slate é uma empresa

profissional que tem o seguinte lema: “Acreditamos no poder dos negócios para causar um impacto substancial e duradouro na comunidade.” Como muitos moradores de rua são negligenciados pelo mercado de trabalho por causa de inexperiência ou registros criminais, a empresa desafia diretamente esses obstáculos, desenvolvendo seus próprios pequenos negócios, como equipes de limpeza e manutenção de prédios, que oferecem esses serviços para empresas que não têm funcionários internos para tais tarefas. Promovendo oficinas de capacitação e programas de treinamento, ela identifica candidatos dispostos e esforçados, que devem se candidatar a entrevistas para empregos. Essa abordagem de livre mercado com ativismo social é clara em sua propaganda, afirmando que “ao contratar a Clean Slate, você ajuda a população de rua em 16

nossa comunidade, enquanto você recebe um serviço de qualidade.” A Clean Slate nasceu como uma solução criativa para uma crise pública. Na luta em favor dos indigentes, oportunidades criativas e trabalho duro e honesto fornecem o remédio mais eficaz. Isto prova que a Clean Slate não se furta em fazer o bem! O Dr. Antônio Cabrera Mano Filho é presbítero da IP de São José do Rio Preto (SP), foi Ministro da Agricultura do Brasil no governo Collor.


revitalização | samuel vieira

COMO IMPLEMENTAR MUDANÇAS EM COMUNIDADES PETRIFICADAS? A reclamação comum que encontramos da parte dos pastores é que mudanças não acontecem porque a liderança é obtusa, fechada e conservadora. Por mais que as transformações pareçam ser oportunas e necessárias, o medo do novo e a dificuldade com processos, eventualmente dificultam movimentos que poderiam trazer efeitos benéficos e duradouros. A Bíblia mostra como mudanças de paradigmas podem ser difíceis. A ordem clara de Jesus foi dada aos discípulos: “[...] recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como na Judeia, Samaria e até os confins da terra” (At 1.8). Eles deveriam sair de Jerusalém, ir ao encontro dos gentios, mas isto era tão revolucionário para a mentalidade judaica, que os discípulos se negaram a cumpri-la. Foi aí que Pedro recebeu a visão dos lençóis em Atos 10. Apesar da ordem clara, mesmo numa visão direta de Deus, Pedro se recusa a obedecê-la. Na verdade, Pedro teve a visão não porque fosse um homem obediente, mas por causa de sua teimosia e dureza. Pedro estava sendo confrontado com as mudanças que o próprio Espirito

de Deus estava gerando, mas resistiu fortemente às mudanças, de forma confrontadora contra o próprio Deus. Finalmente ele aquiesceu. Mesmo assim, muitas coisas precisaram ainda ser esclarecidas, e o capitulo 11 nos mostra porque Pedro estava tão hesitante. Ele teria que se explicar com a liderança de Jerusalém. Os apóstolos se reúnem querendo saber como ele se atreveu a entrar na casa de um gentio, comer com ele e lhe pregar o Evangelho. Viram como as mudanças de paradigmas não são nada fáceis, mesmo quando a ordem de Deus é direta? Isto acontece porque o novo, em teologia, é quase sempre negação do velho. Então, quando um fato novo surge, mesmo se tratando apenas de estratégias, formas e métodos, pode parecer herético. É fácil confundir acidente com essência, histórico com revelado e temporal com o eterno. Por esta razão, muitas igrejas continuam com o mesmo cardápio, a mesma abordagem, a mesma liturgia, para um povo vivendo num contexto diferente. O Hino da Mocidade Presbiteriana do Brasil, composto por Moacir Bastos, diz o seguinte: “Somos jovens num 17

mundo velho, a pregar novos ideais; do mesmo evangelho que pregaram nossos pais”. Muitas vezes, porém, tenho a impressão de que as pessoas gostariam de cantar: “Somos velhos num mundo novo, pregando ideais antigos”. A verdade é que muitas pessoas não querem, não sabem, ou não podem mudar. Este processo pode ser dolorido e angustiante, chegando mesmo a parecer uma traição à denominação ou aos antigos pressupostos pré estabelecidos. Em discussões como esta já ouvi pessoas resistentes a mudança alegarem que “se mudarmos as formas, mudaremos o conteúdo”. Elas realmente creem nisto! Não é sem razão que a possibilidade de mudança traga dor e tanta resistência. Se o cenário é de um pensamento petrificado, como, então, podemos esperar mudanças significativas? Alguns mais impacientes respondem imediatamente e com acidez: “orem para que Deus promova estes irmãos!” Bem, muitas vezes, as mudanças acontecem desta forma mesmo. Seria espiritualmente correto afirmar que é necessário que uma liderança engessada seja promovida para a glória, a fim de que novos ares comecem a soprar? Por que esperar


revitalização tanto tempo? Não seria possível tomar atitudes sensatas que ajudariam neste processo necessário de mudança? Alguns princípios, para ajudar processos de mudança, se aplicados, podem se tornar valiosas ferramentas: Primeiro, as pessoas precisam confiar no líder. Muitas pessoas que resistem, o fazem, porque ao levar em conta a história já viram tantas mudanças catastróficas, que passam a hesitar transformações. Isto as assusta! O problema é que muitos pastores, ao serem designados para igrejas locais por seus presbitérios, equivocadamente pensam que são líderes daquela comunidade, quando, na verdade, os líderes já estão lá antes de sua chegada. Alguns destes líderes já viram muitos outros pastores chegando e saindo. Alguns deles não eram muito confiáveis, eventualmente eram afoitos e inconsequentes, e saiam deixando a igreja desestruturada, e em muitos casos falida espiritual e financeiramente. Pesquisas apontam que um pastor, normalmente, leva sete anos para ser reconhecido como líder de uma igreja local. Podemos, então, concluir que liderança se constrói e se conquista, não se impõe. Mudanças paulatinas para comunidades desconfiadas podem, aos poucos, demonstrar que o novo pastor deve ser seguido na sua liderança. Igrejas que passam por boas e positivas transformações o fazem porque se sentem seguras com a nova direção e rumo que precisa ser dado. Segundo, a comunidade precisa ser inspirada para as mudanças. Ela precisa entender que tais mudanças serão de fato positivas. Se a comunidade é

mais conservadora, a leitura imediata é que “as coisas estão boas do jeito que estão”, então, para que mudar. Alguns chegam a falar: “Não se deve mudar time que está ganhando”, mas, eventualmente, o time precisa mudar para ganhar mais, para se renovar. Nem sempre é fácil convencer as pessoas de que mudanças podem ser salutares. Terceiro, a comunidade precisa entender as mudanças. Muitas vezes as mudanças estão claras na mente daquele que as propõe, mas ainda não foram consolidadas e entendidas pela maioria das pessoas. O grande problema nesta situação tem a ver com a comunicação. Nem sempre as pessoas estão entendendo o que estamos falando. Um projeto bem feito, uma visão bem transmitida, é o grande desafio de qualquer liderança. Quarto, num dos Congressos recentes que participei, o Pr. Sérgio Queiroz, da “Cidade Viva”, em João Pessoa-PB, surpreendeu a todos os congressistas com a afirmação: “Leve seus líderes para passear”. Muitas vezes os lideres viveram a vida inteira em torno de um único conceito, e não conseguem ter uma ideia mais ampla, nem visualizar o que pode acontecer com o potencial que a igreja tem nas mãos. Não é maldade, é desconhecimento. Conversar com outras pessoas, trocar experiências, ouvir pessoas sinceras falando de projetos desafiadores e princípios que podem ser aplicados abre a visão e projeta positivas transformações. Leve seus líderes para encontros e eventos onde terão oportunidade de ouvir novas abordagens, isto facilita o processo. 18

Quinto, o Pr. James Meeks, da Salem Baptist Church em Chicago, deu uma boa dica de como fazer isto: “Não dê anúncios, mas pregue anúncios!”. A tese dele é que os projetos da igreja precisam ser teologicamente fundamentados. Muitas pessoas ao verem o projeto podem acreditar que ele não apenas não pode ser aplicado, mas que conspira contra a Bíblia e, por conseguinte, é herético. Então, se as pessoas não entenderem biblicamente as mudanças, não terão interesse em aplicar tais métodos à vida da igreja. Isto é importante para nós também, que desejamos liderar projetos. O que queremos fazer encontra suporte na teologia bíblica e reformada? A visão não é contrária ao pensamento das Escrituras? Deus aprova o que fazemos? Mudanças são necessárias e nos desafiam. Pessoas precisam de mudança, famílias precisam mudar, igrejas precisam atualizar sua abordagem quanto ao estilo, contexto histórico e missões. Não transforme a mudança num problema que roube sua paz, nem desista de realizá-la. Temor a Deus, sabedoria, respeito às pessoas, preparação e comunicação são essenciais neste processo. Não é preciso nem necessário orar para que as pessoas resistentes às mudanças sejam promovidas para a glória. Eventualmente, as pessoas mais resistentes, quando entendem as melhorias que as mudanças trarão, podem se transformar em grandes aliados dos projetos. O Rev. Samuel Vieira é o pastor da IP Central de Anápolis, GO, e professor do Seminário Presbiteriano Brasil Central.


