Histórica

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Abreviaturas: simplificação ou complexidade da escrita? Renata Ferreira Costa Mestranda da área de Filologia e Língua Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; bolsista FAPESP. Contato: renataferreiracosta@yahoo.com.br

Os documentos manuscritos antigos são fontes diretas de informação para o estudo da história de um povo, beneficiando não só historiadores, mas também lingüistas, filólogos, sociólogos e o público interessado nas peculiaridades e transformações de nossa história lingüístico-social. Nos últimos anos, o Brasil vem demonstrando uma certa preocupação com a preservação e o estudo desses documentos. Fato que tem desencadeado alguns projetos, como, por exemplo, o “Resgate Barão do Rio Branco”, projeto que resgata a documentação do Brasil colônia que permanece no Arquivo Ultramarino de Lisboa e representa 80% dos documentos referentes ao período colonial que se encontram no exterior, e o projeto “Filologia Bandeirante”, iniciativa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sob a coordenação do professor Heitor Megale, que se dedica à busca de documentos originais manuscritos localizados em acervos públicos e privados, pesquisando novas informações sobre a época das bandeiras e o português então praticado. A leitura dessa documentação antiga é uma tarefa difícil que vai muito além da prática e familiarização com o manuscrito, exigindo o conhecimento da época em que foi escrito, ao lado de certa intimidade com a caligrafia, a grafia, o vocabulário, a pontuação, a divisão de palavras, a paragrafação, a numeração e o sistema de abreviaturas comuns na época. Abreviatura, do grego braqui (curto) e graphein (escrever), é uma forma reduzida de se escrever uma palavra. O que se abrevia são sílabas, palavras ou frases de um conjunto escrito, das quais se reduz alguma ou algumas de suas letras. Segundo Marín Martínez (2002, p. 136), toda abreviatura possui dois elementos: aquele que abrevia e o que é abreviado. “Al primero se le llama signo abreviativo; al segundo, palabra o frase abreviada o, simplemente, abreviatura”. O uso das abreviaturas, embora existisse desde a época romana, torna-se mais freqüente no período medieval, época em que, como salienta Silva Neto (1956, p. 31), um dos erros mais freqüentes na leitura dos manuscritos se dá justamente devido à ignorância de siglas e abreviaturas. Se por um lado esse sistema abreviativo baseava-se na tradição latina, por outro, possuía características próprias de textos em língua portuguesa, o que tornou, de certa forma, a interpretação da escrita mais complexa para os leitores e os profissionais do texto, como paleógrafos, filólogos e historiadores. Considerando-se essa problemática apresentada pelo uso das abreviaturas em documentos manuscritos, este artigo objetiva examinar esse aspecto da escrita da língua portuguesa em um documento setecentista sobre a história de São Paulo – Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos -, de autoria, ainda que contestada, de Manoel Cardoso de Abreu. Mais especificamente pretende-se verificar em que medida as abreviaturas facilitavam a escrita e/ou dificultavam sua


interpretação. Para tanto, empreender-se-á aqui um breve estudo das origens do uso das abreviaturas, sua função e sua tipologia. O corpus, pertencente ao Arquivo Público do Estado de São Paulo (identificação E11571), é um códice datado de 1796, com 323 páginas escritas em frente e verso, encadernado com capa dura. Está em ótimo estado de conservação e possui uma grande riqueza histórico-social e lingüística. O objetivo principal do estudo em que se insere esse documento é preparar sua edição semidiplomática. Esse tipo de edição, no que concerne às abreviaturas, propõe o seu desenvolvimento “com base nas formas por extenso presentes no modelo, transcrevendo em itálico os caracteres acrescentados em substituição ao sinal abreviativo” (CAMBRAIA, 2005, p. 129). Os obstáculos referentes ao desdobramento das abreviaturas do corpus surgiram na medida em que os manuais esgotaram suas possibilidades ou quando uma mesma abreviatura trazia múltiplas interpretações. A origem do sistema abreviativo se encontra em um tipo de escrita muito praticada na Roma antiga, a taquigrafia. Do grego tachvs (rápido) e graphein (escrever), é um tipo de escrita desenvolvida para ser tão rápida quanto a fala, já que o costume era transcrever os discursos proferidos ao vivo. Apesar das notas tironianas (notae tironianae), criadas por Marco Túlio Tiro, liberto de Cícero, grande orador romano - donde a designação de tironianas - constituírem o primeiro sistema taquigráfico, alguns estudiosos atribuem a invenção da taquigrafia aos hebreus, e outros, aos gregos. Estes dizem que o filósofo e general ateniense Xenofonte já usava um sistema de abreviaturas; aqueles alegam que a escrita de Davi faz menção à pena de um escritor veloz. Segundo Millares Carlo (1929, p. 46), a partir das notas tironianas desenvolveu-se, desde o século II d.C., na escrita comum, um sistema abreviativo completo e complexo, as notae iuris ou notas jurídicas, chamadas assim por encontrarem-se em códices de conteúdo jurídico y formado por un conjunto de abreviaturas por suspensión, contracción, signos especiales derivados de notas tironianas o verdaderas notas taquigráficas, signos abreviativos con valor general y signos con valor relativo o determinado.

Lima (2006, p. 11) salienta que este tipo de abreviaturas, as notas jurídicas, não tiveram a mesma popularidade das notas tironianas, mas algumas persistem, como v.g. (verbi gratia, por exemplo) e s.m.j. (salvo melhor juízo). A proliferação das abreviaturas se explica, conforme Flexor (1990: XI), por dois fatores: ocupar menos espaço, devido à raridade e conseqüente custo elevado do material de escrita, e economizar tempo escrevendo mais depressa. Esse uso excessivo suscitou, em fins da República romana, como salienta Spina (1994, p. 49-50), na criação de medidas que condicionavam seu emprego, embora não surtissem efeito. O abuso diminuiu com a utilização da letra cursiva, mas, durante o Renascimento, “o hábito das abreviaturas continuou, a ponto de, para as obras jurídicas, serem até publicadas tábuas especiais para a leitura das siglas”. Além das notas tironianas ou taquigráficas e das notas jurídicas, havia um outro tipo de abreviaturas: os nomes sagrados (nomina sacra), tipo de abreviaturas, por contração, de caráter sagrado, usadas na escrita do Novo Testamento. Seu uso estava ligado não à economia de tempo ou espaço, mas à reverência a Deus. Segundo Lima (2006, p. 12), na


