Histórica

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Há uma cultura genuinamente brasileira? - aproximações e afastamentos entre Antonio Candido e Roberto Schwarz Carlos Eduardo França de Oliveira Bacharel e licenciado em História pela Universidade de São Paulo e pesquisador na área de História Social. Contato: sutchaman@msn.com

O que é ser brasileiro? Quais são os elementos que especificam nossa identidade? Quais são as singularidades que permitem a identificação de uma cultura propriamente criada no Brasil? Qual é o lugar da cultura brasileira no cenário mundial? Questões como essas que, à primeira vista, podem soar generalizantes, ultrapassadas ou inocentes, na realidade são indagações centrais dentro do contínuo processo de formação da cultura brasileira, que por sua vez guarda nas suas diversas manifestações artísticas uma contribuição essencial para o enriquecimento e adensamento da discussão sobre essa extensa temática. Nesse sentido, preocupados em estudar a cultura brasileira tendo como objeto de análise um campo específico – a literatura –, autores como Antonio Candido e Roberto Schwarz

oferecem

elementos

que ajudam

a compreender

não apenas

determinados aspectos da literatura brasileira, como também a entender em traços gerais a dinâmica em que opera a cultura brasileira, atentando para o estreito vínculo existente entre esse movimento e a singular formação do Brasil enquanto Estado Nacional. Deste modo, ao estabelecer um diálogo entre esses dois autores, o presente artigo pretende examinar a maneira como se assentou o lugar das idéias no Brasil, isto é, a forma com que o Brasil, país fortemente marcado por seu legado colonial, lidou com complexas questões sociais, políticas e econômicas, e construiu, mediante a isso, uma cultura própria, atrelada à constante busca pela identidade brasileira frente ao mundo, sobretudo o europeu. Os textos básicos utilizados para tal debate são Literatura e Cultura de 1900 a 1945, de Antonio Candido (1973), e As idéias fora do lugar, de Roberto Schwarz (1992). 1


Ao analisar a literatura brasileira de fins do XIX até meados do século XX – intercalando arrazoados mais genéricos sobre tendências ou movimentos literários, como o Romantismo, o Simbolismo e Modernismo, com considerações mais específicas sobre determinados poetas, romancistas e ensaístas, como Mário de Andrade, Jorge Amado e Sergio Milliet –, Antonio Candido defende, como já fizera em outras oportunidades, a idéia de que as “melhores expressões do pensamento e da sensibilidade têm quase sempre assumido, no Brasil, forma literária” (1973, p. 156). Em outras palavras, o autor concebe a literatura como a principal forma de expressão cultural que o Brasil já criou no que se refere à formação de uma consciência nacional e à pesquisa das questões brasileiras, mesmo com sua perda de espaço após a Segunda Guerra Mundial, com o advento dos novos meios de comunicação. Antonio Candido acredita que o desenvolvimento das expressões culturais brasileiras, sintetizadas na sua melhor forma pela literatura, condiciona-se por meio de uma dialética do localismo e do cosmopolitismo, de forma que o primeiro é representado por um discurso de cunho nacionalista e o segundo pela imitação consciente dos moldes europeus. O equilíbrio ideal entre essas duas tendências representaria aquelas obras que obtiveram os resultados mais interessantes, como as feitas por Machado de Assis e Mário de Andrade. De maneira geral, essa dialética estrutura-se através de uma ininterrupta relação de vivência literária e espiritual que se articula entre o elemento local, centrado no conteúdo da expressão artística e o padrão estético oriundo da tradição européia, focando-se mais precisamente na forma da expressão artística. No entender de Antonio Candido, o intelectual brasileiro se posiciona de maneira ambígua à sociedade européia. Se por um lado busca se aproximar e se identificar com essa civilização, encontrando nela elementos que ajudam na compreensão e representação do Brasil, por outro, nota que muitas dessas influências divergem da realidade brasileira, ou seja, não conseguem se enquadrar nos padrões da vida social do país. Entretanto, recorrentemente incorporados, esses elementos discordantes da realidade brasileira produzem efeitos dualistas, contraditórios e anacrônicos.

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Em tom ensaístico, Schwarz, analisando sobretudo o século XIX, procura delinear um mecanismo social exclusivo do Brasil e especificar de que forma essa estrutura se tornou um elemento constitutivo e ativo da cultura brasileira. Se Antonio Candido tenta caracterizar a evolução da cultura brasileira por meio de uma incessante dialética entre o local e o cosmopolita, Schwarz é contundente em afirmar que o processo de formação cultural do Brasil, seja ele pendente ora para o nacionalismo ora para o cosmopolitismo, tem como ponto de partida a apropriação e reposição de idéias européias sempre em um sentido diverso do original, de forma que elas tomem uma forma característica para se adequar à realidade da sociedade brasileira. Para Antonio Candido, o problema é que tais idéias são muitas vezes conflitantes com a realidade brasileira e, quando incorporadas, ocasionam os já mencionados dualismos, anacronismos e estranhamentos. Já Schwarz mostra que esses contrastes não se devem tanto ao simples fato de haver uma apropriação de idéias incompatíveis, o que por si só configuraria uma incoerência evidente, mas sim à maneira como essa assimilação ideológica se deu, isto é, à forma com que esses padrões e conceitos europeus foram reconstruídos a fim de se tornarem inteligíveis e unívocos para a realidade brasileira. Assim, por conta dessa recomposição deformadora, Schwarz mostra que o evidente contraste entre os incompatíveis perde sua força, sendo justificado e camuflado por um aparato ideológico que se escora, parcial e objetivamente, em alguns pressupostos contidos nas idéias européias. Segundo Schwarz, um exemplo clássico dessa recomposição é a forma com que o liberalismo foi assimilado no Brasil. Não obstante a independência ter sido pensada em nome das idéias liberais francesas, inglesas e americanas, o Brasil tinha como força de trabalho um elemento indiscutivelmente conflitante com liberalismo: o escravismo. Entretanto, a despeito da escravidão ter sido a relação produtiva fundamental no Brasil imperial, Schwarz acredita que o cerne da vida ideológica brasileira se pautava em outra mediação: a do favor. Estabelecida entre o latifundiário e o homem livre pobre, essa relação peculiar não era paradoxal ao extremo quanto o escravismo, no que se referia às idéias liberais. Não podendo ser racionalizado

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integralmente, o favor impõe a dependência entre seus praticantes, criando uma cumplicidade viciosa em que ambas as partes se utilizam do arbítrio dessa mediação para justificar os mais diversos acordos, camuflando inclusive o próprio escravismo. Sobre a questão do favor, encarando-o sob uma perspectiva mais contemporânea, José de Souza Martins faz uma interessante afirmação: (...) é aparentemente insuportável para a população brasileira estabelecer relações sociais de qualquer natureza, políticas ou não, com base unicamente nos pressupostos racionais do contrato social (...) os mecanismos tradicionais do favor sempre foram considerados legítimos na sociedade brasileira. Não só o favor dos ricos aos pobres, o que em princípio já era compreendido pela igreja católica. Mas o favor como obrigação moral entre pessoas que não mantém entre si vínculos contratuais ou, se os mantêm, são eles subsumidos pelos deveres envolvidos em relacionamentos que se baseiam antes de tudo na reciprocidade. (1994, p. 35).