vida de pastor | valdeci santos

ENFRENTANDO O DESÂNIMO NO MINISTÉRIO PASTORAL

Pastorear a igreja de Cristo não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível! O apóstolo Paulo afirma que os pastores são dádivas de Deus e expressão de sua graça sobre a comunidade do povo de Deus, “tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos” (cf. Ef 4.7-12). O problema, porém, parece ser: os pastores olham para a igreja como bênção de Deus para eles? Essa pergunta é pertinente devido ao crescente número de pastores desencorajados no exercício do ministério pastoral. Recentemente, a mídia cristã veiculou uma estatística, realizada no contexto americano, que retratava que cerca de 90% dos pastores estão próximos de esgotamento, com bagagem mental e emocional excedente, com problemas financeiros,

sob a esmagadora pressão para terem a “família perfeita”, sem amigos próximos, insatisfeitos no matrimônio e outras coisas mais. O interessante é que os dados daquela pesquisa poderiam ser aplicados a qualquer outra atividade, mas a ênfase recaiu sobre o trabalho árduo e nem sempre reconhecido que o pastor realiza. Em nenhum de seus itens a estatística mencionou as alegrias advindas do privilégio de cuidar do rebanho que foi comprado pelo sangue de Cristo (cf. At 20.28). O problema é que a divulgação de dados como esses, sem a contrapartida das bênçãos ministeriais, agrava o sentimento de vitimização de muitos pastores, bem como não os ajuda a enfrentar o desânimo, sem amargura e rancor. Dados como esses obscurecem aos olhos de muitos ministros a 19

Pastorear a igreja de Cristo não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível!

perspectiva de que o ministério pastoral é uma “santa mordomia”. Tendo feito a análise acima, não se pode ignorar que, de fato, há inúmeros motivos para muitos se sentirem desanimados no ministério pastoral. Vivemos em um mundo caído e diariamente nos relacionamos com pessoas fragmentadas. Além do mais, em nós mesmos temos a comprovação dos efeitos da Queda, pois nossa inconsistência nos flagela a todo momento. Dessa forma, é de se esperar que o aspecto relacional do


vida de pastor ministério resulte em uma luta contínua contra o desalento. John Stott certa vez observou que “o desencorajamento é risco ocupacional do ministro cristão”. [1] Logo, saber lidar com esse fenômeno é crucial para cada pastor que deseja cumprir cabalmente o seu ministério. Dos muitos conselhos sábios que tenho recebido sobre esse assunto, o melhor tem sido: pregue o evangelho para si mesmo! Pastores pregam o evangelho toda semana. Eles se colocam no púlpito e proclamam as riquezas da graça em Cristo, o perdão dos pecados, a consolação do Espírito e inúmeras outras verdades. Todavia, nem sempre se apropriam dos benefícios resultantes desse evangelho. Assim, pregar o evangelho para si mesmo é uma excelente maneira de enfrentar os desânimos comuns no ministério pastoral. Nesse sentido, um dos textos bíblicos ao qual devemos sempre recorrer é o capítulo 8 de Romanos. Aliás, ele contrasta as bênçãos de Deus com as tribulações experimentadas em um mundo caído. Ali, Paulo afirma que “os sofrimentos do presente não se podem comparar com a glória que será revelada em nós” (v.18). Todavia, ao longo desse capítulo, o apóstolo revela três importantes verdades do evangelho a serem meditadas e apropriadas nos momentos de abatimento e desencorajamento.

1. Deus, o Pai, ama você Na parte final de Romanos 8, o apóstolo lembra os cristãos do imenso amor do Pai, o qual foi demonstrado na entrega do Filho pela redenção de

pecadores. Paulo afirma que “Deus não poupou seu próprio Filho [...] pelo contrário, o entregou por todos nós [...]” (v.32). Em outras palavras, o Pai nos deu quem ele tinha de melhor: seu Filho bendito! Por essa razão, o apóstolo conclui que nada poderá nos separar do amor de Deus (cf. v.38-39). Assim, o fato de sermos amados pelo Pai é, certamente, imensa fonte de encorajamento para aqueles que se sentem desalentados, injustiçados, incompreendidos e até odiados. A afirmação de Paulo sobre o amor do Pai foi feita em um contexto em que ele lembrava seus leitores de que “somos entregues à morte todos os dias; fomos considerados como ovelhas para o matadouro” (v.36). Dessa maneira, considerar o amor de Deus por nós é importante para se perceber a luz nas trevas e a providência daquele que nos dará, com Cristo, todas as coisas (v.32). Por essa razão, querido pastor, pregue o evangelho do amor do Pai para você mesmo! Medite no fato de que o amor de Deus não depende do seu desempenho diário, mas da graça dele para com você. Esse amor é a garantia de que o Pai nunca o desamparará.

2. Deus, o Filho, representa você Romanos 8 inicia com a afirmação de que não há mais condenação para os que estão “em Cristo” (v.1). Aliás, a expressão recorrente no Novo Testamento “em Cristo” é fundamental para se considerar as boas novas do evangelho. O fato é que perdão, aceitação, retidão e vida eterna são bênçãos para aqueles que se encontram “em Cristo”. A obediência 20

perfeita de Cristo é o fundamento das graças recebidas pelo povo de Deus. O crente só pode permanecer de pé diante do Pai Celestial porque foi revestido com a justiça do Filho Primogênito, e Deus se agrada dos seus filhos adotivos tanto quanto se agrada do Filho Eterno. Paulo contrasta os sofrimentos do presente com a glória a ser revelada por causa de Cristo. Sofrimentos e dificuldades não deveriam surpreender o crente que vive no mundo de aflições. O problema é que, ainda que nós pastores tenhamos consciência dessas verdades, muitas vezes acabamos caindo na “armadilha do ministério bem-sucedido” e passamos a esperar um pastorado sem dificuldades e oposições. Pastores e obreiros cristãos acabam navegando em águas contaminadas com as propostas do sucesso fácil. Quando se lê a história do plantador de igrejas, a ênfase parece ser que a comunidade dele cresceu na virada de cada página do livro. Ao observar o bom pregador, parece que suas mensagens são mais fruto de “inspiração” do que “transpiração”. A consideração do bom conselheiro parece não levar em consideração os seus inúmeros casos de fracasso e frustração. Essas análises desfavoráveis e irreais geram a ideia de que o ministério frutífero equivale ao sucesso numérico ou à ausência de problemas e pressões. No entanto, essa perspectiva não possui qualquer correspondência com o ministério dos servos de Deus nas Escrituras. O fato é que parece que os pastores contemporâneos estão se deixando levar por outros modelos que não o bíblico.


vida de pastor O pastor deve lembrar sempre que é representado por Cristo, e não pelo seu sucesso ministerial. Jesus é a base segura de sua aceitação. Em outras palavras, sua identidade em Cristo é mais importante do que sua aceitação social.

3. Deus, o Espírito, habita em você Paulo conecta a obra do Espírito ao novo status do crente: o Espírito testifica que ele é filho de Deus (Rm 8.15-16). Esse é o testemunho do Espírito sobre a adoção do cristão. Isso é importante porque o Pai não permite que os seus filhos fiquem na dúvida quanto a sua condição, mas concede a eles o Espírito de adoção. Dessa forma, é necessário observar que o ministério do Espírito Santo não termina com a conversão, mas continua na confirmação de nossa adoção. Além do mais, ele também não é interrompido nessa confirmação, mas se estende a ponto de nos socorrer nos nossos momentos de fraqueza (cf. v.26-27). Na verdade, ele intercede por nós até quando nos encontramos muito fracos para orar. Por último, a intercessão do Espírito é eficiente, pois ela é sempre segundo a vontade de Deus. A habitação do Espírito é mais uma bênção do evangelho que pregamos, mas nos momentos de aflição nos esquecemos dela. Todavia, é importante considerar que o mesmo Espírito que ressuscitou Jesus dentre os mortos é o que habita em nós e é poderoso para nos vivificar (v.11). Nessa consideração, também devemos lembrar que justificação, adoção, perdão, habitação, enchimento do Espírito, etc.