tradução da Bíblia para o latim houve a conservação da escrita hebraica no que concerne a algumas abreviaturas, como por exemplo, XPO (Cristo) e IHU (Iesu). Atualmente, vivendo na era da informática, nos deparamos com um novo tipo de linguagem oriunda do mundo virtual, o “internetês”, “um conjunto de abreviações de sílabas e simplificações de palavras que leva em conta a pronúncia e a eliminação de acentos” (MARCONATO, 2006, p. 22). Em busca de ganhar tempo e conversar com o maior número de pessoas possível, a solução foi inventar um jargão repleto de abreviações e símbolos (emoticons), que tem suscitado, como na antiguidade, discussões sobre os riscos que poderia provocar na língua padrão. As abreviaturas, embora não apresentem regularidade ou sistematização nos documentos luso-brasileiros, podem ser classificadas, segundo a natureza do sinal abreviativo, em: 1. Por sinal geral: composta por um signo abreviativo – ponto ( . ), apóstrofo (’), linha sobreposta à letra (–) ou traço envolvente (@), que indica na palavra afetada a falta de uma ou mais letras, mas sem dizer quais. Pode ser subdividida em: 1.1. Abreviatura por suspensão ou apócope: supressão de elementos finais da palavra: an. (=anno); Fr. (=Frei); pag. (=pagina). De acordo com Spina (1994, p. 51), o desenvolvimento desse sistema se dá a partir da escrita carolíngia na Europa. O ponto, segundo Millares Carlo (1929, p. 51), é o signo próprio da abreviatura por suspensão.

Frei

Preambulo

Iaboatão

folha 91

pagina

Ibidem

Exemplos de abreviaturas por suspensão ou apócope presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

1.2. Sigla: derivada da palavra singula (letterae singulae), foi, conforme Spina (1994, p. 50), “o processo mais antigo de abreviação por suspensão ou apócope, e seu uso se manteve durante toda a Idade Média”. Consiste na representação da palavra pela letra inicial


maiúscula, seguida de ponto. Segundo Flexor (1990: XII), podem ser de três tipos: 1.2.1. Siglas simples: quando indicadas apenas por uma letra: D. (= Dom ou = Dona); F. (= Fiel).

Dom ou Dona

Fiel

Siglas simples presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

1.2.2. Siglas reduplicadas: quando a letra é repetida para significar o plural das palavras representadas: D.D. (= Desembargadores); P.P. (= Padres); R.R. (= Reverendos), ou o seu grau superlativo.

Desembargadores

Padres

Reverendos Siglas reduplicadas presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

1.2.3. Siglas compostas ou Acrônimos: quando são formadas por duas ou três primeiras letras da palavra ou pelas letras predominantes do vocábulo: MOBRAL (= Movimento Brasileiro de Alfabetização); SIDA (Síndrome de ImunoDeficiência Adquirida), OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). 1.3. Abreviatura por contração ou síncope: representa a supressão de letras do meio do vocábulo: Roiz (= Rodriguez); Frz (= Fernandez); Snr (= Senhor). Spina (1994, p. 51) destaca que esse tipo de abreviatura, quando fixa apenas as letras inicial e final, pode tornar difícil a identificação da palavra, por isso, para amenizar a dificuldade, conservam-se letras intermediárias, chamadas características, como nos exemplos citados.


Senhor

Fernandez

Alvarez

Gonçalvez

Rodriguez

Martinz

Abreviaturas por contração ou síncope presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

1.4. Abreviatura por letras sobrescritas: sobreposição da última ou das últimas letras da palavra: Illmo (= Illustrissimo); pa (= para); Fevro (= Fevereiro). Seu uso, segundo Spina (1994, p. 51), muito raro entre os romanos, generalizou-se a partir do século XII com a escritura visigótica.

Illustrissimo

para

Excelentissimo

Villa

Fevereiro

Numero

Livro

muito

Exemplos de abreviaturas por letras sobrescritas presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

1.5. Abreviatura mista: quando em uma mesma palavra se encontram abreviaturas por suspensão (apócope) e por contração (síncope), ou quando, numa seqüência de palavras, nenhuma delas apresenta-se isoladamente abreviada: V.Exa (= VossaExcelencia); S. Mage (= Sua Magestade); S. Paulo (= São Paulo).


VossaExcelencia

São Vicente

Sua Magestade

São Paulo

São Thome

São Paulo

Exemplos de abreviaturas mistas presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

2. Por sinal especial: presença de um sinal colocado no início, meio ou fim da palavra abreviada, indicando os elementos ausentes.

etcoetera

Lisboa

paragrafo

mil

Abreviaturas por sinais especiais presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

3. Notas tironianas ou taquigráficas: de acordo com Spina (1994, p. 51) e Flexor (1990: XI), é a mais antiga forma de taquigrafia européia. Os sinais utilizados, que se baseiam nas letras do alfabeto maiúsculo romano, são utilizados em várias posições, tendo significados diferentes em cada uma delas. De acordo com Lima (2006, p. 11), as notas tironianas “se mantêm na escrita moderna, como .S. (= scilicet = a saber), e as várias formas usadas para o et (= e)”.

que

e

Notas tironianas encontradas no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos


4.

Abreviaturas numéricas: constituem as abreviaturas de numerações, designativas de ordem, divisão e meses do ano. Utiliza-se a sobreposição das letras o e a minúsculas aos numerais ou à terminação –br: 1º (= primeiro); 10º (= decimo); 7bro (= setembro); 8bro (= outubro).

primeiro

outubro

segundo

novembro

desetembro

oitavas

Exemplos de abreviaturas numéricas presentes no códice Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos

Mesmo para investigadores acostumados com a leitura de documentos manuscritos setecentistas, muitas vezes torna-se difícil interpretar as abreviaturas correntes. No corpus em questão há cerca de 440 tipos de abreviaturas, das quais a maioria, quase 70 %, corresponde às abreviaturas por letras sobrescritas, e há apenas dois tipos de notas tironianas. Essas abreviaturas são variadas e, algumas vezes, inconstantes, já que não havia uma normatização gráfica na época. As principais dificuldades estavam em como desenvolver uma abreviatura como Va: Villa, como aparece por extenso, ou Vila, como nos dias atuais? Ou, como expandir a abreviatura de um nome próprio como Miz’, que poderia ser interpretado como Muniz ou Martinz? Para esse processo de expansão ou desenvolvimento das abreviaturas, tomou-se como base o dicionário de autoria de Maria Helena Ochi Flexor, que reúne material colhido em documentos do século XVI ao XIX, e que serviu muito bem aos objetivos pretendidos. Entretanto, a expansão das abreviaturas que não foram encontradas nessa obra, deu-se a partir de pesquisas em dicionários, na internet e em textos da mesma época. Em relação às questões propostas acima, seguiram-se as Normas para transcrição de documentos manuscritos para a História do Português do Brasil, propostas por Cambraia, Oliveira, Megale et al. Segundo essas Normas, o desenvolvimento das abreviaturas deve obedecer aos seguintes critérios: “respeitar, sempre que possível, a grafia do manuscrito, ainda que manifeste idiossincrasias ortográficas do escriba”, evitando-se, dessa maneira, projeções anacrônicas da língua do editor sobre a língua do texto, e “no caso de variação no próprio manuscrito ou em coetâneos, a opção será para a forma atual ou mais próxima da atual” (MEGALE e TOLEDO NETO, 2006, p. 147). Dessa forma, a abreviatura Va foi desenvolvida sempre como Villa, respeitando-se a grafia do manuscrito. Para os nomes Fernando Miz’ Mascarenhas, Paula Miz’ e Pedro Miz’ Namorado, empreendeu-se uma


pesquisa na internet, onde o sobrenome Martins serviu para todos os casos, por isso foi desenvolvido como Martinz. Como foi possível observar, o estudo das abreviaturas, um tema bastante relevante, principalmente para os estudiosos de textos manuscritos antigos, uma vez que é um recurso muito utilizado na escrita, é necessário e importantíssimo, já que uma boa leitura paleográfica faz-se mediante um conhecimento preciso do sistema abreviativo.