A partir daí, as complicações são inúmeras e demonstram que se o liberalismo na Europa foi uma ideologia1 bem fundamentada, no Brasil ele foi redirecionado a fim de legitimar privilégios claramente contrários ao pensamento liberal. Com isso, no Brasil confere-se “independência à dependência, utilidade ao capricho, universalidade às exceções, mérito ao parentesco, igualdade ao privilégio etc”. (SCHWARZ, 1992, p. 18). E é justamente nesse ponto, ressalta Schwarz, que reside a argúcia de Machado de Assis. Além de ter problematizado as hierarquias da sociedade de sua época, Machado questionou as verdades universais de origem européia por meio da observação e crítica desses princípios não em sua origem, mas sim na forma que os mesmos tomaram na realidade brasileira. Confrontando as reflexões dos autores, é perceptível que ambos insistem no destaque da influência européia na configuração da cultura brasileira, situando-a como um dos pontos de partida da expressão cultural produzida no Brasil. Nesse ponto, é pertinente retomar de certa forma o sentido da colonização proposto por Caio Prado Jr. (1999, pp. 19-32), levando em conta que o Brasil, em sua origem, foi uma empresa estruturada pelos portugueses no Novo Mundo que se vinculava a um movimento de maior amplitude, o capitalismo comercial europeu, que por 4


seu turno se assentou principalmente nas atividades colonizadoras a partir do século XV. Assim, por mais que a historiografia discuta a existência ou não de um sentimento de nacionalidade genuinamente brasileiro durante o processo de independência, que se defenda ou não a presença de um processo revolucionário nacionalista na construção do estado brasileiro autônomo, é evidente que o Brasil foi, enquanto colônia de Portugal, um imenso depósito de elementos essenciais da civilização européia, sendo, portanto, desde sua origem, parte integrante do mundo europeu. Mesmo que reformulados pelos colonos, amalgamados com as culturas indígenas e africanas, os preceitos europeus foram imperativos na constituição da sociedade brasileira. A questão é que, terminada a época de jugo colonial, o Brasil se lançou ao mundo, ou melhor, a um mundo que girava em torno da civilização européia capitalista. O Brasil – país novo, atrasado, mestiço, escravocrata, monárquico e dominado pelos grandes latifundiários – via-se em contraste com um continente antigo, em processo de industrialização, liberal, e que cada vez mais contestava os privilégios. Dessa forma, tanto Antonio Candido como Schwarz mostram que o brasileiro, tomado por um sentimento de inferioridade decorrente do passado colonial e das implicações evidentes que essa herança2 impôs ao Brasil, sejam elas políticas, sociais ou econômicas, continuou a dialogar com o mundo europeu e fez desse contato uma constante no processo de expressão cultural brasileiro; mas um contato em que o atraso e o deslocamento do Brasil perante a Europa se mostraram explícitos. Em decorrência disso, a própria condição histórica do Brasil não permitiu uma apropriação integral e uniforme da influência européia, surgindo desse quadro a já apontada maneira tortuosa com a qual o legado europeu foi assimilado pelos brasileiros. Portanto, situada no plano das idéias, essa comédia ideológica, no dizer de Schwarz, é indissociável de certos mecanismos sociais que deitam raízes na própria origem do Brasil. Apesar de se referirem a períodos históricos específicos, as reflexões feitas por Schwarz e Antonio Candido, se vistas de forma integrada, podem ser utilizadas em seus traços mais gerais para a compreensão do desenvolvimento cultural brasileiro como um todo, inclusive na atualidade. Em primeiro lugar, por

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meio dos textos, é possível desconstruir a dita “originalidade brasileira” e também desmistificar uma noção extremamente enraizada na sociedade brasileira, proposta sistematicamente por Von Martius e que considera a junção das culturas indígena, africana e branca como a essência da formação da civilização brasileira. Assim, torna-se claro que a cultura brasileira não é um simples somatório dessas culturas, mas sim um processo contínuo que teve desde sua origem um movimento essencial que é o da assimilação – ambígua, deslocada e resignificadora – de determinadas idéias européias. Tome-se como exemplo os movimentos Romântico, Barroco, Neoclássico, Naturalista e Modernista. Se por um lado é notória a influência européia no surgimento dessas tendências estéticas, por outro é não menos evidente a maneira desajustada como foram assimiladas no Brasil, já que ao contrário do que ocorreu na sociedade européia, o desenvolvimento desses movimentos não foi acompanhado por mudanças efetivas na organização da sociedade brasileira. Ao longo o século XX, a dialética proposta por Antonio Candido e as Idéias fora do lugar de Schwarz podem ser utilizadas para observar a incessante busca por uma efetiva modernização do Brasil, preocupação que também afetou o campo da cultura. De fato, mais uma vez esse movimento de apropriação de idéias estrangeiras – agora não mais somente européias, mas também norteamericanas, já que os E.U.A. tornam-se o centro do sistema capitalista mundial, do qual Brasil é integrante periférico – se faz de maneira dualista e tortuosa, assentando combinações que, segundo Schwarz, foram evidenciadas de maneira crítica pelo próprio Modernismo, pelo Tropicalismo e pela Economia Política. Isso porque na Europa o que ocorreu foi um fenômeno integrado: a modernização (entenda-se como a vertente econômica, a inovação técnica), a modernidade (a vivência subjetiva desses novos incrementos) e o modernismo (as expressões estéticas, culturais e artísticas dessas mutações) foram esferas que se imiscuíram, que se delinearam conjuntamente, dialogando entre si, trocando impressões, formando assim um processo interligado. No caso dos países subdesenvolvidos, grupo em que figura o Brasil, não existiu essa coesão já que seu atraso econômico em relação às potências mundiais não permitiu que houvesse

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condições estruturais para que a modernização num sentido geral ocorresse no mesmo molde da européia. A dependência econômica externa, mal que se perpetua desde a instalação dos portugueses no Novo Mundo, fez com que o Brasil desempenhasse ao longo de sua história um papel estrutural no capitalismo, o da periferia, cuja economia sempre esteve constantemente buscando ajustar-se às inovações técnicas e aos novos modelos econômicos produzidos pelos países ricos. Caminhando juntamente com essa constante adequação econômica, grande parte da produção cultural brasileira do século XX – cada vez mais inserida na manipulação mercadológica da Indústria Cultural3 e, por conseguinte, atrelada a uma exploração sistemática e ordenada de bens considerados culturais, evitando a formação de indivíduos críticos, independentes e conscientes – ratifica a enfatizada assimilação tortuosa de elementos externos e também reproduz a mediação do favor mencionada por Schwarz, atualmente encabeçada pelos meios de comunicação, sobretudo os mais poderosos.

Notas:

(1) Schwarz entende ideologia como algo pejorativo, sobretudo ilusório, que limita as pessoas a compreenderem a realidade em que vivem. Dessa forma, Schwarz não defende os princípios liberais, mas mostra que, se eles faziam sentido na sociedade européia, na brasileira, só passavam a fazê-lo caso fossem reformuladas.

(2) Ao tocar na questão da herança colonial, nunca é demais mencionar o artigo homônimo de Sérgio Buarque de Holanda, que pretende discutir os resquícios coloniais que perduraram durante o Primeiro e Segundo Reinados, assim como

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sua importância para a reordenação posterior da sociedade brasileira. Nesse texto, o autor mostra como os representantes de uma recém formada nação tiveram que reordenar diversas instâncias da vida colonial – muitas delas vinculadas às realidades européias, como, por exemplo, o sistema de nobilitações – a fim de configurar uma nova ordem social. Ver HOLANDA, Sérgio Buarque de. “A herança colonial – sua desagregação”. In: Holanda, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da civilização brasileira, tomo II, “O Brasil Monárquico”, vol. 1. São Paulo: Difusão européia do livro, 1965, pp. 9-39.

