Histórica

Page 1


1 A idéia de História e Civilização na Revista Nitheroy

Lílian Martins de Lima Bacharel em História pela Universidade Estadual Paulista. Aluna do Programa de Pós-graduação em História e Cultura Social da UNESP - Campus de Franca, sob a orientação do Prof. Dr. Jean Marcel Carvalho França. Bolsista CAPES.

No estudo da imprensa periódica brasileira do século XIX observa-se a presença constante de dois termos intimamente ligados, a saber, História e Civilização. O objetivo do artigo é compreender de que modo esses conceitos são trabalhados na Revista Nitheroy de 1836 e, assim, observar qual é a visão de Brasil construída por essa revista que é comumente tida como um marco do Romantismo entre nós. Periodismo

A introdução da imprensa no Brasil deu-se de forma tardia somente no ano de 1808 com a chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro. Nos seus passos iniciais podemos dizer que era bem cautelosa, divulgando apenas notícias oficiais, como foi o caso da Gazeta do Rio de Janeiro de 1808, na qual encontramos notícias como as datas festivas da Corte ou notas sobre o aniversário do monarca. Nos anos que precederam o movimento da Independência, por sua vez, a imprensa destacou-se pelas discussões que travou sobre os rumos do país, conforme esclareceu o estudo da historiadora Isabel Lustosa, no qual a imprensa exerceu o papel de formadora da então recente e precária opinião pública. É nesse sentido que a imprensa do século XIX deve ser compreendida como um espaço por excelência de reflexão sobre o país. É característico da imprensa dessa época o formato dos impressos semelhantes a de um livro, como observou Maria Lúcia Pallares-Burke (BURKE, 1995, p. 14). Era comum também a prática das subscrições, espécies de assinaturas que garantiam assim uma vendagem maior dos periódicos. Contudo, uma outra característica comum à produção jornalística desse período é a crença nos poderes do conhecimento como capaz de promover o desenvolvimento da nação. Essa idéia estará presente logo nas páginas iniciais dos jornais, revistas e panfletos que deixam claro seus objetivos de instruírem e colaborarem para a grandeza do país.


2

O amor do país e o desejo de ser útil aos seus concidadãos foram os únicos incentivos que determinaram os autores desta obra a uma empresa que excetuando a pouca glória que caber-lhes pode, nenhum outro proveito lhes funde. Há muito reconheciam eles a necessidade de uma obra periódica que desviando a atenção pública sempre ávida de novidades, das diárias e habituais discussões sobre coisas de pouca utilidade e o que é mais, de questões sobre a vida privada dos cidadãos, os acostumasse a refletir sobre objetos do bem comum e de glória da pátria.1

Assim, mais do que um meio de informação, a imprensa periódica oitocentista visava a formação de um público que fosse capaz de discutir e encontrar soluções para o país e, desse modo, contribuir para inseri-lo nos trilhos do progresso e da civilização como era usual no vocabulário do período. É interessante notar que esses periódicos tratavam dos assuntos mais variados, como economia, política, teatro, música, literatura, traduções de textos clássicos, que visavam formar um leitor virtuoso, que fosse bem instruído nos mais diversos assuntos e também possuidor de um bom gosto literário - daí as numerosas traduções de textos franceses considerados fundamentais para a formação desse “bom gosto”. Mas quem escrevia nos periódicos? Para respondermos essa pergunta é necessário ter em mente a idéia de um intelectual que é antes de tudo versátil e que não pode ser definido apenas como jornalista, mas antes como um escritor, pois essa é a definição que é dada no século XIX pelos responsáveis pelos ensaios, traduções e artigos publicados nos mais diversos jornais e revistas do Brasil. Conforme esclareceu Antonio Candido (1969, p. 235), os intelectuais desse período compartilhavam de uma espécie de crença no poder transformador do intelectual na sociedade e assim, sua participação na vida social foi característica da nossa “época das luzes”. Acerca dos homens letrados do período imperial José Murilo de Carvalho aponta para um perfil de intelectual com uma formação na maioria dos casos jurídica e atenta ainda para o fato de que nesse período “a educação era a marca distintiva da elite política”2 (1988, p. 46).

1

Revista Nitheroy. Revista Brasiliense – Ciências, Letras e Artes. Rio de Janeiro. Vol.I, s/p, 1836. Ilustrativo desse perfil de intelectual é a figura de Torres Homem, um dos responsáveis pela Revista Nitheroy, que era advogado, médico e exerceu também os cargos de deputado, conselheiro do Estado e de senador durante o Império.