Bibliografia CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à Crítica Textual. São Paulo: Martins Fontes, 2005. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Abreviaturas. Manuscritos dos séculos XVI ao XIX. 2 ed. São Paulo: Arquivo do Estado, 1990. LIMA, Yêdda Dias. “Paleografia”. In: Apostila do curso sobre paleografia. São Paulo: IEB, Universidade de São Paulo, 2006. MARCONATO, Silvia. “A revolução do Internetês”. In: Revista Língua Portuguesa. Ano I, número 5, 2006. MARÍN MARTÍNEZ, Tomás. Paleografía y Diplomática. Tomo I. Madrid, Universidad Nacional de Educación a Distancia, 2002. MEGALE, Heitor e TOLEDO NETO, Sílvio de Almeida (orgs.). Por Minha Letra e Sinal. Documentos do Ouro do Século XVII. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006. MILLARES CARLO, Agustín. Paleografía Española. Ensayo de una Historia de la Escritura en España desde el siglo VIII al XVII. Barcelona; Buenos Aires: Labor, 1929. SILVA NETO, Serafim da. Textos Medievais portugueses e seus problemas. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa (coleção de estudos filológicos 2), 1956. SPINA, Segismundo. “Apontamentos Paleográficos”. In: Introdução à Edótica. Crítica Textual. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Ars Poética, Edusp, 1994.


Documento Memória Histórica da Capitania de São Paulo e todos os seus Memoráveis Sucessos de autoria atribuída a Manoel Cardoso de Abreu (1796). (APESP E11571)


Narrativa e conhecimento histórico: alguns apontamentos Carlos Eduardo França de Oliveira Bacharel e licenciado em História pela Universidade de São Paulo e pesquisador na área de História Social. Contato: sutchaman@msn.com

Já em seus primórdios nas sociedades antigas – surgimento recorrentemente situado na Antigüidade grega com Heródoto no século V a.c, mas que, no entanto possui um passado ainda mais longínquo, nos impérios do Próximo e do Extremo Oriente –, a história assentou-se em relação a uma realidade que não é nem elaborada nem observada como na matemática, nas ciências da natureza ou nas ciências da vida, mas sim sobre a qual se questiona e testemunha. Esse é o significado do termo grego e de sua raiz indo-européia wid-, weid-: “ver”. Dessa forma, a história se iniciou como uma narração daquele indivíduo que podia dizer “eu vi”, “eu senti” (LE GOFF, 2003, p. 138). A despeito de nunca ter se extinguido da produção historiográfica, o elemento narrativo foi na maior parte das vezes combatido pelo paradigma moderno de história. Tal refutação não dizia respeito à narrativa em si, mas sim no que se refere a seus conteúdos estéticos e retóricos, elementos esses inerentes ao ofício literário. Conforme observou Hayden White, até a Revolução Francesa a historiografia era vista como uma arte retóriconarrativa, sendo sua natureza literária comumente reconhecida entre literatos e historiadores. O historiador era, em última instância, um narrador de acontecimentos dotado de procedimentos retórico-narrativos. No entanto, em decorrência de sua busca pela objetividade e pela verdade – elementos tidos na época como basilares de qualquer ciência –, boa parte da historiografia do século XIX aboliu dos estudos da história o recurso às técnicas ficcionais de representação. Assim, o próprio nascimento da história enquanto disciplina se pautou naquilo que ela não deveria ser – mito, fábula ou poesia –, já que essas estruturas não trariam, dentro da lógica do século XIX, um conhecimento verdadeiro, esse sim o objetivo maior do historiador. As concepções de neutralidade e de objetividade, vagamente inspiradas nos modelos explicativos oriundos das ciências naturais, eram formas de legitimar a pureza e a imparcialidade da “linguagem científica”, que não deveria se aproximar da narrativa literária (WHITE, 2001). Embora tenha sido criticado o modo de se fazer história do século XIX – desde o historicismo alemão até suas vulgarizações, como o positivismo francês e norte-americano e o idealismo (de Croce, por exemplo) –, a historiografia do século XX, até pelos menos a década de setenta, majoritariamente não revalidou o estatuto narrativo da história. Aliás, parte desses historiadores, em especial aqueles vinculados ao grupo dos Analles, acentuou as críticas à presença da narrativa na história, inclusive acusando os positivistas de terem-na utilizado à exaustão. Para historiadores como Fernand Braudel, François Furet e Le Rouy Laudurie, a narrativa foi concebida como um mecanismo representacional não científico, cuja eliminação era essencial para o estatuto científico da história. Nesse âmbito, vale notar que a historiografia marxista do século XX também refutou a narrativa, já que esta era, no entender de parte dos historiadores marxistas, insuficiente em termos ideológicos e científicos. No primeiro caso pelo fato da narrativa tradicional ressaltar apenas o ponto de vista das classes dominantes; no segundo, em decorrência da história-narrativa não oferecer subsídios para que o historiador exponha os processos dialéticos das lutas de classes