(3) Para o conceito de Indústria Cultural, ver ADORNO, T.W.; HORKHEIMER, M. “A Indústria Cultural: O esclarecimento como Mistificação das Massas”. In: Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: JZE, 1985.

Bibliografia:

ADORNO, T.W.; HORKHEIMER, M. “A Indústria Cultural: O esclarecimento como Mistificação das Massas”. In: Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: JZE, 1985. CANDIDO, Antonio. “Literatura e Cultura de 1900 a 1945”. In: Literatura e Sociedade. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1973. HOLANDA, Sérgio Buarque de. “A herança colonial – sua desagregação”. In: Holanda, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da civilização brasileira, tomo II, “O Brasil Monárquico”, vol.1. São Paulo: Difusão européia do livro, 1965. MARTINS, José de Souza. “O poder do atraso”. In: Ensaios de sociologia da justiça lenta. São Paulo: Hucitec, 1994. PRADO JR. Caio Prado. “O sentido da colonização”. In: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999. SCHWARZ, Roberto. “As idéias fora do lugar”. In: Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1992.

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Autoritarismo político e institucionalidade democrática: a grande imprensa e o conflito social Francisco Fonseca Mestre em Ciência Política e doutor em História, é professor de Ciência Política na Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo. Além do livro O Consenso Forjado – a grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil (Hucitec, 2005), é autor de vários artigos acadêmicos

sobre a relação entre imprensa, democracia e

neoliberalismo. Contato: ffonseca@fgvsp.br.

Este artigo objetiva analisar o papel da grande imprensa brasileira, isto é, os quatro principais periódicos diários – Jornal do Brasil (JB), O Globo (OG), Folha de S.Paulo (FSP), e O Estado de S. Paulo (OESP) –, quanto ao conflito social, notadamente os novos direitos políticos inseridos na Constituição de 1988 e sobretudo o direito à greve. O período que contextualiza a discussão é justamente a transição para a democracia, entre 1985 e 1990, e mais especificamente o período constituinte, entre 1987 e 1988. Por meio, sobretudo de editoriais, mas também de artigos e reportagens, busca-se observar como a grande imprensa se postou perante o conflito social e como se autodelatou quanto ao seu autoritarismo e conservadorismo. Por fim, é importante ressaltar que a grande imprensa é aqui considerada sob três perspectivas: a) como aparelho privado de hegemonia, tendo em vista sua capacidade de, autonomamente em relação ao Estado, influenciar-lhes as decisões, assim como a agenda política, em sentido amplo; b) como empresa privada capitalista que, como tal, objetiva o lucro, o que faz da notícia uma mercadoria - há diversas implicações aqui, sobretudo a intermediação de temas públicos, embora seus órgãos sejam privados; c) como “partido político” do capital e das classes médias, sobretudo em determinadas circunstâncias candentes, caso da transição à democracia e especificamente do período constituinte.


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Autodelações involuntárias: autoritarismo e conservadorismo em plena reinstitucionalização democrática.

Vejamos o modus operandi dos jornais. A seguinte passagem, publicada no JB pela Federação Nacional dos Bancos, é significativa: (...) o bom senso da maioria (...) [deve prevalecer] sobre o radicalismo de algumas lideranças que desejam a greve por motivos políticos. O que essas lideranças querem impor, com a ameaça da greve, é a inviabilização do plano cruzado, com prejuízo dos próprios bancários e de toda a população. A alta exacerbada de salários, via greve, fatalmente conduzirá à generalização de pretensões da espécie e à conseqüente explosão dos preços. (grifos nossos).

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Afinal, esta passagem poderia perfeitamente substituir os editoriais de qualquer um dos quatro jornais aqui analisados, pois todos os elementos fundamentais

argüidos

pela

grande

imprensa

estão

aqui

presentes:

a

deslegitimação da greve devido ao papel manipulador das “lideranças”, embora não se apresente qualquer dado que o comprovasse; a suposta motivação política, considerada um motivo escuso, embora silencie sobre os baixíssimos salários dos bancários em contraste aos altos lucros dos bancos; a omissão quanto ao fato de que, em sentido amplo, toda greve ser inerentemente política, assim como as ações empresariais (caso deste panfleto); e a utilização da tese da perversidade (HIRSCHMAN, 1985), pois todos seriam prejudicados com a greve. Como pertence a Fenaban, constata-se que entre as entidades patronais e os (também patronais) órgãos de imprensa não há qualquer diferença quando o tema em questão é a greve, isto é, a luta de classes, independentemente do intuito que possuam os movimentos sindical e popular. Mas toda essa retórica conservadora não passou desapercebida pelos sindicatos, que, de tanto serem achincalhados pelo discurso patronal, publicaram, 1

Comunicado da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) na primeira página dos grandes jornais em 09/09/86, com o título “AO PÚBLICO E AOS BANCÁRIOS”. A passagem em foco fora retirada, contudo, do Jornal do Brasil, o mesmo que recusara a publicação, também em primeira página, do comunicado das Centrais Sindicais a respeito da greve geral. Cf. FONSECA, Francisco. O Consenso Forjado, op. cit. Este fato é sintomático da postura patronal e “arcaica” da luta burguesa dos jornais contra os trabalhadores.


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no dia anterior ao comunicado dos bancos – estes, portanto, responderam aos sindicatos – um comunicado de esclarecimento chamado “POR QUE OS BANCÁRIOS VÃO À GREVE”, e também publicado na primeira página dos jornais.2 Os argumentos dos sindicatos bancários sinalizam que: (...) banqueiros e Governo acenam com ameaças e acusações infundadas. Ameaçam com a decretação de ilegalidade da nossa greve, lançando mão das leis da ditadura. Atribuem aos bancários intenções políticas e desestabilizadoras do Plano Cruzado. É um absurdo, uma tentativa de criminalizar o legítimo movimento reivindicatório dos trabalhadores e seus sindicatos.

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O comunicado poderia inserir a grande imprensa – embora com o plausível risco de que não conseguissem publicá-lo – no que diz respeito às “ameaças e acusações”, assim como à “tentativa de criminalizar” a luta dos trabalhadores. Como se observa, o que a grande imprensa fez e propugnou foi exatamente o mesmo que os governos conservadores e determinados setores empresariais, casos, respectivamente, da “Nova República” e do patronato, em sua grande maioria, no que tange à organização sindical dos trabalhadores e à luta de classes. Efetivamente não houve diferenças.4 A grande imprensa, por outro lado, cobrou dos sindicatos, enquanto personagens políticos e sociais, posturas que ela própria não adotou. Para OG, por exemplo: Qualquer associação, e não apenas os sindicatos, tem pendor para a oligarquização: para criar a opinião comum, tanto quanto para apresentá-la; para formar essa opinião através da propaganda (e há toda uma parafernália de propaganda, bastante 2

Neste caso, o JB o publicou, embora a contragosto, tendo em vista a reação dos sindicatos. Aparentemente o veto à publicação do comunicado sobre a greve geral, neste mesmo ano, fora o primeiro realizado pelo jornal, o que de forma alguma ameniza a gravidade de um órgão de informação negar-se a publicar opiniões da sociedade – afinal, esta não seria uma das funções precípuas da imprensa segundo sua própria alegação? 3 Comunicado assinado pelos sindicatos dos bancários de diversos estados e pela Federação e Confederação dos bancários brasileiros em 08/09/86. Também neste caso, a passagem acima fora retirada da edição do JB. É claro, contudo, que radicalizações por parte do movimento sindical poderiam ocorrer. O busílis não reside aqui, e sim na sistemática e renitente desqualificação de toda e qualquer greve, indiferente, portanto a qualquer distinção. 4 Para uma análise exaustiva do veto às greves pela grande imprensa ver FONSECA, Francisco. O Consenso Forjado, op. cit., parte IV.