2


3 História e Civilização

Fundada por Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto Alegre e Francisco Torres Homem, a Nitheroy – Revista Brasiliense – Ciências, Letras e Artes é tida como um marco do Romantismo. Palco de inúmeras polêmicas como a existência ou não de uma literatura de caráter nacional, entre outras, seus ensaios são exemplares quando das problemáticas nas quais se envolviam os letrados. Desse modo, um primeiro juízo que se faz presente ao longo dos dois números em que a Nitheroy foi publicada é a idéia da História enquanto um conhecimento que permite um certo grau de previsibilidade sobre o futuro. É por meio da História que se pode conhecer de modo mais seguro o caminho que deve ser trilhado, como podemos depreender dos trechos destacados abaixo: Nada de exclusão, nada de desprezo. Tudo o que poder concorrer para o esclarecimento da história geral dos progressos da humanidade deve merecer nossa consideração. Jamais uma nação poderá prever o futuro quando ela não conhece o que ela é, comparativamente com o que ela foi. Estudar o passado é ver melhor o presente, é saber como se deve marchar.3

Como nós estudamos a história não com o único fito de conhecer o passado mas sim para tirarmos úteis lições para o presente.4

Aliada a essa concepção de História, enquanto um estudo do passado que pode orientar acerca do futuro, encontramos a idéia de civilização tão cara nesse período. Sobre esse assunto no século XIX Norbert Elias esclarece as diferenças desse conceito na língua francesa e alemã. Enquanto na primeira ele exprime o orgulho das nações pelo seu papel no progresso do Ocidente, no caso da língua alemã o conceito de Zivilisation, nas palavras de Elias, (1994, p. 24) “significa algo de útil, mas apesar disso, apenas um valor de segunda classe, compreendendo apenas a aparência externa dos seres humanos, a superfície da existência humana”. O sociólogo atenta para o fato de a palavra em alemão que corresponde a essa idéia de orgulho nacional é Kultur. Observa ainda as transformações do

3 4

Revista Nitheroy. Revista Brasiliense – Ciências, Letras e Artes. Rio de Janeiro. Vol.I, s/p, 1836, p. 145. Ibidem, p. 159.


4 conceito que num primeiro momento – século XVIII - estaria ligado, no caso francês, a um modo de vida na Corte e que posteriormente passou a ser identificado com o caráter nacional. Sua definição de civilização abarca assim essas mutações do conceito e ao seu ver Com essa palavra, a sociedade ocidental procura descrever o que lhe constitui o caráter especial, aquilo de que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura científica ou visão de mundo (ELIAS, 1994, p 23).

Na análise do conceito de civilização não podemos deixar de lado a idéia de civilidade que, de acordo com o historiador francês Roger Chartier,5 pode ser desmembrada em três acepções. Uma primeira acepção refere-se à civilidade enquanto uma espécie de ciência com regras e tratados que se confronta com uma segunda definição na qual é entendida enquanto um modo de ser em sociedade. Já num terceiro momento, o historiador observa a identificação da noção de civilidade com a idéia de honradez e cortesia. Esse mesmo autor observa ainda que, a partir dos primeiros decênios do século XIX, o conceito de civilidade difunde-se entre um número cada vez maior de pessoas através de textos de caráter pedagógico e, deste modo, na sua antiga acepção enquanto um modo de ser distinto na sociedade passa a ser compreendido como um código de conduta que não diz mais respeito a uma determinada camada social. Nos ensaios da Nitheroy a idéia de civilização está ligada com a primeira acepção tratada por Elias, ou seja, com a noção das realizações que tornaram possíveis os progressos alcançados no século XIX. Cada nação livre reconhece hoje, mais do que nunca a necessidade de marchar. Marchar para uma nação é engrandecer-se, é desenvolver todos os elementos de civilização.6

Ou então, Não, oh, Brasil, no meio do geral movimento, tu não deves ficar imóvel e tranqüilo como o colosso sem ambição e sem esperanças. O gérmen da civilização depositado em teu seio pela Europa não tem 5

Na sua análise sobre o conceito de civilidade e suas mutações ao longo do século XVII, Chartier faz uso dos dicionários de Richelet (1680), Furitière (1690) e do dicionário da Academia (1694).CHARTIER, Roger. Distinção e divulgação: a civilidade e os livros In._______. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora da Unesp, 2004. 6 Revista Nitheroy, p. 144.


5 dado ainda todos os frutos que deveria dar; vícios radicais tem tolhido o seu desenvolvimento. Tu afastaste de teu colo a mão estranha que te sufocava, respira livremente, respira, cultiva as ciências, as artes, as letras, a indústria e combate tudo que entreva-los pode.7

A civilização é então compreendida por uma série de elementos que por sua vez são tidos como exemplificadores do progresso de uma nação. Desse modo, ao falar em civilização os ensaístas da Revista Nitheroy tinham em mente a identificação de uma nação civilizada como uma nação onde o trabalho era livre, assim como também o uso de máquinas era cada vez mais generalizado. Com relação a esses aspectos é interessante observar as considerações feitas por Francisco Torres Homem num ensaio intitulado “Considerações Econômicas sobre a Escravatura”. Nesse ensaio o autor faz inicialmente algumas considerações sobre os primórdios da utilização da mão-de-obra escrava no Brasil, destacando primeiramente o uso do braço indígena e posteriormente a larga utilização do africano em terras brasileiras. Esse episódio da história é apresentado como algo maléfico para o futuro desenvolvimento do país, uma vez que a escravatura é concebida enquanto um empecilho para o progresso, como se pode perceber no seguinte trecho: D’outro lado os governos, expressão completa dos preconceitos, dos erros e falsos interesses da época e desvairados pelos motivos daquela economia que antepõe o trabalho bruto, instintivo e forçado ao livre e inteligente, mantinham e protegiam como altamente útil ao país um gênero de tráfego que soube abrir uma larga ferida à humanidade, corrompe as nascentes da prosperidade pública.8