(BENATTI, 2000, p. 79). De modo geral, portanto, a historiografia do século XX, mesmo com sua diversidade ideológica e epistemológica, procurou ocultar e negar a preocupação com a estrutura narrativa na produção historiográfica, em nome da proeminência do conteúdo estudado. A partir da década de 1970, e principalmente dos anos oitenta, o tema da narratividade voltou à tona no âmbito da história. A idéia de “retorno” da narrativa nasceu com o historiador Lawrence Stone, em seu polêmico artigo The revival of narrative (STONE, 1991, p. 13-46), publicado em 1979, no qual afirmara que os três grandes paradigmas da “história científica” vigentes entre o período de 1930 e 1970 – o modelo econômico marxista, o modelo ecológico-demográfico francês e a metodologia “cliométrica” americana – começaram a ser vistos com uma certa desconfiança, já que em anos de produção acadêmica apresentaram resultados ineficientes em relação às suas expectativas iniciais. Frustrados com os grandes modelos explicativos em voga até então, parte significativa dos historiadores estaria se voltando, ao longo da década de 1970, a uma revalorização dos acontecimentos e da narrativa. Disseminava-se, no entender de Stone, a percepção de que não bastava ao historiador o rigor metodológico; era preciso que ele conferisse um determinado estilo a sua escrita, isto é, que ele soubesse não apenas contar, mas também saber como fazê-lo. Admitindo que na escrita da história a forma é tão significativa quanto o conteúdo, tornava-se necessário reconhecer uma aproximação entre historiografia e ficção. Todavia, no âmbito acadêmico da disciplina histórica, essas reflexões suscitavam – e ainda suscitam – um visível desconforto. Isso porque no século XX, quando a história com “h” maiúsculo finalmente parecia se firmar enquanto saber científico autônomo, a sua comparação com a literatura era de certa forma um mecanismo que deslegitimava a história científica. Criticado por historiadores como Jacques Le Goff e Eric Hobsbawn (LE GOFF, 2003, p. 142-3; HOBSBAWN, 1998, p. 201-6), o texto de Stone serve aqui como diagnóstico para nossa discussão central: o significado do recrudescimento da narrativa na história no cenário pós-moderno. Mesmo porque, como assinala Chartier (1994, p. 03), a questão da volta da narrativa foi mal colocada, já que não se pode falar do retorno de algo que nunca deixou de existir. Valendo-se da obra Tempo e narrativa, de Paul Ricoeur, Chartier ressalta que o filósofo francês notou que toda produção historiográfica, seja ela “tradicional”, estruturalista ou marxista, é regulada por princípios narrativos, na medida em que os elementos com os quais o historiador trabalha – mentalidades, sociedade, memória coletiva ou eventos pontuais – são como personagens de um enredo. A narrativa é fundamental por ter a capacidade de articular os traços da experiência temporal, isto é, o tempo só se mostra inteligível para o homem na medida em que ele é pensado de modo narrativo. Deste modo, ressalta Chartier, não se trata propriamente de um retorno da narrativa, mas sim de um deslocamento da prática historiográfica para outras estruturas narrativas não consideradas pela história até então, em especial aquelas vinculadas à literatura, além de um distanciamento dos historiadores em relação aos modelos clássicos de narrativa histórica. Fundamental para a compreensão do cenário contemporâneo da história, essa renúncia pela historiografia de qualquer projeto teleológico de explicação ou compreensão dos fenômenos históricos foi entendida por Jean-François Lyotard (1998) como o declínio das metanarrativas criadas pela modernidade. Segundo Lyotard, a metanarrativa é um discurso que, a partir da elaboração de um telos definido sobre o curso da história, engendra relações lógicas entre a pesquisa, a filosofia, a política e arte, conferindo a essas esferas um


sentido unificado. Em outras palavras, as metanarrativas são esquemas retórico-narrativos que, ao longo de seqüências temporais ou argumentativas, encadeiam os fenômenos históricos a fim de buscar um telos previamente determinado. Assim, no entender de Lyotard, o iluminismo, o idealismo e o marxismo seriam grandes exemplos de metanarrativas. O declínio dessas na sociedade pós-industrial advém, assinala o autor, menos do desenvolvimento do capitalismo do que da ineficácia das mesmas no cenário contemporâneo, mesmo porque a aspiração de um saber globalizante atrelado a um modelo único de discurso perde sua força frente a conjuntos de fragmentos de histórias variadas e muitas vezes contraditórias sobre um mesmo assunto. É pertinente assinalar que a descrença nas metanarrativas faz com que se torne evidente a pluralidade de possibilidades de se narrar os fenômenos históricos. Nesse âmbito, o estilo da narrativa torna-se fundamental para a história, já que ele tanto molda o conteúdo quanto é por este moldado, alterando, portanto, o produto do historiador. Segundo Peter Gay (1990, p. 17-8), o historiador de ofício é ao mesmo tempo um escritor e um leitor que, em ambos casos, é profissional. Em sua função de escritor, sente-se na difícil obrigação de proporcionar prazer ao leitor sem comprometer o conteúdo de sua narrativa. Nesse caso, o estilo serve tanto como uma ferramenta convencional como uma “confissão involuntária”. Enquanto leitor, o historiador valoriza a sofisticação literária, apreendendo os fatos e interpretações contidas no texto. Nessa função, o estilo é um objeto de satisfação, um suporte para o conhecimento ou até mesmo um mecanismo de diagnóstico. No entender de Gay, dentre os diversos tipos de estilo existentes, aquele que mais importa à história é o literário, mesmo porque a produção do historiador geralmente assume formas literárias. Assim, a maneira de lidar com o encadeamento de frases, com a retórica e com a divisão da narração são competências também do historiador. No entanto, alerta Gay, esses recursos estilísticos não são meros ornamentos do discurso historiográfico, mas elementos constitutivos do próprio conhecimento produzido pelo historiador, como foi ressaltado acima. Dessa forma, num sentido mais amplo, a forma de narrar revela mais do que a cultura em que o historiador está inserido; ela explicita a própria maneira como o historiador concebe a apreensão do real (GAY, 1990, p. 20-1). A preocupação de Gay com o estilo literário na história nos remete a uma questão fundamental no interior do debate sobre a narratividade: se uma das principais discussões suscitadas pela preocupação com a linguagem na história se refere a uma aproximação entre o discurso histórico e literário, como foi visto acima, estaria a historiografia fadada a reproduzir esquemas retórico-narrativos originários da literatura? Afinal, ambas se intercomunicam como formas de linguagem, ambas sintetizam e recapitulam, ambas têm como objeto as relações humanas. Como o romance, a história seleciona, simplifica e organiza o conteúdo por meio de uma narrativa. Autores como Hayden White, por exemplo, vão mais longe e pensam em aproximação radical entre história e literatura, na perspectiva da construção de uma poética na história, considerando que o registro do historiador não é essencialmente diferente do da ficção no plano da composição narrativa. A história seria, em primeiro lugar, escritura, isto é, um artefato literário (WHITE, 2001). É importante notar que autores como Hayden White e Dominick La Capra – colocados muitas vezes no heterogêneo grupo dos “narrativistas” – concebem a história como o produto do trabalho do historiador, cujo texto compõe a própria realidade. Assim, o texto se refere a si mesmo, e não a algo que está fora dele. Decorre daí que o único critério relevante para tais textos é o estético, isto é, o estilo de exposição. São textos, enfim, que não podem ser analisados a partir de premissas epistemológicas; é necessário que o