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sofisticada (...) e lhe dar um quadro pré-fabricado. Em síntese, qualquer associação pode ser o reflexo de um grupo de interesses, tanto quanto um grupo de interesses ser pura projeção de um grupo incomparavelmente menor e ciosamente fechado.” (OG, 10/05/87, grifos nossos).

Esta descrição define com precisão a própria imprensa, pois, embora expresse interesses múltiplos, estes são restritos no sentido de que estão fortemente vinculados a determinados grupos, isto é, classes (minoritárias, portanto). Mais ainda, a formação de opinião, que se confunde com a propaganda por meio de mecanismos bastante sofisticados, faz com que a opinião se apresente “pré-fabricada”.5 OG, sem o perceber, descreveu o modus operandi da grande imprensa, embora acreditasse no contrário ou simplesmente omitisse tal assertiva quanto à imprensa, mesmo considerando que qualquer associação poderia agir desta forma. É significativa tanto a “autodelação” como a exclusão a si mesma de uma descrição a qual se adequa com extrema perfeição. Mas OG cometeu outros “atos falhos”, denunciadores da própria imprensa, pois afirma que: “Quanto mais amplo é esse direito, maior a responsabilidade (...) Se é amplo o direito de greve, numerosas e severas são, igualmente, as limitações ao seu exercício” (OG, 09/02/90). Ora, se tal assertiva é válida para os sindicatos e as greves, não o seria também para a imprensa? Afinal, à liberdade não corresponde sempre uma responsabilidade, proporcional ao impacto que produz numa dada sociedade, o que implica necessariamente limitações? Estas indagações são simplesmente descartadas pela grande imprensa (pode-se generalizar), que requer toda a liberdade, inclusive para denegrir, ostensiva e/ou subliminarmente – como ocorre de forma exaustiva com os sindicatos, grevistas e pessoas à esquerda no espectro –, em nome do que considera “justo” e “correto”, 5

A sofisticação das mensagens, com vistas à formação da opinião, tem na grande imprensa um veículo poderoso. Os periódicos em foco se utilizam fartamente de recursos subliminares, tais como a conjugação de fotos e manchetes que, por si só, dispensam a opinião formal, tal o automatismo da mensagem, opinativa e teleológica por excelência. Particularmente OG, que publica editoriais diários também na primeira página (capa), articula com maestria não apenas a imagem que quer passar via fotos e manchetes como ainda a reforça com editoriais ao lado (intitulados chamativamente) – tudo isso representa uma “parafernália” ideológica. Dessa forma, as greves foram sistematicamente alvo desta “opinião pré-fabricada”, representada por um grupo com interesses “fechados”, em oposição à tão propalada “sociedade aberta” alardeada pela própria grande imprensa.


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a ponto de julgar e prejulgar ações, pessoas, idéias e circunstâncias, sem prestar contas a nenhuma instância. OESP, por exemplo, se opôs à existência de uma lei de imprensa, postulando a suficiência dos códigos civil e penal, como se a imprensa não apenas não tivesse poderes especiais – de denegrir e sofismar, por exemplo – assim como se seu impacto social não fosse amplo. OG ainda demonstra uma outra contradição ao afirmar que: “(...) a economia é mais que administração de bens escassos; é a administração de interesses divergentes (...)” (OG, 10/12/87). A contradição se refere não à definição, que é claramente verificável na história, mas sim à negação concreta, prática, desta afirmação no que tange às greves como exercício democrático e normal (desde que regulados em lei) de uma sociedade em que há “interesses divergentes”. Em outras palavras, o jornal e toda a grande imprensa afirmaram princípios – abstratos –, mas os contraditaram quando os mesmos se personificaram nas contendas sociais. Isso implica “posar” de democrata e liberal – como OESP afirmara ao criticar a suposta permissividade dos “liberais” para com as greves (FONSECA, 2005). Mas a FSP nos oferece, por outro lado, novas amostras de contradições e “autodelações” da grande imprensa como um todo, pois, ao apoiar o fim do imposto sindical e do sindicato único por categoria, afirma que, sem estas medidas, o sindicalismo permaneceria o “(...) garoto mimado de uma democracia liberal sem forças para levar seus princípios até o fim” (FSP, 08/10/85). A pergunta óbvia a fazer é se os periódicos levam os pressupostos desta democracia que tanto diz zelarem “até o fim”, ou se os utilizam ao sabor das conveniências e dos interesses que representam. Mas se os exemplos demonstrados até este momento não foram suficientes para deixar claro o conservadorismo autoritário dos principais jornais brasileiros, a própria FSP se encarregará de fazê-lo, “delatando-se” involuntariamente ao comentar as posições “à esquerda” e “conservadora” no que tange aos direitos sindicais, sobretudo o exercício da greve. Quanto a que:

argumentos conservadores, afirma


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O volume inusitado e a audácia do movimento grevista em curso suscitaram reações cujo teor, intensidade e um certo grau de orquestração deixam dúvidas sobre se o que está em questão é apenas resolver os impasses para o restabelecimento das operações de trabalho. Pois, de fato, não colabora para refazer o clima de confiança mútua entre as partes envolvidas fazer apelo, sem mais considerações, à repressão policialesca pura e simples aos trabalhadores, em tom e linguagem que nada deixam a dever àqueles de tempos que se pensava superar. Inserem-se nestas considerações o alarmismo indisfarçado daqueles que antecipam o caos social pelas projeções fantasiosas de uma paralisação dos serviços urbanos; as intromissões públicas, intempestivas e deselegantes, vindas de áreas do próprio governo, em assuntos pertinentes ao Ministério do Trabalho; e a surrada tese de que as greves teriam causa na ‘infiltração’ de elementos estranhos. (FSP, 18/05/85, grifos nossos).