não são apenas conceitos teológicos para serem aprendidos no seminário, mas benefícios do evangelho por meio dos quais devemos viver e ser sustentados em nosso labor diário. A habitação do Espírito é uma realidade poderosa para todo o cristão, inclusive aquele que foi vocacionado para o ministério pastoral. Certamente é importante que se reconheça as dificuldades e complexidades do ministério pastoral. Haverá momentos em que o pastor fiel sentirá a pressão ministerial e a sua fragilidade pessoal a ponto de pensar em abdicar da igreja local, de sua atividade e de sua vocação ministerial. Todavia, esses são os momentos nos quais o ministro deve se lembrar, de maneira especial, de pregar o evangelho para si mesmo. Deus não vocacionou ninguém para o ministério com o propósito de que aquela pessoa se esquecesse do seu evangelho ou pensasse que o evangelho deve ser apenas pregado para os outros. Cada pregador das boas novas deve aplicá-las a si mesmo todos os dias, várias vezes durante o dia, a ponto de permitir que essas verdades governem suas emoções, pensamentos e ações. Após considerar as três verdades básicas do evangelho a serem pregadas para si mesmo, o pastor ainda pode tomar algumas medidas práticas para combater o desânimo e a frustração. Abaixo são colocadas algumas sugestões dessas ações na esperança de que sejam proveitosas aos pastores que não querem sucumbir ao desânimo. a. Ore. Separe alguns momentos para derramar seu coração diante de Deus, expondo-lhe suas angústias; b. Lembre-se de que você está engajado em uma batalha espiritual. Alguns 21

elementos do desânimo podem ter sua origem nas investidas do inimigo, e ele tenta se aproveitar de nossos desapontamentos; c. Interceda por aqueles que têm agido de maneira negativa em relação a você. Jesus nos ensinou a amar nossos inimigos (Mt 5.42-44), o que, por extensão, deve nos motivar a interceder por aqueles que são acidamente críticos ao nosso trabalho, à nossa pessoa ou à nossa família; d. Compreenda que o processo de mudança é, na maioria das vezes, lento. Desejamos mudanças de uma noite para o dia, mas não é assim que o Senhor geralmente age. No processo de transformar outros, ele também nos amadurece; e isso pode levar tempo; e. Procure encontrar meios de se alegrar e demonstrar o seu amor pela igreja local. O rebanho precisa ser assegurado do amor do seu pastor. Procure se lembrar dos pequenos gestos de afeto pelos quais você deve ser grato e motivado a demonstrar seu amor pelos membros de sua igreja; f. Cuide de sua saúde física. Algumas vezes justificamos nosso cansaço, mal-estar e fadiga pelas pressões a que somos submetidos. Todavia, é importante observar que esses mesmos problemas podem ser causados por obesidade, falta de sono ou péssima alimentação, que fazem parte do estilo de vida de alguns pastores. O Rev. Valdeci da Silva Santos é Secretário Geral de Apoio Pastoral da IPB. Stott, John R. W. apud parker, Stan. Disponível em: < https://stanleyparker/discouragement-inministry/>. Acesso em: 19 de Set. 2016.

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educação cristã | misael batista do nascimento

COMO PREPARAR ESTUDOS BÍBLICOS A PARTIR DE LIVROS Este texto é o conteúdo da oficina dirigida pelo autor nos congressos de Educação Cristã da IPB. Analisa alguns paralelos e diferenças entre a preparação de um estudo a partir de uma revista para a Escola Dominical ou grupos pequenos e de um livro cristão. Sugere uma filosofia e método de trabalho para elaboração de aulas interessantes, biblicamente consistentes e transformadoras.

1. Pressupostos desta oficina Iniciamos admitindo três pressupostos. 1.1. Perseguimos a velha (e boa) meta da educação cristã A meta final do ensino cristão é o discipulado de Jesus Cristo (Mt 28.1820). Nesses termos, o ensino cristão é informativo e formativo; a instância de ensino cristão (o culto público, a escola dominical ou o grupo de estudo bíblico) deve capacitar o crente a ser, saber e fazer. E o professor, assim como Jesus (cf. At 1.1), deve tanto fazer (gr. poiein; “executar”; “praticar”) quanto ensinar (gr. didaskein, “prover instrução”) a verdade de Deus. Graham Butt afirma que “a aprendizagem de conceitos das diferentes áreas do conhecimento, vazios de sentido e aplicabilidade, tem pouco valor em face das demandas da sociedade contemporânea. Daí a preocupação com a formação de indivíduos que aprendam não só conceitos (SABER), mas, também, procedimentos (SABER

FAZER) e atitudes (SABER SER).[1] Esse trinômio (saber — saber fazer — saber ser) é implementado pelo Espírito Santo, iluminando o entendimento e aplicando a Palavra de Deus ao coração (Fp 2.13; cf. Jo 14.26; 16.7-15; At 16.14; Rm 10.17; 1Co 2.14; 2Co 4.6).[2] Assim, no uso de literatura extrabíblica, o professor pretende conectar o aluno ao conteúdo transformador da Bíblia. Livro Cristão => Bíblia => Transformação Isso é assim porque a Bíblia é meio de graça divinamente designado para a educação cristã, nos termos da declaração apostólica: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na 22

justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.14-17). O mestre cristão ensina para transformar (converter, santificar e consolar), não negligenciando a teoria (a transmissão fiel das verdades da Palavra de Deus) e a prática (o desafio aos alunos para que andem com Deus no mundo de Deus). Isso nos conduz ao segundo pressuposto. 1.2. Ensinamos a doutrina sadia Assume-se que o livro a ser estudado seja do conhecimento do pastor da igreja e possua conteúdo fiel à Bíblia, sem qualquer prejuízo à confessionalidade e sistema de governo da igreja. Livros heterodoxos podem até ser utilizados como exemplos de erros a serem evitados, mas isso somente em classes muito amadurecidas, sob a condução de um professor capaz e alinhado à ortodoxia (e nunca é demais repetir, com o consentimento do pastor titular da igreja).[3]


educação cristã Os construtos transmitidos em uma Escola Dominical, grupo pequeno ou qualquer outra instância, devem fortalecer os crentes na doutrina bíblica sadia. O educador cristão se esforça para glorificar a Deus motivando os alunos para a devoção, cumprimento da missão, voluntariado alegre e colaboração com a unidade e edificação da igreja. 1.3. Somos agentes do Espírito Santo Como Executivo da Trindade, o Espírito Santo nos chama e capacita para sermos professores: “Tendo [...] diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: […] o que ensina esmere-se no fazê-lo (Rm 12.6-7), ou como lemos na NVI, “se o seu dom é […] ensinar, ensine” (cf. 1Co 12.28). Jesus ensinou com autoridade como “Cristo” ou “ungido” de Deus (Mt 3.16; 4.23; 7.28–29). Semelhantemente, o discipulador leciona revestido pelo Espírito (At 1.8). Ademais, uma vez que, diferente de outros tópicos da vida comum, a verdade de Deus só é compreendida espiritualmente, o professor-discipulador sente “dores de parto” e derrama “lágrimas” enquanto ora para que Deus “forme Cristo” em seus alunos (Sl 126.5-6; At 20.31; Rm 10.1-2; Gl 4.19; Ef 1.16-23). Antes e acima de qualquer metodologia pedagógica, o professor necessita de sustento e capacitação sobrenatural. Eis o que temos até aqui: um professor dedicado ao ensino formador-transformador, alicerçado na doutrina pura da Bíblia, completamente dependente de Deus e cheio do Espírito Santo. A partir deste ponto, podemos falar sobre metodologias pedagógicas.

2. A oportunidade-problema No tempo espremido entre o culto matutino e a divisão de classes, o

Superintendente da Escola Dominical anuncia, animadíssimo: — No próximo trimestre, a classe “Sabidos de Sião” estudará o Livro Os Primeiros Passos do Discípulo, de nossa Editora Cultura Cristã. Aproveitem o prazo (até domingo que vem) para matricular-se! Algumas pessoas recebem a notícia com um sorriso amarelo. Vale a pena matricular-se na classe “Sabidos de Sião”? Um trimestre inteiro de estudos baseados em um livro cristão? Uns até entendem que, na Escola Dominical, só devem ser usadas a Bíblia e a revista da denominação. Considerando experiências anteriores, de professores lendo em tom monótono linha por linha de capítulos de livros, em alguns corações, surge “temor e tremor”. Ensinar não é fácil em nenhuma ocasião, mas tanto professores quanto alunos sabem do que eu estou falando. Ensinar a partir de um livro é desafiador de diversos modos. 2.1. Ensinar a partir de um livro é desafiador para o bolso Na maioria dos casos, um livro é mais caro do que uma revista. Cada aluno deve comprar o seu exemplar ou uma versão gospel do “Capitão Jack Sparrow ” [4] vai “compartilhar” cópias (ilegais) do livro para os alunos? Nestes tempos de acesso a conteúdos digitais e aperto financeiro, as editoras são premidas a encontrar maneiras de tornar os livros mais acessíveis. Por outro lado, temos de ajudar os cristãos a compreender que é importante investir em bons livros. Assim como é legítimo adquirir livros escolares, vale a pena pagar pelo livro cristão (esse investimento motiva os autores a escrever mais, e garante o lugar das boas editoras no mercado editorial). 23