conhecimento histórico seja analisado por meio da constatação dos modos de representação lingüística da narrativa histórica. Causadores de grandes polêmicas, os estudiosos que colocaram em proeminência os referentes internos do texto, isto é, naqueles elementos dedutíveis da própria narrativa, receberam muitas críticas dos historiadores de ofício, mesmo porque grande parte dos representantes da idéia do texto histórico como algo auto-referente não advém da disciplina história. De modos diferentes, historiadores como Roger Chartier e Carlo Ginzburg acreditam que discutir o conhecimento histórico apenas segundo sua natureza textual é cometer uma considerável redução da história tanto enquanto prática científica como processo real, principalmente quando se busca operar uma aproximação radical entre o produto do historiador com a ficção literária. No entender de Chartier, a busca por um conhecimento é inerente à história, fundindo operações particulares da disciplina, como a análise de dados, a formulação de hipóteses, a crítica e verificação de resultados e articulação entre o discurso do historiador e seu objeto de pesquisa. Assim, nota o autor, “mesmo que escreva de uma forma ‘literária’, o historiador não faz literatura, e isso pelo fato de sua dupla dependência. Dependência em relação ao arquivo, portanto em relação ao passado do qual ele é vestígio” (CHARTIER, 1994, p. 110). De maneira mais contundente, Ginzburg acredita que a narrativa histórica se distingue da literária por um motivo de certa forma elementar: enquanto o romancista imagina seus acontecimentos e personagens, o historiador baseia-se em provas, isto é, em vestígios do passado que não podem ser forjados pelo historiador. Essas provas, alerta o historiador Ginzburg (apud BODEI, 2001, p. 67), não são reflexos da realidade e, por conseguinte, não são verdades absolutas; no entanto, elas constituem o elemento empírico de que necessita o historiador para construir sua narrativa. Segundo Peter Burke (1992), não obstante história e literatura convergirem em diversos aspectos no que se refere ao estatuto narrativo de ambas, a historiografia não avançará muito, caso se engaje no que o autor chama de “experiências literárias”. O proveito da história em buscar na literatura elementos narrativos não reside em uma simples aceitação de técnicas literárias, mas sim na criação de uma consciência de que as “velhas formas” de se construir o discurso histórico não dão conta das atuais buscas dos pesquisadores. Preocupado em discutir uma forma de narrativa histórica que articule a esfera das estruturas com a dos acontecimentos – Burke acredita que as narrativas históricas pós-estruturalismo comumente se situam entre esses dois pólos –, a literatura pode oferecer técnicas que auxiliem essa articulação. Partindo dessa premissa, Burke expõe algumas contribuições da narrativa literária para o historiador: o método de narração regressivo, muito utilizado nos romances modernos, pode auxiliar ao historiador a ressaltar para o leitor a pressão do passado sobre as sociedades, na medida em que a retomada de eventos e estruturas sociais anteriores reforçam os laços entre o presente e o que aconteceu antes dele. Já romances como O Som e a Fúria, de William Faulkner, podem sugerir que o texto de história busque articular diversos pontos de vista sobre um determinado assunto, isto é, que ele contenha dentro de si uma plurivocidade. A literatura também oferece subsídios para que o historiador mostre ao leitor que sua obra não é reflexo de uma verdade imaculada, e que seu papel enquanto narrador não é inócuo ou neutro. Exemplo evidente dessa aproximação entre história e literatura esteve por conta do aumento dos estudos biográficos nesse período. Giovanni Levi acredita que uma das principais inovações dos estudos biográficos mais atuais é o intercâmbio que a biografia


proporciona entre história e literatura. Levi considera que a literatura oferece à história uma série de recursos estilísticos e que a biografia é talvez o tipo de trabalho que mais se aproveita desses modelos literários, da narrativa não-linear, da utilização de flashbacks; enfim, a história pode muito aprender com as características mais sólidas e também com sutilezas da literatura (LEVI, 2000). Burke acredita que a historiografia vem renovando suas formas de narrar. Tomando como exemplos a micro-história e alguns outros trabalhos, como do antropólogo Marsh Sahlins e do historiador Jonathan Spence, Burke argumenta que, embora não respondam a todas as questões sobre a narrativa, essas tentativas demonstram que há um simples “retorno da narrativa”; as atuais inovações narrativas no campo da história soam mais como uma maneira de regeneração no ato de narrar do historiador. Ao levar em conta que não há um mero retorno à narrativa, mas sim uma procura por novos caminhos para narrar a história em detrimento de outros, a historiografia contemporânea depara com um problema essencial: a importância da forma no discurso histórico. Importância essa que não surtirá efeito algum caso for reduzida a um esteticismo puro, como afirma Astro Antônio Diehl: deixar fluir a estética não deve significar a sua autonomia completa, pois isso também a afastaria do cotidiano das experiências, do social e do histórico. Se isso ocorresse, teríamos a ornamentação do texto sobreposto ao histórico e, conseqüentemente, nada mais do que um novo jogo da hostilização ao passado, onde predominariam o gozo das formas do esteticismo técnico e superficial. Em outras palavras, teríamos apenas um paraíso estético de alienação e de escapismo. (2002, p. 107)

A atual ênfase na forma do discurso histórico é melhor compreendida quando o próprio ato de narrar e de se posicionar perante a narração começa a ser analisado historicamente. A passagem de uma recusa de certos elementos da narrativa para uma revalorização da mesma no campo da história, portanto, não é um processo gratuito ou meramente estético; é, sobretudo, resultado de complexos processos históricos que perpassam desde questões epistemológicas acerca da apreensão do real até os pressupostos político-ideológicos do historiador. Deste modo, a conformação da sociedade contemporânea influi na prática historiográfica, sendo que as atuais discussões em torno da narratividade na disciplina histórica têm como elemento subjacente as preocupações e questionamentos da chamada era pós-moderna no que se refere ao estatuto do conhecimento. Visto por grande parte dos pensadores da pós-modernidade como algo inerente à linguagem – seja em sua criação, usos e deturpações –, o conhecimento científico viu ruir seu estatuto de produto humano verdadeiro, objetivo e inexorável. O conhecimento histórico, por seu turno, que há muito custo conseguira estabelecer um caráter científico à história, sentiu um novo golpe com a crise geral dos paradigmas. Deste modo, as recentes buscas por modelos narrativos que satisfaçam os historiadores surgem como um sintoma da ênfase na pluralidade de significados, da ausência de transcendência na história, da descrença nos grandes modelos explicativos, ou seja, surgem como um demonstrativo da pulverização das esferas da vida humana engendrada na pós-modernidade. Ao longo do trabalho notou-se que essa revalorização das estruturas narrativas no interior do debate historiográfico não é unânime, fato que pode ser constatado pelas grandes controvérsias entre autores. Não se pretendeu aqui apontar soluções ou encaminhamentos para o tema, mas apenas promover um debate remontando algumas proposições sobre o