Antes de tudo, é importante contextualizar esta afirmação, pois em 1985 não apenas a FSP possuía uma postura mais próxima às demandas democráticas da sociedade – afinal, no ano anterior de certa forma “liderara” a campanha das “diretas já” –, como seu projeto econômico ainda era “nacionaldesenvolvimentista”. Esses aspectos certamente faziam com que a ambigüidade crucial do jornal – premido entre a ordem e os direitos – se tornasse ainda mais complexa. Por outro lado, embora a FSP não tenha dito quais setores estariam reagindo autoritariamente perante as greves, é mais do que evidente que a grande imprensa como um todo se adequa perfeitamente à descrição efetuada. Afinal, todos os argumentos arrolados na passagem acima são, inteira e freqüentemente, utilizados pelos jornais, incluindo-se a própria Folha de S. Paulo, sobretudo ao final da “Nova República”, quando pende ao ultraliberalismo. E não apenas os argumentos esgrimidos, mas também o tom e a linguagem autoritários e a decisiva pressão em favor da “criminalização” dos sindicalistas e da esquerda fazem parte da forma de proceder dos periódicos. Portanto, a FSP “autodelata”, sem o querer nem perceber, toda a grande imprensa – e outros setores conservadores que por trás dela se articulam e/ou recobrem –, revelando, com suas próprias palavras, a reação à introdução de direitos civis, políticos e sociais


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demandados pela grande maioria da sociedade brasileira, tal como expresso na campanha das “diretas” e durante toda a transição. Mas um outro indicador veio também das páginas da FSP, por intermédio da coluna do ombudsman, que, embora jamais radicalizasse posições contra a Folha em particular e a grande imprensa como um todo, vez por outra revelou e revela ainda as contradições dos órgãos de comunicação. Numa dessas circunstâncias, comenta “O descaso dos jornais com a greve na Justiça”, título da coluna que questionou as razões da greve em foco, praticamente desconsiderada na cobertura e na opinião dos periódicos paulistas (a greve ocorrera na Justiça de São Paulo). Para o ombudsman à época, o jornalista Caio Túlio Costa: (...) destaque na primeira página para desnudar a vontade editorial de priorizar a notícia, mostrar sintonia com fatos que mexem e muitas vezes transtornam o cotidiano dos cidadãos, isto nada. (...) Advogados sérios declaram (...) que o trabalho na burocracia judiciária seria muito mais rápido e bem feito se esses 37 mil servidores fossem reduzidos para sete mil e os salários economizados (...) revertidos em benefício dos que restarem. (...) Ninguém trabalha contente ganhando miséria. Responsáveis pela tramitação de toda a papelada num fórum não ganham hoje mais do que 12 mil cruzeiros mensais, coisa aberrante. Esta é uma das discussões possíveis no aprofundamento dessa crise. Nada foi dito, escarafunchado. Os jornais se limitam a noticiar com pouco caso a greve (...) Instituições políticas (opinativas) e instrumentos indispensáveis para o dia-a-dia do seu leitor (...), nenhuma dessas funções maiores os jornais estão tendo no caso da greve na Justiça. (FSP, 27/05/90, grifos nossos)

A opinião do ombudsman corrobora o que vimos apontando, isto é, a grande imprensa arroga-se a liberdade sem qualquer responsabilidade, a ponto de cobrir ou deixar de cobrir assuntos públicos por motivos particulares. Por outro lado, o jornalista, embora aparentemente apontasse como exceção o fato de a imprensa não discutir propostas alternativas, isto é, não dar voz seriamente aos diversos lados de uma contenda – o que chama de “escarafunchar” –, exprime a


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ausência de debate, de discussão, de pluralismo.6 A opinião (privada) dos donos dos jornais e dos interesses que defendem – permanente ou circunstancialmente – assume a condição de “opinião pública”, ocultando-se em larga medida as contradições sociais e os eventuais projetos em pugna. Por fim, o fato de o ombudsman conceber os jornais como entidades “políticas e opinativas” é também um avanço, pois contribui – a partir do jornal – para destituir o mito da neutralidade, da independência e da autonomia da grande imprensa, tal como esta se autodefine, sobretudo ao afirmar a separação entre notícia e opinião. Mas a opinião da coluna em foco é, neste caso, apenas uma opinião,7 isolada num “ambiente ideológico hegemônico”, dado que a dinâmica da FSP de forma alguma se alterou em razão da existência desta crítica. A indagação final a ser feita é: quem controla os controladores? A unicidade da grande imprensa pode ser corroborada, também, por meio de uma outra “autodelação”, pois O Globo, em sua renitente campanha antigreves afirmou ser um dos editoriais de OESP a síntese do pensamento da grande imprensa, pois: “(...) a indagação pertinente, e justificadamente angustiada, do jornal ‘O Estado de S. Paulo’ em seu editorial de ontem: ‘Até onde chegaremos, se não prevalecer o bom senso?’ Ela é o eco da imprensa a uma sociedade

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Um notável exemplo de ausência de discussão, implicando, desta forma, vulgarização, diz respeito ao tema da flexibilização da relação capital/trabalho. Um artigo de um economista insuspeito aos olhos da grande imprensa, pois não filiado a postulados “à esquerda”, caso de Edward Amadeo, exemplifica com brilhantismo os problemas de fundo não discutidos e, portanto, simplificados com vistas à divulgação por parte dos jornais. O título do artigo é mais do que sintomático: Um caso de ultraliberalismo, em que afirma que: “No Brasil temos um modelo ultraliberal, deformado pela ação ancilar do Estado, em que as empresas não têm compromisso com a formação e realocação da força de trabalho. Demite-se sem escrúpulos, principalmente os ‘bagrinhos’. Os excessos geram uma situação de precariedade que compromete o futuro. São duas as seqüelas mais profundas: a força de trabalho tem baixíssimo grau de qualificação e a dualidade do mercado é enorme.” (FSP, 22/12/91, Seção “Opinião Econômica”, p. 3-2). Embora este quadro seja sobejamente conhecido, a grande imprensa o omite ao propor, por exemplo, a “livre” negociação dos salários. Dessa forma, a reivindicação de parcelas significativas do movimento sindical quanto à introdução dos “contratos coletivos nacionais de trabalho” ou é omitida ou desqualificada; por outro lado, apesar de determinadas matérias, caso da publicada na FSP em 23/06/90 afirmar que os sindicatos rejeitam a “livrenegociação”, esta proposta, entre outras vinculadas à “flexibilização” e “modernização” das relações capital/trabalho, foram apresentadas em pleno Plano Collor, o mais recessivo até então havido no país, com efusivo apoio dos jornais. 7 A opinião do ombudsman possui, além do mais, limites claros, pois sua estabilidade no emprego dura apenas dois anos, após o qual o jornalista pode ser mandado embora e entrar numa eventual “lista negra” dos grandes jornais que, perfis distintos à parte, sabem perfeitamente confluir em seus interesses corporativos e de classe, como se observa.


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colhida (mais uma vez) pelo fogo cruzado das radicalizações” (OG, 10/05/89)8. OG denuncia, sem o perceber, que a grande imprensa fala as mesmas coisas, cria as mesmas imagens, detrata os mesmos inimigos. Em outras palavras, pensa e age uníssona, embora considere, irônica e paradoxalmente, tal procedimento como “democrático”. Deve-se aqui ressaltar o fato de que, sobretudo em se tratando dos personagens e das idéias vinculados aos trabalhadores, a intolerância chega ao paroxismo.

As conclusões são, de certa forma, evidentes, isto é, o caráter autoritário, patronal e conservador da grande imprensa que, por meio de autodelações involuntárias, demonstrou sua visão de mundo e seus compromissos políticos. Os periódicos em foco não foram, portanto, o que diziam ser (liberais/democratas), mesmo num momento de redemocratização. Afinal, propugnaram a criminalização dos movimentos sociais populares, sobretudo a greve, e demonstraram que o limite à sua alegada democracia é a luta de classes.