Numa concepção de História linear e progressista dirigida pelas noções de civilização e progresso, a leitura que o autor realiza do presente brasileiro não é nada otimista. Contrariando o rumo tomado pelo restante das nações do globo, o Brasil se apresenta como uma nação que marcha “às avessas” e daí todo o esforço dos letrados nesse período em instruir e educar o público para que o país possa trilhar o caminho das nações ditas civilizadas, ou seja, para que adentre o mundo das nações onde o trabalho é livre.

7 8

Ibidem, p. 146. Ibidem, p. 36.


6 (...) se o livre trabalho na sua lata acepção é um dos destinos da espécie humana a titulo de instrumento primordial de toda a civilização, os povos que tem a desdita de engastar em seu solo os horrores da escravidão doméstica comprometem de gravíssimo modo o seu porvir, afugentando todo o prospecto de opulência e prosperidade.9

Entre as conseqüências que Torres Homem enumera desse uso da mão-de-obra escrava está em primeiro lugar a resistência às inovações e daí o caráter arcaico da agricultura brasileira e sua baixa produtividade. A escravatura é um instrumento ruinoso de produção: o obreiro livre produz incomparavelmente mais que o escravo: do mesmo modo que a liberdade do trabalhador favorece a potência da indústria e o desenvolvimento da riqueza, a servidão produz o resultado inverso.10

Outra característica apontada é o desprezo pelos trabalhos manuais e a valorização de ocupações “que ministram meios de influência e de ação sobre outros homens ou sobre a sociedade”, ou seja, o desejo de angariar cargos públicos. Por fim, a dificuldade de um desenvolvimento da indústria em um meio onde a resistência às inovações se faz presente é mais um elemento que, na argumentação elaborada por Torres Homem, ajuda a compreender o atraso do país, concluindo que O seu desenvolvimento industrial [do Brasil] porém foi retardado pelo monstruoso corpo estranho implantado no coração de sua organização social. A posse de escravos nos tem evidentemente impedido de trilhar a carreira da indústria. Vede as conseqüências da escravatura! A sede dos empregos públicos e a esquivança para as profissões industriais são fatos mui gerais entre nós e que amiudadas vezes hão sido assinalados pela administração como uma grave enfermidade do corpo político.11

Ao lado dessa primeira identificação da noção de civilização com a defesa do trabalho livre, encontramos um outro elemento que seria também exemplar da imagem de país “avançado” que tanto era almejada pela intelligentsia da época, a saber, o uso das máquinas, concebidas como “filhas da civilização”. Com relação a esse aspecto é

9

Ibidem, p. 37. Ibidem, p. 60. 11 Ibidem, p. 79. 10


7 interessante observar como o uso ou não de máquinas é decisivo na opinião de Torres Homem para classificar uma sociedade. A distinção principal que lavra entre o homem no estado de uma sociedade grosseira e imperfeita e o homem na sociedade civilizada consiste em que um prodigaliza suas forças naturais entretanto o outro as economiza e as poupa tirando partidos das forças que encontra em torno de si: para domar a resistência da natureza material ele arma sua fraqueza com máquinas.12

Tal uso das máquinas é compreendido como uma espécie de indício do progresso alcançado por uma nação e aliada ao trabalho livre é tida como a expressão mais bem acabada de civilização. Verifica-se assim que é por meio da instrução e da difusão dessas idéias que a intelligentsia busca a inserção do país no caminho do progresso. Esse ponto é extremamente importante para a caracterização da intelectualidade desse período que, altamente engajada, propõe-se a educar a sociedade e prepará-la para o mundo moderno, esse “vasto bazar, essa imensa fábrica”, nas palavras de Torres Homem. Portanto, História e Civilização apresentam-se como idéias intimamente ligadas e são, por assim dizer, os fios condutores de uma leitura acerca do país no qual se desenham os novos e tão desejados caminhos do progresso.

Bibliografia:

BURKE, Maria Lucia Garcia Pallares. The Spectator, o teatro das luzes: diálogo e imprensa no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1995. CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. Vol. I. São Paulo: Martins Fontes, 1969. CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras: a política Imperial. São Paulo; Rio de Janeiro: Vértice/IUPERJ, 1988. CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora da Unesp, 2004.

12

Ibidem, p. 45.


8 ELIAS, Norbert. O processo civilizador – Uma história dos Costumes. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. LUSTOSA, Isabel. Insultos Impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (18211823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MACHADO, Ubiratan. A vida literária no Brasil durante o Romantismo. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2001. MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo: Anhambi, 1957. NAXARA, Márcia. Cientificismo e sensibilidade romântica: em busca de um sentido explicativo para o Brasil no século XIX. Brasília: Editora da UNB, 2004. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821. São Paulo: Editora Nacional, 1978.