assunto. De qualquer forma, deixando um pouco de lado aqueles autores que concebem o conhecimento histórico como eminentemente textual e auto-referente, ao final do trabalho ficou a impressão de que a preocupação do historiador com a forma de sua escrita é um procedimento essencial. Se considerarmos as reflexões de Michel de Certeau (1982) sobre as especificidades da narrativa histórica – ou seja, de que essa é, concomitantemente, um relato sobre o passado e um lugar de enunciação vinculado a técnicas de saber vigentes em um determinado corpo social –, essa assume um papel importante na medida em que permite articular o sujeito (historiador) e seu objeto de pesquisa (os fenômenos históricos). Junto a isso, levando em conta também que o ato de relativizar a verdade, sem cair num relativismo simplista, foi uma conquista significativa para a historiografia. As narrativas históricas contemporâneas não podem perder de vista uma certa busca pelo verdadeiro. Não aquela verdade absoluta defendida por muitos durante o século XIX, mas uma verdade passível de alterações. Afinal, a da historiografia pode ser concebida como um movimento constante de releituras do passado, o que não significa que haja um acúmulo ou progresso do saber histórico; há sim uma seqüência de reinterpretações narrativas do passado que são passiveis de perdas, equívocos e revisões. Bibliografia: BENATTI, Antonio Paulo. “História, ciência, escritura e política”. In: Narrar o passado, repensar a história. Campinas: UNICAMP, 2000. BODEI, Remo. A história tem um sentido? São Paulo: EDUSC, 2001. BURKE, Peter. “A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa”. In: ________ (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. Unesp, 1992. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. CHARTIER, Roger. “A história hoje: dúvidas, desafios, propostas”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 7, nº 13, 1994. DIEHL, Astor Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. São Paulo: EDUSC, 2002. GAY, Peter. O estilo na história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. HOBSBAWN, Eric. “A volta da narrativa”. In: Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. LE GOFF, Jacques. “História”. In: História e memória. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003. LEVI, Giovanni. “Usos da biografia”. In: AMADO, Janaína; FERRERA, Marieta de Moraes, (orgs.). Usos e Abusos da História Oral. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. SILVA, Rogério Forastieri da. História da historiografia: capítulos para uma história das histórias da historiografia. São Paulo: EDUSC, 2001. STONE, Lawrence. “O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velha história”. In: Revista de História. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1991. WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: EDUSP, 2001.


BRAUDEL, Fernand. El mediterraneo y el mundo mediterraneo em la épooca de Felipe II. México: Fondo de cultura económica, 1953. (APESP – RXCPB 834M2506 a 2507).


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1 Fontes para a História da Imprensa Católica Popular no Brasil: A Revista Ave Maria Marcos Gonçalves Graduado em Administração de Empresas e História. Mestre e Doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Contato: paideia_mg@yahoo.com.br

A revista Ave Maria no contexto da imprensa católica popular Nas reflexões sobre o processo de “construção institucional”1 da Igreja católica nos primórdios da era republicana no Brasil, não há como renunciar ao trabalho de redescoberta do papel que desempenha a imprensa confessional. Assim como não se cogita um esgotamento historiográfico acerca da compreensão da performance do catolicismo que desperta para o século XX, esse entendimento não pode prescindir do debate afeto aos múltiplos mecanismos de propaganda que garantem à Igreja católica a visibilidade no mundo social. Lembro que o levantamento mais geral de registros históricos que fornecem dados sobre a comunicação social católica, como realizado por Lustosa e Ana Maria Rodrigues (1983; 1981), representou uma abertura positiva de fronteiras e inspiração para pesquisadores de inúmeros ramos disciplinares das ciências humanas. Nesse caso, a tarefa de reunir, comentar, criticar e publicar textos da intelligentsia católica é imprescindível para a apreensão dos nexos em que se organiza a relação entre imprensa católica e sociedade. De outro modo, no interior da relação, defendo a evolução do tema para abordagens mais sistemáticas, específicas, onde se recuperem em suas filigranas, as possibilidades de variações do pensamento de grupos de pressão católicos situados em diferentes lugares da imprensa. Nessa linha de análise, remeto, à guisa de exemplo, à densidade de investigações germinadas ainda nas décadas de 1970-80,2 como aos trabalhos mais recentes de Cláudio Aguiar Almeida e Cândido Moreira Rodrigues (2002; 2006), em cuja problematização o catolicismo aparece, ou reaparece, como fato cultural e político, integrado ao contexto sóciohistórico, e não apenas como substrato teológico inalcançável para leigos, ou como algo infenso ao conflito social. De fato, o fim do Império e a separação de Estado e Igreja em 18903 estabeleceram para a hierarquia católica brasileira a necessidade de elaborar um projeto claro de autorepresentação e uma decisiva tomada de posição quanto à dimensão religiosa e política de sua atuação. O investimento em possíveis áreas de construção de uma política autônoma e a conservação da hegemonia da Igreja católica eram manifestados na emblemática Pastoral Coletiva dos Bispos do Brasil de 19 de março de 1890.4 Ali, também foi exposta a condição de desenvolver e difundir a “boa imprensa”, como um meio de atalhar quanto possível “os estragos da imprensa ímpia”.5 Nesse contexto, começaram a proliferar periódicos católicos em várias paróquias e dioceses do Brasil, legitimados e incentivados por diversas pastorais dos bispos brasileiros. A revista Ave Maria6 é fruto desse projeto de expansão da imprensa católica, cuja principal característica nas primeiras décadas após a publicação da Pastoral de 1890, foi a efemeridade. Nos primeiros tempos, a AM encarnava muitos dos dilemas mais ou menos comuns a toda a imprensa católica e que comprometiam sua existência e continuidade: carência de recursos, crises periódicas no fornecimento de matéria-prima, manutenção de clientela, competição com a imprensa laica, aceitação institucional, etc. No