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Neste editorial de OESP a que OG se refere – citado em FONSECA, Francisco. O Consenso Forjado, op. cit. –, o jornal paulista, embora adotasse uma certa “ética da responsabilidade” ao criticar a violência tanto dos grevistas como dos policiais, não apenas dedicou ¾ do espaço a críticas às greves como, no primeiro editorial (pois o foco encontrava-se no meio da página, representando o segundo editorial), referenda a “chantagem” da alta cúpula militar contrária às greves. Em outras palavras, o “ambiente ideológico opinativo” da página editorial é francamente antigreves. OG, portanto, vê a si e à grande imprensa representados por esta posição (é interessante observar que o pouco que OESP criticara da violência policial fora omitido). Para OESP: “(...) entregam-se os arquitetos do caos a todo tipo de provocação, empenhados em forçar ações que conduzam à fechadura.” (OESP, 09/05/89, ênfases do jornal). O sintomático título deste editorial, “Dizer basta às provocações”, é voltado inteiramente a demonstrar o “intuito violento” dos sindicatos. O jornal omite, contudo, que os sindicatos só teriam a perder se enveredassem pela violência. Estigmatizados as greves e os sindicatos, a crítica à violência policial soa como falsa. No editorial de OESP referido por OG, contudo, o jornal paulista afirma que: “Agora (....) as tropas enviadas para a repressão de movimentos grevistas (...) vão equipadas com armas de fogo, como se estivessem numa operação de perseguição a bandidos.” (OESP, 09/05/89, editorial “Até onde chegaremos?”). O cinismo diversionista diz respeito tanto à existência de um “ambiente ideológico” antigreves, em que uma ou outra atenuação – caso da “violência policial” – não contradiz em nada esta afirmação, como 90% de todo o espaço editorial referido às greves (dois dos três editoriais) volta-se a detratá-las. Mas, ainda mais importante é o fato de a consideração de que a polícia estaria reprimindo os grevistas como se fossem “bandidos” é exatamente o que solicita a grande imprensa – daí tratar-se de retórica diversionista, enfatize-se.


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Bibliografia:

COCKETT, Richard. Thinking the Unthinkable (Think-Tanks and the Economic Counter-Revolution, 1931-1983). London: HarperCollins, 1995. EAGLETON, Terry. Ideology, An Introduction. Oxford, 1991. FONSECA, Francisco. O Consenso Forjado – a grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2005. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. HIRSCHMAN. Albert. A retórica da intransigência. (perversidade, futilidade, ameaça). São Paulo: Companhia das Letras, 1985. IANNI, Octávio et al. (orgs.). Desafios da Comunicação, Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. KÜHNL, Reinhard. Liberalismo y Fascismo (dos formas de dominio burguês). Barcelona: Editorial Fontanella, 1978.


A colonização do Planalto gaúcho por empresas privadas “TODO ESTE TERRENO É SUMAMENTE VALIOSO PARA A COLONIZAÇÃO”

Rosane Marcia Neumann Doutoranda em História no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, e bolsista CNPq. Contato: rosane.neumann@pucrs.br

A privatização da propriedade de terra no Brasil foi um processo lento, evitando mudanças radicais e conflitos. O primeiro passo foi a proibição da doação de sesmarias, em 1822. O seguinte foi a Lei de Terras, em 1850. Por seu intermédio, procurou-se legalizar as terras, com a emissão do título de posse. O acesso à terra só seria possível por meio da compra, doação ou herança. A Lei, regulamentada em 1854, era burlada de todas as formas. Nessa nova fase, a corrida às terras foi realizada e apoiada, de um lado, nas chicanas burocráticas locais; e de outro, literalmente, no poder de fogo do posseiro, desencorajando o concorrente, mostrando-se capaz de manter a integridade da nova propriedade (FERES, 1990). A imigração também foi pensada dentro dessa perspectiva, servindo como um referencial para a seleção dos imigrantes, privilegiando a entrada daqueles que possuíam certo capital para a aquisição de sua gleba de terras. Essa política de terras motivou o governo do Rio Grande do Sul a efetuar um levantamento detalhado das terras devolutas existentes, bem como colher informações sobre as possibilidades de exploração econômica das mesmas, pensando na comercialização. Nessa linha, o presidente da Província enviou vários ofícios à Câmara de Vereadores da então Vila de Cruz Alta, na década de 1840 e seguintes, solicitando informações. Questionava as possibilidades de exploração econômica da região, bem como a instalação de colônias voltadas à produção agrícola. Em resposta, a Câmara emitiu os seus relatórios,1 dando conta da existência de grandes áreas de matos devolutos. Ressaltava a variedade e abundância de madeiras, indicando para a exploração comercial das mesmas, bem como sua qualidade para a construção. Destacava também a fertilidade dos solos, propícios para todos os tipos de cultura – grãos, legumes, raízes, árvores frutíferas, fumo e cana-de-açúcar, e a possibilidade de 1

Nesse sentido ver, por exemplo, o relatório emitido pela Câmara Municipal de Cruz Alta ao governo estadual, em 10 de abril de 1847. Outra missiva tratava do mesmo tema, em 14 de abril de 1847. Câmara Municipal de Cruz Alta - 1834-1835; 1840-1841; 1843-1847. Correspondência Expedida. Correspondência das Câmaras Municipais. Maço A.MU - 59 - Caixa 27, AHRS.


exploração da erva-mate. Esses dados eram oriundos, segundo os relatores, de resultados produtivos concretos, ou hipóteses baseadas no tipo de solo encontrado na região. Sobre a possibilidade de instalação de colônias em Cruz Alta e as zonas mais propícias para tal, em 1847 a Câmara respondia: (...) as matas que ficam no fundo dos campos do Nonoai, que bordam os Rios Uruguai, o Passo Fundo, nas imediações da nossa picada, que comunica esta Província com a de São Paulo pelos campos de Palmas, oferecem a propriedade de ótimas terras de cultura, abundâncias de madeiras e a navegação do Uruguai para exportação dos produtos da colônia até São Borja, e dali para baixo, sendo também a capela de Passo Fundo, na distância de 20 léguas, pouco mais ou menos, que igualmente dará consumo a uma grande parte dos produtos da mesma colônia. Por todas estas razões entendo, que no lugar indicado se encontram todas as proporções para com vantagem estabelecer-se a colônia referida. A estas reflexões darão V.V. S.S. o prazo que julgamos conveniente havermos si tanto lhe aprouver, a consideração do Exm° Governo da Província. Cruz Alta 14 de abril de 1847. José Gaspar dos Santos Lima.2

Mercado consumidor próximo, vias de escoamento da produção, como rios navegáveis, estradas transitáveis ou, mais tarde, a viação férrea, eram essenciais para o estabelecimento e desenvolvimento de uma colônia. As proximidades do rio Ijuí Grande não eram indicadas para a colonização, por não ser um rio navegável e pela carência de estradas de ligação, apesar da fertilidade do solo ao redor. Um outro aspecto ressaltado referia-se em afastar essas colônias da região de fronteira, justificando a possibilidade de ataques estrangeiros. A Câmara Municipal de Cruz Alta também estava preocupada com o crescimento urbano e a demanda por alimentos, implicando na elevação dos seus preços, em virtude do desequilíbrio entre a oferta e procura. Respondendo a um questionário do Ministério do Império, em 1858, explicava: A pouca população d’este município, em relação ao seu vasto território, se ocupa especialmente, ou no fabrico de erva-mate, ou no comércio das bestas: ambos estes ramos nos últimos tempos tem florescido em demasia, oferecendo uma perspectiva de lucros quase certos, d’aqui provem a falta de estabelecimentos agrícolas no município, e consequentemente a de produção suficiente para o seu consumo, de gêneros alimentícios de primeira necessidade, como sejam o milho, feijão e mandioca. / O estabelecimento de algumas colônias nas margens do Uruguai, nas do Ijuí Grande, acima de Santo Ângelo, e mesmo nas Serras do Padilha e dos Jacuí aliviarão estes inconvenientes.3

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Câmara Municipal de Cruz Alta - 1834-1835; 1840-1841; 1843-1847 A.MU - 59 Correspondência Expedida Caixa 27. Correspondência das Câmaras Municipais. AHRS. 3 Ofício ao presidente da Província, em 1° de junho de 1858. Câmara Municipal de Cruz Alta – 1856-1859 – Correspondência Expedida – Maço A.MU – 61, Caixa 28, AHRS.