2.2. Ensinar a partir de um livro é trabalhoso Usar livros no ensino cristão é ordinariamente mais trabalhoso do que usar revistas, porque estas últimas são formatadas didaticamente para uso na Escola Dominical e grupos de estudo. Uma revista é intencionalmente produzida para leitura facilitada. O tema de cada unidade é sublinhado. O assunto é escrito com clareza e separado por seções e subseções. O autor de um texto didático se esforça para multiplicar as aplicações e, em alguns casos, acrescenta exercícios de fixação. É claro que, mesmo tratando-se de uma revista, o professor lerá e estudará a lição até dominar o conteúdo e o método, mas acontece algo diferente no caso de um livro. Todo bom escritor se esmera para ser minimamente didático, mas nem todo livro é redigido pensando-se em seu uso em uma classe de estudos. Isso impõe ao professor sete tarefas ou passos: Ler e entender o livro. Verificar como o autor organizou seu conteúdo e esboçá-lo didaticamente. Comprometer-se com a exposição deste conteúdo. Ligar o livro com as Escrituras e às realidades e necessidades dos alunos. Elaborar aplicações e atividades de aprendizado. Empacotar isso em uma apresentação interessante. Dar a melhor aula de sua vida. Esses sete passos constituem o cerne desta oficina. 2.3. Vale a pena ensinar a partir de um livro Apesar dos desafios mencionados, vale a pena ensinar a partir de um livro, por duas razões.


educação cristã Em primeiro lugar, ao dar os sete passos mencionados nesta oficina, o próprio professor cresce em conhecimento e espiritualidade. Ao estender seu saber literário-teológico, e ao treinar sua mente e coração na preparação de uma boa aula utilizando um livro, ele se torna um professor melhor e mais frutífero no discipulado. Além disso, como segundo benefício, dar boas aulas utilizando livros ajuda os cristãos a compreenderem que bons livros cristãos são úteis para o amadurecimento e prática da fé. O brasileiro, de modo geral, investe pouco em livros e lê pouco (não consideramos caro pagar R$30,00 em uma picanha maturada com fritas, em nosso restaurante predileto, mas achamos muito pagar R$30,00 em um livro). Ademais, precisamos ajudar os alunos a compreender que somos herdeiros da Reforma Protestante do Século 16, um movimento que, desde o berço, expandiu-se por meio da distribuição de boa literatura cristã. Dito isso, retornemos aos sete passos para a elaboração de estudos bíblicos a partir de livros. Passo 1: Ler e entender o livro Antes de ensinar utilizando um livro, o professor deve ler e entender seu conteúdo (é claro que isso se aplica também ao uso de uma revista). Muito simples. O professor deve poder afirmar: “De acordo com este autor…” e o que segue realmente constituir o ensino do referido autor. É isso mesmo que o autor diz? Isso parece óbvio, mas já assisti aulas em que o professor afirmou que o autor dizia uma coisa quando, no texto utilizado como base da aula, constava exatamente o contrário. Em determinadas ocasiões, nossa compreensão do autor pode ser turvada por

nossa predileção doutrinária ou cultura eclesiástica. E há casos em que, simplesmente, não passamos da leitura elementar (deixamos de responder à pergunta básica: “O que diz a frase?”; figura 01).[5] Para evitar a má interpretação do pensamento do autor, é necessário realizar a leitura “inspecional” ou “pré -leitura” (que responde às perguntas “o livro é sobre o quê?” e “qual a estrutura deste livro ou capítulo?”) e, se possível, prosseguir para a “leitura analítica” (abordar o texto com tempo e calma, fazendo diferentes perguntas, ao ponto de dialogar com o autor).[6] Em suma, ler bem, até compreender o que o autor realmente diz. Isso nos conduz à pergunta: Eu, professor ou discipulador, tenho alguma dificuldade de leitura? Aqui nós somos ajudados por Bauer: Antes de ler o trecho a seguir, dê uma olhada no seu relógio e anote a hora que ele indicar: Os livros que lemos pela primeira vez em lugares estranhos sempre guardam seu charme, não importa se os lemos até o fim ou os deixamos de lado. Foi assim que Hazlitt sempre se lembrou de que foi em 10 de abril de 1798 que ele ‘se sentou para ler Nova Heloísa na pousada de Llangollen com uma garrafa de xerez e um prato de frango’. Da mesma forma, eu me lembro do professor Longfellow, da faculdade, recomendando-nos que lêssemos o Peau de Chagrin [A Pele de Onagro], de Balzac, para desenvolvermos bem o 24

nosso francês; mas foi apenas mais de uma década depois que eu encontrei o livro em um hotel-fazenda, numa viagem literária, e fiquei acordado metade da noite para lê-lo. Mas é possível, por outro lado, que encontros acidentais como esse com livros se deem em circunstâncias irremediavelmente desfavoráveis, como quando eu me deparei com o Leaves of Grass [Folhas de Relva] pela primeira vez em minha primeira viagem em uma barca açoriana. E, naquela tarde, ele me causou um leve sentimento de náusea, que talvez também possa causar em terra firme […]. Olhe novamente para seu relógio. Quanto tempo você levou para ler esse trecho? Conte as palavras desconhecidas. Quantas você achou? Se você não sabe o que é xerez, será que pode descobrir o que é pelo contexto? Qual é o ponto de vista de Higginson, o autor dessa passagem? Se você levou um minuto ou menos, já esta é lendo em velocidade apropriada para uma leitura profunda de prosa. Se você achou até dez palavras desconhecidas nesse trecho, seu vocabulário já estará acima do chamado “analfabetismo funcional”, o que quer dizer que você é tecnicamente capaz de ler qualquer coisa que tenha sido escrita para um leigo inteligente.

Figura 01. Níveis de leitura.


educação cristã Se você adivinhou que xerez é uma espécie de bebida, sabe como coletar pistas para o sentido de palavras desconhecidas a partir do seu contexto. E se você conseguiu descobrir (apesar dos nomes próprios desconhecidos) que Higginson pensa que as condições sob as quais você lê um livro pela primeira vez provavelmente afetarão a forma como você se lembrará dele daí em diante, saberá então como captar a ideia central de um parágrafo. Se você levou mais de um minuto para ler essa breve passagem e encontrou mais de dez palavras desconhecidas, é recomendável que você examine suas habilidades mecânicas de leitura.[7] Se você tem interesse nos aspectos técnicos da leitura, interpretação e extração do conteúdo do livro, recomendo as obras de Adler e Van Doren e Bauer, mencionadas na bibliografia. Adler e Van Doren nos ajudam a compreender as dimensões da leitura (para entretenimento, para informação e para entendimento) e os quatro níveis da leitura inteligente (mencionados na figura 01). Em seguida, eles nos conduzem na leitura de diferentes gêneros literários (como ler livros práticos, como ler literatura imaginativa, como ler narrativas, peças e poemas, como ler livros de história, como ler livros de ciências e de matemática, como ler livros de filosofia e como ler livros de ciências sociais). Por fim, eles abordam os “fins últimos da leitura). Bauer fornece dicas úteis sobre leitura apresenta a educação clássica (o trivium: gramática, lógica e oratória dos gregos) e nos ajuda a entrar na “grande conversação” com autores de romances, autobiografias e memórias, narrativas de historiadores, teatro e poemas. Só estas obras dariam uma oficina.

Passo 2: Esboçar o conteúdo didaticamente Dado o primeiro passo, estamos aptos a esboçar as ideias do autor. Há casos em que isso é fácil, pois alguns autores dividem seu assunto em seções e subseções. Outros, porém, despejam suas ideias em jorros tumultuosos: Esboço 1. Capítulo de livro do autor Genialis Complicatus. Capítulo 02. Os dons espirituais em 1Coríntios 12 Ideia 1: O Deus Trino concede dons para edificação. Ideia 2: Desequilíbrio no uso dos dons. Ideia 3: Os dons são dados por Deus. Ideia 4: Temos de valorizar os dons espirituais. Ideia 5: Minha experiência com o uso dos dons em Moçambique (esse ponto tem ligação com as ideias 1, 4 e 8). Ideia 6: O Espírito Santo nos leva a afirmar que “Jesus é o Senhor”. Ideia 7: O lugar do ensino da lista de dons. Ideia 8: O corpo de Cristo deve ser edificado. No capítulo acima, as ideias vêm e vão; temas são propostos em um ponto e retomados em outro. Os alunos serão ajudados se o professor organizar as ideias do autor em tópicos, quem sabe: Esboço 2 Elaborado pelo professor Erivaldo Perseverantus, do capítulo do livro do autor Genialis Complicatus. Tema da aula: Os dons espirituais em 1Coríntios 12 I. A fonte e os beneficiários dos dons. 1. Os dons provêm do Deus Trino. 2. Os dons são concedidos aos crentes (os que declaram que “Jesus é o Senhor”). II. Os dons presentes na Igreja de Corinto. 25