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2 entanto, distintamente das congêneres, a AM discrepou da tendência geral e, a partir do seu aparecimento, malgrado uma série de dificuldades, demonstrou vitalidade particular e circula até os dias de hoje dentro de periodicidade mensal. A AM foi fundada na cidade de São Paulo em 28 de maio de 1898 pelos leigos Tiburtino Mondim e Maria Junker Alves. Ela está enquadrada como uma revista católica mariana popular, constituindo-se dentro dessa classificação na mais antiga do Brasil. O título da revista é uma referência necessária ao culto de Maria, e foi escolhido para “atrair a simpatia dos bons católicos”, ao tempo em que “parecia decrescer a religião mediante as leis fatídicas do ateísmo oficial”.7 Em linhas gerais, Marcucci e Rum (1995, p. 620-5), estabelecem uma divisão em três categorias para a imprensa periódica mariana ou para as publicações marianas: publicações científicas, pastorais e populares. Qual seria o papel da imprensa popular mariana, sem ficar, é claro, restrita a isso? No plano religioso, tem na difusão da figura de Maria, ou no culto ao coração de Maria, uma das principais alavancas de propaganda. Difunde a piedade, a devoção, as energias emotivas católicas e as simbologias subjacentes à amplitude do fenômeno mariano, que se configura com elevado potencial simbólico para sensibilizar as massas. Quanto às características técnicas, geralmente uma revista mariana popular obedece ao formato 18 x 24 cm; tem, em média, 16 páginas, e opta, não exclusivamente, por uma política de assinaturas familiares, com sua freqüência podendo variar de semanal a quinzenal e mensal. Outros elementos contidos em uma revista mariana, e mais especificamente, na AM, era exibir a preocupação constante com temas de conteúdo social e moral, que tendiam a encobrir o evidente interesse pela política. Ao discutir apologética, aparecia sua função de grupo de pressão sempre com um olhar para a realidade histórica e outro olhar em sinergia com a política eclesiástica. Como dados recorrentes, apresentava a produção de uma teologia não complexa para consumo de leitores, e formas de captação de recursos que concorreram para intensificar os componentes devocionais da relação entre o fiel e o culto à Maria. Na primeira década de existência, mesmo com recursos humanos e técnicos limitados, a AM expandiu sua comunidade de leitores e alcançou maior penetração geográfica por meio de uma política agressiva de assinaturas e métodos que favoreciam o acréscimo de recursos, com esmerado trabalho cultural que visava atingir a sensibilidade devocional do leitor. No décimo aniversário de circulação, a AM ostentava a marca de dez mil assinantes, e, transpondo os limites do estado de São Paulo, era recebida em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Rio de Janeiro, Ceará e Goiás. Antes de tudo, era uma revista de propaganda religiosa preocupada em submeter suas afirmações, “seus conselhos e apreciações ao juízo competente dos prelados da Igreja e à sábia orientação dos superiores religiosos e eclesiásticos”.8 Tais fatores conferiam a legitimidade requerida junto à hierarquia e impulsionavam o projeto de reabilitação pelo qual se julgava. Assim, embora sempre vista como centro dinâmico ou vértice do catolicismo institucional no Brasil, a hierarquia não poderia lograr êxito sem o apoio explícito da demografia de fiéis “desde abajo”.9 A imprensa católica popular fez esse papel, e, neste caso, a AM foi um dos esteios doutrinários para fundar os vínculos de lealdade das camadas populares com a religião institucional. No entanto, a tentativa de construção desses laços não seria possível sem a assunção da revista pela Congregação dos Missionários Filhos do Coração de Maria, a partir de 1899. Procuro destacar em breves linhas qual a importância dessa ordem religiosa para o desenvolvimento da AM, e mesmo,

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3 quais os novos enfoques editoriais propostos em uma publicação católica popular, sob a perspectiva dos padres “claretianos”. Os padres claretianos: “cristais de massa” da imprensa católica popular De freqüência quinzenal nos primeiros meses, a tiragem da AM não ultrapassava trezentos exemplares. Em junho de 1899, após uma suspensão de dois meses em sua circulação, a direção da AM foi transferida aos padres da Congregação dos Missionários Filhos do Coração de Maria (CMF) - ordem religiosa fundada na Espanha pelo catalão Antonio Maria Claret em 1849, e chegada ao Brasil em 1895. A mudança administrativa esteve associada ao aparecimento, em agosto de 1899, da Arquiconfraria do Coração de Maria na capital paulista, e mais importante, aos novos enfoques editoriais e operacionais desenvolvidos pelos padres da Congregação. Se o primeiro episódio propiciou um estímulo imediato de intensa propaganda para que a revista pudesse subsistir, o controle assumido pelos padres claretianos inscreveu-se num quadro histórico mais ousado e abrangente. Isto porque a ordem dos claretianos estava em sintonia com uma dupla política: disseminação de um amplo esquema, cujo fundo comum era a reespiritualização da sociedade em bases católicas, em parceria com a expansão da imprensa católica, sem a qual, a primeira política estaria órfã de um estatuto organizativo e de uma base sólida de amplificação do seu discurso. A AM foi uma tribuna original para esse projeto. Os modelos essenciais e inspiradores para a divulgação da revista AM foram, sem dúvida, amparados nos procedimentos administrativos empreendidos pelo fundador da ordem claretiana, Antonio Maria Claret.10 Pregador, místico, prosélito, escritor fecundo, o padre Claret foi um dos religiosos no século XIX que mais impulsionou a difusão da imprensa católica durante a segunda metade da centúria. Como escritor católico, destaca-se como um dos primeiros a descobrir o alcance mais amplo e a incidência mais profunda que podia ter a palavra escrita sobre a falada (LOZANO, 1985, p. 127). Fundou a Hermandad espiritual de buenos libros, e, em dezembro de 1848, na cidade de Barcelona, a Libreria Religiosa, desdobrando, segundo Lozano (1963, p. 280), sua vocação apostólica de missionário e escritor. Claret soube perceber as vantagens da imprensa sobre a predicação, porque não via como dissociar a palavra escrita expandida de uma sustentação que aliasse técnicas de difusão moderna e em condições de competir com a imprensa “ímpia”. Esse argumento apóia-se sobre as estimativas informadas por Papàsogli e Stano. No primeiro ano de sua atividade, a Libreria Religiosa ofereceu ao público cento e vinte e sete mil volumes dos chamados avisos,11 catecismos e livros de oração. Até o final de 1849, a sede da Libreria foi transferida para a via Aviñó, “la migliore di Barcelona”, e adquiriu em Paris a mais perfeita rotativa de impressão existente naquele tempo. Em 1850 foram duzentos mil volumes distribuídos e nos primeiros dezenove anos de funcionamento da Libreria os volumes distribuídos ascenderam à cifra de nove milhões e quinhentos e sessenta e oito mil (PAPÀSOGLI; STANO, 1983, p. 183-5). Se no plano prático, os claretianos que administram a AM desenvolvem uma ação voltada para a exteriorização da religião católica utilizando a revista como ponta de lança, no plano teórico, a AM se apresenta, por seus instituídos, como um “cristal de massa”.12 Ao trabalhar habilmente nos limites entre a dimensão sacramental e a devocional, a AM, como cristal de massa, procura persuadir o fiel a seguir práticas ortodoxas. Esse tangenciamento evita esbarrar na religiosidade popular, ao mesmo tempo em que garante, em tese, a adesão das massas (dez mil famílias assinantes em 1910, trinta mil famílias assinantes na década 3