1 O corpo e as mazelas do corpo: aprendendo pelo olhar

Alfredo César da Veiga Mestre em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo e Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. Contato: acv@usp.br

Definir o que seja arte contemporânea não é fácil, especialmente quando se leva em conta o seu caráter multifacetário no dilúvio de imagens que cruzam o nosso campo visual. Há nela virtudes e vícios que os críticos jamais se cansarão de apontar. Naquilo que lhe confere mérito, não poderíamos deixar de reconhecer certo êxito em conseguir traduzir o desencanto de uma sociedade com a ideologia política que, no seu entender, falhou. Além disso, não se pode negar que também ela tem o seu mito, e é justamente esse mito que lhe confere legitimidade e, portanto, aponta para o lado sacral da vida humana. Nesse sentido, ela implica na devolução do sentido que a técnica, quando decide abdicar da natureza e tender tão somente à funcionalidade e à eficiência, relegou à segunda instância. Os poliglotismos da arte contemporânea é que permitem uma interface entre arte e conhecimento. Conhecimento não no sentido de apreensão do objeto, mas no de identificação ou de semelhança com ele. Uma mulher grávida, sentada bem à frente do edifício Palácio das Artes – projeto de Niemeyer na Av. Afonso Pena em Belo Horizonte, cercada de mais duas crianças exauridas pelo calor do sol e pela fome, me trouxeram à lembrança dois momentos ligados à vida e aos escritos de Aby Warburg. O primeiro, a convicção de que a imagem que se desprende de sua relação com a poesia – entre outras manifestações do homem - suprime, em si mesma, o seu elemento vital. O outro, o fato de mandar escrever, no frontispício da biblioteca que gastou boa parte da sua vida para construir, a palavra: Mnemosyne, como se quisesse lembrar ao pesquisador em arte de que a própria vida deve ser objeto de pesquisa, e que o material histórico só serve para lembrá-lo do funcionamento da memória social (WIND, 1997, p. 79). Desde as ruas frias de Campos do Jordão no mês de julho, passando pelo Parque do Ibirapuera até Times Square, quem já não parou ou simplesmente não lançou pelo menos um olhar enviesado naquelas pessoas que se fingem de estátuas adonisadas em troca de algumas moedas? A mulher do Palácio das Artes não tinha a beleza física para competir com as imagens realísticas dessas pessoas-estátuas que produzem um tipo de encantamento de forma a atrair os olhares fáceis. Difícil alguém, sem beleza e graça, como se via naquela cena desoladora, conseguir


2 o mesmo efeito. O dinheiro que sobra para comer não deixa restos para adquirir bugigangas coloridas que poderiam muito bem ocultar a fealdade marcada como um ferrete pela vida ingrata. O que deu para fazer, ela fez: pintou os braços, o rosto e o cabelo com spray prateado, deixando de fora as pernas. Era, portanto, uma “meia estátua”, como uma vida que não pode ser vivida na sua inteireza. Para Duchamp (PAZ, 2002, p. 25), a mulher seria o exemplo perfeito de antiarte, no sentido de não ser portadora de beleza ou de qualquer detalhe que desperte os sentidos do senso comum para o protótipo de belo. Na era do visual, ela seria a não-contemplação, o nada, o vazio. Se a mulher entra ou não na categoria de arte, segundo a hierarquia disposta pelos especialistas, é difícil saber, mas se é verdade que, segundo Warburg, a arte se nutre das mais obscuras energias da vida humana (apud Wind, op. cit., p. 83), então ao menos ela servia para abastecer a arte, impedindo-a de morrer de inanição, e apenas o fato de despertar o olhar de pessoas apressadas, já é uma forma de consagração do corpo como objeto de arte por excelência, e desse modo, “qualquer coisa que seja passível de experiência, toda e qualquer coisa que entre no campo da atenção, pode ser intuída e vivenciada esteticamente” (GREENBERG, 2002, p. 39). Warburg, aos escrever a palavra “recordar” na língua grega à entrada da sua biblioteca, queria evocar, mais que uma mera lembrança, um processo espiritual, interior. O Palácio das Artes, atrás da mulher semipintada, permanecia trancado a correntes e cadeados, como muitos museus, a fim de serem “preservados”. Aquilo que é protegido pela “aura”, para usar uma expressão de Benjamin, não corre riscos, e assim como para os gregos, o que estava dentro do centro cultural era sagrado, intangível, e o que estava fora, profano (do latim: pro-fānus: que está diante do templo ou que simplesmente não entra nele). Todo pesquisador em artes deveria ser, como o pintor, alguém, que na opinião de Merleau Ponty, seja

(...) forte ou fraco na vida, porém soberano incontestável na sua ruminação do mundo, sem outra “técnica” a não ser a que seus olhos e suas mãos se dão, à força de pintar, obstinado em tirar, desse mundo onde soam os escândalos e as glórias da História, “telas” que quase nada acrescentarão às cóleras nem às esperanças dos homens, e ninguém murmura. (1989, p. 48)