1. Uma lista de dons. 2. Uma possibilidade de organização da lista de dons. III. O uso correto dos dons. 1. O contexto do corpo de Cristo. 2. Dons para edificação. O segundo esboço favorece a aprendizagem. Quanto mais organizada e simples a apresentação do conteúdo, melhor para os alunos. Passo 3: Expor o conteúdo do livro Como vimos no primeiro passo, pode acontecer de o professor não compreender o conteúdo do livro corretamente (e isso é corrigido com a leitura correta do texto). Mas não apenas isso. Ocorre outro problema, qual seja, alguns professores simplesmente desconsideram o conteúdo programado. Recebem o livro, assumem ou são escalados para a aula sobre tal capítulo, mas lecionam uma matéria desconectada do texto adotado. Isso não é bom, por cinco razões: Porque desvaloriza o trabalho das pessoas que investiram tempo pesquisando e deliberando sobre o material a ser utilizado no grupo de estudo. Sinaliza que o professor não se importa com a boa mordomia dos recursos da igreja e dos alunos (no caso da igreja pagar pelo exemplar do professor, ou dos alunos comprarem o livro recomendado). O aluno pode frustrar-se por ler previamente o capítulo para uma aula e o professor não o abordar devidamente. Eu já presenciei situações em que a exposição do professor, desconectada do conteúdo do livro, empobreceu o ensino. Conceitos e percepções bíblicas e doutrinárias preciosas do livro foram simplesmente deixadas de lado, enquanto o professor dedicou o tempo da aula a definições, aplicações e compar-


educação cristã tilhamento de experiências nem sempre condizentes com o projeto pedagógico. O professor deve se comprometer a seguir a proposta pedagógica aprovada, expondo com honestidade o pensamento do autor do capítulo ou livro escolhido para o ensino. Isso não equivale a lecionar mecanicamente, nem ser alheio ao contexto e necessidades reais da igreja ou dos alunos. Sendo assim, prossigamos para o passo 4. Passo 4: Tornar o conteúdo relevante O conteúdo estudado possui valor em si mesmo. Quem torna o conteúdo relevante é o professor. Entendamos isso melhor. Com raras exceções, desde minha adolescência, eu ouço a reclamação de que o conteúdo escolhido para a Escola Dominical não atende às “necessidades reais” da igreja. Convivi com irmãos da Convenção Batista Brasileira e ouvi deles a mesma reclamação: As revistas da denominação nem sempre pareciam relevantes. Se o conteúdo é produzido por uma Junta Nacional, reclama-se de que autores da região Sudeste não conhecem as realidades dos crentes da região Norte. Um presbitério criou uma estrutura editorial independente, a fim de atender as demandas de seu contexto regional. Mesmo assim, surgiu reclamação: o autor de determinadas lições, pastor de uma igreja de porte maior, não conhece as realidades de uma igreja de porte menor, do mesmo presbitério. E já ouvi professores e alunos reclamando da falta de relevância dos conteúdos produzidos pela equipe de educação cristã da própria igreja local. Se isso não bastasse, já testemunhei protestos sobre as pessoas que escolhem o conteúdo, ou sobre os critérios de escolha do conteúdo. Isso com relação

a revistas, livros cristãos e até quando se adota a Bíblia como livro-texto (“por que estudaremos Sofonias”? “O que a Epístola de Tiago tem a ver com meus problemas conjugais”?). O fato é que não existe currículo que se encaixe perfeitamente em todos os contextos e necessidades pessoais. Repetindo, quem o torna relevante é o professor. Pensemos no professor de matemática que usa um livro adotado por sua escola. Ele não participa diretamente da escolha do livro (quem sabe a escola receba livros do Governo, ou integre uma rede de ensino que utiliza material didático apostilado). Eis o professor diante do livro. O tema da próxima aula é “equação do segundo grau” e o primeiro parágrafo da matéria começa assim: “Denomina-se equação do segundo grau, qualquer sentença matemática que possa ser reduzida à forma ax2 + bx + c = 0, onde ‘x’ é a incógnita e ‘a’, ‘b’ e ‘c’ são números reais, com a ≠ 0; ‘a’, ‘b’ e ‘c’ são coeficientes da equação. Observe que o maior índice da incógnita na equação é igual a dois e é isto que a define como sendo uma equação do segundo grau.”[8] Qual a relevância disso para o “Joãozinho”, que sofre com a prisão de seu pai? O responsável por tornar esta aula relevante é o professor. Vocês sabem do que eu estou falando; um bom professor torna matemática interessante e relevante. Um professor ineficaz aniquila o interesse dos alunos pela matemática. Repetindo, o agente da relevância da aula é o professor. Falando de educação em âmbito geral, Butt afirma: O conteúdo [é] determinado em parte pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), é mediado por diferentes normas em vários níveis, regionais e escolares. O 26

importante quanto a isso é que o modo de desenvolvimento desse conteúdo é uma escolha […] do professor.[9] A Palavra de Deus, em si mesma, possui valor e eficácia. Ela jamais retorna “vazia” (Is 55.10-11). No entanto, é possível pregar um sermão com excelente conteúdo e nenhuma relevância. E o pior é quando dizem “este sermão pareceu uma aula”, dando a entender que “aula” equivale a recebimento de informação sem impacto nos afetos e na vontade — teoria que não convoca para a mudança do ser, do saber e do fazer. Biblicamente, como lemos em 2Timóteo 3.14-17, todo ensino é dado para que sejamos feitos — pela aplicação, por intermédio do Espírito Santo, da Palavra em nosso coração — cristãos “inteiros” e “habilitados” para o serviço divino. E o modo como o conteúdo é repassado pelo professor faz diferença. O que Butt afirma sobre a prática pedagógica em geral, aplica-se ao ensino cristão: Para observador leigo, a boa prática de ensino parece algo extremamente simples. A impressão, pelo menos para o observador não treinado, pode ser a de que o professor só precisa voltarse para a classe e “transmitir” algum conteúdo para que os alunos sob sua responsabilidade aprendam. A classe é organizada, os materiais de ensino estão facilmente à mão, os alunos reagem adequadamente às questões ou orientações apresentadas pelo professor e a atmosfera de aprendizagem resultante é marcada pelo apoio. O professor é confiante e seguro e o ato de ensinar parece desenvolver-se quase sem esforço. As transições entre as atividades de aprendizagem — que parecem, todas elas, de interesse dos


educação cristã alunos — são suaves e eficazes. As perguntas apresentadas pelo professor são levadas a sério pelos alunos, que estão ávidos por responder. Estes são, por sua vez, devidamente elogiados pelas respostas que dão. Há poucas perturbações ou disputas, todos parecem compreender seu papel no processo de aprendizagem e todos se engajam no trabalho com um sentido positivo de propósito. O que poderia ser mais simples?[10] Não é bem assim. Para que ocorra o aprendizado, a transmissão do conteúdo deve considerar o contexto e as necessidades dos alunos. Daí o valor do professor como um discipulador, pois uma das facetas do discipulado é a amizade: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer” (Jo 15.15). Griggs nos informa que “professores amigos” são lembrados por conectar-se a coisas que os alunos também acham interessantes. [11] Sendo assim, a igreja necessita de “professores que escutem, que conheçam tanto o mundo da igreja quanto o mundo do aluno”.[12] Usando uma analogia da informática, um professor cristão funciona como um cabo (hub) que conecta o livro adotado à Bíblia e, a partir de então, aos alunos de carne e osso.[13] Usando uma analogia geométrica, a conexão exige que o professor atente para o triângulo da relevância — há um ângulo bíblico, um ângulo humano, histórico e cultural e, por fim, um ângulo pessoal. Nós olhamos para cada ângulo fazendo perguntas pertinentes. O ângulo bíblico O que o autor diz aqui é bíblico?[14]

Figura 02. O triângulo da relevância.

De que modo este conteúdo relaciona-se com a Bíblia? O ângulo humano, histórico e cultural Quais necessidades gerais, compartilhadas por toda a humanidade, incluindo quem não é crente, são sublinhadas no livro inteiro, ou neste trecho do livro? Quais necessidades dos cristãos, de todos os tempos e culturas, são abordadas neste capítulo ou trecho deste livro? Que aspecto da realidade ou cultura de meus alunos é retratado (ou confrontado) por este texto? Aqui cabe relacionar a aula com acontecimentos recentes e de conhecimento geral. O ângulo pessoal Enquanto eu preparo esta aula, quais “rostos” de alunos eu “enxergo”? Como eles estão e do que precisam? De que modo este conteúdo pode ajudar o “Joãozinho”? Aqui eu retorno ao que disse no início, sobre oração e dependência de Deus. Nenhum professor sabe tudo sobre seus alunos, mas Deus sabe. Ele nos conduz, fazendo-nos abordar questões que tocam as vidas dos alunos de maneiras que não planejamos. Trocando em miúdos, “andar com Deus” nos ajuda a dar aulas mais relevantes. 27