Após quase meio século de estudos, o governo estabeleceu a primeira colônia de imigrantes no interior de Cruz Alta, em 1890. Tratava-se de Ijuí, formada por imigrantes de diferentes etnias. Naquele contexto, privilegiava-se a imigração espontânea, as companhias estrangeiras e aqueles particulares que, com seus próprios capitais, pudessem contribuir para o desenvolvimento da região. Na região noroeste da Província destacou-se na compra e venda de terras, com a finalidade de estabelecer colônias privadas voltadas para a produção agrícola, a Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, de propriedade do editor alemão Herrmann Meyer. Efetivou as primeiras aquisições de terras a partir de 1897, nas circunscrições de Cruz Alta, Palmeira e Passo Fundo, formando as colônias NeuWürttemberg, Xingu, Boi Preto, Fortaleza, Erval Seco e Júlio de Castilhos. Seu projeto de colonização vinha ao encontro dos anseios da municipalidade cruzaltense e do governo provincial. A empresa comprou a maior parcela de terras junto a particulares, variando a extensão das áreas de 610 a 3.000 hectares, bem como os valores pagos. As primeiras dez posses adquiridas até 1900 perfaziam em torno de 13.465 hectares, cerca de 538 lotes coloniais de 25 hectares. Os proprietários que venderam essas terras contavam com o título de legitimação recente, datando entre 1878 e 1892, embora residissem na área há mais tempo. Cruz Alta, devido a sua extensão territorial, era permeada por vastas zonas de campo e outras de mata. Os estancieiros venderam para a Colonizadora as áreas de mata, as quais não utilizavam para a pecuária. A limitação tecnológica franqueava o estabelecimento de trabalhadores nacionais ou posseiros no interior das matas, voltados para o cultivo de uma pequena lavoura de subsistência e a extração de ervamate. A inserção da Empresa de Colonização Meyer, como um empreendimento de caráter capitalista, no comércio de terras de Cruz Alta, gerou conflitos. O trabalhador nacional, instalado até então nas zonas de mata, tolerado dentro de uma rede de relações de poder pessoal e local, foi obrigado a deixar o seu rancho. Em 1899, Carlos Dhein, procurador e sócio de Meyer, mandou publicar uma nota no jornal Cruz Alta, nesses termos: Aos interessados e residentes no 4° distrito. O abaixo assinado a fim de evitar qualquer desavença e para que não se chamem à ignorância, previne e declara a todos os seus confinantes, proprietários e agregados das posses da Serra do 4° distrito deste município, que por compra a diversos fez aquisição, cujos posses está dividindo em colônias e derrubando matos para grandes plantações, para que até o fim do mês de Dezembro futuro façam retirar


todos os gados de sua criação e costeio; e os que não fizeram dentro do referido prazo, ficarão sujeitos verem ditos animais serem remetidos à Intendência municipal para serem arrematados em, hasta pública, conforme a lei. / Aos mesmos Snrs. que em ditas posses que já tenhão feito suas plantações, será-lhes concedido o direito da colheita e os que o fizeram sem sua concessão perderão o direito às referidas colheitas. / E para que chegue ao conhecimento de todos, mandei publicar o presente pela imprensa. Cruz Alta, 25 de Novembro de 1899. Carlos Dhein.4

Essa situação acabou por provocar uma investigação por parte da Comissão de Verificação de Posses e de Discriminação de Terras Públicas, informando do caso ao governo provincial, em 11 de fevereiro de 1900: Em resposta a vosso telegrama de 27 de janeiro p. findo, cumpre-me levar ao vosso conhecimento que não consta que estejam se fazendo derrubadas de matos do Estado na zona da estrada de ferro, cuja concessão foi passada ao Dr. Herrmann Meyer. Há cerca de dois meses Carlos Dhein, representante do Dr. Meyer, anunciou pelo jornal ‘Cruz Alta’ que tendo adquirido por compra diversas posses, ia mandar dividi-las em colônias e derrubar matos para grandes plantações. Em 13 de dezembro p. findo intimei Carlos Dhein a apresentar no prazo de 8 dias os documentos que provassem seu direito a tais posses. Dentro do prazo marcado me foram apresentados os documentos que constavam de 10 títulos de posses legitimadas e dos translados das escrituras de compra e venda d’essas posses. Aguardava oportunidade para fazer seguir 2 auxiliares afim de verificarem a área e o mais que ocorresse relativamente às referidas posses. Porém acabo de saber que Carlos Dhein requereu mandado de despejo e a força foram retirados d’essas terras, diversos posseiros alguns dos quais, com posses de mais de 30 anos. Resolvi fazer seguir amanhã o auxiliar Carlos Gaertner e um ajudante de corda afim de proceder à averiguação. Ajunto remeto-vos o anúncio de Carlos Dhein no jornal “Cruz Alta” a cópia da intimação que fiz e uma cópia da relação que organizei dos 10 títulos que foram apresentados. Saúde e Fraternidade. Augusto Pestana. 5

Para a Empresa de Colonização, o tempo de estabelecimento sem título de legitimação era sinônimo de intrusão e, por lei, poderia ser realizada expulsão (KLIEMANN, 1986; ZARTH, 1994, 1997, 1998; FARINATTI, 1999). Agindo desse modo, a Empresa conseguiu despejar e afastar os trabalhadores nacionais dos seus domínios, dividindo as terras em lotes e vendendo-os aos colonos. A posse de maior extensão e que serviria de modelo para a consolidação da Empresa fora a denominada Neu-Württemberg (atual Panambi), adquirida, de modo fracionado, de particulares a partir de 1898, perfazendo uma área inicial de cerca de 2.500 hectares, ampliada com sucessivas aquisições. Dessas posses, uma parcela 4

Ofício n. 43 de Augusto Pestana, em 14 de fevereiro de 1900. Diretoria de Obras Públicas, Terras e Colonização: 2ª Seção – Terras e Colonização – Comissão de Verificação de Posses e Discriminação de Terras Públicas – Ijuí. Maço 86, Caixa 42. Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas. AHRS. 5 Idem.