Ingressamos todos no novo século conservando os mesmos vícios de sempre. O flâneur da modernidade de Baudelaire pode ser identificado ao flâneur da pós-modernidade quando se mistura à multidão para se esconder dela. No que difere é que, para Baudelaire, os filhos do progresso e da tecnologia se tornam os heróis da modernidade. Na pós-modernidade, são esquecidos ou vistos com


3 indiferença. “Se algum dia” – como bem previu o poeta, “a mulher se libertar do homem que lhe paga o preço do seu corpo (...) então deverá sua existência exclusivamente à sua própria criatividade” (BENJAMIN, 1991, p. 89). No caso de uns, a arte é um lamento, e como para a mulher da nossa história, era como se precisasse travestir de algo que não fosse ela mesma para ampliar o megafone representado pelo prateado barato a fim de chamar a atenção de uma sociedade que deixou alguém para trás, obrigando-a a sobreviver dos seus restos. Para outros, a arte é usada apenas como invólucro que age sob o influxo da aparência a fim de esconder um humano que por algum motivo não faz questão de aparecer de forma plena, deixando escapar o sintoma de uma sociedade esquizofrênica que prefere viver de alucinações a encontrar um sentido consistente à experiência vivida. Nesse sentido, temos que reconhecer que a arte, de certa forma, representa bem nossa situação histórica. Uns a utilizam como adereço para compor uma indumentária insípida do ponto de vista da aesthesis no sentido grego, mas que, de um jeito ou de outro presta seu quinhão para ajudar na solução de problemas reais, como a fome, só para citar um exemplo; enquanto, para outros, a arte não passa de um artifício para enaltecer ainda mais a fetichização do corpo, o que contribui, em larga escala, para a desagregação do humano que, indiscriminadamente, atinge as duas realidades. A arte, assim, carrega dentro de si a sua própria contradição dialética: ao mesmo tempo equilibra e desequilibra a relação dos homens entre si. Liberta e oprime quando se faz dela motivo de interesses próprios e imediatos. Ajuda a dar sentido quando muitas vezes é isenta de qualquer sentido. É essa aparente falta de nexo que levou Jean Cocteau a exclamar: “A poesia é indispensável. Se ao menos soubesse para quê.” (apud FISCHER, 2002, p. 11). Em vista disso, poderíamos perguntar: o que a arte tem a dizer aos desvalidos, aos fracos, aos esquecidos pela sociedade de consumo? Talvez absolutamente nada, talvez absolutamente tudo. Mais que tudo, ela pode significar um interregno, uma interrupção momentânea, uma parada obrigatória para toda a sociedade, sem exceção. Para o miserável representa um sinal de esperança quando aponta para um sentido, ou meio de ganhar a vida. Para o abastado, um delírio ilusório, ou até mesmo um grande ponto de interrogação de uma maneira incoerente de viver. Para um mero passante, apenas mais um detalhe no meio de tantos, e finalmente, para outros mais sensíveis, a eclosão de uma emoção de ódio, amor, medo, enfim, uma semente que provoca o nascimento de algo que só pode ser percebido pelo seu contemplador que se deixa tocar pela obra. Uma mulher pobre, pedindo esmola, travestida de estátua. Depois de lhe dar um pequeno agrado em dinheiro, perguntou-me se queria que fizesse pose de estátua, já que sentada não se parecia com uma. Se alguém lhe pagava, achava que estava na obrigação de agir como uma. Disse


4 que não precisava, talvez porque via cansaço em seu olhar e preferia que se sentasse na mureta do belo Centro Cultural e descansasse, ou talvez porque entendesse que a verdadeira arte não se expressa em sua realidade vital tanto na sua imobilidade quanto nas suas voltas, nos seus contornos, nos seus encontros e desencontros, e nas certezas e incertezas que geram, e principalmente naqueles rostos esmaecidos e derrotados pela vida. Diante de um museu hermeticamente fechado e sem vida, apenas movimentado pelas figuras externas que espelhavam, três figuras verdadeiramente vivas, movidas pela crença de que até mesmo a arte pode sair dos quadros e das paredes e ser usada para transformar desespero em uma simples expectativa de que alguém ainda passe e perceba.


5

Bibliografia:

BENJAMIN, Walter. “Charles Baudelaire: Um lírico no auge do capitalismo”. In: Obras Escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 1991. FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. GREENBERG, Clement. Estética doméstica: observações sobre a arte e o gosto. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. São Paulo: Perspectiva, 2002. PONTY, Merleau. “O olho e o espírito”. In: Textos Selecionados. São Paulo: Nova Cultural, 1989. WIND, Edgar. A eloqüência dos símbolos: estudos sobre arte humanista. São Paulo: EDUSP, 1997.


1

Ferroviários e Tenentes entre 1932 e 1934 Adalberto Coutinho de Araújo Neto Licenciado em História pela UNISO, pós-graduado em História pela PUC-SP/COGEAE e mestre em Histórica Econômica pela USP. Professor efetivo da Rede Pública Estadual de São Paulo.