Último detalhe: O professor cristão busca atender necessidades *espirituais reais*, a fim de não cair no erro apontado por Doriani, quando avalia sermões contemporâneos que não passam de “conversa repetitiva e antropocêntrica, que busca a aprovação dos desejos caídos e ignora todo o conselho de Deus”.[15] Isso nos conduz ao passo seguinte. Passo 5: Elaborar aplicações e atividades de fixação Ao longo da história, os mestres cristãos entenderam que aplicar a Palavra de Deus ao coração é uma tarefa do Espírito Santo. Ao mesmo tempo, Deus usa o professor para comunicar sua Palavra convocando os alunos à conversão, santificação e serviço. Deus faz uso do mestre para alimentar e consolar os crentes com a doutrina e as promessas da Escritura. O professor aplica o ensino, a fim de “levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co 10.5), como dissemos desde o início, plenamente consciente de que quem torna seu esforço eficaz é o Espírito Santo (cf. Ez 37.4,9,12,14). Dito de modo mais teológico, o Espírito aplica eficazmente (chamado interno); o professor cristão aplica fielmente (chamado externo; cf. 1Co 4.1-2). Aplicações podem ser feitas ao longo de toda a aula, ou, como preferem alguns, podem ser colocadas na parte final. O importante é que não sejam negligenciadas. Quando se estuda um texto bíblico, é sempre possível desfrutar das sete fontes de aplicações, apontadas por Doriani:[16] Os chamados à obediência (regras).[17]


educação cristã Os princípios gerais de comportamento, tais como “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22.39) (ideais).[18] As verdades cardeais da fé (doutrina).[19] Acontecimentos e seus significados teológicos (atos redentores na narrativa).[20] Lições morais (atos exemplares da narrativa).[21] Especialmente nos livros proféticos, as ações simbólicas, tais como o casamento de Oseias com uma prostituta, ou Isaías tendo de andar “três anos despido e descalço” (Is 20) (imagens ou símbolos bíblicos).[22] O aprendizado da devoção (cânticos e orações).[23] Doriani nos informa ainda que cada fonte pode conectar-se a quatro aspectos: Dever, caráter, objetivo e discernimento.[24] Por exemplo, a partir desta doutrina, o que eu devo fazer (dever)? Quem eu devo ser (caráter)? Para onde devo ir (objetivo)? Como distinguir a verdade do erro (discernimento)?[25] Um livro cristão pode conter algumas destas “fontes” de aplicações, ou apontar para uma parte da Bíblia que as contém. O importante na aplicação é que o aluno perceba que o conteúdo estudado não é mera abstração, e sim, algo vital. Por fim, é muito bom quando o professor formula atividades que ajudam a fixar isso na mente e coração do aluno. Entenda-se como “atividades de fixação”: Perguntas feitas à classe, no transcurso da aula. Questionários (perguntas objetivas e subjetivas, testes de múltipla esco-

lha, falso ou verdadeiro e ligações entre colunas “a” e “b”). Jogos pedagógicos (caça-palavras, nuvem de marcadores ou completar frases). Tarefas (um resumo do capítulo; uma apresentação em grupo de determinada parte do conteúdo e, etc.).[26] Nem sempre as aulas em igrejas contemplam exercícios. No Departamento Infantil, professores dividem a aula em tempo para exposição (o momento da “história”) e tempo para atividades. A partir das classes de adolescentes, corremos o risco de focar apenas na exposição. Uma pessoa me disse, preocupada, que se adotássemos o projeto pedagógico, proposto para as classes de jovens e adultos, estas se pareceriam com “salas de aula”. Eu respondi que “a Escola Dominical” é uma escola; por conseguinte, as classes são, de fato, “salas de aula”, daí não haver problema em preparar aulas bíblicas, mesmo para jovens e adultos, com exposição e atividades pedagógicas. Estas atividades devem ser adequadas a cada contexto (pode ser que sua classe seja composta por alunos semialfabetizados, ou muito idosos; em tais situações, você criará atividades pertinentes à sua classe). O fato é que estas atividades podem ser agradáveis e proveitosas. Terminada a elaboração das aplicações e atividades, estamos prontos para o sexto passo. Passo 6: Preparar uma aula interessante Mesmo quando um professor é chamado de última hora e fala “de improviso”, na maioria dos casos isso dá certo quando ele tem experiência na preparação de boas aulas. As pessoas olham para ele e pensam: “Uau, ele 28

está improvisando e dando uma aula excelente!”, mas o professor sabe que estudou muito aquele assunto e o tinha fixado em sua mente e coração. Pelo menos ordinariamente, o Espírito Santo nos ajuda a “lembrar” aquilo que já conhecemos (Jo 14.26). Como diz Butt: A aprendizagem não acontece por acaso. É, portanto, muito raro (embora, talvez, não impossível) que uma ‘boa aula’ resulte da entrada de um professor despreparado na sala de aula, sem que qualquer procedimento para a aula tenha sido planejado de antemão. Há, sem dúvida, evidências substanciais que sugerem ser o contrário o mais comum — que a prática de ensino ineficaz esteja relacionada a um planejamento de aulas inadequado.[27] A aula interessante demanda um plano. “O propósito do plano de aula é oferecer um guia prático e utilizável para as atividades de ensino-aprendizagem que ocorrerão dentro de uma aula específica”.[28] Butt nos ajuda a compreender que um plano de aula: Deve “caber” na sequência de ensino mais ampla e ser escrito de tal forma que fique claro para outro professor (ou observador) aquilo que se pretende na aula planejada.[29] Não é um script a ser lido (embora possa conter anotações sobre o conteúdo a ser desenvolvido na aula) e não deve ser seguido a todo custo se os eventos dentro da sala de aula indicarem que uma mudança de direção para você e seus alunos é aconselhável e justificável do ponto de vista educacional”.[30] Pode ter diferentes formatos. “A forma exata do plano de aula que você adota é, em grande parte, uma escolha pessoal”.[31] O que deve constar em um plano de aula? Fundamentalmente o objeti-


educação cristã vo ou propósito geral da aula, os objetivos de aprendizagem, o conteúdo a ser ensinado, as atividades de aprendizagem, os recursos e a duração da aula. É possível incluir ainda a avaliação(dos alunos e da aula).[32] Para um professor cristão, o propósito geral de uma aula baseada em um livro é consolidar os alunos no aprendizado do referido livro. Normalmente isso tem ligação com as intenções educacionais do pastor ou da Superintendência ou Coordenação da Escola Dominical. Para os interessados neste assunto, recomendo a participação na oficina oferecida pelo Dr. Cláudio Marra, Os Objetivos da Aula. É muito recomendável que o professor cristão articule com clareza os objetivos de aprendizagem. Objetivos de aprendizagem — objetivos específicos ou propósitos a serem atingidos; metas para a aprendizagem dos alunos nesta sala. […] Os objetivos são […] pautados naquilo que os alunos deverão aprender […]. Esses objetivos podem contemplar a aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes, que devem ser alcançáveis dado o contexto real de ensino. […] Ao expressá-los, utilize frases claras e concisas, que possam ser compreendidas pelos alunos, como “Os alunos conhecerão…”; “Os alunos serão capazes de…”. Também é importante pensar como os resultados desses objetivos poderiam ser mensurados. Uma avaliação do desempenho dos alunos ou de sua aula permitirá perceber se seus objetivos de aprendizagem foram atingidos.[33] Além de objetivos de aprendizagem claros, o plano atenta para as atividades de aprendizagem.

Atividades de aprendizagem — uma sequência de “passos para a aprendizagem” na aula, do começo ao fim. As definições de atividades de aprendizagem implicam a escolha das formas, a seu ver, mais produtivas para a aprendizagem dos alunos, projetadas para atingir os objetivos de aprendizagem previamente estabelecidos. As atividades de aprendizagem podem tanto se “centrar no aluno” como “no professor”, mas devem ser desenvolvidas primordialmente para engajar e motivar os alunos, além de proporcionar desafios e estabelecer um dado ritmo. Pode-se empregar uma variedade de estratégias de apoio relacionadas a essas atividades: para introduzir a aula, “fisgar” os alunos, incentivar uma atmosfera de trabalho, concluir atividades e resolver problemas. As atividades devem ser diferenciadas de acordo com o nível dos alunos do grupo […]. É preciso lembrar que para cada atividade de aprendizagem o professor precisará introduzir a tarefa, certificar-se de que todos os alunos a compreendem e dão conta daquilo que têm de fazer, explicar os recursos a serem utilizados e apresentar o vocabulário novo.[34] Outra questão importante são os recursos. Recursos — podem ser tanto gerais (como os materiais previamente preparados e mantidos à disposição de todos os membros da escola), físicos (folhas de tarefa, livros didáticos, equipamentos audiovisuais, computadores, etc. […], como pessoais. Recursos pessoais são aqueles que você cria para ensinar uma turma específica, com a devida consideração às necessidades particulares.[35] Por fim, o professor eficaz se preocupa com a duração da aula. 29