4 de 1930 e cinqüenta mil famílias na década de 1950), no caminho de uma fé íntegra. O catolicismo veiculado pela AM nas primeiras décadas do século XX tem a ver com uma recusa e uma condenação aos postulados presentes em muitos círculos intelectuais e políticos modernos. Órgãos da imprensa laica são repetidamente citados por suas posições tidas como adeptas de novidades e modismos, mentirosos em face dos eventos que têm como protagonistas o clero e a Igreja. Também, a partir de 1908, o Estado passa a ser criticado em maior grau, em vista do esforço que empreende no sentido de destruir as bases católicas de uma nacionalidade assentada no ensino religioso. Nas suas generalizações, evidencia muitas vezes o uso de metáforas biológicas para comparar a sociedade a um corpo enfermo e sempre suscetível de contrair moléstias. Exemplo é o aporte “à invasão de moléstias epidêmicas”, ou então “o imenso perigo de sucumbir subitamente ao bafo corruptor das epidemias morais que grassam pelo mundo”, e ainda “o vírus da impiedade”.13 Estamos diante de um fragmento de discurso que coloca em risco toda a sociedade, em seus vários âmbitos. Esse perigo comum se oferece sob disfarces: pode ser a imprensa ímpia e a liberalidade pornográfica que é produto dela; ora é o liberalismo, com leis indiferentes à religião e políticas laicizantes; ora serão anarquistas e socialistas que, com um discurso sedutor, solapam a possibilidade de formar associações de trabalhadores católicos; ora serão as seitas protestantes, a maçonaria, os anticlericais. A profundidade dessas questões estava sustentada por uma base de motivação religiosa que inspirava o “cristão a combater todos os dias os seus inimigos no campo da ciência, da literatura, da arte, do direito e até da caridade”14 e devolver ao catolicismo os bens simbólicos e materiais que lhe haviam sido espoliados. Esse é um dos vieses que garante a luta do catolicismo institucional no Brasil no sentido de imiscuir em todas as esferas da vida pública. Por sua vez, a imprensa católica popular esteve apta a respaldar o projeto de reanimação de uma sociedade sob fundamento católico. A AM foi um mecanismo essencial para tal finalidade, e se insere como fonte necessária para compreendermos o percurso de uma dimensão específica do catolicismo brasileiro. Recolocar Deus no serviço do mundo, esta é a obra: Semear boas doutrinas se queremos que a sociedade produza obras sãs e não frutos ocos ou carunchosos (...) Lançai a Deus do coração e do governo do mundo e a sociedade fica reduzida a um agrupamento desordenado de homens sem lei que os dirija, sem laço que os enleie e sem freio que os reprima”.15

Por fim, a revista AM acolhe ao historiador quanto à possibilidade de detalhamento de vários eixos temáticos. A partir desse ponto de vista, pode ser abarcada a perspectiva de interrogações sobre uma história da leitura, na medida em que se promove a interação do leitor nas cosmologias produzidas pela revista, e tão importante, dá uma compreensão sobre as permanências e transformações no pensamento católico quando este é dialeticamente colocado em questão pela historiografia.

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Capa da revista Ave Maria nº 37 (1910). (APESP – R2/006)

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Contra-capa da revista Ave Maria nยบ 37, com destaque ao nome de Martin Claret, fundador da Ordem (1910). (APESP R2/006)

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1ยบ pรกgina da revista Ave Maria nยบ37 (1910). (APESP R2/006)

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“Construção institucional” foi o termo, bastante adequado ao meu ver, utilizado por Sérgio Miceli para caracterizar uma “nova era” no percurso da Igreja católica no Brasil. Refere-se, em linhas gerais, ao período (1890-1930) de florescimento, liberdade de ação, proselitismo, expansão que vive o catolicismo institucional no Brasil, após a separação de Estado-Igreja. Agregue-se a isto o notável crescimento das ordens religiosas estrangeiras. Ver: MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. São Paulo: Bertrand Brasil, 1988. 2 Por exemplo: VELLOSO, Mônica Pimenta. “A Ordem: uma revista de doutrina, política e cultura católica”. In: Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro: FGV, n. 3, volume 21, setembro de 1978. Também: CORDI, Cassiano. O Tradicionalismo na República Velha. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, Tese (Doutorado em Filosofia), 1984. 3 Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Entre outras providências, o Decreto proibia a intervenção da autoridade federal e dos Estados em matéria religiosa, consagrava a plena liberdade de culto, extinguia o regime de padroado. In: CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. (Orgs.). Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 2000, p. 625-6. 4 PASTORAL COLETIVA DO EPISCOPADO BRASILEIRO AO CLERO E AOS FIÉIS DO BRASIL. São Paulo: Typographia Jorge Seckler & Comp., 1890. 5 “Há, porém, uma forma de que quiséramos ver-vos revestir hoje mais particularmente o vosso amor para com a Igreja: quiséramos ver-vos todos empenhados na difusão da imprensa católica como um meio de atalhar quanto possível os estragos da imprensa ímpia”. PASTORAL, idem, p. 75. 6 Daqui a diante a revista Ave Maria, quando citada, será identificada pela sigla AM. 7 SALAMERO, Luiz, Pe., CMF. “O vigésimo quinto aniversário da Ave Maria”. In: AM n. 20 de 26/05/1923. Edição especial de 25° aniversário, p. 289. 8 SALAMERO, Luiz, Pe. Op. cit., p. 289. 9 A ação “desde baixo” [desde abajo] configura-se por estimular as camadas populares a participarem das exibições públicas da religião, a se responsabilizarem pela manutenção da imprensa católica por meio de variadas formas de subscrição, a incitar a participação dos fiéis nas redes comunitárias católicas (associações pias, apostolados de oração, formação de sociedade femininas, de jovens etc.), a inspirar o crescimento da dimensão devocional dos fiéis limitada aos aspectos sacramentais de orientação romana, a zelar pela manutenção da moral familiar, a denunciar a “má imprensa”, o “mau livro”, o sensualismo moderno, o cinema, a pornografia, o carnaval, etc. Para uma discussão mais específica, cf. KEPEL, Giles. La revancha de Dios. Cristianos, judíos y musulmanes a la reconquista del mundo. Madrid: Alianza Editorial, 2005. 10 Antonio Maria Claret, nasceu em Sallent, na Catalunha, em 1807, e fundou a Ordem em 1849. Foi canonizado em 1950. 11 Avisos é um gênero literário que Claret irá utilizar muito nos anos sucessivos. São textos rápidos e de fácil assimilação, todos com temáticas de fundo moral, disciplinador e proselitista. Este gênero estará fortemente acentuado na linha da revista Ave Maria, e por vezes, irá radicalizar as situações do cotidiano político. 12 Segundo Elias Canetti, “Os cristais de massa apresentam-se sob a forma de um grupo de pessoas que chama a atenção por sua coesão e unidade. (...) a unidade do grupo em torno de princípios (dogmas) importa mais que o tamanho... (...) são grupos pequenos e rígidos de homens, muito bem delimitados e de grande durabilidade, os quais servem para desencadear as massas”. Canetti ainda chama a atenção que, mesmo uma aversão do catolicismo às massas, não o faz prescindir dos cristais, porque são os bem aventurados que compõem as massas. CANETTI, Elias. Massa e Poder. Trad. Sergio Tellaroli. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 72-4, 156. 13 SALAMERO, Luiz, Pe. “A preservação da mocidade católica”. In: AM n. 21, de 21/11/1911, p. 321-2. 14 “O Pontífice da Eucaristia”. In: AM n. 7, de 16/02/1908, p. 92-3. 15 Idem.

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