Os tenentes e o Partido Socialista Brasileiro de São Paulo Em nossa pesquisa sobre a trajetória do Sindicato dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana entre 1932 e 1940, nos deparamos com o relacionamento pouco claro entre os operários e uma certa parcela do tenentismo no estado de São Paulo. Seria um relacionamento entre tenentes que poderiam ser considerados como a esquerda do movimento, com partes do operariado organizado. O assunto não é novidade, tendo em vista que Ingrid Sarti citou a influência dos tenentes sobre os trabalhadores portuários de Santos, e Maria Helena S. Paes mencionou uma certa proximidade entre metalúrgicos da cidade de São Paulo e a organização tenentista Legião Cívica 5 de Julho, no recorte entre 1931 e 1933. Isso, além da amplamente conhecida tentativa de aproximação do Capitão João Alberto, Interventor Federal de São Paulo, junto aos operários têxteis em 1930, quando interveio em sua greve e decretou um aumento salarial geral de 5%, além de sua aproximação problemática com os comunistas, quando da liberação do Partido Comunista do Brasil em São Paulo, logo após sua chegada ao poder. Ângela Carneiro de Araújo comentou essa proximidade dos tenentes com o movimento operário sindicalizado legalmente, dentro do Decreto 19.770, de março de 1931, considerando que era de seu interesse mobilizar o máximo de forças políticas e sociais após a chamada Revolução Constitucionalista de 1932, visando as eleições para a Assembléia Constituinte em meados de 1933. Aliás, foram eles que insistiram na introdução da figura do deputado classista, que seria eleito por delegados de sindicatos legalizados em congressos de suas respectivas categorias. Muito embora não fossem totalmente favoráveis ao corporativismo sindical do Ministério do Trabalho que, segundo Ângela Araújo, poderia impedir sua aproximação política e seus trabalhos junto aos operários, incentivaram a sindicalização legal. Após a promulgação da Constituição em


2

1934, essa proximidade enfraqueceu-se, sendo mais restrita aos tenentes que se colocaram à esquerda do Governo e se propunham “socialistas”. Os tenentes, socialistas e simpatizantes da Revolução de Outubro de 1930, reuniram-se no Congresso Revolucionário Nacional em 1932, e, ao final dos trabalhos, quando os integralistas já haviam se retirado, aprovaram a proposta de criação do Partido Socialista Brasileiro, que deveria reunir os tenentes e seus simpatizantes, bem como os simpatizantes da Revolução de 1930. O objetivo dos tenentes era opor-se às oligarquias coronelísticas de todo o Brasil, mas acabaram organizando partidos estaduais, que malgrado suas intenções, acabaram penetrados por oligarcas dissidentes e dominados por eles, uma vez que o PSB teve pouca organicidade nacional. Em São Paulo, organizou-se uma parte do PSB que ficou restrita ao estado. O General Waldomiro Castilho de Lima, Interventor Federal imposto após a derrota dos “constitucionalistas” em 1932, foi inicialmente a personalidade ligada ao poder que exerceu tutela sobre o partido. Imediatamente, começou-se a trabalhar na criação de diretórios municipais e distritais. Em diversos municípios, sua organização acabou absorvendo elementos proeminentes locais, ligados há pouco, ou talvez ainda, à política oligárquica. Daines Karepovs cita trechos de documentos que demonstram o caráter do PSB-SP. Nos meses iniciais da existência do partido, ele se caracterizou mais por um certo nacionalismo, que propriamente pelo socialismo. Os autores declararam em seu Manifesto do Partido Socialista Brasileiro (1932), que retiraram do socialismo elementos que supostamente se encaixariam com a realidade brasileira. Chegaram a se considerar próximos do “nacional socialismo germânico” (sic) no que se refere à prática de valorização de caracteres nacionais e utilização de subsídios socialistas que se enquadrassem nessa característica. Era um partido que combatia a luta de classes, propondo a conciliação entre patrões e empregados. Seu programa trabalhista propunha a sindicalização corporativa, justiça do trabalho, salário mínimo, lei de acidentes do trabalho, férias, etc. Esses socialistas, aliados aos tenentes em São Paulo, esforçaram-se em eleger deputados constituintes federais e estaduais. Elegeram apenas três. Com o passar do tempo, e não de muito tempo, constatou-se que os deputados eleitos do PSB tinham uma atuação bem pouco próxima do que se podia esperar de um partido socialista, ainda que esse