Duração — todos os planos de aula devem detalhar claramente o momento em que as diferentes atividades devem ocorrer na aula. Chegar a uma previsão bastante precisa do tempo de duração de diferentes atividades e, como resultado, sentir-se seguro com relação aos momentos em que ocorrerão mudanças de atividades ou o encerramento da aula é algo muito importante.[36] Isso nos conduz a uma situação frequente em igrejas que realizam o culto matutino, antes da divisão de classes da Escola Dominical. Pode acontecer de o culto extrapolar o tempo previsto, estrangulando o tempo previsto para a aula. Se o professor entende que isso acontece com frequência, ao invés de desgastar-se reclamando ad infinitum da má gestão do tempo do culto, o melhor é incluir a possibilidade de atraso no plano de aula. Sendo assim, planeja-se uma aula curta (para o caso de haver atraso) e uma aula longa (para o caso de não ocorrer atraso). Eis uma sugestão de um plano de aula.[37] Classe: Sabidos de Sião. Aula: Os dons em 1Coríntios 12. Objetivo geral: Aprendizado do livro adotado — que os alunos compreendam como o Espírito Santo capacita os crentes para o serviço. Objetivos de aprendizagem: • Os alunos poderão dizer o que é e para que serve um dom espiritual. • Os alunos saberão quais são os dons espirituais mencionados em 1Coríntios 12. • Os alunos entenderão como cada dom (de 1Coríntios 12) foi ou continua sendo usado na igreja cristã. R e c u r s o s: L i v r o , s l i d e s ( D a t a


educação cristã Show), vídeo, folha de atividades. Métodos e procedimentos (duração): • Introdução com vídeo (10min). • Exposição (20min). • Perguntas e respostas (10 min). • Folha de atividades (10min) Tarefa para casa: Resumo do capítulo. Avaliação: Da aula, pelo professor. Uma palavra final sobre o uso de recursos. Aprenda a utilizar bem o recurso. Pesquise por cursos e leia livros que o ajudem a compreendê-lo e dominá-lo. Aos que desejam usar Data Show, recomendo os livros Apresentação Zen: Ideias Simples de como Criar e Executar Apresentações Vencedoras, de Garr Reynolds e Slide:ology: A Arte e a Ciência para Criar Apresentações que Impressionam, de Nancy Duarte. É importante também dominar a ferramenta (o aplicativo) que você utilizará para criar e apresentar seus slides (PowerPoint, Keynote etc.). Vale a pena participar da oficina com o Dr. Daniel Santos, O Uso Eficiente do Data Show. Prepare e teste tudo; ensaie a apresentação fora da sala de aula e in loco, com antecedência. Leve diferentes mídias para a apresentação: Pelo menos dois pendrives com o arquivo; diferentes formatos de arquivo (uma versão em PDF é sempre útil, para o caso de o computador disponível não conseguir ler seus arquivos nativos) e uma versão impressa da aula (para o caso de tudo o mais falhar). Chegue cedo na classe e deixe tudo pronto. Fazendo assim, você não perde tempo antes da aula conectando cabos e verificando áudio. Eis o que temos até aqui: O professor leu e compreendeu bem o capítulo do livro e o esboçou didaticamente;

comprometeu-se com sua exposição e tornou o conteúdo relevante (ligando-o à Bíblia e aos alunos de carne e osso); elaborou aplicações e atividades de fixação e planejou a aula mais interessante possível. Está quase tudo pronto. Só falta o sétimo passo. Passo 7: Dar a melhor aula de sua vida O que o professor e os alunos esperam de um estudo baseado em um livro? O professor dorme cedo na noite de sábado e acorda cedo na manhã de domingo. Em casa, ele ora pela lição e pelos alunos e se esforça para chegar à igreja entre quarenta e trinta minutos antes do horário. Ele organiza a sala, liga e testa todos os equipamentos e ora novamente. Agora ele deve lecionar a melhor aula de sua vida. Simples assim. Isso tem de ser levado a sério, especialmente quando consideramos cinco enquadramentos possíveis: A situação mais comum é a do professor que se sente desafiado a instruir sua classe, mas a expectativa da classe é baixa. Outra situação, também frequente, é a do professor com expectativa baixa, tendo de falar a uma classe com expectativa alta. Tristemente comum: professores e alunos com expectativas baixas. Nesse caso, há acomodação com aulas ruins (tradição baixa). É possível também que tanto o professor quanto os alunos tenham expectativas medianas. “Vou à Escola Dominial” e vai ser “bom”. Parece melhor, mas trata-se de acomodação com aulas medíocres, cuja preparação está aquém do que foi colocado acima. 30

A situação ideal é esta: professores e alunos se encontram a cada domingo com expectativas altas. As situações 1 a 4 podem acontecer por diferentes razões. O problema pode decorrer de má doutrinação (uma compreensão deficiente da doutrina dos meios de graça). Nesse caso, o professor ou o aluno não compreendem que uma aula da Escola Dominical — mesmo baseada em um capítulo de um livro cristão — por conter conexão viva com a Bíblia, é meio de graça. Outra coisa que pode gerar os enquadramentos 1 a 4 é a oposição espiritual. Todo ensino cristão ocorre em um contexto de enfrentamento do mundo, da carne e de Satanás (cf. Mc 4.1–20). Sendo assim, tanto o professor quanto os alunos devem orar para que Deus abençoe as aulas, de modo que a “semente” frutifique “a trinta, a sessenta e a cem por um” (Mc 4.8,20). Por fim, os primeiros quatro enquadramentos podem acontecer por esgotamento (o professor precisa ser revitalizado espiritualmente), acomodação (repetimos o que sempre fizemos, sem preocupação com o discipulado ou com o aperfeiçoamento de nossa prática de ensino) ou preguiça (a triste e esdrúxula situação do professor que não gosta de estudar). Eis o quadro: Nós criticamos igrejas que atraem frequentadores com falsas promessas (“compareça a nossas reuniões e obtenha tais e tais benefícios!”), ao mesmo tempo em que assumimos uma agenda subcristã, deixando de acreditar que nossos ajuntamentos regulares produzam benefícios reais. Alguns professores não acreditam no que ensinam. Não saem de casa, no domingo de manhã, com expectativa de que Deus dispensará graça por meio de seu ensino. Os alunos, por


educação cristã sua vez, arrastam-se como zumbis, a fim de registrar suas presenças na Escola Dominical. Isso contrasta com nossos documentos confessionais. As perguntas 115-121 e 159-160, do Catecismo Maior de Westminster, orientam tanto os que ministram, quanto os que recebem a Palavra, a preparar-se com santa expectativa para o Dia do Senhor e atividades dominicais.

Na semana que vem, tanto os professores quanto os alunos deveriam ir à Escola Dominical para participar da melhor aula de sua vida. E mesmo quando o professor constatar que a aula foi falha, Deus derramará graça, verificando que o professor busca fazer a obra divina com excelência. E após a avaliação da aula da semana anterior, o

professor se dedicará à aula da semana seguinte. E ele se esforçará ao máximo, para que a próxima aula seja a melhor aula de sua vida.

Este conteúdo é parte de uma oficina ministrada no 4º Congresso Nacional de Educação Cristã da IPB: Educação que Transforma, realizado de 21 a 24/04/2016, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e no Congresso Regional de Educação Cristã, realizado de 26 a 27/05/2017, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no Rio de Janeiro.

[12] GRIGGS, op. cit., p. 8. [13] Cf. AUSUBEL, David. Educational Psychology: A Cognitive View. Canada: Holt, Rinehart & Winston of Canada Ltd., 1968. O Dr. Florêncio explica que “a ideia central da teoria de Ausubel é o que ele descreve como aprendizagem significativa […]. Para Ausubel, a essência do processo de aprendizagem significativa é que novas ideias, conceitos e proposições simbolicamente expressas sejam relacionadas de maneira não arbitrária e substantiva (não literal) ao que o aprendiz já conhece, isto é, a algum aspecto relevante existente na sua estrutura de conhecimento”; cf. FLORÊNCIO JÚNIOR, José. Planejamento de Ensino. Brasília: Faculdade Teológica Batista de Brasília, 1997, p. 6. Apostila não publicada. Daí a ideia do professor como um hub que conecta o conteúdo à realidade e pessoa do aluno. [14] Mesmo quando o autor não menciona a Bíblia explicitamente, o professor deve “cavar” a “biblicidade” do conceito ou proposta de ação existente no texto (entendamos que, via de regra, a verificação de biblicidade do livro adotado é feita pelo pastor, superintendente ou coordenação de educação da igreja). [15] DORIANI, Dan. A Verdade na Prática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 13. [16] DORIANI, op. cit., p. 97-113. [17] Ibid., p. 99-100. [18] Ibid., p. 100-101. [19] Ibid., p. 101-103. [20] Ibid., p. 103-104. [21] Ibid., p. 104-106. [22] Ibid., p. 106-108. [23] Ibid., p. 108-109. [24] Ibid., p. 113-141. [25] Ibid., p. 143-183. [26] Sobre estes exercícios e avaliações, cf. MORALES, Pedro. Avaliação Escolar: O Que É, Como se Faz. São Paulo: Edições Loyola, 2003; JACOBS, George M.; GOH, Christine C. M. O Aprendizado Cooperativo na Sala de Aula. São Paulo: SBS Special Book Services Livraria, 2008. (Portfolio SBS: Reflexões Sobre o Ensino de Idiomas; 14). Uma ferramenta online útil e gratuita para elaboração de atividades pedagógicas pode ser acessada em DISCOVERY EDUCATION. Free Puzzlemaker. Disponível em: <http://www.discoveryeducation.com/ free-puzzlemaker/>. Acesso em: 20 Abr. 2016. Eu sou muito grato à irmã e dedicada educadora, Maria Aparecida da Silva, que me apresentou este site em 2001. [27] BUTT, op. cit., p. 15–16. [28] Ibid., p. 31. [29] Ibid., p. 34. [30] Ibid., loc. cit. [31] Ibid., p. 35.