minoritária era composta por áreas devolutas. Em dezembro de 1898, a Empresa de Colonização contratou o engenheiro Rudolfo Ahrons, da firma A. Ahrons & Cia, de Porto Alegre, a fim de proceder a medição e divisão em lotes coloniais das terras da colônia Neu-Württemberg. O engenheiro Ahrons veio para a colônia em meados de fevereiro de 1899, dando início aos trabalhos. Foram medidas primeiramente as terras da Posse dos Mello (Iriapira II). Em maio, aconteceram as primeiras complicações, pois alguns lindeiros da Posse dos Mello alegavam esbulho, chegando inclusive a opor embargo judicial no Foro de Cruz Alta. Essas circunstâncias e mais outros transtornos levaram o engenheiro Ahrons a desistir dos trabalhos de medição. As medições subseqüentes foram realizadas por outros agrimensores (LEITZKE, 1980). Em várias oportunidades, a Empresa dirigira-se diretamente ao governo provincial, solicitando a compra de terras devolutas. Em 7 de março de 1904, respondendo pela Empresa de Colonização, Alfred Bornmueller dirigia um ofício para Augusto Pestana, responsável pela Comissão de Terras e Colonização, em Ijuí, nos seguintes termos: Rogamos a fineza de informar-nos, si existem terras devolutas, junto ao território da colônia Neu Württemberg, do lado de oeste a noroeste, ao logo dos rios Palmeira e Ijuhy; no caso afirmativo, si podem ser adquiridas do governo pelo Sr. Dr. Herrmann Meyer. Antecipando-nos gratos pela solução que se dignar dar-nos temos a honra de ser.6

Paralelamente, pressionava os proprietários a venderem as suas terras aos valores que se propunham a pagar. Meyer tinha como projeto a formação de colônias com imigrantes alemães e de religião protestante, limitando a entrada dos que não se enquadravam nesse modelo. Inicialmente, a maioria dos colonos era originária da zona de colonização antiga do Rio Grande do Sul e, posteriormente, de diversas regiões da Alemanha. O número de colonos de ofício era considerável, propiciando um rápido crescimento da área urbana, com o estabelecimento de pequenas fábricas artesanais. Em novembro de 1898, Herrmann Meyer, após visitar as várias áreas de colonização do Rio Grande do Sul, realizou uma breve visita às suas colônias. Sua avaliação sobre Neu-Württemberg foi registrada nesses termos: Todo este terreno é sumamente valioso para a colonização, porque o acesso é relativamente fácil e os produtos encontram colocação vantajosa em Cruz Alta. Há ainda a linha férrea que oferece grandes possibilidades para a exportação. / Atravessamos a região em todos os sentidos, dentro, naturalmente, dos limites que nos ofereciam os trilhos estreitos. Penetramos

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Comissão de Terras e Colonização de Ijuí. Arquivo Frederico Westphalen.


nos soberbos matos, abrimos clareiras nas elevações para podermos apreciar o panorama todo; descemos aos rios, onde, em mente, já via surgir moinhos, curtumes e, o que em colônia alguma deve faltar, cervejarias, enquanto a fantasia me fazia ouvir do alto da colina mais próxima o tanger dos sinos da igreja, em torno da qual artífices e comerciantes construíam as suas casas (MEYER apud FAUSEL, 1949, p. 7-8).

Alegavam oferecer uma infra-estrutura privilegiada para o estabelecimento do colono, como terras demarcadas, estradas, igreja, escola, a proximidade da viação férrea,7 mercado consumidor, matas riquíssimas com madeiras valiosas, que agregavam valor às terras. O preço do lote em Neu-Württemberg oscilava entre oitocentos mil réis no ano de 1900 e um conto de réis em 1901. Em 1912, uma colônia já valia entre 2 e 3,5 contos de réis. No ato da compra, o interessado assinava um contrato de compra e venda com a Empresa de Colonização, seguindo os parâmetros da legislação em vigor, recebendo a escritura apenas após a quitação do mesmo. Como uma forma de salvaguardar o valor de mercado do lote, no contrato de compra e venda, nas “obrigações reais”, no item 10, estabelecia-se que enquanto o comprador não pagasse o lote, obriga-se ele a não tirar das matas que tiver encontrado no seu lote, senão as madeiras e a lenha estritamente necessárias para as suas próprias construções, uso de casa, utensílios, móveis etc. Outrossim recomenda o vendedor que os colonos em próprio interesse poupem as matas existentes o mais que possível e se declara sempre pronto a ajudar a quem por plantações queira aumentá-las.8

A legislação estadual de 1899, concernente ao regime das colônias no Estado, estabelecia nos artigos 111 a 113 que as matas existentes nos lotes só poderiam ser derrubadas uma vez, na extensão necessária para o estabelecimento e na extensão necessária para as plantações. Aquele que devastasse área superior ao permitido, estaria sujeito ao pagamento de multa, de acordo com a infração. A segunda derrubada só era permitida cinco anos após a primeira, indicando para a rotação de terras.9 Levando-se em conta que o trabalho era manual e a produção de subsistência, a área cultivada nos lotes era extremamente reduzida. A maior parte da madeira extraída era empregada para a construção das benfeitorias. Com essa ressalva, tanto o Estado quanto a Colonizadora procuravam evitar a instalação de madeireiras e serrarias voltadas para a comercialização da madeira, pois havia o receio de que os colonos abandonassem a agricultura e se dedicassem à 7

A viação férrea fora prolongada até Cruz Alta em 1894, estendendo-se até Ijuí em 1912. Próximo a colônia NeuWürttemberg havia a parada, posteriormente estação Belizário. 8 Contrato de Terra da Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, 1900. Caixa 1, MAHP. 9 Decreto n. 247 de 19 de agosto de 1899, Art. 110 a 113. In: IOTTI, 2001, p. 746.


exploração da madeira. Ainda, mantinham a valorização das terras vinculada à existência de madeiras. Portanto, após a Lei de Terras, a implantação de colônias de imigrantes, estabelecidos em pequenas propriedades agrícolas, foi uma das formas de apropriação das terras, rendendo dividendos ao Estado e resolvendo os problemas de abastecimento dos centros urbanos. Ao mesmo tempo, o Estado demarcava e regularizava as terras devolutas, expulsando os posseiros. As empresas de colonização privadas, como a Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, foram imprescindíveis para levar adiante essa política de terras.

Referências bibliográficas FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Sobre as cinzas da mata virgem. – Os lavradores nacionais na Província do Rio Grande do Sul (Santa Maria: 1845-1880). Porto Alegre: PUCRS, 1999. Dissertação (Mestrado em História). FAUSEL, Eric. Cinqüentenário de Panambi 1899-1949. s.l.: s.ed., 1949. FERES, João Bosco. Propriedade da terra: opressão e miséria: o meio rural na história social do Brasil. Amsterdam: Centrum voor Studie en Documentatie van Latijns Amerika – III, 1990. IOTTI, Luiza Horn (org.). Imigração e Colonização: legislação de 1747 a 1915. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do RS. – Caxias do Sul: EDUCS, 2001. KLIEMANN, Luiza Helena Schmitz. RS: terra e poder. História da questão agrária. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. LEITZKE, Eugen. Neu Württemberg nos anos 1899-1900. A Notícia Ilustrada. Panambi, 18/04/1980. ZARTH, Paulo A. Do arcaico ao moderno: as transformações no Rio Grande do Sul rural do século XIX. Niterói, Rio de Janeiro: UFF, 1994. Tese (Doutorado em História) Universidade Federal Fluminense, 1994. ______________. História agrária do Planalto Gaúcho. 1850-1920. Ijuí: UNIJUÍ, 1997. ______________. “Os esquecidos da história: exclusão do lavrador nacional no Rio Grande do Sul”. In: ZARTH, Paulo A. et al. Os caminhos da exclusão social. Ijuí: UNIJUÍ, 1998.


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