3

“socialismo” fosse muito eclético e, segundo Daines Karepovs, lhe faltassem elementos básicos para classificá-lo como tal, como o trabalho real junto ao proletariado e a representação classista de sues interesses. Ao final de 1933, o partido se reconstituiu e ganhou características mais próximas da social-democracia européia, que propriamente governistas-tenentistas, segundo Daines Karepovs. Em 1934, organizou-se em São Paulo a Coligação dos Sindicatos Proletários e nos mesmo ano, a Coligação das Esquerdas, com finalidades eleitorais. Uma quantidade relevante de sindicatos oficializados e a União dos Trabalhadores Gráficos, com orientação trotskista, participaram da coligação sindical. Entre os representantes de sindicatos oficializados participantes, encontramos em documentos no DEOPS e na literatura a respeito, ligações com os ferroviários sindicalizados da Estrada de Ferro Sorocabana. E, nos documentos policiais sobre a greve dos ferroviários de janeiro de 1934, encontramos relações entre tenentes e representantes da Legião Cívica 5 de Julho, com os sindicalistas ferroviários paulistas. Os ferroviários e as influências tenentistas O Sindicato dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana (SFEFS) foi criado em 26 de dezembro de 1932, após a dissolução do Sindicato Ferroviário do Estado de São Paulo. Essa organização esteve enquadrada no sindicalismo oficial do período, sendo reconhecido oficialmente. Desde sua criação, teve problemas com a administração da Estrada de Ferro Sorocabana, dirigida por Gaspar Ricardo Jr., que colaborou ativamente no esforço de guerra dos “constitucionalistas” em 1932. Esse diretor era identificado com o Partido Republicano Paulista e, de fato, foi vereador na cidade de São Paulo por essa legenda. Podemos considerar que parte dos problemas entre Gaspar Ricardo Jr. e o SFEFS esteja na sua origem. Diversos dirigentes do Sindicato eram filiados ao PSB, como prontuários do DEOPS demonstram, sendo que seu Secretário, Armando Avelanal Laydner, de sua primeira diretoria, logo eleito presidente da entidade, conseguiu se eleger no primeiro congresso da categoria como delegado eleitor e, em seguida, deputado constituinte, ligado ao referido partido.


4

Os desentendimentos entre o diretor da EFS e o Sindicato tinham um importante fundo ideológico, uma vez que o sindicalismo em suas atribuições normais não era aceito por Gaspar Ricardo Jr., como fica claro no exame da introdução, de sua autoria, do Relatório referente aos serviços ferroviários e rodoviários da Estrada de Ferro Sorocabana, relativo ao ano de 1934 (S. Paulo: Tipografia Brasil de Rostchild & Co., 1935). Gaspar era incapaz de aceitar o sindicalismo dos ferroviários que, mesmo sendo oficializado, não se comportava com submissão, procurando representar demandas dos trabalhadores junto à diretoria da empresa. Essa intransigência de Gaspar durante a maior parte do ano de 1933, apoiada pelo departamento jurídico da empresa, que garantia que a sindicalização dos ferroviários era ilegal, tendo em vista ser a Sorocabana uma estatal e que a Lei 19.770 impedia a sindicalização de funcionários públicos, levou as duas partes ao conflito aberto. Havia tensão também entre outros ferroviários e respectivas empresas no estado de São Paulo. O pessoal da São Paulo Railway (SPR) estava tenso e tinha problemas com a empresa desde meados de 1932. Durante 1933 a tensão também se espalhou entre os trabalhadores da Noroeste do Brasil e Companhia Paulista. As tensões estavam ligadas ao reconhecimento do sindicalismo oficial e a questões trabalhistas e econômicas gerais. Os agentes do DEOPS constataram tentativas constantes de ligações de militantes da Legião Cívica 5 de Julho, de socialistas, e até do pessoal do Clube 3 de Outubro com os ferroviários. Citam envio de mensageiros dos ferroviários ao General Rabelo, exinterventor em São Paulo, que estava no Rio de Janeiro; visitas de representantes das organizações tenentistas, como a do Capitão Ferreira, legionário e de Gomes de Sá, do Clube 3 de Outubro, aos sindicalistas da Sorocabana e da SPR. Em Informe Reservado de 28 de novembro de 1933, constante no Prontuário 2432, vol. 2, o agente do DEOPS afirma que o Conselho Municipal da Legião Cívica 5 de Julho, em Bauru, contava com um contingente composto por 80% de ferroviários. Ele usou supostas declarações do presidente local da entidade, que se dizia “marxista”. Aliás, o recém eleito Deputado Constituinte Classista pelos ferroviários, Armando Laydner, em reunião conjunta com ferroviários da Sorocabana e da SPR, em 9 de outubro de 1933 (Informe Reservado, Reunião do Conselho Deliberativo da “S.P.R.” em conjunto com a diretoria e representantes do sindicato da Sorocabana, p. 1. Prontuário 2432, vol.