[32] Ibid., p. 35–48. [33] Ibid., p. 42. Grifo nosso. [34] Ibid., p. 44. [35] Ibid., p. 45–46. [36] Ibid., p. 46. [37]BUTT, ibid., p. 36–41 fornece seis modelos de planos de aula. Leituras recomendadas ADLER; VAN DOREN. Como ler livros: O guia clássico para leitura inteligente. São Paulo: Realizações Editora Ltda, 2011 (Coleção Educação Clássica). AUSUBEL, David. Educational psychology: A cognitive view. Canada: Holt, Rinehart & Winston of Canada Ltd, 1968. BAUER, Susan Wise. Como educar sua mente: O guia para ler e entender os grandes autores. São Paulo: É Realizações, 2015 (Educação Clássica). BUTT, Graham. O planejamento de aulas bem-sucedidas. São Paulo: SBS Special Book Services Livraria, 2006 (Série Expansão). DISCOVERY EDUCATION. Free puzzlemaker. Disponível em: <http://www.discoveryeducation.com/free-puzzlemaker/>. Acesso em: 20 Abr. 2016. DORIANI, Dan. A verdade na prática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. DUARTE, Nancy. Slide:ology: A arte e a ciência para criar apresentações que impressionam. São Paulo: Universo dos Livros, 2010. FLORÊNCIO JÚNIOR, José. Planejamento de ensino. Brasília: Faculdade Teológica Batista de Brasília, 1997, p. 6. Apostila não publicada. GRIGGS, Donald L. Manual do professor eficaz. 5ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. HATTIE, John. Aprendizagem visível para professores: Como maximizar o impacto da aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2017. JACOBS, George M.; GOH, Christine C. M. O aprendizado cooperativo na sala de aula. São Paulo: SBS Special Book Services Livraria, 2008. (Portfolio SBS: Reflexões Sobre o Ensino de Idiomas; 14). LEMOV, Doug. Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência. São Paulo: Da Boa Prosa: Fundação Lemann, 2011. MATEMÁTICA DIDÁTICA. Equação do Segundo Grau. Disponível em: <http://www.matematicadidatica. com.br/EquacaoSegundoGrau.aspx>. Acesso em: 20 Abr. 2016. MORALES, Pedro. Avaliação escolar: O que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 2003. REYNOLDS, Garr. Apresentação zen: Ideias simples de como criar e executar apresentações vencedoras. 2. ed. revisada. Rio de Janeiro: Alta Books, 2010.

[1] BUTT, Graham. O Planejamento de Aulas Bem Sucedidas. São Paulo: SBS Special Book Services Livraria, 2006, p. 15. (Série Expansão). [2] Deus Pai nos abençoa “com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1.3). Estas bênçãos são comunicadas a nós pelo Espírito Santo, cumprindo a promessa de Ezequiel: “Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez 36.27; cf. 2Co 3.3; Jo 14.16-17; Rm 5.5; 8.14; 1Co 2.10-13; Gl 5.5, 18). [3] Packer afirma que “ortodoxia é “o equivalente em português da palavra grega orthodoxia (de orthos ‘certo’, e doxa, ‘opinião’), o que significa crença correta” (PACKER, J. I. Ortodoxia. In: ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova,1990, p. 70. v. 3 N — Z, apud NASCIMENTO, Misael. O Valor e os Limites da Ortodoxia. In: Somente Pela Graça. Disponível em: <http://www. misaelbn.com/o-valor-e-os-limites-da-ortodoxia/>. Acesso em: 22 mai. 2017. [4] O protagonista vivido por Johnny Depp, da série de filmes Piratas do Caribe. [5] ADLER; VAN DOREN. Como Ler Livros: O Guia Clássico Para Leitura Inteligente. São Paulo: Realizações editora Ltda., 2011, p. 37. (Coleção Educação Clássica). [6] ADLER; VAN DOREN, op. cit., p. 38-40. [7] BAUER, Susan Wise. Como Educar Sua Mente: O Guia Para Ler e Entender Os Grandes Autores. São Paulo: É Realizações, 2015, p. 35-36. (Educação Clássica). Bauer cita HIGGINSON, Thomas Wentworth. Books Unread, in Atlantic Monthly (1904). [8] MATEMÁTICA DIDÁTICA. Equação do Segundo Grau. Disponível em: <http://www.matematicadidatica. com.br/EquacaoSegundoGrau.aspx>. Acesso em: 20 Abr. 2016. [9] BUTT, op. cit., p. 43. Grifo nosso. [10] Ibid., p. 15. [11] GRIGGS, Donald L. Manual do Professor Eficaz. 5. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 7.

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Minha oração é que esta oficina seja útil aos irmãos e irmãs que, toda semana, labutam no ministério glorioso do ensino da Palavra de Deus. Vamos orar.


identidade presbiteriana | cláudio marra

POR QUEM OS SINOS DOBRAM? Em tempos passados, ouvia-se o repicar de sinos por ocasião de serviços fúnebres. Eles “dobravam”, como se dizia. John Donne (1572-1631), poeta puritano, viveu num tempo em que os sinos dobravam pelos mortos. Em seu texto Meditações aparece a frase título desta página, tema mais tarde desenvolvido por Ernest Hemingway em seu romance homônimo (1940), que levou ao filme também do mesmo nome, estrelado por Gary Cooper (1943). Donne cria que ninguém é isolado, ao contrário, somos solidários em nossa humanidade. Foi o que escreveu iniciando sua Meditação XVII: “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado, todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída (...); a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntai: Por quem os sinos dobram; eles dobram por vós.” Para Donne, quando alguém morre, a humanidade morre um pouco. Eu morro também. Os sinos dobram por mim. Donne foi orientado pela ideia de solidariedade que aprendeu da Escritura e que a Reforma resgatou, como se vê no texto da página 6 desta edição. Os herdeiros da Reforma valorizam esse ensinamento bíblico. Porém, com a desculpa de que devemos fazer o bem principalmente aos da fé, muitas vezes nos restringimos a eles. Nossas juntas diaconais – diferentemente

do ocorrido na Genebra de Calvino – limitam-se a socorrer carentes arrolados na comunidade local. A Escritura nos ensina a fazer mais do que isso. O cuidado com pobres, órfãos e viúvas de Israel foi ensinado na lei de Moisés, mas incluía também o modo de tratar o forasteiro: “Não afligirás o forasteiro, nem o oprimirás; pois forasteiros fostes na terra do Egito”; “(...) vós conheceis o coração do forasteiro, visto que fostes forasteiros na terra do Egito” (Êx 22.21; 23.9). A lei é clara. Sabemos o que é ser forasteiro, porque tivemos essa experiência. Sabemos como se sente um forasteiro. Segundo ensina a Bíblia, “(...) estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa (...). Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. (...) Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus” (Ef 2.12-13,19). A lei vai além, eliminando toda a discriminação e trazendo o forasteiro para o coração do povo de Deus: “Se o estrangeiro peregrinar na vossa terra, não o oprimireis. Como o natural, será entre vós o estrangeiro (...); amá‑lo‑eis como a vós mesmos, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o Senhor, vosso Deus” (Lv 19.33-34). Coerente com a sua própria lei, Deus nos fornece o exemplo: “(...) o Senhor, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e temível, que 32

não faz acepção de pessoas, nem aceita suborno; que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro, dando‑lhe pão e vestes. Amai, pois, o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito” (Dt 10.17-19). A ocupação do planeta ocorreu até aqui, em muitos momentos, como efeito de ondas migratórias. Algumas avançaram conquistando e oprimindo. Outras chegaram carentes e desprezadas. Odiadas até. Nestes tempos, lemos todos os dias sobre forasteiros buscando proteção em países que, em vários casos, os discriminarão e oprimirão. O Brasil tem recebido levas de refugiados que chegam em estado de profunda carência. Diversas comunidades presbiterianas têm se mobilizado para socorrê-los, oferecendo ao país e a outras igrejas um modelo de solidariedade. Quando o império soviético tratava os berlinenses como estrangeiros em sua própria cidade, John Kennedy os visitou em 26 de junho de 1963 e expressou sua solidariedade a eles com a frase que passou para a História: “Ich bin ein Berliner” (Eu sou berlinense). Mas temos um exemplo superior. Jesus “tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si (...) foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades” (Is 53.4-5). O Senhor olhou para nós, fezse humano e morreu a nossa morte. Os sinos que deviam dobrar por nós, dobraram por ele. Há carentes em torno da igreja. A igreja chora com eles e os socorre.


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