5

2), afirmou: “Tenho certeza camaradas, que uma vez lançados à luta, virão junto a nós os verdadeiros socialistas que nos fornecerá material suficientes para luta [sic]”. Um dos representantes dos trabalhadores da SPR interpelou discordando da participação de estranhos à categoria em seus movimentos. É necessário destacar que diversos autores, entre eles Edgar Carone, em alguns de seus trabalhos, citam que os ferroviários da SPR, ou “Inglesa”, como era chamada, tinham um importante grupo de comunistas atuantes em seu meio. Em geral, nesses anos, os comunistas colocavam-se abertamente em disputa com outras correntes socialistas e proletárias dentro do movimento operário. Evidentemente, essa disputa visava o controle das entidades, influência sobre a categoria e hegemonia sobre o próprio movimento operário com vistas a uma revolução. Os agentes do DEOPS1 apontaram a influência na preparação de uma greve que deveria ser geral e a participação, negada pelos ferroviários, de representantes da Legião Cívica 5 de Julho. O advogado Dr. Octávio Ramos, Presidente da Legião, chegou a hipotecar apoio ao movimento. João Cabanas, um dos heróis do Levante de 5 de julho de 1924, em São Paulo, em reuniões da direção de diversos sindicatos de ferroviários ao final do ano de 1933 e início de 1934, declarou auspiciosa a colaboração desses trabalhadores nas revoluções. Os agentes policiais esperavam uma greve sediciosa preparada por “perigosos extremistas” e, pelo que seus informes dizem, os “extremistas” queriam usar a greve que seria geral nas ferrovias paulistas, como o início de um movimento armado. Hélio Silva, em 1934, a Constituinte (O Ciclo Vargas – vol. VII), apresenta documentos que indicam que os tenentes em São Paulo não aceitaram a substituição do General Waldomiro Castilho de Lima pelo também General Manuel Rabelo, e depois, pelo civil do Partido Constitucionalista, relacionado com os membros do Partido Democrático, aliado do Partido Republicano Paulista em 1932, Armando Salles de Oliveira. O autor sugere que os tenentes se mobilizavam para derrubar o político civil paulista no início de 1934 e, nesse caso, a ocasião de uma grande greve ferroviária seria estratégica para tal intento. Segundo o agente Mário de Souza, em Trechos de uma Parte Reservada de 22/09/33, deveria ter ocorrido uma greve “na qual tomariam parte operários da Noroeste do 1 Prontuários do DEOPS nos nomes citados e também nos do Sindicato dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana, da Legião Cívica 5 de Julho e Federação Regional dos Ferroviários de São Paulo, além do jornal Cruzeiro do Sul, de 16/01/1934.


6

Brasil, Sorocabana, Paulista, Tecelões de algumas localidades do interior [paulista] e até de lavradores da região de Bauru”, liderados por legionários, na ocasião da posse de Armando Salles de Oliveira, na Interventoria Federal de São Paulo, em 1933. Esse documento poderia corroborar a tese de Hélio Silva. No entanto, a planejada greve geral para o início de 1934, não ocorreu, ficando o movimento mais restrito aos ferroviários da Sorocabana. Os grevistas, pouco numerosos, foram prontamente reprimidos nas localidades pertencentes a Companhia Paulista e a Noroeste do Brasil. Na greve da Sorocabana não pudemos constatar qualquer participação de militares contrários ao governo ou qualquer confronto aramado. De fato, nos últimos dias, antes da greve ser deflagrada, os legionários resolveram, segundo suas declarações, não colocar os assuntos de sua organização em meio ao movimento grevista. Após esses eventos, a ligação entre os ferroviários e os tenentes de esquerda e com suas organizações relacionadas diminuiu muito, ou ganhou uma clandestinidade maior. Talvez as participações dos ferroviários da Sorocabana em atividades e organizações nas quais os socialistas do PSB estavam presentes, como nas da Coligação dos Sindicatos Proletários de São Paulo, durante 1934, tenham sido as últimas relações com os grupos próximos à fração do tenentismo, que agora se colocava à esquerda no cenário político estadual. Nesse mesmo ano, o PSB, unido à Liga Comunista Internacionalista, trotskista, criou a Coligação das Esquerdas, para disputar as eleições estaduais em São Paulo. E, em outubro de 1934, vários grupos esquerdistas e proletários enfrentaram-se com armas nas mãos, com milhares de integralistas na Praça da Sé, na capital do estado. João Cabanas participou dessa luta, com alguns policiais que se puseram do lado dos contramanifestantes antifascistas, entre os quais, alguns ferroviários, anarquistas, comunistas, trotskistas, socialistas, etc. Esse evento ficou conhecido como “Batalha da Praça da Sé”.

Bibliografia: ARAÚJO NETO, Adalberto Coutinho de. Entre a Revolução e o Corporativismo. A experiência sindical dos ferroviários da E.F. Sorocabana nos anos 1930. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2006.


7

ARAÚJO, Ângela Carneiro de. A construção do consentimento. Corporativismo e trabalhadores nos anos trinta. São Paulo: Edições Sociais, 1998. CARONE, Edgar. Brasil, Anos de Crise: 1930 – 1945. São Paulo: Ática, 1991. KAREPOVS, Daines. Os socialistas: o PSB-SP na constituinte de 1933-1934. Manuscrito. MAFFEI, Eduardo. Batalha da Praça da Sé. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1984. PAES, Maria Helena S. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo: 1932 – 1951. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Departamento de História, FFLCH-USP, 1979. SARTI, Ingrid. Porto Vermelho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. SILVA, Hélio. 1934, A Constituinte (o Ciclo Vargas – vol. VII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. ZAMBELLO, Marcos Henrique. Ferrovia e memória estudo sobre o trabalho e a categoria dos antigos ferroviários da Vila Industrial de Campinas. São Paulo, dissertação FFLCHUSP, 2005.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.